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OSHO
Dimensões
além do
conhecido
UNIVERSALISMO
Sumário
Capítulo 1 – Eu falo o que vivencio
Capítulo 2 – Porquê vim!
Capítulo 3 – As religiões do mundo e o meu papel
Capítulo 4 – Rumo a uma explosão espiritual no universo
Capítulo 5 – Da infância à iluminação
Capítulo 6 – Minha experiência pessoal com os três “gunas”
CAPÍTULO 1
Eu falo o que vivencio
Pergunta:
Bhagwan, tenho lido seus livros; tenho ouvido você falar. A sua linguagem é
muito clara e tem um charme hipnótico. Às vezes você fala de Mahavir, outras
vezes de Krishna ou Buda, e outras vezes ainda fala também de Jesus e Maomé.
Desvenda os segredos do Gita da maneira mais inspirada, faz discursos sobre
os Upanishads e sobre os Vedas, e não hesitaria em discursar nos templos e
igrejas.
Da mesma maneira, você afirma não ter sido influenciado por nenhum dos
personagens acima mencionados. Diz que não concorda e nem tem nada a ver
com eles. Constantemente, critica e destrói antigas crenças e escrituras
religiosas.
Qual é o seu propósito? Quer estabelecer a sua própria religião? Quer mostrar
que possui conhecimentos ilimitados? Ou quer confundir a todos? Você fala e
explica através de palavras, mas ao mesmo tempo diz: “Vocês não chegarão a
nada se se prenderem às palavras.” Diz: “Não acreditem e nem se prendam a
mim; senão, estarão cometendo o mesmo erro.” Você diz também que esta
própria negação é um convite. Explique, por favor, quem e o que você é, e o que
quer fazer e dizer. Qual é a sua intenção?
Bhagwan Shree Rajneesh:
Em primeiro lugar, não sou influenciado por Mahavir, Buda, Cristo ou Maomé. A
beleza da religião é que, num certo sentido, ela é sempre velha. É neste sentido
que se diz que as experiências religiosas são conhecidas por muitas pessoas.
Ninguém pode dizer que uma experiência religiosa seja apenas “sua”.
Existem duas razões para isso. Em primeiro lugar, ao se ter uma experiência
religiosa, o sentido de “propriedade” morre. É por isso que, neste mundo, pode-
se reivindicar a “propriedade” de todas as coisas, mas não a de experiências
religiosas. Esta é a única experiência que vai além da órbita do “isto é meu”, pois
só pode acontecer quando o “isto é meu” morre. É por isso que a reivindicação
de “propriedade” pode existir em relação a tudo, com exceção das experiências
religiosas, E ninguém pode dizer que tal experiência seja nova, porque a
Verdade não é nova nem velha.
É nesse sentido que eu falo de Mahavir, Jesus, Krishna e outros: eles tiveram
experiências religiosas. Quando digo que não sou influenciado por eles, isto
significa apenas que o que digo vem da minha própria experiência e
conhecimento. Falo deles, uso seus nomes, porque o que conheci corresponde
ao que eles conheceram. Mas, para mim, o teste é a minha própria experiência.
Nesse teste descubro que eles estão certos e por isso uso seus nomes. Estou
falando a partir da minha própria experiência. Eles também experimentaram a
mesma coisa, por isso falo sobre eles. Eles são minhas testemunhas, assim
como são testemunhas da minha experiência. Mas não se pode dizer que ela
seja nova. Ainda que, em outro sentido, possa ser chamada de nova. Este é o
enigma e o mistério fundamental da religião.
Uma experiência religiosa pode ser chamada de nova porque, seja a quem for
que ela aconteça, é absolutamente nova e está acontecendo pela primeira vez.
Nunca ocorreu antes. Pode ser que tenha ocorrido a outro qualquer, mas para
quem está experimentando pela primeira vez, é nova. É tão nova que a pessoa
não pode conceber que uma experiência similar possa ter ocorrido a mais
alguém.
Em relação à consciência da pessoa, a experiência acontece pela primeira vez.
É tão nova, que seja quem for que a vivencie, jamais a sentirá velha. É como o
frescor de uma flor se abrindo na manhã, com suas pétalas molhadas pelo
orvalho recebendo os primeiros raios de sol. Ninguém que esteja diante dessa
flor pela primeira vez poderá dizer que ela é velha, ainda que todas as manhãs
uma nova flor se abra.
Todas as manhãs o orvalho e os raios de sol caem sobre novas flores. Alguns
olhos podem ter visto essas flores diariamente, mas uma pessoa que esteja
vendo a flor pela primeira vez nesse cenário jamais poderá pensar que ela já
tenha sido vista antes. É tão nova que se a pessoa disser que a Verdade não
pode envelhecer, que é sempre original e nova, não estará errada.
Dizemos que a religião é antiga e eterna porque a Verdade é eterna. Mas a
religião também é nova, porque sempre que a Verdade é Realizada, a
experiência é nova, fresca e virgem. Se uma pessoa acreditar que a religião é
velha ou acreditar que é nova, não estará sendo incoerente em relação à
Verdade. Se ela disser que a Verdade é eterna e afirmar que não pode ser nova,
também não estará sendo incoerente. Outra pessoa, por outro lado, poderá
sustentar que a Verdade é sempre nova.
Gurdjieff diria que a religião é ancestral e eterna; Krishnamurti diria que é
absolutamente nova e que jamais poderá ser velha. Mas tanto um quanto o outro
são coerentes.
A sua pergunta não poderia ter sido feita a Gurdjieff ou a Krishnamurti. Suas
respostas teriam sido apenas meias-verdades. Meias-verdades são sempre
coerentes, mas a verdade integral é sempre incoerente, pois quando é total, o
oposto está sempre implícito.
Uma pessoa pode dizer que a luz, e somente ela, é Verdade. Estará ignorando
a escuridão e considerando-a falsa. Mas apenas por estar chamando a escuridão
de falsa, a sua experiência não está sendo negada. A pessoa pode ser coerente
porque nega a escuridão e não se importa com a sua existência Sua filosofia
pode ser clara, direta e congruente como a matemática. Na sua filosofia não
existem incógnitas. Entretanto, outro qualquer que diga que só existe escuridão
e apenas isso em todo lugar, que a luz é só ilusão, também pode ser coerente.
A dificuldade surge quando alguém diz que há luz e há também escuridão. A
pessoa que aceita a existência de ambas, aceita o fato de que a escuridão e a
luz são apenas dois extremos de uma mesma coisa. Se a escuridão e a luz
fossem duas coisas diferentes, então a escuridão não seria reduzida pelo
aumento da luz e não aumentaria pela diminuição da luz. Mas é um fato que pelo
aumento ou diminuição da luz a escuridão pode ser aumentada ou diminuída. O
significado é claro: que em algum lugar a luz faz parte da escuridão e vice-versa.
Ambas são dois extremos de uma mesma coisa.
Por isso, quando eu tento expressar TODA a Verdade, pareço incoerente e essa
é a dificuldade. Estou afirmando ao mesmo tempo duas coisas que parecem
contraditórias. Digo que a Verdade é eterna e que é um engano chamá-la de
nova; ao mesmo tempo digo que a Verdade é sempre nova e não faz sentido
chamá-la de velha. Quando afirmo as duas coisas simultaneamente, estou
tentando captar toda a Verdade de uma vez em sua totalidade.
Sempre que a Verdade é dita em sua totalidade, em seus múltiplos significados,
afirmações opostas e incoerentes têm de ser feitas. A teoria de Mahavir de
‘Syatavada’ (nome de um Tratado de filosofia jainista) é apenas uma tentativa de
equilibrar visões opostas. Contra tudo o que é dito numa primeira sentença, uma
afirmação oposta é feita na segunda sentença. Assim, o oposto, que de outra
maneira não teria sido dito, também é incluído e compreendido.
Se o oposto fosse deixado de lado, a Verdade permaneceria incompleta.
Portanto, todas as verdades que parecem claras e precisas são, na realidade,
meias-verdades. A verdade total tem seus próprios limites, e essa é a sua beleza
e complexidade. Mas seu poder está na inclusão de polaridades opostas.
É interessante notar que uma coisa falsa não pode incluir o seu oposto. Aquilo
que é falso só pode existir em oposição a uma verdade, enquanto que a Verdade
absorve em si mesma o seu próprio oposto. É por isso que a falsidade não é
muito ambígua, é clara.
A vida como um todo fundamenta-se em pólos opostos. Não há nada na vida
que ocorra sem a luta de opostos, mas com nossas mentes e raciocínio tentamos
eliminar as incoerências. Nosso raciocínio é uma tentativa de consolidação ao
passo que o total parecerá incoerente. Na Existência, todas as incoerências
estão reunidas. A morte e a vida estão sempre juntas.
A lógica parece nítida porque divide as coisas em opostos. Para a lógica, vida é
vida e morte é morte; as duas não podem estar juntas. Na lógica, dizemos que
A é A, e não é B. Dizemos que vida é vida; não é morte. Paralelamente, morte é
morte; não é vida. Desta maneira tornamos nossos conceitos claros e
matemáticos, mas o mistério da vida se perde. É por isso que não podemos
chegar à verdade pelo raciocínio. O raciocínio é a tentativa de ser coerente, e a
verdade, por sua própria natureza, é incoerente. Você pode, entretanto, chegar
à coerência pelo raciocínio. Pode raciocinar tão bem, de maneira tão lógica, que
se tornará impossível derrotá-lo por argumentos. Mas perderá a Verdade.
Não sou um filósofo ou um lógico, mas uso sempre a lógica. Uso com o único
propósito de conduzir o seu pensamento até o ponto no qual você possa ser
destacado dele. Enquanto o raciocínio não for exaustivo, não será possível
superá-lo. Estou subindo uma escada, mas ela não é o meu objetivo; terei de
abandoná-la. Só uso o raciocínio para conhecer o que está além dele. Não quero
estabelecer nada pela razão. Em vez disso, o que eu quero é provar a sua
inutilidade.
Minhas afirmações, entretanto, serão incoerentes e ilógicas. Por mais que
pareçam lógicas, por favor entenda que só estou usando um sistema que as faz
parecer assim. Estou preparando o terreno para o que virá a seguir. Estou
afinando os instrumentos; a música ainda não começou.
Minha música original e única começa onde a linha divisória entre razão e não-
razão desaparece. Assim que os instrumentos estiverem afinados, a música
começará. Mas não interprete mal a afinação para a música; ou acabará criando
dificuldades. Você me perguntará: “O que aconteceu? Antes você usava um
martelo para o tambor. Por que não está usando mais?” O martelo só estava
sendo usado para afinar o tambor, não para tocá-lo. Uma vez afinado, o martelo
não serve mais. Não se pode tocar tambor com um martelo.
Da mesma maneira, o raciocínio é só uma preparação para o que está além dele.
Uma das dificuldades que tenho é que aqueles que aprovam o meu raciocínio
descobrirão daqui a pouco que os estou atirando numa área de escuridão. Até
onde o raciocínio é visível há luz e as coisas parecem claras e brilhantes. Mas
então alguém dirá que eu prometi a luz e agora estou falando em conduzi-lo para
a escuridão. Essa pessoa ficará descontente comigo e dirá: “Gosto do que você
disse até agora, mas não posso prosseguir com você.” Ela confiou em mim por
eu ter racionalizado a Verdade, mas então digo que ela tem de ir além do
raciocínio para chegar à Verdade.
Os que acreditam na fé também não me aceitarão, não me seguirão, não
caminharão comigo, porque querem que eu fale somente sobre mistérios
incompreensíveis. Esses dois tipos de indivíduos terão problemas comigo. Os
que crêem na razão irão comigo até um certo ponto, enquanto que aqueles que
acreditam na fé, que crêem no irracional, não me seguirão de modo algum,
nunca compreenderão que só depois de me acompanharem até um certo ponto,
poderei levá-los ao não-pensamento.
Eu entendo isso. A vida é assim. A razão só pode ser um instrumento, não a
meta. Eu farei sempre afirmações ilógicas depois de ter falado sobre assuntos
absolutamente lógicos. Essas afirmações parecerão incoerentes, mas foram
muito bem pensadas e não são feitas sem razão. Da minha parte, existe uma
razão clara.
Algumas vezes eu direi que não sou influenciado por Mahavir, Buda, Krishna ou
Cristo, que não digo nada sob a influência deles, que tudo o que digo só traduz
o que eu mesmo conheci. Contudo, quando cheguei à minha própria Realização,
soube que era idêntica à que eles haviam chegado antes de mim. Deste modo,
quando falo sobre eles ou cito o que eles disseram, me esqueço que estava
falando deles. Deixo-me absorver por eles tão inteiramente que as suas
afirmações tornam-se minhas.
Na verdade, não vejo nenhuma diferença entre as minhas afirmações e as deles.
Quando começo a falar sobre eles há uma compreensão profunda de que só
estou falando sobre a minha experiência. Entretanto, quando repito suas
afirmações, não crio nenhuma condição. Dissolvo-me completamente neles e
nas suas palavras. Aqueles que me ouviram dizer que não sou influenciado por
essas pessoas perguntarão: “Como é que você se tornou unificado a elas?
Mesmo aqueles que estão sob total influência não são assim, mantêm uma
distância.”
Na minha opinião, aqueles que são influenciados por alguém ou por alguma
coisa, por necessidade precisam manter uma certa distância entre eles e a fonte
de influência. Aqueles que são influenciados são ignorantes. Só somos
influenciados por ignorância. com o autoconhecimento a própria palavra
‘influência’ perde o sentido.
No autoconhecimento não existe nenhuma questão de influência. Pelo contrário,
há uma similaridade de experiência, uma ressonância similar, o ouvir de vozes
similares. Se eu estiver cantando e a mesma canção começar a ser entoada por
outra pessoa ao mesmo tempo, o meu canto e o do outro serão tão iguais entre
si que não haverá espaço entre nós que possa ser influenciado. Para ser
influenciado, para ser um discípulo, a distância é necessária, o outro é
necessário.
Entretanto, no que me diz respeito, não há nenhuma distância. Quando começo
a explicar uma afirmação de Mahavir ou quando falo do Gita de Krishna, estou
apenas explicando, mais ou menos, a minha própria afirmação. Krishna, Cristo
ou Mahavir proporcionam uma oportunidade, uma desculpa, uma ocasião para
falar, mas logo me esqueço de que estava falando sobre eles. Começo com eles,
mas só concluo aquilo que sei. Nem mesmo percebo quando paro de falar sobre
eles e começo a explicar as minhas próprias afirmações, quando me fundo
totalmente neles.
Talvez você se interesse em saber que eu não li o Gita nem uma vez. Comecei
algumas vezes, mas depois de oito ou dez linhas, sentia que era suficiente e
fechava o livro. Quando falo sobre o Gita, na verdade, estou ouvindo-o pela
primeira vez, à medida em que vou falando a respeito. Como não tenho nenhuma
informação anterior sobre ele, não tenho como criticá-lo. Aqueles que estudaram
o Gita, que ponderaram a respeito e pensaram profundamente sobre suas
afirmações, só podem criticar ou definir o que leram. Sem ter lido o Gita, não
posso fazer isso.
Outra coisa que vale a pena mencionar é que quando pego o Gita para ler,
coloco-o de lado em poucos minutos, mas quando encontro algum livro comum,
leio-o do começo ao fim porque ele não faz parte da minha experiência. Isto pode
parecer estranho a você. Não posso me refrear de ler um livro comum, porque
ele não está no âmbito da minha experiência. Mas, quando começo a ler o Gita,
abandono-o logo após ter lido algumas linhas, porque não sinto que ele possa
abrir alguma coisa nova para mim.
Se me dão uma estória de espionagem, eu a leio inteira porque é algo novo para
mim. Mas o Gita de Krishna parece ter sido escrito por mim. Eu o conheço, pois
tudo o que está ali é conhecido por mim. É conhecido sem que eu o leia.
Por essa razão, quando falo sobre o Gita, não estou realmente falando sobre
ele; é só uma desculpa. Começo pelo Gita, mas só falo sobre o que eu quero
falar, só sobre o que eu posso falar. Se você sentir que estou discorrendo
longamente sobre o Gita, isto acontecerá não porque sou influenciado por
Krishna, mas porque Krishna disse exatamente a mesma coisa que estou
dizendo.
Assim, o que estou fazendo não é um comentário sobre o Gita. O que Tilak disse
sobre o Gita, o que Gandhi disse sobre o Gita, foram comentários ou explicações
deles sobre o Gita. Mas o que eu estou dizendo não vem absolutamente do Gita.
As melodias tocadas no Gita são, da mesma maneira, tocadas dentro de mim.
Elas e conduzem às minhas próprias canções; eu começo a explicar o meu
próprio ser, o Gita apenas me proporciona uma oportunidade. Quando estou
falando de Krishna, nesses momentos em que estou revelando Krishna mais
profundamente, você começará a sentir que estou falando de mim mesmo. É
nesses momentos que estou falando somente de mim.
Acontece a mesma coisa em relação a Mahavir, Cristo, Lao Tzu ou Maomé. Para
mim, o que diferencia um do outro é só uma questão de nome. São candeeiros
diferentes, mas a luz que brilha dentro deles é a mesma. Se a luz brilha no
candeeiro de Maomé, no candeeiro de Mahavir ou no de Buda, para mim não
faz nenhuma diferença.
Muitas vezes falo contra Maomé, contra Mahavir ou Buda. Isto cria um problema.
Falo vivamente sobre eles, e ao mesmo tempo falo, da mesma maneira, contra
eles. Sempre que pareço estar falando contra eles, é apenas uma aparência,
porque o ouvinte está dando importância ao candeeiro. Mas, para mim, quando
estou revelando algo muito profundo, a ênfase recai na luz. Portanto, sempre
que parecer que estou falando contra, é porque a ênfase está sendo dada ao
candeeiro e não à luz.
Quando vejo uma pessoa encantada com o candeeiro, com o material de que é
feito, sempre falo contra o candeeiro. A pessoa fica confusa. É natural que fique
confusa, porque para ela não há diferença entre Mahavir, o candeeiro, e Mahavir,
a luz eterna. Para ela, o candeeiro e a luz são a mesma coisa. É por isso que,
quando me parece que alguém está dando muita ênfase ao candeeiro, eu
começo a falar contra ele. Quando sinto que é a luz que está sendo discutida, eu
me uno a ela. Esta é a diferença.
Existe uma diferença entre o candeeiro de Mahavir e o candeeiro de Maomé. É
só por causa dessa diferença que existe alguma distinção entre um jainista e um
muçulmano. Os candeeiros são feitos de modos diferentes. O candeeiro de
Cristo e candeeiro de Buda também são diferentes; eles têm de ser. Mas são
diferenças físicas, de aparência e forma. Para aqueles que se afeiçoam a formas
e aparências, não creio que a luz seja visível, porque quem vê a luz se esquece
do candeeiro. É impossível lembrar-se ainda do candeeiro depois de ter visto a
luz. O candeeiro só é lembrado quando a luz não é mais visível.
A condição de um seguidor é tal que ele só pode permanecer na sombra escura
do candeeiro e ver daí. E dessa perspectiva ele não pode ver a luz; só pode ver
o suporte do candeeiro. Todos os candeeiros têm suportes diferentes e há uma
profunda escuridão sob eles. Esses seguidores ficam discutindo sob esse
suporte. Entretanto, sempre que vejo uma pessoa parada sob a sombra de
alguém, falo contra isso com certa aspereza.
É por isso que sempre digo que um seguidor não poderá nunca compreender.
Para ser um seguidor é preciso permanecer na sombra, na escuridão, embaixo
do candeeiro. Quanto mais se é um seguidor, mais se está na densidade da
sombra. Os seguidores que estão na periferia da sombra podem entender um
pouco os outros, mas aqueles que estão diretamente na densidade da sombra
jamais poderão entender. Entretanto, se alguém quiser realmente ver a luz, terá
de se afastar para fora da periferia da sombra. Vendo a luz, a controvérsia sobre
os candeeiros perde totalmente o significado.
Assim, para mim não faz nenhuma diferença se falo de Cristo, Krishna ou Buda.
Estou falando sobre a mesma luz — uma luz que iluminou muitos candeeiros,
mas não sou influenciado por esses candeeiros. Estou falando apenas sobre
aquilo que conheço. Sempre que sinto uma certa ressonância, sempre que sinto
que a mesma nota está vibrando, não sou capaz de negar isso, pois negar seria
cometer o mesmo erro. Seria voltar as costas para a luz. O seguidor comete o
erro de sentar-se sob o suporte do candeeiro. Voltar as costas ou sentar-se na
sombra são erros similares. Mas se você perguntar a Krishnamurti, ele não
aceitará essa ressonância. Não aceitará que tudo o que aconteceu a ele também
possa ter acontecido a Krishna. Não aceitará que o que aconteceu a ele possa
ter acontecido a outros também. Ele não discutirá a respeito.
Isso está errado porque a Verdade é totalmente impessoal. A grandeza da
Verdade não diminui quando se aceita que ela também tenha sido revelada a
outros. Pelo contrário, sua grandeza é ampliada e não diminuída. A verdade não
é tão fraca a ponto de envelhecer apenas por ter sido vivenciada por outra
pessoa. Portanto, a tentação de negar que a Verdade possa ser compartilhada
também está errada.
Minha dificuldade é esta: ONDE QUER QUE EU VEJA A Verdade, eu a aceitarei.
Não sou de modo algum influenciado. Mas sempre que eu vir que em nome da
Verdade as pessoas estão se transformando em alguma coisa que não seja
Verdade, eu negarei e me oporei a isso. Tudo o que eu faço, faço totalmente. É
por isso que se torna difícil me entender. Sou contra os compromissos porque
não creio que estando comprometido alguém possa chegar à Verdade.
É minha natureza dizer o que quer que seja com toda a força do meu ser vital.
Portanto, se alguém estiver falando sobre a luz, direi que Mahavir é Deus,
Krishna é uma encarnação de Deus e Jesus é o filho de Deus. Mas se alguém
que está falando apenas dos candeeiros disser o mesmo, então direi que o
orador é culpado de um ato criminoso. Em ambos os casos, tudo quanto afirmar,
quando quer que o faça, sustentarei absolutamente o que tiver dito.
Quando estou fazendo uma afirmação sobre alguma coisa, jamais me lembro do
que disse anteriormente sobre o assunto. Mas as afirmações são verdadeiras e
completas e não se negam entre si. Se falar sobre o seu corpo, minha afirmação
será orientada para a morte, mas se falar sobre você direi que você é imortal.
Não pense que essas duas afirmações se opõem; uma não nega a outra. Não
creio que exista qualquer necessidade de compromisso entre as duas. O seu
corpo está destinado a morrer; está se dirigindo para a morte.
Se você acredita que é o corpo, então afirmarei com toda a força que você
morrerá. Não permitirei a mínima chance de salvação. Se a discussão for sobre
a alma, então direi que você nunca nasceu. Direi que você não nasce nem morre;
a questão da morte não surge. Essas duas afirmações são completas em si
mesmas; uma não cancela a outra. Suas dimensões são diferentes, e isso
sempre cria dificuldade.
A dificuldade torna-se ainda maior porque todas as minhas afirmações são orais
e não escritas. Nas afirmações escritas existe uma espécie de indiferença. Elas
não são dirigidas a alguém. O ouvinte ou leitor não está sentado à frente
enquanto são escritas. O ouvinte ou leitor está fora de cena. Mas quando alguém
fala, o ouvinte está presente e também é levado em consideração. Assim,
sempre que falo sobre alguma coisa, não sou o único responsável pelas
afirmações. O ouvinte também é responsável.
Portanto, a responsabilidade é dividida, é compartilhada. Sou definitivamente
responsável pelas afirmações, mas o ouvinte também é responsável por ter
criado uma situação que determinou que as afirmações fossem feitas de uma
determinada maneira. Se outro ouvinte estivesse presente, minhas afirmações
teriam sido diferentes; na presença de um terceiro, seriam também diferentes;
se minhas afirmações não fossem dirigidas a ninguém, seriam outras.
Todas elas são dirigidas, e creio que todas as palavras faladas são mais vivas.
Elas recebem vida do orador tanto quanto do ouvinte. Quando não há ninguém
ouvindo, então o orador cria uma espécie de ponte em direção a algo que não
existe. Não existe a outra margem para ser alcançada pela ponte. Mas como
pode haver ponte sem duas margens? Não pode haver. Uma ponte apoiada
numa só margem está destinada a cair.
Por isso, neste mundo, todas as afirmações significativas sobre a Verdade são
faladas e não escritas. Ao escrever, sempre escrevo cartas, pois uma carta é tão
genuína quanto algo dito. É dirigida. Eu não escrevo nada, exceto cartas pois,
para mim, elas são uma forma de falar. O outro está sempre diante de mim
quando escrevo uma carta.
Assim, quando falo diante de milhares de pessoas de uma vez, as afirmações
são multiplicadas por mil. Quando são reproduzidas por alguém, essa pessoa
também se inclui nas afirmações que reproduz. Isso cria cada vez mais
dificuldades, mas é o que é e não estou interessado em fazer nada a respeito
disso. Estou interessado em que você também entenda a dificuldade. Se você
entender a complexidade de uma Verdade revelada, só então crescerá.
Por isso não estou interessado em diminuir essa complexidade, porque se tentar
fazer isso a totalidade da Verdade será destruída. Pode ser simplificada, mas
então alguns de seus galhos podem ser danificados. E nesse caso será tão
simples quanto morta. Assim não tenho o menor interesse em reduzir a sua
complexidade. Meu único interesse é que você encontre a simplicidade bem no
coração da complexidade. Então você crescerá.
Se eu quiser, posso fazer com que a complexidade pareça simples. Não é difícil.
Então minhas afirmações tornar-se-ão claras e matemáticas e as dificuldades
desaparecerão. Mas não estou preocupado com as minhas dificuldades; não são
absolutamente dificuldades. Se você puder ver simplicidade nessa
complexidade, se puder ver a Verdade com as suas contradições, se puder ver
coerência nas incoerências, então existirá crescimento e sua visão se elevará. E
só quando a sua visão se elevar você verá isso. Só então a complexidade tornar-
se-á simples para você.
Enquanto escalamos uma montanha, encontramos inúmeros caminhos para a
subida — difíceis, íngremes, uns cortando os outros. Mas chegando ao topo, os
mesmos caminhos parecem fáceis. Quando você pode ver tudo na sua
totalidade, em amplitude, vê que todos os caminhos levam à crista da montanha.
Eles não se interrompem, nem impedem uns aos outros. Quando alguém está
subindo, todos os outros caminhos, exceto o seu, parecem levar na direção
errada. Mas quando alguém que está olhando do alto da montanha diz que todos
os caminhos levam ao topo, ou quando diz a uma pessoa que um determinado
caminho está certo e diz a outra que está errado, então isso provoca confusão.
Todas as minhas afirmações são dirigidas a alguém; cada uma delas tem um
endereço próprio. Cada afirmação é feita em benefício de uma pessoa em
particular, numa determinada circunstância. Se vejo uma pessoa com a mente
dividida num certo caminho, e digo a ela que esse caminho está certo e os outros
estão errados, então essa afirmação é somente para o benefício dessa pessoa.
Depois de chegar ao topo ela também saberá e rirá ao constatar que os outros
caminhos também levavam até lá.
Entretanto, se no meio da subida, a pessoa descobre um outro caminho
passando ao seu lado, e segue por ele, e depois de algum tempo descobre um
terceiro caminho e tenta trilhá-lo, com uma mente tão incerta e dividida talvez ela
não chegue ao topo da montanha. A uma pessoa como essa eu direi: “Você está
no caminho certo; continue. Os outros caminhos estão errados.” Mas se uma
outra pessoa, trilhando um caminho vizinho, estiver numa situação similar,
também com a mente dividida, eu direi a mesma coisa: que o seu caminho é o
certo. Se acontecer dessas duas pessoas se encontrarem e compararem essas
duas afirmações, surgirão dificuldades.
Buda e Mahavir não enfrentaram uma situação como essa. Suas afirmações não
foram registradas em suas presenças. Depois de quinhentos anos seus
seguidores viram-se em apuros por causa disso. A pergunta que você está
fazendo a meu respeito não poderia ser feita a Buda.
Por isso, passados quinhentos anos, surgiram diferentes seitas. Afirmações
foram feitas mas não foram gravadas, assim não havia meio de compará-las.
Uma coisa foi dita a uma pessoa, outra a outra pessoa, uma terceira coisa a
outra pessoa, mas nenhuma das três registrou nada. Por esse motivo não houve
oportunidade de descobrir, por comparação, que a uma pessoa havia sido dito
isto, a outra pessoa aquilo e a uma terceira algo completamente diferente. Essas
afirmações foram feitas a três pessoas privadamente, para seus benefícios
pessoais. Mas quando foram escritas, os problemas começaram a aparecer.
É por isso que, durante um longo tempo, as velhas religiões insistiam em que
não se preparassem escrituras. Quando as coisas são registradas, as
contradições ficam claras. Assim que são escritas, a discussão começa.
Inicialmente as afirmações são pessoais. Imediatamente após serem escritas,
deixam de ser pessoais.
Assim, a dificuldade que estou defrontando hoje não existiu para Buda e Mahavir.
Mas agora não há outra saída. Tudo o que se diz é gravado, mesmo que seja
dirigido a uma pessoa em particular. Depois de registrado, passa a ser domínio
da sociedade. E todas as afirmações feitas em diferentes tempos a diferentes
pessoas serão reunidas, e será difícil encontrar uma única linha de coerência.
Agora, é assim que tem de acontecer: não há outro jeito. E eu acho bom. Se as
afirmações tivessem sido gravadas na presença de Buda, ele poderia tê-las
replicado. Mas foram escritas somente quinhentos anos depois. Quando
surgiram as perguntas, não havia nenhum Buda para respondê-las. O resultado
foi que alguém tomando uma afirmação como verdadeira fundou sua própria
seita: enquanto que outra pessoa, acreditando que uma afirmação contraditória
fosse verdadeira, estabeleceu outra seita. Todos os que se convenciam por uma
afirmação, estabeleciam uma seita. Todas as seitas nasceram dessa maneira.
Comigo não existe possibilidade do nascimento de qualquer seita. Posso ser
consultado diretamente para um esclarecimento. Não há necessidade nenhuma
de esperar até amanhã; posso esclarecer hoje mesmo.
Você também me pede para esclarecer porque, embora eu fale através de
palavras, continuo sustentando que nada pode ser transmitido através delas.
Para aqueles que querem falar, não há nenhum outro jeito que não seja usar as
palavras. Geralmente, posso expressar-me apenas por palavras, mas também é
verdade que o que precisa ser dito não pode ser transmitido por palavras. As
duas coisas estão certas. Nossa situação é tal que só falamos com palavras.
Não existe outra maneira de dialogar.
Deveríamos tentar mudar esta situação. Para aqueles que podem entrar em
profunda meditação, o diálogo é possível mesmo sem palavras. Mas para levá-
los à meditação profunda, primeiro terei de usar as palavras. Chegará a hora,
após um longo e contínuo esforço, em que a comunicação será possível sem
palavras. Mas até que essa hora chegue, terei de me expressar através delas.
Para levá-lo ao mundo silencioso terei de usar as palavras: a situação é esta.
Mas é perigosa. Eu terei de usar palavras, sabendo perfeitamente que se você
se prender a elas, se acreditar nelas COMO ELAS SÃO, então todo o esforço
será inútil. Estamos tentando chegar ao silêncio, mas temos de falar com
palavras. A impossibilidade é absoluta; não há outra alternativa. Se você se
prender a elas, todo o esforço se tornará inútil porque o propósito é levá-lo ao
silêncio. Enquanto estivermos falando apenas através de palavras, teremos de
falar contra elas, e para “falar contra” teremos de usar palavras também. Não há
outro jeito.
Uma pessoa pode tornar-se silenciosa; não é difícil. Existem aqueles que se
tornaram silenciosos devido a este difícil conjunto de circunstâncias. Eles
evitaram complicações, pois sabiam que o que tinham para dizer não poderia ser
comunicado.
Não tenho nenhuma dificuldade em tornar-me silencioso. Posso ficar em silêncio
e não seria surpreendente se você também ficasse, porque o que estou tentando
fazer parece ser um esforço quase impossível. Estou tentando tornar possível o
impossível. Mas por tornar-me silencioso nada se alcançará, nada será
comunicado a você. O perigo é o mesmo.
Se eu falo, você se prende às palavras. O perigo é que se você se prender a
elas, o que quero comunicar e conseguir não se realizará. Mas, se eu não falar,
a questão de comunicar seja o que for não existirá. Em primeiro lugar, se eu
falar, existe a possibilidade de que aquilo que estou dizendo alcance as pessoas.
Se falo a cem pessoas, haverá pelo menos uma que talvez possa receber o que
eu disse, sem se prender às palavras. Para as outras noventa e nove, o esforço
terá sido inútil. Que seja assim! Pelo menos alguma coisa poderá ser
comunicada a uma pessoa, mas se eu ficar em silêncio, nem mesmo essa única
possibilidade existirá. Por isso, meu esforço continua.
É interessante notar que quem acredita que as coisas possam ser comunicadas
por palavras não fala muito. Fala pouco, e assim tudo está dito. Mas quem
acredita que as coisas não podem ser expressas por palavras, fala muito,
porque, por mais que fale, sabe que o que tem a dizer ainda não foi comunicado.
Então continua falando mais e mais.
O fato de Buda ter falado por um longo período, diariamente, de manhã e à noite
durante quarenta anos, não aconteceu por ele achar que pudesse se expressar
ou comunicar através das palavras. Mas porque todos os dias, depois de falar,
ele sentia que o que havia para ser dito ainda NÃO tinha sido comunicado. Assim
Buda voltava a falar. Falava de uma maneira diferente, de um outro jeito, com
palavras diferentes. É por isso que passou quarenta anos falando.
Mas então existe o medo de que, se eu falar durante quarenta anos, as pessoas
se prendam apenas às minhas palavras. Porque se durante quarenta anos o
meu método for através das palavras, terei de continuar gritando: “Não se
prendam às minhas palavras!” É uma situação peculiar. Entretanto, não há outra
saída.
Para levar alguém além das palavras, as palavras terão de ser usadas; não há
outro jeito. A situação é mais ou menos assim: há uma sala. Para sair dessa
sala, será preciso caminhar de cinco a dez passos dentro da própria sala. De
onde estamos sentados, teremos de dar de cinco a dez passos até a saída.
Alguém pode perguntar: “Andando dentro da sala, como se poderá sair dela?”
Tudo dependerá de como você caminhar dentro dela.
Se uma pessoa ficar dando voltas dentro da sala, poderá andar milhas sem sair
dela. Mas poderá também caminhar diretamente para a porta — não em círculos,
mas em linha reta, de modo linear. Se, enquanto caminhar, ela descrever
círculos, ficará simplesmente dando voltas dentro da sala. Mas se andar em linha
reta em direção à porta, poderá atravessar a porta. Em ambos os casos, ela só
poderá andar na sala. Se eu disser a essa pessoa que deu muitas voltas na sala,
que se ela der dez passos sairá da sala, imediatamente ela perguntará se eu
enlouqueci. Dirá: “Você está falando em dar apenas dez passos, mas eu andei
milhas e ainda não saí da sala.” Ela não estará dizendo nada falso, ficou
simplesmente girando em círculos.
É interessante notar que neste mundo tudo gira em círculos. O nosso movimento
é circular. Todo movimento é circular. A menos que você faça um esforço, tudo
se move circularmente. Caminhar em linha reta requer um esforço considerável.
Neste mundo, todo movimento é circular. Seja um átomo ou uma sala, ou a vida
de um homem, ou um pensamento, tudo se move em círculos neste mundo.
Caminhar em linha reta requer esforço; caminhar em linha reta é, em si mesmo,
uma grande realização.
Você não percebe em que momento começa a andar em círculos. É por isso que
a geometria diz que a linha reta não pode ser desenhada. Todas as linhas retas
são apenas partes de um grande círculo. Temos a ilusão das linhas serem retas,
mas não existe linha reta neste mundo. Não se pode desenhar uma; é apenas
uma definição. Euclides disse que a linha reta é apenas uma definição. É
imaginária; não pode ser desenhada. Por mais reta que seja uma linha, ela só
pode ter sido desenhada sobre a terra. Como a Terra é redonda, a linha também
será redonda. Podemos desenhar uma linha reta nesta sala, mas ela será
apenas parte do círculo maior da Terra.
Questionador:
É uma curva?
Bhagwan:
É uma curva tão pequena que não se pode vê-la. Mas se estendermos uma após
a outra, descobriremos que é realmente um círculo que circunda o mundo.
Descobriremos que a linha reta se tornou redonda; por isso é impossível traçar
uma linha reta.
Quando pensamos profundamente nisso, o maior problema na meditação é que
todo pensamento é circular. Até mesmo a nossa consciência move-se num
círculo. O que é mais árduo, a maior tapascharya (austeridade), é cair fora desse
movimento circular. Mas parece que não há saída.
As palavras também se movem em círculos. Nós não temos a mínima idéia sobre
como as palavras podem ser circulares. Mas elas SÃO circulares. Quando se
define uma palavra, faz-se uso de outras palavras. Se você abre um dicionário e
vê a palavra ‘homem’, descobre que o significado é ‘ser humano’. Se procura
então pela palavra ‘humano’, o significado é ‘ter qualidades de homem’. O que é
tudo isso? É uma grande loucura. Não sabemos como definir ‘homem’ e ‘ser
humano’. O que significa isso?
Aqueles que se referem aos dicionários não têm nenhuma noção de como eles
são circulares. Uma palavra é usada para definir uma segunda, essa segunda é
usada para definir a primeira. Um homem é um ser humano e um ser humano é
um homem. Onde está a definição de ‘homem’? Dessa maneira, todas as
definições são circulares, todos os princípios são circulares. Para explicar um,
usa-se outro princípio, e para explicar o outro usa-se o primeiro. A nossa
consciência é circular. É por isso que quando ficamos velhos comportamo-nos
como crianças. O círculo se completa.
Não importa quantas palavras sejam ditas, elas movem-se sempre em círculo.
As palavras dão voltas; não podem andar em linha reta. Se você andar em linha
reta, sairá delas e entrará nas não-palavras. Mas por vivermos nas palavras, se
eu tenho de dizer alguma coisa contra elas, tenho de usá-las para isso. É um
tipo de loucura, mas eu não tenho culpa. Falo sabendo que sem palavras você
não poderá entender, e depois falo contra as palavras na esperança de que você
não se prenda a elas. Se isto acontecer, só então conseguirei convencê-lo do
que quero.
Se você entender apenas as minhas palavras, perderá o que eu digo. Terá de
entender as palavras mas, ao mesmo tempo, tudo o que é indicado através delas
sobre o mundo sem palavras também precisará ser entendido. Por isso falo
sempre contra as escrituras muito embora o que eu esteja dizendo possa se
tornar uma escritura. Todas as escrituras são feitas dessa maneira. Não existe
uma única escritura de valor na qual não se encontrem afirmações contra as
palavras. Isso significa que não existe escritura que não contenha afirmações
contra as próprias escrituras, seja o Gita, o Alcorão, a Bíblia, ou até mesmo
Mahavir e Buda.
Não existe razão para acreditar que alguma coisa diferente acontecerá comigo.
O mesmo efeito impossível continuará. Enquanto falo inúmeras vezes contra as
palavras, tenho de pronunciar muitas palavras. Uma pessoa ou outra poderá
apoderar-se delas e transformá-las em escritura. Mas não posso parar de falar
porque existe uma chance em cem de que elas se tornem escrituras. Só se eu
parar de falar existirá uma garantia contra esta única chance. Entretanto, esse
medo não tem nenhum fundamento, logo depois virá alguém que falará contra o
que eu disse e contra as escrituras que foram feitas a partir disso. Não é preciso
ter medo!
Mas aqui acontece uma coisa estranha: no futuro, meu trabalho neste mundo
será favorecido pelas próprias pessoas que falam contra mim. Hoje é assim: se
alguém quiser trabalhar para Buda, terá de falar contra Buda. As palavras de
Buda foram assimiladas por muita gente como pedras velhas, e essas pedras
não podem ser removidas até que Buda seja afastado. Com a divinização de
Buda, essas pedras alojaram-se no peito das pessoas que as assimilaram. Se
as pedras tiverem que ser removidas, Buda também terá de ser rebaixado, caso
contrário as pedras permanecerão.
Agora você pode entender a minha impossibilidade. Pode entender porque tenho
de falar contra Buda, muito embora saiba muito bem que estou fazendo o
trabalho dele. Mas como se pode mudar aqueles que se prendem ao nome ou
às palavras de Buda? A menos que Buda seja removido eles não poderão
mudar. E para mudá-los temos de assumir o fato de perturbar Buda
desnecessariamente.
Enquanto os Vedas não forem postos de lado, não existe nenhum jeito de mudar
essas pessoas. Elas estão presas a eles. Enquanto o homem não for convencido
de que os Vedas são inúteis, não os deixará. Se de uma vez por todas a mente
for esvaziada, algo além poderá ser feito.
Mas após esse processo de esvaziamento, direi as mesmas coisas que os Vedas
disseram. E as dificuldades aumentarão ainda mais. Começarão a existir os
falsos amigos e os ‘falsos inimigos’, desnecessariamente. Assim como estão as
coisas, noventa e nove vezes em cem, pode-se encontrar falsos amigos e falsos
inimigos. O falso amigo é aquele que criará escrituras a partir das coisas que eu
digo, e o falso inimigo é aquele que acredita que estou falando contra as
escrituras e que sou um inimigo delas. Mas as coisas são assim, inevitavelmente
acontecerão dessa maneira, e não é preciso preocupar-se com isso. A situação
é essa.
Questionador:
Então você não quer escrever?
Bhagwan:
Não, não quero escrever. Existem muitas razões pelas quais não quero escrever.
Uma delas, é que na minha opinião é absurdo e inútil escrever. É inútil, porque,
para quem eu escreveria? Para mim, escrever é como enviar uma carta sem
saber o endereço. Como posso colocar essa carta num envelope e despachá-la,
se não sei o endereço?
Uma afirmação sempre tem endereço certo. Aqueles que querem se dirigir às
massas escrevem. É assim que eles se dirigem à multidão anônima. Mas quanto
mais anônima é a multidão, menos coisas podem ser ditas. E quanto mais
próxima e mais conhecida for a pessoa endereçada, mais profundo pode ser o
diálogo.
Verdades mais profundas só podem ser ditas a pessoas particulares. A uma
multidão, apenas coisas temporárias e simples podem ser ditas. Quanto maior a
multidão, menor será a compreensão; e quanto mais desconhecida for a
multidão, maior a pressuposição de que nada será compreendido. Assim, quanto
mais uma literatura for dirigida às massas, mais simples e rasteira será. Voar
muito alto não é possível com esse tipo de literatura.
Se você encontrar delicadas nuanças de significado na poesia de Kalidas e não
as encontrar na poesia dos poetas modernos, não é porque exista alguma
diferença entre Kalidas e os poetas modernos. Mas porque a poesia de Kalidas
foi dirigida e recitada na presença de um imperador e de algumas pessoas
selecionadas, enquanto que a poesia moderna é impressa em jornais. Um jornal
pode ser lido enquanto se toma um chá numa cafeteria, enquanto se come
amendoins ou se fuma. O poema pode ser lido de relance. Então, para quem foi
escrito? O poeta moderno não se importa com isso. Deve escrever para Todos-
Os-Homens, para o mínimo denominador comum. Ele precisa ter em vista
Todos-Os-Homens enquanto escreve.
Minha dificuldade é que é difícil expor a Verdade mesmo para os melhores entre
nós. Para os que são menos que os melhores, para os homens comuns, nem
mesmo surge a questão de expor a Verdade. Só aqueles que estão entre os
poucos escolhidos podem entender assuntos mais profundos. Mas mesmo entre
esses poucos escolhidos, noventa e nove entre cem não entenderão o que eu
digo. Assim, não faz sentido dizer tais coisas a uma multidão, e escrever é dirigir-
se a uma multidão.
Existem também outras razões para não escrever. Acredito que quando se muda
o veículo usado, o conteúdo também muda. Mudando o veículo; o assunto-tema
não permanece o mesmo. O veículo impõe as suas próprias condições e altera
o que é dito.
Não é facilmente compreensível. Quando estou falando, é um tipo de veículo.
Toda a linha de comunicação é viva. O ouvinte está vivo e eu também estou vivo.
Quando estou falando, o ouvinte não apenas ouve: ele também vê. A alteração
das expressões de meu rosto, as mudanças repentinas refletidas em meus
olhos, meus dedos se erguendo e baixando, tudo é visto por ele. Não só ouve
as minhas palavras: também vê o movimento dos meus lábios. Não são apenas
as minhas palavras que falam. Meus lábios também falam. Meus olhos também
dizem alguma coisa. Tudo isso é assimilado pelo ouvinte. Na mente de um
ouvinte, o conteúdo do que eu disse será diferente do que na mente de um leitor,
porque tudo isso irá fazer parte dele.
Quando alguém lê um livro, no meu lugar existem apenas letras e tinta pretas;
nada mais. Eu e a tinta preta não somos equivalentes. Não existe dar e receber.
Na tinta preta jamais aparecem gestos ou mudanças de expressão, jamais se
criam cenas e quadros. Não existe vida; é uma mensagem morta. Quando
alguém lê um livro, uma parte bastante significativa da mensagem que
permanece viva enquanto estou falando, se perde. Nas mãos do leitor
encontram-se apenas afirmações mortas.
É interessante notar que um leitor pode ser menos atento do que um ouvinte.
Quando alguém está ouvindo, o seu grau de atenção é muito maior do que
quando lê. Enquanto se ouve, é preciso toda a atenção e concentração, porque
o que já foi dito não será repetido. Você não pode rever as partes não entendidas
ou parcialmente entendidas; elas se perderam. A cada momento que estou
falando, o que é dito perde-se num abismo infinito. Se você captou, captou. Se
não, aquilo vai embora e não volta mais.
Enquanto se lê um livro essa apreensão não existe, porque você pode reler as
mesmas páginas quantas vezes quiser. Portanto, não é necessário estar muito
atento enquanto se lê. É por isso que as palavras começaram a ser escritas no
dia em que a atenção diminuiu. Tinha de ser assim.
Lendo um livro, se você não entendeu alguma coisa, pode voltar as páginas e
reler. Mas quando falo, não é possível voltar atrás. O que se deixou passar,
perdeu-se. O conhecimento daquilo que é falado perde-se para sempre quando
se deixa passar e não pode ser repetido. Isto mantém a sua atenção ao máximo.
Ajuda-o a manter a sua consciência a um máximo de alerta. Quando você lê
devagar, se deixa passar alguma coisa não há prejuízo; pode ler outra vez. Com
um livro, a compreensão é menor e a necessidade de repetir aumenta. Conforme
a atenção diminui, a compreensão também diminui.
Por isso, não foi sem razão que Buda, Mahavir e Jesus, todos preferiram falar
para transmitir suas mensagens. Poderiam ter escrito, mas preferiram este
veículo. Fizeram-no por duas razões: uma, porque a palavra falada é um veículo
mais abrangente; pode-se dizer mais. Existem muitas coisas ligadas às palavras
que se perdem na linguagem escrita.
É por isso que, se pensar a respeito, você poderá notar que quando os filmes
começaram, os romances perderam sua importância. É porque os filmes trazem
as coisas mais vivas. Quem vai ler um romance? É uma coisa morta. O romance
não sobreviverá por muito tempo. Poderá perder-se como forma de arte porque
agora temos veículos mais vivos, aos quais McLuhan chama de “meios quentes”.
A televisão e o cinema são veículos vivos, são veículos quentes. Existe calor no
sangue deles. Mas a palavra escrita é um veículo frio, frio e morto. Não existe
vida nela; o sangue não flui dentro dela. Até mesmo o telefone ficará fora de
moda logo que aparecer o ‘videofone’, assim como o rádio tornou-se
ultrapassado com a chegada da televisão. Comparativamente, o rádio tornou-se
um meio mais frio, enquanto que a televisão é um veículo quente. Na minha
opinião, falar é um veículo quente. Nele há calor e sangue.
Até agora não fomos capazes de descobrir como dar ênfase às palavras escritas.
Se eu quero enfatizar alguma coisa quando falo, posso falar um pouco mais alto.
Posso alterar as nuanças da minha voz; então a ênfase é transmitida. Mas com
as palavras de um livro isso não acontece. As palavras estão mortas. Num livro,
a palavra ‘amor’ é amor, tenha ela sido escrita por alguém que esteja ou não
amando, por alguém que viva o amor ou nem mesmo saiba o que é amor. Não
existem nuanças, ritmo, ondas ou vibrações. As palavras estão mortas.
Quando Jesus usa a palavra ‘prece’, seu significado não é o mesmo de quando
alguém escreve a mesma palavra num livro. Toda a vida de Jesus é uma prece,
do começo ao fim. Cada partícula dele é uma prece; cada polegada de seu corpo
está plena de prece. Assim, o que Jesus transmite quando usa a palavra ‘prece’
é diferente do que é transmitido pela mesma palavra num dicionário.
Sempre que alguém fala, cria imediatamente uma espécie de afinação, um
contato com o ouvinte. A alma do orador aproxima-se logo da alma do ouvinte.
As portas se abrem; as defesas do ouvinte começam a se relaxar.
Quando você está ouvindo, se estiver bastante atento, o seu pensamento terá
de parar. Quanto maior for a sua atenção ao ouvir, menos você pensará. As suas
portas se abrem, você se torna mais receptivo ao outro. Agora, alguma coisa
poderá entrar diretamente, sem obstruções; você e o orador tornam-se
conhecidos um para o outro. Num sentido mais profundo, estabelece-se um
relacionamento harmônico. A voz vem de fora e, ao mesmo tempo, ecoa
profundamente dentro do ouvinte.
Tal relacionamento não pode ser estabelecido quando se está lendo, porque o
escritor está ausente. Ao ler, quando você não entende automaticamente alguma
coisa, tem de fazer um esforço para entender. Mas ouvindo, você compreende
sem esforço.
Quando você lê um livro baseado no que eu falei, o qual tenha sido transmitido
literalmente, acaba se esquecendo de que está lendo porque me conhece.
Depois de alguns momentos, sente que não está lendo — mas sim ouvindo. Mas
se as palavras forem mudadas e na redação o estilo for levemente alterado, o
ritmo e a harmonia se quebrarão. Quando aqueles que já me ouviram falar uma
vez lerem as minhas palavras faladas, a leitura será a mesma coisa que me
ouvir. Mas existe diferenças porque, ainda assim, a mudança de veículo altera a
intenção do que foi dito.
A dificuldade é que o que estou tentando dizer muda de acordo com a forma de
expressão. Se eu uso a poesia, ela impõe as suas próprias condições: uma certa
combinação de palavras, a rejeição ou seleção de um determinado assunto, a
supressão ou corte de certas coisas. Se houver necessidade de expressar a
mesma coisa em prosa, o conteúdo será inteiramente outro.
É por isso que, na sua maioria, todos os grandes livros do mundo foram escritos
em versos. O que tinham a dizer estava tão além da lógica que era difícil
expressar através da prosa. A prosa é bastante lógica; a poesia é ilógica. A falta
de lógica é permitida e perdoada na poesia, mas não na prosa. Na poesia, se
você vai um pouco além da compreensão lógica, tudo bem. Mas na prosa, não.
Por ser ilógica a poesia profunda, a prosa profunda tem de ser lógica. Se você
tentar escrever os Upanishads ou o Gita em prosa, descobrirá que aquilo que
lhes dá vida se perderá. O veículo foi mudado, e o que era belo como poesia
será inadequado e desinteressante como prosa. Eles não são lógicos, mas a
prosa tentará transformá-los porque ela é um arranjo da lógica.
Os Upanishads foram recitados em poesia; assim como o Gita. Mas Buda e
Mahavir não falaram de forma poética. Houve uma razão para essa mudança.
Quando os Upanishads e o Gita foram escritos, o mundo havia mudado. A época
em que foram escritos era, num certo sentido, poética. As pessoas eram simples
e diretas; a lógica não era necessária. Se lhes diziam: ‘Deus existe’, elas
simplesmente concordavam. Não costumavam dar voltas e perguntar: “O que é
Deus?” “Como Ele é?”
Se você olhar para as crianças, terá uma idéia do tipo de gente que existia
naquela época. Uma criança faz perguntas difíceis, e se satisfaz com respostas
simples. Ela pode perguntar de onde veio sua irmãzinha ou seu irmãozinho. Você
responde que ele ou ela foi trazido por uma cegonha e a criança fica satisfeita.
Depois vai brincar. Ela fez uma pergunta muito difícil, à qual nem os mais
inteligentes são capazes de responder corretamente. A criança fez uma pergunta
básica, fundamental: “De onde vêm as crianças?” Você responde que são
trazidas pela cegonha, e ainda nem acabou de dizer e a criança já se foi. Está
satisfeita com uma resposta muito simples. E quanto mais poética for a resposta,
mais ela ficará satisfeita. É por isso que usamos poesia nos livros infantis. A
poesia alcança rapidamente o coração da criança. Nela existe um ritmo e uma
melodia que alcançam a sua mente com muita rapidez. Uma criança vive no
mundo do ritmo e da melodia.
Buda e Mahavir usaram a prosa porque na época em que viveram as pessoas
estavam habituadas a encadear pensamentos lógicos. Eram feitas perguntas
precisas, mas nem mesmo com respostas longas e intricadas, as pessoas
ficavam satisfeitas. Faziam então mais vinte e cinco outras perguntas. É por isso
que Buda e Mahavir tiveram de falar em prosa.
Agora não é mais possível falar em poesia. A poesia é agora escrita para
entretenimento. Antes, todos os temas sérios e fundamentais eram transmitidos
em poesia. Mas, atualmente, os assuntos relevantes não podem ser tratados em
forma poética. Os poucos que ainda têm algum prazer e desejo de entretê-lo
escrevem poesia, mas todos os assuntos de valor são ditos apenas em prosa. O
homem não é mais uma criança; tornou-se um adulto. Pensa logicamente sobre
todos os assuntos. Só a prosa pode ser usada logicamente.
Cada veículo transforma o conteúdo. Para mim, à medida que os métodos de
comunicação forem se desenvolvendo, a transmissão oral do pensamento terá
de voltar. Por algum tempo a palavra impressa foi a mais importante, mas o
avanço tecnológico está nos trazendo de volta a possibilidade de comunicação
direta através de um meio vivo, através da televisão.
Em breve, ninguém mais vai querer ler livros. Poderei falar ao mundo inteiro
através de uma rede de televisão. Todos poderão ouvir diretamente. Por isso o
futuro do livro não é dos melhores. Nessas circunstâncias, de certo modo, o livro
não será lido; será visto. Terá de ser popularizado; o livro terá de ser
transformado. Os microfilmes foram desenvolvidos e assim é possível ler um livro
numa tela. Logo, as palavras serão transformadas em desenhos.
Acredito que a escrita tenha se desenvolvido por incompetência. Não havia outro
jeito. Ainda hoje aqueles que querem transmitir algo muito importante usam o
veículo da palavra oral. Não sei para quem eu escreveria. Quando não tem
ninguém à minha frente, não surge em mim nenhum desejo de falar. O prazer de
falar por falar não existe em mim.
Esta é a diferença entre um escritor (um literato) e um Iluminado. O literato tem
um certo interesse em simplesmente expressar alguma coisa. Fica satisfeito
quando pode fazer isso. Parece que um grande peso sai de seus ombros quando
ele escreve.
Não existe esse peso em mim. Quando estou falando com você, não estou
sentindo prazer só por estar lhe dizendo alguma coisa. Falando, não tenho a
sensação de estar sendo aliviado de um peso. Minha fala, num certo sentido, é
mais uma resposta do que uma expressão.
Não existe em mim o sentimento de TER de lhe dizer alguma coisa. Se você
quer saber algo, só então me ocorre dizer alguma coisa. A condição de minha
mente é tal que se você jogar um balde no meu poço, alguma coisa virá à tona.
Gradualmente está se tornando difícil para mim falar, a menos que uma pergunta
tenha sido feita. No futuro, ficará cada vez mais difícil falar simplesmente. Por
isso tenho de encontrar desculpas.
Preciso de uma desculpa para falar do Gita. Se você criar essa desculpa, então
falarei. Mas, para mim, está se tornando difícil falar, a menos que você
proporcione uma desculpa. Se não há um prego ou cabide no qual pendurar
alguma coisa, o quê e por que pendurar torna-se um problema. Fico em silêncio
— vazio. Você sai daqui e eu fico vazio.
Se alguém tem o desejo de falar, a necessidade de falar, então ele se apronta
para falar mesmo que você não esteja presente. Sua mente prepara o que dizer
mesmo que ninguém esteja presente. Quando essa pessoa acumula material
suficiente dentro dela, é impelida a falar.
Para mim, isso não acontece. Estou completamente vazio. Se você levanta uma
questão e me faz falar, só então eu falo. É por isso que é difícil escrever. Escrever
é mais fácil para aqueles que estão cheios.
Questionador:
Por que você não escreve a sua autobiografia?
Bhagwan:
Isso também pode ser perguntado — por que não escrevo minha autobiografia?
Pode parecer muito interessante mas, na verdade, depois do Autoconhecimento,
não existe autobiografia. Todas as autobiografias são ‘egobiografias’. O que
chamamos de autobiografia não é a estória da alma. Enquanto você não souber
o que é alma, tudo o que escrever será egobiografia.
É interessante notar que nem Jesus, nem Krishna, nem Mahavir, nem Buda
escreveram suas autobiografias. Escrever ou falar de si mesmo não é possível
para aqueles que conheceram suas almas, porque depois de conhecê-la a
pessoa se transforma em alguma coisa tão sem forma que o que chamamos de
fatos da vida, tais como quando nasceu, quando aconteceu um determinado
evento, se dissolvem. O que acontece é que todos esses fatos deixam de ter
qualquer importância. O despertar de uma alma é tão cataclísmico que depois
de acontecer, quando a pessoa abre os olhos, descobre que tudo se perdeu.
Nada restou; não resta ninguém para falar sobre o que aconteceu.
Depois que a pessoa conhece a sua alma, uma autobiografia parece uma versão
onírica de si mesmo. É como se alguém escrevesse um relatório de seus sonhos:
um dia sonhou este sonho, outro dia aquele, e no dia seguinte um terceiro. Uma
autobiografia dessas não tem mais valor do que uma fantasia, um conto de
fadas.
É por isso que é difícil para uma pessoa acordada escrever. Acordando e
conscientizando-se, ela descobre que não há nada que valha a pena escrever.
Foi tudo um sonho. Permanece a importância da experiência de tornar-se
consciente, mas o que se conhece através dessa experiência não pode ser
descrito. Reduzir uma experiência como essa a palavras faz com que pareça
insípida e absurda. Mesmo assim, tenta-se sempre falar sobre a experiência de
maneiras diferentes através de métodos diferentes.
Por toda a minha vida eu continuarei falando sobre o que aconteceu. Não há
mais nada a dizer, exceto isso. Mas isso também não pode ser escrito. Logo que
se escreve, sente-se que não vale a pena falar a respeito. O que há para
escrever? Pode-se escrever: “Tive uma experiência da alma. Sinto-me pleno de
paz e felicidade.” Parece absurdo — meras palavras.
Buda, Mahavir e Cristo falaram continuamente, por toda a vida, de maneiras
diferentes, sobre o que conheceram. Eles nunca se cansaram. Sentiam sempre
que ainda faltava alguma coisa e assim falavam outra vez, de uma outra maneira.
Não acabavam nunca. Buda e Mahavir talvez tenham acabado, mas o que eles
tinham a dizer permaneceu incompleto.
O problema é duplo: o que pode ser dito parece um sonho e só o que não pode
ser dito vale a pena dizer. Permanece sempre a sensação de que é inútil contar
a você o que aconteceu comigo. Meu propósito é conduzi-lo àquele caminho que
o levará à experiência em si. Só então, algum dia você poderá entender o que
me aconteceu. Antes disso você não poderá entender e, contar o que aconteceu
comigo diretamente, não servirá para nada. Eu não acho que você vá acreditar
no que eu disser. E de que servirá levantar suas suspeitas? Será prejudicial. A
melhor maneira é levá-lo àquele caminho, àquela margem, na qual você poderá
ser empurrado para o lugar onde, algum dia, você mesmo poderá ter a
experiência. Nesse dia você poderá confiar. Saberá como acontece. Caso
contrário não há como confiar.
No momento da morte de Buda as pessoas perguntaram: “Para onde você irá
após a morte?” O que ele respondeu? Disse: “Nunca estive em lugar nenhum,
assim, para onde poderia ir após a morte? Nunca fui a lugar algum e nunca estive
em nenhum lugar.” Mesmo depois disso, as pessoas ainda perguntaram para
onde ele iria, mas ele disse a verdade, pois o significado de ‘estado de Buda’ é
‘lugar nenhum’. Nesse estado a pessoa não está em lugar nenhum, portanto a
questão de estar em algum lugar nem mesmo ocorre.
Quando você consegue estar quieto e silencioso, o que resta além da
respiração? Só resta a respiração; nada mais. Como o ar dentro de uma bolha,
a respiração permanece. Se pelo menos uma vez você conseguir ficar quieto por
alguns momentos, compreenderá que quando não há pensamentos, não há mais
nada exceto a respiração. A inalação e exalação do ar, nada mais são que a
entrada e saída do ar numa bolha ou num balão. Por isso Buda diz: “Eu fui
somente uma bolha. Aonde eu estive? Uma bolha estourou e você está
perguntando para onde ela foi.” Se alguém como Buda sabe que é semelhante
a uma bolha, como poderia escrever sua autobiografia ou falar sobre sua
experiência? Tudo o que disser será mal interpretado.
No Japão existiu um santo chamado Linchi. Um dia Linchi ordenou que todas as
imagens de Buda fossem removidas. Nunca existira um homem como ele. Pouco
antes ele estivera adorando essas imagens de Buda e agora ordenava que
fossem removidas. Alguém parou e perguntou: “Você está com a cabeça no
lugar? Sabe o que está dizendo?”
Linchi respondeu: “Enquanto eu pensava que estava aqui, acreditava que Buda
também estivesse. Mas quando eu mesmo não estou, quando sou apenas uma
bolha de ar, então sei que alguém como Buda também não poderia ter estado
aqui.”
À noite Linchi estava outra vez adorando Buda. As pessoas perguntaram de novo
o que estava fazendo. Ele disse: “Fui auxiliado em meu próprio não-ser pelo não-
ser de Buda. É por isso que estou agradecendo. É a gratidão de uma bolha a
outra bolha; apenas isso.” Mas essas afirmações não puderam ser entendidas
corretamente. As pessoas acharam que havia algo de errado com aquele homem
e que ele se voltara contra Buda.
Uma autobiografia não sobrevive. Falando mais profundamente, a própria alma
não sobrevive. Até agora, nós entendemos apenas que o ego não sobrevive.
Durante milhares de anos escutamos dizer que o ego não sobrevive quando se
alcança o Conhecimento. Mas falando precisamente, a própria alma não
sobrevive.
Compreendendo isto, a pessoa fica com medo. É por isso que não pudemos
entender Buda. Ele disse: “A alma também não sobrevive; tornamo-nos não-
alma.” É muito difícil entender Buda neste mundo.
Mahavir só falou da morte do ego; até aí pôde ser entendido. Não que ele não
soubesse que a alma também não sobrevive, mas tinha em mente a nossa
compreensão limitada. Por isso, falou apenas da desistência do ego, sabendo
que a alma se dissolveria automaticamente.
Pela primeira vez, Buda afirmou o que havia sido um segredo. Os Upanishads
também sabiam, Mahavir também sabia que no final a alma não sobrevive, pois
a idéia de alma é uma projeção do ego. Mas Buda revelou o segredo que durante
tanto tempo tinha sido tão bem guardado. Isso criou dificuldades. Aqueles que
acreditavam que o ego não sobrevive começaram a discutir. Se a alma também
não sobrevive, disseram eles, então tudo é inútil. Onde estamos nós?
Buda estava certo. Como então poderia haver uma autobiografia? Tudo é como
uma sequência de sonhos, como as cores do arco-íris formadas numa bolha. As
cores morrem quando a bolha estoura. Esta é uma consequência óbvia.
Questionador:
Os processos e as experiências pelos quais uma pessoa passa serão úteis para
os outros se forem escritos?
Bhagwan:
Podem ser úteis para o buscador, mas é muito difícil para o Iluminado escrever,
porque as dificuldades do Siddha (do Iluminado) são diferentes das do sadhak
(buscador). A dificuldade é que para o Iluminado não existem espíritos nesta sala
mas, para você, existem. O Siddha sabe que o espírito não existe, mas uma vez
ele também possuiu um espírito ao qual exorcisou com o auxílio do mantra.
Agora ele sabe que tanto o espírito quanto o mantra eram falsos.
Sabendo disto, como pode dizer que afastou o espírito com o auxílio do mantra?
Você está me entendendo? Este é um problema para o Mestre. Ele sabe que o
espírito era falso e que o mantra foi só um auxílio na escuridão. O espírito era
falso assim como o mantra que o afastou. Como então ele pode dizer que afastou
o espírito com o mantra? Dizer isso agora não faz sentido. Mas se ele pudesse
dizer que afastou o espírito com o mantra, seria uma ajuda para você.
O Mestre não dirá que afastou o espírito pelo poder do mantra. Pelo contrário,
dirá que os espíritos desaparecem com o canto de mantras, que se o buscador
cantar um mantra o espírito desaparecerá. O Mestre não dirá que afastou o
espírito com um mantra porque seria uma afirmação falsa. Agora ele sabe que o
mantra era tão falso quanto o espírito.
Por isso, as afirmações de tais pessoas serão menos autocentradas. Raramente
elas falarão de si mesmas. Falam sobre você e o que é relevante à sua situação,
assim é problema delas ter de fazer afirmações falsas para ajudá-lo.
Questionador:
Você quer dizer que o processo todo de ‘sadhana’ (processo de prática espiritual)
é tão irreal quanto um fantasma?
Bhagwan:
Sim, é, porque o que você finalmente alcança sempre esteve com você e aquilo
do qual você se liberta jamais o prendeu. Mas isso apresenta uma dificuldade
para o Mestre: é por isso que digo que o Mestre tem suas próprias dificuldades.
Se ele disser que todo o processo de sadhana é falso, então você estará em
dificuldades, porque, para você, o processo torna-se falso enquanto que o
espírito permanece real. Mesmo um falso processo é significativo quando serve
ao propósito de tornar o espírito falso. Você me entende?
Um espírito não se torna falso apenas por ser chamado de falso. É interessante
notar que uma coisa errada não deixa de ser errada só por ser chamada assim,
mas quando alguma coisa está certa e é chamada de errada, nós imediatamente
aceitamos. Não importa quanto se diga que a raiva está errada; isso não a torna
errada. Por outro lado, se alguém diz que a meditação está errada,
imediatamente você sente que talvez esteja; não leva nem um segundo para se
tornar errada. Você não concorda imediatamente quando se proclama que uma
pessoa seja um santo, mas se lhe disserem que alguém é um ladrão,
imediatamente aceita isso como verdade.
Antes de aceitar que uma pessoa seja santa, você vai submetê-la a um teste, vai
tentar provar de várias maneiras se é assim. O motivo da sua cautela é que você
fica perturbado se outra pessoa qualquer é considerada santa. Seu ego é ferido.
Você tentará provar que ela não é mais santa do que você. Quando lhe dizem
que alguém é um ladrão, você não se importa em provar; acredita imediatamente
porque essa crença o faz feliz. Isso lhe assegura que você não é o único ladrão,
mas que outra pessoa qualquer é pelo menos tão má quanto você.
A difamação e a condenação do outro são facilmente aceitas, mas não o elogio.
Mesmo quando você aceita alguém como sendo louvável, mesmo que saiba
realmente que é, a aceitação ainda é condicional. Você aceita por algum tempo
porque não há outra escolha, mas continua a buscar uma oportunidade para
mudar de opinião. Só a condenação é absoluta. Mesmo que aconteça algo que
o faça mudar de opinião, você não dá muita importância.
Isto acontece o tempo todo na vida. Quando alguma coisa é considerada errada,
nós acreditamos imediatamente porque isso nos livra de fazer o que é certo. É
preciso muita determinação para continuar a fazer o que é certo. A raiva é
espontânea; continuamos a expressá-la mesmo que nos tenham dito que é
errada. Mas a meditação precisa ser praticada e isso é muito mais difícil. Assim,
se alguém diz que a meditação é uma coisa falsa, sentimo-nos aliviados por
estarmos livres de fazer uma coisa árdua.
Questionador:
Você descreveu a meditação, não como uma ação mas como um estado de ser.
Poderia explicar isso?
Bhagwan:
A dificuldade da pessoa Iluminada é que se ela lhe contar tudo o que
experimentou, você perderá o caminho para sempre, porque o que ela disser
será excluído da sua experiência. Por exemplo, eu descrevi a meditação como
um estado de ser. O que eu disse é verdade, e ainda assim, para você, a
meditação só pode ser uma atividade e não um estado. Se você acreditar que é
um estado de ser, sentirá que não existe nada que possa fazer para consegui-
lo. Se é uma atividade, então você precisa fazer alguma coisa; se é um mero
estado de consciência, então você está liberado da necessidade de agir.
Você pensa: “Talvez seja um estado de ser. Então não há nada que eu possa
fazer a respeito.” A sua raiva continuará e você não fará nenhuma meditação. O
seu sexo, a sua avareza, permanecerão.
Se eu disser a verdade, você não será beneficiado. A dificuldade é que se eu
disser alguma coisa com a atenção voltada para você, terei de usar o recurso de
dizer o que não é inteiramente verdade. E se eu disser alguma coisa com a
atenção voltada para mim, será inútil para você. Não só inútil como também
perigoso, porque você é o ouvinte. No fundo, dizer toda a verdade, exatamente
como a vejo, será um obstáculo para você.
É por isso que se eu disser exatamente o que sinto, não poderei ajudá-lo em
nada. Pelo contrário, o que eu poderia dizer se tornaria um obstáculo para você,
como as palavras de Krishnamurti, que acredito impedem o progresso das
pessoas mais do que auxiliam. Quanto mais fundo eu vejo, mais sinto que elas
são perigosas. O que ele diz é a verdade interior, mas para você não adianta.
Para você é só uma desculpa para parar de fazer qualquer coisa.
Questionador:
Se o silêncio é tão poderoso, por que alguém falaria através das palavras?
Bhagwan:
O silêncio é muito poderoso, mas antes é preciso que haja pessoas capazes de
ouvir o que é transmitido no silêncio.
Questionador:
Por que é necessário fazer as pessoas ouvirem?
Bhagwan:
É necessário, porque vejo que sem saber você está se dirigindo para um buraco
fundo e, para mim, está claro que você cairá no buraco e quebrará os braços ou
as pernas. Em silêncio, posso transmitir este fato a você. Mas seus ouvidos não
podem ouvir minha mensagem silenciosa, por isso tenho de gritar para avisá-lo:
“Cuidado! Você vai cair no buraco!”
Questionador:
Você perde energia fazendo isso?
Bhagwan:
Não, não! Nenhuma energia é perdida. Aquele que conheceu a fonte de energia
não perde energia. Só aquele que não conhece a fonte pode perder.
Se eu escrever qualquer coisa como uma autobiografia, pode ser tanto verdade
quanto inverdade. Se for verdade, poderá ser prejudicial a você. Se não for
verdade, prefiro não escrever. Se for totalmente verdadeira, causará danos a
você porque terei de dizer que tudo o que você faz agora é inútil. E
imediatamente você concordará que é isso mesmo.
Um dia uma pessoa procurou-me. Disse: “Parei de fazer meditação porque
Krishnamurti disse que é inútil.”
Eu disse: “Você fez bem. Mas o que ganhou com isso? Não ganhou nada. Em
primeiro lugar, por que começou a fazer meditação? Você queria conquistar a
sua raiva e ignorância. Você conseguiu isso desistindo da meditação? Não!
Então, por que parou? Porque Krishnamurti disse que é inútil.”
Você sente: “Se uma pessoa Realizada diz que é inútil, por que eu deveria
continuar fazendo?” Essa é a dificuldade. Eu também sei que é inútil; também
digo a alguns que é inútil. Mas direi apenas àqueles que tenham meditado
durante muito tempo e que sejam capazes de entender que é inútil. Uma pessoa
assim alcançou um estágio onde é preciso abandonar também a meditação.
Mas dizer em praça pública que a meditação é inútil é perigoso. Os ouvintes
talvez nunca tenham feito meditação. Essas pessoas ignorantes nunca
meditaram. Vão se sentir muito aliviadas. Há quarenta anos as pessoas estão
ouvindo Krishnamurti e continuam sentadas por aí sem fazer nada só porque
Krishnamurti disse que a meditação é inútil. Krishnamurti não está errado ao
dizer isso. Tem dito a mesma coisa durante toda a sua vida. Mas eu digo que
está errado porque não o está considerando nem a sua capacidade. Está falando
apenas sobre a experiência dele.
É por isso que sou sempre muito cuidadoso, que não me projeto e não digo nada
a meu respeito. Se falar de mim, e se falar apenas a verdade, será inútil para
você. É estranho que se eu falar de você, considerando-o, então você se voltará
e perguntará: “Por que disse essas coisas?” Surgem então as oposições. Posso
dizer coisas que não criem oposições mas isso não servirá para você. Podem
fornecer-lhe uma desculpa para parar onde está.
A dificuldade do Iluminado é que ele não consegue contar o que sabe. Por isso,
de certa forma, a velha tradição era muito mais correta e ia muito mais fundo.
Você aprendia de acordo com a sua posição naquele momento. Toda informação
era experimental, nenhuma definitiva. Conforme você progredia, o Mestre ia lhe
dando coisas novas. Você ia progredindo e ele dizia: “Agora desista disto e
daquilo. Já não serve mais.”
Quando você alcançava o estado apropriado, ele lhe dizia que Deus é inútil, que
a alma é inútil, que a meditação é inútil — mas só nesse dia, nunca antes. Mas
isso só pode ser dito no exato momento em que as coisas se tornam inúteis;
então nada é realmente inútil. E você simplesmente ri e sabe.
Se eu disser então que a meditação é inútil e você continuar meditando, então
eu saberei que você é a pessoa certa para aprender — que foi bom eu ter dito.
Se eu disser que o sannyas é inútil — que tomar sannyas é inútil — e você ainda
quiser ser iniciado, eu compreenderei que você é o tipo certo de pessoa para
aprender. Foi bom.
Assim, essas coisas das quais eu falo são as dificuldades que tenho de enfrentar.
Tudo isso será entendido devagar e gradualmente.
29 de Fevereiro de 1970. Bombaim, Índia.
CAPÍTULO 2
Porque vim!
Pergunta:
Você disse que, se alguém estivesse falando sobre o corpo, você diria que o
corpo está se dirigindo para a morte e, se estivesse falando sobre a alma, diria:
“Você jamais nasceu”. Buda disse (a respeito da alma): “Era apenas uma bolha
que já não existe mais. Eu não estou aqui, assim, para onde irei?” Então o que
é isso que não morre nem nasce?
Bhagwan:
Existe um mar sobre o qual as ondas vêm e vão, mas o mar permanece o
mesmo. As ondas não estão separadas do mar, mas não são o mar. As ondas
são formas nascidas do mar, são aparências que tomam forma e morrem. Uma
onda que permanece onda para sempre não pode ter esse nome. A palavra
‘onda’ significa que ela morre logo que nasce. Aquilo de onde a onda se ergue
está sempre presente, mas o que se ergue não está. É uma dança do transitório
no seio do eterno. O mar nunca nasce; a onda está nascendo. O mar nunca
morre; a onda está sempre morrendo. No momento em que a onda fica sabendo
que é o mar, ultrapassa a cadeia de vida e morte. Mas enquanto acredita ser
onda, está dentro da possibilidade de nascimento e morte.
Aquilo que é, não nasce nem morre. De onde vem o nascimento? Nada nasce
do Vazio. Onde a morte acontecerá? Nada se perde no Vazio. Aquilo que é, é
eterno. O tempo não interfere nisso; o tempo não afeta isso. Esta Existência não
está ao nosso alcance porque nossos sentidos só podem compreender a
aparência e a forma. Nossos sentidos não podem compreender aquilo que está
além do nome e da forma.
É interessante notar que, depois de ter estado na praia, muitas vezes na volta
você diz que viu o mar. Mas você só viu as ondas, não o mar. O mar não pode
ser visto. Aquilo que é visível são as ondas. Os sentidos só podem ver o que
aparece na superfície. Aquilo que está dentro permanece além da compreensão
deles. Os sentidos vêem a forma superficial; a não-forma interior escapa ao
alcance deles.
O mundo do nome e da forma só nasce por causa dos sentidos. Não é
Existência. Tudo o que tem nome e forma nasce e morre, e o que está além do
nome e da forma é eterno. Não nasce nem morre. Portanto, quando Buda diz
que nasceu como uma bolha, está se referindo aos dois aspectos de uma bolha.
O que contém uma bolha? Se entrarmos numa bolha, descobriremos que uma
quantidade muito pequena de ar, o mesmo ar infinitamente espalhado no
exterior, está contido numa fina película de água. Essa película aprisionou uma
pequena porção de ar, e essa pequena quantidade de ar tornou-se uma bolha.
Naturalmente, assim como tudo, a bolha também se expande. Expandindo-se,
ela se rompe e estoura. Então o ar que estava dentro da bolha une-se ao ar de
fora e a água une-se à água. Mas o que veio à existência nesse meio tempo foi
um “arco-íris existencial”. Nada mudou no ar ou na água; eles permaneceram os
mesmos. Mas, nesse meio tempo, uma forma nasceu e morreu.
Se nós nos virmos como bolhas, então também seremos formas que nascem e
morrem. O que está dentro de nós sempre esteve, mas nós nos identificamos
com a bolha. Assim, se estiver olhando para você do ponto de vista do seu corpo,
direi que você está se dirigindo para a morte, que está morrendo lentamente. No
momento em que nasceu começou a morrer, e não fez nada mais exceto morrer.
A bolha pode levar sete segundos para explodir, mas você leva uns setenta anos.
No fluxo infinito do tempo, não existe diferença entre sete segundos e setenta
anos. Todas as diferenças são atribuídas à nossa visão estreita. Se o tempo é
infinito, sem começo nem fim, então qual é a diferença entre sete segundos e
setenta anos? Se o tempo fosse uma quantidade determinada, digamos cem
anos, então sete segundos seria muito pouco e setenta anos seria um giro muito
grande. Mas se não há nenhum limite, se não há um começo nem um fim, então
não existe diferença entre sete segundos e setenta anos. Em quantos segundos
a bolha estoura é inconsequente.
Tão logo ela nasce, começa a estourar. É por isso que descrevi o corpo como
se dirigindo para a morte. Por corpo quero dizer aquilo que se manifesta através
do nascimento com um nome e uma forma. Por alma quero dizer aquilo que
permanece mesmo depois que o nome e a forma desapareceram. Quando não
tinha nome nem forma, ela já existia. Por alma quero dizer o mar e por corpo
quero dizer a onda. É necessário entender essas coisas claramente.
O que está dentro de nós nunca morre, por isso sentimos interiormente que “eu
nunca morrerei”. Vemos que milhares de pessoas estão morrendo, mas não nos
convencemos de que também iremos morrer. Nas nossas profundezas não
existe nenhum eco de que ‘eu vou morrer’. Pessoas morrem diante de nossos
olhos mas mesmo assim esse sentimento interior de imortalidade permanece.
Entretanto, nos momentos mais profundos, temos sempre a consciência de que
“eu morrerei”. Sabemos que os fatos mostram a ilusão dessa crença na
imortalidade e os eventos exteriores indicam que não é possível que ‘eu não
morra’. A razão diz que se tudo morre, então você também morrerá. Mas uma
voz lá no fundo rompe com todos os elos da razão e continua dizendo: “eu não
morrerei”.
É por isso que neste mundo nós jamais acreditamos que morreremos. É por isso
que somos capazes de viver no meio da morte; do contrário, vivendo
constantemente rodeados pela morte, morreríamos instantaneamente. Por que
estamos tão confiantes e certos de que viveremos? Essa confiança está ligada
a algo interior que insiste em nos dizer que não morreremos, indiferente ao que
se diga ou ao que a ocorrência de uma morte real possa dizer.
Ninguém jamais consegue conceber a própria morte. Ninguém pode imaginar
que morrerá. Por mais que uma pessoa tente imaginar que está morrendo,
descobrirá que ainda está viva. Mesmo que consiga imaginar-se morta,
descobrirá que ela está ali vendo, que ela está do lado de fora da morte. Não
somos capazes de nos colocar dentro das vagas da morte nem por imaginação,
porque enquanto imaginamos continuamos observando pelo lado de fora.
Aquele que imagina fica de fora, assim não é capaz de morrer.
Essa voz que vem de dentro é a voz do mar. Ela nos pergunta: “Onde está a
morte?” A morte é desconhecida e mesmo assim temos medo dela. Esse medo
vem da voz do corpo, e entre os dois existe uma confusão. No momento em que
nos identificamos com a voz do corpo, nossos espíritos começam a tremer diante
do fato de que o corpo está destinado à morte. Por mais que alguém tente provar
o contrário, por mais que busque ajuda da ciência, invente sistemas de
tratamento médico, ou se cerque de médicos e remédios famosos, nem por um
único momento o corpo confirma que “eu viverei”. O corpo não tem essa
sensação de imortalidade; sabe que está morrendo a cada dia.
O corpo sabe que é uma bolha, mas sabemos que NÓS não somos bolhas. No
momento em que alguém se identifica com a bolha, todas as tensões de sua vida
surgem. Tão logo isso que está dentro de nós e que é imortal se identifica com
a onda, começam as dificuldades. Essa identificação é ignorância; romper com
essa identificação é sabedoria. Nada muda; tudo permanece como antes. O
corpo continua onde estava, a alma também. Só a ilusão desaparece. Sabemos
então que quando o corpo morrer não precisaremos ter medo, pois não há
porquê sentir medo. O corpo está destinado a morrer. É bom sentir medo quando
existe a possibilidade de ser salvo. Mas numa situação em que não existe
possibilidade de ser salvo, é inútil sentir medo.
Quando um soldado marcha para o campo de batalha, quando deixa a sua casa
pela primeira vez, sente muito medo. No campo de batalha ele também sente
medo. Mas quando as bombas começam a cair, ele perde o medo porque então
todas as possibilidades de se salvar desaparecem. Tal pessoa pode até jogar
cartas no meio da linha de tiro. E ela é um homem comum; não tem nada de
especial. Mas essa é uma situação única. Nessa situação, temer a morte não faz
sentido. A morte é tão iminente que não existe questão de sobrevivência.
No campo de batalha existe alguma possibilidade de sobrevivência porque uns
morrem e outros sobrevivem, por isso um pouco de medo permanece. Mas no
campo da morte não existe nem uma remota possibilidade. No momento da
morte a ilusão de que “eu sou o corpo” subitamente desaparece. O medo da
morte desaparece porque não há como escapar. Então, o fato do corpo morrer
torna-se uma certeza, um destino. Esse é o destino do corpo; não há meios de
salvá-lo.
No momento em que alguém compreende que a morte é a natureza do corpo,
subitamente torna-se evidente que aquilo que está além do corpo nunca nasceu
e não tem possibilidade de morte. Assim, também para a alma o medo se
desvanece, porque não há razão para temer pelo que não pode morrer. O medo
surge porque o corpo e a alma se identificam um com o outro. Ele surge porque
a voz interior diz: “Eu não morrerei”, e as vozes exteriores dizem: “É claro que
morrerá!” Essas vozes tornam-se confusas. Nós não percebemos que essas
duas melodias diferentes estão misturadas e nós as ouvimos como se fossem
de um mesmo instrumento. Esse é o erro.
Na nossa ignorância existe sempre um medo da morte, mas vivemos como se
não houvesse morte. A pessoa ignorante vive o tempo todo como se a morte não
existisse embora tenha medo dela. Aquele que conhece também vive como se
a morte não existisse, mas tem consciência de que ela pode acontecer a
qualquer momento. Vive em dois níveis diferentes. Para ele, a vida está dividida
em duas partes: a circunferência separou-se do centro; a onda separou-se do
mar; a forma separou-se da não-forma. Entretanto não se pode fugir da morte.
É curioso como uma coisa não desaparece por si mesma pelo fato de sabermos
que é uma ilusão. Pelo conhecimento, cessa apenas a dor causada por ela.
Shankaracharya dava sempre o exemplo de uma corda que no escuro se parece
com uma cobra. Mas esse exemplo não é correto porque quando você se
aproxima pode ver que é uma corda. E sabendo que é uma corda, por mais que
você se distancie, jamais se parecerá com uma cobra.
Mas a ilusão da vida não é assim. A ilusão da vida é como afundar um bastão
na água. Dentro da água ele parece oblíquo, mas quando é tirado da água está
reto. Outra vez mergulhado na água, de novo parecerá oblíquo. Então você
afunda a sua mão na água e descobre que o bastão é reto, mas mesmo assim
ele parece oblíquo. Só por saber que é reto a inclinação aparente do bastão não
desaparece. Mas, por saber, você não se comporta mais como se tivesse a
ilusão de que é oblíquo.
A nossa ilusão da vida não é como a da corda que se parece com uma cobra,
mas como a do bastão reto que dentro da água parece oblíquo. Sabemos muito
bem que o bastão não é oblíquo, mas só parece ser. Ele parece oblíquo até para
os grandes cientistas que fizeram essa experiência, os quais sabem que
mergulhando o bastão na água ele não fica oblíquo. Assim, essa aparência
inclinada deve-se aos nossos sentidos. Nosso conhecimento não tem nada a ver
com isso.
Portanto, a diferença é esta: você não acreditará que o bastão seja oblíquo, mas
apenas que parece ser. A questão é dividida em dois níveis diferentes. No nível
do conhecimento, o bastão é reto. No nível da visão, é oblíquo. Não existe ilusão
em nenhum dos níveis.
No nível da vida há o corpo, que é o exterior, e no nível Existencial há o Atman
— a alma. Para o conhecedor, o mundo não é confuso. Para ele, o mundo é o
mesmo que é para você. Provavelmente para ele o mundo tenha uma
perspectiva e uma aparência mais claras. Cada mínima célula da Existência é
mais clara. Nada se perde e ele não tem nenhuma ilusão. Sabe que a forma
nasce dos sentidos e é como o bastão que parece oblíquo na água. Isso
acontece porque os raios de luz se desviam e se inclinam quando incidem na
água, dando a impressão de que o bastão também está inclinado. No ar, os raios
de luz não se inclinam e por isso o bastão parece reto. O bastão não se inclina,
mas os raios de luz inclinam-se quando atravessam a água. Por isso vemos o
bastão oblíquo.
A Existência é como é, mas passando através dos nossos sentidos, o raio do
conhecimento torna-se oblíquo. O raio do conhecimento desvia-se ao passar
pelo veículo conhecedor. Se eu usar óculos com lentes azuis, tudo parecerá azul.
Se os tirar, verei que tudo é branco. Se os puser outra vez, de novo verei tudo
azul. Sei que as coisas parecem azuis por causa os óculos, assim não estou
mais iludido. Mas posso continuar usar os óculos e as coisas continuarão
parecendo azuis. Assim, embora eu saiba muito bem que a alma — o Ser — é
imortal, o conhecimento de que o corpo está destinado a morrer ainda
permanece.
Apesar do meu conhecimento de que a existência do mar é eterna, a brincadeira
das ondas continua. Mas agora sei que parece assim por causa dos óculos. Os
óculos são os olhos dos sentidos, e o que se vê através deles não é
necessariamente real.
É por isso que afirmações de pessoas como Buda, Mahavir ou Jesus são feitas
a partir de dois planos diferentes — um é o da alma e o outro é o do corpo. Nossa
dificuldade existe por confundirmos os dois planos dentro de nós mesmos, então
naturalmente confundimos o que eles afirmam. Às vezes Buda fala como se
fosse o corpo. Diz: “Ananda, tenho sede. Por favor, traga-me água.” A alma
jamais sente sede. É o corpo que sente. Agora Ananda pode pensar que o corpo
não está absolutamente presente, que é apenas um nome e uma forma, apenas
uma bolha, então, como pode ter sede? Quando você sabe que não existe corpo,
de onde vem a sede?
Daí, no dia seguinte, quando Buda diz: “Eu nunca nasci, portanto nunca
morrerei”, isso cria dificuldade para o ouvinte. A dificuldade do ouvinte é que ele
pensa que, pelo conhecimento, a Existência mudará. Na verdade, a Existência
não muda pelo conhecimento, o que muda é apenas a ‘gestalt’ da pessoa.
Quando Buda diz que sente sede, diz apenas que o seu corpo está sedendo —
que o seu corpo, o qual é uma bolha com nome e forma, está sedento, e se não
receber água, logo estourará. Mas a dificuldade do ouvinte é que, por estar
vivendo num estado confuso, não é capaz de distinguir qual afirmação está
chegando de que plano, assim confunde também os seus significados.
Simone Weil escreveu um livro chamado “Graus de Significância”. Quanto mais
sábio é o homem, mais ele vive em níveis diferentes de sabedoria
simultaneamente. Ele tem de viver assim porque precisa falar de acordo com o
nível das pessoas que encontra. Caso contrário, nada do que ele disser terá
significado. Se Buda falar com você a partir do nível mais elevado dele, será
inútil. Você o tomará por louco. Aconteceu muitas vezes de pessoas como ele
serem consideradas loucas. A razão disso é que tudo o que diziam parecia ter
sido dito por um louco. Portanto, se eles falarem a partir do nível deles, serão
tachados de loucos.
Se tiverem de falar no seu nível, terão de descer. Terão de descer ao nível onde
você possa entendê-los. Então não parecerão loucos. Portanto, têm de falar a
partir de quantos níveis existirem entre as pessoas que forem ouvi-los.
Pode-se dizer que muitas pessoas às quais Buda falou chegaram a ele em forma
de espelhos. Todos esses espelhos criaram suas imagens separadas de Buda,
e as imagens eram tão fiéis quanto a superfície dos próprios espelhos. Uma
imagem deve igualar-se ao espelho. Por isso um espelho convexo alargará a
imagem enquanto que um côncavo a encurtará. Se não fosse assim, os espelhos
não agradariam e seriam quebrados ou mudados.
É por isso que as afirmações de pessoas como Buda são encontradas em muitos
níveis diferentes. Às vezes, uma só afirmação contém muitos níveis. É porque
quando alguém como Buda começa a falar, o faz a partir de seu próprio nível, e
quando pára de falar, desceu ao nível em que você está. Muitas vezes, numa só
frase, há uma longa jornada — porque ele começa a falar a partir do nível em
que ele está. Começa com grandes expectativas em relação a você; aos poucos,
vai reduzindo suas expectativas e, nas suas últimas afirmações, chega ao nível
em que você está.
O nível dele e o seu representam duas profundas divisões, mas isso não significa
que estejam muito distantes, separados ou diferentes. São como o mar e a onda.
Às vezes o mar pode existir numa onda, mas a onda jamais existirá sem o mar.
A Não-Forma pode existir sem a forma, mas uma forma jamais existirá sem a
Não-Forma.
Mas observando nossa linguagem, é interessante notar como acontece o
inverso. Na nossa linguagem, a palavra ‘nirakar’ (não-forma) contém a palavra
‘sakar’ (forma). Mas ‘não-forma’ não está contida na palavra ‘forma’.
Linguisticamente, a palavra ‘forma’ estará contida na expressão não-forma. Mas
funcionará igualmente se a palavra ‘forma’ não incluir a ‘não-forma’. A linguagem
é criada por nós, mas na Existência a situação é inversa. Na Existência, a Não-
Forma pode existir sem a forma, mas não pode haver nenhuma forma sem a
Não-Forma.
Todas as palavras são assim. Para a compreensão da palavra ‘ahimsa’ (não-
violência), é necessária a palavra ‘himsa’ (violência). Mas na palavra ‘violência’,
a ‘não-violência’ não é necessária. Na vida, entretanto, é interessante notar que
para existir a violência, a não-violência é necessária; é inevitável. Mas a não-
violência pode existir sem a violência. Nós criamos a linguagem de acordo com
as nossas necessidades. Para nós, o mundo pode existir sem Deus, mas como
pode Deus existir sem um mundo?
Não são duas coisas diferentes. Entretanto, o macrocosmo pode existir sem o
microcosmo; não há dificuldade para o mar existir sem a onda. Mas como pode
a onda existir sem o mar? A onda é muito pequena e depende do mar para existir.
Se o mar em volta a levanta, ela existe. O mar cuida dela por todos os lados. Se
o mar a solta, ela se vai.
Os dois não estão separados, mas devo dizer que estão, a fim de que a onda
não tenha a ilusão de que é imortal, amorfa e eterna. Se a onda se considera
separada, existe a possibilidade desta ilusão e de suas consequências. Mas se
a onda está unida ao mar, não há nenhuma ilusão. Se a experiência for aquela
da unidade, então ela dirá: “Eu não existo, só existe o mar.” Dessa maneira,
Jesus dizia repetidamente: “Eu não existo; só meu Pai no céu existe.”
Portanto, temos aí uma dificuldade. Ou queremos que se mostre Deus no céu
para que possamos descobrir quem Ele é e onde está, ou diremos que Jesus é
louco porque não entendemos o que ele diz. Jesus estava dizendo: “Eu sou o
mar, não a onda”. mas nós não vemos nada além da onda. “Mar” é apenas uma
palavra para nós. Aquilo que é Existência autêntica é apenas uma palavra para
nós, e só tomamos como verdadeiro o que é aparente.
Para nós, a alma não é conhecida, mas diariamente estamos vendo o corpo. O
que vemos diariamente torna-se verdadeiro para nós. É por isso que eu disse
que o corpo se dirige para a morte e ele mesmo é a morte. A alma é imortal, não
se dirige para a morte. Mas sobre essa imortalidade existe a dança da morte do
corpo.
Não temos dificuldade em entender o mar e a onda porque não vemos inimizade
entre eles. Mas a imortalidade e a morte são difíceis de entender porque as
assumimos como inimigas; acreditamos que são inimigas. Quando falo do mar
e da onda, a existência de ambos está intimamente ligada, assim não parece
haver nenhuma oposição. Mas a imortalidade e a morte parecem ser grandes
inimigas — parecem opostas. Parece que jamais poderão se unir. Mas também
são uma só. Quanto mais profunda e intimamente você conhecer a morte, melhor
compreenderá que a morte nada mais é do que uma mudança.
A onda também é uma mudança. Quanto mais fundo você buscar na
imortalidade, mais descobrirá que ela nada mais é do que eternidade. A
existência de tudo o que parece estar em oposição neste mundo está baseada
no seu oposto. Nossa dificuldade é que, para nós, parecem opostos. Mantemos
uma separação entre a morte e a imortalidade. Mas a morte não pode sobreviver
sem a imortalidade. Para a morte existir, tem de buscar o apoio daquilo que é
imortal. Enquanto a morte existir, precisará do apoio do que é imortal.
Uma mentira só é possível com o apoio da verdade. Para a mentira existir, terá
de se proclamar também verdadeira. A verdade jamais se proclama verdadeira,
mas a mentira sempre se diz verdadeira. Ela não pode caminhar nenhuma
polegada se não fizer isso. Tem de anunciar aos gritos: “Cuidado! Estou
chegando. Eu sou a Verdade!” Leva consigo muitos certificados para provar que
é verdadeira.
A verdade não precisa de nenhum certificado; não precisa apoiar-se em
mentiras. Se a verdade buscar o suporte das mentiras, terá problemas. Se a
mentira não tiver o suporte da verdade, então a mentira terá problemas.
Para a imortalidade, o suporte da morte não é necessário, mas é somente em
relação ao conceito de imortalidade que a ocorrência da morte é entendida. A
Existência pura não tem necessidade daquilo que é mutável, mas o mutável só
pode ser entendido em relação ao que é imutável. Uma coisa é certa: nós só
compreendemos o mutável — porque é o que somos. É por isso que, sempre
que pensamos sobre a imortalidade; tentamos entendê-la somente através
daquilo que é mutável. Não há outro jeito.
Nossa condição é como a de alguém que estando no escuro tenta adivinhar o
que é a luz. Ele não tem outro caminho. A escuridão é apenas uma forma
obscurecida de luz. É a mais mínima condição de luz possível. Onde não existe
nenhuma luz, não existe nada semelhante à escuridão. A luz talvez exista, mas
pode estar além do poder de alcance dos nossos olhos.
Os nossos sentidos alcançam as coisas dentro de um certo limite. Caso
contrário, se os raios de luz altamente intensos que passam constantemente por
nós fossem visíveis, nos cegariam instantaneamente. Enquanto não
conhecíamos o Raio X, não sabíamos que seus raios atravessavam o corpo
humano. Não sabíamos que podíamos fotografar nossos ossos. Hoje ou amanhã
talvez seja descoberto um raio que possa penetrar na célula inicial de um bebê
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Osho sobre a verdade eterna e a experiência religiosa

  • 2. Sumário Capítulo 1 – Eu falo o que vivencio Capítulo 2 – Porquê vim! Capítulo 3 – As religiões do mundo e o meu papel Capítulo 4 – Rumo a uma explosão espiritual no universo Capítulo 5 – Da infância à iluminação Capítulo 6 – Minha experiência pessoal com os três “gunas”
  • 3. CAPÍTULO 1 Eu falo o que vivencio Pergunta: Bhagwan, tenho lido seus livros; tenho ouvido você falar. A sua linguagem é muito clara e tem um charme hipnótico. Às vezes você fala de Mahavir, outras vezes de Krishna ou Buda, e outras vezes ainda fala também de Jesus e Maomé. Desvenda os segredos do Gita da maneira mais inspirada, faz discursos sobre os Upanishads e sobre os Vedas, e não hesitaria em discursar nos templos e igrejas. Da mesma maneira, você afirma não ter sido influenciado por nenhum dos personagens acima mencionados. Diz que não concorda e nem tem nada a ver com eles. Constantemente, critica e destrói antigas crenças e escrituras religiosas. Qual é o seu propósito? Quer estabelecer a sua própria religião? Quer mostrar que possui conhecimentos ilimitados? Ou quer confundir a todos? Você fala e explica através de palavras, mas ao mesmo tempo diz: “Vocês não chegarão a nada se se prenderem às palavras.” Diz: “Não acreditem e nem se prendam a mim; senão, estarão cometendo o mesmo erro.” Você diz também que esta própria negação é um convite. Explique, por favor, quem e o que você é, e o que quer fazer e dizer. Qual é a sua intenção? Bhagwan Shree Rajneesh: Em primeiro lugar, não sou influenciado por Mahavir, Buda, Cristo ou Maomé. A beleza da religião é que, num certo sentido, ela é sempre velha. É neste sentido que se diz que as experiências religiosas são conhecidas por muitas pessoas. Ninguém pode dizer que uma experiência religiosa seja apenas “sua”. Existem duas razões para isso. Em primeiro lugar, ao se ter uma experiência religiosa, o sentido de “propriedade” morre. É por isso que, neste mundo, pode- se reivindicar a “propriedade” de todas as coisas, mas não a de experiências religiosas. Esta é a única experiência que vai além da órbita do “isto é meu”, pois só pode acontecer quando o “isto é meu” morre. É por isso que a reivindicação de “propriedade” pode existir em relação a tudo, com exceção das experiências religiosas, E ninguém pode dizer que tal experiência seja nova, porque a Verdade não é nova nem velha.
  • 4. É nesse sentido que eu falo de Mahavir, Jesus, Krishna e outros: eles tiveram experiências religiosas. Quando digo que não sou influenciado por eles, isto significa apenas que o que digo vem da minha própria experiência e conhecimento. Falo deles, uso seus nomes, porque o que conheci corresponde ao que eles conheceram. Mas, para mim, o teste é a minha própria experiência. Nesse teste descubro que eles estão certos e por isso uso seus nomes. Estou falando a partir da minha própria experiência. Eles também experimentaram a mesma coisa, por isso falo sobre eles. Eles são minhas testemunhas, assim como são testemunhas da minha experiência. Mas não se pode dizer que ela seja nova. Ainda que, em outro sentido, possa ser chamada de nova. Este é o enigma e o mistério fundamental da religião. Uma experiência religiosa pode ser chamada de nova porque, seja a quem for que ela aconteça, é absolutamente nova e está acontecendo pela primeira vez. Nunca ocorreu antes. Pode ser que tenha ocorrido a outro qualquer, mas para quem está experimentando pela primeira vez, é nova. É tão nova que a pessoa não pode conceber que uma experiência similar possa ter ocorrido a mais alguém. Em relação à consciência da pessoa, a experiência acontece pela primeira vez. É tão nova, que seja quem for que a vivencie, jamais a sentirá velha. É como o frescor de uma flor se abrindo na manhã, com suas pétalas molhadas pelo orvalho recebendo os primeiros raios de sol. Ninguém que esteja diante dessa flor pela primeira vez poderá dizer que ela é velha, ainda que todas as manhãs uma nova flor se abra. Todas as manhãs o orvalho e os raios de sol caem sobre novas flores. Alguns olhos podem ter visto essas flores diariamente, mas uma pessoa que esteja vendo a flor pela primeira vez nesse cenário jamais poderá pensar que ela já tenha sido vista antes. É tão nova que se a pessoa disser que a Verdade não pode envelhecer, que é sempre original e nova, não estará errada. Dizemos que a religião é antiga e eterna porque a Verdade é eterna. Mas a religião também é nova, porque sempre que a Verdade é Realizada, a experiência é nova, fresca e virgem. Se uma pessoa acreditar que a religião é velha ou acreditar que é nova, não estará sendo incoerente em relação à Verdade. Se ela disser que a Verdade é eterna e afirmar que não pode ser nova, também não estará sendo incoerente. Outra pessoa, por outro lado, poderá sustentar que a Verdade é sempre nova. Gurdjieff diria que a religião é ancestral e eterna; Krishnamurti diria que é absolutamente nova e que jamais poderá ser velha. Mas tanto um quanto o outro são coerentes.
  • 5. A sua pergunta não poderia ter sido feita a Gurdjieff ou a Krishnamurti. Suas respostas teriam sido apenas meias-verdades. Meias-verdades são sempre coerentes, mas a verdade integral é sempre incoerente, pois quando é total, o oposto está sempre implícito. Uma pessoa pode dizer que a luz, e somente ela, é Verdade. Estará ignorando a escuridão e considerando-a falsa. Mas apenas por estar chamando a escuridão de falsa, a sua experiência não está sendo negada. A pessoa pode ser coerente porque nega a escuridão e não se importa com a sua existência Sua filosofia pode ser clara, direta e congruente como a matemática. Na sua filosofia não existem incógnitas. Entretanto, outro qualquer que diga que só existe escuridão e apenas isso em todo lugar, que a luz é só ilusão, também pode ser coerente. A dificuldade surge quando alguém diz que há luz e há também escuridão. A pessoa que aceita a existência de ambas, aceita o fato de que a escuridão e a luz são apenas dois extremos de uma mesma coisa. Se a escuridão e a luz fossem duas coisas diferentes, então a escuridão não seria reduzida pelo aumento da luz e não aumentaria pela diminuição da luz. Mas é um fato que pelo aumento ou diminuição da luz a escuridão pode ser aumentada ou diminuída. O significado é claro: que em algum lugar a luz faz parte da escuridão e vice-versa. Ambas são dois extremos de uma mesma coisa. Por isso, quando eu tento expressar TODA a Verdade, pareço incoerente e essa é a dificuldade. Estou afirmando ao mesmo tempo duas coisas que parecem contraditórias. Digo que a Verdade é eterna e que é um engano chamá-la de nova; ao mesmo tempo digo que a Verdade é sempre nova e não faz sentido chamá-la de velha. Quando afirmo as duas coisas simultaneamente, estou tentando captar toda a Verdade de uma vez em sua totalidade. Sempre que a Verdade é dita em sua totalidade, em seus múltiplos significados, afirmações opostas e incoerentes têm de ser feitas. A teoria de Mahavir de ‘Syatavada’ (nome de um Tratado de filosofia jainista) é apenas uma tentativa de equilibrar visões opostas. Contra tudo o que é dito numa primeira sentença, uma afirmação oposta é feita na segunda sentença. Assim, o oposto, que de outra maneira não teria sido dito, também é incluído e compreendido. Se o oposto fosse deixado de lado, a Verdade permaneceria incompleta. Portanto, todas as verdades que parecem claras e precisas são, na realidade, meias-verdades. A verdade total tem seus próprios limites, e essa é a sua beleza e complexidade. Mas seu poder está na inclusão de polaridades opostas. É interessante notar que uma coisa falsa não pode incluir o seu oposto. Aquilo que é falso só pode existir em oposição a uma verdade, enquanto que a Verdade absorve em si mesma o seu próprio oposto. É por isso que a falsidade não é muito ambígua, é clara.
  • 6. A vida como um todo fundamenta-se em pólos opostos. Não há nada na vida que ocorra sem a luta de opostos, mas com nossas mentes e raciocínio tentamos eliminar as incoerências. Nosso raciocínio é uma tentativa de consolidação ao passo que o total parecerá incoerente. Na Existência, todas as incoerências estão reunidas. A morte e a vida estão sempre juntas. A lógica parece nítida porque divide as coisas em opostos. Para a lógica, vida é vida e morte é morte; as duas não podem estar juntas. Na lógica, dizemos que A é A, e não é B. Dizemos que vida é vida; não é morte. Paralelamente, morte é morte; não é vida. Desta maneira tornamos nossos conceitos claros e matemáticos, mas o mistério da vida se perde. É por isso que não podemos chegar à verdade pelo raciocínio. O raciocínio é a tentativa de ser coerente, e a verdade, por sua própria natureza, é incoerente. Você pode, entretanto, chegar à coerência pelo raciocínio. Pode raciocinar tão bem, de maneira tão lógica, que se tornará impossível derrotá-lo por argumentos. Mas perderá a Verdade. Não sou um filósofo ou um lógico, mas uso sempre a lógica. Uso com o único propósito de conduzir o seu pensamento até o ponto no qual você possa ser destacado dele. Enquanto o raciocínio não for exaustivo, não será possível superá-lo. Estou subindo uma escada, mas ela não é o meu objetivo; terei de abandoná-la. Só uso o raciocínio para conhecer o que está além dele. Não quero estabelecer nada pela razão. Em vez disso, o que eu quero é provar a sua inutilidade. Minhas afirmações, entretanto, serão incoerentes e ilógicas. Por mais que pareçam lógicas, por favor entenda que só estou usando um sistema que as faz parecer assim. Estou preparando o terreno para o que virá a seguir. Estou afinando os instrumentos; a música ainda não começou. Minha música original e única começa onde a linha divisória entre razão e não- razão desaparece. Assim que os instrumentos estiverem afinados, a música começará. Mas não interprete mal a afinação para a música; ou acabará criando dificuldades. Você me perguntará: “O que aconteceu? Antes você usava um martelo para o tambor. Por que não está usando mais?” O martelo só estava sendo usado para afinar o tambor, não para tocá-lo. Uma vez afinado, o martelo não serve mais. Não se pode tocar tambor com um martelo. Da mesma maneira, o raciocínio é só uma preparação para o que está além dele. Uma das dificuldades que tenho é que aqueles que aprovam o meu raciocínio descobrirão daqui a pouco que os estou atirando numa área de escuridão. Até onde o raciocínio é visível há luz e as coisas parecem claras e brilhantes. Mas então alguém dirá que eu prometi a luz e agora estou falando em conduzi-lo para a escuridão. Essa pessoa ficará descontente comigo e dirá: “Gosto do que você disse até agora, mas não posso prosseguir com você.” Ela confiou em mim por eu ter racionalizado a Verdade, mas então digo que ela tem de ir além do raciocínio para chegar à Verdade.
  • 7. Os que acreditam na fé também não me aceitarão, não me seguirão, não caminharão comigo, porque querem que eu fale somente sobre mistérios incompreensíveis. Esses dois tipos de indivíduos terão problemas comigo. Os que crêem na razão irão comigo até um certo ponto, enquanto que aqueles que acreditam na fé, que crêem no irracional, não me seguirão de modo algum, nunca compreenderão que só depois de me acompanharem até um certo ponto, poderei levá-los ao não-pensamento. Eu entendo isso. A vida é assim. A razão só pode ser um instrumento, não a meta. Eu farei sempre afirmações ilógicas depois de ter falado sobre assuntos absolutamente lógicos. Essas afirmações parecerão incoerentes, mas foram muito bem pensadas e não são feitas sem razão. Da minha parte, existe uma razão clara. Algumas vezes eu direi que não sou influenciado por Mahavir, Buda, Krishna ou Cristo, que não digo nada sob a influência deles, que tudo o que digo só traduz o que eu mesmo conheci. Contudo, quando cheguei à minha própria Realização, soube que era idêntica à que eles haviam chegado antes de mim. Deste modo, quando falo sobre eles ou cito o que eles disseram, me esqueço que estava falando deles. Deixo-me absorver por eles tão inteiramente que as suas afirmações tornam-se minhas. Na verdade, não vejo nenhuma diferença entre as minhas afirmações e as deles. Quando começo a falar sobre eles há uma compreensão profunda de que só estou falando sobre a minha experiência. Entretanto, quando repito suas afirmações, não crio nenhuma condição. Dissolvo-me completamente neles e nas suas palavras. Aqueles que me ouviram dizer que não sou influenciado por essas pessoas perguntarão: “Como é que você se tornou unificado a elas? Mesmo aqueles que estão sob total influência não são assim, mantêm uma distância.” Na minha opinião, aqueles que são influenciados por alguém ou por alguma coisa, por necessidade precisam manter uma certa distância entre eles e a fonte de influência. Aqueles que são influenciados são ignorantes. Só somos influenciados por ignorância. com o autoconhecimento a própria palavra ‘influência’ perde o sentido. No autoconhecimento não existe nenhuma questão de influência. Pelo contrário, há uma similaridade de experiência, uma ressonância similar, o ouvir de vozes similares. Se eu estiver cantando e a mesma canção começar a ser entoada por outra pessoa ao mesmo tempo, o meu canto e o do outro serão tão iguais entre si que não haverá espaço entre nós que possa ser influenciado. Para ser influenciado, para ser um discípulo, a distância é necessária, o outro é necessário.
  • 8. Entretanto, no que me diz respeito, não há nenhuma distância. Quando começo a explicar uma afirmação de Mahavir ou quando falo do Gita de Krishna, estou apenas explicando, mais ou menos, a minha própria afirmação. Krishna, Cristo ou Mahavir proporcionam uma oportunidade, uma desculpa, uma ocasião para falar, mas logo me esqueço de que estava falando sobre eles. Começo com eles, mas só concluo aquilo que sei. Nem mesmo percebo quando paro de falar sobre eles e começo a explicar as minhas próprias afirmações, quando me fundo totalmente neles. Talvez você se interesse em saber que eu não li o Gita nem uma vez. Comecei algumas vezes, mas depois de oito ou dez linhas, sentia que era suficiente e fechava o livro. Quando falo sobre o Gita, na verdade, estou ouvindo-o pela primeira vez, à medida em que vou falando a respeito. Como não tenho nenhuma informação anterior sobre ele, não tenho como criticá-lo. Aqueles que estudaram o Gita, que ponderaram a respeito e pensaram profundamente sobre suas afirmações, só podem criticar ou definir o que leram. Sem ter lido o Gita, não posso fazer isso. Outra coisa que vale a pena mencionar é que quando pego o Gita para ler, coloco-o de lado em poucos minutos, mas quando encontro algum livro comum, leio-o do começo ao fim porque ele não faz parte da minha experiência. Isto pode parecer estranho a você. Não posso me refrear de ler um livro comum, porque ele não está no âmbito da minha experiência. Mas, quando começo a ler o Gita, abandono-o logo após ter lido algumas linhas, porque não sinto que ele possa abrir alguma coisa nova para mim. Se me dão uma estória de espionagem, eu a leio inteira porque é algo novo para mim. Mas o Gita de Krishna parece ter sido escrito por mim. Eu o conheço, pois tudo o que está ali é conhecido por mim. É conhecido sem que eu o leia. Por essa razão, quando falo sobre o Gita, não estou realmente falando sobre ele; é só uma desculpa. Começo pelo Gita, mas só falo sobre o que eu quero falar, só sobre o que eu posso falar. Se você sentir que estou discorrendo longamente sobre o Gita, isto acontecerá não porque sou influenciado por Krishna, mas porque Krishna disse exatamente a mesma coisa que estou dizendo. Assim, o que estou fazendo não é um comentário sobre o Gita. O que Tilak disse sobre o Gita, o que Gandhi disse sobre o Gita, foram comentários ou explicações deles sobre o Gita. Mas o que eu estou dizendo não vem absolutamente do Gita. As melodias tocadas no Gita são, da mesma maneira, tocadas dentro de mim. Elas e conduzem às minhas próprias canções; eu começo a explicar o meu próprio ser, o Gita apenas me proporciona uma oportunidade. Quando estou falando de Krishna, nesses momentos em que estou revelando Krishna mais profundamente, você começará a sentir que estou falando de mim mesmo. É nesses momentos que estou falando somente de mim.
  • 9. Acontece a mesma coisa em relação a Mahavir, Cristo, Lao Tzu ou Maomé. Para mim, o que diferencia um do outro é só uma questão de nome. São candeeiros diferentes, mas a luz que brilha dentro deles é a mesma. Se a luz brilha no candeeiro de Maomé, no candeeiro de Mahavir ou no de Buda, para mim não faz nenhuma diferença. Muitas vezes falo contra Maomé, contra Mahavir ou Buda. Isto cria um problema. Falo vivamente sobre eles, e ao mesmo tempo falo, da mesma maneira, contra eles. Sempre que pareço estar falando contra eles, é apenas uma aparência, porque o ouvinte está dando importância ao candeeiro. Mas, para mim, quando estou revelando algo muito profundo, a ênfase recai na luz. Portanto, sempre que parecer que estou falando contra, é porque a ênfase está sendo dada ao candeeiro e não à luz. Quando vejo uma pessoa encantada com o candeeiro, com o material de que é feito, sempre falo contra o candeeiro. A pessoa fica confusa. É natural que fique confusa, porque para ela não há diferença entre Mahavir, o candeeiro, e Mahavir, a luz eterna. Para ela, o candeeiro e a luz são a mesma coisa. É por isso que, quando me parece que alguém está dando muita ênfase ao candeeiro, eu começo a falar contra ele. Quando sinto que é a luz que está sendo discutida, eu me uno a ela. Esta é a diferença. Existe uma diferença entre o candeeiro de Mahavir e o candeeiro de Maomé. É só por causa dessa diferença que existe alguma distinção entre um jainista e um muçulmano. Os candeeiros são feitos de modos diferentes. O candeeiro de Cristo e candeeiro de Buda também são diferentes; eles têm de ser. Mas são diferenças físicas, de aparência e forma. Para aqueles que se afeiçoam a formas e aparências, não creio que a luz seja visível, porque quem vê a luz se esquece do candeeiro. É impossível lembrar-se ainda do candeeiro depois de ter visto a luz. O candeeiro só é lembrado quando a luz não é mais visível. A condição de um seguidor é tal que ele só pode permanecer na sombra escura do candeeiro e ver daí. E dessa perspectiva ele não pode ver a luz; só pode ver o suporte do candeeiro. Todos os candeeiros têm suportes diferentes e há uma profunda escuridão sob eles. Esses seguidores ficam discutindo sob esse suporte. Entretanto, sempre que vejo uma pessoa parada sob a sombra de alguém, falo contra isso com certa aspereza. É por isso que sempre digo que um seguidor não poderá nunca compreender. Para ser um seguidor é preciso permanecer na sombra, na escuridão, embaixo do candeeiro. Quanto mais se é um seguidor, mais se está na densidade da sombra. Os seguidores que estão na periferia da sombra podem entender um pouco os outros, mas aqueles que estão diretamente na densidade da sombra jamais poderão entender. Entretanto, se alguém quiser realmente ver a luz, terá de se afastar para fora da periferia da sombra. Vendo a luz, a controvérsia sobre os candeeiros perde totalmente o significado.
  • 10. Assim, para mim não faz nenhuma diferença se falo de Cristo, Krishna ou Buda. Estou falando sobre a mesma luz — uma luz que iluminou muitos candeeiros, mas não sou influenciado por esses candeeiros. Estou falando apenas sobre aquilo que conheço. Sempre que sinto uma certa ressonância, sempre que sinto que a mesma nota está vibrando, não sou capaz de negar isso, pois negar seria cometer o mesmo erro. Seria voltar as costas para a luz. O seguidor comete o erro de sentar-se sob o suporte do candeeiro. Voltar as costas ou sentar-se na sombra são erros similares. Mas se você perguntar a Krishnamurti, ele não aceitará essa ressonância. Não aceitará que tudo o que aconteceu a ele também possa ter acontecido a Krishna. Não aceitará que o que aconteceu a ele possa ter acontecido a outros também. Ele não discutirá a respeito. Isso está errado porque a Verdade é totalmente impessoal. A grandeza da Verdade não diminui quando se aceita que ela também tenha sido revelada a outros. Pelo contrário, sua grandeza é ampliada e não diminuída. A verdade não é tão fraca a ponto de envelhecer apenas por ter sido vivenciada por outra pessoa. Portanto, a tentação de negar que a Verdade possa ser compartilhada também está errada. Minha dificuldade é esta: ONDE QUER QUE EU VEJA A Verdade, eu a aceitarei. Não sou de modo algum influenciado. Mas sempre que eu vir que em nome da Verdade as pessoas estão se transformando em alguma coisa que não seja Verdade, eu negarei e me oporei a isso. Tudo o que eu faço, faço totalmente. É por isso que se torna difícil me entender. Sou contra os compromissos porque não creio que estando comprometido alguém possa chegar à Verdade. É minha natureza dizer o que quer que seja com toda a força do meu ser vital. Portanto, se alguém estiver falando sobre a luz, direi que Mahavir é Deus, Krishna é uma encarnação de Deus e Jesus é o filho de Deus. Mas se alguém que está falando apenas dos candeeiros disser o mesmo, então direi que o orador é culpado de um ato criminoso. Em ambos os casos, tudo quanto afirmar, quando quer que o faça, sustentarei absolutamente o que tiver dito. Quando estou fazendo uma afirmação sobre alguma coisa, jamais me lembro do que disse anteriormente sobre o assunto. Mas as afirmações são verdadeiras e completas e não se negam entre si. Se falar sobre o seu corpo, minha afirmação será orientada para a morte, mas se falar sobre você direi que você é imortal. Não pense que essas duas afirmações se opõem; uma não nega a outra. Não creio que exista qualquer necessidade de compromisso entre as duas. O seu corpo está destinado a morrer; está se dirigindo para a morte. Se você acredita que é o corpo, então afirmarei com toda a força que você morrerá. Não permitirei a mínima chance de salvação. Se a discussão for sobre a alma, então direi que você nunca nasceu. Direi que você não nasce nem morre; a questão da morte não surge. Essas duas afirmações são completas em si
  • 11. mesmas; uma não cancela a outra. Suas dimensões são diferentes, e isso sempre cria dificuldade. A dificuldade torna-se ainda maior porque todas as minhas afirmações são orais e não escritas. Nas afirmações escritas existe uma espécie de indiferença. Elas não são dirigidas a alguém. O ouvinte ou leitor não está sentado à frente enquanto são escritas. O ouvinte ou leitor está fora de cena. Mas quando alguém fala, o ouvinte está presente e também é levado em consideração. Assim, sempre que falo sobre alguma coisa, não sou o único responsável pelas afirmações. O ouvinte também é responsável. Portanto, a responsabilidade é dividida, é compartilhada. Sou definitivamente responsável pelas afirmações, mas o ouvinte também é responsável por ter criado uma situação que determinou que as afirmações fossem feitas de uma determinada maneira. Se outro ouvinte estivesse presente, minhas afirmações teriam sido diferentes; na presença de um terceiro, seriam também diferentes; se minhas afirmações não fossem dirigidas a ninguém, seriam outras. Todas elas são dirigidas, e creio que todas as palavras faladas são mais vivas. Elas recebem vida do orador tanto quanto do ouvinte. Quando não há ninguém ouvindo, então o orador cria uma espécie de ponte em direção a algo que não existe. Não existe a outra margem para ser alcançada pela ponte. Mas como pode haver ponte sem duas margens? Não pode haver. Uma ponte apoiada numa só margem está destinada a cair. Por isso, neste mundo, todas as afirmações significativas sobre a Verdade são faladas e não escritas. Ao escrever, sempre escrevo cartas, pois uma carta é tão genuína quanto algo dito. É dirigida. Eu não escrevo nada, exceto cartas pois, para mim, elas são uma forma de falar. O outro está sempre diante de mim quando escrevo uma carta. Assim, quando falo diante de milhares de pessoas de uma vez, as afirmações são multiplicadas por mil. Quando são reproduzidas por alguém, essa pessoa também se inclui nas afirmações que reproduz. Isso cria cada vez mais dificuldades, mas é o que é e não estou interessado em fazer nada a respeito disso. Estou interessado em que você também entenda a dificuldade. Se você entender a complexidade de uma Verdade revelada, só então crescerá. Por isso não estou interessado em diminuir essa complexidade, porque se tentar fazer isso a totalidade da Verdade será destruída. Pode ser simplificada, mas então alguns de seus galhos podem ser danificados. E nesse caso será tão simples quanto morta. Assim não tenho o menor interesse em reduzir a sua complexidade. Meu único interesse é que você encontre a simplicidade bem no coração da complexidade. Então você crescerá.
  • 12. Se eu quiser, posso fazer com que a complexidade pareça simples. Não é difícil. Então minhas afirmações tornar-se-ão claras e matemáticas e as dificuldades desaparecerão. Mas não estou preocupado com as minhas dificuldades; não são absolutamente dificuldades. Se você puder ver simplicidade nessa complexidade, se puder ver a Verdade com as suas contradições, se puder ver coerência nas incoerências, então existirá crescimento e sua visão se elevará. E só quando a sua visão se elevar você verá isso. Só então a complexidade tornar- se-á simples para você. Enquanto escalamos uma montanha, encontramos inúmeros caminhos para a subida — difíceis, íngremes, uns cortando os outros. Mas chegando ao topo, os mesmos caminhos parecem fáceis. Quando você pode ver tudo na sua totalidade, em amplitude, vê que todos os caminhos levam à crista da montanha. Eles não se interrompem, nem impedem uns aos outros. Quando alguém está subindo, todos os outros caminhos, exceto o seu, parecem levar na direção errada. Mas quando alguém que está olhando do alto da montanha diz que todos os caminhos levam ao topo, ou quando diz a uma pessoa que um determinado caminho está certo e diz a outra que está errado, então isso provoca confusão. Todas as minhas afirmações são dirigidas a alguém; cada uma delas tem um endereço próprio. Cada afirmação é feita em benefício de uma pessoa em particular, numa determinada circunstância. Se vejo uma pessoa com a mente dividida num certo caminho, e digo a ela que esse caminho está certo e os outros estão errados, então essa afirmação é somente para o benefício dessa pessoa. Depois de chegar ao topo ela também saberá e rirá ao constatar que os outros caminhos também levavam até lá. Entretanto, se no meio da subida, a pessoa descobre um outro caminho passando ao seu lado, e segue por ele, e depois de algum tempo descobre um terceiro caminho e tenta trilhá-lo, com uma mente tão incerta e dividida talvez ela não chegue ao topo da montanha. A uma pessoa como essa eu direi: “Você está no caminho certo; continue. Os outros caminhos estão errados.” Mas se uma outra pessoa, trilhando um caminho vizinho, estiver numa situação similar, também com a mente dividida, eu direi a mesma coisa: que o seu caminho é o certo. Se acontecer dessas duas pessoas se encontrarem e compararem essas duas afirmações, surgirão dificuldades. Buda e Mahavir não enfrentaram uma situação como essa. Suas afirmações não foram registradas em suas presenças. Depois de quinhentos anos seus seguidores viram-se em apuros por causa disso. A pergunta que você está fazendo a meu respeito não poderia ser feita a Buda. Por isso, passados quinhentos anos, surgiram diferentes seitas. Afirmações foram feitas mas não foram gravadas, assim não havia meio de compará-las. Uma coisa foi dita a uma pessoa, outra a outra pessoa, uma terceira coisa a outra pessoa, mas nenhuma das três registrou nada. Por esse motivo não houve
  • 13. oportunidade de descobrir, por comparação, que a uma pessoa havia sido dito isto, a outra pessoa aquilo e a uma terceira algo completamente diferente. Essas afirmações foram feitas a três pessoas privadamente, para seus benefícios pessoais. Mas quando foram escritas, os problemas começaram a aparecer. É por isso que, durante um longo tempo, as velhas religiões insistiam em que não se preparassem escrituras. Quando as coisas são registradas, as contradições ficam claras. Assim que são escritas, a discussão começa. Inicialmente as afirmações são pessoais. Imediatamente após serem escritas, deixam de ser pessoais. Assim, a dificuldade que estou defrontando hoje não existiu para Buda e Mahavir. Mas agora não há outra saída. Tudo o que se diz é gravado, mesmo que seja dirigido a uma pessoa em particular. Depois de registrado, passa a ser domínio da sociedade. E todas as afirmações feitas em diferentes tempos a diferentes pessoas serão reunidas, e será difícil encontrar uma única linha de coerência. Agora, é assim que tem de acontecer: não há outro jeito. E eu acho bom. Se as afirmações tivessem sido gravadas na presença de Buda, ele poderia tê-las replicado. Mas foram escritas somente quinhentos anos depois. Quando surgiram as perguntas, não havia nenhum Buda para respondê-las. O resultado foi que alguém tomando uma afirmação como verdadeira fundou sua própria seita: enquanto que outra pessoa, acreditando que uma afirmação contraditória fosse verdadeira, estabeleceu outra seita. Todos os que se convenciam por uma afirmação, estabeleciam uma seita. Todas as seitas nasceram dessa maneira. Comigo não existe possibilidade do nascimento de qualquer seita. Posso ser consultado diretamente para um esclarecimento. Não há necessidade nenhuma de esperar até amanhã; posso esclarecer hoje mesmo. Você também me pede para esclarecer porque, embora eu fale através de palavras, continuo sustentando que nada pode ser transmitido através delas. Para aqueles que querem falar, não há nenhum outro jeito que não seja usar as palavras. Geralmente, posso expressar-me apenas por palavras, mas também é verdade que o que precisa ser dito não pode ser transmitido por palavras. As duas coisas estão certas. Nossa situação é tal que só falamos com palavras. Não existe outra maneira de dialogar. Deveríamos tentar mudar esta situação. Para aqueles que podem entrar em profunda meditação, o diálogo é possível mesmo sem palavras. Mas para levá- los à meditação profunda, primeiro terei de usar as palavras. Chegará a hora, após um longo e contínuo esforço, em que a comunicação será possível sem palavras. Mas até que essa hora chegue, terei de me expressar através delas. Para levá-lo ao mundo silencioso terei de usar as palavras: a situação é esta. Mas é perigosa. Eu terei de usar palavras, sabendo perfeitamente que se você
  • 14. se prender a elas, se acreditar nelas COMO ELAS SÃO, então todo o esforço será inútil. Estamos tentando chegar ao silêncio, mas temos de falar com palavras. A impossibilidade é absoluta; não há outra alternativa. Se você se prender a elas, todo o esforço se tornará inútil porque o propósito é levá-lo ao silêncio. Enquanto estivermos falando apenas através de palavras, teremos de falar contra elas, e para “falar contra” teremos de usar palavras também. Não há outro jeito. Uma pessoa pode tornar-se silenciosa; não é difícil. Existem aqueles que se tornaram silenciosos devido a este difícil conjunto de circunstâncias. Eles evitaram complicações, pois sabiam que o que tinham para dizer não poderia ser comunicado. Não tenho nenhuma dificuldade em tornar-me silencioso. Posso ficar em silêncio e não seria surpreendente se você também ficasse, porque o que estou tentando fazer parece ser um esforço quase impossível. Estou tentando tornar possível o impossível. Mas por tornar-me silencioso nada se alcançará, nada será comunicado a você. O perigo é o mesmo. Se eu falo, você se prende às palavras. O perigo é que se você se prender a elas, o que quero comunicar e conseguir não se realizará. Mas, se eu não falar, a questão de comunicar seja o que for não existirá. Em primeiro lugar, se eu falar, existe a possibilidade de que aquilo que estou dizendo alcance as pessoas. Se falo a cem pessoas, haverá pelo menos uma que talvez possa receber o que eu disse, sem se prender às palavras. Para as outras noventa e nove, o esforço terá sido inútil. Que seja assim! Pelo menos alguma coisa poderá ser comunicada a uma pessoa, mas se eu ficar em silêncio, nem mesmo essa única possibilidade existirá. Por isso, meu esforço continua. É interessante notar que quem acredita que as coisas possam ser comunicadas por palavras não fala muito. Fala pouco, e assim tudo está dito. Mas quem acredita que as coisas não podem ser expressas por palavras, fala muito, porque, por mais que fale, sabe que o que tem a dizer ainda não foi comunicado. Então continua falando mais e mais. O fato de Buda ter falado por um longo período, diariamente, de manhã e à noite durante quarenta anos, não aconteceu por ele achar que pudesse se expressar ou comunicar através das palavras. Mas porque todos os dias, depois de falar, ele sentia que o que havia para ser dito ainda NÃO tinha sido comunicado. Assim Buda voltava a falar. Falava de uma maneira diferente, de um outro jeito, com palavras diferentes. É por isso que passou quarenta anos falando. Mas então existe o medo de que, se eu falar durante quarenta anos, as pessoas se prendam apenas às minhas palavras. Porque se durante quarenta anos o meu método for através das palavras, terei de continuar gritando: “Não se
  • 15. prendam às minhas palavras!” É uma situação peculiar. Entretanto, não há outra saída. Para levar alguém além das palavras, as palavras terão de ser usadas; não há outro jeito. A situação é mais ou menos assim: há uma sala. Para sair dessa sala, será preciso caminhar de cinco a dez passos dentro da própria sala. De onde estamos sentados, teremos de dar de cinco a dez passos até a saída. Alguém pode perguntar: “Andando dentro da sala, como se poderá sair dela?” Tudo dependerá de como você caminhar dentro dela. Se uma pessoa ficar dando voltas dentro da sala, poderá andar milhas sem sair dela. Mas poderá também caminhar diretamente para a porta — não em círculos, mas em linha reta, de modo linear. Se, enquanto caminhar, ela descrever círculos, ficará simplesmente dando voltas dentro da sala. Mas se andar em linha reta em direção à porta, poderá atravessar a porta. Em ambos os casos, ela só poderá andar na sala. Se eu disser a essa pessoa que deu muitas voltas na sala, que se ela der dez passos sairá da sala, imediatamente ela perguntará se eu enlouqueci. Dirá: “Você está falando em dar apenas dez passos, mas eu andei milhas e ainda não saí da sala.” Ela não estará dizendo nada falso, ficou simplesmente girando em círculos. É interessante notar que neste mundo tudo gira em círculos. O nosso movimento é circular. Todo movimento é circular. A menos que você faça um esforço, tudo se move circularmente. Caminhar em linha reta requer um esforço considerável. Neste mundo, todo movimento é circular. Seja um átomo ou uma sala, ou a vida de um homem, ou um pensamento, tudo se move em círculos neste mundo. Caminhar em linha reta requer esforço; caminhar em linha reta é, em si mesmo, uma grande realização. Você não percebe em que momento começa a andar em círculos. É por isso que a geometria diz que a linha reta não pode ser desenhada. Todas as linhas retas são apenas partes de um grande círculo. Temos a ilusão das linhas serem retas, mas não existe linha reta neste mundo. Não se pode desenhar uma; é apenas uma definição. Euclides disse que a linha reta é apenas uma definição. É imaginária; não pode ser desenhada. Por mais reta que seja uma linha, ela só pode ter sido desenhada sobre a terra. Como a Terra é redonda, a linha também será redonda. Podemos desenhar uma linha reta nesta sala, mas ela será apenas parte do círculo maior da Terra. Questionador: É uma curva? Bhagwan:
  • 16. É uma curva tão pequena que não se pode vê-la. Mas se estendermos uma após a outra, descobriremos que é realmente um círculo que circunda o mundo. Descobriremos que a linha reta se tornou redonda; por isso é impossível traçar uma linha reta. Quando pensamos profundamente nisso, o maior problema na meditação é que todo pensamento é circular. Até mesmo a nossa consciência move-se num círculo. O que é mais árduo, a maior tapascharya (austeridade), é cair fora desse movimento circular. Mas parece que não há saída. As palavras também se movem em círculos. Nós não temos a mínima idéia sobre como as palavras podem ser circulares. Mas elas SÃO circulares. Quando se define uma palavra, faz-se uso de outras palavras. Se você abre um dicionário e vê a palavra ‘homem’, descobre que o significado é ‘ser humano’. Se procura então pela palavra ‘humano’, o significado é ‘ter qualidades de homem’. O que é tudo isso? É uma grande loucura. Não sabemos como definir ‘homem’ e ‘ser humano’. O que significa isso? Aqueles que se referem aos dicionários não têm nenhuma noção de como eles são circulares. Uma palavra é usada para definir uma segunda, essa segunda é usada para definir a primeira. Um homem é um ser humano e um ser humano é um homem. Onde está a definição de ‘homem’? Dessa maneira, todas as definições são circulares, todos os princípios são circulares. Para explicar um, usa-se outro princípio, e para explicar o outro usa-se o primeiro. A nossa consciência é circular. É por isso que quando ficamos velhos comportamo-nos como crianças. O círculo se completa. Não importa quantas palavras sejam ditas, elas movem-se sempre em círculo. As palavras dão voltas; não podem andar em linha reta. Se você andar em linha reta, sairá delas e entrará nas não-palavras. Mas por vivermos nas palavras, se eu tenho de dizer alguma coisa contra elas, tenho de usá-las para isso. É um tipo de loucura, mas eu não tenho culpa. Falo sabendo que sem palavras você não poderá entender, e depois falo contra as palavras na esperança de que você não se prenda a elas. Se isto acontecer, só então conseguirei convencê-lo do que quero. Se você entender apenas as minhas palavras, perderá o que eu digo. Terá de entender as palavras mas, ao mesmo tempo, tudo o que é indicado através delas sobre o mundo sem palavras também precisará ser entendido. Por isso falo sempre contra as escrituras muito embora o que eu esteja dizendo possa se tornar uma escritura. Todas as escrituras são feitas dessa maneira. Não existe uma única escritura de valor na qual não se encontrem afirmações contra as palavras. Isso significa que não existe escritura que não contenha afirmações contra as próprias escrituras, seja o Gita, o Alcorão, a Bíblia, ou até mesmo Mahavir e Buda.
  • 17. Não existe razão para acreditar que alguma coisa diferente acontecerá comigo. O mesmo efeito impossível continuará. Enquanto falo inúmeras vezes contra as palavras, tenho de pronunciar muitas palavras. Uma pessoa ou outra poderá apoderar-se delas e transformá-las em escritura. Mas não posso parar de falar porque existe uma chance em cem de que elas se tornem escrituras. Só se eu parar de falar existirá uma garantia contra esta única chance. Entretanto, esse medo não tem nenhum fundamento, logo depois virá alguém que falará contra o que eu disse e contra as escrituras que foram feitas a partir disso. Não é preciso ter medo! Mas aqui acontece uma coisa estranha: no futuro, meu trabalho neste mundo será favorecido pelas próprias pessoas que falam contra mim. Hoje é assim: se alguém quiser trabalhar para Buda, terá de falar contra Buda. As palavras de Buda foram assimiladas por muita gente como pedras velhas, e essas pedras não podem ser removidas até que Buda seja afastado. Com a divinização de Buda, essas pedras alojaram-se no peito das pessoas que as assimilaram. Se as pedras tiverem que ser removidas, Buda também terá de ser rebaixado, caso contrário as pedras permanecerão. Agora você pode entender a minha impossibilidade. Pode entender porque tenho de falar contra Buda, muito embora saiba muito bem que estou fazendo o trabalho dele. Mas como se pode mudar aqueles que se prendem ao nome ou às palavras de Buda? A menos que Buda seja removido eles não poderão mudar. E para mudá-los temos de assumir o fato de perturbar Buda desnecessariamente. Enquanto os Vedas não forem postos de lado, não existe nenhum jeito de mudar essas pessoas. Elas estão presas a eles. Enquanto o homem não for convencido de que os Vedas são inúteis, não os deixará. Se de uma vez por todas a mente for esvaziada, algo além poderá ser feito. Mas após esse processo de esvaziamento, direi as mesmas coisas que os Vedas disseram. E as dificuldades aumentarão ainda mais. Começarão a existir os falsos amigos e os ‘falsos inimigos’, desnecessariamente. Assim como estão as coisas, noventa e nove vezes em cem, pode-se encontrar falsos amigos e falsos inimigos. O falso amigo é aquele que criará escrituras a partir das coisas que eu digo, e o falso inimigo é aquele que acredita que estou falando contra as escrituras e que sou um inimigo delas. Mas as coisas são assim, inevitavelmente acontecerão dessa maneira, e não é preciso preocupar-se com isso. A situação é essa. Questionador: Então você não quer escrever? Bhagwan:
  • 18. Não, não quero escrever. Existem muitas razões pelas quais não quero escrever. Uma delas, é que na minha opinião é absurdo e inútil escrever. É inútil, porque, para quem eu escreveria? Para mim, escrever é como enviar uma carta sem saber o endereço. Como posso colocar essa carta num envelope e despachá-la, se não sei o endereço? Uma afirmação sempre tem endereço certo. Aqueles que querem se dirigir às massas escrevem. É assim que eles se dirigem à multidão anônima. Mas quanto mais anônima é a multidão, menos coisas podem ser ditas. E quanto mais próxima e mais conhecida for a pessoa endereçada, mais profundo pode ser o diálogo. Verdades mais profundas só podem ser ditas a pessoas particulares. A uma multidão, apenas coisas temporárias e simples podem ser ditas. Quanto maior a multidão, menor será a compreensão; e quanto mais desconhecida for a multidão, maior a pressuposição de que nada será compreendido. Assim, quanto mais uma literatura for dirigida às massas, mais simples e rasteira será. Voar muito alto não é possível com esse tipo de literatura. Se você encontrar delicadas nuanças de significado na poesia de Kalidas e não as encontrar na poesia dos poetas modernos, não é porque exista alguma diferença entre Kalidas e os poetas modernos. Mas porque a poesia de Kalidas foi dirigida e recitada na presença de um imperador e de algumas pessoas selecionadas, enquanto que a poesia moderna é impressa em jornais. Um jornal pode ser lido enquanto se toma um chá numa cafeteria, enquanto se come amendoins ou se fuma. O poema pode ser lido de relance. Então, para quem foi escrito? O poeta moderno não se importa com isso. Deve escrever para Todos- Os-Homens, para o mínimo denominador comum. Ele precisa ter em vista Todos-Os-Homens enquanto escreve. Minha dificuldade é que é difícil expor a Verdade mesmo para os melhores entre nós. Para os que são menos que os melhores, para os homens comuns, nem mesmo surge a questão de expor a Verdade. Só aqueles que estão entre os poucos escolhidos podem entender assuntos mais profundos. Mas mesmo entre esses poucos escolhidos, noventa e nove entre cem não entenderão o que eu digo. Assim, não faz sentido dizer tais coisas a uma multidão, e escrever é dirigir- se a uma multidão. Existem também outras razões para não escrever. Acredito que quando se muda o veículo usado, o conteúdo também muda. Mudando o veículo; o assunto-tema não permanece o mesmo. O veículo impõe as suas próprias condições e altera o que é dito. Não é facilmente compreensível. Quando estou falando, é um tipo de veículo. Toda a linha de comunicação é viva. O ouvinte está vivo e eu também estou vivo. Quando estou falando, o ouvinte não apenas ouve: ele também vê. A alteração
  • 19. das expressões de meu rosto, as mudanças repentinas refletidas em meus olhos, meus dedos se erguendo e baixando, tudo é visto por ele. Não só ouve as minhas palavras: também vê o movimento dos meus lábios. Não são apenas as minhas palavras que falam. Meus lábios também falam. Meus olhos também dizem alguma coisa. Tudo isso é assimilado pelo ouvinte. Na mente de um ouvinte, o conteúdo do que eu disse será diferente do que na mente de um leitor, porque tudo isso irá fazer parte dele. Quando alguém lê um livro, no meu lugar existem apenas letras e tinta pretas; nada mais. Eu e a tinta preta não somos equivalentes. Não existe dar e receber. Na tinta preta jamais aparecem gestos ou mudanças de expressão, jamais se criam cenas e quadros. Não existe vida; é uma mensagem morta. Quando alguém lê um livro, uma parte bastante significativa da mensagem que permanece viva enquanto estou falando, se perde. Nas mãos do leitor encontram-se apenas afirmações mortas. É interessante notar que um leitor pode ser menos atento do que um ouvinte. Quando alguém está ouvindo, o seu grau de atenção é muito maior do que quando lê. Enquanto se ouve, é preciso toda a atenção e concentração, porque o que já foi dito não será repetido. Você não pode rever as partes não entendidas ou parcialmente entendidas; elas se perderam. A cada momento que estou falando, o que é dito perde-se num abismo infinito. Se você captou, captou. Se não, aquilo vai embora e não volta mais. Enquanto se lê um livro essa apreensão não existe, porque você pode reler as mesmas páginas quantas vezes quiser. Portanto, não é necessário estar muito atento enquanto se lê. É por isso que as palavras começaram a ser escritas no dia em que a atenção diminuiu. Tinha de ser assim. Lendo um livro, se você não entendeu alguma coisa, pode voltar as páginas e reler. Mas quando falo, não é possível voltar atrás. O que se deixou passar, perdeu-se. O conhecimento daquilo que é falado perde-se para sempre quando se deixa passar e não pode ser repetido. Isto mantém a sua atenção ao máximo. Ajuda-o a manter a sua consciência a um máximo de alerta. Quando você lê devagar, se deixa passar alguma coisa não há prejuízo; pode ler outra vez. Com um livro, a compreensão é menor e a necessidade de repetir aumenta. Conforme a atenção diminui, a compreensão também diminui. Por isso, não foi sem razão que Buda, Mahavir e Jesus, todos preferiram falar para transmitir suas mensagens. Poderiam ter escrito, mas preferiram este veículo. Fizeram-no por duas razões: uma, porque a palavra falada é um veículo mais abrangente; pode-se dizer mais. Existem muitas coisas ligadas às palavras que se perdem na linguagem escrita. É por isso que, se pensar a respeito, você poderá notar que quando os filmes começaram, os romances perderam sua importância. É porque os filmes trazem
  • 20. as coisas mais vivas. Quem vai ler um romance? É uma coisa morta. O romance não sobreviverá por muito tempo. Poderá perder-se como forma de arte porque agora temos veículos mais vivos, aos quais McLuhan chama de “meios quentes”. A televisão e o cinema são veículos vivos, são veículos quentes. Existe calor no sangue deles. Mas a palavra escrita é um veículo frio, frio e morto. Não existe vida nela; o sangue não flui dentro dela. Até mesmo o telefone ficará fora de moda logo que aparecer o ‘videofone’, assim como o rádio tornou-se ultrapassado com a chegada da televisão. Comparativamente, o rádio tornou-se um meio mais frio, enquanto que a televisão é um veículo quente. Na minha opinião, falar é um veículo quente. Nele há calor e sangue. Até agora não fomos capazes de descobrir como dar ênfase às palavras escritas. Se eu quero enfatizar alguma coisa quando falo, posso falar um pouco mais alto. Posso alterar as nuanças da minha voz; então a ênfase é transmitida. Mas com as palavras de um livro isso não acontece. As palavras estão mortas. Num livro, a palavra ‘amor’ é amor, tenha ela sido escrita por alguém que esteja ou não amando, por alguém que viva o amor ou nem mesmo saiba o que é amor. Não existem nuanças, ritmo, ondas ou vibrações. As palavras estão mortas. Quando Jesus usa a palavra ‘prece’, seu significado não é o mesmo de quando alguém escreve a mesma palavra num livro. Toda a vida de Jesus é uma prece, do começo ao fim. Cada partícula dele é uma prece; cada polegada de seu corpo está plena de prece. Assim, o que Jesus transmite quando usa a palavra ‘prece’ é diferente do que é transmitido pela mesma palavra num dicionário. Sempre que alguém fala, cria imediatamente uma espécie de afinação, um contato com o ouvinte. A alma do orador aproxima-se logo da alma do ouvinte. As portas se abrem; as defesas do ouvinte começam a se relaxar. Quando você está ouvindo, se estiver bastante atento, o seu pensamento terá de parar. Quanto maior for a sua atenção ao ouvir, menos você pensará. As suas portas se abrem, você se torna mais receptivo ao outro. Agora, alguma coisa poderá entrar diretamente, sem obstruções; você e o orador tornam-se conhecidos um para o outro. Num sentido mais profundo, estabelece-se um relacionamento harmônico. A voz vem de fora e, ao mesmo tempo, ecoa profundamente dentro do ouvinte. Tal relacionamento não pode ser estabelecido quando se está lendo, porque o escritor está ausente. Ao ler, quando você não entende automaticamente alguma coisa, tem de fazer um esforço para entender. Mas ouvindo, você compreende sem esforço. Quando você lê um livro baseado no que eu falei, o qual tenha sido transmitido literalmente, acaba se esquecendo de que está lendo porque me conhece. Depois de alguns momentos, sente que não está lendo — mas sim ouvindo. Mas se as palavras forem mudadas e na redação o estilo for levemente alterado, o
  • 21. ritmo e a harmonia se quebrarão. Quando aqueles que já me ouviram falar uma vez lerem as minhas palavras faladas, a leitura será a mesma coisa que me ouvir. Mas existe diferenças porque, ainda assim, a mudança de veículo altera a intenção do que foi dito. A dificuldade é que o que estou tentando dizer muda de acordo com a forma de expressão. Se eu uso a poesia, ela impõe as suas próprias condições: uma certa combinação de palavras, a rejeição ou seleção de um determinado assunto, a supressão ou corte de certas coisas. Se houver necessidade de expressar a mesma coisa em prosa, o conteúdo será inteiramente outro. É por isso que, na sua maioria, todos os grandes livros do mundo foram escritos em versos. O que tinham a dizer estava tão além da lógica que era difícil expressar através da prosa. A prosa é bastante lógica; a poesia é ilógica. A falta de lógica é permitida e perdoada na poesia, mas não na prosa. Na poesia, se você vai um pouco além da compreensão lógica, tudo bem. Mas na prosa, não. Por ser ilógica a poesia profunda, a prosa profunda tem de ser lógica. Se você tentar escrever os Upanishads ou o Gita em prosa, descobrirá que aquilo que lhes dá vida se perderá. O veículo foi mudado, e o que era belo como poesia será inadequado e desinteressante como prosa. Eles não são lógicos, mas a prosa tentará transformá-los porque ela é um arranjo da lógica. Os Upanishads foram recitados em poesia; assim como o Gita. Mas Buda e Mahavir não falaram de forma poética. Houve uma razão para essa mudança. Quando os Upanishads e o Gita foram escritos, o mundo havia mudado. A época em que foram escritos era, num certo sentido, poética. As pessoas eram simples e diretas; a lógica não era necessária. Se lhes diziam: ‘Deus existe’, elas simplesmente concordavam. Não costumavam dar voltas e perguntar: “O que é Deus?” “Como Ele é?” Se você olhar para as crianças, terá uma idéia do tipo de gente que existia naquela época. Uma criança faz perguntas difíceis, e se satisfaz com respostas simples. Ela pode perguntar de onde veio sua irmãzinha ou seu irmãozinho. Você responde que ele ou ela foi trazido por uma cegonha e a criança fica satisfeita. Depois vai brincar. Ela fez uma pergunta muito difícil, à qual nem os mais inteligentes são capazes de responder corretamente. A criança fez uma pergunta básica, fundamental: “De onde vêm as crianças?” Você responde que são trazidas pela cegonha, e ainda nem acabou de dizer e a criança já se foi. Está satisfeita com uma resposta muito simples. E quanto mais poética for a resposta, mais ela ficará satisfeita. É por isso que usamos poesia nos livros infantis. A poesia alcança rapidamente o coração da criança. Nela existe um ritmo e uma melodia que alcançam a sua mente com muita rapidez. Uma criança vive no mundo do ritmo e da melodia.
  • 22. Buda e Mahavir usaram a prosa porque na época em que viveram as pessoas estavam habituadas a encadear pensamentos lógicos. Eram feitas perguntas precisas, mas nem mesmo com respostas longas e intricadas, as pessoas ficavam satisfeitas. Faziam então mais vinte e cinco outras perguntas. É por isso que Buda e Mahavir tiveram de falar em prosa. Agora não é mais possível falar em poesia. A poesia é agora escrita para entretenimento. Antes, todos os temas sérios e fundamentais eram transmitidos em poesia. Mas, atualmente, os assuntos relevantes não podem ser tratados em forma poética. Os poucos que ainda têm algum prazer e desejo de entretê-lo escrevem poesia, mas todos os assuntos de valor são ditos apenas em prosa. O homem não é mais uma criança; tornou-se um adulto. Pensa logicamente sobre todos os assuntos. Só a prosa pode ser usada logicamente. Cada veículo transforma o conteúdo. Para mim, à medida que os métodos de comunicação forem se desenvolvendo, a transmissão oral do pensamento terá de voltar. Por algum tempo a palavra impressa foi a mais importante, mas o avanço tecnológico está nos trazendo de volta a possibilidade de comunicação direta através de um meio vivo, através da televisão. Em breve, ninguém mais vai querer ler livros. Poderei falar ao mundo inteiro através de uma rede de televisão. Todos poderão ouvir diretamente. Por isso o futuro do livro não é dos melhores. Nessas circunstâncias, de certo modo, o livro não será lido; será visto. Terá de ser popularizado; o livro terá de ser transformado. Os microfilmes foram desenvolvidos e assim é possível ler um livro numa tela. Logo, as palavras serão transformadas em desenhos. Acredito que a escrita tenha se desenvolvido por incompetência. Não havia outro jeito. Ainda hoje aqueles que querem transmitir algo muito importante usam o veículo da palavra oral. Não sei para quem eu escreveria. Quando não tem ninguém à minha frente, não surge em mim nenhum desejo de falar. O prazer de falar por falar não existe em mim. Esta é a diferença entre um escritor (um literato) e um Iluminado. O literato tem um certo interesse em simplesmente expressar alguma coisa. Fica satisfeito quando pode fazer isso. Parece que um grande peso sai de seus ombros quando ele escreve. Não existe esse peso em mim. Quando estou falando com você, não estou sentindo prazer só por estar lhe dizendo alguma coisa. Falando, não tenho a sensação de estar sendo aliviado de um peso. Minha fala, num certo sentido, é mais uma resposta do que uma expressão. Não existe em mim o sentimento de TER de lhe dizer alguma coisa. Se você quer saber algo, só então me ocorre dizer alguma coisa. A condição de minha mente é tal que se você jogar um balde no meu poço, alguma coisa virá à tona.
  • 23. Gradualmente está se tornando difícil para mim falar, a menos que uma pergunta tenha sido feita. No futuro, ficará cada vez mais difícil falar simplesmente. Por isso tenho de encontrar desculpas. Preciso de uma desculpa para falar do Gita. Se você criar essa desculpa, então falarei. Mas, para mim, está se tornando difícil falar, a menos que você proporcione uma desculpa. Se não há um prego ou cabide no qual pendurar alguma coisa, o quê e por que pendurar torna-se um problema. Fico em silêncio — vazio. Você sai daqui e eu fico vazio. Se alguém tem o desejo de falar, a necessidade de falar, então ele se apronta para falar mesmo que você não esteja presente. Sua mente prepara o que dizer mesmo que ninguém esteja presente. Quando essa pessoa acumula material suficiente dentro dela, é impelida a falar. Para mim, isso não acontece. Estou completamente vazio. Se você levanta uma questão e me faz falar, só então eu falo. É por isso que é difícil escrever. Escrever é mais fácil para aqueles que estão cheios. Questionador: Por que você não escreve a sua autobiografia? Bhagwan: Isso também pode ser perguntado — por que não escrevo minha autobiografia? Pode parecer muito interessante mas, na verdade, depois do Autoconhecimento, não existe autobiografia. Todas as autobiografias são ‘egobiografias’. O que chamamos de autobiografia não é a estória da alma. Enquanto você não souber o que é alma, tudo o que escrever será egobiografia. É interessante notar que nem Jesus, nem Krishna, nem Mahavir, nem Buda escreveram suas autobiografias. Escrever ou falar de si mesmo não é possível para aqueles que conheceram suas almas, porque depois de conhecê-la a pessoa se transforma em alguma coisa tão sem forma que o que chamamos de fatos da vida, tais como quando nasceu, quando aconteceu um determinado evento, se dissolvem. O que acontece é que todos esses fatos deixam de ter qualquer importância. O despertar de uma alma é tão cataclísmico que depois de acontecer, quando a pessoa abre os olhos, descobre que tudo se perdeu. Nada restou; não resta ninguém para falar sobre o que aconteceu. Depois que a pessoa conhece a sua alma, uma autobiografia parece uma versão onírica de si mesmo. É como se alguém escrevesse um relatório de seus sonhos: um dia sonhou este sonho, outro dia aquele, e no dia seguinte um terceiro. Uma autobiografia dessas não tem mais valor do que uma fantasia, um conto de fadas.
  • 24. É por isso que é difícil para uma pessoa acordada escrever. Acordando e conscientizando-se, ela descobre que não há nada que valha a pena escrever. Foi tudo um sonho. Permanece a importância da experiência de tornar-se consciente, mas o que se conhece através dessa experiência não pode ser descrito. Reduzir uma experiência como essa a palavras faz com que pareça insípida e absurda. Mesmo assim, tenta-se sempre falar sobre a experiência de maneiras diferentes através de métodos diferentes. Por toda a minha vida eu continuarei falando sobre o que aconteceu. Não há mais nada a dizer, exceto isso. Mas isso também não pode ser escrito. Logo que se escreve, sente-se que não vale a pena falar a respeito. O que há para escrever? Pode-se escrever: “Tive uma experiência da alma. Sinto-me pleno de paz e felicidade.” Parece absurdo — meras palavras. Buda, Mahavir e Cristo falaram continuamente, por toda a vida, de maneiras diferentes, sobre o que conheceram. Eles nunca se cansaram. Sentiam sempre que ainda faltava alguma coisa e assim falavam outra vez, de uma outra maneira. Não acabavam nunca. Buda e Mahavir talvez tenham acabado, mas o que eles tinham a dizer permaneceu incompleto. O problema é duplo: o que pode ser dito parece um sonho e só o que não pode ser dito vale a pena dizer. Permanece sempre a sensação de que é inútil contar a você o que aconteceu comigo. Meu propósito é conduzi-lo àquele caminho que o levará à experiência em si. Só então, algum dia você poderá entender o que me aconteceu. Antes disso você não poderá entender e, contar o que aconteceu comigo diretamente, não servirá para nada. Eu não acho que você vá acreditar no que eu disser. E de que servirá levantar suas suspeitas? Será prejudicial. A melhor maneira é levá-lo àquele caminho, àquela margem, na qual você poderá ser empurrado para o lugar onde, algum dia, você mesmo poderá ter a experiência. Nesse dia você poderá confiar. Saberá como acontece. Caso contrário não há como confiar. No momento da morte de Buda as pessoas perguntaram: “Para onde você irá após a morte?” O que ele respondeu? Disse: “Nunca estive em lugar nenhum, assim, para onde poderia ir após a morte? Nunca fui a lugar algum e nunca estive em nenhum lugar.” Mesmo depois disso, as pessoas ainda perguntaram para onde ele iria, mas ele disse a verdade, pois o significado de ‘estado de Buda’ é ‘lugar nenhum’. Nesse estado a pessoa não está em lugar nenhum, portanto a questão de estar em algum lugar nem mesmo ocorre. Quando você consegue estar quieto e silencioso, o que resta além da respiração? Só resta a respiração; nada mais. Como o ar dentro de uma bolha, a respiração permanece. Se pelo menos uma vez você conseguir ficar quieto por alguns momentos, compreenderá que quando não há pensamentos, não há mais nada exceto a respiração. A inalação e exalação do ar, nada mais são que a entrada e saída do ar numa bolha ou num balão. Por isso Buda diz: “Eu fui
  • 25. somente uma bolha. Aonde eu estive? Uma bolha estourou e você está perguntando para onde ela foi.” Se alguém como Buda sabe que é semelhante a uma bolha, como poderia escrever sua autobiografia ou falar sobre sua experiência? Tudo o que disser será mal interpretado. No Japão existiu um santo chamado Linchi. Um dia Linchi ordenou que todas as imagens de Buda fossem removidas. Nunca existira um homem como ele. Pouco antes ele estivera adorando essas imagens de Buda e agora ordenava que fossem removidas. Alguém parou e perguntou: “Você está com a cabeça no lugar? Sabe o que está dizendo?” Linchi respondeu: “Enquanto eu pensava que estava aqui, acreditava que Buda também estivesse. Mas quando eu mesmo não estou, quando sou apenas uma bolha de ar, então sei que alguém como Buda também não poderia ter estado aqui.” À noite Linchi estava outra vez adorando Buda. As pessoas perguntaram de novo o que estava fazendo. Ele disse: “Fui auxiliado em meu próprio não-ser pelo não- ser de Buda. É por isso que estou agradecendo. É a gratidão de uma bolha a outra bolha; apenas isso.” Mas essas afirmações não puderam ser entendidas corretamente. As pessoas acharam que havia algo de errado com aquele homem e que ele se voltara contra Buda. Uma autobiografia não sobrevive. Falando mais profundamente, a própria alma não sobrevive. Até agora, nós entendemos apenas que o ego não sobrevive. Durante milhares de anos escutamos dizer que o ego não sobrevive quando se alcança o Conhecimento. Mas falando precisamente, a própria alma não sobrevive. Compreendendo isto, a pessoa fica com medo. É por isso que não pudemos entender Buda. Ele disse: “A alma também não sobrevive; tornamo-nos não- alma.” É muito difícil entender Buda neste mundo. Mahavir só falou da morte do ego; até aí pôde ser entendido. Não que ele não soubesse que a alma também não sobrevive, mas tinha em mente a nossa compreensão limitada. Por isso, falou apenas da desistência do ego, sabendo que a alma se dissolveria automaticamente. Pela primeira vez, Buda afirmou o que havia sido um segredo. Os Upanishads também sabiam, Mahavir também sabia que no final a alma não sobrevive, pois a idéia de alma é uma projeção do ego. Mas Buda revelou o segredo que durante tanto tempo tinha sido tão bem guardado. Isso criou dificuldades. Aqueles que acreditavam que o ego não sobrevive começaram a discutir. Se a alma também não sobrevive, disseram eles, então tudo é inútil. Onde estamos nós?
  • 26. Buda estava certo. Como então poderia haver uma autobiografia? Tudo é como uma sequência de sonhos, como as cores do arco-íris formadas numa bolha. As cores morrem quando a bolha estoura. Esta é uma consequência óbvia. Questionador: Os processos e as experiências pelos quais uma pessoa passa serão úteis para os outros se forem escritos? Bhagwan: Podem ser úteis para o buscador, mas é muito difícil para o Iluminado escrever, porque as dificuldades do Siddha (do Iluminado) são diferentes das do sadhak (buscador). A dificuldade é que para o Iluminado não existem espíritos nesta sala mas, para você, existem. O Siddha sabe que o espírito não existe, mas uma vez ele também possuiu um espírito ao qual exorcisou com o auxílio do mantra. Agora ele sabe que tanto o espírito quanto o mantra eram falsos. Sabendo disto, como pode dizer que afastou o espírito com o auxílio do mantra? Você está me entendendo? Este é um problema para o Mestre. Ele sabe que o espírito era falso e que o mantra foi só um auxílio na escuridão. O espírito era falso assim como o mantra que o afastou. Como então ele pode dizer que afastou o espírito com o mantra? Dizer isso agora não faz sentido. Mas se ele pudesse dizer que afastou o espírito com o mantra, seria uma ajuda para você. O Mestre não dirá que afastou o espírito pelo poder do mantra. Pelo contrário, dirá que os espíritos desaparecem com o canto de mantras, que se o buscador cantar um mantra o espírito desaparecerá. O Mestre não dirá que afastou o espírito com um mantra porque seria uma afirmação falsa. Agora ele sabe que o mantra era tão falso quanto o espírito. Por isso, as afirmações de tais pessoas serão menos autocentradas. Raramente elas falarão de si mesmas. Falam sobre você e o que é relevante à sua situação, assim é problema delas ter de fazer afirmações falsas para ajudá-lo. Questionador: Você quer dizer que o processo todo de ‘sadhana’ (processo de prática espiritual) é tão irreal quanto um fantasma? Bhagwan: Sim, é, porque o que você finalmente alcança sempre esteve com você e aquilo do qual você se liberta jamais o prendeu. Mas isso apresenta uma dificuldade para o Mestre: é por isso que digo que o Mestre tem suas próprias dificuldades. Se ele disser que todo o processo de sadhana é falso, então você estará em dificuldades, porque, para você, o processo torna-se falso enquanto que o
  • 27. espírito permanece real. Mesmo um falso processo é significativo quando serve ao propósito de tornar o espírito falso. Você me entende? Um espírito não se torna falso apenas por ser chamado de falso. É interessante notar que uma coisa errada não deixa de ser errada só por ser chamada assim, mas quando alguma coisa está certa e é chamada de errada, nós imediatamente aceitamos. Não importa quanto se diga que a raiva está errada; isso não a torna errada. Por outro lado, se alguém diz que a meditação está errada, imediatamente você sente que talvez esteja; não leva nem um segundo para se tornar errada. Você não concorda imediatamente quando se proclama que uma pessoa seja um santo, mas se lhe disserem que alguém é um ladrão, imediatamente aceita isso como verdade. Antes de aceitar que uma pessoa seja santa, você vai submetê-la a um teste, vai tentar provar de várias maneiras se é assim. O motivo da sua cautela é que você fica perturbado se outra pessoa qualquer é considerada santa. Seu ego é ferido. Você tentará provar que ela não é mais santa do que você. Quando lhe dizem que alguém é um ladrão, você não se importa em provar; acredita imediatamente porque essa crença o faz feliz. Isso lhe assegura que você não é o único ladrão, mas que outra pessoa qualquer é pelo menos tão má quanto você. A difamação e a condenação do outro são facilmente aceitas, mas não o elogio. Mesmo quando você aceita alguém como sendo louvável, mesmo que saiba realmente que é, a aceitação ainda é condicional. Você aceita por algum tempo porque não há outra escolha, mas continua a buscar uma oportunidade para mudar de opinião. Só a condenação é absoluta. Mesmo que aconteça algo que o faça mudar de opinião, você não dá muita importância. Isto acontece o tempo todo na vida. Quando alguma coisa é considerada errada, nós acreditamos imediatamente porque isso nos livra de fazer o que é certo. É preciso muita determinação para continuar a fazer o que é certo. A raiva é espontânea; continuamos a expressá-la mesmo que nos tenham dito que é errada. Mas a meditação precisa ser praticada e isso é muito mais difícil. Assim, se alguém diz que a meditação é uma coisa falsa, sentimo-nos aliviados por estarmos livres de fazer uma coisa árdua. Questionador: Você descreveu a meditação, não como uma ação mas como um estado de ser. Poderia explicar isso? Bhagwan: A dificuldade da pessoa Iluminada é que se ela lhe contar tudo o que experimentou, você perderá o caminho para sempre, porque o que ela disser será excluído da sua experiência. Por exemplo, eu descrevi a meditação como um estado de ser. O que eu disse é verdade, e ainda assim, para você, a
  • 28. meditação só pode ser uma atividade e não um estado. Se você acreditar que é um estado de ser, sentirá que não existe nada que possa fazer para consegui- lo. Se é uma atividade, então você precisa fazer alguma coisa; se é um mero estado de consciência, então você está liberado da necessidade de agir. Você pensa: “Talvez seja um estado de ser. Então não há nada que eu possa fazer a respeito.” A sua raiva continuará e você não fará nenhuma meditação. O seu sexo, a sua avareza, permanecerão. Se eu disser a verdade, você não será beneficiado. A dificuldade é que se eu disser alguma coisa com a atenção voltada para você, terei de usar o recurso de dizer o que não é inteiramente verdade. E se eu disser alguma coisa com a atenção voltada para mim, será inútil para você. Não só inútil como também perigoso, porque você é o ouvinte. No fundo, dizer toda a verdade, exatamente como a vejo, será um obstáculo para você. É por isso que se eu disser exatamente o que sinto, não poderei ajudá-lo em nada. Pelo contrário, o que eu poderia dizer se tornaria um obstáculo para você, como as palavras de Krishnamurti, que acredito impedem o progresso das pessoas mais do que auxiliam. Quanto mais fundo eu vejo, mais sinto que elas são perigosas. O que ele diz é a verdade interior, mas para você não adianta. Para você é só uma desculpa para parar de fazer qualquer coisa. Questionador: Se o silêncio é tão poderoso, por que alguém falaria através das palavras? Bhagwan: O silêncio é muito poderoso, mas antes é preciso que haja pessoas capazes de ouvir o que é transmitido no silêncio. Questionador: Por que é necessário fazer as pessoas ouvirem? Bhagwan: É necessário, porque vejo que sem saber você está se dirigindo para um buraco fundo e, para mim, está claro que você cairá no buraco e quebrará os braços ou as pernas. Em silêncio, posso transmitir este fato a você. Mas seus ouvidos não podem ouvir minha mensagem silenciosa, por isso tenho de gritar para avisá-lo: “Cuidado! Você vai cair no buraco!” Questionador: Você perde energia fazendo isso? Bhagwan:
  • 29. Não, não! Nenhuma energia é perdida. Aquele que conheceu a fonte de energia não perde energia. Só aquele que não conhece a fonte pode perder. Se eu escrever qualquer coisa como uma autobiografia, pode ser tanto verdade quanto inverdade. Se for verdade, poderá ser prejudicial a você. Se não for verdade, prefiro não escrever. Se for totalmente verdadeira, causará danos a você porque terei de dizer que tudo o que você faz agora é inútil. E imediatamente você concordará que é isso mesmo. Um dia uma pessoa procurou-me. Disse: “Parei de fazer meditação porque Krishnamurti disse que é inútil.” Eu disse: “Você fez bem. Mas o que ganhou com isso? Não ganhou nada. Em primeiro lugar, por que começou a fazer meditação? Você queria conquistar a sua raiva e ignorância. Você conseguiu isso desistindo da meditação? Não! Então, por que parou? Porque Krishnamurti disse que é inútil.” Você sente: “Se uma pessoa Realizada diz que é inútil, por que eu deveria continuar fazendo?” Essa é a dificuldade. Eu também sei que é inútil; também digo a alguns que é inútil. Mas direi apenas àqueles que tenham meditado durante muito tempo e que sejam capazes de entender que é inútil. Uma pessoa assim alcançou um estágio onde é preciso abandonar também a meditação. Mas dizer em praça pública que a meditação é inútil é perigoso. Os ouvintes talvez nunca tenham feito meditação. Essas pessoas ignorantes nunca meditaram. Vão se sentir muito aliviadas. Há quarenta anos as pessoas estão ouvindo Krishnamurti e continuam sentadas por aí sem fazer nada só porque Krishnamurti disse que a meditação é inútil. Krishnamurti não está errado ao dizer isso. Tem dito a mesma coisa durante toda a sua vida. Mas eu digo que está errado porque não o está considerando nem a sua capacidade. Está falando apenas sobre a experiência dele. É por isso que sou sempre muito cuidadoso, que não me projeto e não digo nada a meu respeito. Se falar de mim, e se falar apenas a verdade, será inútil para você. É estranho que se eu falar de você, considerando-o, então você se voltará e perguntará: “Por que disse essas coisas?” Surgem então as oposições. Posso dizer coisas que não criem oposições mas isso não servirá para você. Podem fornecer-lhe uma desculpa para parar onde está. A dificuldade do Iluminado é que ele não consegue contar o que sabe. Por isso, de certa forma, a velha tradição era muito mais correta e ia muito mais fundo. Você aprendia de acordo com a sua posição naquele momento. Toda informação era experimental, nenhuma definitiva. Conforme você progredia, o Mestre ia lhe dando coisas novas. Você ia progredindo e ele dizia: “Agora desista disto e daquilo. Já não serve mais.”
  • 30. Quando você alcançava o estado apropriado, ele lhe dizia que Deus é inútil, que a alma é inútil, que a meditação é inútil — mas só nesse dia, nunca antes. Mas isso só pode ser dito no exato momento em que as coisas se tornam inúteis; então nada é realmente inútil. E você simplesmente ri e sabe. Se eu disser então que a meditação é inútil e você continuar meditando, então eu saberei que você é a pessoa certa para aprender — que foi bom eu ter dito. Se eu disser que o sannyas é inútil — que tomar sannyas é inútil — e você ainda quiser ser iniciado, eu compreenderei que você é o tipo certo de pessoa para aprender. Foi bom. Assim, essas coisas das quais eu falo são as dificuldades que tenho de enfrentar. Tudo isso será entendido devagar e gradualmente. 29 de Fevereiro de 1970. Bombaim, Índia.
  • 31. CAPÍTULO 2 Porque vim! Pergunta: Você disse que, se alguém estivesse falando sobre o corpo, você diria que o corpo está se dirigindo para a morte e, se estivesse falando sobre a alma, diria: “Você jamais nasceu”. Buda disse (a respeito da alma): “Era apenas uma bolha que já não existe mais. Eu não estou aqui, assim, para onde irei?” Então o que é isso que não morre nem nasce? Bhagwan: Existe um mar sobre o qual as ondas vêm e vão, mas o mar permanece o mesmo. As ondas não estão separadas do mar, mas não são o mar. As ondas são formas nascidas do mar, são aparências que tomam forma e morrem. Uma onda que permanece onda para sempre não pode ter esse nome. A palavra ‘onda’ significa que ela morre logo que nasce. Aquilo de onde a onda se ergue está sempre presente, mas o que se ergue não está. É uma dança do transitório no seio do eterno. O mar nunca nasce; a onda está nascendo. O mar nunca morre; a onda está sempre morrendo. No momento em que a onda fica sabendo que é o mar, ultrapassa a cadeia de vida e morte. Mas enquanto acredita ser onda, está dentro da possibilidade de nascimento e morte. Aquilo que é, não nasce nem morre. De onde vem o nascimento? Nada nasce do Vazio. Onde a morte acontecerá? Nada se perde no Vazio. Aquilo que é, é eterno. O tempo não interfere nisso; o tempo não afeta isso. Esta Existência não está ao nosso alcance porque nossos sentidos só podem compreender a aparência e a forma. Nossos sentidos não podem compreender aquilo que está além do nome e da forma. É interessante notar que, depois de ter estado na praia, muitas vezes na volta você diz que viu o mar. Mas você só viu as ondas, não o mar. O mar não pode ser visto. Aquilo que é visível são as ondas. Os sentidos só podem ver o que aparece na superfície. Aquilo que está dentro permanece além da compreensão deles. Os sentidos vêem a forma superficial; a não-forma interior escapa ao alcance deles. O mundo do nome e da forma só nasce por causa dos sentidos. Não é Existência. Tudo o que tem nome e forma nasce e morre, e o que está além do
  • 32. nome e da forma é eterno. Não nasce nem morre. Portanto, quando Buda diz que nasceu como uma bolha, está se referindo aos dois aspectos de uma bolha. O que contém uma bolha? Se entrarmos numa bolha, descobriremos que uma quantidade muito pequena de ar, o mesmo ar infinitamente espalhado no exterior, está contido numa fina película de água. Essa película aprisionou uma pequena porção de ar, e essa pequena quantidade de ar tornou-se uma bolha. Naturalmente, assim como tudo, a bolha também se expande. Expandindo-se, ela se rompe e estoura. Então o ar que estava dentro da bolha une-se ao ar de fora e a água une-se à água. Mas o que veio à existência nesse meio tempo foi um “arco-íris existencial”. Nada mudou no ar ou na água; eles permaneceram os mesmos. Mas, nesse meio tempo, uma forma nasceu e morreu. Se nós nos virmos como bolhas, então também seremos formas que nascem e morrem. O que está dentro de nós sempre esteve, mas nós nos identificamos com a bolha. Assim, se estiver olhando para você do ponto de vista do seu corpo, direi que você está se dirigindo para a morte, que está morrendo lentamente. No momento em que nasceu começou a morrer, e não fez nada mais exceto morrer. A bolha pode levar sete segundos para explodir, mas você leva uns setenta anos. No fluxo infinito do tempo, não existe diferença entre sete segundos e setenta anos. Todas as diferenças são atribuídas à nossa visão estreita. Se o tempo é infinito, sem começo nem fim, então qual é a diferença entre sete segundos e setenta anos? Se o tempo fosse uma quantidade determinada, digamos cem anos, então sete segundos seria muito pouco e setenta anos seria um giro muito grande. Mas se não há nenhum limite, se não há um começo nem um fim, então não existe diferença entre sete segundos e setenta anos. Em quantos segundos a bolha estoura é inconsequente. Tão logo ela nasce, começa a estourar. É por isso que descrevi o corpo como se dirigindo para a morte. Por corpo quero dizer aquilo que se manifesta através do nascimento com um nome e uma forma. Por alma quero dizer aquilo que permanece mesmo depois que o nome e a forma desapareceram. Quando não tinha nome nem forma, ela já existia. Por alma quero dizer o mar e por corpo quero dizer a onda. É necessário entender essas coisas claramente. O que está dentro de nós nunca morre, por isso sentimos interiormente que “eu nunca morrerei”. Vemos que milhares de pessoas estão morrendo, mas não nos convencemos de que também iremos morrer. Nas nossas profundezas não existe nenhum eco de que ‘eu vou morrer’. Pessoas morrem diante de nossos olhos mas mesmo assim esse sentimento interior de imortalidade permanece. Entretanto, nos momentos mais profundos, temos sempre a consciência de que “eu morrerei”. Sabemos que os fatos mostram a ilusão dessa crença na imortalidade e os eventos exteriores indicam que não é possível que ‘eu não morra’. A razão diz que se tudo morre, então você também morrerá. Mas uma
  • 33. voz lá no fundo rompe com todos os elos da razão e continua dizendo: “eu não morrerei”. É por isso que neste mundo nós jamais acreditamos que morreremos. É por isso que somos capazes de viver no meio da morte; do contrário, vivendo constantemente rodeados pela morte, morreríamos instantaneamente. Por que estamos tão confiantes e certos de que viveremos? Essa confiança está ligada a algo interior que insiste em nos dizer que não morreremos, indiferente ao que se diga ou ao que a ocorrência de uma morte real possa dizer. Ninguém jamais consegue conceber a própria morte. Ninguém pode imaginar que morrerá. Por mais que uma pessoa tente imaginar que está morrendo, descobrirá que ainda está viva. Mesmo que consiga imaginar-se morta, descobrirá que ela está ali vendo, que ela está do lado de fora da morte. Não somos capazes de nos colocar dentro das vagas da morte nem por imaginação, porque enquanto imaginamos continuamos observando pelo lado de fora. Aquele que imagina fica de fora, assim não é capaz de morrer. Essa voz que vem de dentro é a voz do mar. Ela nos pergunta: “Onde está a morte?” A morte é desconhecida e mesmo assim temos medo dela. Esse medo vem da voz do corpo, e entre os dois existe uma confusão. No momento em que nos identificamos com a voz do corpo, nossos espíritos começam a tremer diante do fato de que o corpo está destinado à morte. Por mais que alguém tente provar o contrário, por mais que busque ajuda da ciência, invente sistemas de tratamento médico, ou se cerque de médicos e remédios famosos, nem por um único momento o corpo confirma que “eu viverei”. O corpo não tem essa sensação de imortalidade; sabe que está morrendo a cada dia. O corpo sabe que é uma bolha, mas sabemos que NÓS não somos bolhas. No momento em que alguém se identifica com a bolha, todas as tensões de sua vida surgem. Tão logo isso que está dentro de nós e que é imortal se identifica com a onda, começam as dificuldades. Essa identificação é ignorância; romper com essa identificação é sabedoria. Nada muda; tudo permanece como antes. O corpo continua onde estava, a alma também. Só a ilusão desaparece. Sabemos então que quando o corpo morrer não precisaremos ter medo, pois não há porquê sentir medo. O corpo está destinado a morrer. É bom sentir medo quando existe a possibilidade de ser salvo. Mas numa situação em que não existe possibilidade de ser salvo, é inútil sentir medo. Quando um soldado marcha para o campo de batalha, quando deixa a sua casa pela primeira vez, sente muito medo. No campo de batalha ele também sente medo. Mas quando as bombas começam a cair, ele perde o medo porque então todas as possibilidades de se salvar desaparecem. Tal pessoa pode até jogar cartas no meio da linha de tiro. E ela é um homem comum; não tem nada de especial. Mas essa é uma situação única. Nessa situação, temer a morte não faz sentido. A morte é tão iminente que não existe questão de sobrevivência.
  • 34. No campo de batalha existe alguma possibilidade de sobrevivência porque uns morrem e outros sobrevivem, por isso um pouco de medo permanece. Mas no campo da morte não existe nem uma remota possibilidade. No momento da morte a ilusão de que “eu sou o corpo” subitamente desaparece. O medo da morte desaparece porque não há como escapar. Então, o fato do corpo morrer torna-se uma certeza, um destino. Esse é o destino do corpo; não há meios de salvá-lo. No momento em que alguém compreende que a morte é a natureza do corpo, subitamente torna-se evidente que aquilo que está além do corpo nunca nasceu e não tem possibilidade de morte. Assim, também para a alma o medo se desvanece, porque não há razão para temer pelo que não pode morrer. O medo surge porque o corpo e a alma se identificam um com o outro. Ele surge porque a voz interior diz: “Eu não morrerei”, e as vozes exteriores dizem: “É claro que morrerá!” Essas vozes tornam-se confusas. Nós não percebemos que essas duas melodias diferentes estão misturadas e nós as ouvimos como se fossem de um mesmo instrumento. Esse é o erro. Na nossa ignorância existe sempre um medo da morte, mas vivemos como se não houvesse morte. A pessoa ignorante vive o tempo todo como se a morte não existisse embora tenha medo dela. Aquele que conhece também vive como se a morte não existisse, mas tem consciência de que ela pode acontecer a qualquer momento. Vive em dois níveis diferentes. Para ele, a vida está dividida em duas partes: a circunferência separou-se do centro; a onda separou-se do mar; a forma separou-se da não-forma. Entretanto não se pode fugir da morte. É curioso como uma coisa não desaparece por si mesma pelo fato de sabermos que é uma ilusão. Pelo conhecimento, cessa apenas a dor causada por ela. Shankaracharya dava sempre o exemplo de uma corda que no escuro se parece com uma cobra. Mas esse exemplo não é correto porque quando você se aproxima pode ver que é uma corda. E sabendo que é uma corda, por mais que você se distancie, jamais se parecerá com uma cobra. Mas a ilusão da vida não é assim. A ilusão da vida é como afundar um bastão na água. Dentro da água ele parece oblíquo, mas quando é tirado da água está reto. Outra vez mergulhado na água, de novo parecerá oblíquo. Então você afunda a sua mão na água e descobre que o bastão é reto, mas mesmo assim ele parece oblíquo. Só por saber que é reto a inclinação aparente do bastão não desaparece. Mas, por saber, você não se comporta mais como se tivesse a ilusão de que é oblíquo. A nossa ilusão da vida não é como a da corda que se parece com uma cobra, mas como a do bastão reto que dentro da água parece oblíquo. Sabemos muito bem que o bastão não é oblíquo, mas só parece ser. Ele parece oblíquo até para os grandes cientistas que fizeram essa experiência, os quais sabem que mergulhando o bastão na água ele não fica oblíquo. Assim, essa aparência
  • 35. inclinada deve-se aos nossos sentidos. Nosso conhecimento não tem nada a ver com isso. Portanto, a diferença é esta: você não acreditará que o bastão seja oblíquo, mas apenas que parece ser. A questão é dividida em dois níveis diferentes. No nível do conhecimento, o bastão é reto. No nível da visão, é oblíquo. Não existe ilusão em nenhum dos níveis. No nível da vida há o corpo, que é o exterior, e no nível Existencial há o Atman — a alma. Para o conhecedor, o mundo não é confuso. Para ele, o mundo é o mesmo que é para você. Provavelmente para ele o mundo tenha uma perspectiva e uma aparência mais claras. Cada mínima célula da Existência é mais clara. Nada se perde e ele não tem nenhuma ilusão. Sabe que a forma nasce dos sentidos e é como o bastão que parece oblíquo na água. Isso acontece porque os raios de luz se desviam e se inclinam quando incidem na água, dando a impressão de que o bastão também está inclinado. No ar, os raios de luz não se inclinam e por isso o bastão parece reto. O bastão não se inclina, mas os raios de luz inclinam-se quando atravessam a água. Por isso vemos o bastão oblíquo. A Existência é como é, mas passando através dos nossos sentidos, o raio do conhecimento torna-se oblíquo. O raio do conhecimento desvia-se ao passar pelo veículo conhecedor. Se eu usar óculos com lentes azuis, tudo parecerá azul. Se os tirar, verei que tudo é branco. Se os puser outra vez, de novo verei tudo azul. Sei que as coisas parecem azuis por causa os óculos, assim não estou mais iludido. Mas posso continuar usar os óculos e as coisas continuarão parecendo azuis. Assim, embora eu saiba muito bem que a alma — o Ser — é imortal, o conhecimento de que o corpo está destinado a morrer ainda permanece. Apesar do meu conhecimento de que a existência do mar é eterna, a brincadeira das ondas continua. Mas agora sei que parece assim por causa dos óculos. Os óculos são os olhos dos sentidos, e o que se vê através deles não é necessariamente real. É por isso que afirmações de pessoas como Buda, Mahavir ou Jesus são feitas a partir de dois planos diferentes — um é o da alma e o outro é o do corpo. Nossa dificuldade existe por confundirmos os dois planos dentro de nós mesmos, então naturalmente confundimos o que eles afirmam. Às vezes Buda fala como se fosse o corpo. Diz: “Ananda, tenho sede. Por favor, traga-me água.” A alma jamais sente sede. É o corpo que sente. Agora Ananda pode pensar que o corpo não está absolutamente presente, que é apenas um nome e uma forma, apenas uma bolha, então, como pode ter sede? Quando você sabe que não existe corpo, de onde vem a sede?
  • 36. Daí, no dia seguinte, quando Buda diz: “Eu nunca nasci, portanto nunca morrerei”, isso cria dificuldade para o ouvinte. A dificuldade do ouvinte é que ele pensa que, pelo conhecimento, a Existência mudará. Na verdade, a Existência não muda pelo conhecimento, o que muda é apenas a ‘gestalt’ da pessoa. Quando Buda diz que sente sede, diz apenas que o seu corpo está sedendo — que o seu corpo, o qual é uma bolha com nome e forma, está sedento, e se não receber água, logo estourará. Mas a dificuldade do ouvinte é que, por estar vivendo num estado confuso, não é capaz de distinguir qual afirmação está chegando de que plano, assim confunde também os seus significados. Simone Weil escreveu um livro chamado “Graus de Significância”. Quanto mais sábio é o homem, mais ele vive em níveis diferentes de sabedoria simultaneamente. Ele tem de viver assim porque precisa falar de acordo com o nível das pessoas que encontra. Caso contrário, nada do que ele disser terá significado. Se Buda falar com você a partir do nível mais elevado dele, será inútil. Você o tomará por louco. Aconteceu muitas vezes de pessoas como ele serem consideradas loucas. A razão disso é que tudo o que diziam parecia ter sido dito por um louco. Portanto, se eles falarem a partir do nível deles, serão tachados de loucos. Se tiverem de falar no seu nível, terão de descer. Terão de descer ao nível onde você possa entendê-los. Então não parecerão loucos. Portanto, têm de falar a partir de quantos níveis existirem entre as pessoas que forem ouvi-los. Pode-se dizer que muitas pessoas às quais Buda falou chegaram a ele em forma de espelhos. Todos esses espelhos criaram suas imagens separadas de Buda, e as imagens eram tão fiéis quanto a superfície dos próprios espelhos. Uma imagem deve igualar-se ao espelho. Por isso um espelho convexo alargará a imagem enquanto que um côncavo a encurtará. Se não fosse assim, os espelhos não agradariam e seriam quebrados ou mudados. É por isso que as afirmações de pessoas como Buda são encontradas em muitos níveis diferentes. Às vezes, uma só afirmação contém muitos níveis. É porque quando alguém como Buda começa a falar, o faz a partir de seu próprio nível, e quando pára de falar, desceu ao nível em que você está. Muitas vezes, numa só frase, há uma longa jornada — porque ele começa a falar a partir do nível em que ele está. Começa com grandes expectativas em relação a você; aos poucos, vai reduzindo suas expectativas e, nas suas últimas afirmações, chega ao nível em que você está. O nível dele e o seu representam duas profundas divisões, mas isso não significa que estejam muito distantes, separados ou diferentes. São como o mar e a onda. Às vezes o mar pode existir numa onda, mas a onda jamais existirá sem o mar. A Não-Forma pode existir sem a forma, mas uma forma jamais existirá sem a Não-Forma.
  • 37. Mas observando nossa linguagem, é interessante notar como acontece o inverso. Na nossa linguagem, a palavra ‘nirakar’ (não-forma) contém a palavra ‘sakar’ (forma). Mas ‘não-forma’ não está contida na palavra ‘forma’. Linguisticamente, a palavra ‘forma’ estará contida na expressão não-forma. Mas funcionará igualmente se a palavra ‘forma’ não incluir a ‘não-forma’. A linguagem é criada por nós, mas na Existência a situação é inversa. Na Existência, a Não- Forma pode existir sem a forma, mas não pode haver nenhuma forma sem a Não-Forma. Todas as palavras são assim. Para a compreensão da palavra ‘ahimsa’ (não- violência), é necessária a palavra ‘himsa’ (violência). Mas na palavra ‘violência’, a ‘não-violência’ não é necessária. Na vida, entretanto, é interessante notar que para existir a violência, a não-violência é necessária; é inevitável. Mas a não- violência pode existir sem a violência. Nós criamos a linguagem de acordo com as nossas necessidades. Para nós, o mundo pode existir sem Deus, mas como pode Deus existir sem um mundo? Não são duas coisas diferentes. Entretanto, o macrocosmo pode existir sem o microcosmo; não há dificuldade para o mar existir sem a onda. Mas como pode a onda existir sem o mar? A onda é muito pequena e depende do mar para existir. Se o mar em volta a levanta, ela existe. O mar cuida dela por todos os lados. Se o mar a solta, ela se vai. Os dois não estão separados, mas devo dizer que estão, a fim de que a onda não tenha a ilusão de que é imortal, amorfa e eterna. Se a onda se considera separada, existe a possibilidade desta ilusão e de suas consequências. Mas se a onda está unida ao mar, não há nenhuma ilusão. Se a experiência for aquela da unidade, então ela dirá: “Eu não existo, só existe o mar.” Dessa maneira, Jesus dizia repetidamente: “Eu não existo; só meu Pai no céu existe.” Portanto, temos aí uma dificuldade. Ou queremos que se mostre Deus no céu para que possamos descobrir quem Ele é e onde está, ou diremos que Jesus é louco porque não entendemos o que ele diz. Jesus estava dizendo: “Eu sou o mar, não a onda”. mas nós não vemos nada além da onda. “Mar” é apenas uma palavra para nós. Aquilo que é Existência autêntica é apenas uma palavra para nós, e só tomamos como verdadeiro o que é aparente. Para nós, a alma não é conhecida, mas diariamente estamos vendo o corpo. O que vemos diariamente torna-se verdadeiro para nós. É por isso que eu disse que o corpo se dirige para a morte e ele mesmo é a morte. A alma é imortal, não se dirige para a morte. Mas sobre essa imortalidade existe a dança da morte do corpo. Não temos dificuldade em entender o mar e a onda porque não vemos inimizade entre eles. Mas a imortalidade e a morte são difíceis de entender porque as assumimos como inimigas; acreditamos que são inimigas. Quando falo do mar
  • 38. e da onda, a existência de ambos está intimamente ligada, assim não parece haver nenhuma oposição. Mas a imortalidade e a morte parecem ser grandes inimigas — parecem opostas. Parece que jamais poderão se unir. Mas também são uma só. Quanto mais profunda e intimamente você conhecer a morte, melhor compreenderá que a morte nada mais é do que uma mudança. A onda também é uma mudança. Quanto mais fundo você buscar na imortalidade, mais descobrirá que ela nada mais é do que eternidade. A existência de tudo o que parece estar em oposição neste mundo está baseada no seu oposto. Nossa dificuldade é que, para nós, parecem opostos. Mantemos uma separação entre a morte e a imortalidade. Mas a morte não pode sobreviver sem a imortalidade. Para a morte existir, tem de buscar o apoio daquilo que é imortal. Enquanto a morte existir, precisará do apoio do que é imortal. Uma mentira só é possível com o apoio da verdade. Para a mentira existir, terá de se proclamar também verdadeira. A verdade jamais se proclama verdadeira, mas a mentira sempre se diz verdadeira. Ela não pode caminhar nenhuma polegada se não fizer isso. Tem de anunciar aos gritos: “Cuidado! Estou chegando. Eu sou a Verdade!” Leva consigo muitos certificados para provar que é verdadeira. A verdade não precisa de nenhum certificado; não precisa apoiar-se em mentiras. Se a verdade buscar o suporte das mentiras, terá problemas. Se a mentira não tiver o suporte da verdade, então a mentira terá problemas. Para a imortalidade, o suporte da morte não é necessário, mas é somente em relação ao conceito de imortalidade que a ocorrência da morte é entendida. A Existência pura não tem necessidade daquilo que é mutável, mas o mutável só pode ser entendido em relação ao que é imutável. Uma coisa é certa: nós só compreendemos o mutável — porque é o que somos. É por isso que, sempre que pensamos sobre a imortalidade; tentamos entendê-la somente através daquilo que é mutável. Não há outro jeito. Nossa condição é como a de alguém que estando no escuro tenta adivinhar o que é a luz. Ele não tem outro caminho. A escuridão é apenas uma forma obscurecida de luz. É a mais mínima condição de luz possível. Onde não existe nenhuma luz, não existe nada semelhante à escuridão. A luz talvez exista, mas pode estar além do poder de alcance dos nossos olhos. Os nossos sentidos alcançam as coisas dentro de um certo limite. Caso contrário, se os raios de luz altamente intensos que passam constantemente por nós fossem visíveis, nos cegariam instantaneamente. Enquanto não conhecíamos o Raio X, não sabíamos que seus raios atravessavam o corpo humano. Não sabíamos que podíamos fotografar nossos ossos. Hoje ou amanhã talvez seja descoberto um raio que possa penetrar na célula inicial de um bebê