SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 157
Baixar para ler offline
OSHO
VÁ COM
CALMA
Discursos sobre Zen-Budismo – Volume 4
UNIVERSALISMO
Sumário
Capítulo 1 — Rompendo o Fundo
Capítulo 2 — E os Dois Estão Sempre Se Encontrando
Capítulo 3 — Simplesmente Extasiados Com a Liberdade
Capítulo 4 — O Juramento Compassivo dos Bodhisattvas
Capítulo 5 — Esperando Algo Doce
Capítulo 6 — Na Casa da Lua
Capítulo 7 — O Verdadeiro Israel
1
Rompendo o Fundo
No mar da morte e da vida,
O barco do mergulhador está carregado
De “É” e de “Não é”.
Mas se o fundo for rompido,
“É” e “Não é” desaparecerão.
A mente não pode tornar-se Buda;
O corpo não pode tornar-se Buda;
Somente aquilo que não pode tornar-se Buda
Pode tornar-se Buda.
Como um relâmpago
Que desaparece como o orvalho,
Que se desvanece como um fantasma —
Assim pense de si mesmo.
A vontade de procurar Buda
Em qualquer outra parte
É uma idiotice
Bem no centro da idiotice.
O orvalho sobre a folha do lótus,
Inalterado em sua cor,
Justamente como ele é,
É a forma real de Buda.
Uma senhora de idade entrou no consultório de um doutor, exclamando: “Doutor,
meu estômago está doendo!”
O doutor disse: “Mas, minha senhora, eu sou um doutor em filosofia!”
Por um momento ela se esqueceu da dor, e perguntou, perplexa: “Filosofia? Que
tipo de doença é essa?”
SIM, A FILOSOFIA É UMA DOENÇA, e não é uma doença comum. Não é um
resfriado comum, é um câncer, um câncer da alma. Quando uma pessoa se
perde na selva da filosofia, ela se embaraça cada vez mais com palavras,
conceitos e abstrações. E isso não tem mais fim: ela pode continuar nisso por
vidas e vidas.
Toda filosofia é um jogo da mente; através dele, a mente se perpetua. Ora, a
verdade só pode ser conhecida quando você se encontra num estado de
ausência da mente. Assim, o filósofo jamais chega a conhecer a verdade. A
menos que a filosofia seja abandonada de forma absoluta e total, você não
poderá conhecer o que é a verdade, o que é Deus.
A filosofia pensa a respeito de Deus, e por isso ela está sempre perdendo Deus.
Ela tece e borda teorias a seu respeito, mas nunca acerta o alvo. Ela se move
em círculos — ela cria uma idéia sobre Deus, essa idéia cria uma outra idéia... e
como as idéias não acreditam em controle de natalidade, elas vão se
reproduzindo.
A mente segrega a filosofia, produz a filosofia, vive por intermédio dela. Sem
filosofia a mente não pode existir sequer por um único momento. A mente precisa
ser hindu ou muçulmana, ou cristã ou comunista. Ela não pode perdurar, nem
por um único instante na existência, se não for hindu, muçulmana, jainista ou
cristã. Se a mente não possui uma filosofia da qual dependa, ela morre de
inanição. Se não há suportes para apoiá-la, se não lhe é fornecida uma nutrição
contínua para pensar mais e mais, o processo se detém. A filosofia mantém a
mente funcionando.
O budismo não é uma filosofia — não é, pelo menos, no ser de Buda, ou no ser
de Ikkyu. Aqueles que perceberam reconheceram, de forma absoluta, uma coisa:
a verdade acontece num estado não-filosófico, num estado de não-conhecer; a
verdade acontece na inocência. A verdade acontece quando não existem nuvens
de pensamentos se agitando na consciência, quando o céu está absolutamente
claro, quando não existe abstração, quando você não faz idéia daquilo que Deus
é ou não é. A verdade acontece quando você não crê em Deus e não crê na
negação de Deus, quando você simplesmente se encontra num estado de não-
conhecer. Então você não reivindica qualquer conhecimento, e essa consciência
sem reivindicações começa a se abrir. Todo o conhecimento o sobrecarrega,
todo o conhecimento o fecha.
O Zen é um dos remédios que curam a doença chamada filosofia. Nenhuma
outra escola foi capaz de inventar remédios tão poderosos quanto os do Zen
para escapar do mundo da filosofia.
Buda não ensinou coisa alguma em que se deva crer. Neste sentido, ele não foi
um professor, porque não ensinou. Pelo contrário, ele foi um antiprofessor,
porque removeu todos os ensinamentos que as pessoas estavam carregando.
Pouco a pouco, ele ajudou seus discípulos a ficar totalmente nus, despojados.
A filosofia é uma bela roupagem à qual a mente se apega. Uma vez abandonada
a filosofia, a mente torna-se feia e repulsiva, ninguém gosta dela. Então fica
muito fácil abandonar a mente — de fato, é impossível apegar-se a ela. Você
tem de abandoná-la; esse abandono ocorre espontaneamente, de forma
necessária e inevitável.
O que é precisamente a filosofia? É uma pretensão de saber, sem saber coisa
alguma. Filosofia é pensar, e pensar significa sempre que a pessoa é ignorante,
mas está tentando criar uma aparência. Toda vez que você pensa, está
mostrando simplesmente que você não sabe. Ou você sabe, ou você não sabe.
Como você pode pensar? O que você pode pensar?
Se eu perguntar: “Deus existe ou não existe?” e você me responder: “Eu vou
pensar a respeito”, o que você vai pensar a respeito? Ou você sabe, ou você não
sabe — tudo se resume nisso. O que você vai pensar a respeito? Tudo o que
você pensar será produto da sua mente, será uma mentira. O pensamento
consiste em mentiras.
Entretanto, você pode provar a si mesmo que essas mentiras são verdades; você
pode argumentar em seu favor. Ora, a verdade não precisa de argumentos, ela
é evidente por si mesma. Somente as mentiras precisam de argumentos — elas
não são evidentes por si mesmas, elas precisam de testemunhas. Uma verdade
é simplesmente verdade; ela é irrefutável.
É por isso que as maiores declarações da verdade são absolutamente
destituídas de argumentos. O Velho Testamento não contém nenhum argumento
para demonstrar Deus. Ele simplesmente afirma: Deus é. Não apresenta
argumentos, não junta provas. Os Upanixades simplesmente declaram. Eles são
declarações, são anúncios ao mundo, sem nenhuma argumentação como apoio.
Eles não são silogismos, são apenas asserções poéticas. Uma pessoa que
conheceu e declara. Se você lhe perguntar: “Qual é a prova?”, ela responderá:
“Você também pode conhecer”.
Quando Vivekananda encontrou Ramakrishna, perguntou a ele: “Você pode
provar para mim que Deus existe?” E Ramakrishna respondeu: “Eu não posso
provar que Deus existe, mas eu posso fazer com que você conheça. Neste exato
momento! Você está pronto?”
Vivekananda sentiu-se abalado nas suas raízes. Aquele homem estava ali de pé
e lhe perguntava: “Você está pronto? Neste exato momento, eu posso lhe
mostrar Deus! Mas não existe prova”. Vivekananda não esperava por isso. Ele
já tinha conhecido muitos outros filósofos; ele estava, mais ou menos, esperando
que Ramakrishna lhe desse algumas provas, que defendesse Deus, que
destruísse as provas contra a existência de Deus. Era a primeira vez que se
deparava com um homem de verdadeiro saber.
Sua garganta ficou seca, ele não conseguiu pronunciar qualquer palavra,
simplesmente emudeceu. Por um momento, tudo parou. E Ramakrishna tocou o
seu peito com os pés, e ele caiu num profundo êxtase. Quando ele voltou a si,
estava trêmulo. O que ele tinha visto era impossível de acreditar — por um
momento, ele tinha saído da mente. Aquele toque dos pés de Ramakrishna, por
um momento, fez com ele saísse da sua mente.
Aconteceu a mesma coisa na noite passada. Sarjano estava aqui — e
certamente Vivekananda experimentou a mesma situação vivida por Sarjano, na
noite passada. Eu pedi a ele que, por um momento, segurasse os meus pés em
suas mãos. E então aconteceu: por um momento, ele saiu da sua mente.
O impacto da não-mente, se você estiver pronto, pode conduzi-lo a um estado
de não-mente. E aí ocorre o conhecer. O conhecer não vem pela mente, ele
sempre vem pela não-mente; ele não vem através do conhecedor, ele só vem
quando o conhecedor não existe.
Mas a filosofia continua aceitando o conhecedor; ela continua tentando fabricar
alguns brinquedos — teorias e doutrinas em que se deve acreditar — para que
você possa enganar a si mesmo. E você pode continuar eternamente nisso.
Ouvi contar:
Um ignorante conseguiu ser convidado para uma festa onde estavam presentes
cientistas mundialmente famosos, entre os quais Albert Einstein. O convidado
analfabeto imediatamente revelou-se uma pessoa maçante, perseguindo os
ilustres físicos, para lhes oferecer o que pensava ser suas profundas
observações.
“Diga-me, Doutor Einstein”, indagou o chato, “qual é, em sua opinião, a diferença
entre o tempo e a eternidade?”
“Meu caro”, respondeu Einstein, “se eu tomasse o tempo necessário para
explicar a diferença, isto levaria uma eternidade!”
De fato, Einstein foi muito brando, suave, generoso. Mesmo levando uma
eternidade, a diferença não poderia ser explicada. Ainda que você passe uma
eternidade discutindo “o que é o tempo?” e “o que é a eternidade?” você não
chegaria a nenhuma conclusão.
Cinco mil anos de filosofia, e nem uma única conclusão nas mãos. Isto mesmo,
nem uma única conclusão. Não há dois filósofos que estejam de acordo, pois
eles só concordam em discordar, estão constantemente argumentando, uns
contra os outros. Não há possibilidade de consenso, pois não pode haver
consenso entre duas mentiras. E duas verdades concordam tão profundamente
que se tornam uma única verdade — elas deixam de ser duas, tão completo é o
seu consenso. É por isso que se diz que só existe uma verdade. Não pode haver
muitas: o consenso delas é tão infinito, tão total, que onde quer que elas
apareçam como duas verdades, imediatamente saltam uma sobre a outra e se
tornam uma única chama.
Todos os Budas concordam. Mas em quê? Isso não pode ser dito, se você
disser, tornará o assunto um tema de filosofia. Assim, esse tema permanece
não-dito, mas pode ser experimentado.
Como a filosofia é uma pretensão, ela acredita nas grandes palavras. Ela
acredita no comércio das frases — ela cria e fabrica grandes palavras que
possam impressionar as pessoas.
Crítico de arte A: “Julgo que o neoplasticismo do design abstrato demonstra o
approach místico, metafísico e não-humanístico do conceito objetivo de
abstração”.
Crítico de arte B: “Perfeitamente, você lavrou um tento! Na realidade, é patente,
mesmo num relance casual, que esta pintura foi criada por uma atividade
paranóico-crítica, resultante de sensações dinâmicas espontâneas, e
eventualmente produzida por campanólogos com tendências sonambulísticas,
que criam uma pintura de objetos transcendentais curvilíneos e não-curvilíneos,
exprimindo feelings subjetivos num estilo cubista”.
Crítico de Arte C: “Estou plenamente de acordo com vocês dois — esse quadro
é um lixo!”
A filosofia está sempre criando esses termos bombásticos; ela nunca é simples,
não pode ser. Ela não consegue ser simples, porque, se for simples, você
perceberá que ela é uma mentira. Ela precisa ser muito cheia de circunlocuções,
rodeios e ziguezagues — ela nunca é direta, nunca vai ao ponto. Todo o seu
esforço consiste em não chegar ao ponto; em andar em todas as direções, sem
nunca chegar em casa; em criar palavras bombásticas para impressionar os
idiotas — somente os idiotas podem ficar impressionados com tais palavras.
A verdade é simples — é tão simples que uma criança pode entendê-la; é
realmente tão simples que só uma criança pode entendê-la. A menos que você
volte a ser uma criança, você não será capaz de entendê-la. A verdade é uma
experiência, não é uma especulação.
No entanto, quando você está viciado nas grandes palavras, é muito difícil fazer
com que você desça até o chão. Essas grandes palavras proporcionam ao seu
ego um enorme contentamento. Quando a mente de alguém começa a apreciar
palavras sonoras, idéias geniais e complicadas teorias, torna-se muito difícil para
ela aterrissar. Ela voa pelo céu, paira nas altas torres da sua mente, e nunca
encara o fato, verdade. Porque a verdade é simples — e o que acontecerá com
sua filosofia?
Samanta era uma menina de seis anos que gostava de exagerar tudo o que via
ou fazia. Um dia, ela estava olhando pela janela, quando gritou para a sua mãe:
“Mamãe, mamãe! Venha depressa! Tem um leão andando na rua, na frente da
nossa casa!”
A mãe de Samanta olhou para fora da janela, mas só conseguiu ver um gatinho
marrom.
“Samanta! Você está mentindo de novo!”, ralhou a mãe. “Suba imediatamente
para o seu quarto e peça a Deus perdão por ser uma menina tão travessa, e
peça-lhe que faça você parar de contar mentiras.”
Samanta subiu soluçando para o seu quarto. Pouco tempo depois, ela desceu e
disse à sua mãe: “Mamãe, eu rezei para Deus como você falou. Ele disse que
também achou que o gato marrom mais parecia um leão”.
Quando você começa a apreciar exageros, grandes palavras, teorias
bombásticas, isto fica difícil para você. Você tenta colecionar todo o tipo de prova
para convencer a si mesmo e aos outros de que você está no caminho certo.
Uma vez que você tenha a ilusão de conhecer — e essa é precisamente a ilusão
que a filosofia lhe dá — então torna-se muito difícil abandonar essa ilusão,
porque nesse caso você se tornaria outra vez um ignorante.
Essa é uma das coisas mais difíceis para você fazer, quando está comigo.
Quando vem, já traz um conhecimento. E todo o meu empenho consiste em
ajudá-lo a abandonar esse conhecimento. Você vem aqui para adquirir um pouco
mais de conhecimento, e não para abandonar aquele que você tem. Você vem
para acumular um pouco mais, você vem para acrescentar mais alguns
argumentos em favor daquilo em que você já acredita. E eu estou dizendo a você
que abandone tudo aquilo que você conhece — porque você realmente não
conhece; é uma alucinação. Você criou a idéia de que você conhece. Sim, é
doloroso abandonar essa idéia, porque você volta a ser ignorante. E toda a sua
vida foi gasta em adquirir pedacinhos de conhecimento daqui e dali — da escola,
da faculdade, da universidade, dos sacerdotes, dos livros. Você ficou estudando,
ficou pesquisando, e com grande esforço acumulou um pouquinho de
conhecimento. E você sente que talvez não conheça a verdade absoluta, mas
conhece o suficiente para buscar a verdade.
Quando você vem a mim, você fica chocado, porque eu fico dizendo e repetindo
a você que tudo o que você conhece é pura bobagem e que você simplesmente
deve abandonar isso! Seu Deus é pura ficção, sua oração é apenas seu medo,
seu amor é só fingimento. Você é falso desde as suas raízes; você é apenas
uma falsidade.
Abandone tudo isso! E torne-se ignorante de novo porque, a partir dessa
ignorância, você poderá crescer. As técnicas da meditação budista não passam
de meios para ajudá-lo a sair da aventura do conhecimento. Toda essa viagem
é puro lixo.
E lembre-se, conhecimento e saber não são sinônimos. O saber é existencial, o
conhecimento é puramente intelectual. O saber provém da inteligência, o
conhecimento é apenas uma memória — ele não requer inteligência. Na
verdade, para evitar a inteligência, as pessoas tornam-se viciadas no
conhecimento — custa pouco adquirir cultura. E assim elas ficam excitadas com
coisas inúteis.
Algum tempo atrás, Art Buchwald contou, na Herald Tribune de Nova York, a
história de um produtor de Hollywood cujo hobby era colecionar livros raros. Ele
gostava tanto desse passatempo que falava sobre isso constantemente,
aborrecendo seus amigos, que já estavam fartos de suas histórias. Um dia, eles
decidiram fazer uma brincadeira com o produtor. Contrataram um ator e o
levaram para um almoço. Quando, inevitavelmente, surgiu o assunto, o ator
contou que tivera uma Bíblia alemã por muitos anos, mas ela cheirava tão mal
que ele acabou dando-a a uma tia, em Santa Barbara.
“Quem a imprimiu?” perguntou o colecionador de obras raras.
“Não sei... um tal de Guten qualquer coisa”, respondeu o ator.
O produtor deixou cair seu garfo. “Não seria Gutenberg?” O ator respondeu que
acreditava que o nome era esse. O produtor levantou-se da mesa. “Vamos!”
exclamou. “Vamos fretar um avião!”
“Vamos aonde?” perguntou o ator.
“Apanhar a Bíblia, homem! Você não percebe que tem um dos primeiros livros
jamais editados? Ele vale trezentos mil dólares!”
O ator levantou-se, excitado. Então, subitamente, ele sentou-se de novo. “Não
pode valer coisa alguma”, disse.
“Por que não?” perguntou, histérico, o produtor.
“Porque um cara chamado Martin Luther King rabiscou o livro inteiro.”
O produtor certamente enlouqueceu, deve ter caído, desmaiado! As pessoas
ficam excitadas com coisas banais e pensam que estão fazendo grandes coisas.
Todos os seus hobbies, toda a sua busca, todo o seu pretenso trabalho espiritual
podem ser reduzidos a uma coisa só: um enfeite para o ego. E o ego é a única
barreira que o está impedindo de conhecer aquilo que é.
Estes sutras de Ikkyu são muito pragmáticos. Este é o clima de Buda. Buda é
um homem muito prático — por isso ele é não-filosófico. É um pragmático que
quer os fatos, a verdade. E quer andar em linha reta — não quer ir de um lado
para o outro, não quer ficar rodeando. Quer ser direto, sem usar de circunlóquios.
O primeiro sutra:
No mar da morte e da vida,
O barco do mergulhador está carregado
De “É” e de “Não é”.
Mas se o fundo for rompido,
“É” e “Não é” desaparecerão.
ESTA É A MANEIRA DE DEIXAR CAIR A FILOSOFIA. O que é a filosofia? É
uma luta constante entre dois campos — o campo que acredita no “É” e o campo
que acredita no “Não é”. O primeiro diz: “Deus é”, o outro diz: “Deus não é”. Um
diz uma coisa, o outro diz exatamente o contrário. Um propõe a tese, e o outro
imediatamente propõe a antítese. Este jogo entre a tese e a antítese chama-se
filosofia.
Todo esse jogo pode ser reduzido a uma fórmula simples: “É / Não é”. O teísta
diz: “É”, o ateu diz: “Não é”. Um diz que a alma existe, o outro diz que não existe
alma. Um diz que a vida tem um objetivo, o outro diz que não há nenhum objetivo.
Um diz: “A alma é imortal”, o outro diz: “Bobagem”. E isto continua acontecendo
através dos tempos. E não existe qualquer conclusão.
Buda diz: “Todo esse jogo é fútil”. Por determinadas razões, esse jogo é fútil. A
vida é dialética em sua própria estrutura, ela depende de polaridades opostas —
tese e antítese. Cada coisa, automaticamente, converte-se no seu contrário: o
nascimento converte-se em morte, o dia converte-se em noite, o amor converte-
se em ódio, a esperança converte-se em desespero. E vice-versa: o desespero
de novo converte-se em esperança, a noite converte-se em dia, o ódio converte-
se em amor, a morte converte-se em nascimento. A roda inteira consiste em
polaridades opostas.
Buda diz: “Escolher um desses pólos significa estar errado”. Perceba a totalidade
disso; não diga “É” ou “Não é”. Não se torne partidário de um campo, não se
torne partidário de uma escola ou de uma doutrina, porque todas as doutrinas
são parciais e cada uma delas está tentando provar que ela é o todo. Esta é a
armadilha da filosofia.
Naturalmente, quando você diz: “Deus é luz”, como você poderá acreditar em
alguém que diz: “Deus é escuridão”? Obviamente, ele está negando você; vocês
estão esgrimindo um contra o outro. Mas Buda diz: “Veja: todo o dia, a luz
converte-se em escuridão; todo o dia, a escuridão converte-se em luz. Assim,
vocês não estão realmente se contradizendo, vocês estão se complementando.
As polaridades opostas não são realmente opostas, são complementares. Dessa
forma, não há como escolher — e se você escolher, você estará em apuros...”.
Você escolhe o amor, e logo o amor transforma-se em ódio e em raiva. Então
você fica em apuros porque você pensava que o amor continuaria sendo amor
para sempre. Você não pode se apegar ao amor para sempre; em sua escolha
real, você escolheu também o ódio. Amor/ódio é um relacionamento. Na
verdade, deveríamos deixar de usar “amor” e “ódio” como duas palavras,
deveríamos criar uma palavra única: “amoródio”. Deveríamos deixar de usar “dia”
e “noite” como duas palavras e criar uma palavra única: “dianoite”;
“nascimentomorte”. Isto seria mais verdadeiro, mais próximo da realidade —
nossa divisão é falsa.
Quando você está amando, você pensa: “Agora, eu vou amar eternamente”.
Você esqueceu como a vida funciona. Quando chegar a noite, o amor terá ido
embora e a raiva estará surgindo. É inevitável que ela surja, você não pode
impedir. Escolhendo o amor, você escolhe também o ódio: é a outra face da
mesma moeda. Mas agora você está infeliz, você acredita que está traindo. Você
pensa: “O que está acontecendo? Por que está acontecendo? Por que acontece
comigo? Por que não posso amar para sempre? Por que meu amor não pode
me amar para sempre? De manhã ele estava tão interessado em mim, e agora
ele deseja ficar só, ser deixado só. O que aconteceu? Onde foi que eu errei?”
Ninguém errou, nada aconteceu, tudo está acontecendo como deveria
acontecer. Daqui a pouco essa raiva vai passar, vocês estarão de novo se
abraçando, o amor estará presente — e outra vez vocês esquecerão.
Para entender a vida, uma das coisas mais fundamentais é perceber que cada
coisa implica o seu contrário, cada coisa automaticamente converte-se no seu
contrário. Se você não deseja ter inimigos, não faça amigos. Ao fazer um amigo
você começa a fazer um inimigo: só os amigos podem tornar-se inimigos. Se
você deseja nunca ser infeliz, não busque a felicidade — se você buscar a
felicidade, estará buscando também a infelicidade. A infelicidade vem no
embrulho, ela é parte do jogo da felicidade; a felicidade não pode existir sem ela.
A vida existe dentro da morte.
Esta é uma das grandes intuições de Buda. Assim, ele diz: “Não existe sentido
em escolher. Uma pessoa diz que Deus existe, outra pessoa diz que Deus não
existe: elas estão simplesmente escolhendo um aspecto da realidade. Ora, Deus
é a totalidade: Deus é o É, somado ao Não é”. Desta forma, se você perguntar a
Buda: “O que você diz a respeito de Deus?”, ele responderá: “O que posso dizer?
Se eu disser ‘Existe’, estarei errado. Se eu disser ‘Não existe’, estarei errado.
Seu eu disser ambas as coisas, eu o deixarei perplexo, você dirá que eu o estou
confundindo. Assim, é melhor que eu fique calado. Não direi coisa alguma; ficarei
em silêncio e também lhe ensinarei o silêncio. Quando você desejar saber o que
Deus é, fique em silêncio. Não escolha esta maneira ou aquela.
A filosofia é uma escolha. Quando você diz: “Eu sou um hindu”, você escolheu
— com estas palavras, você está declarando: “Eu não sou um muçulmano”. E
Deus é um hindu, é um muçulmano, é um cristão, é um jainista, é um comunista,
é todos eles, e não é nenhum deles.
Por que tudo se converte em seu oposto? Ninguém deseja que seja assim; não
obstante, é assim que acontece. É a maneira da existência, do Tao, do Dhamma;
é a maneira como as coisas mudam. Da mesma forma como o fogo se alastra
— e isto é inerente à sua natureza — faz parte da natureza da existência
converter-se imediatamente no seu oposto. Por que ela se converte no seu
oposto? Porque o oposto só é oposto quando é olhado da superfície. Observado
a partir do cerne profundo da realidade, não é oposto, mas complementar.
Pense num mundo onde não exista nenhum ódio — você pensa que haverá
amor? Isto é o que dirá a filosofia. Há filósofos do amor, há filósofos da paz. Eles
dizem que se não houver guerra no mundo haverá paz. Esta afirmação parece
tão lógica, tão matemática, tão atraente — se não houver guerra, certamente
haverá paz; quando a guerra desaparecer, haverá uma paz sem fim. Mas isso
não é verdade.
Escute Buda. Ele diz: “Guerra e paz estão associadas. Se a guerra desaparecer,
a paz desaparecerá automaticamente — não haverá guerra nem paz. Como
você saberá que é paz? Você se esquecerá da paz”.
Pense bem, se a morte desaparecer do mundo, você será capaz de saber que
está vivo? Impossível. Como você saberá que está vivo? A morte é necessária
para definir a vida. A guerra é necessária para definir a paz, a inimizade é
necessária para definir a amizade, o ódio é necessário para definir o amor.
Assim, eles não são separados. Eles se definem mutuamente, dependem um do
outro: se um desaparece, o outro fatalmente desaparece também.
A filosofia escolhe. Há filósofos pacifistas que acreditam que não deveria haver
guerra, somente paz — que na ausência de guerra haverá somente paz. É isto
que Bertrand Russell andou dizendo. Isto não é possível. Krishna está bem mais
perto da verdade quando diz que algumas vezes existe a paz e algumas vezes
existe a guerra. Ambas existem juntas.
Nossas mentes escolhem logicamente e a lógica jamais permite o oposto. A
existência depende do oposto. Por essa razão, a lógica e a existência nunca se
encontram. E a filosofia é um esforço lógico. Quanto mais lógico você for, tanto
menor será a sua possibilidade de conhecer o que é a verdade.
Buda diz: “Este é o dilema, a característica da mente humana — ser ou não ser”.
Mas ambos estão juntos; você não pode decidir. Se você decide ser, você decide
também não ser, e vice-versa. Nenhuma escolha parece ser a escolha certa;
escolha, e você sempre escolherá alguma coisa errada; só a ausência de
escolha é certa. Não escolha, deixe que as coisas sejam como elas são. Quando
é guerra, deixe estar. Quando é paz, deixe estar. Quando é amor, deixe estar;
quando não é amor, deixe estar. Você permanece isento, observando, como uma
testemunha.
Perceba esse entendimento: você é apenas uma testemunha, e as coisas se
convertem espontaneamente em seus opostos. Os picos são seguidos por vales,
os altos são seguidos por baixos, e assim por diante. Não há nada que você
possa fazer. Se você não escolhe, o agente desaparece, começa a se evaporar.
Então você pode ser apenas consciente de tudo o que acontece.
Isto é “romper o fundo”.
No mar da morte e da vida,
O barco do mergulhador está carregado
De “É” e de “Não é”.
Mas se o fundo for rompido,
“É” e “Não é” desaparecerão.
A AUSÊNCIA DE ESCOLHA É O CAMINHO para abandonar todos estes
apegos. A ausência de escolha é o caminho que conduz fora deste mundo. A
mente sempre escolhe.
Contaram-me esta história:
Mulla Nasruddin estava caminhando com seu filho ao longo da estrada, atrás do
seu burro, que ia comendo, contente, o mato, ao longo do caminho. Ao ver Mulla
e seu filho caminhando e suando em bicas, um homem observou: “Olhem como
eles são bobos, eles vão a pé, em vez de ir montados”.
Ouvindo este comentário, Mulla e seu filho montaram no burro e cavalgaram até
a próxima aldeia, onde um velho exclamou: “Eles deveriam se envergonhar de
fazer o pobre burro carregar duas pessoas”.
Mulla desmontou e caminhou, e seu filho cavalgou até a próxima aldeia. Ali,
Mulla ouviu este comentário: “Pobre velho. Esse garoto devia se envergonhar de
fazer o seu pai ir a pé”.
Então Mulla montou no burro, enquanto seu filho desmontava e caminhava a
uma certa distância.
Finalmente, um outro aldeão observou: “Olhem para aquele velho cavalgando,
enquanto seu filho tem de andar a pé. Como é cruel!”
Mulla coçou sua barba, sacudiu sua cabeça, e disse para si mesmo: “Você não
consegue agradar a todos em nenhum momento”.
Esta é uma das mais famosas histórias sufis — e o que estava acontecendo?
Mulla estava fazendo uma coisa, e as pessoas sugeriam a antítese. Percebendo
isto, ele escolhia a antítese. Então alguém sugeria a antítese da antítese, e assim
por diante — ele continuava escolhendo e mudando de escolha.
É assim que as pessoas permanecem mudando; este é o caminho da mente.
Você sempre escolhe. Você escolhe uma coisa e, mais cedo ou mais tarde,
alguém lhe faz essa sugestão: escolha a outra coisa — porque você está
cansado daquela que você escolheu, e a outra vale tanto quanto ela. E quando
você está cansado de uma coisa, você naturalmente começa a pensar na oposta.
Se você jejuou demais, você naturalmente começa a pensar em comida; se
comeu demais, você começa a pensar em jejum. Quando você se cansa de
correr atrás do dinheiro, um dia você decide deixar o mundo, o mundo do dinheiro
e de tudo o mais, e ir para o Himalaia. E quando você alcança o Himalaia, mal
você chega lá e se senta em sua caverna, e antes mesmo de ter arrumado suas
coisas, você começa a pensar no mundo, no dinheiro e em tudo o mais. Sentado
na caverna, você fica com receio do que lhe possa acontecer. Como você irá
conseguir seu alimento amanhã, se hoje você está sem dinheiro? E à noite você
sente medo, sozinho na floresta, sem proteção.
Agora você percebe o que importa, o que era lindo em sua casa: você estava
protegido, tinha um teto e segurança. Entretanto, quando você estava em sua
casa, você jamais pensava em proteção, em segurança; era uma situação aceita,
era ponto pacífico. Você pensava em outras coisas — pensava que vivia fechado
como numa prisão, pensava no céu aberto, nos cumes iluminados pelo Sol, nas
lindas florestas, no silêncio, no primordial silêncio do Himalaia, nos picos
cobertos de neve e naquela eterna beleza. Era nessas coisas que você pensava.
Agora que você está sentado no meio dessa eterna beleza, quer esquecê-la.
Você percebe apenas aquilo que não tem; aquilo que você tem desaparece de
sua percepção. A percepção só ocorre quando acontece algo novo. Você só vê
o que é novo. A mente tem a tendência de não ver o antigo — qual é a
importância disto? Você já o viu. Agora, pela primeira vez, você começa a pensar
na casa e na beleza dela. Lá, não havia medo. Aqui o medo é cada vez maior,
você não consegue dormir durante a noite. O silêncio primordial está presente,
mas é excessivo, ele é pesado, você não pode suportá-lo. Ele cria medo em
você.
Sempre que você se depara com o silêncio primordial, você começa a sentir
muito medo, porque você viveu no mundo da linguagem; você se acostumou
com esse mundo. Você não percebeu essa inquietação?
Quando você encontra um estranho no trem ou no ônibus, você começa a se
sentir inquieto, e o outro também, a não ser que vocês se apresentem um ao
outro, que introduzam a linguagem. O silêncio molesta a ambos. Você se
incomoda, ele se incomoda, e é necessário que alguém quebre o gelo. Esse gelo
é o silêncio. É preciso que alguém pergunte: “Para onde o senhor está indo?” —
é preciso que alguém introduza a linguagem. Logo que a linguagem chega, a
comunicação acontece, e você faz parte de um mundo humano.
Você já ouviu aquela conhecida história zen?
Quatro pessoas decidiram ficar em silêncio por uma semana. Decorridas
algumas horas, uma delas disse: “Estou em dúvida se apaguei o fogo em minha
casa ou se o deixei aceso”.
O outro disse: “Você é louco, você falou! E nós tínhamos decidido não falar”.
O terceiro disse: “O que você acha que está fazendo? Você também falou!”
E o quarto disse: “Eu sou o único que ainda não falou”.
É difícil ficar em silêncio. A linguagem está em nosso sangue, em nossos ossos,
em nossa medula. O ser humano vive num mar de linguagem.
Você não vê isto acontecendo toda hora? As pessoas muito articuladas tornam-
se muito importantes. O homem que consegue usar a linguagem com habilidade
torna-se um líder, um grande líder de homens — e toda a sua habilidade pode
ser apenas linguística. Um homem pouco eficiente com a linguagem permanece
como um homem de categoria inferior porque esta sociedade vive através da
linguagem.
Conta-se que Joseph Stalin costumava consultar seus colegas, sempre que nas
conversas aparecia algum nome novo, uma pessoa, um autor, um poeta, um
filósofo, um pensador. Ele fazia sempre a mesma pergunta: “Ele é um gênio?”
Se a resposta era sim, dentro de alguns dias o gênio desaparecia. Ele nunca
mais era encontrado, tinha sido assassinado. Por quê? Por que Stalin tinha tanto
medo dos gênios? Porque essas pessoas são perigosas. Gênio indica alguém
muito habilidoso com a linguagem — que pode escrever muito bem, que pode
falar muito bem, que é articulado. Essas pessoas são perigosas. Elas criam
rebeliões e revoluções, pois se tornam líderes de homens.
Se a resposta era não, se a pessoa não era um gênio, mas apenas um autor ou
um poeta de segunda classe, então não havia problema.
O homem vive através da linguagem. E você só vai saber que a sua linguagem
é essencial depois que se mudar para o Himalaia — nunca antes. Aqui, ela é
ponto pacífico. Aqui, sentado às vezes em seu quarto, você se sente muito bem
quando fica só, imerso no silêncio. Mas essa sensação também deve-se ao fato
de haver tanto ruído em volta; ela se torna agradável devido ao contraste. Se
você vai ao Himalaia, em poucos dias ficará assustado, porque não há mais
contraste.
É bom ficar em silêncio por algumas horas, porque assim você descansa da
linguagem. Depois disso, você está disposto a falar, a se comunicar.
As pessoas que vivem no chamado mundo civilizado pensam nas belezas
daqueles que renunciaram e foram viver nos mosteiros. E as pessoas que vivem
nos mosteiros simplesmente acham que perderam a sua chance de viver, que a
vida ficou do lado de fora, onde as pessoas estão desfrutando, se alegrando, se
divertindo, comendo, amando — a vida real está lá. Os monges tornam-se tristes
e pensam constantemente no mundo exterior. Esta é uma das coisas básicas
que se deve perceber a respeito da mente.
Buda diz: “Desde que você tenha escolhido alguma coisa, mais cedo ou mais
tarde terá de escolher a oposta. Você se cansará dela, começará a esquecê-la,
deixará de percebê-la — e começará a pensar nas belezas da coisa oposta.
Cada coisa que você escolhe é apenas uma parte, nunca é o todo. Se ela fosse
o todo, não haveria necessidade de escolher. Toda escolha é da parte, só pode
ser da parte. Você não pode escolher o todo, porque então não faria sentido
escolher”.
Se você diz: “Eu escolho a vida, eu escolho a morte”, então o que você está
dizendo é isto: “Eu absolutamente não me importo — quer seja a vida quer seja
a morte, tudo para mim é uma coisa só. Eu não escolho”.
O não-escolher o leva ao todo. A escolha é sempre da parte, é necessariamente
da parte. E então você continua mudando suas escolhas e se torna um tronco
flutuante, que fica passando de uma margem para outra. É assim que você
esteve se movendo através dos tempos, por tantas vidas.
No mar da morte e da vida,
O barco do mergulhador está carregado
De “É” e de “Não é”.
Mas se o fundo for rompido,
“É” e “Não é” desaparecerão.
SALTE! Exatamente no meio, através do meio. Não escolha. Permaneça alerta
e não escolha. Deixe que a vida aconteça sem que você escolha, como se você
estivesse sentado, assistindo a um filme: ele não depende de sua escolha. O
filme está se movendo, as figuras estão indo e vindo, a história está se
desenvolvendo; ele não depende de sua escolha.
Entretanto, até mesmo quando você está assistindo a um filme, você começa a
escolher. Quando você começa a pensar: “Se este homem tivesse um pouco
mais de caráter, se ele fosse um pouco mais moral...” você está escolhendo.
Ora, mas você sabe que o filme não depende de sua escolha. Já está ali, vai
acontecer de qualquer maneira, você só pode relaxar e desfrutar de tudo o que
está acontecendo.
O fato de você não escolher não irá interromper o filme; ele irá continuar, porém
não terá mais efeito sobre você. Você não será distraído, nem perturbado, mas
permanecerá centrado.
Esta é a beleza de estar sem escolha. Krishnamurti tem razão quando enfatiza
a ausência de escolha. Esse é também o sabor do Zen.
O Zen criou muitos métodos para romper o fundo, de modo que você possa
escapar da escolha, da dualidade, dos opostos. O koan é um dos métodos mais
importantes. O Mestre propõe um quebra-cabeça especial, para que o discípulo
medite sobre ele. O que esse quebra-cabeça tem de extraordinário é que ele não
tem solução, ele precisa ser feito com todo o cuidado, para que a mente não
encontre nenhuma resposta; ele deve ser irrespondível.
Por exemplo: “Qual é o som de uma mão batendo palmas?”, o discípulo tem de
meditar no som de uma mão batendo palma. Ora, não pode haver som, é
logicamente impossível, para bater palmas são necessárias duas mãos. Só pode
haver som quando duas coisas colidem, somente assim o som se produz. Uma
mão sozinha não pode produzir som de palmas; é impossível. Pois bem, este é
o tema da meditação.
O discípulo sabe que é impossível, o Mestre sabe que é impossível. Dia após
dia, o discípulo fica meditando sobre o som da única mão. Ele sabe que isto é
impossível, mas o Mestre diz: “Continue meditando. Pelo fato de ser impossível,
é importante”. Ele continua meditando, meditando, quase enlouquece.
Naturalmente, se você pensar sobre isto, pouco a pouco você enlouquece. Sua
mente vai dizer: “O que você está fazendo? Não pode haver nenhum som!” Mas
o Mestre diz: “Continue meditando, você tem de descobrir. Existe um som que
não é produzido por duas mãos. Vá e descubra”.
Isto pode durar meses, até anos. Um dia, a mente chega a um paroxismo e
realmente começa a enlouquecer — ela gira sem cessar, dá milhões de voltas,
e não consegue produzir nenhuma resposta. Ela chega ao limite da sua
capacidade. Nesse limite, acontece o colapso, a passagem.
Subitamente, tudo é silêncio. A questão desapareceu, o questionador
desapareceu, a mente não está mais presente, não existe nenhum pensamento,
tudo é um profundo silêncio.
Isto é o som de uma única mão batendo palmas.
Isto é o satori. Isto é “romper o fundo”. Então não há mais nenhum “É” e nenhum
“Não é”: você não pode dizer que Deus é, você não pode dizer que Deus não é.
Então o todo é, o uno é — sem divisão. O todo é Deus, é o nirvana, é o Tao.
A mente não pode tornar-se Buda...
Isto é um koan.
A mente não pode tornar-se Buda;
O corpo não pode tornar-se Buda;
Somente aquilo que não pode tornar-se Buda
Pode tornar-se Buda.
É UM TOTAL ABSURDO! Mas o Zen usa o absurdo de uma forma muito sensata.
Existe um sentido nesse absurdo. De fato, você não pode concluir coisa alguma
desta declaração:
A mente não pode tornar-se Buda;
O corpo não pode tornar-se Buda;
Somente aquilo que não pode tornar-se Buda
Pode tornar-se Buda.
É por isso que pessoas como Arthur Koestler pensam que o Zen é um total
absurdo. Na superfície, ele é, porém, no cerne mais íntimo, é a coisa mais
sensata que jamais aconteceu nesta Terra. É o sentido do absurdo! Estas
declarações não são filosóficas — é neste ponto que Arthur Koestler se
equivoca. Elas não são afirmações filosóficas, são artifícios para deixar você tão
louco que, como resultado dessa total loucura, sua mente pára. Por quanto
tempo você pode continuar repetindo este sutra?
A mente não pode tornar-se Buda;
O corpo não pode tornar-se Buda;
Somente aquilo que não pode tornar-se Buda
Pode tornar-se Buda.
Por quanto tempo? Isto tem de ser meditado, é um koan. O Mestre diria:
“Descubra o sentido disto”. Ora, não existe sentido; ninguém pode descobrir o
sentido! Mas você tenta descobrir o sentido — você não será capaz de descobri-
lo, mas o próprio esforço vai levar você a um certo estado.
Eu ouvi esta história, que, realmente, aconteceu:
Uma mulher estava ficando muito gorda e decidiu consultar um médico. O
médico lhe deu um frasco com bonitas pílulas vermelhas e disse: “Dentro de um
mês, a senhora perderá pelo menos oito quilos. E dentro de um ano, pouco a
pouco, voltará ao seu peso normal”.
A mulher ficou muito feliz e voltou para casa. Ela tinha duas filhas, uma com um
ano e outra com sete anos de idade. As duas meninas gostaram tanto do frasco
e das pílulas vermelhas que engoliram todas. A mulher, apavorada, telefonou
para o médico, que disse: “Não se preocupe. Por alguns dias, as meninas ficarão
doidas; elas não conseguirão dormir e permanecerão o tempo todo acordadas.
Elas terão uma grande energia e ficarão excitadas por alguns dias; elas pularão,
gritarão e correrão por toda a casa. Mas não é nada realmente grave — dentro
de sete dias, elas se acalmarão. Assim, não se preocupe”.
Aqueles sete dias foram um inferno. As meninas não queriam dormir de jeito
nenhum; passavam a noite toda gritando, berrando e pulando. E tinham tanta
energia, que a mãe não conseguia controlá-las. As meninas deixaram-na quase
louca. Depois de sete dias, as garotas se acalmaram, mas a mulher estava
completamente exausta. Mas uma coisa aconteceu: ela perdeu oito quilos.
Ora, este foi um acontecimento totalmente diferente. Não foi uma conclusão
lógica, não foi o efeito das próprias pílulas, mas foi isto que aconteceu de fato. O
médico tinha dito que ela perderia oito quilos em um mês, e ela os perdeu em
uma semana.
O koan é semelhante a isso. Você não descobre a resposta, mas alguma outra
coisa vai acontecer. Este é o sentido do absurdo. Você fica pensando sobre o
sentido e nenhum sentido aparece — como pode aparecer, se não existe?
Arthur Koestler está certo, é uma afirmação absurda. Mas ele está perdendo o
essencial. É uma afirmação absurda, mas ao tentar dar-lhe um sentido, você
enlouquece sua mente. Você fica tão inquieto, tão perturbado, tão mexido, que
atinge o paroxismo. Quando chega a cem graus, você começa a ferver — nesse
ponto, a ebulição acontece. Isto é um subproduto.
De repente, toda a mente foi embora, com todos os seus problemas, com toda a
sua filosofia, com todas as suas perguntas e respostas. Tudo simplesmente
desapareceu, com raiz e tudo. Você olha em torno e não há mais mente! Você
olha para fora e ela não está ali. Você olha para dentro, e ela não está ali. Você
procura por toda a parte e ela não está em lugar algum: você não consegue
encontrar a si mesmo.
Este é o momento do satori, quando você não consegue achar a si mesmo.
Quando você não consegue encontrar a si mesmo, você o encontrou. Agora não
existe o ego, existe um grande silêncio.
A mente não pode tornar-se Buda;
O corpo não pode tornar-se Buda...
É claro — porque a mente é uma metade e o corpo é a outra metade. E ambos
têm sido objetos de crença. Há muitas religiões que acreditam na mente. As
religiões, em sua maioria, acreditam na mente e são contrárias ao corpo. Todas
elas ensinam práticas contra o corpo. O cristianismo é contra o corpo, o jainismo
é contra o corpo. Essas religiões ensinam como destruir deliberadamente o seu
corpo, como destruir toda a energia que o corpo possui, porque ele é o seu
inimigo. Se você puder destruir o corpo, você conhecerá Deus, você conhecerá
a verdade, ou qualquer outra coisa. Essas religiões vivem na mente, elas
escolheram a mente.
Existem religiões que escolheram o corpo, mas são muito poucas, e também não
são consideradas religiões. Os charvakas na Índia são tão religiosos quanto os
cristãos e os jainistas, porém sua religião consiste no corpo. É por isso que a
maioria das religiões os chamaria de não-religiosos, de anti-religiosos. No
entanto, eles não são. Sua religião é totalmente diferente: eles acreditam no
corpo, na polaridade oposta. Eles dizem que não existe mente, que não existe
alma, que tudo isso é absurdo. Apenas viva seu corpo: coma, beba e se divirta.
A religião de Epicuro é uma religião do corpo.
Mas alguns estão errados, no sentir de Ikkyu e de Buda, e no meu próprio sentir.
Uns e outros estão errados porque o homem é um todo, um todo orgânico: a
mente e o corpo estão juntos. Na realidade, o homem não é mente e corpo, é
mentecorpo. O corpo é apenas a parte visível da mente, a mente é a parte
invisível do corpo. Eles são uma só energia.
A mente não pode tornar-se Buda...
É verdade, ela não pode. Contra o corpo, a mente não pode tornar-se Buda.
O corpo não pode tornar-se Buda...
Contra a mente, o corpo não pode tornar-se o Buda. Se vocês acreditarem na
mente, vocês se tornarão espiritualistas; se acreditarem no corpo, vocês se
tornarão materialistas. Porém, em ambos os casos, estarão perdendo a
verdadeira religião.
Somente aquilo que não pode tornar-se Buda
Pode tornar-se Buda.
Essa é uma estranha afirmação.
A mente não pode tornar-se Buda;
O corpo não pode tornar-se Buda...
Eles não podem tornar-se Buda separadamente, cada um por si. Mas ambos
juntos podem tornar-se Buda. De fato, ambos juntos já são Buda.
Como um relâmpago
Que desaparece como o orvalho,
Que se desvanece como um fantasma —
Assim pense de si mesmo.
Esta é ainda uma outra meditação.
Como um relâmpago
Que desaparece como o orvalho,
Que se desvanece como um fantasma —
Assim pense de si mesmo.
TUDO É MOMENTÂNEO. Só por um momento, como o orvalho da manhã, o Sol
surgirá e depois desaparecerá. Ou o relâmpago nas nuvens — você nem chegou
a vê-lo, e ele já desapareceu. Tudo é momentâneo, nada permanece, tudo vem
e desaparece. E não é só isto — tudo desaparece e se converte no seu contrário.
Percebendo isto, você concluirá que não há nada a que se apegar; e pensando
assim, você permanece sem apegos. Você começa a viver uma atitude de
entrega: o que quer que aconteça, você permite. Você não tem qualquer
obsessão de que as coisas devam ser de uma certa maneira, você não faz
reivindicações à existência. Você simplesmente confia, e flui com a existência
para onde ela o levar, seja o que for que esteja acontecendo ou vá acontecer.
Você não tem nenhum objetivo predeterminado.
Como um relâmpago
Que desaparece como o orvalho,
Que se desvanece como um fantasma —
Assim pense de si mesmo.
A vontade de procurar Buda
Em qualquer outra parte
É uma idiotice
Bem no centro da idiotice.
Procurar Buda é a maior das idiotices, porque você já é Buda. Esta afirmação
precisa ser repetida muitas e muitas vezes, pois é a afirmação mais importante,
a que tem o maior potencial. Qualquer dia pode ser que você a ouça, que ela o
fira, que ela penetre em seu coração, inflamada como uma seta. Nesse
momento, você será transformado. Por esta razão, ela tem de ser
constantemente repetida.
A vontade de procurar Buda
Em qualquer outra parte
É uma idiotice
Bem no centro da idiotice.
Esta é a maior das idiotices. Todas as outras nascem dela, que é a mãe de todas
as outras. Que idiotice é essa? É procurar Buda. Você nunca encontrará Buda
em parte alguma, porque ele já é você. Se você procurar por ele, você não o
achará. O buscador jamais encontra — os que encontram são os que param de
buscar.
Novamente, existem dois partidos, duas filosofias. Uns dizem: “Procure o lado
de fora”. Existem religiões que dizem: “Deus está lá em cima, no céu, fora de
você. Adore Deus: crie um templo, faça uma estátua, uma imagem, um ícone.
Aprenda a oração correta, a forma correta do ritual, e sirva a Deus, e você o
encontrará em algum lugar exterior”. Esta é uma espécie de religião, que busca
no lado de fora — o hinduísmo, o cristianismo, o islamismo.
Há um outro tipo de religião que busca no lado de dentro. O jainismo diz: “Olhe
para dentro. Deus não está do lado de fora. O seu ser é o ser supremo, Deus
reside em você. Assim, vá para dentro, mas continue a busca”.
Algumas procuram fora, algumas procuram dentro.
O Zen diz: “Não procure, em absoluto! Entre buscar fora ou buscar dentro, não
existe a menor diferença. Na medida em que sabemos que tudo é sonho, nessa
mesma medida nos desapegamos de tudo o que acontece — das coisas e de
nós mesmos. Quanto mais você se desapega das coisas e de si mesmo, tanto
mais você vai perdendo a idéia de interior e exterior. Esta divisão é ainda a
mesma dualidade — dentro, fora. Não existe nada dentro e nada fora, tudo é
uno. Nosso engano é procurar a verdade, seja no exterior, seja no interior. O
grande engano é procurar, seja o que for”.
Então, o que fazer?
A fórmula do Zen é simples: não-fazer, wu-wei. Sentar-se em silêncio, sem nada
fazer — não procurando fora e não procurando dentro, não procurando coisa
alguma, sendo somente você mesmo — nesse momento, conhece-se Buda.
Buda é o seu próprio ser. “Buda”, para o budismo, significa exatamente o mesmo
que “Deus” para as outras religiões.
O orvalho sobre a folha do lótus,
Inalterado em sua cor,
Justamente como ele é,
É a forma real de Buda.
UMA GRANDE DECLARAÇÃO REBELDE, que deve ser constantemente
lembrada. De algum modo, bem no fundo, persiste em você a idéia de que Buda
é alguém especial — de que, quando você se tornar um Buda, você será uma
pessoa extraordinária. Essa é ainda a velha mente do buscador, que não pode
acreditar naquilo que é, mas está sempre ansiando por aquilo que não é.
Escute esta declaração:
O orvalho sobre a folha do lótus,
Inalterado em sua cor,
Justamente como ele é,
É a forma real de Buda.
Fique acordado! E escute! Justamente como você é — justamente como você é,
eu repito — você é Buda. Nada precisa ser acrescentado a você, nada precisa
ser tirado de você. Justamente como você é, exatamente como você é, em seu
absoluto ser comum, você é Buda.
No dia em que você reconhecer isto, ficará surpreso — você começará a rir.
Como era ridícula toda a busca, como eram ridículos os seus problemas!
Escute estas duas histórias:
Certa vez, um monge perguntou a um Mestre Zen: “Um cão tem a natureza de
Buda?”
O Mestre respondeu: “Sim, ele tem”.
Então o monge questionou: “Você tem a natureza de Buda?”
Ele replicou: “Não, não tenho”.
O monge disse: “Mas eu pensei que todo o mundo tivesse a natureza de Buda!”
O Mestre retrucou: “Sim, mas eu não sou todo o mundo! Na verdade, eu sou
ninguém — assim, como posso ter a natureza de Buda?”
Ele tem a natureza de Buda! Este é o modo como se expressam as pessoas do
Zen, por meio de quebra-cabeças. Mas ele deixou muito claro seu ponto de vista.
Em seu ser-ninguém, em seu ser-comum... E o seu ser-comum deve ser tal que
você nem mesmo reivindique ser um Buda. Se você reivindica, você não é. É por
isso que ele diz: “Sim, mas eu não sou todo o mundo. Na verdade, eu sou
ninguém — como posso ser um Buda?” Quando uma pessoa sabe, ela não
reivindica.
Uma outra história:
Um Mestre Zen estava venerando uma estátua de Buda. Um noviço passou e
perguntou: “Por que você venera Buda? Eu pensei que o Zen nos ensinasse a
não fazer isto. Alguns Mestres Zen não cospem em Buda?”
O Mestre respondeu: “Alguns cospem em Buda e alguns veneram Buda. Eu
prefiro venerar”.
Mas tudo dá no mesmo. A vida continua como ela é. Alguns veneram Buda,
alguns cospem em Buda, e a vida continua como ela é.
O homem do Zen não tem escolhas, apenas preferências. Estabeleça
claramente para si mesmo a diferença entre uma escolha e uma preferência.
Uma escolha diz: “Eu ponho muita seriedade nisto”, ou: “É assim que eu gostaria
de viver, eu absolutamente não gostaria de viver de outra maneira. Esta é a
maneira de viver; aquela outra não tem valor”.
Uma preferência diz simplesmente: “Eu gosto disto, mas se isto não ocorrer,
aquilo também será bom”. Não há seriedade envolvida nisto. Naturalmente, um
Mestre Zen também tem suas preferências. Quando dorme, ele não se deita
sobre espinhos, ele dorme em sua cama. Isto é uma preferência, não uma
escolha — se ele tiver de dormir sobre os espinhos ele dormirá ali também. Se
nenhuma cama estiver disponível e o sono estiver chegando, ele dormirá
também sobre os espinhos. Mas, repito, isto não é uma escolha; naquela
circunstância, era a única coisa que se podia fazer.
Ele come alimento, e não pedras — isto é uma preferência, não uma escolha.
Lembre-se, um Mestre Zen também caminha e passa através da porta, não
através da parede. Isso é apenas uma preferência. É por isto que este Mestre
está dizendo: “Sim, alguns cospem em Buda e alguns veneram Buda. Eu prefiro
venerar”.
Mas ele não põe seriedade nisso. Já um cristão não tem a mesma facilidade. Se
alguém cuspir em Cristo, ele ficará louco, matará o homem! Ele não será capaz
de tolerar isto, mesmo que o cristianismo insista em falar de tolerância, de amor,
de perdoar o inimigo. A este inimigo ele não perdoará, ele o matará.
Se você cuspir num Buda e um Mestre Zen o estiver venerando, ele apenas
olhará para você e pensará: “Ele prefere cuspir, eu prefiro venerar”. Não existe
nenhuma escolha envolvida, mas um grande desapego. Perceba o ponto
principal, pois tem uma grande importância. A preferência é legal, a escolha não
é.
E quando se diz: “Torne-se sem escolha”, alguns idiotas acreditam que agora
eles não podem preferir, porque acham que preferência é escolha. Eles
começam a pensar que agora não podem preferir.
Isto aconteceu na Índia. Existem na Índia mahatmas, santos — muito
conhecidos, venerados por milhares de pessoas —, cujo prestígio reside
exclusivamente no fato de não terem preferências. Se eles estiverem comendo
e você sentar-se na frente deles e urinar, tudo bem. Eles podem também sentar-
se na sujeira e achar que está bem, porque pensam que isto é ausência de
escolha. Por causa desta idéia é que a Índia tornou-se tão suja. Se os mahatmas
estão fazendo essas grandes coisas, então os adeptos os seguem um
pouquinho, mesmo que não seja naquelas grandes coisas: eles também não
devem escolher. Tão pobre tornou-se a Índia!
Você não precisa cometer este equívoco. Se houver uma possibilidade de ser
rico, prefira ser rico! Não prefira ser pobre. Mas lembre-se, isto é uma
preferência, não é uma escolha. Se os bens desaparecerem algum dia — porque
tudo é passageiro, como o orvalho na folha de lótus — tudo estará perfeitamente
bem, então seja pobre. Não escolha a pobreza, não escolha a riqueza. Mas a
preferência é perfeitamente boa e saudável.
Se você puder ter boa saúde, prefira ter boa saúde. Se não puder, aceite sua
doença. Porém, eu não estou dizendo que você deve escolher a doença.
Essa calamidade ocorreu neste país. Durante quatro ou cinco mil anos, pelo
menos, este país viveu de acordo com essa filosofia absurda: “Não escolha”. É
por esta razão que este país permaneceu pobre. “Nem mesmo tenha
preferências.” Assim, seja o que for, estará bem. As pessoas morrem de fome,
são feias e doentes, e levam uma vida de cão — mas continuam. Elas perderam
a energia de viver, de mudar, de se transformar.
A religião tornou-se muito venenosa para a Índia. Isto não deveria ser repetido!
Eu vivi na pobreza e vivi na riqueza. E para ser franco com vocês, a riqueza é
melhor. Da mesma forma, a saúde, e todas as coisas boas da vida — mas isto
é apenas uma preferência.
Preferência significa simplesmente que você não põe seriedade em alguma
coisa. Se é possível viver de um modo divertido, ótimo. Mas você não está
mortalmente empenhado nisso, a ponto de cometer suicídio se isso não
acontecer, de não querer absolutamente viver se não for o homem mais rico da
terra — isto seria uma idiotice.
As pessoas do Zen não escolhem — elas não escolhem o mundo, não escolhem
a renúncia ao mundo. Mas elas vivem no mundo; elas têm preferências. E dizem:
“Isto parece ser mais natural”. Elas vivem como as pessoas ordinárias,
justamente como você vive. Mas elas vivem com uma inteligência extraordinária,
elas vivem com uma grande percepção.
Quando a escolha vai desaparecendo e a preferência passa a tomar o seu lugar,
você vai se tornando mais inteligente, mais alerta, mais consciente. Uma lucidez,
uma graça nasce em seu ser.
O orvalho sobre a folha do lótus,
Inalterado em sua cor...
Ikkyu está dizendo: “Seja como o orvalho na folha do lótus. Visto de fora, o
orvalho parece colorido pela folha do lótus: se a folha é verde, o orvalho parece
verde, semelhante à esmeralda. Contudo, ele não é colorido, ele permanece
incolor. O orvalho não é afetado pela folha do lótus; é só uma aparência”.
O homem do Zen vive no mundo, mas sem cor. Ele pode ter esposa, filhos, mas
permanece sem cor.
O orvalho sobre a folha do lótus,
Inalterado em sua cor...
Ele se move através do mundo, mas sem ser contaminado, poluído por ele. O
mundo nunca entra nele. É por isso que ele não se preocupa em sair do mundo.
Ele não está interessado em ir para o Himalaia. Por quê? Para quê? Ele sabe
que o mundo não está nele, assim, qual é o sentido de ir a alguma outra parte?
A pessoa que está fugindo do mundo sente medo dele porque, quando ela está
no mundo, o mundo entra nela e ela não consegue resistir. Ela é incapaz,
impotente, e ainda não é bastante perceptiva para ser de uma tal maneira que o
mundo não possa entrar nela. Para evitar isso, ela está fugindo para o Himalaia.
Mas como ela vai se tornar mais consciente no Himalaia?
Se o mundo não pode tornar você mais consciente, o Himalaia certamente não
poderá — é impossível para ele. O mundo é um desafio! E a inteligência só existe
onde há desafios. Ela é aguçada por eles — os grandes desafios aumentam a
inteligência.
O orvalho sobre a folha do lótus,
Inalterado em sua cor,
Justamente como ele é,
É a forma real de Buda.
Como um lojista na loja, um operário na fábrica, um lavrador no campo — se o
orvalho na folha do lótus não é colorido pela folha, então não existe problema.
Você pode ser um lavrador, um lojista, um balconista ou um mestre, você pode
ser qualquer coisa — isto é apenas a forma. Bem no fundo, permaneça
desapegado de tudo o que está acontecendo em volta de você. Ter preferências
está bem, mas não escolhas. E você é um Buda.
Este corpo mesmo é Buda, esta terra mesma é o paraíso do lótus.
2
E os Dois Estão Sempre
Se Encontrando
“Sentar-se em silêncio sem fazer nada”
é o mesmo que “olhar para o seu próprio ser”?
Por que você sempre fala contra a lógica?
Nesta série, eu não senti
tristeza nem depressão
mas um sentido de liberdade e alegria.
Estou perdendo alguma coisa?
Eu quero me divorciar de meu marido,
mas eu sou católica e receio
que Deus não vai ficar feliz.
O que devo fazer?
Eu não estou interessado em verdade,
meditação, Deus, nirvana, sannyas.
Por quê?
Onde vai você todo o dia
entre 8 e 9:45 da manhã?
A primeira pergunta:
“Sentar-se em silêncio sem fazer nada” é o mesmo que “olhar para o seu
próprio ser”?
NÃO, NÃO É O MESMO. Olhar para o seu próprio ser é ainda fazer alguma
coisa. Não fazer nada é precisamente isto: não fazer nada, não olhar para fora
e não olhar para dentro. Olhar é uma espécie de fazer. Mesmo que você esteja
tentando observar, você está tentando, há um esforço envolvido nisso. E com o
esforço vem a tensão, a expectativa, a frustração — todas essas coisas. Um
pequeno esforço basta para trazer todo o mundo para dentro. Se você for bem-
sucedido, você se sentirá muito bem; se você for bem-sucedido, o sucesso será
do ego. Não importa o tipo do esforço: o sucesso traz o ego.
Sim, mesmo que você seja bem-sucedido na meditação, isto traz o ego. Se você
falha, isto traz frustração. A frustração é apenas o ego se sentindo mal: ele não
conseguiu, está machucado, ferido.
Com o esforço, o mundo inteiro vem para dentro. Não fazer nada significa
simplesmente isto: nenhum esforço, não ir a lugar algum, não desejar coisa
alguma — nem mesmo o nirvana, Deus, o samadhi. Desejo é desejo: aquilo que
você deseja, como pode fazer diferença no desejar? Você deseja o dinheiro,
alguém deseja a meditação. Você deseja prazeres neste mundo, alguém deseja
prazeres no outro mundo — qual é a diferença? Não existe diferença, é tudo uma
coisa só. A mente desejosa está presente, e a mente desejosa é o mundo.
Assim, mesmo que você deseje o outro mundo, ele permanece sendo este
mundo. Não existe outro mundo. O desejar cria o mundo e toda a sua miséria.
Nada fazer significa não desejar. Não há nenhum movimento em você, em
qualquer direção. Não há futuro em sua consciência, não há nada além deste
momento, há apenas ele. Nenhum voltar para trás, nenhum ir para a frente,
nenhuma memória, nenhuma fantasia, nenhum exterior, nenhum interior. Tudo
é silencioso. Não há movimento; nenhuma ondulação está surgindo. Isso é o
não-fazer. É a melhor coisa que pode acontecer à consciência humana.
Olhar para o próprio ser nada é em comparação com o nada fazer, se bem que
existe algo em você, em comparação com os movimentos exteriores. É
relativamente melhor mover-se para dentro — é um bom passo, mas não é o
objetivo, é apenas uma etapa da jornada. Enquanto outras pessoas estão
olhando para fora, você está olhando para dentro: é melhor do que olhar para
fora, mas lembre-se, só relativamente. Isso também precisa ser abandonado.
Mas você está se aproximando de sua casa — quando olha para fora, você fica
mais longe. Olhando para dentro, você ainda está longe, mas não tão distante
— você está se aproximando cada vez mais.
Mas lembre-se, proximidade é ainda uma distância. Mesmo quando você está
muito perto, a noventa e nove graus — só mais um grau e virá o acontecimento,
a transcendência — você ainda está muito longe. Você pode não ser capaz de
perfazer aquele último grau; você pode desviar-se de novo. A água está quase
chegando ao ponto de ebulição, mas ela pode não ferver, pode começar a esfriar
antes que se evapore. Ela pode permanecer água — pode ser água quente, mas
água é sempre água, seja quente seja fria. No entanto, isto é relativamente
melhor, porque ela já está quente, e a água fria terá de ser aquecida.
Esta é a única diferença entre o homem mundano e o homem espiritual. O
homem espiritual é como a água quente — ele está muito perto do pulo, do salto
quântico. Um passo a mais, e todo o dentro-e-fora desaparecerá. Não restará
nenhuma divisão — entre o corpo e a mente, entre este mundo e aquele outro.
Todas as divisões, em todas as dimensões, simplesmente desaparecerão.
Este é o estado de samadhi ou nirvana. Você não pode desejá-lo, você só pode
entendê-lo. Entendê-lo é ir para dentro dele. Quando você o entende totalmente,
subitamente ele surge. Ele não exige nenhum esforço de sua parte. Não é algo
a ser cultivado, praticado, é algo a ser permitido. No entendimento profundo,
você se abre. Neste exato momento, justamente neste, acontece o samadhi.
Porém, se houver uma leve ondulação, um “eu deveria pegá-lo”, você o terá
perdido. Se houver um “está tão perto, eu deveria agarrá-lo”, você o terá perdido.
Se você começar a olhar em torno e perguntar “onde está ele?”, se você fechar
os olhos e começar a tatear em sua procura, você o terá perdido.
Buscar não é a maneira de encontrar o não-buscar. Esse momento do não-
buscar é o momento em que você está sentado silenciosamente, sem nada
fazer... e a primavera chega, e a grama cresce por si mesma.
A segunda pergunta
Por que você sempre fala contra a lógica?
EU NÃO SOU CONTRA A LÓGICA, a vida é contra a lógica. Eu estou falando
sobre a vida, não contra a lógica. Falar sobre a vida implica, como subproduto,
falar contra a lógica. A lógica é um mundo feito pelo homem; ela não é fiel à
facticidade da existência. A lógica é uma imposição do homem à realidade.
A realidade é bastante ilógica e misteriosa, ela não obedece a nenhuma regra.
Quanto mais fundo você entra nela, tanto mais você percebe que, olhando
superficialmente, pode haver algumas regras, mas quando você se aprofunda,
elas começam a desaparecer. E chega um ponto, no mais profundo da realidade,
em que todas as regras são inválidas.
Os físicos estão chegando a isto porque eles penetraram na matéria. E eles
estão falando como se fossem místicos. Este é um dos fenômenos mais
importantes deste século — é a contribuição deste século para a consciência
humana. Os místicos sempre falaram desta maneira, e sempre foram
considerados pessoas loucas. Agora, é difícil chamar Albert Einstein de doido ou
de místico, num sentido pejorativo; é impossível. Mas ele está falando da mesma
forma como um Buda fala, da mesma forma como falam o Mestre Eckhart e
Ikkyu.
A física moderna afirma: quanto mais profundamente penetrarmos na matéria,
tanto mais descobriremos que todas as nossas pretensas leis são inadequadas.
A realidade é maior do que as nossas leis. E a realidade é tão vasta, que contém
contradições. Ela não é linear, não se move numa direção única, ela se move
simultaneamente em várias direções. Não há maneira de abordá-la logicamente.
Você precisa abandonar toda a lógica como fez a física moderna. Ela precisou
abandoná-la — para ser fiel à realidade, é preciso abandonar a lógica. Caso
contrário, não seremos fiéis à realidade, mas a uma realidade fictícia que
inventamos.
Tem sido assim para os místicos, através dos tempos — o que a física acaba de
descobrir, os místicos sempre souberam. Eles foram os pioneiros do ilógico. Sua
abordagem era diferente — ela acontecia através da consciência — mas eles
também chegaram à mesma profundidade.
Subitamente, eles perceberam que a lógica que você usa é útil — ela ajuda, é
uma comodidade. Seria difícil administrar o mundo sem uma lógica. Mas quando
você vai mais fundo, a lógica torna-se um estorvo.
Quanto mais você se aprofunda, tanto mais você vê que os pólos opostos não
são propriamente opostos, mas complementares. E ao perceber que os pólos
opostos são complementares, você forçosamente entende que a vida não é
lógica.
A lógica diz que A é A e não pode ser B. É óbvio que um homem é um homem
e não pode ser uma mulher. Porém, se você for mais fundo na realidade, A se
transformará em B e B se transformará em A. De fato, eles estão constantemente
transformando-se um no outro. A está sempre a caminho de se tornar B, B está
sempre a caminho de se tornar A. Observe o interior do seu próprio ser: você
não é homem ou mulher vinte e quatro horas por dia: você muda. Há momentos
em que o homem é uma mulher, e a mulher tem momentos em que é um homem.
Essas divisões são apenas para ajudar. Bem no fundo, todas as coisas são uma
só; são expressões de uma única realidade.
Observe uma mulher encolerizada: você pensa que ela é uma mulher? Na fúria,
ela pode ser mais agressiva e cruel do que qualquer homem. E por uma certa
razão: sua masculinidade é totalmente virgem, sem desgaste, intacta, sem uso.
Esse poder permanece nela sem utilização. Quando ela o usa, torna-se
realmente feroz.
E quando um homem está amando, ele fica tão suave, feminino — quando está
amando, ele é mais feminino do que qualquer mulher.
Não é por acaso que Buda parece tão feminino. Ele tem um amor imenso pela
existência; ele chegou a esse orgasmo definitivo que acontece entre o individual
e o universal. Isto aconteceu: ele é orgástico por vinte e quatro horas. Cada
momento é de intenso gozo dentro dele, de intenso amor. Ele chama esse amor
de “compaixão”. É justamente para demarcá-lo, para diferenciá-lo do pretenso
amor de vocês, que ele precisa chama-lo de compaixão. É uma paixão
transfigurada — este é o sentido da palavra “compaixão”: uma paixão que se
transfigurou, que se tornou luminosa; uma paixão que não é mais dirigida a
qualquer indivíduo em particular, uma paixão que é simplesmente transbordante.
Ele é feminino.
Justamente para indicar essa feminilidade em Buda, em Krishna, em Mahavira,
que os pintores e escultores indianos não colocam neles bigodes nem barbas —
para indicar essa feminilidade. Isto não significa que Buda fosse imberbe,
embora isto seja possível: há homens que não têm barba nem bigode, mas isto
não acontece sempre. Dos vinte e quatro teerthankaras jainistas, nenhum tem
bigode ou barba; o mesmo ocorre com Buda, Krishna, Rama, e com todos os
avatares indianos. Isto não é possível.
Por que eles foram retratados e pintados sem bigode e sem barba? Justamente
para lhe mostrar, para lhe dar uma pista, para que você perceba a absoluta
feminilidade deles, sua suavidade, seu caráter semelhante à água, sua
fragrância de lótus, sua redondeza, sua inteireza.
Mas a lógica afirma: “A é A e não pode jamais ser B”. E ela afirma: “Isto é isto, e
o oposto é o oposto, os dois nunca se encontram”.
A famosa declaração de Rudyard Kipling é lógica: “O Ocidente é o Ocidente, o
Oriente é o Oriente, e os dois nunca se encontrarão”. É uma afirmação lógica,
mas totalmente falsa. O Ocidente não é o Ocidente, o Oriente não é o Oriente, e
os dois estiveram sempre se encontrando.
Todas as polaridades estão associadas, estão conectadas. É por isso que você
tem a impressão de que eu estou sempre falando contra a lógica. A lógica lhe dá
a impressão de que as coisas são divididas, irreconciliavelmente divididas.
Porém, elas não são. O nascimento se transforma em morte — como ambos
podem estar divididos? A mente lógica comemora o nascimento de uma criança,
e chora a morte de um velho. Isto é lógico. Mas o nascimento e a morte são dois
aspectos da mesma realidade. Quando chega um aspecto, você celebra; quando
chega o outro, você chora e soluça!
Como é ridículo! Chore em ambas as ocasiões, ou celebre ambas as ocasiões.
Ou então, se você não puder fazer isso, esqueça a celebração e o choro, fique
quieto. Mas não crie uma divisão, porque no dia em que uma criança nasce, ela
começa a morrer; enquanto você está comemorando, ela já começou a caminhar
para a morte. O que você está fazendo? Se ela tem um dia de idade, ela morreu
um dia; agora ela tem um dia de vida a menos.
Com a primeira respiração da criança, algo começou a morrer. Ela morreu uma
respiração, ela está uma respiração mais perto da morte — se você contar a vida
em respirações, haverá uma respiração a menos. Uma pessoa não vai morrer
subitamente, um dia, quando tiver setenta anos. Ela morre a cada dia, está
sempre morrendo; então, certo dia, todo o processo se completa e o pêndulo se
move para o lado oposto.
O mesmo acontece com o amor e o ódio. A lógica divide: ela diz que amor é
amor, e que os opostos nunca se encontram. Ora, os opostos estão sempre se
encontrando. Escute apenas a experiência da sua própria vida — você odeia a
mesma pessoa que você ama, e não pode ser de outro jeito. Cada um odeia a
mesma pessoa que ama; seu ódio dirige-se a essa mesma pessoa.
Esta é a razão do conflito e das brigas constantes dos namorados. Lembre-se,
as brigas só cessam quando o amor desaparece. Sim, elas cessam algum dia,
pois ambos se cansam. Mais cedo ou mais tarde, o marido começa a pensar:
“Agora chega”, e a mulher começa a pensar: “É demais — para que ficar
repetindo sempre a mesma coisa?” E eles param de brigar. Mas no dia em que
param de brigar, o amor desaparece.
O amor não pode existir sem o ódio. Esta é a ilogicidade da vida: o amor não
pode existir sem o ódio, e o ódio não pode existir sem o amor. Mas se você
consulta os livros, se você olha pela ótica da lógica, você divide. Você diz: “Amor
sempre, ódio nunca”. Isto não é verdadeiro a respeito da vida, você está criando
uma ficção do amor. E você está criando dificuldades para as pessoas.
Através dos tempos, você foi ensinado: apenas ame, não odeie. Ora, isto é uma
impossibilidade. Esta é uma forma segura de matar o amor: você será incapaz
de lidar com ele, você se sentirá culpado por não poder lidar com ele. E
realmente, nada existe de errado com você. A vida não pode administrar isto, a
vida não tem qualquer obrigação de satisfazer as exigências da lógica. A vida
não sabe nada acerca da lógica, ela está numa bem-aventurada inconsciência a
esse respeito.
Se você ama, quanto mais intenso for o seu amor, tanto mais intenso será o seu
ódio. Se você se sente feliz, você forçosamente se sentirá infeliz — isto é
simples. A mente lógica diz: “Eu serei somente feliz, não quero ser infeliz”. Ora,
isto é ser insensato. A lógica é uma insensatez. A mente diz: “Quero estar
sempre para cima, nunca para baixo”. Como você pode estar sempre para cima?
Se você não vem para baixo, mais cedo ou mais tarde você vai se esquecer de
que está para cima. Como é que você pode saber que está para cima? É preciso
que você venha para baixo — que você caia no vale da tristeza, na infelicidade.
E então um dia, de novo, você se eleva aos picos, à beleza dos picos, ao vôo no
céu. Mas por quanto tempo? O vale está aí, você tem de voltar para ele — ele
vai prepará-lo de novo para voar, para subir.
Quanto você está para cima, você está a caminho de estar para baixo; quando
você está para baixo, você está a caminho de estar para cima. Esta é a
ilogicidade da vida.
Meu respeito é pela vida, eu estou totalmente com ela. É por causa disso que
você pensa e sente que eu sou contra a lógica. Na verdade, eu não sou contra
a lógica, sou apenas pela vida. Assim naturalmente coloca-me contra a lógica,
mas esse fato não passa de um subproduto.
Veja em que absurdos cai a mente lógica.
Ouvi contar:
“Doutor, que chances tenho de me recuperar?”, perguntou o paciente.
“Cem por cento”, respondeu o médico. “Os registros médicos provam que nove
entre dez pessoas morrem dessa doença. O seu caso é o décimo que eu trato e
todos os outros pacientes morreram. Assim, é certo que você vai se curar.”
Isto é uma estupidez lógica. A vida não segue tais regras, a vida não tem
obrigação de segui-las. Mas olhando superficialmente, a lógica parece ser
sempre verdadeira.
O diplomata estava em sua primeira visita oficial ao pequeno país de Bubonga.
Na recepção diplomática oficial, o presidente da nação ofereceu-lhe um copo da
bebida nacional. O diplomata tomou um gole e olhou em volta, apavorado, pois
os móveis começaram a girar e as paredes tremeram.
“Esta é seguramente uma bebida muito forte”, disse ele ao presidente.
“De fato, não”, replicou o presidente. “Isto é um terremoto.”
Aparentemente, a lógica sempre lhe fornece pistas. Humm? Deve ser a bebida
— uma bebida realmente forte! Nós estamos todos enganchados na lógica. E os
que estão enganchados na lógica estão desenganchados da vida.
É por isso que você vê tantas pessoas sem vida, caminhando pelas ruas,
fazendo compras, trabalhando nas fábricas: estão mortas, estão todas mortas.
O que aconteceu com essas pessoas? O que lhes aconteceu foi a lógica: elas
estão sofrendo de uma doença chamada filosofia. Elas se tornaram lógicas em
suas vidas; tornando-se lógicas, elas perderam o caminho da vida. Agora, elas
têm uma visão fixa, elas se movem de acordo com a sua lógica. Seus olhos
podem ver apenas por um pequeno buraco, que é o buraco da lógica; elas não
conseguem ver mais nada. Ora, quando a sua lógica fica fixada, a sua percepção
também fica. Você perde a liberdade — a liberdade para ver. Você vê apenas as
coisas que a sua lógica permite; você interpreta com seus hábitos lógicos, você
reage com seus hábitos lógicos. E você sempre perde a realidade — porque a
realidade é ilógica.
A pessoa lógica, mais cedo ou mais tarde, começa a sentir que a vida é absurda,
sem sentido. A vida não é absurda, a vida não é sem sentido. Na verdade, o
próprio esforço de lhe impor uma certa lógica faz com que ela pareça absurda.
Sua mente deseja impor à vida um certo sentido, e o sentido não pode ser
imposto a ela. Então a vida parece sem sentido.
Não há nada de errado com a vida. Os pássaros não sentem que a vida não tem
sentido, as árvores não sentem que a vida não tem sentido, os rios não sentem
que a vida não tem sentido. Por quê? Porque eles não têm lógica. Para eles,
tudo é bom da maneira como é. Eles têm um relacionamento tranquilo com a
vida, estão em sintonia com a vida. Eles não têm idéias que impedem a vida,
que se tornam barreiras entre eles e a vida.
Um rio vem das montanhas e começa a correr para o norte; então surge um
desvio, uma volta, e ele passa a correr para o sul. O rio não pensa: “O que é
isto? A vida parece muito absurda. Primeiro eu estava indo para o norte, e agora
estou indo para o sul. O que significa tudo isto? Que espécie de lógica é esta?
Como alcançarei o oceano, se continuar desta maneira?” Então aparece outro
desvio, e ele passa a correr para o leste. Se o rio tivesse uma mente, uma mente
lógica, ele ficaria louco, frenético. Ele jamais alcançaria o oceano — ele ficaria
tão atrapalhado, tão perplexo, tão confuso, que ficaria paralisado. Isto é tão
ilógico — se você está indo para o norte, vá para o norte!
Mas os rios não pensam, eles não possuem uma mente. Possuir uma mente
significa ter uma certa idéia de como as coisas deveriam ser. Eles não se
importam — eles deixam que a vida seja da forma como ela deseja ser, eles
estão sempre tranquilos com ela. Se ela vai para o sul, está bem; se ela vai para
o norte, está bem. Os rios não criam problemas. E eles com certeza chegam;
todos os rios chegam ao mar.
Só o homem está perdido. O homem perdeu o caminho de Deus porque Deus
está escondido na vida e o homem está excessivamente obcecado pela lógica.
A lógica lhe permite algumas coisas, mas não permite tudo. Ela é muito seletiva
e busca a coerência.
Esta é a beleza do Zen — ele é paradoxal, isto é, contém contradições. E lembre-
se sempre, muitas vezes as pessoas me perguntam: “Como saber se este
homem é iluminado, se este homem é realmente um Mestre? Como saber?” Se
você puder encontrar um homem que seja absolutamente incoerente, que
contenha contradições, que seja paradoxal, que lhe pareça ilógico — que não
satisfaça a sua mente, mas que, de uma forma sutil, satisfaça o seu coração —
então é ele o iluminado, é ele o Mestre. Ele preenche alguma coisa no fundo de
seu coração; você começa a sentir amor por ele.
Mas sua mente diz: “O que você vai fazer? Este homem parece tão absurdo, ele
não é absolutamente confiável. Num dia, ele afirma uma coisa; no dia seguinte,
ele afirma justamente o contrário. O que você vai fazer?” Porém o seu coração
diz: “Assim está bem. Eu ficarei com este homem, quer ele vá para o norte, quer
vá para o sul ou para qualquer outra parte, ou mesmo que ele pare
completamente. Eu me apaixonei”.
É somente quando surge o amor que você consegue fugir da lógica; de outra
forma, você não conseguirá sair dela. O amor lhe dará a coragem de escapar
dos padrões da lógica. Aquele que vive na lógica é um covarde — a lógica
protege contra as incoerências, as contradições, os paradoxos, os perigos. A
lógica é uma garantia, é uma medida de segurança, é uma Muralha da China em
torno de você. Ela o protege, e não apenas dos perigos; em última análise, ela
protege você da própria vida, porque a vida é perigosa. Ela começa a protegê-lo
de Deus, ela começa a protegê-lo do amor. E então você está morto, então você
é um cadáver. Você pode continuar respirando — isto não é impossível, os
cadáveres respiram...
Eu tenho visto milhões de cadáveres respirando, caminhando, fazendo mil e uma
coisas — e não obstante, completamente mortos.
A lógica protege você. O medo deseja permanecer na lógica. Sempre que algo
como o amor começa a se agitar em seu coração, existe a possibilidade de que
você fuja da lógica. Então surge a coragem.
Estar com um Mestre é estar amando — um tipo de amor realmente absurdo,
destituído de razões. É por isso que nenhum discípulo consegue convencer um
estranho da razão pela qual ele se apaixonou por este ou aquele homem, pela
qual escolheu este homem como seu Mestre. Nenhum discípulo consegue
jamais convencer alguém que já não esteja convencido. É impossível, porque o
estranho será lógico e você será ilógico. Você sabe que está certo, mas não será
capaz de dizer por que e como. E ele será perfeitamente capaz de dizer que
você não está certo; ele é mais articulado. A lógica é articulada, o amor é
silencioso.
O amor pode rir, pode viver. A lógica discute.
Eu não sou contra a lógica. Você pode ver, pelas minhas afirmações, que eu uso
a lógica para ajudá-lo em direção ao amor — como posso ser contra ela?
Quando ataco a lógica, eu a ataco com muita lógica, porque é a única maneira
de você entender. Mas todo o meu empenho é para tirar você dela, para tirá-lo
das suas garras. Eu sou favorável à vida, mas não sou contra a lógica.
A terceira pergunta
Eu não tenho experimentado a tristeza e depressão que você disse que
muitos estão sentindo, como reação a esta série de discursos.
Pelo contrário, mais do que em qualquer outra série, tenho tido uma
sensação de liberdade e alegria surgindo em mim, como se meu coração
tivesse asas. Será que estou perdendo alguma coisa?
NÃO, ANEESHA, você não está perdendo alguma coisa, você está ganhando
alguma coisa. E você não está só, outras pessoas estão sentindo o mesmo.
Vidya escreveu, Savita escreveu, alguns outros escreveram que estão sentindo
uma enorme alegria com estes sutras. Mas existem pessoas que estão
deprimidas.
Isto não diz coisa alguma a respeito dos sutras, isto simplesmente diz alguma
coisa a respeito de vocês. Há pessoas que são budistas natas — Aneesha, Vidya
e Savita devem ser budistas natas. O enfoque de Buda simplesmente é
adequado ao ser delas, elas imediatamente entram em sintonia com ele. É o
clima delas, é o solo delas; sua semente imediatamente germina, elas começam
a crescer em liberdade, em satisfação. Um importante insight advirá a essas
pessoas que são budistas natas.
E note, eu estou dizendo “budistas natos”, não budistas que nasceram de
famílias budistas. Um budista nato é um fenômeno totalmente diferente, que
nada tem a ver com o fato de nascer budista. Assim, existem pessoas que são
sufis natas — para elas, esta série será deprimente. Por exemplo, Vivek, Arup,
Pradeepa e outros — este não é o seu clima, não convém a elas. O clima sufi
simplesmente penetra no coração delas.
E eu estou usando todos os climas, estou trazendo a você todas as
possibilidades. Isto jamais aconteceu antes. Buda criou apenas um clima, um
campo de energia, o campo búdico. Mevlana Jalaluddin Rumi criou outro, o
campo sufi. Com Jalaluddin somente se associaram aqueles que eram sufis
natos; com Buda, somente aqueles que eram budistas natos.
Comigo será totalmente diferente. Este será o primeiro lugar no mundo, em toda
a história humana, onde poderão ser encontrados todos os climas, todos os tipos
de solos, todas as possibilidades. Assim vai acontecer, muitas e muitas vezes, e
você precisa se lembrar de que deve aprender a tolerância, a simpatia. Quando
alguma coisa não estiver convindo a você, não comece logo a condená-la
porque, se estou falando dela, ela deve estar convindo a alguma outra pessoa.
E eu tenho de considerar as necessidades de todos.
Esses tipos tradicionais de campos específicos — o campo búdico, o campo sufi
— não podem sobreviver no mundo moderno porque a Terra tornou-se muito
pequena. Os países não estão mais isolados; o mundo tornou-se apenas uma
aldeia global. Nós estamos muito próximos uns dos outros, e todas as antigas
barreiras e fronteiras estão se rompendo espontaneamente. O homem tornou-
se mais adulto.
Assim, em torno de mim, encontram-se todos os tipos de pessoas. Estão aqui
judeus, muçulmanos, cristãos, hindus, parses, sikhs, jainistas, budistas, taoístas
— todos os tipos de pessoas estão aqui. Pessoas que acreditam na Ioga,
pessoas que acreditam no Tantra, pessoas que acreditam no Zen, pessoas que
acreditam no hassidismo estão aqui. E eu tenho de nutrir a todas elas.
Assim, quando eu estiver falando do sufismo, os budistas, os budistas natos, não
se sentirão muito bem. Eles precisam aprender a respeitar as necessidades dos
demais. E se eles tiverem simpatia e compreensão, também eles serão ajudados
— porque isto lhes trará clareza. Quando você compreende alguma coisa que é
o pólo oposto a você, isto lhe traz clareza faz com que a sua identidade fique
bem definida. Você não é mais uma espécie de impressão vaga e nebulosa —
você começa a tomar forma. Esta é a função do pólo oposto.
Se um budista jamais ouvir falar dos sufis, ele permanecerá na incerteza. Ele
jamais conhecerá quais são suas fronteiras, qual é a sua forma atual. Ele
permanecerá sem forma.
Assim, quando eu estiver falando dos sufis, e você for um budista nato e não se
sentir muito bem com isso, escute com atenção — isto lhe dará uma forma, uma
figura, uma identidade, uma visão clara. E quando eu estiver falando de budistas,
se você for um sufi nato, não fique deprimido. Não deixe de vir, não diga: “Estes
sutras não são para nós, eles provocam depressão”. Saiba perfeitamente bem
que eles não são para você, mas eles são para alguém. Você pode usá-los pelo
menos para isso: para perceber em que você é diferente, e quais são as suas
qualidades naturais diferentes. E você poderá alcançar uma percepção melhor
de sua identidade.
Saber “quem sou eu?” será útil, se você conhecer exatamente suas fronteiras,
suas limitações, suas tendências, sua natureza, seus instintos.
Eu vou falar de todos os tipos de escolas. E se você é um muçulmano de
nascimento, você precisa desaparecer como um muçulmano de nascimento. Se
você é um hindu de nascimento, você precisa desaparecer como um hindu de
nascimento. Você precisa encontrar suas qualidades naturais — porque só a
natureza cresce. O nascimento é acidental, ele não determina coisa alguma. Foi
por coincidência que você nasceu num lar onde as pessoas eram hindus — teria
sido também coincidência se elas pertencessem a um partido político particular.
Se os seus pais eram comunistas, não significa que você deva ser um comunista.
Se os seus pais eram católicos, não significa que você deva ser também um
católico.
Você tem de procurar o seu próprio caminho; cada um tem de procurar o seu
próprio caminho. Eu farei com que todos os caminhos estejam ao seu alcance,
para que você possa ver e sentir. E quando aparecer o caminho certo, você
imediatamente sentirá uma grande alegria nascendo em você. Isto será o sinal
de que o seu clima chegou, que este era o tempo pelo qual você esteve
aguardando, que esta é a sua primavera.
Assim, Aneesha, não se preocupe em estar perdendo alguma coisa. Você não
está perdendo coisa alguma — pela primeira vez, você está chegando mais perto
do seu clima natural. Não se esqueça disto, isto lhe será imensamente útil.
Desde que você saiba quem você é naturalmente, as coisas mudam. Você não
fica mais tateando no escuro: você começa a seguir uma certa direção; sua vida
ganha um sentido de direcionamento. Você não desperdiça mais as suas
energias por toda a parte; você sabe o que é para você e o que não é para você.
E não se esqueça, aquilo que não é para você não é errado: pode destinar-se a
alguma outra pessoa. Só pelo fato de não ser para você, não significa que seja
falso. A verdade tem muitas facetas, a verdade é multidimensional. Você
encontrou a sua porta — não diga que as outras portas são erradas.
Jesus diz: “A casa de meu Deus, de meu Pai, tem muitas portas, muitos
aposentos, muitos quartos”. De fato, existem milhões de portas no templo de
Deus. E cada um precisa encontrar a sua, porque ninguém pode entrar pela porta
de outra pessoa.
A identidade que você ganhou através de seu nascimento é uma falsa identidade
— ela precisa ser abandonada, precisa ser perdida. Solte-se. Não seja um hindu,
não seja um cristão, não seja um muçulmano. E então, de repente, você
começará a sentir o que realmente lhe convém. Pode ser que você seja um hindu
e fique interessado nos sufis. Pode ser que você seja um muçulmano e fique
interessado em Buda. Pode ser que você seja um budista e fique interessado
em Krishna. Não existe meio de saber de antemão; cada um precisa
experimentar todos os tipos de climas.
Quando surge o clima certo, você subitamente brota, as folhas começam a
nascer. Imediatamente acontecem transformações. Isto deve estar acontecendo
com vocês, Aneesha, Savita e Vidya.
Você diz: Eu não tenho experimentado a tristeza e depressão que você
disse que muitos estão sentindo, como reação a esta série de discursos.
Essas pessoas são sufis natas — elas reagiram de acordo com a experiência
delas. Eu estava esperando que vocês escrevessem — vocês também reagiram
a partir da própria experiência. Isto eu chamo de compreensão: permitir espaço
também para as outras pessoas. Outros crescerão através de outros sutras. Para
uns, Patanjali é simplesmente um grande esplendor; para outros, ele pode
parecer seco. Para alguns, Mahavira é o maior dos pináculos; para outros, ele
parece não possuir nenhum senso estético, nenhum sabor; parece um deserto
seco.
Para alguns de vocês, Krishna pode ser aquele que atinge mais profundamente
o seu coração, que toca o âmago de seu ser, que começa a soprar a flauta de
cada um. Para outros, Krishna pode parecer superficial, permissivo, mundano.
Lembre-se sempre: seja o que for que sirva a você, entre integralmente nisso,
com todo o seu coração. E não condene o que não lhe serve, porque pode servir
a uma outra pessoa. E as outras pessoas também precisam alcançar Deus.
A quarta pergunta
Eu quero me divorciar de meu marido. Temos vivido infelizes há sete
anos, mas eu sou católica e receio que Deus não fique feliz com isto. O
que eu devo fazer?
ISSO É UM PROBLEMA DE DEUS. Por que você deveria se preocupar com
isso? Se Ele não se sente bem, Ele pode viver infeliz — mas por que você
deveria viver infeliz? Sete anos realmente é tempo demais para se viver assim.
Nunca viva por muito tempo em qualquer estado de infelicidade, porque então
ela se torna habitual. E assim você começa, bem no fundo, a gostar dela; então
você começa, bem no fundo, a apegar-se a ela. Então você fica com receio —
se isso for perdido, o que você fará? Você não terá nada para fazer. Sua
infelicidade estava lhe dando uma ocupação importante, você estava
constantemente ocupado com ela. Se subitamente a infelicidade desaparecer, o
que você irá fazer? Você se sentirá muito vazia.
Lembre-se sempre: no momento em que você se torna consciente de que
alguma coisa simplesmente cria infelicidade, fuja dela — quanto antes, melhor.
Se o seu relacionamento de amor, se o seu casamento lhe proporciona ambas
estas coisas, contentamento e infelicidade, então está bem, você pode continuar
casada. Eu não estou dizendo que algum casamento possa lhe dar apenas
contentamento e mais nada. Nenhum casamento é capaz disso — caso
contrário, os Budas não encontrariam seguidores. Nenhum casamento pode
proporcionar apenas contentamento.
Onde os Budas encontrariam os seus seguidores? Quem são os seus clientes?
São as pessoas que viveram no mundo e conheceram a infelicidade dele.
Um casamento não é apenas o casamento de um homem com uma mulher, é
também o casamento do contentamento e da infelicidade. É um fenômeno misto
— é um casamento. Haverá momentos de contentamento e haverá momentos
de infelicidade. Se a divisão for meio a meio, está perfeitamente bem, você pode
continuar casada. Mas se houver cem por cento de infelicidade, permanecer
casada é neurótico. E é isso o que acontece. As pessoas esperam e desejam
que um casamento seja cem por cento satisfação — e isso ele não pode ser,
naturalmente não é possível. Nenhum casamento jamais foi e jamais será. Não
é possível obter do casamento cem por cento de satisfação; isto não pertence a
natureza das coisas.
As pessoas esperam cem por cento de satisfação. Isto é tolice, não é realista, é
viver de ilusões. E se você espera tanta satisfação, você cria mais infelicidade
do que seria natural — porque haverá maior frustração. Quanto mais alto for o
seu desejo, tanto mais profunda será a sua frustração. Quanto maior o seu
objetivo, tanto mais distante dele você se sentirá. Quanto mais perfeito um ideal,
tanto mais você sentirá que não consegue realizá-lo, que você não atinge o alvo,
Então acontece outro tipo de tolice: as pessoas passam a viver com cem por
cento de infelicidade. Não se pode exigir cem por cento de satisfação, não é
possível — mas também não há necessidade de viver com cem por cento de
infelicidade. E é esta a sua vida! Por que ser patológico?
Você deve ter algo de masoquista. Agora você está tentando esconder o seu
masoquismo por trás do belo nome “católica”. Por que Deus ficaria infeliz? Você
acha que Deus é um sádico, que Ele deseja que você sofra, que permaneça
infeliz? Talvez os seus mahatmas sejam sádicos, os seus sacerdotes e papas.
Mas, a respeito de Deus, eu estou absolutamente certo de que Ele não é um
sádico. Ele ficará completamente feliz quando você sair de sua infelicidade.
Ouvi contar:
Um marido dominado e infeliz procurou seu pregador, solicitando um divórcio.
“O quê? Como é que você, um homem religioso, pode pensar em tal coisa? Você
não percebe que o nosso bom livro nos diz que, quando um homem se divorcia
de sua mulher, não somente os anjos, mas também as próprias pedras choram?”
“Escute”, replicou o homem, “se os anjos e as pedras quiserem chorar, deixe que
chorem. Eu quero me alegrar!”
Por que você deveria estar preocupada com Deus? Isso não é problema seu. O
nome de Deus está sendo usado apenas para prolongar a infelicidade — os
padres vêm usando esse nome para torturá-la, e você vem usando esse nome
para torturar a si mesma e aos outros.
Deus não é um torturador; este mundo não é um campo de concentração de
Deus. Saia de sua infelicidade! E isto não é um casamento — se é somente
infelicidade, como pode ser um casamento? De que casamento você está
falando? Ele não aconteceu! Na verdade, só o divórcio será legal, porque, para
começar, o casamento não aconteceu.
Sete anos é tempo demais. Se um homem vive até os setenta, então sete anos
é um tempo excessivo — um décimo de sua vida desperdiçado. Se você não
pôde criar contentamento em sete anos, não creio que você seja capaz de criá-
lo agora. Saia disso. Tente alguma outra coisa. E deixe que o outro também seja
livre — porque você não pode ser a única pessoa infeliz, o outro também está
no mesmo barco.
Eu quero me divorciar do meu marido. Temos vivido infelizes há sete
anos, mas eu sou católica e receio que Deus não fique feliz com isto.
Eu posso lhe prometer — deixe isto comigo. Eu vou providenciar para que Deus
fique feliz com isso. Deus fica sempre feliz quando você está feliz. Deus não é
uma pessoa neurótica. Ele está infeliz — você O deixou infeliz por sete anos.
Mas é isto que acontece em nome do casamento. As pessoas não se casam por
razões saudáveis, elas se casam por razões doentias. É por isso que surge tanta
infelicidade no casamento. Em primeiro lugar, você já considerou alguma vez os
motivos pelos quais você se casou?
Uma pessoa quer se casar porque está sozinha, e a solidão machuca; ela deseja
alguém para conviver, para ter sua companhia. Ora, isto não é um casamento
verdadeiro. É uma necessidade — ela apenas quer estar na companhia de
alguém. Ela não está buscando alguém com amor, ela deseja apenas explorar a
presença da outra pessoa para não ficar sozinha. Ela quer usar o outro como um
meio. E sempre que alguém usa uma pessoa como um meio, é inevitável que
exista infelicidade — porque ninguém deseja ser usado como um meio. Isto é
ofensivo, é indigno, é contra a dignidade do ser humano.
E é isso o que acontece. A mulher deseja ficar junto do homem, e o homem
deseja ficar junto da mulher, porque sozinhos eles se sentem frustrados. Não é
que eles se sintam felizes juntos — não existe esse sentimento. A única coisa
que os está motivando a ficar juntos é que sozinhos eles se sentem frustrados.
Agora perceba o ponto importante: se duas pessoas estão infelizes
separadamente, como elas poderão criar felicidade juntas? Elas vão criar
apenas uma infelicidade duplicada, ou mesmo multiplicada.
Se duas pessoas estão mal, separadamente, como é que juntas elas poderão
se tornar saudáveis e inteiras? Elas se contaminarão mutuamente e tornarão a
vida ainda mais infeliz. Sozinha, cada pessoa só será responsável pela própria
infelicidade. Agora, a infelicidade da outra cai sobre ela, e a infelicidade dela cai
sobre a outra. E a infelicidade vai sendo multiplicada, como se dois espelhos
estivessem se refletindo mutuamente e jogando lixo um no outro.
As pessoas se casam por mil e um motivos — mas está faltando uma coisa
básica, que deveria ser o único motivo: elas não estão se amando. Algumas
vezes, o motivo é financeiro. É mais barato ter uma mulher do que ter uma
empregada, é mais barato ter um marido do que brigar sozinha neste mundo
competitivo; é mais barato ter um marido do que ter um empregado. Mas o amor
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia
O Zen e a cura da doença da filosofia

Mais conteúdo relacionado

Semelhante a O Zen e a cura da doença da filosofia

Osho - Nem Água Nem Lua.pdf
Osho - Nem Água Nem Lua.pdfOsho - Nem Água Nem Lua.pdf
Osho - Nem Água Nem Lua.pdfHubertoRohden2
 
Livro tibetano dos_mortos
Livro tibetano dos_mortosLivro tibetano dos_mortos
Livro tibetano dos_mortos230551
 
Boletim informativo nov2014
Boletim informativo nov2014Boletim informativo nov2014
Boletim informativo nov2014fespiritacrista
 
Osho - Vá Com Calma Volume 2.pdf
Osho - Vá Com Calma Volume 2.pdfOsho - Vá Com Calma Volume 2.pdf
Osho - Vá Com Calma Volume 2.pdfHubertoRohden2
 
Joel s. goldsmith a natureza do eu
Joel s. goldsmith a natureza do euJoel s. goldsmith a natureza do eu
Joel s. goldsmith a natureza do euActor Quantum
 
Osho - Vá Com Calma.pdf
Osho - Vá Com Calma.pdfOsho - Vá Com Calma.pdf
Osho - Vá Com Calma.pdfHubertoRohden2
 
apostila_meditacao.pdf
apostila_meditacao.pdfapostila_meditacao.pdf
apostila_meditacao.pdfAnaBressane
 
O poder da consciência neville goddard (1)
O poder da consciência   neville goddard (1)O poder da consciência   neville goddard (1)
O poder da consciência neville goddard (1)Valdirene Souza
 
CapíTulo 1 Original Livro
CapíTulo 1 Original LivroCapíTulo 1 Original Livro
CapíTulo 1 Original Livrojmeirelles
 
Capítulo 4 E 5 Introdução
Capítulo 4 E 5  IntroduçãoCapítulo 4 E 5  Introdução
Capítulo 4 E 5 Introduçãojmeirelles
 
Annie Besant - O Poder do Pensamento
Annie Besant - O Poder do PensamentoAnnie Besant - O Poder do Pensamento
Annie Besant - O Poder do Pensamentouniversalismo-7
 
Annie besant-o-poder-do-pensamento
Annie besant-o-poder-do-pensamentoAnnie besant-o-poder-do-pensamento
Annie besant-o-poder-do-pensamentoVeraBoff
 
CapíTulo 1 Original Livro
CapíTulo 1 Original LivroCapíTulo 1 Original Livro
CapíTulo 1 Original Livrojmeirelles
 
CapíTulo 1 Original Livro
CapíTulo 1 Original LivroCapíTulo 1 Original Livro
CapíTulo 1 Original Livrojmeirelles
 

Semelhante a O Zen e a cura da doença da filosofia (17)

Osho - Nem Água Nem Lua.pdf
Osho - Nem Água Nem Lua.pdfOsho - Nem Água Nem Lua.pdf
Osho - Nem Água Nem Lua.pdf
 
Livro tibetano dos_mortos
Livro tibetano dos_mortosLivro tibetano dos_mortos
Livro tibetano dos_mortos
 
Rudolf steiner o limiar do mundo espiritual
Rudolf steiner   o limiar do mundo espiritualRudolf steiner   o limiar do mundo espiritual
Rudolf steiner o limiar do mundo espiritual
 
Sutra sagrada
Sutra sagradaSutra sagrada
Sutra sagrada
 
Boletim informativo nov2014
Boletim informativo nov2014Boletim informativo nov2014
Boletim informativo nov2014
 
Osho - Vá Com Calma Volume 2.pdf
Osho - Vá Com Calma Volume 2.pdfOsho - Vá Com Calma Volume 2.pdf
Osho - Vá Com Calma Volume 2.pdf
 
Joel s. goldsmith a natureza do eu
Joel s. goldsmith a natureza do euJoel s. goldsmith a natureza do eu
Joel s. goldsmith a natureza do eu
 
Osho - Vá Com Calma.pdf
Osho - Vá Com Calma.pdfOsho - Vá Com Calma.pdf
Osho - Vá Com Calma.pdf
 
apostila_meditacao.pdf
apostila_meditacao.pdfapostila_meditacao.pdf
apostila_meditacao.pdf
 
O poder da consciência neville goddard (1)
O poder da consciência   neville goddard (1)O poder da consciência   neville goddard (1)
O poder da consciência neville goddard (1)
 
CapíTulo 1 Original Livro
CapíTulo 1 Original LivroCapíTulo 1 Original Livro
CapíTulo 1 Original Livro
 
Capítulo 4 E 5 Introdução
Capítulo 4 E 5  IntroduçãoCapítulo 4 E 5  Introdução
Capítulo 4 E 5 Introdução
 
Livro Tibetano Dos Mortos
Livro Tibetano Dos MortosLivro Tibetano Dos Mortos
Livro Tibetano Dos Mortos
 
Annie Besant - O Poder do Pensamento
Annie Besant - O Poder do PensamentoAnnie Besant - O Poder do Pensamento
Annie Besant - O Poder do Pensamento
 
Annie besant-o-poder-do-pensamento
Annie besant-o-poder-do-pensamentoAnnie besant-o-poder-do-pensamento
Annie besant-o-poder-do-pensamento
 
CapíTulo 1 Original Livro
CapíTulo 1 Original LivroCapíTulo 1 Original Livro
CapíTulo 1 Original Livro
 
CapíTulo 1 Original Livro
CapíTulo 1 Original LivroCapíTulo 1 Original Livro
CapíTulo 1 Original Livro
 

Mais de HubertoRohden2

Osho - Guerra e Paz Interior.pdf
Osho - Guerra e Paz Interior.pdfOsho - Guerra e Paz Interior.pdf
Osho - Guerra e Paz Interior.pdfHubertoRohden2
 
Osho - Vá Com Calma Volume 3.pdf
Osho - Vá Com Calma Volume 3.pdfOsho - Vá Com Calma Volume 3.pdf
Osho - Vá Com Calma Volume 3.pdfHubertoRohden2
 
Osho - Um Pássaro em Vôo.pdf
Osho - Um Pássaro em Vôo.pdfOsho - Um Pássaro em Vôo.pdf
Osho - Um Pássaro em Vôo.pdfHubertoRohden2
 
Osho - O Cipreste no Jardim.pdf
Osho - O Cipreste no Jardim.pdfOsho - O Cipreste no Jardim.pdf
Osho - O Cipreste no Jardim.pdfHubertoRohden2
 
Osho - Religiosidade é Diferente de Religião.pdf
Osho - Religiosidade é Diferente de Religião.pdfOsho - Religiosidade é Diferente de Religião.pdf
Osho - Religiosidade é Diferente de Religião.pdfHubertoRohden2
 
Osho - Pepitas de Ouro.pdf
Osho - Pepitas de Ouro.pdfOsho - Pepitas de Ouro.pdf
Osho - Pepitas de Ouro.pdfHubertoRohden2
 
Osho - Zen Sua História e Seus Ensinamentos.pdf
Osho - Zen Sua História e Seus Ensinamentos.pdfOsho - Zen Sua História e Seus Ensinamentos.pdf
Osho - Zen Sua História e Seus Ensinamentos.pdfHubertoRohden2
 
Osho - Tao - Sua História e Seus Ensinamentos.pdf
Osho - Tao - Sua História e Seus Ensinamentos.pdfOsho - Tao - Sua História e Seus Ensinamentos.pdf
Osho - Tao - Sua História e Seus Ensinamentos.pdfHubertoRohden2
 
Osho - Meditação - A Arte do Êxtase.pdf
Osho - Meditação - A Arte do Êxtase.pdfOsho - Meditação - A Arte do Êxtase.pdf
Osho - Meditação - A Arte do Êxtase.pdfHubertoRohden2
 
Osho - Dimensões Além do Conhecido.pdf
Osho - Dimensões Além do Conhecido.pdfOsho - Dimensões Além do Conhecido.pdf
Osho - Dimensões Além do Conhecido.pdfHubertoRohden2
 
Osho - Isto Isto Mil Vezes Isto.pdf
Osho - Isto Isto Mil Vezes Isto.pdfOsho - Isto Isto Mil Vezes Isto.pdf
Osho - Isto Isto Mil Vezes Isto.pdfHubertoRohden2
 
Osho - Psicologia do Esotérico.pdf
Osho - Psicologia do Esotérico.pdfOsho - Psicologia do Esotérico.pdf
Osho - Psicologia do Esotérico.pdfHubertoRohden2
 
Osho - Êxtase a Linguagem Esquecida.pdf
Osho - Êxtase a Linguagem Esquecida.pdfOsho - Êxtase a Linguagem Esquecida.pdf
Osho - Êxtase a Linguagem Esquecida.pdfHubertoRohden2
 
Osho - Morte a Maior das Ilusões.pdf
Osho - Morte a Maior das Ilusões.pdfOsho - Morte a Maior das Ilusões.pdf
Osho - Morte a Maior das Ilusões.pdfHubertoRohden2
 
Osho - Desvendando Mistérios.pdf
Osho - Desvendando Mistérios.pdfOsho - Desvendando Mistérios.pdf
Osho - Desvendando Mistérios.pdfHubertoRohden2
 
Osho - Além das Fronteiras da Mente.pdf
Osho - Além das Fronteiras da Mente.pdfOsho - Além das Fronteiras da Mente.pdf
Osho - Além das Fronteiras da Mente.pdfHubertoRohden2
 
Osho - A Nova Alquimia.pdf
Osho - A Nova Alquimia.pdfOsho - A Nova Alquimia.pdf
Osho - A Nova Alquimia.pdfHubertoRohden2
 
Osho - A Divina Melodia.pdf
Osho - A Divina Melodia.pdfOsho - A Divina Melodia.pdf
Osho - A Divina Melodia.pdfHubertoRohden2
 
Osho - A Semente de Mostarda.pdf
Osho - A Semente de Mostarda.pdfOsho - A Semente de Mostarda.pdf
Osho - A Semente de Mostarda.pdfHubertoRohden2
 

Mais de HubertoRohden2 (20)

Osho - Guerra e Paz Interior.pdf
Osho - Guerra e Paz Interior.pdfOsho - Guerra e Paz Interior.pdf
Osho - Guerra e Paz Interior.pdf
 
Osho - Vá Com Calma Volume 3.pdf
Osho - Vá Com Calma Volume 3.pdfOsho - Vá Com Calma Volume 3.pdf
Osho - Vá Com Calma Volume 3.pdf
 
Osho - Um Pássaro em Vôo.pdf
Osho - Um Pássaro em Vôo.pdfOsho - Um Pássaro em Vôo.pdf
Osho - Um Pássaro em Vôo.pdf
 
Osho - O Cipreste no Jardim.pdf
Osho - O Cipreste no Jardim.pdfOsho - O Cipreste no Jardim.pdf
Osho - O Cipreste no Jardim.pdf
 
Osho - Religiosidade é Diferente de Religião.pdf
Osho - Religiosidade é Diferente de Religião.pdfOsho - Religiosidade é Diferente de Religião.pdf
Osho - Religiosidade é Diferente de Religião.pdf
 
Osho - Pepitas de Ouro.pdf
Osho - Pepitas de Ouro.pdfOsho - Pepitas de Ouro.pdf
Osho - Pepitas de Ouro.pdf
 
Osho - Zen Sua História e Seus Ensinamentos.pdf
Osho - Zen Sua História e Seus Ensinamentos.pdfOsho - Zen Sua História e Seus Ensinamentos.pdf
Osho - Zen Sua História e Seus Ensinamentos.pdf
 
Osho - Tao - Sua História e Seus Ensinamentos.pdf
Osho - Tao - Sua História e Seus Ensinamentos.pdfOsho - Tao - Sua História e Seus Ensinamentos.pdf
Osho - Tao - Sua História e Seus Ensinamentos.pdf
 
Osho - Meditação - A Arte do Êxtase.pdf
Osho - Meditação - A Arte do Êxtase.pdfOsho - Meditação - A Arte do Êxtase.pdf
Osho - Meditação - A Arte do Êxtase.pdf
 
Osho - Dimensões Além do Conhecido.pdf
Osho - Dimensões Além do Conhecido.pdfOsho - Dimensões Além do Conhecido.pdf
Osho - Dimensões Além do Conhecido.pdf
 
Osho - Isto Isto Mil Vezes Isto.pdf
Osho - Isto Isto Mil Vezes Isto.pdfOsho - Isto Isto Mil Vezes Isto.pdf
Osho - Isto Isto Mil Vezes Isto.pdf
 
Osho - Psicologia do Esotérico.pdf
Osho - Psicologia do Esotérico.pdfOsho - Psicologia do Esotérico.pdf
Osho - Psicologia do Esotérico.pdf
 
Osho - Êxtase a Linguagem Esquecida.pdf
Osho - Êxtase a Linguagem Esquecida.pdfOsho - Êxtase a Linguagem Esquecida.pdf
Osho - Êxtase a Linguagem Esquecida.pdf
 
Osho - Morte a Maior das Ilusões.pdf
Osho - Morte a Maior das Ilusões.pdfOsho - Morte a Maior das Ilusões.pdf
Osho - Morte a Maior das Ilusões.pdf
 
Osho - Desvendando Mistérios.pdf
Osho - Desvendando Mistérios.pdfOsho - Desvendando Mistérios.pdf
Osho - Desvendando Mistérios.pdf
 
Osho - Ah, Isto!.pdf
Osho - Ah, Isto!.pdfOsho - Ah, Isto!.pdf
Osho - Ah, Isto!.pdf
 
Osho - Além das Fronteiras da Mente.pdf
Osho - Além das Fronteiras da Mente.pdfOsho - Além das Fronteiras da Mente.pdf
Osho - Além das Fronteiras da Mente.pdf
 
Osho - A Nova Alquimia.pdf
Osho - A Nova Alquimia.pdfOsho - A Nova Alquimia.pdf
Osho - A Nova Alquimia.pdf
 
Osho - A Divina Melodia.pdf
Osho - A Divina Melodia.pdfOsho - A Divina Melodia.pdf
Osho - A Divina Melodia.pdf
 
Osho - A Semente de Mostarda.pdf
Osho - A Semente de Mostarda.pdfOsho - A Semente de Mostarda.pdf
Osho - A Semente de Mostarda.pdf
 

Último

As violações das leis do Criador (material em pdf)
As violações das leis do Criador (material em pdf)As violações das leis do Criador (material em pdf)
As violações das leis do Criador (material em pdf)natzarimdonorte
 
Dar valor ao Nada! No Caminho da Autorrealização
Dar valor ao Nada! No Caminho da AutorrealizaçãoDar valor ao Nada! No Caminho da Autorrealização
Dar valor ao Nada! No Caminho da Autorrealizaçãocorpusclinic
 
Lição 5 - Os Inimigos do Cristão - EBD.pptx
Lição 5 - Os Inimigos do Cristão - EBD.pptxLição 5 - Os Inimigos do Cristão - EBD.pptx
Lição 5 - Os Inimigos do Cristão - EBD.pptxCelso Napoleon
 
Oração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos Pobres
Oração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos PobresOração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos Pobres
Oração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos PobresNilson Almeida
 
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudo
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudoSérie Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudo
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudoRicardo Azevedo
 
METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...
METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA  AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA  AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...
METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...PIB Penha
 
EUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRA
EUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRAEUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRA
EUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRAMarco Aurélio Rodrigues Dias
 
As festas esquecidas.pdf................
As festas esquecidas.pdf................As festas esquecidas.pdf................
As festas esquecidas.pdf................natzarimdonorte
 
O Livro dos Mortos do Antigo Egito_240402_210013.pdf
O Livro dos Mortos do Antigo Egito_240402_210013.pdfO Livro dos Mortos do Antigo Egito_240402_210013.pdf
O Livro dos Mortos do Antigo Egito_240402_210013.pdfmhribas
 
Lição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptx
Lição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptxLição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptx
Lição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptxCelso Napoleon
 
Paulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingo
Paulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingoPaulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingo
Paulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingoPIB Penha
 
Tabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdf
Tabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdfTabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdf
Tabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdfAgnaldo Fernandes
 

Último (15)

As violações das leis do Criador (material em pdf)
As violações das leis do Criador (material em pdf)As violações das leis do Criador (material em pdf)
As violações das leis do Criador (material em pdf)
 
Dar valor ao Nada! No Caminho da Autorrealização
Dar valor ao Nada! No Caminho da AutorrealizaçãoDar valor ao Nada! No Caminho da Autorrealização
Dar valor ao Nada! No Caminho da Autorrealização
 
VICIOS MORAIS E COMPORTAMENTAIS NA VISÃO ESPÍRITA
VICIOS MORAIS E COMPORTAMENTAIS  NA VISÃO ESPÍRITAVICIOS MORAIS E COMPORTAMENTAIS  NA VISÃO ESPÍRITA
VICIOS MORAIS E COMPORTAMENTAIS NA VISÃO ESPÍRITA
 
Aprendendo a se amar e a perdoar a si mesmo
Aprendendo a se amar e a perdoar a si mesmoAprendendo a se amar e a perdoar a si mesmo
Aprendendo a se amar e a perdoar a si mesmo
 
Lição 5 - Os Inimigos do Cristão - EBD.pptx
Lição 5 - Os Inimigos do Cristão - EBD.pptxLição 5 - Os Inimigos do Cristão - EBD.pptx
Lição 5 - Os Inimigos do Cristão - EBD.pptx
 
Oração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos Pobres
Oração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos PobresOração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos Pobres
Oração A Bem-Aventurada Irmã Dulce Dos Pobres
 
Centros de Força do Perispírito (plexos, chacras)
Centros de Força do Perispírito (plexos, chacras)Centros de Força do Perispírito (plexos, chacras)
Centros de Força do Perispírito (plexos, chacras)
 
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudo
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudoSérie Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudo
Série Evangelho no Lar - Pão Nosso - Cap. 132 - Em tudo
 
METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...
METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA  AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA  AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...
METODOLOGIA ELANA* – ENSINO LEVA AUTONOMIA NO APRENDIZADO. UMA PROPOSTA COMP...
 
EUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRA
EUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRAEUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRA
EUBIOSOFIA - MEMÓRIAS DA SOCIEDADE TEOSÓFICA BRASILEIRA
 
As festas esquecidas.pdf................
As festas esquecidas.pdf................As festas esquecidas.pdf................
As festas esquecidas.pdf................
 
O Livro dos Mortos do Antigo Egito_240402_210013.pdf
O Livro dos Mortos do Antigo Egito_240402_210013.pdfO Livro dos Mortos do Antigo Egito_240402_210013.pdf
O Livro dos Mortos do Antigo Egito_240402_210013.pdf
 
Lição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptx
Lição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptxLição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptx
Lição 4 - Como se Conduzir na Caminhada.pptx
 
Paulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingo
Paulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingoPaulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingo
Paulo é vítima de fake news e o primeiro culto num domingo
 
Tabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdf
Tabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdfTabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdf
Tabela bíblica Periódica - Livros da Bíblia.pdf
 

O Zen e a cura da doença da filosofia

  • 1. OSHO VÁ COM CALMA Discursos sobre Zen-Budismo – Volume 4 UNIVERSALISMO
  • 2. Sumário Capítulo 1 — Rompendo o Fundo Capítulo 2 — E os Dois Estão Sempre Se Encontrando Capítulo 3 — Simplesmente Extasiados Com a Liberdade Capítulo 4 — O Juramento Compassivo dos Bodhisattvas Capítulo 5 — Esperando Algo Doce Capítulo 6 — Na Casa da Lua Capítulo 7 — O Verdadeiro Israel
  • 3. 1 Rompendo o Fundo No mar da morte e da vida, O barco do mergulhador está carregado De “É” e de “Não é”. Mas se o fundo for rompido, “É” e “Não é” desaparecerão. A mente não pode tornar-se Buda; O corpo não pode tornar-se Buda; Somente aquilo que não pode tornar-se Buda Pode tornar-se Buda. Como um relâmpago Que desaparece como o orvalho, Que se desvanece como um fantasma — Assim pense de si mesmo. A vontade de procurar Buda Em qualquer outra parte É uma idiotice Bem no centro da idiotice. O orvalho sobre a folha do lótus, Inalterado em sua cor, Justamente como ele é, É a forma real de Buda. Uma senhora de idade entrou no consultório de um doutor, exclamando: “Doutor, meu estômago está doendo!” O doutor disse: “Mas, minha senhora, eu sou um doutor em filosofia!” Por um momento ela se esqueceu da dor, e perguntou, perplexa: “Filosofia? Que tipo de doença é essa?”
  • 4. SIM, A FILOSOFIA É UMA DOENÇA, e não é uma doença comum. Não é um resfriado comum, é um câncer, um câncer da alma. Quando uma pessoa se perde na selva da filosofia, ela se embaraça cada vez mais com palavras, conceitos e abstrações. E isso não tem mais fim: ela pode continuar nisso por vidas e vidas. Toda filosofia é um jogo da mente; através dele, a mente se perpetua. Ora, a verdade só pode ser conhecida quando você se encontra num estado de ausência da mente. Assim, o filósofo jamais chega a conhecer a verdade. A menos que a filosofia seja abandonada de forma absoluta e total, você não poderá conhecer o que é a verdade, o que é Deus. A filosofia pensa a respeito de Deus, e por isso ela está sempre perdendo Deus. Ela tece e borda teorias a seu respeito, mas nunca acerta o alvo. Ela se move em círculos — ela cria uma idéia sobre Deus, essa idéia cria uma outra idéia... e como as idéias não acreditam em controle de natalidade, elas vão se reproduzindo. A mente segrega a filosofia, produz a filosofia, vive por intermédio dela. Sem filosofia a mente não pode existir sequer por um único momento. A mente precisa ser hindu ou muçulmana, ou cristã ou comunista. Ela não pode perdurar, nem por um único instante na existência, se não for hindu, muçulmana, jainista ou cristã. Se a mente não possui uma filosofia da qual dependa, ela morre de inanição. Se não há suportes para apoiá-la, se não lhe é fornecida uma nutrição contínua para pensar mais e mais, o processo se detém. A filosofia mantém a mente funcionando. O budismo não é uma filosofia — não é, pelo menos, no ser de Buda, ou no ser de Ikkyu. Aqueles que perceberam reconheceram, de forma absoluta, uma coisa: a verdade acontece num estado não-filosófico, num estado de não-conhecer; a verdade acontece na inocência. A verdade acontece quando não existem nuvens de pensamentos se agitando na consciência, quando o céu está absolutamente claro, quando não existe abstração, quando você não faz idéia daquilo que Deus é ou não é. A verdade acontece quando você não crê em Deus e não crê na negação de Deus, quando você simplesmente se encontra num estado de não- conhecer. Então você não reivindica qualquer conhecimento, e essa consciência sem reivindicações começa a se abrir. Todo o conhecimento o sobrecarrega, todo o conhecimento o fecha. O Zen é um dos remédios que curam a doença chamada filosofia. Nenhuma outra escola foi capaz de inventar remédios tão poderosos quanto os do Zen para escapar do mundo da filosofia. Buda não ensinou coisa alguma em que se deva crer. Neste sentido, ele não foi um professor, porque não ensinou. Pelo contrário, ele foi um antiprofessor,
  • 5. porque removeu todos os ensinamentos que as pessoas estavam carregando. Pouco a pouco, ele ajudou seus discípulos a ficar totalmente nus, despojados. A filosofia é uma bela roupagem à qual a mente se apega. Uma vez abandonada a filosofia, a mente torna-se feia e repulsiva, ninguém gosta dela. Então fica muito fácil abandonar a mente — de fato, é impossível apegar-se a ela. Você tem de abandoná-la; esse abandono ocorre espontaneamente, de forma necessária e inevitável. O que é precisamente a filosofia? É uma pretensão de saber, sem saber coisa alguma. Filosofia é pensar, e pensar significa sempre que a pessoa é ignorante, mas está tentando criar uma aparência. Toda vez que você pensa, está mostrando simplesmente que você não sabe. Ou você sabe, ou você não sabe. Como você pode pensar? O que você pode pensar? Se eu perguntar: “Deus existe ou não existe?” e você me responder: “Eu vou pensar a respeito”, o que você vai pensar a respeito? Ou você sabe, ou você não sabe — tudo se resume nisso. O que você vai pensar a respeito? Tudo o que você pensar será produto da sua mente, será uma mentira. O pensamento consiste em mentiras. Entretanto, você pode provar a si mesmo que essas mentiras são verdades; você pode argumentar em seu favor. Ora, a verdade não precisa de argumentos, ela é evidente por si mesma. Somente as mentiras precisam de argumentos — elas não são evidentes por si mesmas, elas precisam de testemunhas. Uma verdade é simplesmente verdade; ela é irrefutável. É por isso que as maiores declarações da verdade são absolutamente destituídas de argumentos. O Velho Testamento não contém nenhum argumento para demonstrar Deus. Ele simplesmente afirma: Deus é. Não apresenta argumentos, não junta provas. Os Upanixades simplesmente declaram. Eles são declarações, são anúncios ao mundo, sem nenhuma argumentação como apoio. Eles não são silogismos, são apenas asserções poéticas. Uma pessoa que conheceu e declara. Se você lhe perguntar: “Qual é a prova?”, ela responderá: “Você também pode conhecer”. Quando Vivekananda encontrou Ramakrishna, perguntou a ele: “Você pode provar para mim que Deus existe?” E Ramakrishna respondeu: “Eu não posso provar que Deus existe, mas eu posso fazer com que você conheça. Neste exato momento! Você está pronto?” Vivekananda sentiu-se abalado nas suas raízes. Aquele homem estava ali de pé e lhe perguntava: “Você está pronto? Neste exato momento, eu posso lhe mostrar Deus! Mas não existe prova”. Vivekananda não esperava por isso. Ele já tinha conhecido muitos outros filósofos; ele estava, mais ou menos, esperando que Ramakrishna lhe desse algumas provas, que defendesse Deus, que
  • 6. destruísse as provas contra a existência de Deus. Era a primeira vez que se deparava com um homem de verdadeiro saber. Sua garganta ficou seca, ele não conseguiu pronunciar qualquer palavra, simplesmente emudeceu. Por um momento, tudo parou. E Ramakrishna tocou o seu peito com os pés, e ele caiu num profundo êxtase. Quando ele voltou a si, estava trêmulo. O que ele tinha visto era impossível de acreditar — por um momento, ele tinha saído da mente. Aquele toque dos pés de Ramakrishna, por um momento, fez com ele saísse da sua mente. Aconteceu a mesma coisa na noite passada. Sarjano estava aqui — e certamente Vivekananda experimentou a mesma situação vivida por Sarjano, na noite passada. Eu pedi a ele que, por um momento, segurasse os meus pés em suas mãos. E então aconteceu: por um momento, ele saiu da sua mente. O impacto da não-mente, se você estiver pronto, pode conduzi-lo a um estado de não-mente. E aí ocorre o conhecer. O conhecer não vem pela mente, ele sempre vem pela não-mente; ele não vem através do conhecedor, ele só vem quando o conhecedor não existe. Mas a filosofia continua aceitando o conhecedor; ela continua tentando fabricar alguns brinquedos — teorias e doutrinas em que se deve acreditar — para que você possa enganar a si mesmo. E você pode continuar eternamente nisso. Ouvi contar: Um ignorante conseguiu ser convidado para uma festa onde estavam presentes cientistas mundialmente famosos, entre os quais Albert Einstein. O convidado analfabeto imediatamente revelou-se uma pessoa maçante, perseguindo os ilustres físicos, para lhes oferecer o que pensava ser suas profundas observações. “Diga-me, Doutor Einstein”, indagou o chato, “qual é, em sua opinião, a diferença entre o tempo e a eternidade?” “Meu caro”, respondeu Einstein, “se eu tomasse o tempo necessário para explicar a diferença, isto levaria uma eternidade!” De fato, Einstein foi muito brando, suave, generoso. Mesmo levando uma eternidade, a diferença não poderia ser explicada. Ainda que você passe uma eternidade discutindo “o que é o tempo?” e “o que é a eternidade?” você não chegaria a nenhuma conclusão. Cinco mil anos de filosofia, e nem uma única conclusão nas mãos. Isto mesmo, nem uma única conclusão. Não há dois filósofos que estejam de acordo, pois eles só concordam em discordar, estão constantemente argumentando, uns contra os outros. Não há possibilidade de consenso, pois não pode haver
  • 7. consenso entre duas mentiras. E duas verdades concordam tão profundamente que se tornam uma única verdade — elas deixam de ser duas, tão completo é o seu consenso. É por isso que se diz que só existe uma verdade. Não pode haver muitas: o consenso delas é tão infinito, tão total, que onde quer que elas apareçam como duas verdades, imediatamente saltam uma sobre a outra e se tornam uma única chama. Todos os Budas concordam. Mas em quê? Isso não pode ser dito, se você disser, tornará o assunto um tema de filosofia. Assim, esse tema permanece não-dito, mas pode ser experimentado. Como a filosofia é uma pretensão, ela acredita nas grandes palavras. Ela acredita no comércio das frases — ela cria e fabrica grandes palavras que possam impressionar as pessoas. Crítico de arte A: “Julgo que o neoplasticismo do design abstrato demonstra o approach místico, metafísico e não-humanístico do conceito objetivo de abstração”. Crítico de arte B: “Perfeitamente, você lavrou um tento! Na realidade, é patente, mesmo num relance casual, que esta pintura foi criada por uma atividade paranóico-crítica, resultante de sensações dinâmicas espontâneas, e eventualmente produzida por campanólogos com tendências sonambulísticas, que criam uma pintura de objetos transcendentais curvilíneos e não-curvilíneos, exprimindo feelings subjetivos num estilo cubista”. Crítico de Arte C: “Estou plenamente de acordo com vocês dois — esse quadro é um lixo!” A filosofia está sempre criando esses termos bombásticos; ela nunca é simples, não pode ser. Ela não consegue ser simples, porque, se for simples, você perceberá que ela é uma mentira. Ela precisa ser muito cheia de circunlocuções, rodeios e ziguezagues — ela nunca é direta, nunca vai ao ponto. Todo o seu esforço consiste em não chegar ao ponto; em andar em todas as direções, sem nunca chegar em casa; em criar palavras bombásticas para impressionar os idiotas — somente os idiotas podem ficar impressionados com tais palavras. A verdade é simples — é tão simples que uma criança pode entendê-la; é realmente tão simples que só uma criança pode entendê-la. A menos que você volte a ser uma criança, você não será capaz de entendê-la. A verdade é uma experiência, não é uma especulação. No entanto, quando você está viciado nas grandes palavras, é muito difícil fazer com que você desça até o chão. Essas grandes palavras proporcionam ao seu ego um enorme contentamento. Quando a mente de alguém começa a apreciar palavras sonoras, idéias geniais e complicadas teorias, torna-se muito difícil para ela aterrissar. Ela voa pelo céu, paira nas altas torres da sua mente, e nunca
  • 8. encara o fato, verdade. Porque a verdade é simples — e o que acontecerá com sua filosofia? Samanta era uma menina de seis anos que gostava de exagerar tudo o que via ou fazia. Um dia, ela estava olhando pela janela, quando gritou para a sua mãe: “Mamãe, mamãe! Venha depressa! Tem um leão andando na rua, na frente da nossa casa!” A mãe de Samanta olhou para fora da janela, mas só conseguiu ver um gatinho marrom. “Samanta! Você está mentindo de novo!”, ralhou a mãe. “Suba imediatamente para o seu quarto e peça a Deus perdão por ser uma menina tão travessa, e peça-lhe que faça você parar de contar mentiras.” Samanta subiu soluçando para o seu quarto. Pouco tempo depois, ela desceu e disse à sua mãe: “Mamãe, eu rezei para Deus como você falou. Ele disse que também achou que o gato marrom mais parecia um leão”. Quando você começa a apreciar exageros, grandes palavras, teorias bombásticas, isto fica difícil para você. Você tenta colecionar todo o tipo de prova para convencer a si mesmo e aos outros de que você está no caminho certo. Uma vez que você tenha a ilusão de conhecer — e essa é precisamente a ilusão que a filosofia lhe dá — então torna-se muito difícil abandonar essa ilusão, porque nesse caso você se tornaria outra vez um ignorante. Essa é uma das coisas mais difíceis para você fazer, quando está comigo. Quando vem, já traz um conhecimento. E todo o meu empenho consiste em ajudá-lo a abandonar esse conhecimento. Você vem aqui para adquirir um pouco mais de conhecimento, e não para abandonar aquele que você tem. Você vem para acumular um pouco mais, você vem para acrescentar mais alguns argumentos em favor daquilo em que você já acredita. E eu estou dizendo a você que abandone tudo aquilo que você conhece — porque você realmente não conhece; é uma alucinação. Você criou a idéia de que você conhece. Sim, é doloroso abandonar essa idéia, porque você volta a ser ignorante. E toda a sua vida foi gasta em adquirir pedacinhos de conhecimento daqui e dali — da escola, da faculdade, da universidade, dos sacerdotes, dos livros. Você ficou estudando, ficou pesquisando, e com grande esforço acumulou um pouquinho de conhecimento. E você sente que talvez não conheça a verdade absoluta, mas conhece o suficiente para buscar a verdade. Quando você vem a mim, você fica chocado, porque eu fico dizendo e repetindo a você que tudo o que você conhece é pura bobagem e que você simplesmente deve abandonar isso! Seu Deus é pura ficção, sua oração é apenas seu medo, seu amor é só fingimento. Você é falso desde as suas raízes; você é apenas uma falsidade.
  • 9. Abandone tudo isso! E torne-se ignorante de novo porque, a partir dessa ignorância, você poderá crescer. As técnicas da meditação budista não passam de meios para ajudá-lo a sair da aventura do conhecimento. Toda essa viagem é puro lixo. E lembre-se, conhecimento e saber não são sinônimos. O saber é existencial, o conhecimento é puramente intelectual. O saber provém da inteligência, o conhecimento é apenas uma memória — ele não requer inteligência. Na verdade, para evitar a inteligência, as pessoas tornam-se viciadas no conhecimento — custa pouco adquirir cultura. E assim elas ficam excitadas com coisas inúteis. Algum tempo atrás, Art Buchwald contou, na Herald Tribune de Nova York, a história de um produtor de Hollywood cujo hobby era colecionar livros raros. Ele gostava tanto desse passatempo que falava sobre isso constantemente, aborrecendo seus amigos, que já estavam fartos de suas histórias. Um dia, eles decidiram fazer uma brincadeira com o produtor. Contrataram um ator e o levaram para um almoço. Quando, inevitavelmente, surgiu o assunto, o ator contou que tivera uma Bíblia alemã por muitos anos, mas ela cheirava tão mal que ele acabou dando-a a uma tia, em Santa Barbara. “Quem a imprimiu?” perguntou o colecionador de obras raras. “Não sei... um tal de Guten qualquer coisa”, respondeu o ator. O produtor deixou cair seu garfo. “Não seria Gutenberg?” O ator respondeu que acreditava que o nome era esse. O produtor levantou-se da mesa. “Vamos!” exclamou. “Vamos fretar um avião!” “Vamos aonde?” perguntou o ator. “Apanhar a Bíblia, homem! Você não percebe que tem um dos primeiros livros jamais editados? Ele vale trezentos mil dólares!” O ator levantou-se, excitado. Então, subitamente, ele sentou-se de novo. “Não pode valer coisa alguma”, disse. “Por que não?” perguntou, histérico, o produtor. “Porque um cara chamado Martin Luther King rabiscou o livro inteiro.” O produtor certamente enlouqueceu, deve ter caído, desmaiado! As pessoas ficam excitadas com coisas banais e pensam que estão fazendo grandes coisas. Todos os seus hobbies, toda a sua busca, todo o seu pretenso trabalho espiritual podem ser reduzidos a uma coisa só: um enfeite para o ego. E o ego é a única barreira que o está impedindo de conhecer aquilo que é.
  • 10. Estes sutras de Ikkyu são muito pragmáticos. Este é o clima de Buda. Buda é um homem muito prático — por isso ele é não-filosófico. É um pragmático que quer os fatos, a verdade. E quer andar em linha reta — não quer ir de um lado para o outro, não quer ficar rodeando. Quer ser direto, sem usar de circunlóquios. O primeiro sutra: No mar da morte e da vida, O barco do mergulhador está carregado De “É” e de “Não é”. Mas se o fundo for rompido, “É” e “Não é” desaparecerão. ESTA É A MANEIRA DE DEIXAR CAIR A FILOSOFIA. O que é a filosofia? É uma luta constante entre dois campos — o campo que acredita no “É” e o campo que acredita no “Não é”. O primeiro diz: “Deus é”, o outro diz: “Deus não é”. Um diz uma coisa, o outro diz exatamente o contrário. Um propõe a tese, e o outro imediatamente propõe a antítese. Este jogo entre a tese e a antítese chama-se filosofia. Todo esse jogo pode ser reduzido a uma fórmula simples: “É / Não é”. O teísta diz: “É”, o ateu diz: “Não é”. Um diz que a alma existe, o outro diz que não existe alma. Um diz que a vida tem um objetivo, o outro diz que não há nenhum objetivo. Um diz: “A alma é imortal”, o outro diz: “Bobagem”. E isto continua acontecendo através dos tempos. E não existe qualquer conclusão. Buda diz: “Todo esse jogo é fútil”. Por determinadas razões, esse jogo é fútil. A vida é dialética em sua própria estrutura, ela depende de polaridades opostas — tese e antítese. Cada coisa, automaticamente, converte-se no seu contrário: o nascimento converte-se em morte, o dia converte-se em noite, o amor converte- se em ódio, a esperança converte-se em desespero. E vice-versa: o desespero de novo converte-se em esperança, a noite converte-se em dia, o ódio converte- se em amor, a morte converte-se em nascimento. A roda inteira consiste em polaridades opostas. Buda diz: “Escolher um desses pólos significa estar errado”. Perceba a totalidade disso; não diga “É” ou “Não é”. Não se torne partidário de um campo, não se torne partidário de uma escola ou de uma doutrina, porque todas as doutrinas são parciais e cada uma delas está tentando provar que ela é o todo. Esta é a armadilha da filosofia. Naturalmente, quando você diz: “Deus é luz”, como você poderá acreditar em alguém que diz: “Deus é escuridão”? Obviamente, ele está negando você; vocês estão esgrimindo um contra o outro. Mas Buda diz: “Veja: todo o dia, a luz converte-se em escuridão; todo o dia, a escuridão converte-se em luz. Assim, vocês não estão realmente se contradizendo, vocês estão se complementando.
  • 11. As polaridades opostas não são realmente opostas, são complementares. Dessa forma, não há como escolher — e se você escolher, você estará em apuros...”. Você escolhe o amor, e logo o amor transforma-se em ódio e em raiva. Então você fica em apuros porque você pensava que o amor continuaria sendo amor para sempre. Você não pode se apegar ao amor para sempre; em sua escolha real, você escolheu também o ódio. Amor/ódio é um relacionamento. Na verdade, deveríamos deixar de usar “amor” e “ódio” como duas palavras, deveríamos criar uma palavra única: “amoródio”. Deveríamos deixar de usar “dia” e “noite” como duas palavras e criar uma palavra única: “dianoite”; “nascimentomorte”. Isto seria mais verdadeiro, mais próximo da realidade — nossa divisão é falsa. Quando você está amando, você pensa: “Agora, eu vou amar eternamente”. Você esqueceu como a vida funciona. Quando chegar a noite, o amor terá ido embora e a raiva estará surgindo. É inevitável que ela surja, você não pode impedir. Escolhendo o amor, você escolhe também o ódio: é a outra face da mesma moeda. Mas agora você está infeliz, você acredita que está traindo. Você pensa: “O que está acontecendo? Por que está acontecendo? Por que acontece comigo? Por que não posso amar para sempre? Por que meu amor não pode me amar para sempre? De manhã ele estava tão interessado em mim, e agora ele deseja ficar só, ser deixado só. O que aconteceu? Onde foi que eu errei?” Ninguém errou, nada aconteceu, tudo está acontecendo como deveria acontecer. Daqui a pouco essa raiva vai passar, vocês estarão de novo se abraçando, o amor estará presente — e outra vez vocês esquecerão. Para entender a vida, uma das coisas mais fundamentais é perceber que cada coisa implica o seu contrário, cada coisa automaticamente converte-se no seu contrário. Se você não deseja ter inimigos, não faça amigos. Ao fazer um amigo você começa a fazer um inimigo: só os amigos podem tornar-se inimigos. Se você deseja nunca ser infeliz, não busque a felicidade — se você buscar a felicidade, estará buscando também a infelicidade. A infelicidade vem no embrulho, ela é parte do jogo da felicidade; a felicidade não pode existir sem ela. A vida existe dentro da morte. Esta é uma das grandes intuições de Buda. Assim, ele diz: “Não existe sentido em escolher. Uma pessoa diz que Deus existe, outra pessoa diz que Deus não existe: elas estão simplesmente escolhendo um aspecto da realidade. Ora, Deus é a totalidade: Deus é o É, somado ao Não é”. Desta forma, se você perguntar a Buda: “O que você diz a respeito de Deus?”, ele responderá: “O que posso dizer? Se eu disser ‘Existe’, estarei errado. Se eu disser ‘Não existe’, estarei errado. Seu eu disser ambas as coisas, eu o deixarei perplexo, você dirá que eu o estou confundindo. Assim, é melhor que eu fique calado. Não direi coisa alguma; ficarei
  • 12. em silêncio e também lhe ensinarei o silêncio. Quando você desejar saber o que Deus é, fique em silêncio. Não escolha esta maneira ou aquela. A filosofia é uma escolha. Quando você diz: “Eu sou um hindu”, você escolheu — com estas palavras, você está declarando: “Eu não sou um muçulmano”. E Deus é um hindu, é um muçulmano, é um cristão, é um jainista, é um comunista, é todos eles, e não é nenhum deles. Por que tudo se converte em seu oposto? Ninguém deseja que seja assim; não obstante, é assim que acontece. É a maneira da existência, do Tao, do Dhamma; é a maneira como as coisas mudam. Da mesma forma como o fogo se alastra — e isto é inerente à sua natureza — faz parte da natureza da existência converter-se imediatamente no seu oposto. Por que ela se converte no seu oposto? Porque o oposto só é oposto quando é olhado da superfície. Observado a partir do cerne profundo da realidade, não é oposto, mas complementar. Pense num mundo onde não exista nenhum ódio — você pensa que haverá amor? Isto é o que dirá a filosofia. Há filósofos do amor, há filósofos da paz. Eles dizem que se não houver guerra no mundo haverá paz. Esta afirmação parece tão lógica, tão matemática, tão atraente — se não houver guerra, certamente haverá paz; quando a guerra desaparecer, haverá uma paz sem fim. Mas isso não é verdade. Escute Buda. Ele diz: “Guerra e paz estão associadas. Se a guerra desaparecer, a paz desaparecerá automaticamente — não haverá guerra nem paz. Como você saberá que é paz? Você se esquecerá da paz”. Pense bem, se a morte desaparecer do mundo, você será capaz de saber que está vivo? Impossível. Como você saberá que está vivo? A morte é necessária para definir a vida. A guerra é necessária para definir a paz, a inimizade é necessária para definir a amizade, o ódio é necessário para definir o amor. Assim, eles não são separados. Eles se definem mutuamente, dependem um do outro: se um desaparece, o outro fatalmente desaparece também. A filosofia escolhe. Há filósofos pacifistas que acreditam que não deveria haver guerra, somente paz — que na ausência de guerra haverá somente paz. É isto que Bertrand Russell andou dizendo. Isto não é possível. Krishna está bem mais perto da verdade quando diz que algumas vezes existe a paz e algumas vezes existe a guerra. Ambas existem juntas. Nossas mentes escolhem logicamente e a lógica jamais permite o oposto. A existência depende do oposto. Por essa razão, a lógica e a existência nunca se encontram. E a filosofia é um esforço lógico. Quanto mais lógico você for, tanto menor será a sua possibilidade de conhecer o que é a verdade. Buda diz: “Este é o dilema, a característica da mente humana — ser ou não ser”. Mas ambos estão juntos; você não pode decidir. Se você decide ser, você decide
  • 13. também não ser, e vice-versa. Nenhuma escolha parece ser a escolha certa; escolha, e você sempre escolherá alguma coisa errada; só a ausência de escolha é certa. Não escolha, deixe que as coisas sejam como elas são. Quando é guerra, deixe estar. Quando é paz, deixe estar. Quando é amor, deixe estar; quando não é amor, deixe estar. Você permanece isento, observando, como uma testemunha. Perceba esse entendimento: você é apenas uma testemunha, e as coisas se convertem espontaneamente em seus opostos. Os picos são seguidos por vales, os altos são seguidos por baixos, e assim por diante. Não há nada que você possa fazer. Se você não escolhe, o agente desaparece, começa a se evaporar. Então você pode ser apenas consciente de tudo o que acontece. Isto é “romper o fundo”. No mar da morte e da vida, O barco do mergulhador está carregado De “É” e de “Não é”. Mas se o fundo for rompido, “É” e “Não é” desaparecerão. A AUSÊNCIA DE ESCOLHA É O CAMINHO para abandonar todos estes apegos. A ausência de escolha é o caminho que conduz fora deste mundo. A mente sempre escolhe. Contaram-me esta história: Mulla Nasruddin estava caminhando com seu filho ao longo da estrada, atrás do seu burro, que ia comendo, contente, o mato, ao longo do caminho. Ao ver Mulla e seu filho caminhando e suando em bicas, um homem observou: “Olhem como eles são bobos, eles vão a pé, em vez de ir montados”. Ouvindo este comentário, Mulla e seu filho montaram no burro e cavalgaram até a próxima aldeia, onde um velho exclamou: “Eles deveriam se envergonhar de fazer o pobre burro carregar duas pessoas”. Mulla desmontou e caminhou, e seu filho cavalgou até a próxima aldeia. Ali, Mulla ouviu este comentário: “Pobre velho. Esse garoto devia se envergonhar de fazer o seu pai ir a pé”. Então Mulla montou no burro, enquanto seu filho desmontava e caminhava a uma certa distância. Finalmente, um outro aldeão observou: “Olhem para aquele velho cavalgando, enquanto seu filho tem de andar a pé. Como é cruel!”
  • 14. Mulla coçou sua barba, sacudiu sua cabeça, e disse para si mesmo: “Você não consegue agradar a todos em nenhum momento”. Esta é uma das mais famosas histórias sufis — e o que estava acontecendo? Mulla estava fazendo uma coisa, e as pessoas sugeriam a antítese. Percebendo isto, ele escolhia a antítese. Então alguém sugeria a antítese da antítese, e assim por diante — ele continuava escolhendo e mudando de escolha. É assim que as pessoas permanecem mudando; este é o caminho da mente. Você sempre escolhe. Você escolhe uma coisa e, mais cedo ou mais tarde, alguém lhe faz essa sugestão: escolha a outra coisa — porque você está cansado daquela que você escolheu, e a outra vale tanto quanto ela. E quando você está cansado de uma coisa, você naturalmente começa a pensar na oposta. Se você jejuou demais, você naturalmente começa a pensar em comida; se comeu demais, você começa a pensar em jejum. Quando você se cansa de correr atrás do dinheiro, um dia você decide deixar o mundo, o mundo do dinheiro e de tudo o mais, e ir para o Himalaia. E quando você alcança o Himalaia, mal você chega lá e se senta em sua caverna, e antes mesmo de ter arrumado suas coisas, você começa a pensar no mundo, no dinheiro e em tudo o mais. Sentado na caverna, você fica com receio do que lhe possa acontecer. Como você irá conseguir seu alimento amanhã, se hoje você está sem dinheiro? E à noite você sente medo, sozinho na floresta, sem proteção. Agora você percebe o que importa, o que era lindo em sua casa: você estava protegido, tinha um teto e segurança. Entretanto, quando você estava em sua casa, você jamais pensava em proteção, em segurança; era uma situação aceita, era ponto pacífico. Você pensava em outras coisas — pensava que vivia fechado como numa prisão, pensava no céu aberto, nos cumes iluminados pelo Sol, nas lindas florestas, no silêncio, no primordial silêncio do Himalaia, nos picos cobertos de neve e naquela eterna beleza. Era nessas coisas que você pensava. Agora que você está sentado no meio dessa eterna beleza, quer esquecê-la. Você percebe apenas aquilo que não tem; aquilo que você tem desaparece de sua percepção. A percepção só ocorre quando acontece algo novo. Você só vê o que é novo. A mente tem a tendência de não ver o antigo — qual é a importância disto? Você já o viu. Agora, pela primeira vez, você começa a pensar na casa e na beleza dela. Lá, não havia medo. Aqui o medo é cada vez maior, você não consegue dormir durante a noite. O silêncio primordial está presente, mas é excessivo, ele é pesado, você não pode suportá-lo. Ele cria medo em você. Sempre que você se depara com o silêncio primordial, você começa a sentir muito medo, porque você viveu no mundo da linguagem; você se acostumou com esse mundo. Você não percebeu essa inquietação?
  • 15. Quando você encontra um estranho no trem ou no ônibus, você começa a se sentir inquieto, e o outro também, a não ser que vocês se apresentem um ao outro, que introduzam a linguagem. O silêncio molesta a ambos. Você se incomoda, ele se incomoda, e é necessário que alguém quebre o gelo. Esse gelo é o silêncio. É preciso que alguém pergunte: “Para onde o senhor está indo?” — é preciso que alguém introduza a linguagem. Logo que a linguagem chega, a comunicação acontece, e você faz parte de um mundo humano. Você já ouviu aquela conhecida história zen? Quatro pessoas decidiram ficar em silêncio por uma semana. Decorridas algumas horas, uma delas disse: “Estou em dúvida se apaguei o fogo em minha casa ou se o deixei aceso”. O outro disse: “Você é louco, você falou! E nós tínhamos decidido não falar”. O terceiro disse: “O que você acha que está fazendo? Você também falou!” E o quarto disse: “Eu sou o único que ainda não falou”. É difícil ficar em silêncio. A linguagem está em nosso sangue, em nossos ossos, em nossa medula. O ser humano vive num mar de linguagem. Você não vê isto acontecendo toda hora? As pessoas muito articuladas tornam- se muito importantes. O homem que consegue usar a linguagem com habilidade torna-se um líder, um grande líder de homens — e toda a sua habilidade pode ser apenas linguística. Um homem pouco eficiente com a linguagem permanece como um homem de categoria inferior porque esta sociedade vive através da linguagem. Conta-se que Joseph Stalin costumava consultar seus colegas, sempre que nas conversas aparecia algum nome novo, uma pessoa, um autor, um poeta, um filósofo, um pensador. Ele fazia sempre a mesma pergunta: “Ele é um gênio?” Se a resposta era sim, dentro de alguns dias o gênio desaparecia. Ele nunca mais era encontrado, tinha sido assassinado. Por quê? Por que Stalin tinha tanto medo dos gênios? Porque essas pessoas são perigosas. Gênio indica alguém muito habilidoso com a linguagem — que pode escrever muito bem, que pode falar muito bem, que é articulado. Essas pessoas são perigosas. Elas criam rebeliões e revoluções, pois se tornam líderes de homens. Se a resposta era não, se a pessoa não era um gênio, mas apenas um autor ou um poeta de segunda classe, então não havia problema. O homem vive através da linguagem. E você só vai saber que a sua linguagem é essencial depois que se mudar para o Himalaia — nunca antes. Aqui, ela é ponto pacífico. Aqui, sentado às vezes em seu quarto, você se sente muito bem quando fica só, imerso no silêncio. Mas essa sensação também deve-se ao fato
  • 16. de haver tanto ruído em volta; ela se torna agradável devido ao contraste. Se você vai ao Himalaia, em poucos dias ficará assustado, porque não há mais contraste. É bom ficar em silêncio por algumas horas, porque assim você descansa da linguagem. Depois disso, você está disposto a falar, a se comunicar. As pessoas que vivem no chamado mundo civilizado pensam nas belezas daqueles que renunciaram e foram viver nos mosteiros. E as pessoas que vivem nos mosteiros simplesmente acham que perderam a sua chance de viver, que a vida ficou do lado de fora, onde as pessoas estão desfrutando, se alegrando, se divertindo, comendo, amando — a vida real está lá. Os monges tornam-se tristes e pensam constantemente no mundo exterior. Esta é uma das coisas básicas que se deve perceber a respeito da mente. Buda diz: “Desde que você tenha escolhido alguma coisa, mais cedo ou mais tarde terá de escolher a oposta. Você se cansará dela, começará a esquecê-la, deixará de percebê-la — e começará a pensar nas belezas da coisa oposta. Cada coisa que você escolhe é apenas uma parte, nunca é o todo. Se ela fosse o todo, não haveria necessidade de escolher. Toda escolha é da parte, só pode ser da parte. Você não pode escolher o todo, porque então não faria sentido escolher”. Se você diz: “Eu escolho a vida, eu escolho a morte”, então o que você está dizendo é isto: “Eu absolutamente não me importo — quer seja a vida quer seja a morte, tudo para mim é uma coisa só. Eu não escolho”. O não-escolher o leva ao todo. A escolha é sempre da parte, é necessariamente da parte. E então você continua mudando suas escolhas e se torna um tronco flutuante, que fica passando de uma margem para outra. É assim que você esteve se movendo através dos tempos, por tantas vidas. No mar da morte e da vida, O barco do mergulhador está carregado De “É” e de “Não é”. Mas se o fundo for rompido, “É” e “Não é” desaparecerão. SALTE! Exatamente no meio, através do meio. Não escolha. Permaneça alerta e não escolha. Deixe que a vida aconteça sem que você escolha, como se você estivesse sentado, assistindo a um filme: ele não depende de sua escolha. O filme está se movendo, as figuras estão indo e vindo, a história está se desenvolvendo; ele não depende de sua escolha. Entretanto, até mesmo quando você está assistindo a um filme, você começa a escolher. Quando você começa a pensar: “Se este homem tivesse um pouco
  • 17. mais de caráter, se ele fosse um pouco mais moral...” você está escolhendo. Ora, mas você sabe que o filme não depende de sua escolha. Já está ali, vai acontecer de qualquer maneira, você só pode relaxar e desfrutar de tudo o que está acontecendo. O fato de você não escolher não irá interromper o filme; ele irá continuar, porém não terá mais efeito sobre você. Você não será distraído, nem perturbado, mas permanecerá centrado. Esta é a beleza de estar sem escolha. Krishnamurti tem razão quando enfatiza a ausência de escolha. Esse é também o sabor do Zen. O Zen criou muitos métodos para romper o fundo, de modo que você possa escapar da escolha, da dualidade, dos opostos. O koan é um dos métodos mais importantes. O Mestre propõe um quebra-cabeça especial, para que o discípulo medite sobre ele. O que esse quebra-cabeça tem de extraordinário é que ele não tem solução, ele precisa ser feito com todo o cuidado, para que a mente não encontre nenhuma resposta; ele deve ser irrespondível. Por exemplo: “Qual é o som de uma mão batendo palmas?”, o discípulo tem de meditar no som de uma mão batendo palma. Ora, não pode haver som, é logicamente impossível, para bater palmas são necessárias duas mãos. Só pode haver som quando duas coisas colidem, somente assim o som se produz. Uma mão sozinha não pode produzir som de palmas; é impossível. Pois bem, este é o tema da meditação. O discípulo sabe que é impossível, o Mestre sabe que é impossível. Dia após dia, o discípulo fica meditando sobre o som da única mão. Ele sabe que isto é impossível, mas o Mestre diz: “Continue meditando. Pelo fato de ser impossível, é importante”. Ele continua meditando, meditando, quase enlouquece. Naturalmente, se você pensar sobre isto, pouco a pouco você enlouquece. Sua mente vai dizer: “O que você está fazendo? Não pode haver nenhum som!” Mas o Mestre diz: “Continue meditando, você tem de descobrir. Existe um som que não é produzido por duas mãos. Vá e descubra”. Isto pode durar meses, até anos. Um dia, a mente chega a um paroxismo e realmente começa a enlouquecer — ela gira sem cessar, dá milhões de voltas, e não consegue produzir nenhuma resposta. Ela chega ao limite da sua capacidade. Nesse limite, acontece o colapso, a passagem. Subitamente, tudo é silêncio. A questão desapareceu, o questionador desapareceu, a mente não está mais presente, não existe nenhum pensamento, tudo é um profundo silêncio. Isto é o som de uma única mão batendo palmas.
  • 18. Isto é o satori. Isto é “romper o fundo”. Então não há mais nenhum “É” e nenhum “Não é”: você não pode dizer que Deus é, você não pode dizer que Deus não é. Então o todo é, o uno é — sem divisão. O todo é Deus, é o nirvana, é o Tao. A mente não pode tornar-se Buda... Isto é um koan. A mente não pode tornar-se Buda; O corpo não pode tornar-se Buda; Somente aquilo que não pode tornar-se Buda Pode tornar-se Buda. É UM TOTAL ABSURDO! Mas o Zen usa o absurdo de uma forma muito sensata. Existe um sentido nesse absurdo. De fato, você não pode concluir coisa alguma desta declaração: A mente não pode tornar-se Buda; O corpo não pode tornar-se Buda; Somente aquilo que não pode tornar-se Buda Pode tornar-se Buda. É por isso que pessoas como Arthur Koestler pensam que o Zen é um total absurdo. Na superfície, ele é, porém, no cerne mais íntimo, é a coisa mais sensata que jamais aconteceu nesta Terra. É o sentido do absurdo! Estas declarações não são filosóficas — é neste ponto que Arthur Koestler se equivoca. Elas não são afirmações filosóficas, são artifícios para deixar você tão louco que, como resultado dessa total loucura, sua mente pára. Por quanto tempo você pode continuar repetindo este sutra? A mente não pode tornar-se Buda; O corpo não pode tornar-se Buda; Somente aquilo que não pode tornar-se Buda Pode tornar-se Buda. Por quanto tempo? Isto tem de ser meditado, é um koan. O Mestre diria: “Descubra o sentido disto”. Ora, não existe sentido; ninguém pode descobrir o sentido! Mas você tenta descobrir o sentido — você não será capaz de descobri- lo, mas o próprio esforço vai levar você a um certo estado. Eu ouvi esta história, que, realmente, aconteceu: Uma mulher estava ficando muito gorda e decidiu consultar um médico. O médico lhe deu um frasco com bonitas pílulas vermelhas e disse: “Dentro de um
  • 19. mês, a senhora perderá pelo menos oito quilos. E dentro de um ano, pouco a pouco, voltará ao seu peso normal”. A mulher ficou muito feliz e voltou para casa. Ela tinha duas filhas, uma com um ano e outra com sete anos de idade. As duas meninas gostaram tanto do frasco e das pílulas vermelhas que engoliram todas. A mulher, apavorada, telefonou para o médico, que disse: “Não se preocupe. Por alguns dias, as meninas ficarão doidas; elas não conseguirão dormir e permanecerão o tempo todo acordadas. Elas terão uma grande energia e ficarão excitadas por alguns dias; elas pularão, gritarão e correrão por toda a casa. Mas não é nada realmente grave — dentro de sete dias, elas se acalmarão. Assim, não se preocupe”. Aqueles sete dias foram um inferno. As meninas não queriam dormir de jeito nenhum; passavam a noite toda gritando, berrando e pulando. E tinham tanta energia, que a mãe não conseguia controlá-las. As meninas deixaram-na quase louca. Depois de sete dias, as garotas se acalmaram, mas a mulher estava completamente exausta. Mas uma coisa aconteceu: ela perdeu oito quilos. Ora, este foi um acontecimento totalmente diferente. Não foi uma conclusão lógica, não foi o efeito das próprias pílulas, mas foi isto que aconteceu de fato. O médico tinha dito que ela perderia oito quilos em um mês, e ela os perdeu em uma semana. O koan é semelhante a isso. Você não descobre a resposta, mas alguma outra coisa vai acontecer. Este é o sentido do absurdo. Você fica pensando sobre o sentido e nenhum sentido aparece — como pode aparecer, se não existe? Arthur Koestler está certo, é uma afirmação absurda. Mas ele está perdendo o essencial. É uma afirmação absurda, mas ao tentar dar-lhe um sentido, você enlouquece sua mente. Você fica tão inquieto, tão perturbado, tão mexido, que atinge o paroxismo. Quando chega a cem graus, você começa a ferver — nesse ponto, a ebulição acontece. Isto é um subproduto. De repente, toda a mente foi embora, com todos os seus problemas, com toda a sua filosofia, com todas as suas perguntas e respostas. Tudo simplesmente desapareceu, com raiz e tudo. Você olha em torno e não há mais mente! Você olha para fora e ela não está ali. Você olha para dentro, e ela não está ali. Você procura por toda a parte e ela não está em lugar algum: você não consegue encontrar a si mesmo. Este é o momento do satori, quando você não consegue achar a si mesmo. Quando você não consegue encontrar a si mesmo, você o encontrou. Agora não existe o ego, existe um grande silêncio. A mente não pode tornar-se Buda; O corpo não pode tornar-se Buda...
  • 20. É claro — porque a mente é uma metade e o corpo é a outra metade. E ambos têm sido objetos de crença. Há muitas religiões que acreditam na mente. As religiões, em sua maioria, acreditam na mente e são contrárias ao corpo. Todas elas ensinam práticas contra o corpo. O cristianismo é contra o corpo, o jainismo é contra o corpo. Essas religiões ensinam como destruir deliberadamente o seu corpo, como destruir toda a energia que o corpo possui, porque ele é o seu inimigo. Se você puder destruir o corpo, você conhecerá Deus, você conhecerá a verdade, ou qualquer outra coisa. Essas religiões vivem na mente, elas escolheram a mente. Existem religiões que escolheram o corpo, mas são muito poucas, e também não são consideradas religiões. Os charvakas na Índia são tão religiosos quanto os cristãos e os jainistas, porém sua religião consiste no corpo. É por isso que a maioria das religiões os chamaria de não-religiosos, de anti-religiosos. No entanto, eles não são. Sua religião é totalmente diferente: eles acreditam no corpo, na polaridade oposta. Eles dizem que não existe mente, que não existe alma, que tudo isso é absurdo. Apenas viva seu corpo: coma, beba e se divirta. A religião de Epicuro é uma religião do corpo. Mas alguns estão errados, no sentir de Ikkyu e de Buda, e no meu próprio sentir. Uns e outros estão errados porque o homem é um todo, um todo orgânico: a mente e o corpo estão juntos. Na realidade, o homem não é mente e corpo, é mentecorpo. O corpo é apenas a parte visível da mente, a mente é a parte invisível do corpo. Eles são uma só energia. A mente não pode tornar-se Buda... É verdade, ela não pode. Contra o corpo, a mente não pode tornar-se Buda. O corpo não pode tornar-se Buda... Contra a mente, o corpo não pode tornar-se o Buda. Se vocês acreditarem na mente, vocês se tornarão espiritualistas; se acreditarem no corpo, vocês se tornarão materialistas. Porém, em ambos os casos, estarão perdendo a verdadeira religião. Somente aquilo que não pode tornar-se Buda Pode tornar-se Buda. Essa é uma estranha afirmação. A mente não pode tornar-se Buda; O corpo não pode tornar-se Buda...
  • 21. Eles não podem tornar-se Buda separadamente, cada um por si. Mas ambos juntos podem tornar-se Buda. De fato, ambos juntos já são Buda. Como um relâmpago Que desaparece como o orvalho, Que se desvanece como um fantasma — Assim pense de si mesmo. Esta é ainda uma outra meditação. Como um relâmpago Que desaparece como o orvalho, Que se desvanece como um fantasma — Assim pense de si mesmo. TUDO É MOMENTÂNEO. Só por um momento, como o orvalho da manhã, o Sol surgirá e depois desaparecerá. Ou o relâmpago nas nuvens — você nem chegou a vê-lo, e ele já desapareceu. Tudo é momentâneo, nada permanece, tudo vem e desaparece. E não é só isto — tudo desaparece e se converte no seu contrário. Percebendo isto, você concluirá que não há nada a que se apegar; e pensando assim, você permanece sem apegos. Você começa a viver uma atitude de entrega: o que quer que aconteça, você permite. Você não tem qualquer obsessão de que as coisas devam ser de uma certa maneira, você não faz reivindicações à existência. Você simplesmente confia, e flui com a existência para onde ela o levar, seja o que for que esteja acontecendo ou vá acontecer. Você não tem nenhum objetivo predeterminado. Como um relâmpago Que desaparece como o orvalho, Que se desvanece como um fantasma — Assim pense de si mesmo. A vontade de procurar Buda Em qualquer outra parte É uma idiotice Bem no centro da idiotice. Procurar Buda é a maior das idiotices, porque você já é Buda. Esta afirmação precisa ser repetida muitas e muitas vezes, pois é a afirmação mais importante, a que tem o maior potencial. Qualquer dia pode ser que você a ouça, que ela o fira, que ela penetre em seu coração, inflamada como uma seta. Nesse momento, você será transformado. Por esta razão, ela tem de ser constantemente repetida.
  • 22. A vontade de procurar Buda Em qualquer outra parte É uma idiotice Bem no centro da idiotice. Esta é a maior das idiotices. Todas as outras nascem dela, que é a mãe de todas as outras. Que idiotice é essa? É procurar Buda. Você nunca encontrará Buda em parte alguma, porque ele já é você. Se você procurar por ele, você não o achará. O buscador jamais encontra — os que encontram são os que param de buscar. Novamente, existem dois partidos, duas filosofias. Uns dizem: “Procure o lado de fora”. Existem religiões que dizem: “Deus está lá em cima, no céu, fora de você. Adore Deus: crie um templo, faça uma estátua, uma imagem, um ícone. Aprenda a oração correta, a forma correta do ritual, e sirva a Deus, e você o encontrará em algum lugar exterior”. Esta é uma espécie de religião, que busca no lado de fora — o hinduísmo, o cristianismo, o islamismo. Há um outro tipo de religião que busca no lado de dentro. O jainismo diz: “Olhe para dentro. Deus não está do lado de fora. O seu ser é o ser supremo, Deus reside em você. Assim, vá para dentro, mas continue a busca”. Algumas procuram fora, algumas procuram dentro. O Zen diz: “Não procure, em absoluto! Entre buscar fora ou buscar dentro, não existe a menor diferença. Na medida em que sabemos que tudo é sonho, nessa mesma medida nos desapegamos de tudo o que acontece — das coisas e de nós mesmos. Quanto mais você se desapega das coisas e de si mesmo, tanto mais você vai perdendo a idéia de interior e exterior. Esta divisão é ainda a mesma dualidade — dentro, fora. Não existe nada dentro e nada fora, tudo é uno. Nosso engano é procurar a verdade, seja no exterior, seja no interior. O grande engano é procurar, seja o que for”. Então, o que fazer? A fórmula do Zen é simples: não-fazer, wu-wei. Sentar-se em silêncio, sem nada fazer — não procurando fora e não procurando dentro, não procurando coisa alguma, sendo somente você mesmo — nesse momento, conhece-se Buda. Buda é o seu próprio ser. “Buda”, para o budismo, significa exatamente o mesmo que “Deus” para as outras religiões. O orvalho sobre a folha do lótus, Inalterado em sua cor, Justamente como ele é, É a forma real de Buda.
  • 23. UMA GRANDE DECLARAÇÃO REBELDE, que deve ser constantemente lembrada. De algum modo, bem no fundo, persiste em você a idéia de que Buda é alguém especial — de que, quando você se tornar um Buda, você será uma pessoa extraordinária. Essa é ainda a velha mente do buscador, que não pode acreditar naquilo que é, mas está sempre ansiando por aquilo que não é. Escute esta declaração: O orvalho sobre a folha do lótus, Inalterado em sua cor, Justamente como ele é, É a forma real de Buda. Fique acordado! E escute! Justamente como você é — justamente como você é, eu repito — você é Buda. Nada precisa ser acrescentado a você, nada precisa ser tirado de você. Justamente como você é, exatamente como você é, em seu absoluto ser comum, você é Buda. No dia em que você reconhecer isto, ficará surpreso — você começará a rir. Como era ridícula toda a busca, como eram ridículos os seus problemas! Escute estas duas histórias: Certa vez, um monge perguntou a um Mestre Zen: “Um cão tem a natureza de Buda?” O Mestre respondeu: “Sim, ele tem”. Então o monge questionou: “Você tem a natureza de Buda?” Ele replicou: “Não, não tenho”. O monge disse: “Mas eu pensei que todo o mundo tivesse a natureza de Buda!” O Mestre retrucou: “Sim, mas eu não sou todo o mundo! Na verdade, eu sou ninguém — assim, como posso ter a natureza de Buda?” Ele tem a natureza de Buda! Este é o modo como se expressam as pessoas do Zen, por meio de quebra-cabeças. Mas ele deixou muito claro seu ponto de vista. Em seu ser-ninguém, em seu ser-comum... E o seu ser-comum deve ser tal que você nem mesmo reivindique ser um Buda. Se você reivindica, você não é. É por isso que ele diz: “Sim, mas eu não sou todo o mundo. Na verdade, eu sou ninguém — como posso ser um Buda?” Quando uma pessoa sabe, ela não reivindica. Uma outra história:
  • 24. Um Mestre Zen estava venerando uma estátua de Buda. Um noviço passou e perguntou: “Por que você venera Buda? Eu pensei que o Zen nos ensinasse a não fazer isto. Alguns Mestres Zen não cospem em Buda?” O Mestre respondeu: “Alguns cospem em Buda e alguns veneram Buda. Eu prefiro venerar”. Mas tudo dá no mesmo. A vida continua como ela é. Alguns veneram Buda, alguns cospem em Buda, e a vida continua como ela é. O homem do Zen não tem escolhas, apenas preferências. Estabeleça claramente para si mesmo a diferença entre uma escolha e uma preferência. Uma escolha diz: “Eu ponho muita seriedade nisto”, ou: “É assim que eu gostaria de viver, eu absolutamente não gostaria de viver de outra maneira. Esta é a maneira de viver; aquela outra não tem valor”. Uma preferência diz simplesmente: “Eu gosto disto, mas se isto não ocorrer, aquilo também será bom”. Não há seriedade envolvida nisto. Naturalmente, um Mestre Zen também tem suas preferências. Quando dorme, ele não se deita sobre espinhos, ele dorme em sua cama. Isto é uma preferência, não uma escolha — se ele tiver de dormir sobre os espinhos ele dormirá ali também. Se nenhuma cama estiver disponível e o sono estiver chegando, ele dormirá também sobre os espinhos. Mas, repito, isto não é uma escolha; naquela circunstância, era a única coisa que se podia fazer. Ele come alimento, e não pedras — isto é uma preferência, não uma escolha. Lembre-se, um Mestre Zen também caminha e passa através da porta, não através da parede. Isso é apenas uma preferência. É por isto que este Mestre está dizendo: “Sim, alguns cospem em Buda e alguns veneram Buda. Eu prefiro venerar”. Mas ele não põe seriedade nisso. Já um cristão não tem a mesma facilidade. Se alguém cuspir em Cristo, ele ficará louco, matará o homem! Ele não será capaz de tolerar isto, mesmo que o cristianismo insista em falar de tolerância, de amor, de perdoar o inimigo. A este inimigo ele não perdoará, ele o matará. Se você cuspir num Buda e um Mestre Zen o estiver venerando, ele apenas olhará para você e pensará: “Ele prefere cuspir, eu prefiro venerar”. Não existe nenhuma escolha envolvida, mas um grande desapego. Perceba o ponto principal, pois tem uma grande importância. A preferência é legal, a escolha não é. E quando se diz: “Torne-se sem escolha”, alguns idiotas acreditam que agora eles não podem preferir, porque acham que preferência é escolha. Eles começam a pensar que agora não podem preferir.
  • 25. Isto aconteceu na Índia. Existem na Índia mahatmas, santos — muito conhecidos, venerados por milhares de pessoas —, cujo prestígio reside exclusivamente no fato de não terem preferências. Se eles estiverem comendo e você sentar-se na frente deles e urinar, tudo bem. Eles podem também sentar- se na sujeira e achar que está bem, porque pensam que isto é ausência de escolha. Por causa desta idéia é que a Índia tornou-se tão suja. Se os mahatmas estão fazendo essas grandes coisas, então os adeptos os seguem um pouquinho, mesmo que não seja naquelas grandes coisas: eles também não devem escolher. Tão pobre tornou-se a Índia! Você não precisa cometer este equívoco. Se houver uma possibilidade de ser rico, prefira ser rico! Não prefira ser pobre. Mas lembre-se, isto é uma preferência, não é uma escolha. Se os bens desaparecerem algum dia — porque tudo é passageiro, como o orvalho na folha de lótus — tudo estará perfeitamente bem, então seja pobre. Não escolha a pobreza, não escolha a riqueza. Mas a preferência é perfeitamente boa e saudável. Se você puder ter boa saúde, prefira ter boa saúde. Se não puder, aceite sua doença. Porém, eu não estou dizendo que você deve escolher a doença. Essa calamidade ocorreu neste país. Durante quatro ou cinco mil anos, pelo menos, este país viveu de acordo com essa filosofia absurda: “Não escolha”. É por esta razão que este país permaneceu pobre. “Nem mesmo tenha preferências.” Assim, seja o que for, estará bem. As pessoas morrem de fome, são feias e doentes, e levam uma vida de cão — mas continuam. Elas perderam a energia de viver, de mudar, de se transformar. A religião tornou-se muito venenosa para a Índia. Isto não deveria ser repetido! Eu vivi na pobreza e vivi na riqueza. E para ser franco com vocês, a riqueza é melhor. Da mesma forma, a saúde, e todas as coisas boas da vida — mas isto é apenas uma preferência. Preferência significa simplesmente que você não põe seriedade em alguma coisa. Se é possível viver de um modo divertido, ótimo. Mas você não está mortalmente empenhado nisso, a ponto de cometer suicídio se isso não acontecer, de não querer absolutamente viver se não for o homem mais rico da terra — isto seria uma idiotice. As pessoas do Zen não escolhem — elas não escolhem o mundo, não escolhem a renúncia ao mundo. Mas elas vivem no mundo; elas têm preferências. E dizem: “Isto parece ser mais natural”. Elas vivem como as pessoas ordinárias, justamente como você vive. Mas elas vivem com uma inteligência extraordinária, elas vivem com uma grande percepção.
  • 26. Quando a escolha vai desaparecendo e a preferência passa a tomar o seu lugar, você vai se tornando mais inteligente, mais alerta, mais consciente. Uma lucidez, uma graça nasce em seu ser. O orvalho sobre a folha do lótus, Inalterado em sua cor... Ikkyu está dizendo: “Seja como o orvalho na folha do lótus. Visto de fora, o orvalho parece colorido pela folha do lótus: se a folha é verde, o orvalho parece verde, semelhante à esmeralda. Contudo, ele não é colorido, ele permanece incolor. O orvalho não é afetado pela folha do lótus; é só uma aparência”. O homem do Zen vive no mundo, mas sem cor. Ele pode ter esposa, filhos, mas permanece sem cor. O orvalho sobre a folha do lótus, Inalterado em sua cor... Ele se move através do mundo, mas sem ser contaminado, poluído por ele. O mundo nunca entra nele. É por isso que ele não se preocupa em sair do mundo. Ele não está interessado em ir para o Himalaia. Por quê? Para quê? Ele sabe que o mundo não está nele, assim, qual é o sentido de ir a alguma outra parte? A pessoa que está fugindo do mundo sente medo dele porque, quando ela está no mundo, o mundo entra nela e ela não consegue resistir. Ela é incapaz, impotente, e ainda não é bastante perceptiva para ser de uma tal maneira que o mundo não possa entrar nela. Para evitar isso, ela está fugindo para o Himalaia. Mas como ela vai se tornar mais consciente no Himalaia? Se o mundo não pode tornar você mais consciente, o Himalaia certamente não poderá — é impossível para ele. O mundo é um desafio! E a inteligência só existe onde há desafios. Ela é aguçada por eles — os grandes desafios aumentam a inteligência. O orvalho sobre a folha do lótus, Inalterado em sua cor, Justamente como ele é, É a forma real de Buda. Como um lojista na loja, um operário na fábrica, um lavrador no campo — se o orvalho na folha do lótus não é colorido pela folha, então não existe problema. Você pode ser um lavrador, um lojista, um balconista ou um mestre, você pode ser qualquer coisa — isto é apenas a forma. Bem no fundo, permaneça desapegado de tudo o que está acontecendo em volta de você. Ter preferências está bem, mas não escolhas. E você é um Buda.
  • 27. Este corpo mesmo é Buda, esta terra mesma é o paraíso do lótus.
  • 28. 2 E os Dois Estão Sempre Se Encontrando “Sentar-se em silêncio sem fazer nada” é o mesmo que “olhar para o seu próprio ser”? Por que você sempre fala contra a lógica? Nesta série, eu não senti tristeza nem depressão mas um sentido de liberdade e alegria. Estou perdendo alguma coisa? Eu quero me divorciar de meu marido, mas eu sou católica e receio que Deus não vai ficar feliz. O que devo fazer? Eu não estou interessado em verdade, meditação, Deus, nirvana, sannyas. Por quê? Onde vai você todo o dia entre 8 e 9:45 da manhã? A primeira pergunta: “Sentar-se em silêncio sem fazer nada” é o mesmo que “olhar para o seu próprio ser”? NÃO, NÃO É O MESMO. Olhar para o seu próprio ser é ainda fazer alguma coisa. Não fazer nada é precisamente isto: não fazer nada, não olhar para fora e não olhar para dentro. Olhar é uma espécie de fazer. Mesmo que você esteja tentando observar, você está tentando, há um esforço envolvido nisso. E com o
  • 29. esforço vem a tensão, a expectativa, a frustração — todas essas coisas. Um pequeno esforço basta para trazer todo o mundo para dentro. Se você for bem- sucedido, você se sentirá muito bem; se você for bem-sucedido, o sucesso será do ego. Não importa o tipo do esforço: o sucesso traz o ego. Sim, mesmo que você seja bem-sucedido na meditação, isto traz o ego. Se você falha, isto traz frustração. A frustração é apenas o ego se sentindo mal: ele não conseguiu, está machucado, ferido. Com o esforço, o mundo inteiro vem para dentro. Não fazer nada significa simplesmente isto: nenhum esforço, não ir a lugar algum, não desejar coisa alguma — nem mesmo o nirvana, Deus, o samadhi. Desejo é desejo: aquilo que você deseja, como pode fazer diferença no desejar? Você deseja o dinheiro, alguém deseja a meditação. Você deseja prazeres neste mundo, alguém deseja prazeres no outro mundo — qual é a diferença? Não existe diferença, é tudo uma coisa só. A mente desejosa está presente, e a mente desejosa é o mundo. Assim, mesmo que você deseje o outro mundo, ele permanece sendo este mundo. Não existe outro mundo. O desejar cria o mundo e toda a sua miséria. Nada fazer significa não desejar. Não há nenhum movimento em você, em qualquer direção. Não há futuro em sua consciência, não há nada além deste momento, há apenas ele. Nenhum voltar para trás, nenhum ir para a frente, nenhuma memória, nenhuma fantasia, nenhum exterior, nenhum interior. Tudo é silencioso. Não há movimento; nenhuma ondulação está surgindo. Isso é o não-fazer. É a melhor coisa que pode acontecer à consciência humana. Olhar para o próprio ser nada é em comparação com o nada fazer, se bem que existe algo em você, em comparação com os movimentos exteriores. É relativamente melhor mover-se para dentro — é um bom passo, mas não é o objetivo, é apenas uma etapa da jornada. Enquanto outras pessoas estão olhando para fora, você está olhando para dentro: é melhor do que olhar para fora, mas lembre-se, só relativamente. Isso também precisa ser abandonado. Mas você está se aproximando de sua casa — quando olha para fora, você fica mais longe. Olhando para dentro, você ainda está longe, mas não tão distante — você está se aproximando cada vez mais. Mas lembre-se, proximidade é ainda uma distância. Mesmo quando você está muito perto, a noventa e nove graus — só mais um grau e virá o acontecimento, a transcendência — você ainda está muito longe. Você pode não ser capaz de perfazer aquele último grau; você pode desviar-se de novo. A água está quase chegando ao ponto de ebulição, mas ela pode não ferver, pode começar a esfriar antes que se evapore. Ela pode permanecer água — pode ser água quente, mas água é sempre água, seja quente seja fria. No entanto, isto é relativamente melhor, porque ela já está quente, e a água fria terá de ser aquecida.
  • 30. Esta é a única diferença entre o homem mundano e o homem espiritual. O homem espiritual é como a água quente — ele está muito perto do pulo, do salto quântico. Um passo a mais, e todo o dentro-e-fora desaparecerá. Não restará nenhuma divisão — entre o corpo e a mente, entre este mundo e aquele outro. Todas as divisões, em todas as dimensões, simplesmente desaparecerão. Este é o estado de samadhi ou nirvana. Você não pode desejá-lo, você só pode entendê-lo. Entendê-lo é ir para dentro dele. Quando você o entende totalmente, subitamente ele surge. Ele não exige nenhum esforço de sua parte. Não é algo a ser cultivado, praticado, é algo a ser permitido. No entendimento profundo, você se abre. Neste exato momento, justamente neste, acontece o samadhi. Porém, se houver uma leve ondulação, um “eu deveria pegá-lo”, você o terá perdido. Se houver um “está tão perto, eu deveria agarrá-lo”, você o terá perdido. Se você começar a olhar em torno e perguntar “onde está ele?”, se você fechar os olhos e começar a tatear em sua procura, você o terá perdido. Buscar não é a maneira de encontrar o não-buscar. Esse momento do não- buscar é o momento em que você está sentado silenciosamente, sem nada fazer... e a primavera chega, e a grama cresce por si mesma. A segunda pergunta Por que você sempre fala contra a lógica? EU NÃO SOU CONTRA A LÓGICA, a vida é contra a lógica. Eu estou falando sobre a vida, não contra a lógica. Falar sobre a vida implica, como subproduto, falar contra a lógica. A lógica é um mundo feito pelo homem; ela não é fiel à facticidade da existência. A lógica é uma imposição do homem à realidade. A realidade é bastante ilógica e misteriosa, ela não obedece a nenhuma regra. Quanto mais fundo você entra nela, tanto mais você percebe que, olhando superficialmente, pode haver algumas regras, mas quando você se aprofunda, elas começam a desaparecer. E chega um ponto, no mais profundo da realidade, em que todas as regras são inválidas. Os físicos estão chegando a isto porque eles penetraram na matéria. E eles estão falando como se fossem místicos. Este é um dos fenômenos mais importantes deste século — é a contribuição deste século para a consciência humana. Os místicos sempre falaram desta maneira, e sempre foram considerados pessoas loucas. Agora, é difícil chamar Albert Einstein de doido ou de místico, num sentido pejorativo; é impossível. Mas ele está falando da mesma forma como um Buda fala, da mesma forma como falam o Mestre Eckhart e Ikkyu.
  • 31. A física moderna afirma: quanto mais profundamente penetrarmos na matéria, tanto mais descobriremos que todas as nossas pretensas leis são inadequadas. A realidade é maior do que as nossas leis. E a realidade é tão vasta, que contém contradições. Ela não é linear, não se move numa direção única, ela se move simultaneamente em várias direções. Não há maneira de abordá-la logicamente. Você precisa abandonar toda a lógica como fez a física moderna. Ela precisou abandoná-la — para ser fiel à realidade, é preciso abandonar a lógica. Caso contrário, não seremos fiéis à realidade, mas a uma realidade fictícia que inventamos. Tem sido assim para os místicos, através dos tempos — o que a física acaba de descobrir, os místicos sempre souberam. Eles foram os pioneiros do ilógico. Sua abordagem era diferente — ela acontecia através da consciência — mas eles também chegaram à mesma profundidade. Subitamente, eles perceberam que a lógica que você usa é útil — ela ajuda, é uma comodidade. Seria difícil administrar o mundo sem uma lógica. Mas quando você vai mais fundo, a lógica torna-se um estorvo. Quanto mais você se aprofunda, tanto mais você vê que os pólos opostos não são propriamente opostos, mas complementares. E ao perceber que os pólos opostos são complementares, você forçosamente entende que a vida não é lógica. A lógica diz que A é A e não pode ser B. É óbvio que um homem é um homem e não pode ser uma mulher. Porém, se você for mais fundo na realidade, A se transformará em B e B se transformará em A. De fato, eles estão constantemente transformando-se um no outro. A está sempre a caminho de se tornar B, B está sempre a caminho de se tornar A. Observe o interior do seu próprio ser: você não é homem ou mulher vinte e quatro horas por dia: você muda. Há momentos em que o homem é uma mulher, e a mulher tem momentos em que é um homem. Essas divisões são apenas para ajudar. Bem no fundo, todas as coisas são uma só; são expressões de uma única realidade. Observe uma mulher encolerizada: você pensa que ela é uma mulher? Na fúria, ela pode ser mais agressiva e cruel do que qualquer homem. E por uma certa razão: sua masculinidade é totalmente virgem, sem desgaste, intacta, sem uso. Esse poder permanece nela sem utilização. Quando ela o usa, torna-se realmente feroz. E quando um homem está amando, ele fica tão suave, feminino — quando está amando, ele é mais feminino do que qualquer mulher. Não é por acaso que Buda parece tão feminino. Ele tem um amor imenso pela existência; ele chegou a esse orgasmo definitivo que acontece entre o individual e o universal. Isto aconteceu: ele é orgástico por vinte e quatro horas. Cada
  • 32. momento é de intenso gozo dentro dele, de intenso amor. Ele chama esse amor de “compaixão”. É justamente para demarcá-lo, para diferenciá-lo do pretenso amor de vocês, que ele precisa chama-lo de compaixão. É uma paixão transfigurada — este é o sentido da palavra “compaixão”: uma paixão que se transfigurou, que se tornou luminosa; uma paixão que não é mais dirigida a qualquer indivíduo em particular, uma paixão que é simplesmente transbordante. Ele é feminino. Justamente para indicar essa feminilidade em Buda, em Krishna, em Mahavira, que os pintores e escultores indianos não colocam neles bigodes nem barbas — para indicar essa feminilidade. Isto não significa que Buda fosse imberbe, embora isto seja possível: há homens que não têm barba nem bigode, mas isto não acontece sempre. Dos vinte e quatro teerthankaras jainistas, nenhum tem bigode ou barba; o mesmo ocorre com Buda, Krishna, Rama, e com todos os avatares indianos. Isto não é possível. Por que eles foram retratados e pintados sem bigode e sem barba? Justamente para lhe mostrar, para lhe dar uma pista, para que você perceba a absoluta feminilidade deles, sua suavidade, seu caráter semelhante à água, sua fragrância de lótus, sua redondeza, sua inteireza. Mas a lógica afirma: “A é A e não pode jamais ser B”. E ela afirma: “Isto é isto, e o oposto é o oposto, os dois nunca se encontram”. A famosa declaração de Rudyard Kipling é lógica: “O Ocidente é o Ocidente, o Oriente é o Oriente, e os dois nunca se encontrarão”. É uma afirmação lógica, mas totalmente falsa. O Ocidente não é o Ocidente, o Oriente não é o Oriente, e os dois estiveram sempre se encontrando. Todas as polaridades estão associadas, estão conectadas. É por isso que você tem a impressão de que eu estou sempre falando contra a lógica. A lógica lhe dá a impressão de que as coisas são divididas, irreconciliavelmente divididas. Porém, elas não são. O nascimento se transforma em morte — como ambos podem estar divididos? A mente lógica comemora o nascimento de uma criança, e chora a morte de um velho. Isto é lógico. Mas o nascimento e a morte são dois aspectos da mesma realidade. Quando chega um aspecto, você celebra; quando chega o outro, você chora e soluça! Como é ridículo! Chore em ambas as ocasiões, ou celebre ambas as ocasiões. Ou então, se você não puder fazer isso, esqueça a celebração e o choro, fique quieto. Mas não crie uma divisão, porque no dia em que uma criança nasce, ela começa a morrer; enquanto você está comemorando, ela já começou a caminhar para a morte. O que você está fazendo? Se ela tem um dia de idade, ela morreu um dia; agora ela tem um dia de vida a menos.
  • 33. Com a primeira respiração da criança, algo começou a morrer. Ela morreu uma respiração, ela está uma respiração mais perto da morte — se você contar a vida em respirações, haverá uma respiração a menos. Uma pessoa não vai morrer subitamente, um dia, quando tiver setenta anos. Ela morre a cada dia, está sempre morrendo; então, certo dia, todo o processo se completa e o pêndulo se move para o lado oposto. O mesmo acontece com o amor e o ódio. A lógica divide: ela diz que amor é amor, e que os opostos nunca se encontram. Ora, os opostos estão sempre se encontrando. Escute apenas a experiência da sua própria vida — você odeia a mesma pessoa que você ama, e não pode ser de outro jeito. Cada um odeia a mesma pessoa que ama; seu ódio dirige-se a essa mesma pessoa. Esta é a razão do conflito e das brigas constantes dos namorados. Lembre-se, as brigas só cessam quando o amor desaparece. Sim, elas cessam algum dia, pois ambos se cansam. Mais cedo ou mais tarde, o marido começa a pensar: “Agora chega”, e a mulher começa a pensar: “É demais — para que ficar repetindo sempre a mesma coisa?” E eles param de brigar. Mas no dia em que param de brigar, o amor desaparece. O amor não pode existir sem o ódio. Esta é a ilogicidade da vida: o amor não pode existir sem o ódio, e o ódio não pode existir sem o amor. Mas se você consulta os livros, se você olha pela ótica da lógica, você divide. Você diz: “Amor sempre, ódio nunca”. Isto não é verdadeiro a respeito da vida, você está criando uma ficção do amor. E você está criando dificuldades para as pessoas. Através dos tempos, você foi ensinado: apenas ame, não odeie. Ora, isto é uma impossibilidade. Esta é uma forma segura de matar o amor: você será incapaz de lidar com ele, você se sentirá culpado por não poder lidar com ele. E realmente, nada existe de errado com você. A vida não pode administrar isto, a vida não tem qualquer obrigação de satisfazer as exigências da lógica. A vida não sabe nada acerca da lógica, ela está numa bem-aventurada inconsciência a esse respeito. Se você ama, quanto mais intenso for o seu amor, tanto mais intenso será o seu ódio. Se você se sente feliz, você forçosamente se sentirá infeliz — isto é simples. A mente lógica diz: “Eu serei somente feliz, não quero ser infeliz”. Ora, isto é ser insensato. A lógica é uma insensatez. A mente diz: “Quero estar sempre para cima, nunca para baixo”. Como você pode estar sempre para cima? Se você não vem para baixo, mais cedo ou mais tarde você vai se esquecer de que está para cima. Como é que você pode saber que está para cima? É preciso que você venha para baixo — que você caia no vale da tristeza, na infelicidade. E então um dia, de novo, você se eleva aos picos, à beleza dos picos, ao vôo no céu. Mas por quanto tempo? O vale está aí, você tem de voltar para ele — ele vai prepará-lo de novo para voar, para subir.
  • 34. Quanto você está para cima, você está a caminho de estar para baixo; quando você está para baixo, você está a caminho de estar para cima. Esta é a ilogicidade da vida. Meu respeito é pela vida, eu estou totalmente com ela. É por causa disso que você pensa e sente que eu sou contra a lógica. Na verdade, eu não sou contra a lógica, sou apenas pela vida. Assim naturalmente coloca-me contra a lógica, mas esse fato não passa de um subproduto. Veja em que absurdos cai a mente lógica. Ouvi contar: “Doutor, que chances tenho de me recuperar?”, perguntou o paciente. “Cem por cento”, respondeu o médico. “Os registros médicos provam que nove entre dez pessoas morrem dessa doença. O seu caso é o décimo que eu trato e todos os outros pacientes morreram. Assim, é certo que você vai se curar.” Isto é uma estupidez lógica. A vida não segue tais regras, a vida não tem obrigação de segui-las. Mas olhando superficialmente, a lógica parece ser sempre verdadeira. O diplomata estava em sua primeira visita oficial ao pequeno país de Bubonga. Na recepção diplomática oficial, o presidente da nação ofereceu-lhe um copo da bebida nacional. O diplomata tomou um gole e olhou em volta, apavorado, pois os móveis começaram a girar e as paredes tremeram. “Esta é seguramente uma bebida muito forte”, disse ele ao presidente. “De fato, não”, replicou o presidente. “Isto é um terremoto.” Aparentemente, a lógica sempre lhe fornece pistas. Humm? Deve ser a bebida — uma bebida realmente forte! Nós estamos todos enganchados na lógica. E os que estão enganchados na lógica estão desenganchados da vida. É por isso que você vê tantas pessoas sem vida, caminhando pelas ruas, fazendo compras, trabalhando nas fábricas: estão mortas, estão todas mortas. O que aconteceu com essas pessoas? O que lhes aconteceu foi a lógica: elas estão sofrendo de uma doença chamada filosofia. Elas se tornaram lógicas em suas vidas; tornando-se lógicas, elas perderam o caminho da vida. Agora, elas têm uma visão fixa, elas se movem de acordo com a sua lógica. Seus olhos podem ver apenas por um pequeno buraco, que é o buraco da lógica; elas não conseguem ver mais nada. Ora, quando a sua lógica fica fixada, a sua percepção também fica. Você perde a liberdade — a liberdade para ver. Você vê apenas as coisas que a sua lógica permite; você interpreta com seus hábitos lógicos, você reage com seus hábitos lógicos. E você sempre perde a realidade — porque a realidade é ilógica.
  • 35. A pessoa lógica, mais cedo ou mais tarde, começa a sentir que a vida é absurda, sem sentido. A vida não é absurda, a vida não é sem sentido. Na verdade, o próprio esforço de lhe impor uma certa lógica faz com que ela pareça absurda. Sua mente deseja impor à vida um certo sentido, e o sentido não pode ser imposto a ela. Então a vida parece sem sentido. Não há nada de errado com a vida. Os pássaros não sentem que a vida não tem sentido, as árvores não sentem que a vida não tem sentido, os rios não sentem que a vida não tem sentido. Por quê? Porque eles não têm lógica. Para eles, tudo é bom da maneira como é. Eles têm um relacionamento tranquilo com a vida, estão em sintonia com a vida. Eles não têm idéias que impedem a vida, que se tornam barreiras entre eles e a vida. Um rio vem das montanhas e começa a correr para o norte; então surge um desvio, uma volta, e ele passa a correr para o sul. O rio não pensa: “O que é isto? A vida parece muito absurda. Primeiro eu estava indo para o norte, e agora estou indo para o sul. O que significa tudo isto? Que espécie de lógica é esta? Como alcançarei o oceano, se continuar desta maneira?” Então aparece outro desvio, e ele passa a correr para o leste. Se o rio tivesse uma mente, uma mente lógica, ele ficaria louco, frenético. Ele jamais alcançaria o oceano — ele ficaria tão atrapalhado, tão perplexo, tão confuso, que ficaria paralisado. Isto é tão ilógico — se você está indo para o norte, vá para o norte! Mas os rios não pensam, eles não possuem uma mente. Possuir uma mente significa ter uma certa idéia de como as coisas deveriam ser. Eles não se importam — eles deixam que a vida seja da forma como ela deseja ser, eles estão sempre tranquilos com ela. Se ela vai para o sul, está bem; se ela vai para o norte, está bem. Os rios não criam problemas. E eles com certeza chegam; todos os rios chegam ao mar. Só o homem está perdido. O homem perdeu o caminho de Deus porque Deus está escondido na vida e o homem está excessivamente obcecado pela lógica. A lógica lhe permite algumas coisas, mas não permite tudo. Ela é muito seletiva e busca a coerência. Esta é a beleza do Zen — ele é paradoxal, isto é, contém contradições. E lembre- se sempre, muitas vezes as pessoas me perguntam: “Como saber se este homem é iluminado, se este homem é realmente um Mestre? Como saber?” Se você puder encontrar um homem que seja absolutamente incoerente, que contenha contradições, que seja paradoxal, que lhe pareça ilógico — que não satisfaça a sua mente, mas que, de uma forma sutil, satisfaça o seu coração — então é ele o iluminado, é ele o Mestre. Ele preenche alguma coisa no fundo de seu coração; você começa a sentir amor por ele. Mas sua mente diz: “O que você vai fazer? Este homem parece tão absurdo, ele não é absolutamente confiável. Num dia, ele afirma uma coisa; no dia seguinte,
  • 36. ele afirma justamente o contrário. O que você vai fazer?” Porém o seu coração diz: “Assim está bem. Eu ficarei com este homem, quer ele vá para o norte, quer vá para o sul ou para qualquer outra parte, ou mesmo que ele pare completamente. Eu me apaixonei”. É somente quando surge o amor que você consegue fugir da lógica; de outra forma, você não conseguirá sair dela. O amor lhe dará a coragem de escapar dos padrões da lógica. Aquele que vive na lógica é um covarde — a lógica protege contra as incoerências, as contradições, os paradoxos, os perigos. A lógica é uma garantia, é uma medida de segurança, é uma Muralha da China em torno de você. Ela o protege, e não apenas dos perigos; em última análise, ela protege você da própria vida, porque a vida é perigosa. Ela começa a protegê-lo de Deus, ela começa a protegê-lo do amor. E então você está morto, então você é um cadáver. Você pode continuar respirando — isto não é impossível, os cadáveres respiram... Eu tenho visto milhões de cadáveres respirando, caminhando, fazendo mil e uma coisas — e não obstante, completamente mortos. A lógica protege você. O medo deseja permanecer na lógica. Sempre que algo como o amor começa a se agitar em seu coração, existe a possibilidade de que você fuja da lógica. Então surge a coragem. Estar com um Mestre é estar amando — um tipo de amor realmente absurdo, destituído de razões. É por isso que nenhum discípulo consegue convencer um estranho da razão pela qual ele se apaixonou por este ou aquele homem, pela qual escolheu este homem como seu Mestre. Nenhum discípulo consegue jamais convencer alguém que já não esteja convencido. É impossível, porque o estranho será lógico e você será ilógico. Você sabe que está certo, mas não será capaz de dizer por que e como. E ele será perfeitamente capaz de dizer que você não está certo; ele é mais articulado. A lógica é articulada, o amor é silencioso. O amor pode rir, pode viver. A lógica discute. Eu não sou contra a lógica. Você pode ver, pelas minhas afirmações, que eu uso a lógica para ajudá-lo em direção ao amor — como posso ser contra ela? Quando ataco a lógica, eu a ataco com muita lógica, porque é a única maneira de você entender. Mas todo o meu empenho é para tirar você dela, para tirá-lo das suas garras. Eu sou favorável à vida, mas não sou contra a lógica. A terceira pergunta Eu não tenho experimentado a tristeza e depressão que você disse que muitos estão sentindo, como reação a esta série de discursos. Pelo contrário, mais do que em qualquer outra série, tenho tido uma
  • 37. sensação de liberdade e alegria surgindo em mim, como se meu coração tivesse asas. Será que estou perdendo alguma coisa? NÃO, ANEESHA, você não está perdendo alguma coisa, você está ganhando alguma coisa. E você não está só, outras pessoas estão sentindo o mesmo. Vidya escreveu, Savita escreveu, alguns outros escreveram que estão sentindo uma enorme alegria com estes sutras. Mas existem pessoas que estão deprimidas. Isto não diz coisa alguma a respeito dos sutras, isto simplesmente diz alguma coisa a respeito de vocês. Há pessoas que são budistas natas — Aneesha, Vidya e Savita devem ser budistas natas. O enfoque de Buda simplesmente é adequado ao ser delas, elas imediatamente entram em sintonia com ele. É o clima delas, é o solo delas; sua semente imediatamente germina, elas começam a crescer em liberdade, em satisfação. Um importante insight advirá a essas pessoas que são budistas natas. E note, eu estou dizendo “budistas natos”, não budistas que nasceram de famílias budistas. Um budista nato é um fenômeno totalmente diferente, que nada tem a ver com o fato de nascer budista. Assim, existem pessoas que são sufis natas — para elas, esta série será deprimente. Por exemplo, Vivek, Arup, Pradeepa e outros — este não é o seu clima, não convém a elas. O clima sufi simplesmente penetra no coração delas. E eu estou usando todos os climas, estou trazendo a você todas as possibilidades. Isto jamais aconteceu antes. Buda criou apenas um clima, um campo de energia, o campo búdico. Mevlana Jalaluddin Rumi criou outro, o campo sufi. Com Jalaluddin somente se associaram aqueles que eram sufis natos; com Buda, somente aqueles que eram budistas natos. Comigo será totalmente diferente. Este será o primeiro lugar no mundo, em toda a história humana, onde poderão ser encontrados todos os climas, todos os tipos de solos, todas as possibilidades. Assim vai acontecer, muitas e muitas vezes, e você precisa se lembrar de que deve aprender a tolerância, a simpatia. Quando alguma coisa não estiver convindo a você, não comece logo a condená-la porque, se estou falando dela, ela deve estar convindo a alguma outra pessoa. E eu tenho de considerar as necessidades de todos. Esses tipos tradicionais de campos específicos — o campo búdico, o campo sufi — não podem sobreviver no mundo moderno porque a Terra tornou-se muito pequena. Os países não estão mais isolados; o mundo tornou-se apenas uma aldeia global. Nós estamos muito próximos uns dos outros, e todas as antigas barreiras e fronteiras estão se rompendo espontaneamente. O homem tornou- se mais adulto.
  • 38. Assim, em torno de mim, encontram-se todos os tipos de pessoas. Estão aqui judeus, muçulmanos, cristãos, hindus, parses, sikhs, jainistas, budistas, taoístas — todos os tipos de pessoas estão aqui. Pessoas que acreditam na Ioga, pessoas que acreditam no Tantra, pessoas que acreditam no Zen, pessoas que acreditam no hassidismo estão aqui. E eu tenho de nutrir a todas elas. Assim, quando eu estiver falando do sufismo, os budistas, os budistas natos, não se sentirão muito bem. Eles precisam aprender a respeitar as necessidades dos demais. E se eles tiverem simpatia e compreensão, também eles serão ajudados — porque isto lhes trará clareza. Quando você compreende alguma coisa que é o pólo oposto a você, isto lhe traz clareza faz com que a sua identidade fique bem definida. Você não é mais uma espécie de impressão vaga e nebulosa — você começa a tomar forma. Esta é a função do pólo oposto. Se um budista jamais ouvir falar dos sufis, ele permanecerá na incerteza. Ele jamais conhecerá quais são suas fronteiras, qual é a sua forma atual. Ele permanecerá sem forma. Assim, quando eu estiver falando dos sufis, e você for um budista nato e não se sentir muito bem com isso, escute com atenção — isto lhe dará uma forma, uma figura, uma identidade, uma visão clara. E quando eu estiver falando de budistas, se você for um sufi nato, não fique deprimido. Não deixe de vir, não diga: “Estes sutras não são para nós, eles provocam depressão”. Saiba perfeitamente bem que eles não são para você, mas eles são para alguém. Você pode usá-los pelo menos para isso: para perceber em que você é diferente, e quais são as suas qualidades naturais diferentes. E você poderá alcançar uma percepção melhor de sua identidade. Saber “quem sou eu?” será útil, se você conhecer exatamente suas fronteiras, suas limitações, suas tendências, sua natureza, seus instintos. Eu vou falar de todos os tipos de escolas. E se você é um muçulmano de nascimento, você precisa desaparecer como um muçulmano de nascimento. Se você é um hindu de nascimento, você precisa desaparecer como um hindu de nascimento. Você precisa encontrar suas qualidades naturais — porque só a natureza cresce. O nascimento é acidental, ele não determina coisa alguma. Foi por coincidência que você nasceu num lar onde as pessoas eram hindus — teria sido também coincidência se elas pertencessem a um partido político particular. Se os seus pais eram comunistas, não significa que você deva ser um comunista. Se os seus pais eram católicos, não significa que você deva ser também um católico. Você tem de procurar o seu próprio caminho; cada um tem de procurar o seu próprio caminho. Eu farei com que todos os caminhos estejam ao seu alcance, para que você possa ver e sentir. E quando aparecer o caminho certo, você imediatamente sentirá uma grande alegria nascendo em você. Isto será o sinal
  • 39. de que o seu clima chegou, que este era o tempo pelo qual você esteve aguardando, que esta é a sua primavera. Assim, Aneesha, não se preocupe em estar perdendo alguma coisa. Você não está perdendo coisa alguma — pela primeira vez, você está chegando mais perto do seu clima natural. Não se esqueça disto, isto lhe será imensamente útil. Desde que você saiba quem você é naturalmente, as coisas mudam. Você não fica mais tateando no escuro: você começa a seguir uma certa direção; sua vida ganha um sentido de direcionamento. Você não desperdiça mais as suas energias por toda a parte; você sabe o que é para você e o que não é para você. E não se esqueça, aquilo que não é para você não é errado: pode destinar-se a alguma outra pessoa. Só pelo fato de não ser para você, não significa que seja falso. A verdade tem muitas facetas, a verdade é multidimensional. Você encontrou a sua porta — não diga que as outras portas são erradas. Jesus diz: “A casa de meu Deus, de meu Pai, tem muitas portas, muitos aposentos, muitos quartos”. De fato, existem milhões de portas no templo de Deus. E cada um precisa encontrar a sua, porque ninguém pode entrar pela porta de outra pessoa. A identidade que você ganhou através de seu nascimento é uma falsa identidade — ela precisa ser abandonada, precisa ser perdida. Solte-se. Não seja um hindu, não seja um cristão, não seja um muçulmano. E então, de repente, você começará a sentir o que realmente lhe convém. Pode ser que você seja um hindu e fique interessado nos sufis. Pode ser que você seja um muçulmano e fique interessado em Buda. Pode ser que você seja um budista e fique interessado em Krishna. Não existe meio de saber de antemão; cada um precisa experimentar todos os tipos de climas. Quando surge o clima certo, você subitamente brota, as folhas começam a nascer. Imediatamente acontecem transformações. Isto deve estar acontecendo com vocês, Aneesha, Savita e Vidya. Você diz: Eu não tenho experimentado a tristeza e depressão que você disse que muitos estão sentindo, como reação a esta série de discursos. Essas pessoas são sufis natas — elas reagiram de acordo com a experiência delas. Eu estava esperando que vocês escrevessem — vocês também reagiram a partir da própria experiência. Isto eu chamo de compreensão: permitir espaço também para as outras pessoas. Outros crescerão através de outros sutras. Para uns, Patanjali é simplesmente um grande esplendor; para outros, ele pode parecer seco. Para alguns, Mahavira é o maior dos pináculos; para outros, ele parece não possuir nenhum senso estético, nenhum sabor; parece um deserto seco.
  • 40. Para alguns de vocês, Krishna pode ser aquele que atinge mais profundamente o seu coração, que toca o âmago de seu ser, que começa a soprar a flauta de cada um. Para outros, Krishna pode parecer superficial, permissivo, mundano. Lembre-se sempre: seja o que for que sirva a você, entre integralmente nisso, com todo o seu coração. E não condene o que não lhe serve, porque pode servir a uma outra pessoa. E as outras pessoas também precisam alcançar Deus. A quarta pergunta Eu quero me divorciar de meu marido. Temos vivido infelizes há sete anos, mas eu sou católica e receio que Deus não fique feliz com isto. O que eu devo fazer? ISSO É UM PROBLEMA DE DEUS. Por que você deveria se preocupar com isso? Se Ele não se sente bem, Ele pode viver infeliz — mas por que você deveria viver infeliz? Sete anos realmente é tempo demais para se viver assim. Nunca viva por muito tempo em qualquer estado de infelicidade, porque então ela se torna habitual. E assim você começa, bem no fundo, a gostar dela; então você começa, bem no fundo, a apegar-se a ela. Então você fica com receio — se isso for perdido, o que você fará? Você não terá nada para fazer. Sua infelicidade estava lhe dando uma ocupação importante, você estava constantemente ocupado com ela. Se subitamente a infelicidade desaparecer, o que você irá fazer? Você se sentirá muito vazia. Lembre-se sempre: no momento em que você se torna consciente de que alguma coisa simplesmente cria infelicidade, fuja dela — quanto antes, melhor. Se o seu relacionamento de amor, se o seu casamento lhe proporciona ambas estas coisas, contentamento e infelicidade, então está bem, você pode continuar casada. Eu não estou dizendo que algum casamento possa lhe dar apenas contentamento e mais nada. Nenhum casamento é capaz disso — caso contrário, os Budas não encontrariam seguidores. Nenhum casamento pode proporcionar apenas contentamento. Onde os Budas encontrariam os seus seguidores? Quem são os seus clientes? São as pessoas que viveram no mundo e conheceram a infelicidade dele. Um casamento não é apenas o casamento de um homem com uma mulher, é também o casamento do contentamento e da infelicidade. É um fenômeno misto — é um casamento. Haverá momentos de contentamento e haverá momentos de infelicidade. Se a divisão for meio a meio, está perfeitamente bem, você pode continuar casada. Mas se houver cem por cento de infelicidade, permanecer casada é neurótico. E é isso o que acontece. As pessoas esperam e desejam que um casamento seja cem por cento satisfação — e isso ele não pode ser, naturalmente não é possível. Nenhum casamento jamais foi e jamais será. Não
  • 41. é possível obter do casamento cem por cento de satisfação; isto não pertence a natureza das coisas. As pessoas esperam cem por cento de satisfação. Isto é tolice, não é realista, é viver de ilusões. E se você espera tanta satisfação, você cria mais infelicidade do que seria natural — porque haverá maior frustração. Quanto mais alto for o seu desejo, tanto mais profunda será a sua frustração. Quanto maior o seu objetivo, tanto mais distante dele você se sentirá. Quanto mais perfeito um ideal, tanto mais você sentirá que não consegue realizá-lo, que você não atinge o alvo, Então acontece outro tipo de tolice: as pessoas passam a viver com cem por cento de infelicidade. Não se pode exigir cem por cento de satisfação, não é possível — mas também não há necessidade de viver com cem por cento de infelicidade. E é esta a sua vida! Por que ser patológico? Você deve ter algo de masoquista. Agora você está tentando esconder o seu masoquismo por trás do belo nome “católica”. Por que Deus ficaria infeliz? Você acha que Deus é um sádico, que Ele deseja que você sofra, que permaneça infeliz? Talvez os seus mahatmas sejam sádicos, os seus sacerdotes e papas. Mas, a respeito de Deus, eu estou absolutamente certo de que Ele não é um sádico. Ele ficará completamente feliz quando você sair de sua infelicidade. Ouvi contar: Um marido dominado e infeliz procurou seu pregador, solicitando um divórcio. “O quê? Como é que você, um homem religioso, pode pensar em tal coisa? Você não percebe que o nosso bom livro nos diz que, quando um homem se divorcia de sua mulher, não somente os anjos, mas também as próprias pedras choram?” “Escute”, replicou o homem, “se os anjos e as pedras quiserem chorar, deixe que chorem. Eu quero me alegrar!” Por que você deveria estar preocupada com Deus? Isso não é problema seu. O nome de Deus está sendo usado apenas para prolongar a infelicidade — os padres vêm usando esse nome para torturá-la, e você vem usando esse nome para torturar a si mesma e aos outros. Deus não é um torturador; este mundo não é um campo de concentração de Deus. Saia de sua infelicidade! E isto não é um casamento — se é somente infelicidade, como pode ser um casamento? De que casamento você está falando? Ele não aconteceu! Na verdade, só o divórcio será legal, porque, para começar, o casamento não aconteceu. Sete anos é tempo demais. Se um homem vive até os setenta, então sete anos é um tempo excessivo — um décimo de sua vida desperdiçado. Se você não pôde criar contentamento em sete anos, não creio que você seja capaz de criá-
  • 42. lo agora. Saia disso. Tente alguma outra coisa. E deixe que o outro também seja livre — porque você não pode ser a única pessoa infeliz, o outro também está no mesmo barco. Eu quero me divorciar do meu marido. Temos vivido infelizes há sete anos, mas eu sou católica e receio que Deus não fique feliz com isto. Eu posso lhe prometer — deixe isto comigo. Eu vou providenciar para que Deus fique feliz com isso. Deus fica sempre feliz quando você está feliz. Deus não é uma pessoa neurótica. Ele está infeliz — você O deixou infeliz por sete anos. Mas é isto que acontece em nome do casamento. As pessoas não se casam por razões saudáveis, elas se casam por razões doentias. É por isso que surge tanta infelicidade no casamento. Em primeiro lugar, você já considerou alguma vez os motivos pelos quais você se casou? Uma pessoa quer se casar porque está sozinha, e a solidão machuca; ela deseja alguém para conviver, para ter sua companhia. Ora, isto não é um casamento verdadeiro. É uma necessidade — ela apenas quer estar na companhia de alguém. Ela não está buscando alguém com amor, ela deseja apenas explorar a presença da outra pessoa para não ficar sozinha. Ela quer usar o outro como um meio. E sempre que alguém usa uma pessoa como um meio, é inevitável que exista infelicidade — porque ninguém deseja ser usado como um meio. Isto é ofensivo, é indigno, é contra a dignidade do ser humano. E é isso o que acontece. A mulher deseja ficar junto do homem, e o homem deseja ficar junto da mulher, porque sozinhos eles se sentem frustrados. Não é que eles se sintam felizes juntos — não existe esse sentimento. A única coisa que os está motivando a ficar juntos é que sozinhos eles se sentem frustrados. Agora perceba o ponto importante: se duas pessoas estão infelizes separadamente, como elas poderão criar felicidade juntas? Elas vão criar apenas uma infelicidade duplicada, ou mesmo multiplicada. Se duas pessoas estão mal, separadamente, como é que juntas elas poderão se tornar saudáveis e inteiras? Elas se contaminarão mutuamente e tornarão a vida ainda mais infeliz. Sozinha, cada pessoa só será responsável pela própria infelicidade. Agora, a infelicidade da outra cai sobre ela, e a infelicidade dela cai sobre a outra. E a infelicidade vai sendo multiplicada, como se dois espelhos estivessem se refletindo mutuamente e jogando lixo um no outro. As pessoas se casam por mil e um motivos — mas está faltando uma coisa básica, que deveria ser o único motivo: elas não estão se amando. Algumas vezes, o motivo é financeiro. É mais barato ter uma mulher do que ter uma empregada, é mais barato ter um marido do que brigar sozinha neste mundo competitivo; é mais barato ter um marido do que ter um empregado. Mas o amor