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OSHO
ZEN
sua história e seus ensinamentos
“Somente uma vez, em toda a história do conhecimento humano, algo
como o Zen tomou forma. Isso é muito raro.
UNIVERSALISMO
Sumário
Introdução
Parte I
Nascido na risada
A semente do Zen
Parte II
O rugido do leão
Bodhidharma vai para a China
Parte III
Um casamento com o Tao
Sosan, o terceiro patriarca do Zen
Apascentar o boi — uma alegoria Zen
Parte IV
Rinzai, o mestre do irracional
O Zen vai ao Japão
Parte V
As flores desabrocham
A contribuição japonesa ao Zen
Um templo para o chá — uma cerimônia Zen
Parte VI
Anedotas do absurdo
A vida ilógica
Parte VII
Diálogos Zen
Histórias sobre iluminação
Parte VIII
O mistério do koan
Charadas insolúveis
Parte IX
O Zen no Ocidente
Uma nova forma de abordar a existência
Epílogo
Introdução
O Zen é uma evolução extraordinária. Raramente uma possibilidade dessas se
transforma em realidade porque ela envolve muitos acasos. A possibilidade
existiu muitas vezes — um certo acontecimento espiritual poderia ter crescido e
se tornado semelhante ao Zen, mas isso nunca se concretizou. Somente uma
vez, em toda a história do conhecimento humano, algo como o Zen tomou forma.
Isso é muito raro.
Em primeiro lugar, eu gostaria que você entendesse o que é o Zen. Tente me
acompanhar vagarosamente pelo curso do crescimento do Zen — como ele
aconteceu.
O Zen nasceu na Índia, cresceu na China e floresceu no Japão. A situação inteira
é fora do comum. Por que aconteceu de ter nascido na Índia, mas não ter
conseguido crescer lá e ser obrigado a procurar um solo diferente? Na China ele
se tornou uma grande árvore, mas não conseguiu florescer lá; novamente
precisou procurar um clima novo, um clima diferente. E no Japão ele
desabrochou como uma cerejeira em milhares de flores. Não foi coincidência,
não foi acidental; existe aí uma misteriosa história secreta. Eu gostaria de revelá-
la para você.
A Índia é um país introvertido. O Japão é extrovertido. E a China está exatamente
no meio, entre os dois extremos. A Índia e o Japão são completamente opostos.
Então, de que modo a semente nasceu na Índia e floresceu no Japão? Eles são
opostos; não têm semelhanças; eles são contraditórios. Por que a China surgiu
exatamente no meio, para lhe dar o solo?
A semente é uma introversão. Tente entender o fenômeno da semente, o que é
uma semente. A semente é um fenômeno introvertido, é centrípeto — a energia
se move para dentro. É por isso que é uma semente, completamente encerrada
e protegida do mundo exterior. Na verdade, a semente é a coisa mais solitária e
isolada que existe no mundo. Não tem raízes entranhadas no solo, nem galhos
voltados para o céu; não tem ligação com a terra, nem ligação com o céu. Não
tem relacionamentos. A semente é uma ilha absoluta, isolada, enfurnada. Não
se relaciona. Tem uma concha rígida à sua volta, sem janelas nem portas; ela
não pode sair, e nada consegue entrar ali.
A semente é natural para a Índia. O gênio da Índia consegue produzir sementes
de tremenda potencialidade, mas não pode lhes dar solo para que germinem. A
Índia é uma mente introvertida. A Índia diz que o exterior não existe, e, ainda que
pareça existir, ele é feito da mesma matéria de que são feitos os sonhos. Todo
o gênio da Índia tem se voltado para tentar descobrir como escapar do exterior,
como mover-se para a caverna profunda do coração, como centrar-se em si
mesma. E de que forma perceber que o mundo todo que existe fora da
consciência é apenas um sonho — bonito, nos melhores casos, um pesadelo,
na pior das hipóteses. Seja bonito ou feio, na realidade ele é um sonho, portanto,
ninguém deve se importar muito com ele. Deve-se despertar e esquecer o sonho
todo do mundo exterior.
Todo o esforço do Buda, Mahavira, Tilopa, Gorakh, Kabir — todo o esforço deles
no correr dos séculos — tem sido para descobrir como escapar da roda da vida
e da morte: como se encerrar em si mesmo; como se isolar de todos os
relacionamentos; como ficar sem contato, desapegado; como voltar-se para
dentro e esquecer o exterior. Foi por isso que o Zen nasceu na Índia.
Zen significa a mesma coisa que dhyan e é uma alteração japonesa dessa
palavra. Dhyan é todo o esforço da consciência indiana, e significa estar tão
sozinho, tão mergulhado em seu próprio ser que nem mesmo um simples
pensamento existe. Na verdade, em muitas línguas, não há uma tradução direta
dessa palavra. Contemplação não é a palavra. Contemplação significa pensar,
refletir. Mesmo meditação não é a palavra, porque a meditação envolve um
objeto sobre o qual se medite; significa que existe alguma coisa presente. Você
pode meditar sobre Cristo ou pode meditar sobre a cruz. Mas dhyan significa
estar tão só que não existe nada sobre o que se possa meditar. Nenhum objeto,
existe apenas a simples subjetividade — a consciência sem nuvens, um céu
limpo.
Quando essa palavra chegou à China, tornou-se ch’an. Quando ch’an chegou
ao Japão, tornou-se Zen. Ela vem da mesma raiz do sânscrito, dhyan.
A Índia pode dar à luz dhyan. Por milênios, a mente indiana vem percorrendo o
caminho do dhyan — como suprimir todos os pensamentos e como ficar
enraizado na consciência pura. Com Buda, a semente passou a existir. Também
muitas vezes antes disso, antes de Gautama Buda, a semente chegou a existir,
mas não conseguiu encontrar o solo adequado e então desapareceu. E se uma
semente for dada à mente indiana ela desaparecerá, porque a mente indiana irá
se voltar cada vez mais para dentro, e a semente irá se tornar cada vez menor,
menor e menor, até que chega o momento em que ela se torna invisível.
Uma força centrípeta faz as coisas cada vez menores, menores, menores —
diminutas — até que, de repente, elas desaparecem. Muitas vezes antes de
Gautama Buda, a semente de dhyan nasceu — e tornar-se um dhyani era tornar-
se um grande meditador. Na realidade, o Buda é o último de uma longa série.
Ele mesmo se lembra de vinte e quatro budas antes dele. Então houve vinte e
quatro tirthankaras jainas, e todos eles eram meditadores. Eles não faziam mais
nada, simplesmente meditavam, meditavam, meditavam, até que atingiam o
ponto em que só existiam eles e tudo o mais havia desaparecido, evaporado.
A semente nasceu com Parasnath, com Mahavira, Neminath e outros, mas ela
então permaneceu com a mente indiana. A mente indiana pode dar à luz uma
semente, mas não consegue tornar-se o solo apropriado para ela. Ela segue
trabalhando na mesma direção e a semente vai ficando menor, menor, do
tamanho de uma molécula, de um átomo — e então desaparece. Foi isso o que
aconteceu com os Upanixades; foi isso o que aconteceu com os Vedas; foi o que
aconteceu com Mahavira e todos os outros.
Com Buda também ia acontecer isso. Bodhidharma o salvou. Se a semente
tivesse sido deixada com a mente indiana ela teria se dissolvido. Nunca teria
germinado, porque é preciso um tipo de solo diferente para germinar — um solo
equilibrado. A introversão é um desequilíbrio profundo, é um extremo.
Relata-se que o próprio Buda disse: “Minha religião não resistirá mais do que
quinhentos anos, então ela desaparecerá”. Ele tinha consciência de que sempre
acontecia dessa maneira. A mente indiana segue triturando-a em pedaços cada
vez menores, chega então um momento em que ela se torna tão pequena que
fica invisível. Ela simplesmente não faz mais parte do mundo; desaparece no
céu.
Bodhidharma escapou com a semente para a China. Ele fez uma das maiores
façanhas na história da consciência: ele encontrou o solo adequado para a
semente que o Buda dera ao mundo.
O experimento de Bodhidharma era grande. Ele olhou e observou tudo ao redor
do mundo, profundamente, procurando um lugar em que a semente pudesse
crescer.
A China é um país equilibrado, não é como a Índia ou o Japão. Lá, o caminho é
o meio-termo. A ideologia de Confúcio é permanecer sempre no meio: não ser
nem introvertido nem extrovertido; nem pensar demais neste mundo nem demais
no outro — apenas permanecer no meio. A China não deu à luz uma religião,
apenas moralidade. Nenhuma religião nasceu lá; a mente chinesa não consegue
conceber uma religião. Não pode criar uma semente. Todas as religiões que
existem na China são importadas, todas vieram de fora. O budismo, o hinduísmo,
o maometismo e o cristianismo vieram todos de fora. A China é um bom solo,
mas não consegue dar origem a nenhuma religião, porque para isso é preciso
mergulhar no mundo interior. Para dar à luz uma religião é preciso ser como um
corpo feminino, um útero.
A Índia é introvertida, um país feminino; é como um útero, muito receptivo. Mas
se uma criança permanecer no útero para todo o sempre, o útero se transformará
em seu túmulo. A criança precisa sair do útero materno, caso contrário a mãe
matará a criança ali dentro. Ela precisa escapar, encontrar o mundo lá fora, um
mundo maior. O útero pode ser muito confortável — ele é! Os cientistas dizem
que ainda não fomos capazes de criar nada mais confortável do que um útero.
O útero é simplesmente o paraíso. Mas mesmo a criança precisa deixar esse
paraíso e sair de dentro da mãe. Além de um certo tempo a mãe pode se tornar
muito perigosa. Então o útero pode matar, porque ele irá então se tornar um
confinamento. Ele é bom por um tempo, quando a semente está crescendo, mas
chega o momento em que a semente precisa ser transplantada para o mundo
exterior.
Bodhidharma olhou em torno, observou o mundo todo e descobriu que a China
era o solo mais apropriado; era exatamente o terreno intermediário, não era um
extremo. O clima não era de extremos, portanto a árvore poderia crescer
facilmente. E a China tinha um povo equilibrado. O equilíbrio é o solo correto
para que alguma coisa cresça: muito frio é ruim, muito quente é ruim. Em um
clima equilibrado, nem muito frio nem muito quente, a árvore pode crescer.
Bodhidharma fugiu com a semente, fugiu com tudo o que a Índia tinha produzido.
Ninguém percebeu o que ele estava fazendo, mas era uma grande experiência.
E ele provou que estava certo. Na China, a árvore cresceu — cresceu até atingir
grandes proporções.
Mas, embora a árvore se tornasse cada vez maior, nenhuma flor desabrochava.
As flores não apareciam porque as flores precisam de um país extrovertido.
Assim como a semente é introvertida, a flor é extrovertida. A semente está se
voltando para dentro; a flor está se voltando para fora. A flor é como a mente
masculina. Ela se abre para o mundo exterior e libera seu perfume para esse
mundo. Então o perfume viaja nas asas do vento até o canto mais longínquo do
mundo. Em todas as direções, a flor libera a energia contida na semente. Ela é
uma porta. As flores gostariam de se tornar borboletas e sair das árvores. Na
verdade, é isso o que elas estão fazendo de forma bem sutil. Elas estão liberando
a essência da árvore, seu próprio significado, a importância da árvore para o
mundo. Elas São grandes compartilhadoras. A semente é mesquinha, confinada
em si mesma, e a flor é uma grande perdulária.
Necessitava-se do Japão. O Japão é um país extrovertido. O estilo de vida e a
mentalidade são extrovertidos. Observe... na Índia ninguém se incomoda muito
com o mundo exterior — com relação a roupas, casas, o modo de viver de cada
um. Ninguém liga. É por isso que a Índia continua tão pobre. Se você não estiver
preocupado com o mundo exterior, como pode ficar rico? Se não houver a
preocupação de melhorar o mundo exterior você continuará pobre. E os indianos
são sempre muito sérios, sempre prontos a fugir da vida, com budas falando
sobre como se tornar um perfeito desistente da própria existência — não apenas
da sociedade, mas um desistente da própria existência em caráter definitivo! A
existência é aborrecida demais. Aos olhos dos indianos, a vida é cinzenta —
nada é interessante nela, tudo é apenas aborrecido, uma carga. É preciso
carregá-la de alguma forma por causa de karmas passados. Mesmo se um
indiano se apaixona, ele diz que isso é por causa de um karma passado; ele é
obrigado a passar por isso. Até mesmo o amor é uma carga que a pessoa tem
de carregar.
A Índia parece inclinar-se mais para a morte do que para a vida. Um introvertido
precisa inclinar-se para a morte. É por isso que a Índia desenvolveu todas as
técnicas de como morrer perfeitamente, de como morrer tão perfeitamente que
você não nasça de novo. A morte é o objetivo, não a vida. A vida é para os tolos,
a morte é para aqueles que são sábios. Não importa quanto um Buda ou um
Mahavira possa ser belo, você vai encontrá-los confinados; em volta deles há
uma grande aura de indiferença. Seja lá o que for que esteja acontecendo, eles
não estão nem um pouco preocupados. Se acontecer deste jeito ou daquele não
vai fazer a menor diferença; se o mundo continua vivendo ou morrer, não faz
nenhuma diferença. Nessa tremenda indiferença, o desabrochar é impossível;
nesse estado de confinamento interior, é impossível desabrochar.
O Japão é completamente diferente. Na mentalidade japonesa é como se o
interior não existisse, só o exterior tem significado. Observe os trajes japoneses.
Todas as cores das flores e do arco-íris, como se o exterior fosse muito
significativo. Observe um indiano quando ele estiver comendo e observe o
japonês. Observe um indiano quando está tomando chá e o japonês. O japonês
cria uma celebração partindo das coisas mais simples. Ele transforma o ato de
tomar chá numa celebração. Ele se torna uma arte. O exterior é muito importante;
as roupas são muito importantes, os relacionamentos são muito importantes.
Você não consegue descobrir no mundo inteiro gente mais expansiva do que os
japoneses — sempre sorrindo e parecendo felizes. Para os indianos eles
parecerão superficiais; não parecerão sérios. Os indianos são pessoas
introvertidas e os japoneses são extrovertidos: eles são opostos.
O japonês está sempre se movimentando em sociedade. Toda a cultura
japonesa está preocupada em criar uma sociedade bonita, em criar belos
relacionamentos — em tudo, em cada detalhe —, em lhes dar um significado. As
casas japonesas são bonitas. Mesmo a casa de uma pessoa pobre tem sua
beleza própria; é artística, tem sua própria singularidade. A casa pode não ser
muito suntuosa, mas ainda assim, em um certo sentido, é rica por causa da
beleza, da disposição das coisas, por causa da mentalidade com que foi
planejado cada pequeno, mínimo detalhe. Onde a janela deveria ser, que tipo de
cortina deveria ser usado, como a lua deveria ser invocada da janela, e de que
local. Coisas bem pequenas, mas todo detalhe é importante.
Para os indianos, nada disso importa. Se você for a um templo indiano, verá que
ele não tem janelas; não há nada, não há higiene, nenhuma preocupação com a
circulação do ar, com a ventilação — nada. Até mesmo os templos são feios, e
nada funciona — há sujeira, pó, ninguém se importa. Bem em frente ao templo,
você verá vacas descansando, cachorros brigando, pessoas rezando. Ninguém
se importa. Nenhum sentido voltado para o exterior, eles não estão nem um
pouco preocupados com o exterior.
O Japão se preocupa muito com o exterior — exatamente o outro extremo. O
Japão era o país adequado. A árvore do Zen inteira foi transplantada para o
Japão e ali ela floresceu em milhares de cores. Ela desabrochou.
PARTE UM
Nascido na
risada
O Zen é a floração suprema da consciência. Ele começa com
Gautama Buda entregando uma flor de lótus a Mahakashyapa.
A semente do Zen
Certa vez um homem pegou uma flor e, sem uma palavra, segurou-a diante dos
homens sentados em círculo ao redor dele. Cada homem por sua vez olhou para
a flor e então explicou seu significado, sua importância, tudo o que ela
simbolizava. O último homem, entretanto, vendo a flor, não disse nada, somente
sorriu. O homem no centro então sorriu também e, sem uma palavra, entregou-
lhe a flor. Essa é a origem do Zen.
Certa vez, Buda estava para fazer uma preleção e milhares de discípulos vieram
de um raio de muitos quilômetros. Quando Buda apareceu, ele vinha segurando
uma flor. O tempo passou, mas Buda não dizia nada, ele apenas olhava para a
flor. A multidão ficou impaciente, mas Mahakashyapa, que não conseguiu se
segurar por mais tempo, deu uma risada. Buda acenou-lhe para que se
aproximasse, entregou-lhe a flor e disse à multidão: “Tudo o que podia ser dado
a vocês com palavras eu já lhes dei; mas com esta flor dou a Mahakashyapa a
chave de todos os ensinamentos”.
A chave de todos os ensinamentos, não apenas para um Buda mas para todos
os mestres — Jesus, Mahavira, Lao Tzu —, não pode ser dada por meio da
comunicação verbal. A chave não pode ser entregue por intermédio da mente;
nada pode ser dito sobre ela. Quanto mais você falar mais difícil fica a entrega,
porque você e um buda vivem em dimensões tão diferentes — não só diferentes
mas diametralmente opostas — que, seja lá o que for que um buda diga, ele será
mal interpretado.
Ouvi dizer que uma noite três mulheres meio surdas se encontraram na rua.
Ventava muito naquele dia, assim urna mulher disse: “Tarde ventosa”. A outra
disse: “Uma cama gostosa? Não, prefiro dormir na rede”.
E a outra disse: “Sede? Eu também estou, vamos então ao restaurante tomar
uma xícara de chá”.
Isso é o que acontece quando um buda diz alguma coisa a você. Ele diz: “Tarde
ventosa?” e você diz: “Uma cama gostosa? Não, prefiro dormir na rede”.
O ouvido físico está bom, está faltando o ouvido espiritual. Um buda só consegue
falar com outro buda, esse é o problema — e com outro buda não há
necessidade de falar. Um buda precisa falar com aqueles que não são
iluminados. Com eles existe a necessidade de falar e se comunicar, mas a
comunicação então é impossível.
Duas pessoas ignorantes podem conversar. Elas falam muito; não fazem outra
coisa além de conversar. Duas pessoas iluminadas não podem conversar —
seria absurdo. A conversa entre duas pessoas ignorantes não tem nenhum
significado porque não há nada para ser transmitido. Elas não sabem nada que
possa ser dito, que deveria ser dito, mas elas continuam falando. Estão
tagarelando. Não podem evitar isso; é apenas uma catarse maluca, uma
liberação.
Duas pessoas iluminadas não podem conversar porque elas sabem a mesma
coisa. Nada precisa ser dito. Somente uma pessoa iluminada e uma pessoa não
iluminada podem ter uma comunicação significativa, porque um sabe e o outro
ainda está na ignorância. Uma comunicação significativa, eu digo. Não digo que
a verdade possa ser transmitida. Mas algumas sugestões, algumas indicações,
alguns sinais podem ser comunicados, de tal forma que o outro fique pronto para
dar o salto. A verdade não pode ser transmitida, mas a sede por ela pode ser
dada. Nenhum ensinamento valioso pode entregar a chave por meio de palavras.
O Buda falava — é difícil encontrar uma outra pessoa que falasse tanto.
Estudiosos têm examinado todos os escritos que estão em nome de Buda, e
parece um feito impossível, porque depois de sua iluminação ele viveu apenas
quarenta anos, andando de aldeia em aldeia.
Ele andou por toda a província de Bihar na Índia, que recebeu esse nome porque
Buda passou por lá. Bihar significa os caminhos por onde andou Buda. A
província inteira é chamada de Bihar porque esse é o limite por onde Buda andou
— seu bihar, suas andanças.
Ele andava continuamente; somente na estação das chuvas ele descansava.
Muito tempo era gasto andando, além disso ele também precisava dormir. Então
os estudiosos que estiveram calculando dizem: “Isso parece impossível.
Dormindo, andando, cumprindo todas as outras rotinas diárias — há tantos
escritos, como ele pode ter falado tanto? Se ele tivesse falado continuamente
durante quarenta anos, sem um único intervalo, só dessa maneira tudo isso
poderia ter sido dito”. Ele deve ter falado tanto — quase continuamente — e
ainda assim ele disse que a chave não pode ser transmitida por palavras.
A história a seguir, é uma das histórias mais significativas, porque dela nasceu
a tradição do Zen. Buda foi a fonte e Mahakashyapa foi o primeiro, o mestre
original do Zen. Buda foi a fonte, Mahakashyapa foi o primeiro mestre, e esta
história é a fonte de onde toda a tradição — uma das mais belas e vívidas que
existem no mundo, a tradição do Zen — começou.
Tente compreender esta história. Certa manhã Buda chegou, e como sempre
uma multidão tinha se reunido, muitas pessoas esperavam para ouvi-lo. Mas
uma coisa era fora do comum — ele estava levando uma flor na mão. Nunca
antes ele carregara nada nas mãos. As pessoas pensaram que alguém a tinha
dado de presente a ele. Buda chegou, sentou-se embaixo de uma árvore. A
multidão esperou e esperou e ele não falou. Ele nem mesmo olhava para as
pessoas, ele somente continuava a olhar para a flor. Os minutos se passaram,
então as horas, e elas ficaram muito inquietas.
Conta-se que Mahakashyapa não pôde se conter. Ele riu alto. Buda chamou-o,
deu-lhe a flor e disse para a multidão reunida: “Tudo o que podia ser dito por
palavras eu já disse a vocês, e o que não pode ser dito por palavras eu dei a
Mahakashyapa. A chave não pode ser comunicada verbalmente. Eu passei a
chave para Mahakashyapa”.
Isso é o que os mestres do Zen chamam de “transmissão da chave sem
escritura” — além da escritura, além das palavras, além da mente. Ele deu a flor
a Mahakashyapa e ninguém conseguiu entender o que tinha acontecido. Nem
Mahakashyapa nem Buda jamais comentaram sobre isso novamente. O capítulo
inteiro estava encerrado. Desde então, na China, no Tibete, na Tailândia, em
Burma, no Japão, no Ceilão — em todos os lugares — os budistas têm
perguntado durante esses vinte e cinco séculos: “O que foi dado a
Mahakashyapa? Qual era a chave?”
A história toda parece ser muito esotérica. Buda não era reservado; esse foi o
único incidente... Buda era um ser muito racional. Ele falava racionalmente, ele
não era um louco arrebatado, ele argumentava racionalmente e sua lógica era
perfeita — não se consegue descobrir uma falha nela. Esse foi o único incidente
em que ele se comportou ilogicamente, em que ele fez algo misterioso. Ele não
era nem um pouco misterioso. Ninguém consegue encontrar outro mestre que
tenha sido menos misterioso.
Jesus era muito misterioso. Lao Tzu era absolutamente misterioso. Buda era
simples, transparente; nenhum mistério o cerca, nenhuma fumaça é permitida.
Sua chama arde clara e brilhante, absolutamente transparente, sem fumaça.
Essa era a única coisa que parecia misteriosa. Ele não era nem um pouco
misterioso; por isso muitos escritos budistas nunca relataram essa história, eles
simplesmente a suprimiram. Parecia que alguém a tinha inventado. Não fazia
nenhum sentido com a vida e os ensinamentos de Buda.
Mas para o Zen, essa é a origem. Mahakashyapa tornou-se o primeiro portador
da chave. Então seis portadores da chave viveram sucessivamente na Índia, até
Bodhidharma, que foi o sexto portador da chave.
Para mim, se todos os escritos de Buda desaparecerem não se perderá nada.
Somente essa história não deveria desaparecer. Essa é a mais preciosa, embora
os estudiosos a tenham suprimido da biografia de Buda. Eles dizem: “Isso é
irrelevante; não combina com Buda”. Mas eu digo a vocês, a maior parte do que
Buda fez era apenas normal, qualquer um poderia fazê-lo, mas isso é
extraordinário, isso é excepcional. Somente um buda pode fazer isso.
O que aconteceu naquela manhã? Vamos analisá-la. Buda chegou, sentou-se e
começou a olhar para a flor. O que ele estava fazendo? Quando Buda olha para
qualquer coisa, a qualidade de sua consciência é transmitida. E uma flor é uma
das coisas mais receptivas do mundo. Por isso, hindus e budistas levam flores
para pôr aos pés do mestre ou no templo, porque a flor pode carregar alguma
coisa de sua mente.
A flor é uma coisa muito receptiva e, se tiver conhecimento de uma pesquisa
recente no Ocidente, você entenderá isso. Atualmente, dizem que as plantas são
mais sensíveis do que os seres humanos. A flor é o coração da planta, todo o
ser vai dentro dela. Muitas pesquisas estão sendo feitas na Rússia, nos Estados
Unidos, na Inglaterra, sobre a sensibilidade das plantas, e algumas coisas
maravilhosas têm sido descobertas.
Um homem, um cientista, estava estudando as plantas — como elas sentem, se
elas sentem alguma coisa ou não, se elas têm emoções ou não. Ele estava
observando uma planta com eletrodos fixados nela para detectar qualquer
movimento em seu interior, qualquer sensação, quaisquer emoções. Ele pensou:
“Se eu cortar esta planta, se eu arrancar um galho ou arrancá-la da terra, o que
acontecerá?” De repente, a agulha que traçava o gráfico pulou. Ele não tinha
feito nada, apenas tinha tido um pensamento: “Se eu arrancasse esta planta...”
A planta ficara com medo da morte e a agulha saltara, registrando que a planta
estava tremendo. Até o cientista ficou assustado porque ele não tinha feito nada
— apenas um pensamento e a planta o tinha captado. As plantas são telepáticas.
Não apenas isso, mas, se você pensa em cortar uma planta, todas as outras
plantas ao redor dessa área ficam emocionalmente perturbadas. Também, se
alguém tiver cortado uma planta e entrar nesse jardim, todas às plantas ficarão
perturbadas porque esse homem não é bom e elas carregam essa lembrança.
Todas as vezes em que esse homem entra no jardim, o jardim inteiro sente que
uma pessoa perigosa está entrando. Agora, alguns cientistas acham que as
plantas podem ser usadas para comunicação telepática, porque elas são mais
sensíveis que a mente humana.
No Oriente, sempre se soube que a flor é a coisa mais receptiva que existe.
Quando Buda olhou para a flor e continuou a olhar para a flor, alguma coisa dele
se transferiu para essa flor. Buda entrou na flor. A qualidade do seu ser — a
prontidão, a percepção, a paz, o êxtase, a dança interior — tocaram a flor. Com
o Buda olhando para a flor — tão calmo, à vontade, sem nenhum desejo —, a
flor deve ter dançado em seu ser interior. Buda olhou, a fim e transferir alguma
coisa para a flor. Somente flor e ele existiam — por um longo período, o resto do
mundo desapareceu. Somente Buda e a flor estavam lá. A flor entrou no ser do
Buda, e Buda entrou no ser da flor.
Então a flor foi dada a Mahakashyapa. Agora já não era apenas uma flor. Ela
carregava a condição de Buda, ela carregava a qualidade interior do ser de Buda.
E por que para Mahakashyapa? Havia outros grandes seguidores. A História
registra dez grandes discípulos; Mahakashyapa era apenas um, e ele foi incluído
entre os dez somente por causa dessa história; caso contrário, ele jamais teria
sido incluído.
Não se sabe muito sobre Mahakashyapa. Lá havia grandes seguidores, como
Sariputta — você não conseguiria encontrar um intelecto mais afiado.
Moggalayan também estava lá, um grande estudioso; ele guardava na memória
todos os Vedas, e nada do que já tivesse sido escrito era desconhecido para ele.
Ele mesmo um grande lógico, Moggalayan tinha milhares de discípulos. E havia
outros. Ananda estava lá, primo-irmão de Buda, que durante quarenta anos
acompanhou-o continuamente. Mas não, alguém que era desconhecido
anteriormente — Mahakashyapa — de repente se tornou muito importante. Toda
a gestalt se modificou. Todas as vezes em que Buda estava falando, Sariputta
era o homem importante porque ele conseguia entender melhor as palavras do
que qualquer outra pessoa, e quando Buda estava argumentando, Moggalayan
era o homem importante. Ninguém notava muito Mahakashyapa. Ele permanecia
na multidão, ele fazia parte da multidão.
Mas, quando Buda ficou calado, toda a gestalt se modificou. Agora Moggalayan
e Sariputta não tinham importância; eles simplesmente deixaram de existir como
se não estivessem lá. Eles passaram a fazer parte da multidão. Um novo homem,
Mahakashyapa, tornou-se o mais importante. Uma nova dimensão se abriu.
Todos estavam inquietos, pensando: “Por que Buda não está falando? Por que
ele está guardando silêncio? O que vai acontecer? Quando irá acabar?” Eles
estavam pouco à vontade, inquietos.
Mas Mahakashyapa não estava se sentindo pouco à vontade ou inquieto. Ao
contrário, pela primeira vez ele estava à vontade com Buda; pela primeira vez
ele se sentia em casa com Buda. Quando Buda falava, ele podia se sentir
inquieto. Ele podia ter pensado: “Por que essa tolice? Por que continuar falando?
Nada está sendo transmitido, nada está sendo compreendido; por que continuar
batendo com a cabeça na parede? As pessoas são surdas. Elas não conseguem
entender...” Ele devia ficar inquieto quando Buda falava, e agora, pela primeira
vez, ele estava à vontade. Ele conseguia entender o que era o silêncio.
Havia milhares de pessoas lá e todas estavam inquietas. Ele não pôde se conter,
percebendo a insensatez da multidão. Elas ficavam calmas quando Buda estava
falando; e agora elas ficavam inquietas quando ele estava em silêncio. Quando
alguma coisa poderia ser transmitida, elas não estavam abertas para isso;
quando nada poderia ser transmitido, elas ficavam esperando. Por meio do
silêncio, Buda podia dar alguma coisa que é imortal, mas elas não conseguiam
entender. Assim ele não conseguiu se conter e riu alto — riu de toda a situação,
do absurdo.
Mahakashyapa riu da insensatez das pessoas. Elas estavam inquietas e
pensando: “Quando Buda irá se levantar e deixar de lado todo este silêncio de
forma que possamos ir para casa?” Ele riu. A risada começou com
Mahakashyapa e prosseguiu mais e mais na tradição do Zen. Não há nenhuma
tradição que consiga rir. A risada parece tão irreligiosa, profana, que você não
consegue imaginar Jesus rindo, você não consegue imaginar Moisés rindo. É até
mesmo difícil imaginar Moisés dando uma gargalhada ou Jesus rindo
ruidosamente. Não, a risada era negada. A tristeza, de algum modo, tornou-se
religiosa.
Um dos mais famosos pensadores alemães, Count Keyserling, escreveu que a
saúde é irreligiosa. A doença tem uma religiosidade em torno dela porque uma
pessoa doente é triste, sem desejos — não porque ela tenha ficado apática, mas
porque está fraca. Uma pessoa saudável vai rir, quer se divertir, será feliz — ela
não consegue ser triste. Assim, as pessoas religiosas têm tentado de muitas
formas fazer você se sentir doente: incentivam o jejum, oprimem seu corpo,
torturam você. Você vai ficar triste, com tendências suicidas, crucificado em seu
próprio ser. Como você pode rir? A risada vem da saúde. É um transbordamento
de energia. É por isso que as crianças conseguem rir e sua risada é por inteiro.
Todo o corpo delas ri — quando elas riem você pode ver seus dedos do pé rindo.
Seu corpo inteiro — cada célula, cada fibra do corpo — está rindo e vibrando.
Elas são tão cheias de energia, tão vitais; tudo está fluindo.
Uma criança triste é uma criança doente, e um velho sorridente ainda é jovem.
Nem a morte pode fazer dele um velho; nada pode envelhecê-lo. Sua energia
ainda está fluindo e transbordando, ele está sempre preenchido. A risada é uma
torrente de energia.
Nos mosteiros zen, eles dão risadas e mais risadas. A risada tornou-se uma
prece apenas no Zen, porque Mahakashyapa começou isso. Vinte e cinco
séculos atrás, em uma manhã como esta, Mahakashyapa começou uma nova
tendência, absolutamente nova, antes desconhecida para a mentalidade
religiosa — ele riu. Ele riu da tolice, da estupidez. E Buda não o condenou; ao
contrário, ele o chamou para perto de si, deu-lhe a flor e falou para a multidão.
E quando a multidão ouviu a risada deve ter pensado: “Este homem está ficando
louco. Este homem está desrespeitando Buda, porque como pode alguém rir
diante de um buda? Quando um buda está sentado silenciosamente, como pode
alguém rir? Este homem não está respeitando”.
A mente dirá que isso é um desrespeito. A mente tem suas regras, mas o coração
não as conhece; o coração tem suas próprias regras, mas a mente nunca ouviu
falar delas. O coração pode rir e ser respeitoso. A mente não pode rir, só pode
ser triste e então respeitosa. Mas que espécie de respeito é esse, que não
permite rir? Uma nova tendência começou com a risada de Mahakashyapa, e
pelos séculos a risada continuou.
Somente os mestres do Zen, os discípulos do Zen, riem. Por todo o mundo, as
religiões ficaram doentes porque a tristeza se tornou proeminente. Os templos e
as igrejas parecem cemitérios; não têm aparência festiva, não dão uma idéia de
celebração. Se você entra numa igreja, o que vê lá dentro? Não a vida, mas a
morte — lá, Jesus pregado na cruz completa a tristeza. Você consegue rir numa
igreja, dançar numa igreja, cantar numa igreja? Sim, há cânticos, mas são tristes,
e as pessoas permanecem com os rostos entristecidos. Não é de admirar que
ninguém queira ir à igreja — é apenas um dever social a ser cumprido. Não é de
admirar que ninguém seja atraído pela igreja — é uma formalidade. A religião
tornou-se um programa de domingo. Durante uma hora você consegue aguentar
ficar triste.
Mahakashyapa riu diante de Buda, e desde então os monges e mestres do Zen
têm feito coisas que as pretensas mentes religiosas não podem nem mesmo
conceber. Se você já viu qualquer livro zen, deve ter visto mestres do Zen
retratados ou pintados. Nenhuma pintura é realista. Se você olhar a figura de
Bodhidharma ou a de Mahakashyapa, não há verdade em suas faces, mas basta
olhar para eles que você sentirá vontade de rir. Eles são hilários, são ridículos.
Observe as imagens de Bodhidharma. Ele deve ter sido um dos homens mais
bonitos que já existiram; é impossível que ele não fosse assim, porque sempre
que um homem fica iluminado uma beleza desce sobre ele, uma beleza que vem
do além. Uma bênção envolve todo o seu ser. Mas olhe a imagem de
Bodhidharma. Ele parece feroz e perigoso. Ele parece tão perigoso que você vai
ficar com medo se ele aparecer para visitá-lo durante a noite — nunca mais você
vai conseguir dormir! Ele parece tão perigoso, como se fosse matar alguém.
Tratava-se apenas de discípulos rindo de seu mestre, criando um retrato ridículo
que parece uma caricatura.
Todos os mestres do Zen são retratados de modo ridículo. Os discípulos gostam
disso. Mas essas imagens carregam a mensagem de que Bodhidharma é
perigoso, que, se você for até ele, ele vai matá-lo, que você não consegue fugir
dele, que ele vai persegui-lo e caçá-lo. Para qualquer lugar para onde você vá,
ele vai estar lá; a menos que consiga matá-lo, ele não vai deixar você em paz.
Isso é que é retratado em todos os mestres do Zen, mesmo Buda.
Se você olhar para as figuras de Buda japonesas e chinesas, elas não parecem
com o Buda indiano. Foram totalmente mudadas. Se você observar as imagens
do Buda indiano, seu corpo é proporcional, como deveria ser. Ele era um
príncipe, e então um buda — um homem bonito, perfeito, bem proporcionado.
Um Buda barrigudo? Ele nunca teve uma barriga grande. Mas no Japão, em
suas imagens e em seus escritos, ele é retratado com uma barriga grande,
porque um homem que ri tem de ter uma barriga grande. Um homem que dá
gargalhadas — como se pode representá-lo com uma barriga pequena? Não dá.
Eles estão fazendo uma brincadeira com Buda e disseram cada coisa sobre
Buda! Somente um amor muito profundo pode fazer isso, do contrário vai parecer
um insulto.
O mestre zen Bankei sempre insistia em ter um quadro de Buda pendurado atrás
dele e, falando com seus discípulos, dizia: “Olhem para este sujeito. Quando
encontrarem com ele, matem-no imediatamente; não lhe dêem nenhuma
chance. Enquanto estiverem meditando, ele aparecerá para perturbar vocês.
Quando enxergarem seu rosto na meditação, matem-no nesse exato momento;
caso contrário, ele irá persegui-los”. E ele costumava dizer: “Olhem para este
sujeito! Se vocês repetirem o nome dele” — porque os budistas seguem
repetindo, Namo Budaya, namo Budaya —, “se vocês repetirem o nome dele,
então lavem a boca”. Essa declaração parece um insulto. É o nome de Buda e
esse homem diz: “Se vocês o repetirem, a primeira coisa a fazer é lavar a boca.
A boca de vocês ficou suja”.
Mas ele está certo — porque palavras são palavras; seja ou não o nome de Buda
não faz a menor diferença. Quando uma palavra passa por sua mente, ela se
torna suja. Lave até mesmo o nome de Buda.
E esse homem, mantendo sempre atrás dele o retrato de Buda, curvava-se
diante dele todas as manhãs. Então os discípulos perguntaram: “O que está
fazendo? Você nos diz para matar este homem, não permitir que ele permaneça
no caminho. Você diz: ‘Não usem o seu nome, não o repitam; se isso acontecer
com vocês, lavem a boca’. E agora nós o vemos curvando-se diante dele!”
Bankei disse: “Tudo isso me foi ensinado por este sujeito, assim eu tenho de
prestar-lhe meus respeitos”.
Mahakashyapa riu — e sua risada carregava muitas dimensões dentro dela. Uma
dimensão era rir da tolice de toda aquela situação, do silêncio do Buda e ninguém
o compreendendo, todos esperando que ele falasse. Sua vida inteira Buda
passou dizendo que a verdade não pode ser dita, e ainda assim as pessoas
esperavam que ele falasse. A segunda dimensão — ele riu de Buda também, de
toda a situação dramática que ele havia criado, sentado ali com uma flor na mão,
olhando para a flor, criando tanto desconforto e inquietação em todos. E ele riu
muito desse gesto teatral de Buda.
A terceira dimensão foi rir de si mesmo. Por que ele não tinha conseguido
compreender até aquele momento? A coisa toda era fácil e simples. E no dia em
que você compreender, você vai rir também, porque não há nada para ser
compreendido. Não há nenhuma dificuldade a ser resolvida. Tudo foi sempre
simples e claro. Como você não viu isso antes?
Com Buda sentado em silêncio, os pássaros cantando nas árvores, a brisa
soprando e todo mundo inquieto, Mahakashyapa compreendeu. O que foi que
ele compreendeu? Ele compreendeu que não há nada para ser compreendido,
não há nada para ser dito, não há nada para ser explicado. Toda a situação é
simples e transparente.
Não há nada escondido nela. Não há necessidade de procurar, porque tudo o
que existe está aqui e agora, dentro de você. Ele riu dele mesmo também, de
todo o absurdo esforço de muitas vidas apenas para compreender o silêncio —
ele riu de tanta reflexão.
Buda o chamou, deu-lhe a flor e disse: “Por meio desta, eu lhe dou a chave”. O
que é a chave? O silêncio e a risada são a chave — silêncio dentro, risada fora.
E quando a risada surge do silêncio, ela não é deste mundo; é divina.
Quando a risada surge da reflexão, ela é feia; ela pertence a este mundo comum,
mundano; não é cósmica. Então você está rindo de alguma outra pessoa, à custa
de outra pessoa, e a risada é feia e violenta.
Quando a risada surge do silêncio, você não está rindo à custa de ninguém, está
rindo simplesmente de toda a piada cósmica. E ela é realmente uma piada! E é
por isso que eu continuo contando piadas... porque as piadas transmitem mais
do que qualquer escritura. É uma piada porque, dentro de você, você tem tudo
— mas está procurando por toda parte!
O que mais poderia ser uma piada? Você é um rei e age como um mendigo nas
ruas — não apenas agindo, não apenas enganando os outros, mas também
enganando a si mesmo, pretendendo ser um mendigo. Você tem a fonte de todo
o conhecimento e está fazendo perguntas; você tem o eu que sabe e pensa que
é ignorante; você tem a imortalidade dentro de você e fica com medo da morte
e da doença. Isso realmente é uma piada, e se Mahakashyapa riu, ele fez muito
bem.
Mas, com exceção de Buda, ninguém entendeu. Buda aceitou a risada e
imediatamente percebeu que Mahakashyapa tinha captado. A qualidade dessa
risada era cósmica; ele compreendeu toda a graça da situação. Não havia nada
mais indicado para ela. A coisa toda é como se o divino estivesse brincando de
esconde-esconde com você. As outras pessoas pensaram que Mahakashyapa
fosse um bobo, rindo diante de Buda. Mas Buda achou que esse homem tinha
se tornado sábio. Os bobos têm sempre uma sabedoria sutil, e os sábios sempre
agem como bobos.
Antigamente, todos os grandes imperadores tinham sempre um bobo na corte.
Tinham muitos homens sábios, conselheiros, ministros e primeiros-ministros,
mas sempre um bobo. Mesmo que muitos deles fossem inteligentes e sábios, os
imperadores de todo o mundo no Ocidente e no Oriente tinham um piadista na
corte, um bobo. Por quê? Porque há coisas que os chamados homens sábios
não são capazes de entender, que apenas um homem tolo pode entender,
porque os sábios podem ser tão tolos que sua esperteza e sua inteligência
fecham a mente deles.
O bobo é simples, e necessário porque muitas vezes os chamados sábios não
diziam alguma coisa porque tinham medo do imperador. O bobo não tem medo
de ninguém. Ele vai falar qualquer coisa sem temer as consequências. O bobo
é um homem que não vai pensar nas consequências. O homem inteligente
sempre pensa primeiro no resultado e, então, age. O pensamento vem antes,
depois a ação. O homem tolo age; o pensamento nunca vem em primeiro lugar.
Quando alguém compreende o fundamental, ele não é como o homem sábio.
Ele não pode ser. Ele pode ser como o bobo mas não pode ser como o homem
sábio. Quando Mahakashyapa riu, ele era um tolo; mas Buda o entendeu. Mais
tarde, os sacerdotes budistas não o compreenderam, por isso omitiram a história
inteira.
Essa história foi suprimida de toda a escritura budista porque é sacrilégio rir
diante do Buda. Não é bom fazer disso a fonte original de uma grande tradição
como o Zen. Já não é um bom precedente que um homem tenha dado risada
diante do Buda e também não é uma boa coisa que Buda tenha dado a chave a
esse homem e não a Sariputta, Ananda, Moggalayan e outros que eram
importantes, significativos. E afinal foram eles, Sariputta, Ananda e Moggalayan,
que registraram as escrituras.
Mahakashyapa nunca foi questionado. E mesmo se eles tivessem lhe
perguntado, ele não teria respondido. Mahakashyapa nunca foi consultado para
verificarem se ele tinha alguma coisa a dizer para ser registrada.
Quando Buda morreu, todos os monges reuniram-se e começaram a anotar o
que tinha ou não acontecido. Ninguém perguntou nada a Mahakashyapa. Esse
homem deve ter sido descartado pela comunidade. A comunidade inteira deve
ter ficado com ciúme. A chave tinha sido dada para esse homem que era um
completo desconhecido, que não era um grande discípulo ou autoridade.
Ninguém o conhecia antes e, de repente, naquela manhã ele se tornou o homem
mais importante por causa de sua risada, por causa do silêncio.
E de uma certa forma eles estavam certos, porque como você vai registrar o
silêncio? Você pode registrar palavras, pode registrar o que aconteceu no visível;
como você pode registrar o que não aconteceu no visível? Eles sabiam que a
flor tinha sido dada a Mahakashyapa, nada mais.
Mas a flor era apenas um recipiente. Havia alguma coisa nela — a condição de
buda, o toque do ser interior do buda, a fragrância que não pode ser vista, que
não pode ser registrada. A coisa toda dá a impressão de não ter acontecido, ou
que tivesse acontecido num sonho.
Aqueles que estavam registrando eram homens ligados à palavra, peritos na
comunicação verbal, em conversar, discutir, argumentar. Mas Mahakashyapa
nunca foi ouvido novamente. Esta é a única coisa que se sabe a respeito dele,
uma coisa tão pequena que as escrituras devem tê-la deixado passar.
Mahakashyapa permaneceu em silêncio, e silenciosamente o rio interior tem
fluido. A chave tem sido entregue a outros, e a chave ainda está viva, ela ainda
abre a porta.
Estes dois são as partes. O silêncio interior — o silêncio tão profundo que não
existe vibração em seu ser; você é, mas não há ondas; você é apenas um poço
sem ondas, nem ao menos uma onda se levanta; todo o ser silente, imóvel;
dentro, no centro, o silêncio — e, na periferia, celebração e risadas. E somente
o silêncio pode rir, porque somente o silêncio consegue entender a piada
cósmica.
Dessa forma sua vida se torna uma celebração vital, seus relacionamentos
tornam-se uma coisa festiva, não importa o que você faça, todo momento é um
festival. Você come, e o comer se torna uma celebração; você toma banho, e o
banhar-se se torna uma celebração; você fala, e o falar se torna uma celebração;
o relacionamento se torna uma celebração. Sua vida exterior fica festiva, não há
tristeza nela. Como pode haver tristeza com o silêncio? Mas normalmente você
pensa o inverso: pensa que se for calado ficará triste. Normalmente você acha,
como é possível evitar a tristeza se ficar calado? Eu lhe digo que o silêncio que
existe com a tristeza não pode ser verdadeiro. Alguma coisa saiu errado. Você
perdeu o caminho, está fora dos trilhos. Somente a celebração pode dar provas
de que o verdadeiro silêncio aconteceu.
O Buda deve ter entendido Mahakashyapa. Ele deve ter sabido quando estava
olhando silenciosamente para a flor e todos estavam inquietos, ele deve ter
sabido que um único ser estava lá, Mahakashyapa, não estava inquieto. Buda
deve ter sentido o silêncio vindo de Mahakashyapa, mas não quis chamá-lo.
Quando ele riu, então Buda o chamou e lhe deu a flor. Por quê? O silêncio é
apenas metade disso. Mahakashyapa poderia ter deixado passar se ele tivesse
permanecido inocentemente em silêncio e não tivesse rido. E então a chave não
teria sido dada a ele. Ele tinha crescido apenas em parte, não florescendo ele
ainda não era uma árvore completamente adulta. A árvore estava lá, mas as
flores ainda não tinham surgido. Buda esperou.
Agora, vou lhe dizer por que Buda esperou por tantos minutos, por que durante
uma ou duas ou três horas ele esperou. Mahakashyapa estava em silêncio, mas
estava tentando segurar a risada, estava tentando controlar o riso. Ele estava
tentando não rir porque seria muita grosseria: O que Buda iria pensar? O que os
outros iriam pensar? Mas então, conta a história, ele não conseguiu se conter
mais. Surgiu como uma risada. O fluxo tornou-se muito intenso, e ele não
conseguiu contê-lo mais. Quando o silêncio é demais ele se transforma em riso;
ele se torna tão intenso que começa a transbordar em todas as direções. Ele riu.
Deve ter sido uma risada louca, e nessa risada não havia Mahakashyapa. O
silêncio estava rindo, o silêncio tinha florescido.
Então, imediatamente, Buda chamou Mahakashyapa: “Pegue esta flor — esta é
a chave. Dei a todos os outros o que podia ser dado em palavras, mas para você
eu dou aquilo que não pode ser dado em palavras. A mensagem além das
palavras, o mais essencial, eu lhe dou”. Buda esperou por aquelas horas para
que o silêncio de Mahakashyapa transbordasse. Ele se transformou em risada.
PARTE DOIS
O rugido do
leão
Bodhidharma fez uma das maiores façanhas na história da mente:
ele encontrou o solo certo para a semente que Buda tinha dado ao
mundo.
Bodhidharma vai
para a China
Nesses catorze séculos que se seguiram a Bodhidharma, surgiram centenas de
mestres zen de grande clareza, visão e discernimento, mas nenhum que tenha
chegado perto da profundidade, sutileza, beleza e imensa percepção de
Bodhidharma. Quando examino Bodhidharma, não encontro nem ao menos um
único indivíduo em toda a história da humanidade — nem mesmo Gautama Buda
— a quem se possa atribuir a façanha de ter condensado a religião à sua
possibilidade mais simples, de ter expressado a religião em sua pureza absoluta.
É óbvio que esse homem será mal compreendido, condenado, ignorado. O mais
elevado grau de consciência a que o homem atingiu, a humanidade não foi gentil
o suficiente para se lembrar dele. Talvez haja alturas que nossos olhos não
consigam vislumbrar, mas deveríamos tentar ao máximo. Nunca se sabe.
Bodhidharma nasceu catorze séculos atrás como filho de um rei no sul da Índia,
onde havia um grande império, o império de Pallavas. Ele era o terceiro filho de
seu pai. Mas, observando tudo — ele era um homem tremendamente inteligente
—, ele renunciou ao reinado. Ele não estava contra o mundo, mas não estava
pronto para desperdiçar seu tempo com problemas mundanos, com trivialidades.
Toda a sua preocupação era conhecer a sua própria natureza, porque sem
conhecê-la você tem de aceitar a morte como o fim. Todos os verdadeiros
buscadores, na verdade, têm lutado contra a morte. Bertrand Russell disse que
se não houvesse morte não haveria religião. Há uma certa verdade nisso. Não
concordarei totalmente, porque a religião é um vasto continente. Não é apenas
uma resposta à morte, é também a procura por paz; é também a procura pela
verdade, é também a procura pelo significado da vida. Ela é muito mais coisas.
Mas certamente Bertrand Russell está certo: se não houvesse morte, muito
poucas, raríssimas pessoas estariam interessadas em religião. A morte é um
grande incentivo.
Bodhidharma renunciou ao reinado, dizendo ao pai: “Se você não pode me salvar
da morte, então não me impeça de partir. Deixe-me sair à procura de alguma
coisa que esteja além da morte”.
Eram belos aqueles dias, particularmente no Oriente. O pai pensou por um
instante e disse: “Não vou impedi-lo, porque não posso impedir a sua morte.
Prossiga em sua busca com todas as minhas bênçãos. É triste para mim, mas
esse é um problema meu; é minha atribuição. Esperava que você fosse meu
sucessor, que se tornasse o imperador do grande império Pallavas, mas você
escolheu alguma coisa mais elevada do que isso. Sou seu pai, assim, como
posso impedi-lo? E você apresentou de modo tão simples uma questão pela qual
eu nunca teria esperado. Você diz: ‘Se você for capaz de impedir a minha morte,
então eu não deixarei o palácio. Mas, se não pode impedir a minha morte, então,
da mesma forma, não me impeça de partir”.
Dá para perceber a grande inteligência de Bodhidharma. E embora ele fosse
seguidor de Gautama Buda, em algumas ocasiões ele demonstrou vôos mais
altos do que o próprio Gautama Buda. Por exemplo, Gautama Buda receava
iniciar uma mulher em sua comunidade de discípulos, mas Bodhidharma tinha
sido iniciado por uma mulher que era iluminada. O nome dela era Pragyatara.
Talvez as pessoas tivessem esquecido o seu nome; foi somente graças a
Bodhidharma que o nome dela ainda é conhecido. Mas apenas o nome — não
sabemos nada a respeito dela. Foi ela que mandou Bodhidharma ir para a China.
O budismo chegou à China seiscentos anos antes de Bodhidharma. Foi alguma
coisa mágica; jamais tinha acontecido em nenhum lugar, em qualquer tempo, e
a mensagem de Buda imediatamente conquistou o povo chinês. A situação era
que a China tinha vivido sob a influência de Confúcio e estava cansada dele,
porque Confúcio não passava de um moralista, um puritano. Ele não sabia nada
sobre os mistérios secretos da vida.
Havia gente como Lao Tzu, Chuang Tzu e Lieh Tzu, contemporâneos de
Confúcio, mas eles eram místicos, não mestres. Eles não podiam criar um
movimento em oposição a Confúcio no coração dos chineses. Assim, existia um
vácuo. Ninguém consegue viver sem uma alma e, uma vez que você começa a
pensar que não existe alma, sua vida começa a perder todo o significado. A alma
é seu conceito integrador; sem ela você é apartado da existência e da vida
eterna. Da mesma forma que um galho podado de uma árvore está fadado a
morrer — ele perdeu sua fonte de nutrição —, a idéia de que não existe nenhuma
alma dentro de você, nenhuma consciência, corta você fora da existência. Uns
começam a se retrair, outros começam a se sentir sufocados.
Confúcio era um grande racionalista. Esses místicos — Lao Tzu, Chuang Tzu,
Lieh Tzu — sabiam que o que Confúcio estava fazendo era errado, mas eles não
eram mestres. Eles permaneciam em seus mosteiros com seus poucos
discípulos.
Quando o budismo chegou à China, ele imediatamente penetrou a alma das
pessoas, como se elas tivessem ficado sedentas durante séculos e o budismo
surgisse como uma nuvem de chuva. Ele saciou a sede delas tão
desmedidamente que alguma coisa inimaginável aconteceu. O budismo
simplesmente explicou a si mesmo, e a beleza da mensagem foi entendida pelas
pessoas. Elas tinham sede disso, estavam esperando alguma coisa assim. O
país inteiro, que era o maior país do mundo, voltou-se para o budismo. Quando
Bodhidharma chegou, seiscentos anos depois, já havia trinta mil templos
budistas, mosteiros e dois milhões de monges budistas na China. Dois milhões
de monges não é um número pequeno; era cinco por cento de toda a população
da China.
Pragyatara, a mestra de Bodhidharma, disse-lhe para ir à China porque as
pessoas que haviam chegado lá antes tinham causado muito impacto, embora
nenhuma delas fosse iluminada. Eram grandes estudiosos, pessoas muito
disciplinadas, amorosas, tranquilas e compassivas, mas nenhuma delas era
iluminada. E agora a China precisava de outro Gautama Buda. O terreno estava
pronto.
Bodhidharma foi o primeiro iluminado da tradição budista a chegar à China. Há
muitas lendas sobre esse homem; todas têm algum significado. A primeira lenda
reza que, quando ele chegou à China — ele levou três anos para isso — o
imperador chinês, Wu, foi recebê-lo. A fama de Bodhidharma tinha chegado
antes dele. O Imperador Wu prestara um grande serviço à filosofia de Gautama
Buda. Milhares de estudiosos estavam traduzindo as escrituras budistas do páli
para o chinês, e o imperador era o patrono de todo esse grande trabalho de
tradução. Ele construíra milhares de templos e mosteiros e estava sustentando
milhares de monges. Tinha colocado todo o seu tesouro a serviço de Gautama
Buda.
Naturalmente, os monges budistas que chegaram antes de Bodhidharma tinham
dito ao imperador que ele estava amealhando grande virtude, que ele poderia
nascer como um deus no paraíso. Assim, sua primeira pergunta a Bodhidharma
foi: “Fiz tantos mosteiros, estou sustentando milhares de estudiosos, abri uma
universidade inteira para o estudo de Gautama Buda, pus todo o meu império e
seus tesouros a serviço de Gautama Buda. Qual será a minha recompensa?”
Ele ficara um pouco surpreso quando vira Bodhidharma, não imaginando que o
homem pudesse ter aquela aparência. Ele parecia muito feroz. Tinha olhos
grandes, mas um coração muito brando — só uma flor de lótus no coração. Mas
o rosto dele era de uma aparência tão perigosa quanto se possa conceber. Só
faltavam os óculos escuros; caso contrário, ele seria idêntico a um mafioso!
Temeroso, o Imperador Wu fez a pergunta, e Bodhidharma lhe respondeu:
“Nada, nenhuma recompensa. Pelo contrário, estará pronto para cair no sétimo
inferno”.
O imperador disse: “Mas eu não fiz nada de errado — por que o sétimo inferno?
Tenho feito tudo que os monges budistas têm me dito para fazer”.
Bodhidharma lhe disse: “A menos que você comece a ouvir sua própria voz,
ninguém pode ajudá-lo, budista ou não-budista. E você ainda não ouviu sua
própria voz interior. Se você a tivesse ouvido, não teria feito uma pergunta tão
idiota.
“No caminho de Gautama Buda, não há recompensa porque o próprio desejo de
recompensa vem de uma mente cobiçosa. Todo o ensinamento de Gautama
Buda é a ausência de desejo. E se você estiver praticando todos esses
chamados atos virtuosos — fazendo templos e mosteiros e sustentando milhares
de monges — com um desejo na mente, está preparando seu caminho para o
inferno. Se estiver fazendo essas coisas por alegria, para compartilhar sua
alegria com todo o império, e não houver nem mesmo o mais leve e recôndito
desejo por nenhuma recompensa, o próprio ato é uma recompensa em si
mesmo. Do contrário, você não entendeu nada.
O Imperador Wu disse: “Minha mente está tão cheia de pensamentos. Tenho
tentado conquistar alguma paz de espírito, mas não consegui e, por causa
desses pensamentos e o tumulto que eles fazem, não posso ouvir o que você
chama de voz interior. Não sei nada a respeito disso”.
Bodhidharma disse: “Então, às quatro horas da manhã, venha sozinho, sem
guarda-costas. ao templo nas montanhas onde vou ficar. E eu vou acalmar sua
mente para sempre”.
O imperador pensou: “Este homem é realmente esquisito, petulante!” Ele tinha
conhecido muitos monges; eles eram muito educados, mas, “Este nem mesmo
se importa com o fato de eu ser um imperador de um grande país. E quanto a ir
me encontrar com ele às quatro horas, na escuridão da madrugada, sozinho...
Este homem parece ser perigoso!” Bodhidharma costumava levar um grande
cajado com ele.
O imperador não conseguiu dormir a noite inteira: “Vou ou não vou? Porque
aquele homem é capaz de qualquer coisa. Ele parece totalmente imprevisível”.
Por outro lado, ele sentia no fundo do coração que aquele homem era sincero,
que não era um hipócrita. “Ele não liga a mínima para o fato de alguém ser
imperador e ele apenas um mendigo. Ele se comporta como um imperador, e
diante dele qualquer pessoa não passa de um mendigo. E o modo como ele
falou: ‘Vou acalmar sua mente para sempre’...
“Estranho”, pensou o imperador, “porque tenho pedido a tantos homens sábios
que vieram da Índia, e todos me deram métodos, técnicas, que tenho praticado,
mas nada está acontecendo. E esse sujeito esquisito, que parece quase louco,
ou bêbado, e tem um rosto estranho com olhos tão grandes que chegam a dar
medo... Mas ao mesmo tempo ele parece sincero. Ele é um fenômeno fantástico!
Vale a pena o risco. O que ele pode fazer? No máximo pode me matar.”
Finalmente o imperador não conseguiu resistir à tentação de ir, porque o homem
havia prometido: “Vou acalmar sua mente para sempre”.
O Imperador Wu chegou ao templo às quatro horas da madrugada, no escuro,
sozinho, e Bodhidharma, parado nos degraus com seu cajado, estava esperando
por ele. E disse: “Sabia que você viria, embora passasse a noite inteira se
debatendo se deveria vir ou não. Que espécie de imperador é você? Tão
covardemente temendo um pobre monge, um pobre mendigo que não tem nada
no mundo exceto este cajado. E com este cajado vou silenciar sua mente”.
O imperador pensou: “Meu Deus, onde já se viu alguém silenciar a mente de
alguém com um cajado? Pode-se acabar com ele, feri-lo profundamente na
cabeça — e então o homem inteiro fica quieto, não a mente. Mas agora é muito
tarde para voltar atrás”.
E Bodhidharma disse: “Sente-se aqui, no pátio do templo”. Não havia nem uma
só pessoa por ali. “Feche os olhos. Estou sentado diante de você com meu
cajado. Seu trabalho é apoderar-se da mente. Simplesmente feche os olhos e
vá para dentro em busca dela — descubra onde ela está. No momento em que
conseguir apoderar-se dela, diga-me apenas: ‘Aqui está ela’. E o meu cajado
fará o resto”.
Era a experiência mais estranha que qualquer buscador da verdade, ou da paz,
ou do silêncio jamais poderia ter tido. Mas agora não havia como escapar. O
Imperador Wu sentou-se ali com os olhos fechados, sabendo perfeitamente bem
que Bodhidharma parecia ter a intenção de cumprir o que havia prometido. Ele
procurou por todos os lados — não havia mente. Aquele cajado fazia seu
trabalho!
Pela primeira vez ele se encontrava em tal situação. A escolha... se você
encontrar a mente, ninguém sabe o que esse homem irá fazer com seu cajado.
E naquele lugar calmo e montanhoso, na presença de Bodhidharma, que tinha
seu próprio carisma...
Existiram muitas pessoas iluminadas, mas Bodhidharma mantém-se à parte,
sozinho, como um Everest. Cada ato seu é único e original. Cada gesto seu tem
sua assinatura; não é emprestado.
O Imperador Wu esforçava-se muito à procura de sua mente, mas não conseguia
encontrá-la. É uma pequena estratégia. A mente existe apenas porque você
nunca procura por ela; ela existe apenas porque você nunca está consciente
dela. Quando está à sua procura, você toma consciência dela, e a consciência
certamente a mata por completo. As horas se passaram e o sol, acompanhado
de uma brisa fresca, estava nascendo por trás das montanhas silenciosas.
Bodhidharma podia ver no rosto do Imperador Wu tal paz, tal calma, tal
imobilidade... como se ele fosse uma estátua. Ele o sacudiu e disse: “Já se
passou muito tempo. Você encontrou sua mente?”
O Imperador Wu disse: “Sem usar seu cajado, você pacificou completamente
minha mente. Não tenho nenhuma mente e escutei a voz interior da qual você
falou. Agora eu sei que tudo o que disse estava certo. Você me transformou sem
fazer nada. Agora eu sei que cada ato tem que ter a recompensa em si mesmo;
caso contrário, não o faça. Quem vai estar lá para lhe dar qualquer recompensa?
Essa é uma idéia infantil. Quem está lá para lhe dar o castigo? Sua ação é
castigo e sua ação é sua recompensa. Você é o mestre do seu destino”.
Bodhidharma disse: “Você é um discípulo raro. Gosto de você, respeito você,
não como um imperador, mas como um homem que tem a coragem de trazer à
tona, apenas numa sentada, tanta consciência, tanta luz, que toda a escuridão
da mente desaparece”.
Wu tentou persuadir Bodhidharma a ir ao palácio. Mas Bodhidharma disse:
“Aquele não é o meu lugar. Você pode perceber que sou selvagem, faço coisas
que eu mesmo não sei de antemão que vou fazer. Vivo momento a momento,
espontaneamente, sou muito imprevisível. Posso criar problemas
desnecessários para você e sua corte, seu povo. Não nasci para palácios,
apenas me deixe viver em meu estado selvagem”.
Ele morava numa montanha cujo nome era Tai... A segunda lenda é que
Bodhidharma foi o homem que criou o chá — a palavra chá, em inglês tea, vem
da montanha Tai, porque ele foi criado lá. E todas as palavras para chá em
qualquer língua são derivadas da mesma origem, tai.
A forma como Bodhidharma criou o chá pode não ser histórica, mas é
significativa. Ele ficava meditando quase todo o tempo, e algumas vezes à noite
acontecia de ele ficar sonolento. Assim, apenas para não adormecer e dar uma
lição em seus olhos, ele arrancava todos os cílios e os jogava no chão do templo.
A história é que, desses cílios, cresceram os arbustos de chá. Esses foram os
primeiros arbustos de chá. E é por isso que, quando se toma chá, não se
consegue dormir. O chá é muito útil para a meditação. Hoje, todo o mundo
budista toma chá como parte da meditação, porque ele mantém a pessoa alerta
e acordada.
Embora existissem dois milhões de monges budistas na China, Bodhidharma só
conseguiu encontrar quatro que mereciam ser aceitos como seus discípulos. Ele
era tão exigente, que levou quase nove anos para achar o seu primeiro discípulo,
Hui-K’o.
Durante nove anos — e esse é um fato histórico porque há antigas referências
quase contemporâneas de Bodhidharma que o mencionam —, durante nove
anos, depois de ter mandado Wu de volta para seu palácio, Bodhidharma sentou-
se diante de uma parede dentro do templo. Ele fez disso uma grande meditação.
Ficava simplesmente olhando para a parede. Depois de ficar olhando para uma
parede por muito tempo, você não consegue pensar. Lentamente, bem
lentamente, assim como a parede, sua mente também fica vazia. E Bodhidharma
tinha uma outra razão. Ele declarou: “A menos que surja alguém que mereça ser
meu discípulo, eu não olharei para o público”.
As pessoas costumavam chegar e sentar-se atrás dele. Era uma situação
esquisita. Ninguém tinha falado desse jeito antes; ele falava para a parede. As
pessoas se sentavam atrás dele, mas ele não se voltava para o público porque,
conforme ele dizia: “O público me fere mais, porque ele é como uma parede.
Ninguém entende, e olhar para seres humanos em uma condição de tanta
ignorância fere profundamente. Mas olhar para uma parede, não há problema...
uma parede, afinal, é uma parede. Não pode ouvir, portanto não há por que se
sentir ferido. Só me voltarei para o público se alguém provar por seus atos que
está pronto para ser meu discípulo”.
Nove anos se passaram. As pessoas não conseguiam imaginar o que fazer, qual
o ato poderia satisfazê-lo. Elas não conseguiam imaginá-lo. Então surgiu esse
jovem, Hui-K’o. Ele cortou uma das mãos com a espada, atirou-a aos pés de
Bodhidharma e disse: “Este é o começo. Caso você não se vire, minha cabeça
cairá diante de você. Vou cortar minha cabeça fora também”. Bodhidharma virou-
se e disse: “Você é realmente um homem de valor para mim. Não há
necessidade de cortar a cabeça, nós vamos ter de usá-la”. Esse homem, Hui-
K’o, foi seu primeiro discípulo. Finalmente, quando Bodhidharma teve a intenção
de deixar a China, ele chamou seus quatro discípulos — ele tinha conseguido
reunir mais três depois de Hui-K’o. Ele lhes pediu: “Em palavras simples, em
pequenas frases, telegráficas, digam-me a essência de meus ensinamentos.
Pretendo partir amanhã de manhã de volta para o Himalaia e quero escolher,
entre vocês quatro, um para ser meu sucessor”.
O primeiro homem disse: “Seus ensinamentos consistem em ir além da mente,
de ficar absolutamente em silêncio e então tudo começa a acontecer
espontaneamente”.
Bodhidharma disse: “Você não está errado, mas não me satisfaz. Você tem
apenas a minha pele”.
O segundo homem disse: “Saber que eu não sou e que somente a existência é,
eis seu ensinamento fundamental”.
Bodhidharma disse: “Um pouco melhor, mas não está à altura do meu padrão.
Você tem meus ossos; sente-se”.
E o terceiro homem disse: “Nada se pode dizer a respeito de seus ensinamentos.
Nenhuma palavra é capaz de dizer alguma coisa sobre eles”.
Bodhidharma disse: “Bom, mas ainda assim você disse alguma coisa sobre eles.
Você se contradisse. Sente-se; você tem minha espinha dorsal”.
E o quarto era o seu primeiro discípulo, Hui-K’o, que simplesmente caiu aos pés
de Bodhidharma, sem dizer uma palavra, as lágrimas escorrendo dos olhos.
Bodhidharma disse. “Você disse tudo. Você vai ser meu sucessor”.
Mas, à noite, por vingança, um dos discípulos envenenou Bodhidharma por não
ter sido escolhido como seu sucessor. Assim, eles o enterraram, mas existe uma
estranha lenda a respeito de ele ter sido encontrado depois de três dias por um
oficial do governo, saindo da China em direção ao Himalaia, com o cajado na
mão e uma de suas sandálias pendurada no cajado — e ele estava descalço. O
oficial o conhecia, ele o vira muitas vezes e tinha se apaixonado pelo homem,
apesar de achá-lo um pouco excêntrico. E lhe perguntou: “Qual é o significado
deste cajado, com uma sandália pendurada nele?” Bodhidharma lhe disse: “Logo
você saberá. Se encontrar a minha gente, diga que estou indo para o Himalaia
para sempre”.
O oficial correu imediatamente para o mosteiro na montanha onde Bodhidharma
vivera durante aqueles anos. E lá ele ficou sabendo que Bodhidharma tinha sido
envenenado e morrera... e ali estava o seu túmulo. O oficial não tomara
conhecimento disso porque estava servindo na fronteira do império. Ele disse:
“Meu Deus, mas eu o vi, e não posso ter me enganado porque eu o vi muitas
vezes antes. Era o mesmo homem, aqueles mesmos olhos ferozes, a mesma
aparência belicosa e selvagem e, além de tudo, ele estava carregando uma
sandália em seu cajado”.
Os discípulos não puderam conter a curiosidade e abriram o túmulo. Tudo o que
encontraram foi exatamente uma sandália. E então o oficial entendeu por que
ele tinha dito: “Logo você saberá”.
Nós já ouvimos muito sobre a ressurreição de Jesus. Mas ninguém falou muito
sobre a ressurreição de Bodhidharma. Talvez ele apenas estivesse em coma
quando o enterraram e, então, voltou a si, esgueirou-se da tumba, deixou uma
sandália lá e pôs a outra em seu cajado e, de acordo com o que planejara, foi
embora.
Ele desejava morrer nas neves eternas do Himalaia. Ele queria que não
houvesse lá nem túmulo, nem templo, nem estátua dele. Ele não queria deixar
pegadas atrás dele para serem idolatradas; aqueles que o amavam deviam
entrar em seus próprios seres. “Não vou ser idolatrado”, disse ele. E ele
praticamente desapareceu no ar rarefeito. Ninguém soube mais nada dele — o
que aconteceu, onde ele morreu. Ele deve estar enterrado nas neves eternas
em algum ponto do Himalaia.
PARTE TRÊS
Um casamento
com o Tao
O Zen é um cruzamento entre o pensamento de Buda e o
pensamento de Lao Tzu. É um grande encontro, o maior que já
aconteceu.
Sosan, o terceiro
patriarca do Zen
O Zen vai além de Buda e além de Lao Tzu. É um ponto culminante, uma
transcendência, ambos do gênio indiano e do gênio chinês. O gênio indiano
alcançou seu apogeu em Gautama o Buda e o gênio chinês alcançou seu
apogeu em Lao Tzu. E o encontro entre a essência dos ensinamentos de Buda
e a essência dos ensinamentos de Lao Tzu fundiram-se em uma corrente tão
profunda que agora não é possível nenhuma separação. É impossível mesmo
fazer a distinção entre o que pertence a Buda e o que é de Tzu, a fusão foi total.
Não é apenas uma síntese, é uma integração. Desse encontro nasceu o Zen. O
Zen não é budista nem taoísta e, todavia, é ambos.
Sosan é o terceiro Patriarca do Zen. Não se sabe muito sobre ele, e é assim que
deve ser, porque a história registra somente a violência. A história não registra o
silêncio — não pode registrá-lo. Todos os registros são de desordem. Quando
alguém se torna realmente silencioso, ele desaparece dos registros; ele não faz
mais parte da nossa loucura. É assim que deve ser.
Sosan foi monge andarilho durante toda a vida. Ele nunca parou em lugar
nenhum; ele estava sempre de passagem, seguindo em frente, movimentando-
se. Ele era um rio; não era um laguinho, estático. Ele era um movimento
constante. Essa é a razão de Buda chamar seus monges de bhikkhus,
andarilhos: eles deveriam ser sem-teto não apenas no mundo exterior mas no
mundo interior, porque, no momento em que você constrói uma casa, você fica
ligado a ela. Eles deveriam se manter sem raízes; não existe para eles um lar
separado de todo este universo.
Mesmo quando foi reconhecido que Sosan tinha se tornado um iluminado, ele
continuou seu caminho de mendigo. Não havia nada especial nele. Ele era um
homem comum, um homem do Tao.
Uma coisa que eu gostaria de lembrar a você: o Zen é híbrido. E da mesma
forma que flores mais belas podem surgir de um hibridismo e crianças mais belas
nascem de cruzamentos raciais, o mesmo aconteceu com o Zen.
O Zen é um cruzamento entre o pensamento de Buda e o pensamento de Lao
Tzu. É um grande encontro, o maior que já aconteceu. É por isso que o Zen é
mais bonito do que o pensamento de Buda e mais bonito do que o pensamento
de Lao Tzu. Ele é uma floração rara dos picos mais altos e o encontro desses
picos. O Zen não é nem budista nem taoísta, mas carrega os dois dentro de si.
A Índia é um pouco séria demais com relação à religião — há um passado
extenso, um grande peso na mente da Índia, e a religião ficou séria. Lao Tzu
mantinha-se uma pessoa risível — ele é conhecido como o velho bobo. Ele não
era nem um pouco sério; você não vai encontrar um homem menos sério do que
ele. Quando o pensamento de Buda e o pensamento de Lao Tzu se encontraram,
a Índia e a China se encontraram, e nasceu o Zen. Sosan estava perto da fonte
original quando o Zen estava saindo do útero. Ele carrega consigo os
fundamentos.
Sua biografia não é nem um pouco relevante, porque quando um homem se
torna iluminado ele não tem uma biografia. Ele não fica mais restrito à sua forma,
por isso quando ele nasceu e quando ele morreu são dados sem importância.
É por isso que no Oriente nunca nos preocupamos com biografias, com fatos
históricos. Essa obsessão nunca existiu no Oriente. Essa obsessão só chegou
do Ocidente recentemente; agora que as pessoas ficaram mais interessadas em
coisas irrelevantes.
Que diferença faz a data de nascimento de um Sosan — esse ano ou aquele?
Quando ele morre, para que isso é importante? Sosan é importante, não sua
entrada no mundo e em seu corpo, não a sua partida. Chegadas e partidas são
irrelevantes. A única importância está no ser.
Em toda a sua vida, Sosan pronunciou apenas poucas palavras. Lembre-se, não
eram apenas palavras, porque elas vieram de uma mente que tinha ido além das
palavras. Não eram especulações, eram experiências autênticas. Seja o que for
que ele diga, ele sabe. Ele não é um homem de conhecimento, ele é um homem
sábio. Ele penetrou o mistério e o que quer que ele produza é significativo. Pode
transformar você completamente. Se você escutá-lo, o próprio ato de escutar
pode se tornar uma transformação, porque o que quer que ele esteja dizendo é
o mais puro ouro.
Quando Sosan fala, ele fala num plano completamente diferente. Ele não está
interessado em falar; ele não está interessado em influenciar ninguém; ele não
está tentando convencer você com relação a alguma teoria ou filosofia ou algum
ismo. Não, quando ele fala, seu silêncio desabrocha. Quando fala, ele está
dizendo aquilo que ficou sabendo e gostaria de compartilhar com você. Não é
para convencê-lo, lembre-se — é apenas para dividir isso com você. Se você for
capaz de entender uma única palavra dele, vai sentir um enorme silêncio sendo
liberado dentro de você.
Vamos falar de Sosan e suas palavras. Se escutar atentamente, de repente vai
sentir uma liberação de silêncio dentro de você. Essas palavras são atômicas,
elas estão cheias de energia. Sempre que uma pessoa que alcançou diz alguma
coisa, a palavra dela é uma semente e permanecerá uma semente por milhões
de anos e irá procurar um coração.
Se você estiver pronto, pronto para ser o solo, então essas palavras
tremendamente poderosas de Sosan — essas sementes vivas —, se você
deixar, elas entrarão em seu coração e, por meio delas, você será totalmente
diferente. Não as ouça com a mente, porque o significado não é da mente; a
mente é absolutamente impotente para entendê-las. Elas não vêm da mente,
não podem ser entendidas pela mente. Elas vêm de uma não-mente. Elas só
podem ser entendidas por um estado de não-mente.
Por isso, enquanto escuta, não tente interpretar. Não ouça as palavras, mas os
vazios entre as linhas; não preste atenção ao que ele diz mas ao que ele quer
dizer — o significado. Deixe o significado flutuar à sua volta como uma
fragrância. Silenciosamente ele vai entrar em você; você vai ficar prenhe. Mas
não interprete. Não diga: “Ele quer dizer isso ou aquilo”, porque essa
interpretação será sua. Não interprete — escute. Quando você interpreta, não
consegue ouvir, porque a mente consciente não pode fazer duas coisas opostas
simultaneamente. Se você começa a pensar, pára de ouvir. Apenas ouça como
você ouve música — uma espécie diferente de audição em que não há
significado nos sons.
Isso também é música. Esse Sosan é um músico, não um filósofo. Esse Sosan
não está proferindo palavras, ele está dizendo mais — mais do que palavras.
Elas têm uma significância mas não têm nenhum significado. São como sons
musicais.
Quando você vai até uma cachoeira e senta-se perto dela, você a escuta, mas
você interpreta o que a cachoeira diz? Ela não diz nada... embora fale. Ela diz
muito, muito que não pode ser dito.
O que você faz perto de uma cachoeira? Você ouve, fica em silêncio e parado,
fica absorto. Você deixa que a cachoeira entre cada vez mais fundo dentro de
você. Então, por dentro, tudo fica calmo e quieto. Você se torna um templo — o
desconhecido entra por meio da cachoeira.
O que você faz quando ouve o canto dos passarinhos, ou o vento passando
pelas árvores, ou folhas secas sendo sopradas pela brisa? O que você faz? Você
ouve, apenas.
Esse Sosan não é um filósofo, não é um teólogo, não é um pregador. Ele não
quer vender nenhuma idéia para você, não está interessado em idéias. Ele não
está aí para convencê-lo, ele está apenas desabrochando. Ele é uma cachoeira,
ou é o vento soprando entre as árvores, ou é apenas o cantar dos pássaros —
sem significado, mas com muita significância. Você precisa absorver essa
significância, somente então você será capaz de entender.
Portanto ouça, mas não pense. E então é possível que muita coisa aconteça
dentro de você, porque eu lhe digo: esse Sosan, a respeito de quem não se sabe
muito, era um homem de poder, um homem que chegou a saber. Quando fala,
ele transporta alguma coisa do desconhecido para o terreno do conhecido. Com
ele entra o divino, um raio de luz na escuridão de sua mente.
Antes de penetrar em suas palavras, lembre-se da significância das palavras,
não do significado; a música, a melodia, não o significado; o som da mente sem
som, seu coração, não seu pensamento. Você precisa escutar seu ser, a
cachoeira.
Como ouvir? Fique quieto. Não leve junto a sua mente. Não comece a pensar:
“O que ele está dizendo?” Apenas ouça sem se decidir por este caminho ou por
aquele, sem dizer se está certo ou errado, se você está convencido ou não. Ele
não está interessado em suas convicções, você também precisa não se
preocupar com elas. Apenas ouça e aproveite. Pessoas como Sosan devem ser
usufruídas; elas são fenômenos naturais.
Uma bela rocha — o que você faz com ela? Você se encanta com ela. Você a
toca, dá voltas em torno dela, você a sente, sente o musgo que a cobre.
O que faz com as nuvens se movendo no céu? Você dança na terra, olha para
elas, ou apenas fica em silêncio, deita no chão e olha para elas e as deixa flutuar.
E elas o preenchem. Não apenas o céu exterior — pouco a pouco, quanto mais
você fica em silêncio, elas também preenchem seu céu interior.
De repente você não está lá, somente as nuvens estão se movendo, dentro e
fora. A separação se desfaz, o limite não existe mais. Você se tornou o céu e o
céu se tornou você.
Trate Sosan como um fenômeno natural. Ele não é apenas um homem, ele é
uma santidade, ele é Tao, ele é um buda. Esse Sosan não serve para a lógica,
serve para a vida. Agora tente entender a significância destas palavras. Ele diz:
O Grande Caminho não é difícil para aqueles que não têm preferências.
Quando o amor e o ódio estão ausentes, tudo fica claro e patente.
Faça a menor distinção, entretanto, e o paraíso e a terra ficam infinitamente
separados.
Se quiser enxergar a verdade, então não se prenda a nenhuma opinião a favor
ou contra.
A luta entre o que se gosta e o que não se gosta é a doença da mente.
Da mesma forma como Chuang Tzu diz: “O fácil é certo”, Sosan diz: “O Grande
Caminho não é difícil”. Se ele parece difícil, é você quem o faz difícil
O Grande Caminho é fácil. Como ele pode ser difícil? Mesmo as árvores o
seguem, os rios o seguem, as pedras o seguem. Como ele pode ser difícil?
Mesmo os pássaros voam nele e os peixes nadam nele. Como ele pode ser
difícil? As pessoas o fazem difícil, a mente o torna difícil — e o truque para tornar
difícil qualquer coisa fácil é escolher, fazer a distinção.
O amor é fácil, o ódio é fácil, mas você escolhe. Diz: “Só vou amar, não vou
odiar”. Agora tudo ficou difícil. Agora você não vai nem mesmo conseguir amar!
Inspirar é fácil, expirar é fácil. Você escolhe. Diz: “Vou só inspirar, não vou
expirar”. Agora tudo ficou difícil.
A mente pode dizer: “Por que expirar? A respiração é vida. O raciocínio é
simples: prossiga inspirando, não expire e você vai ficar cada vez mais vivo. Mais
e mais vida vai se acumular. Você vai se tornar um grande depósito de vida.
Inspire somente, não expire porque expirar é morte”.
Lembre-se, a primeira coisa que uma criança tem de fazer quando nasce é
inspirar. E a última coisa que um homem faz ao morrer é expirar. A vida começa
com a inspiração e a morte começa com a expiração. Cada vez que você inspira
está renascendo; cada vez que expira você está morto, porque a respiração é
vida. É por isso que os hindus a chamam de prana: prana significa vida. A
respiração é vida.
A lógica simples, o raciocínio simples; sem muita confusão, você pode fazer sem
rodeios: inspire cada vez mais e não expire e assim você nunca vai morrer. Se
expirar você terá de morrer. E se fizer isso muitas vezes, vai morrer cedo! É tão
simples o raciocínio, parece tão óbvio. Assim, o que se espera que um lógico
faça? Um lógico vai somente inspirar, nunca expirar.
Amar é inspirar, odiar é expirar. Então o que fazer? A vida é fácil se você não
opta, porque então você sabe que inspirar e expirar não são duas coisas
opostas; são duas partes de um processo. Essas duas partes estão
organicamente ligadas, você não pode separá-las. E se você não expirar...? A
lógica está errada. Você não ficará vivo — você estará simplesmente,
imediatamente, morto.
Tente — apenas inspire e não expire. Você vai entender. Vai ficar muito, muito
tenso. Todo o seu ser vai querer expirar porque, caso contrário, isso vai levar à
morte. Se você escolher, ficará em dificuldade. Se não escolher, tudo é fácil. O
fácil é certo.
Se você está em dificuldade é pelo excesso de professores que envenenaram
sua mente, que têm ensinado: “Escolha isto — não faça isso, faca aquilo”. Seus
faça e não faça mataram você, embora pareçam lógicos. Se você for discutir com
eles, eles vão ganhar a discussão. A lógica vai ajudá-los: “Veja! É tão simples.
Por que expirar se isso leva à morte?”
A mesma coisa aconteceu com o sexo, em algumas tradições, porque as
pessoas pensam que a morte está associada ao sexo. Parece que elas têm
razão, porque a energia sexual dá à luz vida, assim, quanto mais energia sexual
é movimentada, mais vida está se movimentando. É lógico, absolutamente
aristotélico, mas é bobagem. Você não consegue achar tolos maiores do que os
lógicos. É lógico que a energia vital vem do sexo — a criança nasce por causa
do sexo, o sexo é a fonte da vida — assim, conserve-o. Não permita que ele se
vá, de outro modo você estará morto. Assim, o mundo todo ficou com medo.
Mas isso é o mesmo que manter a respiração suspensa; se você a prende, todo
o seu ser quer despejar o ar para fora. Por isso os pretensos celibatários, que
tentam reter sua energia sexual, descobrem que todo o seu corpo deseja
despejar essa energia para fora. Toda a vida deles se torna sexual — a mente
se torna sexual, eles sonham com sexo, pensam em sexo o tempo todo. O sexo
se torna sua obsessão, porque eles estão tentando fazer alguma coisa que é
lógica, é claro, mas não verdadeira para a vida.
Se você quiser mais vida, expire mais, assim você cria um vácuo dentro de si e
mais ar pode entrar. Não pense em inspirar, apenas exale tanto ar quanto
conseguir e todo o seu corpo vai inalar. Ame mais — que é expirar — e seu corpo
vai reunir energia de todo o cosmos. Você cria o vácuo e a energia vem.
É exatamente assim em todo o processo de vida. Você come, mas, se você se
torna um sovina, fica com prisão de ventre. A lógica está certa: não expire. A
prisão de ventre é como escolher a inspiração e ficar contra a expiração. Quase
todas as pessoas civilizadas sofrem de prisão de ventre; você pode medir o grau
de civilização por intermédio da prisão de ventre. Quanto mais um país sofre de
prisão de ventre, mais civilizado ele é, porque é mais lógico. Por que expirar?
Siga em frente apenas inspirando. Comida é energia. Por que deve ser posta
para fora? Você pode não ter consciência disso, mas isso é o inconsciente sendo
lógico e aristotélico.
A vida é um equilíbrio entre rejeitar e atrair. Você é apenas uma passagem.
Compartilhe! Dê, e mais lhe será dado. Seja sovina, não dê, e menos será dado
a você porque você não precisa.
Lembre-se disso e examine seu modo de vida. Se você está realmente
interessado na compreensão da iluminação, lembre-se de dar para que mais lhe
seja dado, seja lá o que for. Expire, ponha mais ar para fora. Isso é o que significa
partilhar, significa o que dar.
Mas a mente tem sua lógica própria, e Sosan chama essa lógica de doença.
O Grande Caminho não é difícil... Você o torna difícil, você é difícil. O Grande
Caminho é fácil... para aqueles que não têm preferências.
Não prefira — apenas deixe que a vida siga em frente. Não diga para a vida:
“Siga este caminho, vá para o norte, ou vá para o sul”. Não diga nada,
simplesmente flua com a vida. Não lute contra a corrente, torne-se um com a
corrente.
O Grande Caminho é fácil para aqueles que não têm preferências, e você tem
preferência com relação a tudo! Com relação a tudo você convoca sua mente.
Você diz: “Gosto, não gosto, prefiro isto, não prefiro aquilo”. Mas quando você
não tem preferências — quando todas as atitudes “a favor” e “contra” estão
ausentes, tanto o amor quanto o ódio estão ausentes, você nem gosta de alguma
coisa nem desgosta de outra — você apenas deixa que tudo aconteça. Então,
diz Sosan: “Tudo fica claro e patente”.
Faça a menor distinção, entretanto, e o paraíso e a terra ficam infinitamente
separados.
Mas sua mente vai dizer: “Mas você vai se tornar um animal se não preferir. Se
você não escolher, então qual será a diferença entre você e uma árvore?” Haverá
uma diferença, uma grande diferença — não uma diferença que introduza a
mente, mas uma diferença que surge por meio da consciência. A árvore não tem
escolha e é inconsciente. Você vai ficar sem escolhas e consciente. Isso é o que
significa consciência da falta de escolha, e esta é a grande distinção: você vai
estar consciente de que não está escolhendo.
Essa consciência lhe traz uma paz tão profunda... você se torna um buda, um
Sosan, um Chuang Tzu. Uma árvore não pode se tornar um Chuang Tzu.
Chuang Tzu é como a árvore e alguma coisa mais. Ele é como uma árvore no
que diz respeito à escolha, ele é completamente diferente da árvore no que diz
respeito à consciência. Ele está completamente consciente de que não está
escolhendo.
Sosan diz: Quando o amor e o ódio estão ambos ausentes...
O amor e o ódio falseiam os seus olhos e então você não pode ver claramente.
Se você ama uma pessoa, começa a ver coisas que não estão lá. Nenhuma
mulher é tão bonita quanto você pensa que ela é quando a ama, porque você
faz uma projeção. Você tem uma garota dos seus sonhos na cabeça e é essa
garota dos seus sonhos que é projetada. De alguma forma, a garota verdadeira
funciona apenas como uma tela. É por isso que todo o amor acaba em frustração
mais cedo ou mais tarde, porque de que modo pode a garota continuar fazendo
o papel de tela? Ela é uma pessoa de verdade; ela vai fazer valer seus direitos,
ela dirá: “Eu não sou uma tela!” Por quanto tempo ela vai continuar se ajustando
à sua projeção? Mais cedo ou mais tarde você sente que a projeção não se
ajusta. No começo ela foi submissa a você, no começo você foi submisso a ela.
Você era uma tela de projeção para ela, ela era uma tela de projeção para você.
A mulher de Mulla Nasruddin disse para ele. “Você não me ama tanto quanto me
amava antes, quando me fazia a corte”.
Nasruddin disse: “Querida, não preste muita atenção a essas coisas —
estávamos apenas em campanha. Vou esquecer o que você me disse se você
esquecer o que eu disse. Agora, vamos cair na realidade”.
Ninguém pode servir de teia para você para sempre porque é desconfortável.
Como pode alguém se ajustar ao seu sonho? Todos têm sua própria realidade,
e a realidade faz valer os seus direitos.
Se você ama uma pessoa, projeta coisas que não estão ali. Se odeia uma
pessoa, novamente você projeta coisas que não estão ali. No amor uma pessoa
se torna um deus, no ódio a pessoa se torna um demônio — e a pessoa não é
nem um deus nem um demônio, a pessoa é simplesmente ela mesma. Esses
demônios e deuses são projeções. Se você ama, não consegue enxergar
claramente. Se odeia, não consegue ver com clareza.
Quando não existe o gostar nem o desgostar, seus olhos ficam limpos, você tem
clareza. Então você vê o outro como ele é. E quando você tem clareza mental,
toda a existência revela sua realidade para você. Essa realidade é divina, essa
realidade é verdadeira.
O que isso significa? Que um homem como Sosan não vai amar? Não, mas seu
amor vai ter uma qualidade completamente diferente; não vai ser como o seu.
Ele vai amar, mas o amor dele não será uma escolha. Ele vai amar, mas seu
amor não vai ser uma projeção. Ele vai amar, mas seu amor não será um amor
por seu próprio sonho. Ele vai amar o verdadeiro.
Esse amor pelo verdadeiro é compreensão e ternura. Ele não vai projetar isso
ou aquilo. Ele não vai ver em você um demônio ou um deus. Vai apenas ver
você. E ele vai compartilhar com você porque ele tem bastante — e quanto mais
se compartilha algo, mais isso aumenta. Ele vai dividir seu êxtase com você.
Quando ama, você projeta. Você não gosta de dar, você gosta de tomar, gosta
de explorar. Quando você ama uma pessoa, começa a tentar ajustar a pessoa
às suas idéias. Todos os maridos estão fazendo isso, todas as mulheres estão
fazendo isso, todos os amigos. Eles seguem tentando mudar o outro, o real — e
como o real não pode ser mudado, eles só vão conseguir se frustrar. O real não
pode ser mudado, somente seu sonho será destruído e você vai se sentir ferido.
Você não presta atenção à realidade.
Ninguém está aqui para preencher seu sonho. Todos estão aqui para cumprir
seu próprio destino, sua própria realidade.
Um homem como Sosan ama, mas seu amor não é uma exploração. Ele ama
porque ele tem tanto, que está transbordando. Ele não está criando nenhum
sonho em torno de ninguém. Ele compartilha com quem quer que surja em seu
caminho. O seu compartilhamento é incondicional, e ele não espera nada de
você.
Se o amor esperar alguma coisa, então haverá frustração. Se o amor esperar
alguma coisa, então haverá insatisfação. Se o amor esperar alguma coisa,
haverá sofrimento e raiva.
“Não”, diz Sosan, “nem amor nem ódio. Apenas olhe a realidade do outro.” Este
é o amor de Buda: enxergar a realidade do outro — não a projeção, não o sonho,
não criar uma imagem, não tentar ajustar o outro à sua imagem.
Sosan diz: Quando o amor e o ódio estão ambos ausentes, tudo se torna claro
e patente.
A mente tem de amar e odiar, e a mente tem que prosseguir lutando entre esses
dois. Se você não amar e não odiar, irá além da mente. E onde estará a mente
então? Quando a escolha desaparece dentro de você, a mente desaparece.
Mas mesmo que você diga: “Eu gostaria de ficar silencioso”, você jamais ficará
silencioso porque você tem uma preferência. Esse é o problema.
As pessoas chegam e dizem: “Eu gostaria de ficar silencioso, não quero mais
essas tensões”. Eu tenho pena delas — pena porque o que elas estão dizendo
é bobagem. Se você “não quer mais tensões”, vai criar novas, porque esse não-
querer vai criar uma nova tensão. Se você quiser demais o silêncio, se estiver
lutando demais por ele, o silêncio em si mesmo vai se tornar uma tensão. E então
você vai ficar mais perturbado por causa do seu esforço para conquistar o
silêncio.
O que é o silêncio? É um entendimento profundo — entendimento do fenômeno
que, se você preferir, ficará tenso. Mesmo se você preferir o silêncio, ficará tenso.
Compreenda-o, sinta-o — toda vez que você prefere, fica tenso; toda vez que
não prefere, não há tensão e você fica relaxado. Quando está relaxado, seus
olhos têm mais clareza; eles não estão carregados de nuvens e de sonhos.
Nenhum pensamento se move na mente; você consegue enxergar a verdade. E
quando consegue enxergar a verdade, você se liberta. A verdade liberta.
Faça a menor distinção, entretanto, e o paraíso e a terra ficam infinitamente
separados, diz Sosan. A menor distinção, a mais leve escolha, e você fica
dividido. E então você tem um inferno e um paraíso, e entre esses dois você
ficará esmagado.
Se quiser enxergar a verdade, então não se prenda a nenhuma opinião a favor
ou contra, diz Sosan. Prossiga sem opinião. Prossiga nu, sem roupas, sem
opiniões sobre a verdade, porque a verdade abomina todas as opiniões. Deixe
de lado todas as suas filosofias, teorias, doutrinas, escrituras! Esqueça toda a
tolice! Você segue em silêncio, sem escolher, seus olhos prontos para ver o que
é, de nenhum modo esperando ver satisfeito algum de seus desejos.
Não carregue desejos. Diz-se que o caminho do inferno é completamente
preenchido com desejos — desejos bons, esperanças, sonhos, arco-íris, ideais.
O caminho do paraíso é completamente vazio.
Deixe de lado toda a carga. Quanto mais alto você quiser chegar, menos
carregado tem de estar. Se quiser ir para o Himalaia, você precisa abandonar
toda a carga. Finalmente, quando você atingir o Gourishankar, o Everest, você
tem de deixar tudo.
Você precisa ir completamente nu, porque quanto mais alto você sobe mais leve
precisa estar. E as opiniões pesam em você. Elas não são asas, são como pesos
de papel. Não tenha opiniões, não tenha nenhuma preferência... “Se quiser
enxergar a verdade, então não tenha opinião nem a favor nem contra.”
Não seja um teísta nem um ateu, se quiser realmente saber o que é a verdade.
Não diga: “Existe um Deus” e não diga: “Não existe nenhum Deus”, porque o que
quer que você diga vai se tornar um desejo profundo e você vai projetar o que
estiver escondido no desejo.
Se quiser ver Deus como um Krishna com uma flauta nos lábios, algum dia você
vai vê-lo — não porque Krishna esteja lá, somente porque você tinha uma
semente de desejo que projetou na tela do mundo. Se quiser ver Jesus
crucificado, vai ver isso. Qualquer coisa que você queira será projetada, mas é
apenas um mundo de sonhos — você não vai chegar mais perto da verdade.
Fique sem sementes interiores: sem opinião, sem pensamento a favor ou contra,
sem filosofia. Apenas vá ver o que é. Não carregue nenhuma tendência. Vá sem
preocupação.
Se quiser enxergar a verdade, então não se prenda a nenhuma opinião a favor
ou contra. A luta entre o que se gosta e o que não se gosta é a doença da mente.
Esta é a doença da mente: o que se gosta e o que não se gosta, a favor e contra.
Por que a mente é dividida? Por que não pode ser uma? Você gostaria de ser
um, você quer ser um, mas você segue adiante irrigando as divisões, as
preferências, os gostos e as aversões. Quanto mais você usa a mente, mais ela
se fortalece, mais forte se torna. Não a use.
É difícil, porque você vai dizer: “O que vai acontecer com o nosso amor? O que
vai acontecer com o que nos pertence? O que vai acontecer com nossas
crenças? O que vai acontecer com a nossa religião, a nossa igreja e o nosso
templo?” Eles são a sua carga. Livre-se deles, e deixe-os ficarem livres de você.
Eles estão mantendo você aqui, enraizado, e a verdade gostaria de ver você
livre. Livre você chega lá, com asas você chega lá, sem peso você chega lá.
Sosan diz: “A luta entre o que se gosta e o que não se gosta é a doença da
mente”.
Como superá-la? Existe algum modo de fazer isso? Não, não há um modo. É
preciso apenas entendê-la. Simplesmente é preciso olhar para a artificialidade
dela. É preciso apenas fechar os olhos e observar sua própria vida — olhe para
ela e você vai sentir a verdade de Sosan. E quando você sente a verdade, a
doença desaparece. Não há remédio para ela porque, se o remédio for dado,
você vai começar a gostar do remédio. E então a doença será esquecida, mas o
remédio será apreciado, e então o remédio se torna uma doença.
Não, Sosan não vai lhe dar nenhum remédio, nenhum método. Ele não vai
sugerir a você o que fazer. Ele apenas vai insistir milhares de vezes, para que
você entenda como criou toda essa confusão à sua volta, como chegou a esse
sofrimento. Ninguém mais criou isso; é a sua doença de preferir, de escolher.
Não escolha. Aceite a vida como ela é em sua totalidade. Você precisa olhar o
todo: vida e morte juntas, amor e ódio juntos, felicidade e infelicidade juntas,
agonia e êxtase juntos.
Se você olhar para eles juntos, então o que há para escolher? Se você perceber
que eles são um, então por onde pode começar a escolha? Se perceber que a
agonia não é nada mais do que o êxtase, o êxtase nada mais do que a agonia;
se conseguir perceber que a felicidade não passa de infelicidade; amor não é
nada senão ódio, ódio não é nada senão amor — então onde escolher? Como
escolher?
Então a escolha some. Não é você que a está fazendo desaparecer. Se você a
fizer sumir, isso se tornará uma escolha — esse é o paradoxo. Não é para você
fazê-la desaparecer porque, se você a faz desaparecer, isso significa que você
escolheu a favor e contra.
Agora a sua escolha é pela totalidade. Você escolhe a favor da totalidade e
contra a divisão, mas a doença começou. Ela é sutil.
Simplesmente entenda, e o verdadeiro entendimento transforma-se em
desaparecimento. Nunca a faça desaparecer. Apenas ria... e peça uma xícara
de chá.
O Zen: de Índia à China e Japão
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O Zen: de Índia à China e Japão

  • 1. OSHO ZEN sua história e seus ensinamentos “Somente uma vez, em toda a história do conhecimento humano, algo como o Zen tomou forma. Isso é muito raro. UNIVERSALISMO
  • 2. Sumário Introdução Parte I Nascido na risada A semente do Zen Parte II O rugido do leão Bodhidharma vai para a China Parte III Um casamento com o Tao Sosan, o terceiro patriarca do Zen Apascentar o boi — uma alegoria Zen Parte IV Rinzai, o mestre do irracional O Zen vai ao Japão Parte V As flores desabrocham A contribuição japonesa ao Zen Um templo para o chá — uma cerimônia Zen Parte VI Anedotas do absurdo A vida ilógica Parte VII Diálogos Zen
  • 3. Histórias sobre iluminação Parte VIII O mistério do koan Charadas insolúveis Parte IX O Zen no Ocidente Uma nova forma de abordar a existência Epílogo
  • 4. Introdução O Zen é uma evolução extraordinária. Raramente uma possibilidade dessas se transforma em realidade porque ela envolve muitos acasos. A possibilidade existiu muitas vezes — um certo acontecimento espiritual poderia ter crescido e se tornado semelhante ao Zen, mas isso nunca se concretizou. Somente uma vez, em toda a história do conhecimento humano, algo como o Zen tomou forma. Isso é muito raro. Em primeiro lugar, eu gostaria que você entendesse o que é o Zen. Tente me acompanhar vagarosamente pelo curso do crescimento do Zen — como ele aconteceu. O Zen nasceu na Índia, cresceu na China e floresceu no Japão. A situação inteira é fora do comum. Por que aconteceu de ter nascido na Índia, mas não ter conseguido crescer lá e ser obrigado a procurar um solo diferente? Na China ele se tornou uma grande árvore, mas não conseguiu florescer lá; novamente precisou procurar um clima novo, um clima diferente. E no Japão ele desabrochou como uma cerejeira em milhares de flores. Não foi coincidência, não foi acidental; existe aí uma misteriosa história secreta. Eu gostaria de revelá- la para você. A Índia é um país introvertido. O Japão é extrovertido. E a China está exatamente no meio, entre os dois extremos. A Índia e o Japão são completamente opostos. Então, de que modo a semente nasceu na Índia e floresceu no Japão? Eles são opostos; não têm semelhanças; eles são contraditórios. Por que a China surgiu exatamente no meio, para lhe dar o solo? A semente é uma introversão. Tente entender o fenômeno da semente, o que é uma semente. A semente é um fenômeno introvertido, é centrípeto — a energia se move para dentro. É por isso que é uma semente, completamente encerrada e protegida do mundo exterior. Na verdade, a semente é a coisa mais solitária e isolada que existe no mundo. Não tem raízes entranhadas no solo, nem galhos voltados para o céu; não tem ligação com a terra, nem ligação com o céu. Não tem relacionamentos. A semente é uma ilha absoluta, isolada, enfurnada. Não se relaciona. Tem uma concha rígida à sua volta, sem janelas nem portas; ela não pode sair, e nada consegue entrar ali.
  • 5. A semente é natural para a Índia. O gênio da Índia consegue produzir sementes de tremenda potencialidade, mas não pode lhes dar solo para que germinem. A Índia é uma mente introvertida. A Índia diz que o exterior não existe, e, ainda que pareça existir, ele é feito da mesma matéria de que são feitos os sonhos. Todo o gênio da Índia tem se voltado para tentar descobrir como escapar do exterior, como mover-se para a caverna profunda do coração, como centrar-se em si mesma. E de que forma perceber que o mundo todo que existe fora da consciência é apenas um sonho — bonito, nos melhores casos, um pesadelo, na pior das hipóteses. Seja bonito ou feio, na realidade ele é um sonho, portanto, ninguém deve se importar muito com ele. Deve-se despertar e esquecer o sonho todo do mundo exterior. Todo o esforço do Buda, Mahavira, Tilopa, Gorakh, Kabir — todo o esforço deles no correr dos séculos — tem sido para descobrir como escapar da roda da vida e da morte: como se encerrar em si mesmo; como se isolar de todos os relacionamentos; como ficar sem contato, desapegado; como voltar-se para dentro e esquecer o exterior. Foi por isso que o Zen nasceu na Índia. Zen significa a mesma coisa que dhyan e é uma alteração japonesa dessa palavra. Dhyan é todo o esforço da consciência indiana, e significa estar tão sozinho, tão mergulhado em seu próprio ser que nem mesmo um simples pensamento existe. Na verdade, em muitas línguas, não há uma tradução direta dessa palavra. Contemplação não é a palavra. Contemplação significa pensar, refletir. Mesmo meditação não é a palavra, porque a meditação envolve um objeto sobre o qual se medite; significa que existe alguma coisa presente. Você pode meditar sobre Cristo ou pode meditar sobre a cruz. Mas dhyan significa estar tão só que não existe nada sobre o que se possa meditar. Nenhum objeto, existe apenas a simples subjetividade — a consciência sem nuvens, um céu limpo. Quando essa palavra chegou à China, tornou-se ch’an. Quando ch’an chegou ao Japão, tornou-se Zen. Ela vem da mesma raiz do sânscrito, dhyan. A Índia pode dar à luz dhyan. Por milênios, a mente indiana vem percorrendo o caminho do dhyan — como suprimir todos os pensamentos e como ficar enraizado na consciência pura. Com Buda, a semente passou a existir. Também muitas vezes antes disso, antes de Gautama Buda, a semente chegou a existir, mas não conseguiu encontrar o solo adequado e então desapareceu. E se uma semente for dada à mente indiana ela desaparecerá, porque a mente indiana irá se voltar cada vez mais para dentro, e a semente irá se tornar cada vez menor, menor e menor, até que chega o momento em que ela se torna invisível. Uma força centrípeta faz as coisas cada vez menores, menores, menores — diminutas — até que, de repente, elas desaparecem. Muitas vezes antes de Gautama Buda, a semente de dhyan nasceu — e tornar-se um dhyani era tornar- se um grande meditador. Na realidade, o Buda é o último de uma longa série.
  • 6. Ele mesmo se lembra de vinte e quatro budas antes dele. Então houve vinte e quatro tirthankaras jainas, e todos eles eram meditadores. Eles não faziam mais nada, simplesmente meditavam, meditavam, meditavam, até que atingiam o ponto em que só existiam eles e tudo o mais havia desaparecido, evaporado. A semente nasceu com Parasnath, com Mahavira, Neminath e outros, mas ela então permaneceu com a mente indiana. A mente indiana pode dar à luz uma semente, mas não consegue tornar-se o solo apropriado para ela. Ela segue trabalhando na mesma direção e a semente vai ficando menor, menor, do tamanho de uma molécula, de um átomo — e então desaparece. Foi isso o que aconteceu com os Upanixades; foi isso o que aconteceu com os Vedas; foi o que aconteceu com Mahavira e todos os outros. Com Buda também ia acontecer isso. Bodhidharma o salvou. Se a semente tivesse sido deixada com a mente indiana ela teria se dissolvido. Nunca teria germinado, porque é preciso um tipo de solo diferente para germinar — um solo equilibrado. A introversão é um desequilíbrio profundo, é um extremo. Relata-se que o próprio Buda disse: “Minha religião não resistirá mais do que quinhentos anos, então ela desaparecerá”. Ele tinha consciência de que sempre acontecia dessa maneira. A mente indiana segue triturando-a em pedaços cada vez menores, chega então um momento em que ela se torna tão pequena que fica invisível. Ela simplesmente não faz mais parte do mundo; desaparece no céu. Bodhidharma escapou com a semente para a China. Ele fez uma das maiores façanhas na história da consciência: ele encontrou o solo adequado para a semente que o Buda dera ao mundo. O experimento de Bodhidharma era grande. Ele olhou e observou tudo ao redor do mundo, profundamente, procurando um lugar em que a semente pudesse crescer. A China é um país equilibrado, não é como a Índia ou o Japão. Lá, o caminho é o meio-termo. A ideologia de Confúcio é permanecer sempre no meio: não ser nem introvertido nem extrovertido; nem pensar demais neste mundo nem demais no outro — apenas permanecer no meio. A China não deu à luz uma religião, apenas moralidade. Nenhuma religião nasceu lá; a mente chinesa não consegue conceber uma religião. Não pode criar uma semente. Todas as religiões que existem na China são importadas, todas vieram de fora. O budismo, o hinduísmo, o maometismo e o cristianismo vieram todos de fora. A China é um bom solo, mas não consegue dar origem a nenhuma religião, porque para isso é preciso mergulhar no mundo interior. Para dar à luz uma religião é preciso ser como um corpo feminino, um útero.
  • 7. A Índia é introvertida, um país feminino; é como um útero, muito receptivo. Mas se uma criança permanecer no útero para todo o sempre, o útero se transformará em seu túmulo. A criança precisa sair do útero materno, caso contrário a mãe matará a criança ali dentro. Ela precisa escapar, encontrar o mundo lá fora, um mundo maior. O útero pode ser muito confortável — ele é! Os cientistas dizem que ainda não fomos capazes de criar nada mais confortável do que um útero. O útero é simplesmente o paraíso. Mas mesmo a criança precisa deixar esse paraíso e sair de dentro da mãe. Além de um certo tempo a mãe pode se tornar muito perigosa. Então o útero pode matar, porque ele irá então se tornar um confinamento. Ele é bom por um tempo, quando a semente está crescendo, mas chega o momento em que a semente precisa ser transplantada para o mundo exterior. Bodhidharma olhou em torno, observou o mundo todo e descobriu que a China era o solo mais apropriado; era exatamente o terreno intermediário, não era um extremo. O clima não era de extremos, portanto a árvore poderia crescer facilmente. E a China tinha um povo equilibrado. O equilíbrio é o solo correto para que alguma coisa cresça: muito frio é ruim, muito quente é ruim. Em um clima equilibrado, nem muito frio nem muito quente, a árvore pode crescer. Bodhidharma fugiu com a semente, fugiu com tudo o que a Índia tinha produzido. Ninguém percebeu o que ele estava fazendo, mas era uma grande experiência. E ele provou que estava certo. Na China, a árvore cresceu — cresceu até atingir grandes proporções. Mas, embora a árvore se tornasse cada vez maior, nenhuma flor desabrochava. As flores não apareciam porque as flores precisam de um país extrovertido. Assim como a semente é introvertida, a flor é extrovertida. A semente está se voltando para dentro; a flor está se voltando para fora. A flor é como a mente masculina. Ela se abre para o mundo exterior e libera seu perfume para esse mundo. Então o perfume viaja nas asas do vento até o canto mais longínquo do mundo. Em todas as direções, a flor libera a energia contida na semente. Ela é uma porta. As flores gostariam de se tornar borboletas e sair das árvores. Na verdade, é isso o que elas estão fazendo de forma bem sutil. Elas estão liberando a essência da árvore, seu próprio significado, a importância da árvore para o mundo. Elas São grandes compartilhadoras. A semente é mesquinha, confinada em si mesma, e a flor é uma grande perdulária. Necessitava-se do Japão. O Japão é um país extrovertido. O estilo de vida e a mentalidade são extrovertidos. Observe... na Índia ninguém se incomoda muito com o mundo exterior — com relação a roupas, casas, o modo de viver de cada um. Ninguém liga. É por isso que a Índia continua tão pobre. Se você não estiver preocupado com o mundo exterior, como pode ficar rico? Se não houver a preocupação de melhorar o mundo exterior você continuará pobre. E os indianos são sempre muito sérios, sempre prontos a fugir da vida, com budas falando
  • 8. sobre como se tornar um perfeito desistente da própria existência — não apenas da sociedade, mas um desistente da própria existência em caráter definitivo! A existência é aborrecida demais. Aos olhos dos indianos, a vida é cinzenta — nada é interessante nela, tudo é apenas aborrecido, uma carga. É preciso carregá-la de alguma forma por causa de karmas passados. Mesmo se um indiano se apaixona, ele diz que isso é por causa de um karma passado; ele é obrigado a passar por isso. Até mesmo o amor é uma carga que a pessoa tem de carregar. A Índia parece inclinar-se mais para a morte do que para a vida. Um introvertido precisa inclinar-se para a morte. É por isso que a Índia desenvolveu todas as técnicas de como morrer perfeitamente, de como morrer tão perfeitamente que você não nasça de novo. A morte é o objetivo, não a vida. A vida é para os tolos, a morte é para aqueles que são sábios. Não importa quanto um Buda ou um Mahavira possa ser belo, você vai encontrá-los confinados; em volta deles há uma grande aura de indiferença. Seja lá o que for que esteja acontecendo, eles não estão nem um pouco preocupados. Se acontecer deste jeito ou daquele não vai fazer a menor diferença; se o mundo continua vivendo ou morrer, não faz nenhuma diferença. Nessa tremenda indiferença, o desabrochar é impossível; nesse estado de confinamento interior, é impossível desabrochar. O Japão é completamente diferente. Na mentalidade japonesa é como se o interior não existisse, só o exterior tem significado. Observe os trajes japoneses. Todas as cores das flores e do arco-íris, como se o exterior fosse muito significativo. Observe um indiano quando ele estiver comendo e observe o japonês. Observe um indiano quando está tomando chá e o japonês. O japonês cria uma celebração partindo das coisas mais simples. Ele transforma o ato de tomar chá numa celebração. Ele se torna uma arte. O exterior é muito importante; as roupas são muito importantes, os relacionamentos são muito importantes. Você não consegue descobrir no mundo inteiro gente mais expansiva do que os japoneses — sempre sorrindo e parecendo felizes. Para os indianos eles parecerão superficiais; não parecerão sérios. Os indianos são pessoas introvertidas e os japoneses são extrovertidos: eles são opostos. O japonês está sempre se movimentando em sociedade. Toda a cultura japonesa está preocupada em criar uma sociedade bonita, em criar belos relacionamentos — em tudo, em cada detalhe —, em lhes dar um significado. As casas japonesas são bonitas. Mesmo a casa de uma pessoa pobre tem sua beleza própria; é artística, tem sua própria singularidade. A casa pode não ser muito suntuosa, mas ainda assim, em um certo sentido, é rica por causa da beleza, da disposição das coisas, por causa da mentalidade com que foi planejado cada pequeno, mínimo detalhe. Onde a janela deveria ser, que tipo de cortina deveria ser usado, como a lua deveria ser invocada da janela, e de que local. Coisas bem pequenas, mas todo detalhe é importante.
  • 9. Para os indianos, nada disso importa. Se você for a um templo indiano, verá que ele não tem janelas; não há nada, não há higiene, nenhuma preocupação com a circulação do ar, com a ventilação — nada. Até mesmo os templos são feios, e nada funciona — há sujeira, pó, ninguém se importa. Bem em frente ao templo, você verá vacas descansando, cachorros brigando, pessoas rezando. Ninguém se importa. Nenhum sentido voltado para o exterior, eles não estão nem um pouco preocupados com o exterior. O Japão se preocupa muito com o exterior — exatamente o outro extremo. O Japão era o país adequado. A árvore do Zen inteira foi transplantada para o Japão e ali ela floresceu em milhares de cores. Ela desabrochou.
  • 10. PARTE UM Nascido na risada O Zen é a floração suprema da consciência. Ele começa com Gautama Buda entregando uma flor de lótus a Mahakashyapa.
  • 11. A semente do Zen Certa vez um homem pegou uma flor e, sem uma palavra, segurou-a diante dos homens sentados em círculo ao redor dele. Cada homem por sua vez olhou para a flor e então explicou seu significado, sua importância, tudo o que ela simbolizava. O último homem, entretanto, vendo a flor, não disse nada, somente sorriu. O homem no centro então sorriu também e, sem uma palavra, entregou- lhe a flor. Essa é a origem do Zen. Certa vez, Buda estava para fazer uma preleção e milhares de discípulos vieram de um raio de muitos quilômetros. Quando Buda apareceu, ele vinha segurando uma flor. O tempo passou, mas Buda não dizia nada, ele apenas olhava para a flor. A multidão ficou impaciente, mas Mahakashyapa, que não conseguiu se segurar por mais tempo, deu uma risada. Buda acenou-lhe para que se aproximasse, entregou-lhe a flor e disse à multidão: “Tudo o que podia ser dado a vocês com palavras eu já lhes dei; mas com esta flor dou a Mahakashyapa a chave de todos os ensinamentos”. A chave de todos os ensinamentos, não apenas para um Buda mas para todos os mestres — Jesus, Mahavira, Lao Tzu —, não pode ser dada por meio da comunicação verbal. A chave não pode ser entregue por intermédio da mente; nada pode ser dito sobre ela. Quanto mais você falar mais difícil fica a entrega, porque você e um buda vivem em dimensões tão diferentes — não só diferentes mas diametralmente opostas — que, seja lá o que for que um buda diga, ele será mal interpretado. Ouvi dizer que uma noite três mulheres meio surdas se encontraram na rua. Ventava muito naquele dia, assim urna mulher disse: “Tarde ventosa”. A outra disse: “Uma cama gostosa? Não, prefiro dormir na rede”. E a outra disse: “Sede? Eu também estou, vamos então ao restaurante tomar uma xícara de chá”. Isso é o que acontece quando um buda diz alguma coisa a você. Ele diz: “Tarde ventosa?” e você diz: “Uma cama gostosa? Não, prefiro dormir na rede”. O ouvido físico está bom, está faltando o ouvido espiritual. Um buda só consegue falar com outro buda, esse é o problema — e com outro buda não há necessidade de falar. Um buda precisa falar com aqueles que não são
  • 12. iluminados. Com eles existe a necessidade de falar e se comunicar, mas a comunicação então é impossível. Duas pessoas ignorantes podem conversar. Elas falam muito; não fazem outra coisa além de conversar. Duas pessoas iluminadas não podem conversar — seria absurdo. A conversa entre duas pessoas ignorantes não tem nenhum significado porque não há nada para ser transmitido. Elas não sabem nada que possa ser dito, que deveria ser dito, mas elas continuam falando. Estão tagarelando. Não podem evitar isso; é apenas uma catarse maluca, uma liberação. Duas pessoas iluminadas não podem conversar porque elas sabem a mesma coisa. Nada precisa ser dito. Somente uma pessoa iluminada e uma pessoa não iluminada podem ter uma comunicação significativa, porque um sabe e o outro ainda está na ignorância. Uma comunicação significativa, eu digo. Não digo que a verdade possa ser transmitida. Mas algumas sugestões, algumas indicações, alguns sinais podem ser comunicados, de tal forma que o outro fique pronto para dar o salto. A verdade não pode ser transmitida, mas a sede por ela pode ser dada. Nenhum ensinamento valioso pode entregar a chave por meio de palavras. O Buda falava — é difícil encontrar uma outra pessoa que falasse tanto. Estudiosos têm examinado todos os escritos que estão em nome de Buda, e parece um feito impossível, porque depois de sua iluminação ele viveu apenas quarenta anos, andando de aldeia em aldeia. Ele andou por toda a província de Bihar na Índia, que recebeu esse nome porque Buda passou por lá. Bihar significa os caminhos por onde andou Buda. A província inteira é chamada de Bihar porque esse é o limite por onde Buda andou — seu bihar, suas andanças. Ele andava continuamente; somente na estação das chuvas ele descansava. Muito tempo era gasto andando, além disso ele também precisava dormir. Então os estudiosos que estiveram calculando dizem: “Isso parece impossível. Dormindo, andando, cumprindo todas as outras rotinas diárias — há tantos escritos, como ele pode ter falado tanto? Se ele tivesse falado continuamente durante quarenta anos, sem um único intervalo, só dessa maneira tudo isso poderia ter sido dito”. Ele deve ter falado tanto — quase continuamente — e ainda assim ele disse que a chave não pode ser transmitida por palavras. A história a seguir, é uma das histórias mais significativas, porque dela nasceu a tradição do Zen. Buda foi a fonte e Mahakashyapa foi o primeiro, o mestre original do Zen. Buda foi a fonte, Mahakashyapa foi o primeiro mestre, e esta história é a fonte de onde toda a tradição — uma das mais belas e vívidas que existem no mundo, a tradição do Zen — começou.
  • 13. Tente compreender esta história. Certa manhã Buda chegou, e como sempre uma multidão tinha se reunido, muitas pessoas esperavam para ouvi-lo. Mas uma coisa era fora do comum — ele estava levando uma flor na mão. Nunca antes ele carregara nada nas mãos. As pessoas pensaram que alguém a tinha dado de presente a ele. Buda chegou, sentou-se embaixo de uma árvore. A multidão esperou e esperou e ele não falou. Ele nem mesmo olhava para as pessoas, ele somente continuava a olhar para a flor. Os minutos se passaram, então as horas, e elas ficaram muito inquietas. Conta-se que Mahakashyapa não pôde se conter. Ele riu alto. Buda chamou-o, deu-lhe a flor e disse para a multidão reunida: “Tudo o que podia ser dito por palavras eu já disse a vocês, e o que não pode ser dito por palavras eu dei a Mahakashyapa. A chave não pode ser comunicada verbalmente. Eu passei a chave para Mahakashyapa”. Isso é o que os mestres do Zen chamam de “transmissão da chave sem escritura” — além da escritura, além das palavras, além da mente. Ele deu a flor a Mahakashyapa e ninguém conseguiu entender o que tinha acontecido. Nem Mahakashyapa nem Buda jamais comentaram sobre isso novamente. O capítulo inteiro estava encerrado. Desde então, na China, no Tibete, na Tailândia, em Burma, no Japão, no Ceilão — em todos os lugares — os budistas têm perguntado durante esses vinte e cinco séculos: “O que foi dado a Mahakashyapa? Qual era a chave?” A história toda parece ser muito esotérica. Buda não era reservado; esse foi o único incidente... Buda era um ser muito racional. Ele falava racionalmente, ele não era um louco arrebatado, ele argumentava racionalmente e sua lógica era perfeita — não se consegue descobrir uma falha nela. Esse foi o único incidente em que ele se comportou ilogicamente, em que ele fez algo misterioso. Ele não era nem um pouco misterioso. Ninguém consegue encontrar outro mestre que tenha sido menos misterioso. Jesus era muito misterioso. Lao Tzu era absolutamente misterioso. Buda era simples, transparente; nenhum mistério o cerca, nenhuma fumaça é permitida. Sua chama arde clara e brilhante, absolutamente transparente, sem fumaça. Essa era a única coisa que parecia misteriosa. Ele não era nem um pouco misterioso; por isso muitos escritos budistas nunca relataram essa história, eles simplesmente a suprimiram. Parecia que alguém a tinha inventado. Não fazia nenhum sentido com a vida e os ensinamentos de Buda. Mas para o Zen, essa é a origem. Mahakashyapa tornou-se o primeiro portador da chave. Então seis portadores da chave viveram sucessivamente na Índia, até Bodhidharma, que foi o sexto portador da chave. Para mim, se todos os escritos de Buda desaparecerem não se perderá nada. Somente essa história não deveria desaparecer. Essa é a mais preciosa, embora
  • 14. os estudiosos a tenham suprimido da biografia de Buda. Eles dizem: “Isso é irrelevante; não combina com Buda”. Mas eu digo a vocês, a maior parte do que Buda fez era apenas normal, qualquer um poderia fazê-lo, mas isso é extraordinário, isso é excepcional. Somente um buda pode fazer isso. O que aconteceu naquela manhã? Vamos analisá-la. Buda chegou, sentou-se e começou a olhar para a flor. O que ele estava fazendo? Quando Buda olha para qualquer coisa, a qualidade de sua consciência é transmitida. E uma flor é uma das coisas mais receptivas do mundo. Por isso, hindus e budistas levam flores para pôr aos pés do mestre ou no templo, porque a flor pode carregar alguma coisa de sua mente. A flor é uma coisa muito receptiva e, se tiver conhecimento de uma pesquisa recente no Ocidente, você entenderá isso. Atualmente, dizem que as plantas são mais sensíveis do que os seres humanos. A flor é o coração da planta, todo o ser vai dentro dela. Muitas pesquisas estão sendo feitas na Rússia, nos Estados Unidos, na Inglaterra, sobre a sensibilidade das plantas, e algumas coisas maravilhosas têm sido descobertas. Um homem, um cientista, estava estudando as plantas — como elas sentem, se elas sentem alguma coisa ou não, se elas têm emoções ou não. Ele estava observando uma planta com eletrodos fixados nela para detectar qualquer movimento em seu interior, qualquer sensação, quaisquer emoções. Ele pensou: “Se eu cortar esta planta, se eu arrancar um galho ou arrancá-la da terra, o que acontecerá?” De repente, a agulha que traçava o gráfico pulou. Ele não tinha feito nada, apenas tinha tido um pensamento: “Se eu arrancasse esta planta...” A planta ficara com medo da morte e a agulha saltara, registrando que a planta estava tremendo. Até o cientista ficou assustado porque ele não tinha feito nada — apenas um pensamento e a planta o tinha captado. As plantas são telepáticas. Não apenas isso, mas, se você pensa em cortar uma planta, todas as outras plantas ao redor dessa área ficam emocionalmente perturbadas. Também, se alguém tiver cortado uma planta e entrar nesse jardim, todas às plantas ficarão perturbadas porque esse homem não é bom e elas carregam essa lembrança. Todas as vezes em que esse homem entra no jardim, o jardim inteiro sente que uma pessoa perigosa está entrando. Agora, alguns cientistas acham que as plantas podem ser usadas para comunicação telepática, porque elas são mais sensíveis que a mente humana. No Oriente, sempre se soube que a flor é a coisa mais receptiva que existe. Quando Buda olhou para a flor e continuou a olhar para a flor, alguma coisa dele se transferiu para essa flor. Buda entrou na flor. A qualidade do seu ser — a prontidão, a percepção, a paz, o êxtase, a dança interior — tocaram a flor. Com o Buda olhando para a flor — tão calmo, à vontade, sem nenhum desejo —, a flor deve ter dançado em seu ser interior. Buda olhou, a fim e transferir alguma coisa para a flor. Somente flor e ele existiam — por um longo período, o resto do
  • 15. mundo desapareceu. Somente Buda e a flor estavam lá. A flor entrou no ser do Buda, e Buda entrou no ser da flor. Então a flor foi dada a Mahakashyapa. Agora já não era apenas uma flor. Ela carregava a condição de Buda, ela carregava a qualidade interior do ser de Buda. E por que para Mahakashyapa? Havia outros grandes seguidores. A História registra dez grandes discípulos; Mahakashyapa era apenas um, e ele foi incluído entre os dez somente por causa dessa história; caso contrário, ele jamais teria sido incluído. Não se sabe muito sobre Mahakashyapa. Lá havia grandes seguidores, como Sariputta — você não conseguiria encontrar um intelecto mais afiado. Moggalayan também estava lá, um grande estudioso; ele guardava na memória todos os Vedas, e nada do que já tivesse sido escrito era desconhecido para ele. Ele mesmo um grande lógico, Moggalayan tinha milhares de discípulos. E havia outros. Ananda estava lá, primo-irmão de Buda, que durante quarenta anos acompanhou-o continuamente. Mas não, alguém que era desconhecido anteriormente — Mahakashyapa — de repente se tornou muito importante. Toda a gestalt se modificou. Todas as vezes em que Buda estava falando, Sariputta era o homem importante porque ele conseguia entender melhor as palavras do que qualquer outra pessoa, e quando Buda estava argumentando, Moggalayan era o homem importante. Ninguém notava muito Mahakashyapa. Ele permanecia na multidão, ele fazia parte da multidão. Mas, quando Buda ficou calado, toda a gestalt se modificou. Agora Moggalayan e Sariputta não tinham importância; eles simplesmente deixaram de existir como se não estivessem lá. Eles passaram a fazer parte da multidão. Um novo homem, Mahakashyapa, tornou-se o mais importante. Uma nova dimensão se abriu. Todos estavam inquietos, pensando: “Por que Buda não está falando? Por que ele está guardando silêncio? O que vai acontecer? Quando irá acabar?” Eles estavam pouco à vontade, inquietos. Mas Mahakashyapa não estava se sentindo pouco à vontade ou inquieto. Ao contrário, pela primeira vez ele estava à vontade com Buda; pela primeira vez ele se sentia em casa com Buda. Quando Buda falava, ele podia se sentir inquieto. Ele podia ter pensado: “Por que essa tolice? Por que continuar falando? Nada está sendo transmitido, nada está sendo compreendido; por que continuar batendo com a cabeça na parede? As pessoas são surdas. Elas não conseguem entender...” Ele devia ficar inquieto quando Buda falava, e agora, pela primeira vez, ele estava à vontade. Ele conseguia entender o que era o silêncio. Havia milhares de pessoas lá e todas estavam inquietas. Ele não pôde se conter, percebendo a insensatez da multidão. Elas ficavam calmas quando Buda estava falando; e agora elas ficavam inquietas quando ele estava em silêncio. Quando alguma coisa poderia ser transmitida, elas não estavam abertas para isso; quando nada poderia ser transmitido, elas ficavam esperando. Por meio do
  • 16. silêncio, Buda podia dar alguma coisa que é imortal, mas elas não conseguiam entender. Assim ele não conseguiu se conter e riu alto — riu de toda a situação, do absurdo. Mahakashyapa riu da insensatez das pessoas. Elas estavam inquietas e pensando: “Quando Buda irá se levantar e deixar de lado todo este silêncio de forma que possamos ir para casa?” Ele riu. A risada começou com Mahakashyapa e prosseguiu mais e mais na tradição do Zen. Não há nenhuma tradição que consiga rir. A risada parece tão irreligiosa, profana, que você não consegue imaginar Jesus rindo, você não consegue imaginar Moisés rindo. É até mesmo difícil imaginar Moisés dando uma gargalhada ou Jesus rindo ruidosamente. Não, a risada era negada. A tristeza, de algum modo, tornou-se religiosa. Um dos mais famosos pensadores alemães, Count Keyserling, escreveu que a saúde é irreligiosa. A doença tem uma religiosidade em torno dela porque uma pessoa doente é triste, sem desejos — não porque ela tenha ficado apática, mas porque está fraca. Uma pessoa saudável vai rir, quer se divertir, será feliz — ela não consegue ser triste. Assim, as pessoas religiosas têm tentado de muitas formas fazer você se sentir doente: incentivam o jejum, oprimem seu corpo, torturam você. Você vai ficar triste, com tendências suicidas, crucificado em seu próprio ser. Como você pode rir? A risada vem da saúde. É um transbordamento de energia. É por isso que as crianças conseguem rir e sua risada é por inteiro. Todo o corpo delas ri — quando elas riem você pode ver seus dedos do pé rindo. Seu corpo inteiro — cada célula, cada fibra do corpo — está rindo e vibrando. Elas são tão cheias de energia, tão vitais; tudo está fluindo. Uma criança triste é uma criança doente, e um velho sorridente ainda é jovem. Nem a morte pode fazer dele um velho; nada pode envelhecê-lo. Sua energia ainda está fluindo e transbordando, ele está sempre preenchido. A risada é uma torrente de energia. Nos mosteiros zen, eles dão risadas e mais risadas. A risada tornou-se uma prece apenas no Zen, porque Mahakashyapa começou isso. Vinte e cinco séculos atrás, em uma manhã como esta, Mahakashyapa começou uma nova tendência, absolutamente nova, antes desconhecida para a mentalidade religiosa — ele riu. Ele riu da tolice, da estupidez. E Buda não o condenou; ao contrário, ele o chamou para perto de si, deu-lhe a flor e falou para a multidão. E quando a multidão ouviu a risada deve ter pensado: “Este homem está ficando louco. Este homem está desrespeitando Buda, porque como pode alguém rir diante de um buda? Quando um buda está sentado silenciosamente, como pode alguém rir? Este homem não está respeitando”. A mente dirá que isso é um desrespeito. A mente tem suas regras, mas o coração não as conhece; o coração tem suas próprias regras, mas a mente nunca ouviu
  • 17. falar delas. O coração pode rir e ser respeitoso. A mente não pode rir, só pode ser triste e então respeitosa. Mas que espécie de respeito é esse, que não permite rir? Uma nova tendência começou com a risada de Mahakashyapa, e pelos séculos a risada continuou. Somente os mestres do Zen, os discípulos do Zen, riem. Por todo o mundo, as religiões ficaram doentes porque a tristeza se tornou proeminente. Os templos e as igrejas parecem cemitérios; não têm aparência festiva, não dão uma idéia de celebração. Se você entra numa igreja, o que vê lá dentro? Não a vida, mas a morte — lá, Jesus pregado na cruz completa a tristeza. Você consegue rir numa igreja, dançar numa igreja, cantar numa igreja? Sim, há cânticos, mas são tristes, e as pessoas permanecem com os rostos entristecidos. Não é de admirar que ninguém queira ir à igreja — é apenas um dever social a ser cumprido. Não é de admirar que ninguém seja atraído pela igreja — é uma formalidade. A religião tornou-se um programa de domingo. Durante uma hora você consegue aguentar ficar triste. Mahakashyapa riu diante de Buda, e desde então os monges e mestres do Zen têm feito coisas que as pretensas mentes religiosas não podem nem mesmo conceber. Se você já viu qualquer livro zen, deve ter visto mestres do Zen retratados ou pintados. Nenhuma pintura é realista. Se você olhar a figura de Bodhidharma ou a de Mahakashyapa, não há verdade em suas faces, mas basta olhar para eles que você sentirá vontade de rir. Eles são hilários, são ridículos. Observe as imagens de Bodhidharma. Ele deve ter sido um dos homens mais bonitos que já existiram; é impossível que ele não fosse assim, porque sempre que um homem fica iluminado uma beleza desce sobre ele, uma beleza que vem do além. Uma bênção envolve todo o seu ser. Mas olhe a imagem de Bodhidharma. Ele parece feroz e perigoso. Ele parece tão perigoso que você vai ficar com medo se ele aparecer para visitá-lo durante a noite — nunca mais você vai conseguir dormir! Ele parece tão perigoso, como se fosse matar alguém. Tratava-se apenas de discípulos rindo de seu mestre, criando um retrato ridículo que parece uma caricatura. Todos os mestres do Zen são retratados de modo ridículo. Os discípulos gostam disso. Mas essas imagens carregam a mensagem de que Bodhidharma é perigoso, que, se você for até ele, ele vai matá-lo, que você não consegue fugir dele, que ele vai persegui-lo e caçá-lo. Para qualquer lugar para onde você vá, ele vai estar lá; a menos que consiga matá-lo, ele não vai deixar você em paz. Isso é que é retratado em todos os mestres do Zen, mesmo Buda. Se você olhar para as figuras de Buda japonesas e chinesas, elas não parecem com o Buda indiano. Foram totalmente mudadas. Se você observar as imagens do Buda indiano, seu corpo é proporcional, como deveria ser. Ele era um príncipe, e então um buda — um homem bonito, perfeito, bem proporcionado. Um Buda barrigudo? Ele nunca teve uma barriga grande. Mas no Japão, em
  • 18. suas imagens e em seus escritos, ele é retratado com uma barriga grande, porque um homem que ri tem de ter uma barriga grande. Um homem que dá gargalhadas — como se pode representá-lo com uma barriga pequena? Não dá. Eles estão fazendo uma brincadeira com Buda e disseram cada coisa sobre Buda! Somente um amor muito profundo pode fazer isso, do contrário vai parecer um insulto. O mestre zen Bankei sempre insistia em ter um quadro de Buda pendurado atrás dele e, falando com seus discípulos, dizia: “Olhem para este sujeito. Quando encontrarem com ele, matem-no imediatamente; não lhe dêem nenhuma chance. Enquanto estiverem meditando, ele aparecerá para perturbar vocês. Quando enxergarem seu rosto na meditação, matem-no nesse exato momento; caso contrário, ele irá persegui-los”. E ele costumava dizer: “Olhem para este sujeito! Se vocês repetirem o nome dele” — porque os budistas seguem repetindo, Namo Budaya, namo Budaya —, “se vocês repetirem o nome dele, então lavem a boca”. Essa declaração parece um insulto. É o nome de Buda e esse homem diz: “Se vocês o repetirem, a primeira coisa a fazer é lavar a boca. A boca de vocês ficou suja”. Mas ele está certo — porque palavras são palavras; seja ou não o nome de Buda não faz a menor diferença. Quando uma palavra passa por sua mente, ela se torna suja. Lave até mesmo o nome de Buda. E esse homem, mantendo sempre atrás dele o retrato de Buda, curvava-se diante dele todas as manhãs. Então os discípulos perguntaram: “O que está fazendo? Você nos diz para matar este homem, não permitir que ele permaneça no caminho. Você diz: ‘Não usem o seu nome, não o repitam; se isso acontecer com vocês, lavem a boca’. E agora nós o vemos curvando-se diante dele!” Bankei disse: “Tudo isso me foi ensinado por este sujeito, assim eu tenho de prestar-lhe meus respeitos”. Mahakashyapa riu — e sua risada carregava muitas dimensões dentro dela. Uma dimensão era rir da tolice de toda aquela situação, do silêncio do Buda e ninguém o compreendendo, todos esperando que ele falasse. Sua vida inteira Buda passou dizendo que a verdade não pode ser dita, e ainda assim as pessoas esperavam que ele falasse. A segunda dimensão — ele riu de Buda também, de toda a situação dramática que ele havia criado, sentado ali com uma flor na mão, olhando para a flor, criando tanto desconforto e inquietação em todos. E ele riu muito desse gesto teatral de Buda. A terceira dimensão foi rir de si mesmo. Por que ele não tinha conseguido compreender até aquele momento? A coisa toda era fácil e simples. E no dia em que você compreender, você vai rir também, porque não há nada para ser compreendido. Não há nenhuma dificuldade a ser resolvida. Tudo foi sempre simples e claro. Como você não viu isso antes?
  • 19. Com Buda sentado em silêncio, os pássaros cantando nas árvores, a brisa soprando e todo mundo inquieto, Mahakashyapa compreendeu. O que foi que ele compreendeu? Ele compreendeu que não há nada para ser compreendido, não há nada para ser dito, não há nada para ser explicado. Toda a situação é simples e transparente. Não há nada escondido nela. Não há necessidade de procurar, porque tudo o que existe está aqui e agora, dentro de você. Ele riu dele mesmo também, de todo o absurdo esforço de muitas vidas apenas para compreender o silêncio — ele riu de tanta reflexão. Buda o chamou, deu-lhe a flor e disse: “Por meio desta, eu lhe dou a chave”. O que é a chave? O silêncio e a risada são a chave — silêncio dentro, risada fora. E quando a risada surge do silêncio, ela não é deste mundo; é divina. Quando a risada surge da reflexão, ela é feia; ela pertence a este mundo comum, mundano; não é cósmica. Então você está rindo de alguma outra pessoa, à custa de outra pessoa, e a risada é feia e violenta. Quando a risada surge do silêncio, você não está rindo à custa de ninguém, está rindo simplesmente de toda a piada cósmica. E ela é realmente uma piada! E é por isso que eu continuo contando piadas... porque as piadas transmitem mais do que qualquer escritura. É uma piada porque, dentro de você, você tem tudo — mas está procurando por toda parte! O que mais poderia ser uma piada? Você é um rei e age como um mendigo nas ruas — não apenas agindo, não apenas enganando os outros, mas também enganando a si mesmo, pretendendo ser um mendigo. Você tem a fonte de todo o conhecimento e está fazendo perguntas; você tem o eu que sabe e pensa que é ignorante; você tem a imortalidade dentro de você e fica com medo da morte e da doença. Isso realmente é uma piada, e se Mahakashyapa riu, ele fez muito bem. Mas, com exceção de Buda, ninguém entendeu. Buda aceitou a risada e imediatamente percebeu que Mahakashyapa tinha captado. A qualidade dessa risada era cósmica; ele compreendeu toda a graça da situação. Não havia nada mais indicado para ela. A coisa toda é como se o divino estivesse brincando de esconde-esconde com você. As outras pessoas pensaram que Mahakashyapa fosse um bobo, rindo diante de Buda. Mas Buda achou que esse homem tinha se tornado sábio. Os bobos têm sempre uma sabedoria sutil, e os sábios sempre agem como bobos. Antigamente, todos os grandes imperadores tinham sempre um bobo na corte. Tinham muitos homens sábios, conselheiros, ministros e primeiros-ministros, mas sempre um bobo. Mesmo que muitos deles fossem inteligentes e sábios, os imperadores de todo o mundo no Ocidente e no Oriente tinham um piadista na
  • 20. corte, um bobo. Por quê? Porque há coisas que os chamados homens sábios não são capazes de entender, que apenas um homem tolo pode entender, porque os sábios podem ser tão tolos que sua esperteza e sua inteligência fecham a mente deles. O bobo é simples, e necessário porque muitas vezes os chamados sábios não diziam alguma coisa porque tinham medo do imperador. O bobo não tem medo de ninguém. Ele vai falar qualquer coisa sem temer as consequências. O bobo é um homem que não vai pensar nas consequências. O homem inteligente sempre pensa primeiro no resultado e, então, age. O pensamento vem antes, depois a ação. O homem tolo age; o pensamento nunca vem em primeiro lugar. Quando alguém compreende o fundamental, ele não é como o homem sábio. Ele não pode ser. Ele pode ser como o bobo mas não pode ser como o homem sábio. Quando Mahakashyapa riu, ele era um tolo; mas Buda o entendeu. Mais tarde, os sacerdotes budistas não o compreenderam, por isso omitiram a história inteira. Essa história foi suprimida de toda a escritura budista porque é sacrilégio rir diante do Buda. Não é bom fazer disso a fonte original de uma grande tradição como o Zen. Já não é um bom precedente que um homem tenha dado risada diante do Buda e também não é uma boa coisa que Buda tenha dado a chave a esse homem e não a Sariputta, Ananda, Moggalayan e outros que eram importantes, significativos. E afinal foram eles, Sariputta, Ananda e Moggalayan, que registraram as escrituras. Mahakashyapa nunca foi questionado. E mesmo se eles tivessem lhe perguntado, ele não teria respondido. Mahakashyapa nunca foi consultado para verificarem se ele tinha alguma coisa a dizer para ser registrada. Quando Buda morreu, todos os monges reuniram-se e começaram a anotar o que tinha ou não acontecido. Ninguém perguntou nada a Mahakashyapa. Esse homem deve ter sido descartado pela comunidade. A comunidade inteira deve ter ficado com ciúme. A chave tinha sido dada para esse homem que era um completo desconhecido, que não era um grande discípulo ou autoridade. Ninguém o conhecia antes e, de repente, naquela manhã ele se tornou o homem mais importante por causa de sua risada, por causa do silêncio. E de uma certa forma eles estavam certos, porque como você vai registrar o silêncio? Você pode registrar palavras, pode registrar o que aconteceu no visível; como você pode registrar o que não aconteceu no visível? Eles sabiam que a flor tinha sido dada a Mahakashyapa, nada mais. Mas a flor era apenas um recipiente. Havia alguma coisa nela — a condição de buda, o toque do ser interior do buda, a fragrância que não pode ser vista, que não pode ser registrada. A coisa toda dá a impressão de não ter acontecido, ou que tivesse acontecido num sonho.
  • 21. Aqueles que estavam registrando eram homens ligados à palavra, peritos na comunicação verbal, em conversar, discutir, argumentar. Mas Mahakashyapa nunca foi ouvido novamente. Esta é a única coisa que se sabe a respeito dele, uma coisa tão pequena que as escrituras devem tê-la deixado passar. Mahakashyapa permaneceu em silêncio, e silenciosamente o rio interior tem fluido. A chave tem sido entregue a outros, e a chave ainda está viva, ela ainda abre a porta. Estes dois são as partes. O silêncio interior — o silêncio tão profundo que não existe vibração em seu ser; você é, mas não há ondas; você é apenas um poço sem ondas, nem ao menos uma onda se levanta; todo o ser silente, imóvel; dentro, no centro, o silêncio — e, na periferia, celebração e risadas. E somente o silêncio pode rir, porque somente o silêncio consegue entender a piada cósmica. Dessa forma sua vida se torna uma celebração vital, seus relacionamentos tornam-se uma coisa festiva, não importa o que você faça, todo momento é um festival. Você come, e o comer se torna uma celebração; você toma banho, e o banhar-se se torna uma celebração; você fala, e o falar se torna uma celebração; o relacionamento se torna uma celebração. Sua vida exterior fica festiva, não há tristeza nela. Como pode haver tristeza com o silêncio? Mas normalmente você pensa o inverso: pensa que se for calado ficará triste. Normalmente você acha, como é possível evitar a tristeza se ficar calado? Eu lhe digo que o silêncio que existe com a tristeza não pode ser verdadeiro. Alguma coisa saiu errado. Você perdeu o caminho, está fora dos trilhos. Somente a celebração pode dar provas de que o verdadeiro silêncio aconteceu. O Buda deve ter entendido Mahakashyapa. Ele deve ter sabido quando estava olhando silenciosamente para a flor e todos estavam inquietos, ele deve ter sabido que um único ser estava lá, Mahakashyapa, não estava inquieto. Buda deve ter sentido o silêncio vindo de Mahakashyapa, mas não quis chamá-lo. Quando ele riu, então Buda o chamou e lhe deu a flor. Por quê? O silêncio é apenas metade disso. Mahakashyapa poderia ter deixado passar se ele tivesse permanecido inocentemente em silêncio e não tivesse rido. E então a chave não teria sido dada a ele. Ele tinha crescido apenas em parte, não florescendo ele ainda não era uma árvore completamente adulta. A árvore estava lá, mas as flores ainda não tinham surgido. Buda esperou. Agora, vou lhe dizer por que Buda esperou por tantos minutos, por que durante uma ou duas ou três horas ele esperou. Mahakashyapa estava em silêncio, mas estava tentando segurar a risada, estava tentando controlar o riso. Ele estava tentando não rir porque seria muita grosseria: O que Buda iria pensar? O que os outros iriam pensar? Mas então, conta a história, ele não conseguiu se conter mais. Surgiu como uma risada. O fluxo tornou-se muito intenso, e ele não conseguiu contê-lo mais. Quando o silêncio é demais ele se transforma em riso;
  • 22. ele se torna tão intenso que começa a transbordar em todas as direções. Ele riu. Deve ter sido uma risada louca, e nessa risada não havia Mahakashyapa. O silêncio estava rindo, o silêncio tinha florescido. Então, imediatamente, Buda chamou Mahakashyapa: “Pegue esta flor — esta é a chave. Dei a todos os outros o que podia ser dado em palavras, mas para você eu dou aquilo que não pode ser dado em palavras. A mensagem além das palavras, o mais essencial, eu lhe dou”. Buda esperou por aquelas horas para que o silêncio de Mahakashyapa transbordasse. Ele se transformou em risada.
  • 23. PARTE DOIS O rugido do leão Bodhidharma fez uma das maiores façanhas na história da mente: ele encontrou o solo certo para a semente que Buda tinha dado ao mundo.
  • 24. Bodhidharma vai para a China Nesses catorze séculos que se seguiram a Bodhidharma, surgiram centenas de mestres zen de grande clareza, visão e discernimento, mas nenhum que tenha chegado perto da profundidade, sutileza, beleza e imensa percepção de Bodhidharma. Quando examino Bodhidharma, não encontro nem ao menos um único indivíduo em toda a história da humanidade — nem mesmo Gautama Buda — a quem se possa atribuir a façanha de ter condensado a religião à sua possibilidade mais simples, de ter expressado a religião em sua pureza absoluta. É óbvio que esse homem será mal compreendido, condenado, ignorado. O mais elevado grau de consciência a que o homem atingiu, a humanidade não foi gentil o suficiente para se lembrar dele. Talvez haja alturas que nossos olhos não consigam vislumbrar, mas deveríamos tentar ao máximo. Nunca se sabe. Bodhidharma nasceu catorze séculos atrás como filho de um rei no sul da Índia, onde havia um grande império, o império de Pallavas. Ele era o terceiro filho de seu pai. Mas, observando tudo — ele era um homem tremendamente inteligente —, ele renunciou ao reinado. Ele não estava contra o mundo, mas não estava pronto para desperdiçar seu tempo com problemas mundanos, com trivialidades. Toda a sua preocupação era conhecer a sua própria natureza, porque sem conhecê-la você tem de aceitar a morte como o fim. Todos os verdadeiros buscadores, na verdade, têm lutado contra a morte. Bertrand Russell disse que se não houvesse morte não haveria religião. Há uma certa verdade nisso. Não concordarei totalmente, porque a religião é um vasto continente. Não é apenas uma resposta à morte, é também a procura por paz; é também a procura pela verdade, é também a procura pelo significado da vida. Ela é muito mais coisas. Mas certamente Bertrand Russell está certo: se não houvesse morte, muito poucas, raríssimas pessoas estariam interessadas em religião. A morte é um grande incentivo. Bodhidharma renunciou ao reinado, dizendo ao pai: “Se você não pode me salvar da morte, então não me impeça de partir. Deixe-me sair à procura de alguma coisa que esteja além da morte”.
  • 25. Eram belos aqueles dias, particularmente no Oriente. O pai pensou por um instante e disse: “Não vou impedi-lo, porque não posso impedir a sua morte. Prossiga em sua busca com todas as minhas bênçãos. É triste para mim, mas esse é um problema meu; é minha atribuição. Esperava que você fosse meu sucessor, que se tornasse o imperador do grande império Pallavas, mas você escolheu alguma coisa mais elevada do que isso. Sou seu pai, assim, como posso impedi-lo? E você apresentou de modo tão simples uma questão pela qual eu nunca teria esperado. Você diz: ‘Se você for capaz de impedir a minha morte, então eu não deixarei o palácio. Mas, se não pode impedir a minha morte, então, da mesma forma, não me impeça de partir”. Dá para perceber a grande inteligência de Bodhidharma. E embora ele fosse seguidor de Gautama Buda, em algumas ocasiões ele demonstrou vôos mais altos do que o próprio Gautama Buda. Por exemplo, Gautama Buda receava iniciar uma mulher em sua comunidade de discípulos, mas Bodhidharma tinha sido iniciado por uma mulher que era iluminada. O nome dela era Pragyatara. Talvez as pessoas tivessem esquecido o seu nome; foi somente graças a Bodhidharma que o nome dela ainda é conhecido. Mas apenas o nome — não sabemos nada a respeito dela. Foi ela que mandou Bodhidharma ir para a China. O budismo chegou à China seiscentos anos antes de Bodhidharma. Foi alguma coisa mágica; jamais tinha acontecido em nenhum lugar, em qualquer tempo, e a mensagem de Buda imediatamente conquistou o povo chinês. A situação era que a China tinha vivido sob a influência de Confúcio e estava cansada dele, porque Confúcio não passava de um moralista, um puritano. Ele não sabia nada sobre os mistérios secretos da vida. Havia gente como Lao Tzu, Chuang Tzu e Lieh Tzu, contemporâneos de Confúcio, mas eles eram místicos, não mestres. Eles não podiam criar um movimento em oposição a Confúcio no coração dos chineses. Assim, existia um vácuo. Ninguém consegue viver sem uma alma e, uma vez que você começa a pensar que não existe alma, sua vida começa a perder todo o significado. A alma é seu conceito integrador; sem ela você é apartado da existência e da vida eterna. Da mesma forma que um galho podado de uma árvore está fadado a morrer — ele perdeu sua fonte de nutrição —, a idéia de que não existe nenhuma alma dentro de você, nenhuma consciência, corta você fora da existência. Uns começam a se retrair, outros começam a se sentir sufocados. Confúcio era um grande racionalista. Esses místicos — Lao Tzu, Chuang Tzu, Lieh Tzu — sabiam que o que Confúcio estava fazendo era errado, mas eles não eram mestres. Eles permaneciam em seus mosteiros com seus poucos discípulos. Quando o budismo chegou à China, ele imediatamente penetrou a alma das pessoas, como se elas tivessem ficado sedentas durante séculos e o budismo surgisse como uma nuvem de chuva. Ele saciou a sede delas tão
  • 26. desmedidamente que alguma coisa inimaginável aconteceu. O budismo simplesmente explicou a si mesmo, e a beleza da mensagem foi entendida pelas pessoas. Elas tinham sede disso, estavam esperando alguma coisa assim. O país inteiro, que era o maior país do mundo, voltou-se para o budismo. Quando Bodhidharma chegou, seiscentos anos depois, já havia trinta mil templos budistas, mosteiros e dois milhões de monges budistas na China. Dois milhões de monges não é um número pequeno; era cinco por cento de toda a população da China. Pragyatara, a mestra de Bodhidharma, disse-lhe para ir à China porque as pessoas que haviam chegado lá antes tinham causado muito impacto, embora nenhuma delas fosse iluminada. Eram grandes estudiosos, pessoas muito disciplinadas, amorosas, tranquilas e compassivas, mas nenhuma delas era iluminada. E agora a China precisava de outro Gautama Buda. O terreno estava pronto. Bodhidharma foi o primeiro iluminado da tradição budista a chegar à China. Há muitas lendas sobre esse homem; todas têm algum significado. A primeira lenda reza que, quando ele chegou à China — ele levou três anos para isso — o imperador chinês, Wu, foi recebê-lo. A fama de Bodhidharma tinha chegado antes dele. O Imperador Wu prestara um grande serviço à filosofia de Gautama Buda. Milhares de estudiosos estavam traduzindo as escrituras budistas do páli para o chinês, e o imperador era o patrono de todo esse grande trabalho de tradução. Ele construíra milhares de templos e mosteiros e estava sustentando milhares de monges. Tinha colocado todo o seu tesouro a serviço de Gautama Buda. Naturalmente, os monges budistas que chegaram antes de Bodhidharma tinham dito ao imperador que ele estava amealhando grande virtude, que ele poderia nascer como um deus no paraíso. Assim, sua primeira pergunta a Bodhidharma foi: “Fiz tantos mosteiros, estou sustentando milhares de estudiosos, abri uma universidade inteira para o estudo de Gautama Buda, pus todo o meu império e seus tesouros a serviço de Gautama Buda. Qual será a minha recompensa?” Ele ficara um pouco surpreso quando vira Bodhidharma, não imaginando que o homem pudesse ter aquela aparência. Ele parecia muito feroz. Tinha olhos grandes, mas um coração muito brando — só uma flor de lótus no coração. Mas o rosto dele era de uma aparência tão perigosa quanto se possa conceber. Só faltavam os óculos escuros; caso contrário, ele seria idêntico a um mafioso! Temeroso, o Imperador Wu fez a pergunta, e Bodhidharma lhe respondeu: “Nada, nenhuma recompensa. Pelo contrário, estará pronto para cair no sétimo inferno”. O imperador disse: “Mas eu não fiz nada de errado — por que o sétimo inferno? Tenho feito tudo que os monges budistas têm me dito para fazer”.
  • 27. Bodhidharma lhe disse: “A menos que você comece a ouvir sua própria voz, ninguém pode ajudá-lo, budista ou não-budista. E você ainda não ouviu sua própria voz interior. Se você a tivesse ouvido, não teria feito uma pergunta tão idiota. “No caminho de Gautama Buda, não há recompensa porque o próprio desejo de recompensa vem de uma mente cobiçosa. Todo o ensinamento de Gautama Buda é a ausência de desejo. E se você estiver praticando todos esses chamados atos virtuosos — fazendo templos e mosteiros e sustentando milhares de monges — com um desejo na mente, está preparando seu caminho para o inferno. Se estiver fazendo essas coisas por alegria, para compartilhar sua alegria com todo o império, e não houver nem mesmo o mais leve e recôndito desejo por nenhuma recompensa, o próprio ato é uma recompensa em si mesmo. Do contrário, você não entendeu nada. O Imperador Wu disse: “Minha mente está tão cheia de pensamentos. Tenho tentado conquistar alguma paz de espírito, mas não consegui e, por causa desses pensamentos e o tumulto que eles fazem, não posso ouvir o que você chama de voz interior. Não sei nada a respeito disso”. Bodhidharma disse: “Então, às quatro horas da manhã, venha sozinho, sem guarda-costas. ao templo nas montanhas onde vou ficar. E eu vou acalmar sua mente para sempre”. O imperador pensou: “Este homem é realmente esquisito, petulante!” Ele tinha conhecido muitos monges; eles eram muito educados, mas, “Este nem mesmo se importa com o fato de eu ser um imperador de um grande país. E quanto a ir me encontrar com ele às quatro horas, na escuridão da madrugada, sozinho... Este homem parece ser perigoso!” Bodhidharma costumava levar um grande cajado com ele. O imperador não conseguiu dormir a noite inteira: “Vou ou não vou? Porque aquele homem é capaz de qualquer coisa. Ele parece totalmente imprevisível”. Por outro lado, ele sentia no fundo do coração que aquele homem era sincero, que não era um hipócrita. “Ele não liga a mínima para o fato de alguém ser imperador e ele apenas um mendigo. Ele se comporta como um imperador, e diante dele qualquer pessoa não passa de um mendigo. E o modo como ele falou: ‘Vou acalmar sua mente para sempre’... “Estranho”, pensou o imperador, “porque tenho pedido a tantos homens sábios que vieram da Índia, e todos me deram métodos, técnicas, que tenho praticado, mas nada está acontecendo. E esse sujeito esquisito, que parece quase louco, ou bêbado, e tem um rosto estranho com olhos tão grandes que chegam a dar medo... Mas ao mesmo tempo ele parece sincero. Ele é um fenômeno fantástico! Vale a pena o risco. O que ele pode fazer? No máximo pode me matar.”
  • 28. Finalmente o imperador não conseguiu resistir à tentação de ir, porque o homem havia prometido: “Vou acalmar sua mente para sempre”. O Imperador Wu chegou ao templo às quatro horas da madrugada, no escuro, sozinho, e Bodhidharma, parado nos degraus com seu cajado, estava esperando por ele. E disse: “Sabia que você viria, embora passasse a noite inteira se debatendo se deveria vir ou não. Que espécie de imperador é você? Tão covardemente temendo um pobre monge, um pobre mendigo que não tem nada no mundo exceto este cajado. E com este cajado vou silenciar sua mente”. O imperador pensou: “Meu Deus, onde já se viu alguém silenciar a mente de alguém com um cajado? Pode-se acabar com ele, feri-lo profundamente na cabeça — e então o homem inteiro fica quieto, não a mente. Mas agora é muito tarde para voltar atrás”. E Bodhidharma disse: “Sente-se aqui, no pátio do templo”. Não havia nem uma só pessoa por ali. “Feche os olhos. Estou sentado diante de você com meu cajado. Seu trabalho é apoderar-se da mente. Simplesmente feche os olhos e vá para dentro em busca dela — descubra onde ela está. No momento em que conseguir apoderar-se dela, diga-me apenas: ‘Aqui está ela’. E o meu cajado fará o resto”. Era a experiência mais estranha que qualquer buscador da verdade, ou da paz, ou do silêncio jamais poderia ter tido. Mas agora não havia como escapar. O Imperador Wu sentou-se ali com os olhos fechados, sabendo perfeitamente bem que Bodhidharma parecia ter a intenção de cumprir o que havia prometido. Ele procurou por todos os lados — não havia mente. Aquele cajado fazia seu trabalho! Pela primeira vez ele se encontrava em tal situação. A escolha... se você encontrar a mente, ninguém sabe o que esse homem irá fazer com seu cajado. E naquele lugar calmo e montanhoso, na presença de Bodhidharma, que tinha seu próprio carisma... Existiram muitas pessoas iluminadas, mas Bodhidharma mantém-se à parte, sozinho, como um Everest. Cada ato seu é único e original. Cada gesto seu tem sua assinatura; não é emprestado. O Imperador Wu esforçava-se muito à procura de sua mente, mas não conseguia encontrá-la. É uma pequena estratégia. A mente existe apenas porque você nunca procura por ela; ela existe apenas porque você nunca está consciente dela. Quando está à sua procura, você toma consciência dela, e a consciência certamente a mata por completo. As horas se passaram e o sol, acompanhado de uma brisa fresca, estava nascendo por trás das montanhas silenciosas. Bodhidharma podia ver no rosto do Imperador Wu tal paz, tal calma, tal
  • 29. imobilidade... como se ele fosse uma estátua. Ele o sacudiu e disse: “Já se passou muito tempo. Você encontrou sua mente?” O Imperador Wu disse: “Sem usar seu cajado, você pacificou completamente minha mente. Não tenho nenhuma mente e escutei a voz interior da qual você falou. Agora eu sei que tudo o que disse estava certo. Você me transformou sem fazer nada. Agora eu sei que cada ato tem que ter a recompensa em si mesmo; caso contrário, não o faça. Quem vai estar lá para lhe dar qualquer recompensa? Essa é uma idéia infantil. Quem está lá para lhe dar o castigo? Sua ação é castigo e sua ação é sua recompensa. Você é o mestre do seu destino”. Bodhidharma disse: “Você é um discípulo raro. Gosto de você, respeito você, não como um imperador, mas como um homem que tem a coragem de trazer à tona, apenas numa sentada, tanta consciência, tanta luz, que toda a escuridão da mente desaparece”. Wu tentou persuadir Bodhidharma a ir ao palácio. Mas Bodhidharma disse: “Aquele não é o meu lugar. Você pode perceber que sou selvagem, faço coisas que eu mesmo não sei de antemão que vou fazer. Vivo momento a momento, espontaneamente, sou muito imprevisível. Posso criar problemas desnecessários para você e sua corte, seu povo. Não nasci para palácios, apenas me deixe viver em meu estado selvagem”. Ele morava numa montanha cujo nome era Tai... A segunda lenda é que Bodhidharma foi o homem que criou o chá — a palavra chá, em inglês tea, vem da montanha Tai, porque ele foi criado lá. E todas as palavras para chá em qualquer língua são derivadas da mesma origem, tai. A forma como Bodhidharma criou o chá pode não ser histórica, mas é significativa. Ele ficava meditando quase todo o tempo, e algumas vezes à noite acontecia de ele ficar sonolento. Assim, apenas para não adormecer e dar uma lição em seus olhos, ele arrancava todos os cílios e os jogava no chão do templo. A história é que, desses cílios, cresceram os arbustos de chá. Esses foram os primeiros arbustos de chá. E é por isso que, quando se toma chá, não se consegue dormir. O chá é muito útil para a meditação. Hoje, todo o mundo budista toma chá como parte da meditação, porque ele mantém a pessoa alerta e acordada. Embora existissem dois milhões de monges budistas na China, Bodhidharma só conseguiu encontrar quatro que mereciam ser aceitos como seus discípulos. Ele era tão exigente, que levou quase nove anos para achar o seu primeiro discípulo, Hui-K’o. Durante nove anos — e esse é um fato histórico porque há antigas referências quase contemporâneas de Bodhidharma que o mencionam —, durante nove anos, depois de ter mandado Wu de volta para seu palácio, Bodhidharma sentou-
  • 30. se diante de uma parede dentro do templo. Ele fez disso uma grande meditação. Ficava simplesmente olhando para a parede. Depois de ficar olhando para uma parede por muito tempo, você não consegue pensar. Lentamente, bem lentamente, assim como a parede, sua mente também fica vazia. E Bodhidharma tinha uma outra razão. Ele declarou: “A menos que surja alguém que mereça ser meu discípulo, eu não olharei para o público”. As pessoas costumavam chegar e sentar-se atrás dele. Era uma situação esquisita. Ninguém tinha falado desse jeito antes; ele falava para a parede. As pessoas se sentavam atrás dele, mas ele não se voltava para o público porque, conforme ele dizia: “O público me fere mais, porque ele é como uma parede. Ninguém entende, e olhar para seres humanos em uma condição de tanta ignorância fere profundamente. Mas olhar para uma parede, não há problema... uma parede, afinal, é uma parede. Não pode ouvir, portanto não há por que se sentir ferido. Só me voltarei para o público se alguém provar por seus atos que está pronto para ser meu discípulo”. Nove anos se passaram. As pessoas não conseguiam imaginar o que fazer, qual o ato poderia satisfazê-lo. Elas não conseguiam imaginá-lo. Então surgiu esse jovem, Hui-K’o. Ele cortou uma das mãos com a espada, atirou-a aos pés de Bodhidharma e disse: “Este é o começo. Caso você não se vire, minha cabeça cairá diante de você. Vou cortar minha cabeça fora também”. Bodhidharma virou- se e disse: “Você é realmente um homem de valor para mim. Não há necessidade de cortar a cabeça, nós vamos ter de usá-la”. Esse homem, Hui- K’o, foi seu primeiro discípulo. Finalmente, quando Bodhidharma teve a intenção de deixar a China, ele chamou seus quatro discípulos — ele tinha conseguido reunir mais três depois de Hui-K’o. Ele lhes pediu: “Em palavras simples, em pequenas frases, telegráficas, digam-me a essência de meus ensinamentos. Pretendo partir amanhã de manhã de volta para o Himalaia e quero escolher, entre vocês quatro, um para ser meu sucessor”. O primeiro homem disse: “Seus ensinamentos consistem em ir além da mente, de ficar absolutamente em silêncio e então tudo começa a acontecer espontaneamente”. Bodhidharma disse: “Você não está errado, mas não me satisfaz. Você tem apenas a minha pele”. O segundo homem disse: “Saber que eu não sou e que somente a existência é, eis seu ensinamento fundamental”. Bodhidharma disse: “Um pouco melhor, mas não está à altura do meu padrão. Você tem meus ossos; sente-se”. E o terceiro homem disse: “Nada se pode dizer a respeito de seus ensinamentos. Nenhuma palavra é capaz de dizer alguma coisa sobre eles”.
  • 31. Bodhidharma disse: “Bom, mas ainda assim você disse alguma coisa sobre eles. Você se contradisse. Sente-se; você tem minha espinha dorsal”. E o quarto era o seu primeiro discípulo, Hui-K’o, que simplesmente caiu aos pés de Bodhidharma, sem dizer uma palavra, as lágrimas escorrendo dos olhos. Bodhidharma disse. “Você disse tudo. Você vai ser meu sucessor”. Mas, à noite, por vingança, um dos discípulos envenenou Bodhidharma por não ter sido escolhido como seu sucessor. Assim, eles o enterraram, mas existe uma estranha lenda a respeito de ele ter sido encontrado depois de três dias por um oficial do governo, saindo da China em direção ao Himalaia, com o cajado na mão e uma de suas sandálias pendurada no cajado — e ele estava descalço. O oficial o conhecia, ele o vira muitas vezes e tinha se apaixonado pelo homem, apesar de achá-lo um pouco excêntrico. E lhe perguntou: “Qual é o significado deste cajado, com uma sandália pendurada nele?” Bodhidharma lhe disse: “Logo você saberá. Se encontrar a minha gente, diga que estou indo para o Himalaia para sempre”. O oficial correu imediatamente para o mosteiro na montanha onde Bodhidharma vivera durante aqueles anos. E lá ele ficou sabendo que Bodhidharma tinha sido envenenado e morrera... e ali estava o seu túmulo. O oficial não tomara conhecimento disso porque estava servindo na fronteira do império. Ele disse: “Meu Deus, mas eu o vi, e não posso ter me enganado porque eu o vi muitas vezes antes. Era o mesmo homem, aqueles mesmos olhos ferozes, a mesma aparência belicosa e selvagem e, além de tudo, ele estava carregando uma sandália em seu cajado”. Os discípulos não puderam conter a curiosidade e abriram o túmulo. Tudo o que encontraram foi exatamente uma sandália. E então o oficial entendeu por que ele tinha dito: “Logo você saberá”. Nós já ouvimos muito sobre a ressurreição de Jesus. Mas ninguém falou muito sobre a ressurreição de Bodhidharma. Talvez ele apenas estivesse em coma quando o enterraram e, então, voltou a si, esgueirou-se da tumba, deixou uma sandália lá e pôs a outra em seu cajado e, de acordo com o que planejara, foi embora. Ele desejava morrer nas neves eternas do Himalaia. Ele queria que não houvesse lá nem túmulo, nem templo, nem estátua dele. Ele não queria deixar pegadas atrás dele para serem idolatradas; aqueles que o amavam deviam entrar em seus próprios seres. “Não vou ser idolatrado”, disse ele. E ele praticamente desapareceu no ar rarefeito. Ninguém soube mais nada dele — o que aconteceu, onde ele morreu. Ele deve estar enterrado nas neves eternas em algum ponto do Himalaia.
  • 32. PARTE TRÊS Um casamento com o Tao O Zen é um cruzamento entre o pensamento de Buda e o pensamento de Lao Tzu. É um grande encontro, o maior que já aconteceu.
  • 33. Sosan, o terceiro patriarca do Zen O Zen vai além de Buda e além de Lao Tzu. É um ponto culminante, uma transcendência, ambos do gênio indiano e do gênio chinês. O gênio indiano alcançou seu apogeu em Gautama o Buda e o gênio chinês alcançou seu apogeu em Lao Tzu. E o encontro entre a essência dos ensinamentos de Buda e a essência dos ensinamentos de Lao Tzu fundiram-se em uma corrente tão profunda que agora não é possível nenhuma separação. É impossível mesmo fazer a distinção entre o que pertence a Buda e o que é de Tzu, a fusão foi total. Não é apenas uma síntese, é uma integração. Desse encontro nasceu o Zen. O Zen não é budista nem taoísta e, todavia, é ambos. Sosan é o terceiro Patriarca do Zen. Não se sabe muito sobre ele, e é assim que deve ser, porque a história registra somente a violência. A história não registra o silêncio — não pode registrá-lo. Todos os registros são de desordem. Quando alguém se torna realmente silencioso, ele desaparece dos registros; ele não faz mais parte da nossa loucura. É assim que deve ser. Sosan foi monge andarilho durante toda a vida. Ele nunca parou em lugar nenhum; ele estava sempre de passagem, seguindo em frente, movimentando- se. Ele era um rio; não era um laguinho, estático. Ele era um movimento constante. Essa é a razão de Buda chamar seus monges de bhikkhus, andarilhos: eles deveriam ser sem-teto não apenas no mundo exterior mas no mundo interior, porque, no momento em que você constrói uma casa, você fica ligado a ela. Eles deveriam se manter sem raízes; não existe para eles um lar separado de todo este universo. Mesmo quando foi reconhecido que Sosan tinha se tornado um iluminado, ele continuou seu caminho de mendigo. Não havia nada especial nele. Ele era um homem comum, um homem do Tao. Uma coisa que eu gostaria de lembrar a você: o Zen é híbrido. E da mesma forma que flores mais belas podem surgir de um hibridismo e crianças mais belas nascem de cruzamentos raciais, o mesmo aconteceu com o Zen.
  • 34. O Zen é um cruzamento entre o pensamento de Buda e o pensamento de Lao Tzu. É um grande encontro, o maior que já aconteceu. É por isso que o Zen é mais bonito do que o pensamento de Buda e mais bonito do que o pensamento de Lao Tzu. Ele é uma floração rara dos picos mais altos e o encontro desses picos. O Zen não é nem budista nem taoísta, mas carrega os dois dentro de si. A Índia é um pouco séria demais com relação à religião — há um passado extenso, um grande peso na mente da Índia, e a religião ficou séria. Lao Tzu mantinha-se uma pessoa risível — ele é conhecido como o velho bobo. Ele não era nem um pouco sério; você não vai encontrar um homem menos sério do que ele. Quando o pensamento de Buda e o pensamento de Lao Tzu se encontraram, a Índia e a China se encontraram, e nasceu o Zen. Sosan estava perto da fonte original quando o Zen estava saindo do útero. Ele carrega consigo os fundamentos. Sua biografia não é nem um pouco relevante, porque quando um homem se torna iluminado ele não tem uma biografia. Ele não fica mais restrito à sua forma, por isso quando ele nasceu e quando ele morreu são dados sem importância. É por isso que no Oriente nunca nos preocupamos com biografias, com fatos históricos. Essa obsessão nunca existiu no Oriente. Essa obsessão só chegou do Ocidente recentemente; agora que as pessoas ficaram mais interessadas em coisas irrelevantes. Que diferença faz a data de nascimento de um Sosan — esse ano ou aquele? Quando ele morre, para que isso é importante? Sosan é importante, não sua entrada no mundo e em seu corpo, não a sua partida. Chegadas e partidas são irrelevantes. A única importância está no ser. Em toda a sua vida, Sosan pronunciou apenas poucas palavras. Lembre-se, não eram apenas palavras, porque elas vieram de uma mente que tinha ido além das palavras. Não eram especulações, eram experiências autênticas. Seja o que for que ele diga, ele sabe. Ele não é um homem de conhecimento, ele é um homem sábio. Ele penetrou o mistério e o que quer que ele produza é significativo. Pode transformar você completamente. Se você escutá-lo, o próprio ato de escutar pode se tornar uma transformação, porque o que quer que ele esteja dizendo é o mais puro ouro. Quando Sosan fala, ele fala num plano completamente diferente. Ele não está interessado em falar; ele não está interessado em influenciar ninguém; ele não está tentando convencer você com relação a alguma teoria ou filosofia ou algum ismo. Não, quando ele fala, seu silêncio desabrocha. Quando fala, ele está dizendo aquilo que ficou sabendo e gostaria de compartilhar com você. Não é para convencê-lo, lembre-se — é apenas para dividir isso com você. Se você for capaz de entender uma única palavra dele, vai sentir um enorme silêncio sendo liberado dentro de você.
  • 35. Vamos falar de Sosan e suas palavras. Se escutar atentamente, de repente vai sentir uma liberação de silêncio dentro de você. Essas palavras são atômicas, elas estão cheias de energia. Sempre que uma pessoa que alcançou diz alguma coisa, a palavra dela é uma semente e permanecerá uma semente por milhões de anos e irá procurar um coração. Se você estiver pronto, pronto para ser o solo, então essas palavras tremendamente poderosas de Sosan — essas sementes vivas —, se você deixar, elas entrarão em seu coração e, por meio delas, você será totalmente diferente. Não as ouça com a mente, porque o significado não é da mente; a mente é absolutamente impotente para entendê-las. Elas não vêm da mente, não podem ser entendidas pela mente. Elas vêm de uma não-mente. Elas só podem ser entendidas por um estado de não-mente. Por isso, enquanto escuta, não tente interpretar. Não ouça as palavras, mas os vazios entre as linhas; não preste atenção ao que ele diz mas ao que ele quer dizer — o significado. Deixe o significado flutuar à sua volta como uma fragrância. Silenciosamente ele vai entrar em você; você vai ficar prenhe. Mas não interprete. Não diga: “Ele quer dizer isso ou aquilo”, porque essa interpretação será sua. Não interprete — escute. Quando você interpreta, não consegue ouvir, porque a mente consciente não pode fazer duas coisas opostas simultaneamente. Se você começa a pensar, pára de ouvir. Apenas ouça como você ouve música — uma espécie diferente de audição em que não há significado nos sons. Isso também é música. Esse Sosan é um músico, não um filósofo. Esse Sosan não está proferindo palavras, ele está dizendo mais — mais do que palavras. Elas têm uma significância mas não têm nenhum significado. São como sons musicais. Quando você vai até uma cachoeira e senta-se perto dela, você a escuta, mas você interpreta o que a cachoeira diz? Ela não diz nada... embora fale. Ela diz muito, muito que não pode ser dito. O que você faz perto de uma cachoeira? Você ouve, fica em silêncio e parado, fica absorto. Você deixa que a cachoeira entre cada vez mais fundo dentro de você. Então, por dentro, tudo fica calmo e quieto. Você se torna um templo — o desconhecido entra por meio da cachoeira. O que você faz quando ouve o canto dos passarinhos, ou o vento passando pelas árvores, ou folhas secas sendo sopradas pela brisa? O que você faz? Você ouve, apenas. Esse Sosan não é um filósofo, não é um teólogo, não é um pregador. Ele não quer vender nenhuma idéia para você, não está interessado em idéias. Ele não está aí para convencê-lo, ele está apenas desabrochando. Ele é uma cachoeira,
  • 36. ou é o vento soprando entre as árvores, ou é apenas o cantar dos pássaros — sem significado, mas com muita significância. Você precisa absorver essa significância, somente então você será capaz de entender. Portanto ouça, mas não pense. E então é possível que muita coisa aconteça dentro de você, porque eu lhe digo: esse Sosan, a respeito de quem não se sabe muito, era um homem de poder, um homem que chegou a saber. Quando fala, ele transporta alguma coisa do desconhecido para o terreno do conhecido. Com ele entra o divino, um raio de luz na escuridão de sua mente. Antes de penetrar em suas palavras, lembre-se da significância das palavras, não do significado; a música, a melodia, não o significado; o som da mente sem som, seu coração, não seu pensamento. Você precisa escutar seu ser, a cachoeira. Como ouvir? Fique quieto. Não leve junto a sua mente. Não comece a pensar: “O que ele está dizendo?” Apenas ouça sem se decidir por este caminho ou por aquele, sem dizer se está certo ou errado, se você está convencido ou não. Ele não está interessado em suas convicções, você também precisa não se preocupar com elas. Apenas ouça e aproveite. Pessoas como Sosan devem ser usufruídas; elas são fenômenos naturais. Uma bela rocha — o que você faz com ela? Você se encanta com ela. Você a toca, dá voltas em torno dela, você a sente, sente o musgo que a cobre. O que faz com as nuvens se movendo no céu? Você dança na terra, olha para elas, ou apenas fica em silêncio, deita no chão e olha para elas e as deixa flutuar. E elas o preenchem. Não apenas o céu exterior — pouco a pouco, quanto mais você fica em silêncio, elas também preenchem seu céu interior. De repente você não está lá, somente as nuvens estão se movendo, dentro e fora. A separação se desfaz, o limite não existe mais. Você se tornou o céu e o céu se tornou você. Trate Sosan como um fenômeno natural. Ele não é apenas um homem, ele é uma santidade, ele é Tao, ele é um buda. Esse Sosan não serve para a lógica, serve para a vida. Agora tente entender a significância destas palavras. Ele diz: O Grande Caminho não é difícil para aqueles que não têm preferências. Quando o amor e o ódio estão ausentes, tudo fica claro e patente. Faça a menor distinção, entretanto, e o paraíso e a terra ficam infinitamente separados. Se quiser enxergar a verdade, então não se prenda a nenhuma opinião a favor ou contra.
  • 37. A luta entre o que se gosta e o que não se gosta é a doença da mente. Da mesma forma como Chuang Tzu diz: “O fácil é certo”, Sosan diz: “O Grande Caminho não é difícil”. Se ele parece difícil, é você quem o faz difícil O Grande Caminho é fácil. Como ele pode ser difícil? Mesmo as árvores o seguem, os rios o seguem, as pedras o seguem. Como ele pode ser difícil? Mesmo os pássaros voam nele e os peixes nadam nele. Como ele pode ser difícil? As pessoas o fazem difícil, a mente o torna difícil — e o truque para tornar difícil qualquer coisa fácil é escolher, fazer a distinção. O amor é fácil, o ódio é fácil, mas você escolhe. Diz: “Só vou amar, não vou odiar”. Agora tudo ficou difícil. Agora você não vai nem mesmo conseguir amar! Inspirar é fácil, expirar é fácil. Você escolhe. Diz: “Vou só inspirar, não vou expirar”. Agora tudo ficou difícil. A mente pode dizer: “Por que expirar? A respiração é vida. O raciocínio é simples: prossiga inspirando, não expire e você vai ficar cada vez mais vivo. Mais e mais vida vai se acumular. Você vai se tornar um grande depósito de vida. Inspire somente, não expire porque expirar é morte”. Lembre-se, a primeira coisa que uma criança tem de fazer quando nasce é inspirar. E a última coisa que um homem faz ao morrer é expirar. A vida começa com a inspiração e a morte começa com a expiração. Cada vez que você inspira está renascendo; cada vez que expira você está morto, porque a respiração é vida. É por isso que os hindus a chamam de prana: prana significa vida. A respiração é vida. A lógica simples, o raciocínio simples; sem muita confusão, você pode fazer sem rodeios: inspire cada vez mais e não expire e assim você nunca vai morrer. Se expirar você terá de morrer. E se fizer isso muitas vezes, vai morrer cedo! É tão simples o raciocínio, parece tão óbvio. Assim, o que se espera que um lógico faça? Um lógico vai somente inspirar, nunca expirar. Amar é inspirar, odiar é expirar. Então o que fazer? A vida é fácil se você não opta, porque então você sabe que inspirar e expirar não são duas coisas opostas; são duas partes de um processo. Essas duas partes estão organicamente ligadas, você não pode separá-las. E se você não expirar...? A lógica está errada. Você não ficará vivo — você estará simplesmente, imediatamente, morto. Tente — apenas inspire e não expire. Você vai entender. Vai ficar muito, muito tenso. Todo o seu ser vai querer expirar porque, caso contrário, isso vai levar à morte. Se você escolher, ficará em dificuldade. Se não escolher, tudo é fácil. O fácil é certo.
  • 38. Se você está em dificuldade é pelo excesso de professores que envenenaram sua mente, que têm ensinado: “Escolha isto — não faça isso, faca aquilo”. Seus faça e não faça mataram você, embora pareçam lógicos. Se você for discutir com eles, eles vão ganhar a discussão. A lógica vai ajudá-los: “Veja! É tão simples. Por que expirar se isso leva à morte?” A mesma coisa aconteceu com o sexo, em algumas tradições, porque as pessoas pensam que a morte está associada ao sexo. Parece que elas têm razão, porque a energia sexual dá à luz vida, assim, quanto mais energia sexual é movimentada, mais vida está se movimentando. É lógico, absolutamente aristotélico, mas é bobagem. Você não consegue achar tolos maiores do que os lógicos. É lógico que a energia vital vem do sexo — a criança nasce por causa do sexo, o sexo é a fonte da vida — assim, conserve-o. Não permita que ele se vá, de outro modo você estará morto. Assim, o mundo todo ficou com medo. Mas isso é o mesmo que manter a respiração suspensa; se você a prende, todo o seu ser quer despejar o ar para fora. Por isso os pretensos celibatários, que tentam reter sua energia sexual, descobrem que todo o seu corpo deseja despejar essa energia para fora. Toda a vida deles se torna sexual — a mente se torna sexual, eles sonham com sexo, pensam em sexo o tempo todo. O sexo se torna sua obsessão, porque eles estão tentando fazer alguma coisa que é lógica, é claro, mas não verdadeira para a vida. Se você quiser mais vida, expire mais, assim você cria um vácuo dentro de si e mais ar pode entrar. Não pense em inspirar, apenas exale tanto ar quanto conseguir e todo o seu corpo vai inalar. Ame mais — que é expirar — e seu corpo vai reunir energia de todo o cosmos. Você cria o vácuo e a energia vem. É exatamente assim em todo o processo de vida. Você come, mas, se você se torna um sovina, fica com prisão de ventre. A lógica está certa: não expire. A prisão de ventre é como escolher a inspiração e ficar contra a expiração. Quase todas as pessoas civilizadas sofrem de prisão de ventre; você pode medir o grau de civilização por intermédio da prisão de ventre. Quanto mais um país sofre de prisão de ventre, mais civilizado ele é, porque é mais lógico. Por que expirar? Siga em frente apenas inspirando. Comida é energia. Por que deve ser posta para fora? Você pode não ter consciência disso, mas isso é o inconsciente sendo lógico e aristotélico. A vida é um equilíbrio entre rejeitar e atrair. Você é apenas uma passagem. Compartilhe! Dê, e mais lhe será dado. Seja sovina, não dê, e menos será dado a você porque você não precisa. Lembre-se disso e examine seu modo de vida. Se você está realmente interessado na compreensão da iluminação, lembre-se de dar para que mais lhe seja dado, seja lá o que for. Expire, ponha mais ar para fora. Isso é o que significa partilhar, significa o que dar.
  • 39. Mas a mente tem sua lógica própria, e Sosan chama essa lógica de doença. O Grande Caminho não é difícil... Você o torna difícil, você é difícil. O Grande Caminho é fácil... para aqueles que não têm preferências. Não prefira — apenas deixe que a vida siga em frente. Não diga para a vida: “Siga este caminho, vá para o norte, ou vá para o sul”. Não diga nada, simplesmente flua com a vida. Não lute contra a corrente, torne-se um com a corrente. O Grande Caminho é fácil para aqueles que não têm preferências, e você tem preferência com relação a tudo! Com relação a tudo você convoca sua mente. Você diz: “Gosto, não gosto, prefiro isto, não prefiro aquilo”. Mas quando você não tem preferências — quando todas as atitudes “a favor” e “contra” estão ausentes, tanto o amor quanto o ódio estão ausentes, você nem gosta de alguma coisa nem desgosta de outra — você apenas deixa que tudo aconteça. Então, diz Sosan: “Tudo fica claro e patente”. Faça a menor distinção, entretanto, e o paraíso e a terra ficam infinitamente separados. Mas sua mente vai dizer: “Mas você vai se tornar um animal se não preferir. Se você não escolher, então qual será a diferença entre você e uma árvore?” Haverá uma diferença, uma grande diferença — não uma diferença que introduza a mente, mas uma diferença que surge por meio da consciência. A árvore não tem escolha e é inconsciente. Você vai ficar sem escolhas e consciente. Isso é o que significa consciência da falta de escolha, e esta é a grande distinção: você vai estar consciente de que não está escolhendo. Essa consciência lhe traz uma paz tão profunda... você se torna um buda, um Sosan, um Chuang Tzu. Uma árvore não pode se tornar um Chuang Tzu. Chuang Tzu é como a árvore e alguma coisa mais. Ele é como uma árvore no que diz respeito à escolha, ele é completamente diferente da árvore no que diz respeito à consciência. Ele está completamente consciente de que não está escolhendo. Sosan diz: Quando o amor e o ódio estão ambos ausentes... O amor e o ódio falseiam os seus olhos e então você não pode ver claramente. Se você ama uma pessoa, começa a ver coisas que não estão lá. Nenhuma mulher é tão bonita quanto você pensa que ela é quando a ama, porque você faz uma projeção. Você tem uma garota dos seus sonhos na cabeça e é essa garota dos seus sonhos que é projetada. De alguma forma, a garota verdadeira funciona apenas como uma tela. É por isso que todo o amor acaba em frustração mais cedo ou mais tarde, porque de que modo pode a garota continuar fazendo o papel de tela? Ela é uma pessoa de verdade; ela vai fazer valer seus direitos, ela dirá: “Eu não sou uma tela!” Por quanto tempo ela vai continuar se ajustando
  • 40. à sua projeção? Mais cedo ou mais tarde você sente que a projeção não se ajusta. No começo ela foi submissa a você, no começo você foi submisso a ela. Você era uma tela de projeção para ela, ela era uma tela de projeção para você. A mulher de Mulla Nasruddin disse para ele. “Você não me ama tanto quanto me amava antes, quando me fazia a corte”. Nasruddin disse: “Querida, não preste muita atenção a essas coisas — estávamos apenas em campanha. Vou esquecer o que você me disse se você esquecer o que eu disse. Agora, vamos cair na realidade”. Ninguém pode servir de teia para você para sempre porque é desconfortável. Como pode alguém se ajustar ao seu sonho? Todos têm sua própria realidade, e a realidade faz valer os seus direitos. Se você ama uma pessoa, projeta coisas que não estão ali. Se odeia uma pessoa, novamente você projeta coisas que não estão ali. No amor uma pessoa se torna um deus, no ódio a pessoa se torna um demônio — e a pessoa não é nem um deus nem um demônio, a pessoa é simplesmente ela mesma. Esses demônios e deuses são projeções. Se você ama, não consegue enxergar claramente. Se odeia, não consegue ver com clareza. Quando não existe o gostar nem o desgostar, seus olhos ficam limpos, você tem clareza. Então você vê o outro como ele é. E quando você tem clareza mental, toda a existência revela sua realidade para você. Essa realidade é divina, essa realidade é verdadeira. O que isso significa? Que um homem como Sosan não vai amar? Não, mas seu amor vai ter uma qualidade completamente diferente; não vai ser como o seu. Ele vai amar, mas o amor dele não será uma escolha. Ele vai amar, mas seu amor não vai ser uma projeção. Ele vai amar, mas seu amor não será um amor por seu próprio sonho. Ele vai amar o verdadeiro. Esse amor pelo verdadeiro é compreensão e ternura. Ele não vai projetar isso ou aquilo. Ele não vai ver em você um demônio ou um deus. Vai apenas ver você. E ele vai compartilhar com você porque ele tem bastante — e quanto mais se compartilha algo, mais isso aumenta. Ele vai dividir seu êxtase com você. Quando ama, você projeta. Você não gosta de dar, você gosta de tomar, gosta de explorar. Quando você ama uma pessoa, começa a tentar ajustar a pessoa às suas idéias. Todos os maridos estão fazendo isso, todas as mulheres estão fazendo isso, todos os amigos. Eles seguem tentando mudar o outro, o real — e como o real não pode ser mudado, eles só vão conseguir se frustrar. O real não pode ser mudado, somente seu sonho será destruído e você vai se sentir ferido. Você não presta atenção à realidade.
  • 41. Ninguém está aqui para preencher seu sonho. Todos estão aqui para cumprir seu próprio destino, sua própria realidade. Um homem como Sosan ama, mas seu amor não é uma exploração. Ele ama porque ele tem tanto, que está transbordando. Ele não está criando nenhum sonho em torno de ninguém. Ele compartilha com quem quer que surja em seu caminho. O seu compartilhamento é incondicional, e ele não espera nada de você. Se o amor esperar alguma coisa, então haverá frustração. Se o amor esperar alguma coisa, então haverá insatisfação. Se o amor esperar alguma coisa, haverá sofrimento e raiva. “Não”, diz Sosan, “nem amor nem ódio. Apenas olhe a realidade do outro.” Este é o amor de Buda: enxergar a realidade do outro — não a projeção, não o sonho, não criar uma imagem, não tentar ajustar o outro à sua imagem. Sosan diz: Quando o amor e o ódio estão ambos ausentes, tudo se torna claro e patente. A mente tem de amar e odiar, e a mente tem que prosseguir lutando entre esses dois. Se você não amar e não odiar, irá além da mente. E onde estará a mente então? Quando a escolha desaparece dentro de você, a mente desaparece. Mas mesmo que você diga: “Eu gostaria de ficar silencioso”, você jamais ficará silencioso porque você tem uma preferência. Esse é o problema. As pessoas chegam e dizem: “Eu gostaria de ficar silencioso, não quero mais essas tensões”. Eu tenho pena delas — pena porque o que elas estão dizendo é bobagem. Se você “não quer mais tensões”, vai criar novas, porque esse não- querer vai criar uma nova tensão. Se você quiser demais o silêncio, se estiver lutando demais por ele, o silêncio em si mesmo vai se tornar uma tensão. E então você vai ficar mais perturbado por causa do seu esforço para conquistar o silêncio. O que é o silêncio? É um entendimento profundo — entendimento do fenômeno que, se você preferir, ficará tenso. Mesmo se você preferir o silêncio, ficará tenso. Compreenda-o, sinta-o — toda vez que você prefere, fica tenso; toda vez que não prefere, não há tensão e você fica relaxado. Quando está relaxado, seus olhos têm mais clareza; eles não estão carregados de nuvens e de sonhos. Nenhum pensamento se move na mente; você consegue enxergar a verdade. E quando consegue enxergar a verdade, você se liberta. A verdade liberta. Faça a menor distinção, entretanto, e o paraíso e a terra ficam infinitamente separados, diz Sosan. A menor distinção, a mais leve escolha, e você fica dividido. E então você tem um inferno e um paraíso, e entre esses dois você ficará esmagado.
  • 42. Se quiser enxergar a verdade, então não se prenda a nenhuma opinião a favor ou contra, diz Sosan. Prossiga sem opinião. Prossiga nu, sem roupas, sem opiniões sobre a verdade, porque a verdade abomina todas as opiniões. Deixe de lado todas as suas filosofias, teorias, doutrinas, escrituras! Esqueça toda a tolice! Você segue em silêncio, sem escolher, seus olhos prontos para ver o que é, de nenhum modo esperando ver satisfeito algum de seus desejos. Não carregue desejos. Diz-se que o caminho do inferno é completamente preenchido com desejos — desejos bons, esperanças, sonhos, arco-íris, ideais. O caminho do paraíso é completamente vazio. Deixe de lado toda a carga. Quanto mais alto você quiser chegar, menos carregado tem de estar. Se quiser ir para o Himalaia, você precisa abandonar toda a carga. Finalmente, quando você atingir o Gourishankar, o Everest, você tem de deixar tudo. Você precisa ir completamente nu, porque quanto mais alto você sobe mais leve precisa estar. E as opiniões pesam em você. Elas não são asas, são como pesos de papel. Não tenha opiniões, não tenha nenhuma preferência... “Se quiser enxergar a verdade, então não tenha opinião nem a favor nem contra.” Não seja um teísta nem um ateu, se quiser realmente saber o que é a verdade. Não diga: “Existe um Deus” e não diga: “Não existe nenhum Deus”, porque o que quer que você diga vai se tornar um desejo profundo e você vai projetar o que estiver escondido no desejo. Se quiser ver Deus como um Krishna com uma flauta nos lábios, algum dia você vai vê-lo — não porque Krishna esteja lá, somente porque você tinha uma semente de desejo que projetou na tela do mundo. Se quiser ver Jesus crucificado, vai ver isso. Qualquer coisa que você queira será projetada, mas é apenas um mundo de sonhos — você não vai chegar mais perto da verdade. Fique sem sementes interiores: sem opinião, sem pensamento a favor ou contra, sem filosofia. Apenas vá ver o que é. Não carregue nenhuma tendência. Vá sem preocupação. Se quiser enxergar a verdade, então não se prenda a nenhuma opinião a favor ou contra. A luta entre o que se gosta e o que não se gosta é a doença da mente. Esta é a doença da mente: o que se gosta e o que não se gosta, a favor e contra. Por que a mente é dividida? Por que não pode ser uma? Você gostaria de ser um, você quer ser um, mas você segue adiante irrigando as divisões, as preferências, os gostos e as aversões. Quanto mais você usa a mente, mais ela se fortalece, mais forte se torna. Não a use. É difícil, porque você vai dizer: “O que vai acontecer com o nosso amor? O que vai acontecer com o que nos pertence? O que vai acontecer com nossas
  • 43. crenças? O que vai acontecer com a nossa religião, a nossa igreja e o nosso templo?” Eles são a sua carga. Livre-se deles, e deixe-os ficarem livres de você. Eles estão mantendo você aqui, enraizado, e a verdade gostaria de ver você livre. Livre você chega lá, com asas você chega lá, sem peso você chega lá. Sosan diz: “A luta entre o que se gosta e o que não se gosta é a doença da mente”. Como superá-la? Existe algum modo de fazer isso? Não, não há um modo. É preciso apenas entendê-la. Simplesmente é preciso olhar para a artificialidade dela. É preciso apenas fechar os olhos e observar sua própria vida — olhe para ela e você vai sentir a verdade de Sosan. E quando você sente a verdade, a doença desaparece. Não há remédio para ela porque, se o remédio for dado, você vai começar a gostar do remédio. E então a doença será esquecida, mas o remédio será apreciado, e então o remédio se torna uma doença. Não, Sosan não vai lhe dar nenhum remédio, nenhum método. Ele não vai sugerir a você o que fazer. Ele apenas vai insistir milhares de vezes, para que você entenda como criou toda essa confusão à sua volta, como chegou a esse sofrimento. Ninguém mais criou isso; é a sua doença de preferir, de escolher. Não escolha. Aceite a vida como ela é em sua totalidade. Você precisa olhar o todo: vida e morte juntas, amor e ódio juntos, felicidade e infelicidade juntas, agonia e êxtase juntos. Se você olhar para eles juntos, então o que há para escolher? Se você perceber que eles são um, então por onde pode começar a escolha? Se perceber que a agonia não é nada mais do que o êxtase, o êxtase nada mais do que a agonia; se conseguir perceber que a felicidade não passa de infelicidade; amor não é nada senão ódio, ódio não é nada senão amor — então onde escolher? Como escolher? Então a escolha some. Não é você que a está fazendo desaparecer. Se você a fizer sumir, isso se tornará uma escolha — esse é o paradoxo. Não é para você fazê-la desaparecer porque, se você a faz desaparecer, isso significa que você escolheu a favor e contra. Agora a sua escolha é pela totalidade. Você escolhe a favor da totalidade e contra a divisão, mas a doença começou. Ela é sutil. Simplesmente entenda, e o verdadeiro entendimento transforma-se em desaparecimento. Nunca a faça desaparecer. Apenas ria... e peça uma xícara de chá.