1) O documento discute questões relacionadas à prova no planejamento tributário, como a responsabilidade da administração em comprovar os elementos do fato tributário versus a licitude das operações realizadas pelos contribuintes.
2) É analisada a linha tênue entre planejamento tributário lícito (elisão fiscal) e simulação/fraude tributária.
3) São apresentados os princípios que regem a interpretação dessas matérias, como legalidade, tipicidade e irretroatividade da lei tributária.
1. A QUESTÃO DA PROVA NO
PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
Florence Haret
2. A QUESTÃO DA PROVA NO
PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
• Tem como premissa questões:
– De tipo: tributário e infracional-tributário
– De prova, indícios e presunções
– De responsabilidade subjetiva: dolo/culpa
– De desconsideração, arbitramento e autuação
• Atualmente, o campo do planejamento conceitua-
se pela negativa: princípio ontológico de direito
privado
• Problematização da linha divisória entre:
– planejamento (elisão); e
– simulação/fraude/conluio (evasão)
3. 3
Princípios regentes à interpretação da matéria
• Rígida repartição das competências: A Constituição refere-se a fatos
jurídicos na repartição das competências.
• Princípio da legalidade estrita: CF 5, II e XXXIX; CF 150, I; CTN 97, V
• Princípio da tipicidade ou Princípio da legalidade material: CTN 97 e 142:
atividade vinculada da autoridade administrativa, que deve efetuar o
lançamento quando ocorrido o fato previsto em lei.
– Não basta a tipificação: é preciso a boa-tipificação, o que implica conceitos precisos
e delimitativos do fato e usados em seu sentido técnico;
– Determinação de hipótese genérica equivale à ausência de norma no campo
tributário: há insegurança jurídica ao se prescrever genericamente condutas
infracionais: CC 166, VI (fraude à lei) e CC 187 (abuso de direito)
– Não se pode aproveitar, para fins do CTN 110, os enunciados do CC 166, VI, e 187
pois: (i) pressupostos da desconsideração exigem dolo específico; enquanto que (ii)
pressupostos da fraude à lei/abuso de direito requer somente culpa lato sensu.
• Princípio da irretroatividade da lei agravadora: CTN 106, I
• Princípio da retroatividade da lei mais benéfica aos atos ainda não-definitivamente
julgados: CF 5, XL; CTN, 106, II
• Princípio da proporcionalidade: multa não pode ultrapassar o valor do principal (STF,
ADI 551/RJ, 24/10/02)
4. 4
Princípios regentes à interpretação da matéria
• Vedação ao uso de analogia ou interpretação extensiva (ou
analógica) para imposição de tributo ou de infrações e de
penalidades: CTN 108, § 1º
• Vedação às presunções hominis ou de fato no campo da ilicitude;
• Interpretação restritiva dos fatos ilícitos e das penalidades impostas:
CTN 97, V
• Interpretação mais benéfica ao contribuinte em matéria de
infrações/penalidades: CF 5, XL e CTN 112
• Vedação à alteração de institutos, conceitos e formas de direito
privado utilizados pela CF na repartição de competências: CTN 110
• O sistema jurídico brasileiro não admite interpretação econômica do
fato jurídico.
• Determinação legal do fato gerador abstraindo-se dos efeitos dos
fatos efetivamente ocorridos: CTN 118
• Vedação de produção de prova ilícita: CF 5, LVI
5. FATO TÍPICO ILICITUDE CULPABILIDADE+
+Conduta
Dolo/culpa
geral
Resultado Nexo
causal
Tipicidade
Elem.obj, norm e subj
+
++
Simulação/Fraude/Concluio: Lei 4502/64, art 71, 72 e 73; CC 167, VI e 187
Imputabili
dade
Potencial
consciência
da ilicitude
Exigibilidade
de conduta
diversa
+ +
Prova do Despropósito
Negocial
Aplicação do CTN 116, parágrafo único:
(i) Desconsideração do efeito tributário da realidade inexistente e que se pretendia criar:
SIMULAÇÃO (declaração falsa) CC167: NULO
(ii) Consideração do efeito tributário dos atos que a simulação pretendia esconder:
DISSIMULAÇÃO (divergência entre a vontade real e a vontade declarada) CC 167:
subsiste o que se dissimulou se válido for na substância e na forma.
Arbitramento para efeito de lançamento: CTN 148 e demais Leis esparsas (regulação
específica)
+
Auto de infração para efeito de aplicação das sanções: CTN 149, III (omissão); IV (falsidade,
erro); V (omissão inexatidão); VI (infrações); VII (dolo,fraude, simulação); VIII (fato não
conhecido ou não provado); IX (fraude do funcionário público)
+
6. Dever de prova por parte da Administração
• Caráter vinculado da tributação: CTN 142
• “Dever” e não mero “ônus” da prova: “a quem alega, cabe a
prova”;
• Presunção de legitimidade dos atos administrativos não
inverte o “ônus da prova”;
• Presunção de fato não dispensa prova: o objeto da prova que
é deslocado;
• Presunção de fato não dispensa tipo: A regra-matriz já está
inserida e é a mesma das hipóteses não-presuntivas;
• Não cabe à Administração presumir dolo e culpa: isto se
prova!
• Imprescindibilidade da prova em cada um dos elementos do
fato típico (pressuposto de fato) + ilícito (pressuposto para
penalidade) + culpável (pressuposto para a responsabilidade)
• Prova como motivação do ato administrativo de lançamento
tributário
7. Essa prova pode consistir em conjunto de
indícios?
• Os indícios precisam ser necessários (indicam com
elevado grau de probabilidade de uma situação) e
homogêneos (se confirmam entre si).
• Não podem ser contingentes (casuais, indicando
baixo grau de probabilidade) e heterogêneos
(levando a diversas conclusões possíveis).
8. FATO JURÍDICO EM SENTIDO
AMPLO X
Fato provável
FATO JURÍDICO EM SENTIDO
ESTRITO X
Fato desconhecido
FATO PRESUMIDO
Probabilidade de fato
FATOS PRESUNTIVOS
Fatos conhecidos
FATO JURÍDICO EM SENTIDO
AMPLO Y
FATO JURÍDICO EM SENTIDO
ESTRITO Y
Dedução
Vínculo
deôntico
Conexão
dinâmica e
existencial
Denotação
genérica
Associação
lógica
Denotação
específica
Conotação
Indução
9. • CARF, Acórdão 103-23.357
“a comprovação material é passível de ser produzida
não apenas a partir de uma prova única, concludente
por si só, mas também como resultado de um conjunto
de indícios que, se isoladamente nada atestam,
agrupados, têm o condão de estabelecer a
inequivocidade de uma dada situação de fato. Nesses
casos, a comprovação é deduzida como consequência
lógica destes vários elementos de prova, não se
confundindo com as hipóteses de presunção. (...) a
prova escrita do fingimento é impossível e a contra
declaração, reveladora do negócio dissimulado,
raríssima. Por isso o fisco (...) há de se valer de prova
indireta, de indícios, que hão de ser graves, precisos,
concordantes entre si, resultantes de uma forte
probabilidade e indutores de ligação direta ao fato
desconhecido com o fato conhecido. ”
10. FATOS PRESUMIDOS
Fatos desconhecidos
FATOS PRESUNTIVOS
Fatos conhecidos
FATO JURÍDICO EM
SENTIDO AMPLO X
Fato provado
FATO JURÍDICO EM
SENTIDO ESTRITO X
Fato provável
CONSEQUENTE
RELAÇÃO JURÍDICA
HIPÓTESE TRIBUTÁRIA
X
Presunção do agente fiscal
COMPETÊNCIA
ADMINISTRATIVA
PARA ARBITRAR:
CTN 148
REGRA-MATRIZ JÁ INSERIDA NO SISTEMADesconsidera: CTN 116, par. ún.
11. 11
PROPÓSITO NEGOCIAL
• O que se tem entendido como “propósito negocial”? (posição do CARF)
1. Coerência entre as formas de direito privado adotadas e aquilo que
efetivamente se praticou;
2. Assunção pelas partes de todas as conseqüências e ônus de toda sorte
da operação: direito privado, fiscal, operacional, negocial, etc....
3. Convergência entre a vontade declarada (CAUSA) e a vontade real
(EFEITOS); e
4. Se divergente, que essa divergência seja juridicamente relevante, ou
seja, quando infringir a lei (ilícito o ato) ou houver abuso de direito
(ilícito no excesso)
• Quando não há propósito negocial (causa/motivo/finalidade do negócio
jurídico), entende-se estar no campo da simulação/fraude/conluio.
12. 12
DESPROPÓSITO NEGOCIAL PARA O CARF
1. Atos sem motivação negocial: quando ficarem comprovados que os atos
praticados tinham objetivos diversos daqueles que lhes são próprios;
2. Infração aos deveres instrumentais contábeis: falta de escrituração contábil
hábil para comprovar origem e saídas de recursos, na forma da lei, observando-se
que para alcançar tal conclusão é imprescindível sejam garantidos o direito ao
devido processo e, logo, oportunidade para a apresentação de contraprova;
3. Falsidade do ato: quando fica comprovado que a declaração de transferência de
direitos a uma dada pessoa é falsa ou tinha aparência de conferir ou transmitir
direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou
transmitem;
4. Falsidade da declaração (falsidade ideológica): quando fica comprovado que os
atos contêm declaração, confissão, condição ou cláusula falsa por meio de
apresentação de todos os meios de provas que demonstrem o contrário;
5. Falsidade do lugar: quando fica comprovado que o lugar declarado para a prática
dos atos mencionados não é real, identificando-se o verdadeiro local da realização
do negócio jurídico ou de produção dos efeitos do ato;
6. Ilegalidade do ato: quando o procedimento produzido não encontrar amparo na
legislação vigente;
7. Desnexo de causalidade entre o intuito do ato negocial e a subtração de imposto
dele decorrente.
8. Objetivos contratuais fora dos objetivos sociais;
13. 13
PROVA CABAL para o CARF do
DESPROPÓSITO NEGOCIAL
1. vínculo de dependência entre as partes envolvidas na operação;
2. existência de agentes outros na consecução da operação, além
daqueles contratualmente estabelecidos;
3. produção de atos jurídicos num intervalo de tempo
inequivocadamente fora do padrão normal, ainda que variável,
daquele tipo de negócio;
4. incoerência entre os propósitos negociais produzidos e o objeto
social da empresa (descrito em seu contrato social).
14. 14
PROPÓSITO NEGOCIAL:
método de confirmação
• As operações tiveram outros motivos que não só os tributários?
• Foram observadas as regras cogentes tributárias e não-tributárias?
• Houve adequado intervalo temporal entre as operações?
• As partes envolvidas são independentes?
– Contrato social próprio?
– Quadro próprio de sócios? De empregados? De contador?
– Lucros e perdas próprios? Há rateio entre as empresas “independentes”?
– Instalações empresariais próprias? Se vinculado ao mesmo prédio, há contrato
locatício em vigor? Outro tipo plausível de remuneração pelo uso das instalações?
– Nome comercial/logotipo são diferentes?
– Há razão para pedido único ser desdobrado em dois contratos?
• Existe coerência entre a operação e as atividades empresarias das
partes envolvidas?
• O contrato social da empresa inclui a operação efetuada dentre suas
atividades?
15. PLENÁRIO
• 1. Relacionar: (i) competência tributária; (ii) legalidade e tipicidade
tributária; (iii) aplicação do direito; (iv) prova; e (v) planejamento
tributário.
• 2. Que se entende por propósito negocial? A prova do propósito
negocial é necessária para caracterizar a licitude do negócio
jurídico realizado para fins de planejamento tributário? Qual seu
fundamento jurídico ? A quem compete provar a presença e/ou a
ausência de tais requisitos?
16. 3. Visando reduzir sua carga tributária Xpto, empresa de comércio de
móveis, eletrodomésticos e prestação de serviços, fundou a empresa Ltib
de decorações. Ambas empresas exerciam atividades autônomas e diversas:
enquanto a uma (Ltib) incumbia a elaboração de projetos, venda de
eletrodomésticos e a prestação do serviço de instalação, à outra cumpria
fabricar móveis com base nos projetos elaborados pela primeira. A venda
unificada era posteriormente separada em dois contratos, a empresa
diminuía o valor registrado da venda de móveis e aumentava o valor da
venda das decorações personalizadas (projeto e montagem), sujeitas ao ISS,
cujo ônus tributário resultaria inferior ao do imposto federal (IPI) na
operação de venda dos móveis. Contudo, embora os negócios fossem
desdobrados em dois contratos, um de venda e outro de prestação de
serviços, ambas possuíam os mesmos sócios, mesmo nome comercial,
logotipo, utilizavam o mesmo imóvel, a mesma estrutura administrativa,
pessoal e os mesmos vendedores, sem rateio de custos. A empresa foi
autuada pelo Fisco Federal, que constituiu créditos tributários de ofício,
relativos ao IRPJ e reflexamente PIS, COFINS e CSLL, sobre a argumentação
de omissão de receitas, a partir do momento em que segregou seu
faturamento com outra empresa do grupo.
17. Diante do caso em questão (vide Acórdão nº 107-08.326 do Antigo Conselho de
Contribuintes), pergunta-se:
a) É lícita a operação adotada pela empresa?
b) Quais argumentos devem ser considerados para fazer prova da
licitude/ilicitude verificada na operação?
c) A quem compete o ônus da prova?
d) Caso você considere que houve alguma ilegalidade na operação, que a(s)
empresa(s) deve(m) fazer para que novas autuações não ocorram?
18. Leitura Complementar
• Florence Haret. Teoria e prática das
presunções no direito tributário. São Paulo:
Noeses, 2010, p. 534 a 556