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MISSÕES INDÍGENAS
Realidades e desafios
Escola São Paulo de Missões Transculturais
CURSO – Antropologia Missionária
Prof. Esp., Mestrando. – Carlos A. L. Carvalho
ANO LETIVO – 2017 – 2º Semestre
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CONTEÚDO – UNIDADES TEMÁTICAS
Introdução
1. Conceituando
a. A MISSÃO DE DEUS
b. Vencendo o paradigma do “IDE”
c. Nossa Missão em 4 palavras
2. Humanidade – [Nações] – Homem
a. O Alvo e a Mosca
b. Países X Nações
c. Porque as Nações
3. Indígenas – “O Universo ao Lado”
a. Situação no Brasil
b. Características e Desafios
i. Culturas e Línguas
1. Língua & Linguagem
2. Mitologia – A base do Saber
3. Religião, Verdadeiro Campo de Batalha
ii. Animismo e Animatismo
iii. Confronto de Poderes
iv. A “Índole” dos Povos Tradicionais (Indígenas)
1. Sagrado X Profano (Dualistas ou Unitaristas)
2. “Relacionamento” Utilitário X Relacionamento Filial
4. Comunicação – O Coração da Missão (Hesselgrave)
a. O Problema Missionário por Excelência
b. Elementos do Processo de Comunicação
c. Camadas Culturais
d. Pressupostos Revelacionais
5. Estratégia Missionária O “Caminho das Pedras”
a. ACL – Aquisição de Cultura e Língua – 1ª. Fase APRENDIZADO
i. Observação – Participação – Investigação
ii. Programa e Etapas de Aquisição
b. EBF – Ensino Bíblico Fundamental – 2ª. Fase ENSINO
i. Roteiro de Ensino (Ensino Cronológico)
ii. Pilares Culturais (Método Antropos)
iii. Abundância & Constância
Conclusão
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Introdução
OBJETIVO DO CURSO
Nosso objetivo neste curso é reafirmar alguns princípios bíblicos sobre a evangelização dos
povos do mundo e corrigir alguns erros históricos que, de forma sutil, têm nos afastado do objetivo
estabelecido por Deus. Queremos também apresentar alguns dos mais importantes aspectos do
universo indígena brasileiro com relação à apresentação do Evangelho através de uma lente
antropológica, não como algo produzido por algum segmento religioso, mas como uma ciência
aplicada que se nos apresenta com ideias e ferramentas de valor no processo de compreensão do outro
em ambientes de interculturalidade e de ações missionárias.
A PRESENÇA E AÇÃO MISSIONÁRIA EVANGÉLICA ENTRE OS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL
Manifesto da AMTB – Departamento Indígena *
Há, normalmente, três recorrentes questionamentos quanto à presença missionária evangélica
entre os povos indígenas do Brasil e desejamos, como AMTB – Associação de Missões Transculturais
Brasileiras -, tratar e nos posicionar objetivamente quanto aos mesmos. A primeira infere que a
presença missionária é nociva à cultura dos povos indígenas em nosso país. Que a mensagem levada
pelos missionários tende a degenerar cultura e costumes dos grupos com os quais se relacionam. O
segundo questionamento é quanto à legalidade da presença e ação missionária evangélica à frente de
projetos sociais e na evangelização. O terceiro pressupõe que os projetos sociais, coordenados pelos
movimentos missionários, sirvam de fachada para fundamentar sua presença entre os mesmos.
O Evangelho e a Cultura Indígena
A simples presença missionária entre povos indígenas suscita em alguns um sentimento de
rejeição, que advém de um emaranhado de impressões e fatos históricos em relação à atuação
missionária indígena desde a colonização, relembrando uma Igreja que estava a serviço dos interesses
políticos, imperialistas e colonizadores. Em outros, o sentimento é de suspeição, debaixo do
pressuposto de que qualquer atuação missionária é nociva à preservação cultural indígena. Perante
este contexto, e, sobretudo para aqueles que se embutem de rejeição ou suspeição, desejamos expor
fatos sociais, culturais e históricos que poderão mostrar com clareza que a presença missionária
evangélica entre povos indígenas está hoje associada a um crescente processo de colaboração com a
preservação linguística e cultural dos povos do Brasil, além de mostrar-se ativamente interessada em
participar do despertar indígena que busca seu lugar neste grande país. (Continue lendo em ...
http://www.indigena.org.br/v1/index.php?option=com_content&view=article&id=36:manifestoamtb&catid=2:publicac
oes&Itemid=4)
Mas existem perigos que cercam o trabalho de evangelização dos povos não alcançados? Sim,
e esses são os mesmos em qualquer lugar, em qualquer tempo ou em qualquer nível. O problema está
na motivação:
“Historicamente, a ausência de uma comunicação viável, inteligível e aplicável do evangelho
em outra cultura ou segmento social tem gerado duas consequências desastrosas no movimento
missionário mundial: o SINCRETISMO e o NOMINALISMO religioso. Observemos alguns dos perigos
essenciais que enfrentaremos ao tratarmos do assunto e prática da comunicação intercultural e
transcultural do evangelho.
O primeiro perigo, que é uma evangelização impositiva, tem sua origem na natural tendência
humana de aplicar a outros povos sua forma adquirida de pensar e interpretar, prática esta realizada
em grande escala pelos movimentos imperialistas do passado e do presente, bem como por forças
4
missionárias que entenderam o significado do evangelho apenas dentro de sua própria cosmovisão,
cultura e língua.
O segundo perigo, que é o de um ministério pragmático, pode ser visto quando assumimos
uma abordagem puramente prática na contextualização. Como a contextualização é um assunto
frequentemente associado à metodologia e processo de campo, somos levados a entendê-la e avaliá-
la baseados mais nos resultados do que em seus fundamentos teológicos. Consequentemente, o que é
bíblico e teologicamente evidente se torna menos importante do que aquilo que é funcional e
pragmaticamente efetivo.
Um terceiro perigo, que é o de uma abordagem sociológica, é aceitar a contextualização como
sendo nada mais do que uma cadeia de soluções para as necessidades humanas, em uma visão
puramente humanista. Esta deve ser nossa crescente preocupação por vivermos em um contexto pós-
cristão, pós-moderno e hedônico. Isto ocorre quando missionários tomam decisões baseadas
puramente na avaliação e interpretação sociológica das necessidades humanas e não nas instruções
das Escrituras.”1
1. Conceituando
a. A MISSÃO DE DEUS (Análise do texto “Missio Dei”)
MISSIO DEI A expressão vem do latim, significando “missão de Deus”, dando a ideia de “o
envio de Deus”, no sentido de “ser enviado”, uma frase usada na discussão missiológica protestante,
especialmente desde a década de 1950.
Esta expressão teve seu uso, primeiramente, num sentido missionário, em 1934, por Karl
Hartenstein, um missiólogo alemão que se inspirou na ênfase que Karl Barth dava à actio Dei, a “ação
de Deus”, bem como numa palestra proferida em 1928, em que Barth disse que a missão está
relacionada com a Trindade.
A ideia da Missio Dei, não o termo em si, teve seu auge no pensamento missionário em 1952,
na cidade de Willingen, por ocasião da Conferência do CoMIn. Foi nessa ocasião que o termo foi
entendido de forma clara, e a partir daí, a missão passou a ser vista como proveniente do próprio
Deus, procedente de Sua própria natureza (BOSCH, 2002).
Georg Vicedom também teve um papel na popularização do conceito da Missio Dei ao usá-la
na Conferência da Cidade do México (1963) e em seu texto The Mission of God (1965). Foi ainda
em Willingen que a Missio Dei foi colocada no contexto da Trindade e não no da soteriologia e nem
no da eclesiologia. O sentido clássico da expressão foi ampliado, como claramente o coloca David
Bosch (2002, p.467):
A doutrina clássica da Missio Dei como Deus, o Pai, enviando o Filho, e Deus,
o Pai e o Filho enviando o Espírito, foi expandida no sentido de incluir ainda outro
‘movimento’: Pai, Filho e Espírito Santo enviando a igreja para dentro do mundo.
1 Lidório, Antropologia Missionária, 2008, pg 21, 22
5
Diante de tal conceito, fica claro que a missão é um atributo divino, da qual a Igreja é convidada
(convocada) a fazer parte como um instrumento para a mesma. Como escreveu Moltmann2 (1977,
p.64):
“não é a igreja que devecumprir uma missão de salvação no mundo; é a missão
do Filho e do Espírito mediante o Pai que inclui a igreja”.
Historicamente,
“O conceito de ‘Missio Dei’ foi mutuadoda escolástica por Karl Barth em 1932.
De lá para cá, o conceito assumiu um leque bastante amplo de significados, às vezes
contrários aos intentos de Barth. Em todocaso, a ideia ajudoua expressar a convicção
de que a Igreja não é a autora nem a detentora da missão. Esta última é, antes de mais
nada e fundamentalmente, obra de Deus uno e trino. (BOSCH, David J. Missão
Transformadora: Mudanças de paradigma na Teologia da Missão. São Leopoldo, RS:
Sinodal, 2002.
Não se pode esquecer que Deus é o protagonista da missão, pois esta missão revela o plano de
Deus na história humana e leva a termo o projeto do Seu Reino. Cabe à Igreja continuar o caminho
missionário, e esta não deve esquecer-se da Missão que Ele nos outorgou e nem do Senhor que a
sustenta.
“Nem quem planta nem quem rega é alguma coisa, mas Deus é que faz crescer”
(Mateus 13.24-30).
Hermann Brandt (2006) escreve que só se pode falar da Missio Dei como Missio Dei recebida;
traduzindo: da corte que Deus faz em Cristo, que não só nos corteja, mas nos “libertou”, “nos tirou
de toda servidão [...] para a liberdade”, pelo fato de Cristo nos “ter conquistado” e nos ter posto “sob
seu domínio”.
b. Vencendo o paradigma do “IDE”
Na Grande Comissão (Mt 28.16-20), a afirmação da autoridade universal do Senhor Jesus
Cristo precede a definição da missão da igreja representada pelos onze discípulos que o rodeavam
naquele momento: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos
de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a
guardar todas as coisas que vos tenho ordenado” (v. 18b-20a). Fica claro neste texto que o senhorio
universal de Jesus Cristo é a base da missão universal da igreja.
Essa missão se resume no mandamento: “fazei discípulos”. Curiosamente, para expressar essa
ideia, o Evangelho Segundo Mateus usa o verbo “matheteúsate”, que, no Novo Testamento, aparece
apenas quatro vezes: três delas nesse Evangelho (13.52; 27.57; 28.19) e uma em Atos (14.21). Em
contraste com o verbo “matheteuein”, o substantivo “discípulo” (“mathetes”) é comum nos
Evangelhos e em Atos, porém não é encontrado em nenhum outro livro do Novo Testamento. Tal
expressão é característica nos Evangelhos para referir-se aos seguidores de Jesus Cristo: aparece 73
vezes em Mateus, 46 vezes em Marcos e 37 vezes em Lucas.
2 Jürgen Moltmann (1926) é um teólogo reformado alemão, que é Professor emérito de teologia sistemática na Universidade
de Tübingen. Moltmann é uma figura importante na teologia moderna.
6
Para entender devidamente o sentido do mandamento é indispensável prestar atenção em um
detalhe gramatical que nem sempre é levado em consideração: no texto grego, “matheteúsate” é o
único verbo no modo imperativo. As outras três formas verbais ligadas a este verbo - “ide”
“batizando” e “ensinando” - estão, de acordo com o original grego, na forma verbal de presente
contínuo e sua função é qualificar a ação a que se refere o verbo principal -- “fazei discípulos”.
O primeiro gerúndio (no grego) presente na frase é traduzido como “ide”, mas poderia ser
traduzido como “marchem”, e não deve ser interpretado separadamente do mandamento central
expresso pelo verbo no modo imperativo no grego. O que Jesus diz é: “Marchem: façam discípulos”.
Os outros dois gerúndios respondem à pergunta: como se faz discípulos? A resposta é: “batizando-os
e os ensinando”.
Concluindo, o foco da Grande Comissão não é outro senão o de “fazer discípulos de Jesus
Cristo”. Esta é a missão que Jesus Cristo delegou à sua igreja, é a tarefa central da igreja até o fim do
mundo. A conexão entre essa missão e o senhorio universal de Jesus Cristo é estabelecida por uma
expressão que aparece logo no início do versículo 19: “portanto”.
Em outras palavras, pelo fato de que Jesus Cristo é o Senhor de toda a criação e de todos os
aspectos da vida humana, a igreja recebeu o mandamento de fazer discípulos, ou seja, pessoas que
reconheçam esse senhorio e vivam de acordo com ele. Jesus Cristo é o Senhor de todos; portanto,
todos devem reconhecê-lo como tal.
Se levarmos em conta que, durante seu ministério terreno, Jesus Cristo dedicou muito de seu
tempo à formação de seus discípulos, torna-se evidente que a missão que ele confiou a seus discípulos
pouco antes de sua ascensão é continuar o que ele mesmo fez com eles. A missão da igreja,
representada pelo corpo apostólico, é o prolongamento da missão de Jesus Cristo, prolongamento este
que se baseia em um discipulado missionário idealizado para continuar até o fim do mundo.
A esfera de ação do trabalho de fazer discípulos abarca “todas as nações”. E, visto que a
autoridade de Jesus Cristo está presente “no céu e na terra”, a missão que ele delega a seus discípulos
é igualmente global: tem de se estender a “todas as nações”.
( 3René Padilla - Traduzido por Wagner Guimarães)
c. Nossa Missão em 4 palavras (Apresentação – Missão & Missões)
2. Humanidade – [Nações] – Homem
a. O Alvo e a Mosca
Acertando na Alvo, mas Errando a “Mosca”4
Jz 20.16 “Entre todo este povo havia setecentos homens escolhidos, canhotos, os quais
atiravam com a funda uma pedra em um cabelo, e não erravam.”
A passagem acima mencionada mostra algo acontecendo entre pessoas que aparentemente eram
pessoas de bem e respeitáveis. Os cidadãos de uma cidade, cometeram atos violência sexual, seguida
de morte e quando a justiça exigiu medidas, eles rejeitaram e escolheram enfrentar qualquer tentativa
3 C. René Padilla é fundador e presidente da Rede Miqueias, e membro-fundador da Fraternidade Teológica Latino-
Americana e da Fundação Kairós. É autor de O Que É Missão Integral? (Editora Ultimato).
4 https://meditacaododia.net/2015/09/29/acertando-na-mosca-mas-errando-o-alvo/
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de punição e provocaram uma guerra civil fratricida, quase extinguindo uma população inteira de
uma tribo da nação, (o equivalente a um estado no Brasil).
Entre a guarnição, ou milícia formada por eles, um pelotão de elite. Homens extremamente bem
treinados e habilidosos, respeitadíssimos.
Com relação à Obra de Deus no mundo, nós, seus servos, soldados, construtores e agricultores,
temos muitas vezes acertado o alvo, porém errado a “mosca” por larga distância. Todo cristão
verdadeiramente nascido de novo tem um desejo muito forte de sair, ir, e alcançar aqueles que ainda
não ouviram da promessa de Deus pelo Evangelho. Temos “pregado” de forma descuidada tanto em
relação à pessoa que ouve, ou a que nunca ouviu, mas também como relação à própria ordem que
recebemos do Senhor de “indo... fazer discípulos... ensiná-los... fortalece-los... e, finalmente, enviá-
los a fazer outros discípulos.
Multiplicam-se as mega-igrejas, lotadas, abastadas, ricas, porém sem qualquer compromisso
com o Reino de Deus, uma vez que vivem uma vida centrada em si mesmos, com pouco ou nenhum
relacionamento ou influência sobre o mundo externo.
b. Países X Nações
Veja as referências abaixo e assinale nas colunas da direita qual o significado da palavra
nação/nações (país ou raça/povo):
Referência País Raça Referência País Raça País Raça
1.Como é feliz a nação
que tem o Senhor como
Deus, o povo que ele
escolheu para lhe
pertencer! Salmos 33:12
6.São esses os
descendentes de Cam,
conforme seus clãs e
línguas, em seus
territórios e nações.
Gênesis 10:20
11.Todas as nações que
tu formaste virão e te
adorarão, Senhor, e
glorificarão o teu
nome. Salmos 86:9
2.Portanto, vão e façam
discípulos de todas as
nações,batizando-os
em nome do Pai e do
Filho e do Espírito
Santo, Mateus 28:18-19
7.São esses os
descendentes de Sem,
conforme seus clãs e
línguas, em seus
territórios e nações.
Gênesis 10:31
12.Eu o tornarei
extremamente
prolífero; de você farei
nações e de você
procederão reis.
Gênesis 17:6
3.De você procederão
uma nação e uma
comunidade de nações,
e reis estarão entre os
seus des-
cendentes.Gênesis
35:11
8.São esses os clãs dos
filhos de Noé, dis-
tribuídos em suas
nações.A partir deles,
os povos se
dispersaram pela terra
Gênesis 10:32
13.Todos os confins da
terra se lembrarão e se
voltarão para o Senhor,
e todas as famílias das
nações se prostrarão
diante dele, Salmos
22:27
4.Louvem o Senhor,
todas as nações;
exaltem-no, todos os
povos!Salmos 117:1
9.As nações de todo o
mundo o adorarão,
cada uma em sua
própria terra.
Sofonias 2:11
14.Abraão ... por meio
dele todas as nações da
terra serão abençoadas.
Gênesis 18:18
5.Inclinem-se diante
dele todos os reis, e
sirvam-no todas as
nações.
Salmos 72:11
10.Tiago, servo de
Deus e do Senhor Jesus
Cristo,
às doze tribos dispersas
entre as nações:
Saudações. Tiago 1:1
15.Pois todos os deuses
das nações
não passamde ídolos,
mas o Senhor fez os
céus.1 Crônicas 16:26
8
c. Porque as Nações?
Leia com atenção o texto seguinte e responda à pergunta ao final.
Muito recentemente comecei a atentar para o fato de que a Palavra de Deus dá uma ênfase muito
grande às NAÇÕES, isto é, aos grupos humanos que têm características próprias de CULTURA e
LÍNGUA, ou seja, as Etnias, os Povos e Raças. Em toda a Bíblia a palavra NAÇÕES se encontra
2.312 vezes, sem contar as suas variantes possíveis, sempre se referindo a estes povos ou famílias de
povos.
Creio ser de suma importância compreender a razão desta ênfase que o próprio Deus dá às
nações etnicamente definidas, porque desta correta compreensão pode brotar o correto sentimento
quanto à evangelização do mundo e as decisões estratégicas quanto ao alcance das nações.
Costumamos entender, corretamente, que, em Babel, nasceram as diferentes línguas que hoje existem,
considerando, é claro, as muitas variantes que surgiram destes idiomas iniciais ao longo do tempo.
Contudo, não foram apenas as línguas que surgiram daquela ação de Deus. Ao criar ou separar as
diversas línguas e assim impedir o avanço do movimento rebelde da humanidade contra o mandato
de espalharem-se e encher a Terra, Ele pôs em movimento uma força que chamamos de etnocêntrica
ou etnocentrismo.
Este movimento consiste, num primeiro momento, de um afastamento, de um desmanche de
uma humanidade coesa, que agora não mais consegue se entender. Os indivíduos se afastam do que
não entendem em busca do que é compreensível. Neste movimento de afastamento e busca, começam
a se formar pequenos grupos onde a compreensão é possível, isto é, os grupos linguísticos.
Um segundo movimento começa então. Estes pequenos grupos crescem exponencialmente à
medida que a compreensão os une e proporciona um escape da confusão e desorientação causadas
pela “confusão das línguas”. Imediatamente após isto, estes grupos linguísticos começam a se separar
dos demais e buscar seu próprio lugar no ambiente. Aos poucos o afastamento aumenta e se distribui
por lugares nas vizinhanças e além, até se tornarem não apenas distancias geográficas, mas de
pensamento e sentimento. O afastamento geográfico leva os recém-formados grupos linguísticos a se
espalharem pela Terra, ocupando espaços fisicamente e climaticamente diferentes, os quais trazem
diferentes demandas de comportamento e de soluções para os problemas que surgem no dia a dia.
Uma antropologia bíblica chamaria este momento de o “nascimento das culturas”, ou seja, o
surgimento dos diversos grupos de povos que definem suas próprias ideias e soluções, suas próprias
maneiras de pensar e encarar os fatos universais, tendo a língua (idioma) como principal veículo de
comunicação e disseminação de ideias. Para validar e dar sentido a estas ideias, surgem as
histórias/estórias que darão sentido à vida, o que virá a ser chamado de mitologia! Mas o que tem
esta história haver com a pergunta inicial? Porque a ênfase tão grande que a Palavra de Deus dá às
nações etnicamente constituídas?
Pensando antropologicamente, sabemos que as Culturas humanas não apenas se inventam, mas
também se copiam, e se repartem. O evolucionismo antropológico fortemente influenciado pela teoria
da evolução das espécies, portanto, erra apenas em considerar a evolução como início de tudo. Mas,
a partir da separação das línguas em seus troncos, famílias e grupos, obra do próprio Deus, o
movimento de ajuntamento e de separação, simultaneamente, levam os grupos recém-formados a se
localizarem em diferentes regiões, a desenvolverem diferentes respostas às suas necessidades e
diferentes valores, crenças e maneiras de ver o mundo... nascem as culturas, ou, as etnias.
As nações, portanto, são obra do próprio Deus, e, em sua imensa sabedoria e riqueza, antes
mesmo que elas viessem a existir ele já as contemplava e lhes dava lugar proeminente em sua Missão.
Aponte duas razões:
1. _____________________________________________________________________________
2. _____________________________________________________________________________
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Em segundo lugar, quero chamar a atenção para o que se chama hoje de Globalização.
A globalização é um dos processos de aprofundamento internacional da
integração econômica, social, cultural e política, que teria sido impulsionado pela
redução de custos dos meios de transporte e comunicação dos países no final do século
XX e início do século XXI.
Embora vários estudiosos situem a origem da globalização em tempos modernos,
outros traçam a sua história muito antes da era das descobertas e viagens ao Novo
Mundo pelos europeus. Alguns até mesmo traçam as origens ao terceiro milênio a.C.
O termo "globalização" tem estado em uso crescente desde meados da década de
1980 e especialmente a partir de meados da década de 1990. Em 2000, o Fundo
Monetário Internacional (FMI) identificou quatro aspectos básicos da
globalização: comércio e transações financeiras, movimentos de capital e
de investimento, migração e movimento de pessoas e a disseminação
de conhecimento. Além disso, os desafios ambientais, como a mudança
climática, poluição do ar e excesso de pesca do oceano, estão ligados à globalização.
A globalização afeta todos os setores da sociedade, principalmente comunicação,
comércio internacional e liberdade de movimentação, com diferente intensidade
dependendo do nível de desenvolvimento e integração das nações ao redor do planeta.
Em "A Identidade Cultural na Pós-Modernidade" (Stuart Hall,2003), busca
avaliar o processo de deslocamento das estruturas tradicionais ocorrido nas sociedades
modernas, assim como o descentramento dos quadros de referências que ligavam o
indivíduo ao seu mundo social e cultural. Tais mudanças teriam sido ocasionadas, na
contemporaneidade, principalmente, pelo processo de globalização. A globalização
alteraria as noções de tempo e de espaço, desalojaria o sistema social e as estruturas
por muito tempo consideradas como fixas e possibilitaria o surgimento de uma
pluralização dos centros de exercício do poder. Quanto ao descentramentodos sistemas
de referências, Hall considera seus efeitos nas identidades modernas, enfatizando as
identidades nacionais, observando o que gerou, quais as formas e quais as
consequências da crise dos paradigmas do final do século XX.5
Pergunta:
Se Deus criou as nações, cultural e linguisticamente definidas, e expressou seu desejo de que
as nações sejam alcançadas como tal, o que se pode dizer deste processo de globalização com relação
ao estabelecimento do Reino de Deus?
5 https://pt.wikipedia.org/wiki/Globalização
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3. Indígenas – “O Universo ao Lado”
Muitas são as ideias errôneas e descabidas acerca dos povos indígenas que habitam
milenarmente o nosso país. Algumas generalizações têm sido feitas inclusive nos nossos livros de
história que transmitem aos nossos filhos conceitos falsos sobre estas gentes. Veja o texto abaixo
como exemplo:
Sociedades Indígenas
RAMOS, Alcida Rita. Sociedades Indígenas 5ª edição. Série Princípios. (São Paulo: Ática, 1995)
(http://www.instituto.antropos.com.br/v3/index.php?option=com_content&view=article&id=493&catid=35&Itemid=3)
O Conceito de Tribo
Na América do Sul, o conceito de tribo, dependendo dos interesses em jogo, tem sido aplicado
elasticamente para englobar vários grupos indígenas, independentemente da presença ou ausência de
vinculações entre eles, ou tem sido contraído, para excluir grupos que são cultural, social, e politicamente
próximos. Os agentes desses feitos têm sido principalmente missionários e funcionários governamentais.
Posse da Terra
Sendo um recurso natural vinculado à vida social como um todo, a terra não é e não pode ser objeto
de propriedade individual. De fato, a noção de propriedade privada da terra não existe nas sociedades
indígenas
Limites Territoriais
Irving Goldman, falando sobre os índios Cubeo do Alto Uaupés da Colômbia: “Com respeito à terra,
estamos lidando mais com domínio do que com propriedade […] O domínio é sancionado por tradições de
origem que narram precisamente de onde vieram os primeiros ancestrais e suas viagens e aldeamentos
subseqüentes. É com base nessas tradições que as pessoas podem dizer: ‘Está é a nossa terra.’ f”
O Território na Cultura
Segundo David Price (falando sobre os Nambiquara), em um artigo sobre política indigenista e política
indígena diz: “…o lugar onde os parentes são enterrados é sagrado, e já que estão enterrados na aldeia, a
aldeia é sagrada. Onde há Nambiquara enterrado é aldeia, e onde não há ninguém enterrado não é aldeia,
ainda que aí vivam cinqüenta habitantes.”
O que isso significa, na prática, é que cada sítio de aldeia está historicamente vinculado a seus
habitantes, de modo que o passar o tempo não apaga o conhecimento dos movimentos do grupo, desde que
se mantenha viva a memória dos ancestrais. Estes estão, portanto, ligados ao território, sendo que o foco
dessa relação é o local de habitação, isto é, a aldeia.
No território estão inscritas as mais básicas noções de autodeterminação, de articulação sociopolítica,
de vivência e crenças religiosas, para não falar na própria existência física do grupo.
Limitar, pois, o território de um grupo às imediações do seu centro residencial, a aldeia, é condenar
esse grupo à penúria permanente, privando-o dos recursos naturais que, por sua natureza ecológica, acham-
se espalhados por grandes distâncias, necessitando, conseqüentemente, de uma exploração extensiva e não
intensiva.
As Noções de Trabalho e Lazer
No processo de produção econômica, seja ela caça, pesca, coleta, lavoura ou qualquer outra, o
trabalhador não se isola de seus demais papéis e obrigações. Na produção estão sempre presentes
considerações de ordem social, ritual, religiosa, para citar apenas as mais comuns e óbvias.
O trabalhador numa sociedade indígena não é compartimentalizado; ele é um ser social total em todas
as esferas de sua vida.
Lazer e trabalho não são facilmente separáveis nas sociedades indígenas. Se é falsa a noção de que os índios
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estão eternamente ocupados à procura de alimentos, sem tempo para atividades mais criativas, também é
falsa a idéia comumente ventilada de que o índio é preguiçoso, não trabalha, vive no ócio.
Penúria ou Fartura?
O conceito de pobreza não se aplica a sociedades onde todos os membros são igualmente aquinhoados
com número e tipo semelhante de bens materiais. Isso implica que, assim como a riqueza, a pobreza é uma
relação social, isto é, ela só tem significado em contraste com a não-pobreza. Alguém só é pobre porque
contrasta com quem é rico.
Produção
Na Amazônia e outras regiões tropicais, a técnica agrícola mais utilizada é a que passou a ser conhecida
por coivara, compreendendo a derrubada de uma porção da mata, geralmente em círculo, a queimada das
árvores e dos arbustos cortados e o plantio de mudas ou sementes de mandioca-brava, milho, fumo, algodão
e outros produtos. A seqüência das várias fases desse processo é regida pelo sistema sazonal: a derrubada e
a queimada nos meses de seca; o plantio no início das chuvas.
Ao contrário das críticas ventiladas por alguns agrônomos e tecnocratas, o sistema de coivara, longe de
ser irracional, é o que melhor se adapta às condições ecológicas dos trópicos úmidos, pelo menos na Amazônia.
Reciprocidade versus Acumulação
Uma das ações mais fortemente condenadas como anti-sociais é a avareza; uma pessoa que tem, por
exemplo, mais facas do que necessita e se recusa a distribuir o excedente é malvista e desprestigiada.
Socialização
Muito raramente as crianças indígenas são punidas quase nunca fisicamente. A atitude das pessoas
para com os filhos é geralmente de grande paciência, tolerância, atenção e respeito às suas peculiaridades. A
mãe amamenta durantes uns dois ou três anos e a criança não é bruscamente desmamada. O espaçamento
entre uma gravidez e outra é suficientemente grande — três, quatro anos, ou mais —, de modo a evitar a
competição de dois bebês pelo afeto e leite maternos.
Desde muito cedo, sem instrução formal e sem violência, as crianças indígenas aprendem as regras do
jogo social, o que pode e o que não pode ser feito e as formas de controle social aplicadas àqueles que
infringem seriamente essas regras do jogo.
Controle Social
“Em geral” diz o antropólogo Allan Holmberg, “parece que a manutenção da lei e da ordem está apoiada
em grande parte no princípio da reciprocidade (mesmo que forçada), no temor a sanções sobrenaturais e
represálias e no desejo de aprovação pública. ”
Nas sociedades indígenas podemos perceber dois tipos de procedimentos que contribuem para o
exercício do controle social: medidas inibidoras e medidas punitivas, sendo que as primeiras parecem muito
mais comuns que as segundas; são esgotadas as inibidoras antes que seja necessário aplicar as punitivas.
Em que consistem as medidas inibidoras? Em geral, são procedimentos informais e tomam as cores do
ridículo, do mexerico ou acusações de feitiçaria. O ridículo é uma das armas mais eficazes para desencorajar
atitudes e comportamentos desaprovados pela coletividade.
O mexerico é outra maneira informal de controlar comportamentos indesejáveis. Comentários
inicialmente inocentes, mas que se tornam cada vez mais ferino sobre, por exemplo, a infidelidade conjugal
de alguém num contexto social que a condena, chegam eventualmente aos ouvidos dos protagonistas e agem
como uma espécie de aviso, dando-lhes tempo e oportunidade para pôr termo à relação, antes que algo pior
lhes aconteça. Como medida inibidora, o mexerico é um dos artifícios mais poderosos de controle social.
Muitos mexericos não passam de comentários inconsequentes sobre alguém que está ausente e fazem
parte constante da rotina diária.
Acusações de feitiçaria, que podem advir de uma escalada de mexerico, representam, em algumas
sociedades, um outro mecanismo de prevenção de crimes. Seu teor é mais sério e severo do que o ridículo e
o mexerico e mais comumente envolve pessoas de aldeias distintas; são como que o último recurso antes que
a infração se torne fato consumado sujeito a punição.
12
Peter Rivière num artigo sobre facções políticas e feitiçaria, diz o seguinte: “Qualquer infortúnio ou
doença pode ser considerado resultado de feitiçaria e quase todas as mortes o são […] Ao mesmo tempo, o
medo de feitiçaria mantém o código de hospitalidade, sem o qual cessariam as viagens pela área: qualquer
estranho é um feiticeiro em potencial, e a única profilaxia contra a feitiçaria é ser aberto e generoso […]. ”
Quando uma ação criminosa é consumada, aplica-se então, a punição correspondente: ostracismo,
expulsão ou mesmo morte.
Poder
O igualitarismo dessas sociedades não total a ponto de não é total a ponto de não haver lugar para
diferenciação entre indivíduos ou categorias de indivíduos. Quanto mais não seja, existe sempre a diferença
entre homens e mulheres, entre jovens e velhos, entre adultos e crianças. Sobre essas diferenças físico-sociais
é possível construir diferenças sociopolíticas, o que geralmente ocorre: os homens tendem a exercer maior
domínio sobre as mulheres do que vice-versa, e os mais velhos sobre os mais novos. Há, também,
consideráveis distinções em personalidade e habilidades pessoais; há os bons e os maus caçadores, os bons
e os maus xamãs, os bons e os maus oradores. Essas diferenças psicossociais podem também tornar-se a
base para diferenciações sócio-políticas.
Na gradação que as sociedades indígenas apresentam quanto à proeminência de líderes políticos, há
um aspecto recorrente em todas elas: os líderes não têm poder de coerção. Sua posição é mantida, o respeito
de seus companheiros é assegurado não pelo exercício da força ou ameaça de uso da força, mas pela
persuasão.
Autoridade
Autoridade é respaldada no conhecimento que alguém tem de alguma coisa, conhecimento esse que é
posto a serviço da coletividade: um bom caçador, agricultor ou pescador, um bom orador, um bom xamã, ou
um bom administrador são “bons” porque desenvolveram técnicas, conhecimentos e sabedoria acima da
média. Esse conhecimento, essa autoridade, enfim, é o que confere legitimidade ao exercício do poder. O
poder que se calca exclusiva e principalmente na força ou na ameaça do uso da força e não na autoridade
reconhecida não é um poder legítimo e só se mantém à custa da coerção.
Um líder indígena muito raramente é mais do que um conselheiro, um coordenador de atividades.
Líderes autoritários, isto é, que utilizam o seu conhecimento e posição para exercer o poder pela força, não
são tolerados pela sociedade e, em geral, são rapidamente substituídos.
Um líder tem características que variam de um grupo para outro. Para algumas etnias o líder tem que
ser generoso, para ser reconhecido como tal. Em outras, um bom orador. E ainda em outras, um homem
sensato e trabalhador.
Descentralização
Talvez a inexistência, entre as muitas sociedades indígenas, de um tipo de organização política estatal
fortemente centralizada seja um dos principais fatores responsáveis pela ausência de relações de dominação
entre elas e de uma ideologia que renega a própria existência de pluralismo cultural.
Religião e a Ordem do Mundo
As crenças religiosas dos povos indígenas afirmam uma unidade indissolúvel entre o natural e o social,
com influencias mútuas e consequências recíprocas. Muitas vezes aquilo que chamamos de sobrenatural não
é mais do que uma característica especial do social e do natural, como, por exemplo, atribuir poderes
extranaturais a certos animais, plantas ou outros elementos. Manter a ordem do mundo, com seus
componentes naturais e sobrenaturais, é obrigação dos seres humanos. Para isso existem tabus práticas
xamanísticas, ritos de purificação, regras sociais e éticas… A quebra de um tabu alimentar implica uma ação
humana incorreta que pode pôr em perigo essa ordem, desencadeando a ira de seres que, embora não
pertençam à sociedade humana, estão diretamente associados a ela e fazem parte de seu sistema de regras.
Uma das diferenças básicas entre a religião das sociedades igualitárias e a dos Estados-nações é que
nas primeiras ela não está estruturada em “igrejas”, isto é, em aparato especializado, geralmente hierárquico,
com aparentes autonomia institucional, que comanda o dogma, os direitos e deveres de seus afiliados. Ao
contrário, nas sociedades indígenas a religião está tão intrinsecamente relacionada com as demais esferas da
vida social que não só dispensa como provavelmente é incompatível com um corpo eclesiástico especializado.
13
Se um homem da etnia Sanumá planeja caçar, sendo xamã, na noite anterior ele se ocupa com cânticos
religiosos que propiciarão a cooperação de espíritos no sentido de tornar a caça produtiva; se não for xamã,
o mínimo que ele pode fazer é ungir de urucu a cabeça de seu cão para aumentar as possibilidades de sucesso
na busca da caça. Tradicionalmente, a religião de uma sociedade indígena é perfeitamente compatível com os
valores individuais e coletivos nela vigentes.
Xamanismo
Parte das atribuições de uma xamã é realizar curas. A ele cabe fazer o diagnóstico e tomar providências
para eliminar o mal depois de identificada a sua causa. Para isso ele recorre ao auxílio de espíritos e substâncias
curativas, específicos às várias doenças, ou ao processo de sucção do objeto que está causando a doença do
paciente.
Além de realizar curas, os xamãs são também responsáveis pelo bem-estar geral da comunidade,
protegendo-a contra espíritos malignos, conduzindo recitativos ou cerimônias propiciatórias para boas
colheitas, boas caçadas, invocando espíritos benignos para assistir na resolução de certos problemas, como
esterilidade e outros distúrbios que podem ser atribuídos aos efeitos de feitiçaria.
Feitiçaria
O xamã é o zelador do bem-estar social, ele também tem o poder de trazer o mal a seus companheiros
ou a outros mais distantes através de práticas xamanísticas. Porém a feitiçaria não é praticada apenas por
xamãs.
A diferença entre feitiçaria e bruxaria é que na primeira há a manipulação de objetos materiais ou
expressões verbais intencionalmente dirigidas à vítima, que pode ser um indivíduo, uma comunidade ou uma
região inteira. Na bruxaria o que existe é uma força metafísica inerente à pessoa que a tem,
independentemente de ser ou não ativada. O fenômeno do mau-olhado é um exemplo de bruxaria. A bruxaria
é relativamente rara na América do Sul; aqui a feitiçaria é muito freqüente.
Enquanto entre nós os conceitos de azar, coincidência ou a teoria da probabilidade existem para diminuir
lacunas do conhecimento, nas sociedades indígenas a bruxaria/feitiçaria consegue eliminá-la.
Concepção do Cosmos
Os mitos são veículos de informação sobre a concepção do Universo, incluindo temas sobre a criação
do mundo, a origem da agricultura, as relações ecológicas entre animais, plantas e outros elementos, a
metamorfose de seres humanos em animais e vice-versa e de ambos em espíritos de vários tipos e índoles, a
razão de ser de certas relações sociais culturalmente importantes e até mesmo o surgimento do “homem
branco” e a avalanche de fatores desagregadores que o acompanham.
As cosmologias das diversas culturas operam como um verdadeiro mapa simbólico do Universo,
estabelecendo o lugar, a importância, os padrões de atuação e influência de cada um de seus muitos
componentes. É um código para o qual se apela quando se quer entender ou explicar tanto o corriqueiro como
eventos inusitados, calamidade, infortúnios ou golpes de sorte. A visão do mundo supre o indivíduo como uma
constante âncora que o mantém seguro a uma determinada realidade social em face a vicissitudes sobre as
quais ele não tem controle: a morte, a doença, o insucesso. Removida essa visão de mundo, advém a
desestruturação individual ou coletiva.
(http://www.instituto.antropos.com.br/v3/index.php?option=com_content&view=article&id=493&catid=35&Itemid=3)
a. Situação no Brasil (Apresentação Relatório AMTB 2010)
....VideosVideosrelatorio 2010.mpg
14
b. Características e Desafios
i. Culturas e Línguas
1. Língua & Linguagem
LÍNGUA MÃE
Márcio Thamos - Doutor em Estudos Literários, Professor de Língua e Literatura Latinas junto ao
Departamento de Lingüística da FCL-UNESP/CAr e Coordenador do Grupo de Pesquisa LINCEU –
Visões da Antiguidade Clássica.
A língua materna de um povo é um patrimônio imaterial de valor inestimável. A cultura geral
de uma sociedade (tradições, costumes, religião, saberes, modos de fazer, formas de expressão,
valores éticos, políticos, etc.) se transmite, se absorve e se transforma através da linguagem.
A cultura é o elemento definidor do homem como ser no mundo, seja qual for o estágio de
civilização que se considere, pois qualquer definição de cultura pressupõe a sociedade humana.
Língua e sociedade estão assim, desde sempre, intrinsecamente ligadas. E não se trata de exagero
quando se diz que uma língua tem o poder de moldar ou informar a visão de mundo de seus falantes,
conferindo identidade própria ao país onde é fluente.
Hannah Arendt conta que, depois da guerra hitlerista, quando voltou à Alemanha pela primeira
vez (após um longo exílio motivado pela perseguição nazista aos judeus), sentiu um prazer
indescritível ao ouvir sua língua materna falada naturalmente pelo povo nas ruas. A filósofa política,
que sempre se recusou a perder sua própria língua, considera que “há uma diferença incrível entre a
língua materna e qualquer outra língua”. E para ela, isso se resume de uma maneira simples, como
explica: “sei de cor, em alemão, um bom número de poemas alemães, que de algum modo estão
presentes no mais fundo de minha memória”.
A língua falada num país é certamente o fator mais importante de coesão nacional. Desde a
antiguidade, as nações dominadoras tratavam de impor seu idioma como signo de supremacia cultural
aos povos colonizados. E aos próprios romanos, Cícero, com certo pedantismo retórico, ensinava:
non enim tam praeclarum est scire latine quam turpe nescire (“nem é tão notável saber latim, mas
não sabê-lo é vergonhoso”). Ainda assim, arruinou-se a língua do Lácio. Já não se fala mais o latim
de Roma – a língua materna dos antigos romanos – há pelo menos mil e quinhentos anos.
Desfeita a relação visceral entre a cultura e sua expressão maior, os “latins” falados desde então,
a despeito da justificativa histórica que se lhes deva reconhecer, não são, na verdade, mais do que
uma língua do pê de gente letrada, um código erudito e puramente intelectual. Após a fragmentação
linguística do império romano, ninguém mais pôde lembrar de cor canções da infância arraigadas
naturalmente na memória – canções de ninar, talvez, entoadas com doçura pela voz da própria mãe.
Línguas também se perdem. E sem elas valores culturais e conhecimentos étnicos específicos
tornam-se irrecuperáveis. Por isso a própria UNESCO mantém, desde 1993, o “livro vermelho das
línguas em perigo de extinção”, projeto que procura coletar informação atualizada sobre línguas que
correm risco de desaparecer e promove pesquisas que possam colaborar com a manutenção e
perpetuação da diversidade lingüística no mundo, salvaguardando sempre a língua materna, em todos
os níveis de educação.
A garantia das condições socioambientais necessárias à produção, desenvolvimento e
transmissão de bens culturais de natureza imaterial passa necessariamente pela preservação das
línguas nacionais. Por isso, cada língua que se perde no mundo empobrece o patrimônio cultural
comum construído ao longo dos séculos pela humanidade.
Parece significativo que no mesmo mês em que se comemora o dia das mães, tenhamos também
reservado no calendário um dia para celebrar a língua nacional. Que a nossa boa e jovem língua
portuguesa possa nos embalar amorosamente através das gerações!
15
STATUS EPISTÊMICO & EVIDENCIALIDADE
A língua e o povo Parkatêjê – Um estudo de Caso
Marília de NazaréFERREIRA - UFPA – UniversidadeFederal do Pará. Faculdade de Letras – Instituto
de Letras e Comunicação. Belém – PA − Brasil. 66.075-001 − marilia@ufpa.br
O povo parkatêjê, também conhecido na literatura especializada como Gavião do Pará, vive em
uma aldeia localizada no município de Bom Jesus do Tocantins, às proximidades de Marabá, e soma
aproximadamente duzentas e cinquenta pessoas. Pouco mais de 10% dessa população ainda fala a
língua que pode ser considerada como em perigo de extinção, uma vez que as crianças não mais
aprendem parkatêjê como sua primeira língua. A língua Parkatêjê pertence ao agrupamento
linguístico Macro-Jê. Trata-se de uma língua cujo sistema fonético-fonológico é característico de
línguas Jê, considerando-se que as vogais predominam sobre as consoantes. Dentre outras
características também partilhadas com outras línguas geneticamente semelhantes, tem-se o fato de o
Parkatêjê ser uma língua posposicional, em que a ordem básica dos constituintes em orações
independentes é predominantemente Sujeito-Objeto-Verbo. Em todas as línguas humanas, há formas
para se indicar a origem da informação, o que pode ser manifesto gramatical ou lexicalmente. Todas
as línguas humanas, nesse sentido, apresentam formas para apontar ou ocultar a fonte da informação
em uma determinada cadeia de elocução, o que é uma estratégia comunicativa fundamental para os
falantes. Algumas línguas apresentam sistemas evidenciais elaborados em que há marcas linguísticas
específicas as quais são utilizadas para codificar as diferentes experiências cognitivas constitutivas
de um dado conteúdo proposicional. Outras, não, uma vez que nem todas as línguas têm a
evidencialidade como uma categoria gramatical, o que aponta para a necessidade de se delimitar os
domínios categoriais da evidencialidade, questão fora do escopo do presente trabalho. Conforme
Jacobsen (1986), citado por Dendale e Tasmowski (2001), o termo evidencialidade foi primeiramente
visto em uma compilação feita por Franz Boas em 1947. Todavia Jakobson (1957), com a publicação
do livro Shifters, Verbal Categories and the Russian Verbs, popularizou o uso do termo Evidencial
como rótulo para uma categoria verbal que sinalizava acerca da fonte da informação sobre a qual a
afirmação do falante estava baseada. Antes disso, no entanto, Boas (1911) e Sapir (1921), segundo
Dendale e Tasmowski (2001), já aceitavam a importância do domínio semântico da evidencialidade
centrado na fonte da informação ou no conhecimento do falante. De lá para cá, as referências feitas à
fonte de informação são vinculadas a atitudes sobre o status epistêmico da informação, uma vez que,
de acordo com Dendale e Tasmowski (2001), os marcadores linguísticos que codificam tais domínios
semânticos são os mesmos geralmente.
De acordo com Aikhenvald e Dixon (2001), a evidencialidade é uma categoria gramatical
obrigatória cujo primeiro significado é a fonte de informação. Segundo a terminologia de Chafe
(1986), em seu sentido amplo, essa noção estaria relacionada à fonte da informação quanto à questão
de se o falante realmente viu aquilo sobre o que ele está falando, ou se ele apenas tece conjecturas
sobre a ocorrência de um dado evento baseado em alguma evidência, ou ainda se alguém lhe contou
um determinado fato, ou se ele apenas ouviu falar sobre tal fato. Aikhenvald e Dixon (2001) afirmam
que todas as línguas têm algum mecanismo para expressar a fonte de informação, muito embora nem
todas as línguas tenham a evidencialidade como uma categoria gramatical. Línguas como o inglês, o
japonês e o português utilizam significados lexicais para especificar opcionalmente a fonte da
informação. Ao que tudo indica, a posição mais encontrada na literatura sobre evidencialidade e
modalidade é a de inclusão, em que uma noção está atrelada à outra, ou seja, um domínio encontra-
se dentro do escopo semântico do outro. Há aí duas possibilidades: uma em que se admite que a
função dos marcadores evidenciais é indicar o grau de compromisso do falante com a verdade da sua
proposição. Tal posição é a de Chafe (1986), que concebe a modalidade epistêmica no domínio da
evidencialidade. A outra posição, defendida por Palmer (1986), localiza a evidencialidade no escopo
da modalidade epistêmica. Assim o grau de comprometimento do falante com aquilo que ele diz pode
incluir o “ouvir dizer”, ou discurso reportado, e a inferência, ou experiência sensorial.
16
O diagrama proposto por Willet (1986), segundo Dendale e Tawmoski (2001), ilustra essas
noções com muita propriedade e traduz, com singularidade, o sistema evidencial da língua parkatêjê,
que apresenta termos específicos para marcar os tipos de evidência.
Visual
Direta Atestada Auditiva
Outros Sentidos
Tipos de 2ª Mão
Evidência
Reportada 3ª Mão
Indireta Folclore
Resultados
Inferida
Raciocínios
Esquema tipológico de evidenciais proposto por Willet (1986), segundo Dendale e Tawmoski (2001).
Estudo de caso:
1. Qual o valor do status epistêmico/evidencialidade da informação para a comunicação
linguístico-cultural entre o povo?
2. Qual a relevância do status epistêmico/evidencialidade da informação para a
comunicação missionária do Evangelho?
17
2. Mitologia – A base do Saber
Os mitos e lendas fazem parte da cultura do homem amazônico, interferindo na
formação de sua identidade, são apresentados como uma tentativa de explicar a
realidade, como resposta e explicação da origem do mundo, o que é reproduzido
através de cerimônias religiosas, que por sua vez, mantêm vivo o mito, dentro de uma
visão antropológica. Esse mito é apresentado como explicação do inexplicável, dizer
estabelecendo a diferença entre o sagrado e o profano. Essa relação influencia, para
quem aceita o mito, na própria formação da identidade, principalmente quando se trata
da cultura do homem amazônico. O mito aqui retratado é o modo de ver sentir e
dimensionar a realidade, e como tal faz parte do próprio processo de formação da
identidade, mesmo com o bombardeio da globalização e do neoliberalismo, que
determina padrões de comportamento numa sociedade pós-moderna e pós-industrial,
onde o interesse econômico sobrepuja as culturas minoritárias, mesmo a despeito de
tudo isso o mito sobrevive. O termo grego mytos significa dizer, falar, contar. Do
apogeu do racionalismo grego até o início deste século, mito tinha o sentido de fábula
ou conto, uma fantasia das camadas mais ingênuas ou menos esclarecidas da
sociedade. O mito é uma resposta à tentativaarcaica e perene de responder às questões
sobre a origem do mundo, dos elementos, dos fenômenos e outros. Desde o início dos
temposteveessa função: expressar a indagação do ser humano sobre o universo e sobre
o próprio ser. A perplexidade sempre esteve presente, faz parte da História desde a
aurora da pré-história. Na linguagem comum, mítico queria dizer falso. Mito
significava mentira. Com a penetração do positivismo no pensamento do final do século
XIX, essa conotação parecia definitiva. As pesquisas em Etnologia e Religião
Comparada, no início do século XX, devolveram à palavra mito o sentido que ela
sempre tevenas sociedades primitivas, estendendo-o agora também ao uso do vocábulo
nas civilizações antigas.
Na visão antropológica, mito significa verdade, contrapondo-se ao original
grego, mais do que isso: a verdade mais profunda e perene. Significa história
verdadeira, tão mais verdadeira quanto é revelação primordial, modelo das atividades
e instituições humanas. É exemplar e sagrada: só pode ser recitada, cantada ou
dançada em ocasião solene, o que lhe dá o caráter de santidade. O acesso a seu relato
é reservado aos que já se submeteram a uma iniciação.
Só se compreende o mitopelo próprio mito. Quando as investidas não o destroem,
no mínimo seu crivo de análise passa despercebido por ele. Pois, muito mais que a
razão e a ciência, o mito está encarregado de conter, por uma espécie de “razão
engajada”, aquilo que deve ser encarado como o plenamente humano.6
3. Religião, Verdadeiro Campo de Batalha
Embora praticamente todos os aspectos da cultural de um povo tenham grande relevância no
processo de aprendizado para qualquer proposta de comunicação transcultural, sem dúvida a religião
é o maior e mais profundo desafio. Ocorre que é no campo da religião que habitam os seres e forças
6 Sebastião Monteiro Oliveira
- ProfessorAssistentedaUniversidadeFederal deRoraima, Mestre em educação pelo Programa dePós-graduação daFaculdade
de Educação da Universidade Federal do Amazonas.
Antonia Silva de Lima
- Professora doutora do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação, da Universidade Federal do Amazonas & Antônia
Silva de Lima
18
que controlam e determinam os pensamentos e os comportamentos dos mais diversos. Cácio Silva,
em Fenomenologia da Religião, diz:
A religiosidade de um povose manifesta não apenas em rituais complexos e mitos
dos tempos primordiais, mas também na experiência cotidiana em todas as áreas da
vida. A forma de entrar ou sair de uma casa, um simples gesto no momento da caça ou
pesca, a dieta alimentar, a direção do olhar ao se aproximar de determinado objeto, o
pronunciar discreto de determinadas palavras ao entrar na água e coisas semelhantes
podem expressar muito da religiosidade local.
Chamamos essas manifestações de fenômenos e a fenomenologia da religião se
ocupa em estudá-los na tentativa de compreender as idéias que estão por trás dos
mesmos e o que significam para aqueles que os praticam. Como missionários, antes de
apresentar o evangelho para determinado povo, a primeira providência a ser tomada é
buscar uma compreensão satisfatória do mesmo. Compreender um povo equivale
compreender a sua cultura e essa envolve complexos sistemas que regulamentam o
comportamento do grupo social.
Entretanto, dois sistemas culturais são sobremodo amplos e complexos, sendo
necessário abordá-los de forma mais específica. Trata-se da língua e da religião. De
acordo com o etnólogo alemão Lothar Käser, a religião é um fenômeno universal,
presente em todas as culturas1]. O ateísmo é uma manifestação mais de cunho
individual ou no máximo uma opção sociopolítica. Do ponto de vista cultural, todo
grupo social apresenta manifestações religiosas.
Diversos pesquisadores dedicaram tempo e esforço na tentativa de compreender e descrever o
universo religioso indígena, ou por outra, dos povos tradicionais. Dentre os mais destacados estão
Émile Durkheim, Marcel Mauss, Eliade e Malinowski. Durkheim diz:
Nas sociedades arcaicas, as
representações religiosas penetram
em instituições como o parentesco, a
divisão do trabalho e a
regulamentação e exercício do poder.
Nelas não há nada – inclusive a
economia, a ecologia e os sistemas de
conhecimento – que se possa
entender plenamente sem se referir à
religião.
Eliade, um dos mais ousados
estudiosos do fenômeno religioso em
todos os seus múltiplos aspectos, por
sua vez: “Chega à conclusão
cientifica de que o sagrado é um
elemento estrutural da consciência e
não um estágio da história e, por isso,
não poderá nunca ser esquecido.
Também na sociedade moderna
saturada de secularização, afloram
em toda parte fenômenos de
redescobertas do sagrado: esse não
compreende só os fenômenos que tem
claramente um caráter religioso, mas
19
também outros fenômenos que pretendem a recuperação das dimensões religiosas de uma autêntica
e significativa existência humana do universo.
Este universo religioso constitui o grande desafio e obstáculo ao evangelho de Cristo. Por um
lado, porque estão presentes ali seres espirituais na sua grande maioria, se não totalidade, aéticos, isto
é, bons e maus dependendo do momento e da circunstância. Porque isto se constitui em desafio?”
Observe a tabela ao lado de classificação dos diversos tipos de seres espirituais presentes em
culturas ou religiões indígenas e procure encaixar a pessoa do Deus bíblico nestes padrões:
Por outro lado, culturas indígenas podem também ser regidas por forças impessoais também
chamadas de forças mágicas. Malinowski diz:
Não existem povos, por mais primitivos que sejam, sem religião nem magia. Assim
como não existem, diga-se de passagem, quaisquer raças selvagens que não possuam
atitude científica ou ciência, embora esta falha lhes seja freqüentemente imputada. Em
todas as sociedades primitivas, estudadas por observadores competentes e de confiança,
foramdetectados dois domínios perfeitamente distintos, o Sagrado e o Profano; por outras
palavras, o domínio da Magia e da Religião e o da Ciência.
De um lado, encontram-se os atos e as práticas tradicionais, que os nativos
consideram sagrados, executados com reverência e temor, rodeados de proibições e
normas especiaisde comportamento. Estes atose práticas encontram-se sempre associados
a crenças em forças sobrenaturais, especialmente as ligadas à magia, ou relativas a seres,
espíritos, fantasmas, antepassados mortos ou deuses. De outro, basta um momento de
reflexão para vermos que nenhuma arte ou ofício, por mais primitivo, poderia ter sido
inventado ou preservado, nenhuma força organizada de caça, pesca, agricultura ou
procura de alimentos poderia ter sido empreendida sem observação cuidada do processo
natural e uma firme convicção na sua regularidade, sema capacidade de discernir e sema
confiança na força da razão, sem os rudimentos da ciência.7
Mauss diz:
Admitamos provisoriamente, em princípio, que a magia foi suficientemente
distinguida, nas diversas sociedades, dos outros sistemas de fatos sociais. Sendo assim, há
razão de crer que ela não apenas constitui uma classe distinta de fenômenos, mas também
que é suscetível de uma definição clara.Devemos fazeressa definição pornossa conta,pois
não podemos nos contentar em chamar de mágicos os fatos que foram designados como
tais por seus atores ou por seus espectadores. Estes se colocavam em pontos de vista
subjetivos, que não são necessariamente os da ciência.
Uma religião chama de mágicos os restos de antigos cultos, antes mesmo que estes
tenham deixado de ser praticados religiosamente; essa maneira de ver já se impôs a
cientistas e, por exemplo, um folclorista tão distinto como Skeat considera como mágicos
os antigos ritos agrários dos malaios. Para nós, devem ser ditas mágicas apenas as coisas
que foram realmente tais para toda uma sociedade, e não as que foramassim qualificadas
apenas por uma fração de sociedade. Mas sabemos também que as sociedades nemsempre
tiveram de sua magia uma consciência muito clara, e que, quando a tiveram, só chegaram
a isso lentamente.
Não esperamos,portanto,encontrarde imediato os termos de uma definição perfeita,
que só poderá vir como conclusão de um trabalho sobre as relações da magia e da religião.
A magia compreende agentes, atos e representações: chamamos mágico o indivíduo que
efetua atos mágicos, mesmo quando não é um profissional; chamamos representações
7 Malinowski, B. Magia, Ciência e Religião
20
mágicas as idéias e as crenças que correspondemaos atos mágicos; quanto aos atos, em
relação aos quais definimos os outros elementos da magia, chamamo-los ritos mágicos.
Importa desde já distinguir esses atos de práticas sociais com as quais poderiam ser
confundidos.8
ii. Animismo, Animatismo e Confronto de Poderes
Os fundamentos da cosmovisão animista / animatista
O visível está intimamente relacionado ao invisível
A vida é interconectada
O poder é procurado para controlar a vida – busca utilitária
As Fontes do mal são ansiosamente procuradas
Os animistas estão mais preocupados com questões do aqui e agora;
Para os animistas o confronto com o poder está acima do confronto com a verdade;
Basicamente todas as religiões recebem influência do animismo/animatismo
A diferença fundamental
Forças pessoais X Forças impessoais
iii. A “Índole” dos Povos Tradicionais (Indígenas)
1. Sagrado X Profano – Dualistas X Unitaristas
“Segundo a tradição mesopotâmica, o homem teria sido formado no "umbigo da Terra", em uzu
(carne), sar (união), ki (lugar, terra), onde também se localiza Dur-an-ki, a "União entre o Céu e a
Terra". Ormazd cria o touro primordial Evagdath, e o homem primordial, Gajomard, no centro das
Terras.
Naturalmente, o Paraíso, onde Adão foi criado a partir do barro, encontra-se localizado no
centro do Cosmo. O Paraíso era o umbigo da Terra, e, segundo uma tradição síria, teria sido
estabelecido numa montanha mais alta do que todas as outras. Conforme o Livro da Caverna dos
Tesouros, de autoria síria, Adão teria sido criado no centro da Terra, exatamente no mesmo lugar
onde a Cruz de Cristo seria levantada mais tarde. As mesmas tradições foram preservadas pelo
judaísmo. O apocalipse judeu e uma midrash afirmam que Adão teria sido formado em Jerusalém.
Com o enterro de Adão precisamente no mesmo lugar onde teria sido criado, isto é, no centro do
mundo, sobre o Gólgota, ele também poderia — como já vimos antes — ser redimido mais tarde pelo
sangue do Salvador. (Ver Apócrifos — Os Proscritos da Bíblia II, Ed. Mercuryo, SP, 1992 (N. 8).)
O Centro é o âmbito do sagrado, a zona da realidade absoluta. De modo semelhante, todos os
demais simbolos da realidade absoluta (árvores da vida e imortalidade, fontes da juventude, etc.)
encontram-se também situados em lugares centrais. A estrada que leva para o centro é um "caminho
difícil" (duro hana), e isso pode ser verificado em todos os níveis da realidade: difíceis convoluções
de um templo (como em Borobudur); peregrinação a lugares sagrados (Meca, Hardwar, Jerusalém);
viagens cheias de perigos, realizadas por expedições heróicas, em busca do Velo de Ouro, das Maçãs
Douradas, da Erva da Vida; desespero dentro de labirintos; dificuldades daquele que procura pelo
caminho em direção a seu ego, ao "centro" do seu ser, e assim por diante. A estrada é árdua, repleta
de perigos, porque, na verdade, representa um ritual de passagem do âmbito profano para o sagrado,
8 Mauss,M., Sociologia e Antropologia
21
do efêmero e ilusório para a realidade e a eternidade, da morte para a vida, do homem para a
divindade. Chegar ao centro equivale a uma consagração, uma iniciação; a existência profana e
ilusória de ontem dá lugar a uma nova, a uma vida que é real, duradoura, eficiente.
Para garantir a realidade e a durabilidade de uma construção, existe uma repetição do ato divino
da construção perfeita: a Criação dos mundos e do homem. Como primeiro passo, a "realidade" do
lugar é garantida por intermédio da consagração do terreno, isto é, por sua transformação em um
Centro; então, a validade do ato de construção é confirmada pela repetição do sacrifício divino.
Naturalmente, a consagração do Centro ocorre num espaço de qualidade diferente do espaço
profano. Por meio do paradoxo do ritual, cada espaço consagrado coincide com o centro do mundo,
da mesma forma que a hora de qualquer ritual coincide com o momento mítico do "princípio". Através
da repetição do ato cosmogônico, o momento concreto, no qual a construção tem lugar, é projetado
para o tempo mítico, in illo tempore, quando ocorreu a fundação do mundo. Assim, a realidade e a
durabilidade de uma construção ficam garantidas, não apenas pela transformação do espaço profano
em espaçotranscendental (o Centro), mas também pela transformação do tempo concreto em tempo
mítico.”9
Eliade defende que na visão dos povos ancestrais o dualismo entre sagrado e profano não
existia, ou melhor, o assim chamado “profano” não existia na verdade, já que não havia separação
entre o momento e o lugar sagrado e o não sagrado. A presença e a atuação do sagrado, do espiritual,
do transcendente, não se restringem a um local específico nem a um tempo específico. Falemos sobre
as idéias: As idéias fenomenológicas, de forma geral, são naturalmente manifestas em vários graus,
por exemplo, de sagrado e profano, que precisam ser categorizados.
Não precisamos ir muito longe para darmos exemplos disto. Em nossas igrejas facilmente
percebemos, ao olharmos deste ponto de vista, que no fundo nossas maneiras de agir demonstram
graus de santidade (sagrado e profano) em relação a área geográfica do templo. Em alguns templos
mulheres que usam calças compridas podem estar presentes e participar do culto na bancada, porém
lhe é exigido uma roupagem diferente (talvez vestido ou saia) para que se apresente à frente da
comunidade. A roupagem do líder ou pastor é distinta de dia a dia, digamos, do culto da quarta feira
a noite, em que lhe é permitido uma camisa social, para o culto de domingo a noite em que lhe é
exigido terno completo.
Pense...
1. Como a nossa visão dualista, ocidental (izada), influencia nossas práticas de vida cristã?
2. Como a nossa visão não integral acerca do sagrado e profano influencia nossas práticas
missionárias entre povos tradicionais animistas?
9 Mircea Eliade, O Mito do Eterno Retorno
22
2. “Relacionamento” Utilitário X Relacionamento Filial
Os dilemas da evangelização: Nóbrega e as políticas jesuíticas no Brasil do
século XVI - Alfredo Cordiviola (Professor do Departamento de Letras da
Universidade Federal de Pernambuco, em Recife, Brasil)
O impacto criado pelas realidades americanas muda, a partir do final do século XV,
o devir universal, e obriga o homem europeu a repensar sua posição na história e no
mundo. É esse o momento crucial do pensamento moderno, em que, como escreveu Lévi-
Strauss em Tristes Trópicos, ´uma humanidade que se julgava completa e acabada recebia
de repente, como uma contra-revelação, a notícia de que não estava só, era uma peça de
um conjunto mais vasto, e que, para se reconhecer, devia primeiro contemplar a sua
imagem irreconhecível nesse espelho que lançava seu primeiro e último reflexo´ i.
A América, e as heterogêneas populações que a habitavam, ofereceramao europeu
uma imagem irreconhecível de si, imagem que é considerada ora como uma versão
rudimentar e inocente (como no Diário e na primeira carta de Colombo), ora como
perversa e intrinsecamente malvada (como nas gravuras que acompanhavamos relatos de
Hans Staden), quando não é simplesmente tida como uma expressão de outra natureza, de
outra condição.
As grandes viagens marítimas permitiram ao europeu conhecer outros bárbaros. No
Brasil, a questão da humanidade dos indígenas (ou, em outros termos, a existência ou não
de alma no corpo dos indígenas)foiuma das primeiras a serem debatidasno seio da igreja.
O Diálogo para a Conversão do Gentio,escrito pelo jesuíta Manuelda Nóbrega entre
junho de 1556 e dezembro de 1557, postula, discute e responde perguntas como essas.ii
Nóbrega, o fundador da política jesuítica no Brasil, chegara quase dez anos antes,
em 1549 , na comitiva de Tomé de Souza, o primeiro governador-geral do Brasil. Formada
por mais de mil integrantes, essa comitiva, que desembarca quase meio século depois do
achamento de Cabral, afirma definitivamente a presença da coroa portuguesa emterritório
brasileiro, e garante o papel preponderante que seria outorgado à Companhia de Jesus na
evangelização das populações locais.
O Diálogo apresenta dois interlocutores,o Irmão Gonçalo Alvares, e o Irmão Mateus
Nogueira. Na primeira parte do diálogo, os interlocutores expõem os aspectos negativos
do indígena, que dificultam ou impossibilitam a conversão. Tais aspectos conformam todo
o corpo de referências e costumes sociais, políticos, psicológicos e religiosos divergentes
da moral cristã, e são os inimigos a serem vencidos com as armas da evangelização e da
“sujeição bem ordenada”, demônios menores que juntam suas forças para impedir o
avanço da Palavra. Assinalados por Serafim Leite no prefácio do Diálogo, os aspectos
negativos do índio são basicamente os mesmos que Nóbrega já tinha identificado na sua
Informação das terras do Brasil escrita em 1549:
- a animalidade (“porque vemos que são cães em se comerem e matarem, e são
porcos nos vícios e na maneira de se tratarem”):.
- A antropofagia (“são tão bestiais, que não lhes entra no coração cousa de Deus;
estão tão encarniçados em matar e comer que nenhuma outra bem-aventurança sabem
desejar)”.
- A nudez (“Esta terra tem mil léguas de costa toda povoada de gente que anda nua
assim as mulheres como os homens).
- Ausência aparente de religião (“Esta gentilidade não adora a nenhuma coisa nem
conhece a Deus, só aos trovõeschamam Tupana,que é como quemdiz coisa divina. E assim
23
nós não temos outro vocábulo mais conveniente para os trazer ao conhecimento de Deus
que chama-lhe Pai Tupana”.
- O atavismo (“nem sei se é bom chamar-lhe corvo, pois vemos que os corvos,
tomados nos ninhos, se criam e amansam e ensinam, e estes, mais esquecidos da criação
que os brutos animais, e mais ingratos que os filhos das víboras que comem suas mães,
nenhum respeito tem ao amor e criação que neles se faz) ”.
Mas os índios são homens, continua o diálogo, mas homens simples. Homens que devem ser
purificados dos seus maus costumes e instruídos nos bons, que ainda desconhecem. Nesse sentido,
todos os indígenas são iguais, e é muito claro o uso do coletivo para denominá-los: “gentios”,
sinônimo de bárbaro, selvagem, não civilizado, infiel, pagão, idólatra. Exprimem uma indiferenciada
massa de indivíduos, sob a qual são homogeneizadas e apagadas as especificidades raciais e culturais.
Mas, se todos os indígenas são iguais quanto a sua natural simplicidade, todavia há entre eles
alguns mais simples do que outros. Esses são os meninos. Os meninos, as crianças, são os alunos
prediletos dos jesuítas. “Imagem”, como diz Baeta Neves (15), “do indígena que está na infância da
humanidade” que mora nos novos mundos que são a “infância do mundo”. No método jesuítico, os
meninos são transformados no meio mais apto para atingir os adultos. Através da educação, os filhos
passam a ser os porta-vozes da doutrina ante seus pais. Como são mais jovens, não apresentam tantas
dificuldades para serem convertidos. Neles a conversão perdura, e o processo evangelizador não e
interrompido.
Crianças como modelo, como exemplo a ser imitado. Nóbrega escreve:
“Principalmente, pretendemos ensinar bem os moços, porque estes bem
doutrinados e acostumados em virtude, serão firmes e constantes os quais seus
pais deixam ensinar e folgam com isso”.
A inconstância, que era uma das características que mais dificultavam a conversão do indígena,
estaria ausente nos meninos. Eles são “firmes e constantes”, porque estão “bem doutrinados e
acostumados em virtude”.
Veja ainda:
“A gente destas terras é a mais bruta, a mais ingrata, a mais inconstante,
a mais avessa, a mais trabalhosa de ensinar de quantas há no mundo. Outros
gentios são incrédulos até crer; os brasis, ainda depois de crer, são
incrédulos.” (Padre Antônio Vieira)
“Por fim, perceberam os jesuítas que o problema maior da falta de fé
dos índios era a falta de um poder central coercitivo a quem depositassem
obediência, seja por adoração, que significa ter algo como superior,
incontestável, absoluto, ou seja, a fé predispõe uma obediência, digo mais, a
fé tem como essência a obediência incondicional, seja pelo temor. “Aqui está:
os selvagens não creem em nada porque não adoram nada. E não adoram
nada, no fim das contas, porque obedecem a ninguém.”. (CASTRO, Eduardo
V.; A inconstância da alma selvagem; p. 216)
No final, as muitas tentativas dos colonizadores e dos catequistas de “elevar” a alma indígena
se mostraram infrutíferas. Nem eles se sujeitaram à escravidão desejada pelos colonos, nem tampouco
se enquadraram na nova religião que o cristianismo católico romano dos Jesuítas com seus dogmas,
altares, santos, etc. Até hoje, o trabalho missionário entre os povos indígenas enfrenta seus reveses.
Por um lado, os missionários evangélicos, que não devem ser da mesma natureza daqueles
antigos Jesuítas, sofrem acusações de praticar a catequese, ou seja, a imposição de dogmas religiosos.
24
Por outro lado, cometemos de algum modo o mesmo erro duplo. Há os que veem os indígenas
como iguais aos não indígenas citadinos e, assim, pretendem realizar entre eles o mesmo tipo de
evangelização que realizam em suas igrejas e denominações, sem compreender a alteridade que o
coração e a mente indígena representam, as quais requerem uma mensagem traduzida,
contextualizada e aplicada às suas formas de compreensão. Assim, simplesmente impõem um modelo
de Igreja importado (chamando isso de implantação de igreja), que não vislumbra a índole relacional
diferenciada que o indígena apresenta em sua relação com o “seu” sagrado e que automaticamente se
torna uma barreira intransponível para a vida da igreja nativa.
Lidório diz:
Escrevendo aos Romanos (1.18-27) o apóstolo Paulo nos introduz
ao conceito da contextualização em oposição à inculturação trazendo à tona
verdades cruciais para a proclamação do Evangelho dentro de um
pressuposto escriturístico e revelacional. Enquanto a inculturação defende
e propõe um Deus ‘aceitável’ culturalmente a contextualização expõe
Deus revelado e um evangelho que irá confrontar a cultura visto que o
pecado contaminou o homem dentro de seu círculo sociocultural.
Há elementos bíblicos neste precioso texto que nos ajudam a pensar
em alguns princípios de contextualização. Somos seres culturalmente
‘buscadores’ de um divino utilitário. É comum ao homem caído gerar uma
idéia de deus que satisfaça aos seus anseios sem confrontá-lo com o pecado.
Esta atitude é encontrada em toda a história humana e não colabora para o
encontro do homem com a verdade de Deus.
Mas que é isso de índole relacional? Observe os modelos abaixo e pense...
Enculturação, Fé (tipo A), Ritos de Apaziguamento.
Fé (tipo B), Adoração, Louvor,
Obediência - expressam
Relacionamento com Deus
CRER – TEMER – APAZIGUAR – REPETIR
OUVIR – ENTENDER – CRER –
– RELACIONAR –
– M UDAR –
25
4. Comunicação – O Coração da Missão (Hesselgrave)
a. O Problema Missionário por Excelência
Leitura e resumo crítico do texto de David Hesselgrave – A Comunicação Transcultural do
Evangelho, pgs. 19-31
b. Elementos do Processo de Comunicação
(Apresentação – Elementos Processo Comunicação)
c. Camadas Culturais
(Maria Leonardo10)
Cultura é o conjunto de
comportamentos, de valores e de
crenças de uma sociedade.
Culturas são sistemas (de padrões
de comportamento socialmente
transmitidos) que servem para
adaptar as comunidades humanas
aos seus embasamentos biológicos.
Esse modo de vida das
comunidades inclui tecnologias e
modo de organização econômica,
padrões de estabelecimento, de
agrupamento social e organização
política, crenças e práticas
religiosas, e assim por diante
(KEESING11, 1974).
“A cultura é um modo de pensar, de
sentir, de crer” (KLUCKHOHN12,
1949, p. 23).
Os importantes elementos de uma cultura são os valores, conhecimentos, crenças, artes, moral,
alimentação, língua, leis, costumes e quaisquer hábitos e habilidades adquiridos pelo homem dentro
de uma sociedade. O estudo da Antropologia delineia essa compreensão, de uma forma comparativa
ao das “cascas” de determinados vegetais bulbosos que apresentam um corpo formado por várias
camadas superpostas, como as cascas de uma cebola, por exemplo.
Análoga ao exemplo, no que concerne à sua estrutura, a Antropologia possui várias camadas
ou a que chamamos níveis de entendimento. São estas “cascas” ou níveis da cultura de um povo:
10 Pós-doutorada em Comunicação Intercultural, e doutora em Teologia (Etnoteologia e Antropologia Cultural) e em
Antropologia da Religião
11 Professor Roger Martin Keesing foi um linguista e antropólogo,notávelpara seu trabalho de campo sobre o povo de
Kwaio de Malaita, nas Ilhas Salomão e seus escritos sobre uma vasta gama de tópicos,incluindo parentesco,religião,
política, história, antropologia cognitiva e linguagem. Keesing foi dos principais contribuintes para a antropologia
12 Clyde Kluckhohn foi um antropólogo americano e teórico social, mais conhecido por seu trabalho etnográfico a longo
prazo entre os Navajo e suas contribuições para o desenvolvimento da teoria da cultura no âmbito da antropologia
americana
26
 O comportamento: esta é a casca mais externa, superficial, e a mais fácil de ser notada,
quando avaliamos uma cultura. É o conjunto das coisas que são feitas, daquilo que são
facilmente notadas, ou seja, é o ato de fazer de um povo, e a maneira (própria) como eles
fazem estas coisas. Esta identificação pode ser vista no modo de agir, vestir, caminhar,
comer, falar, etc.
 Os valores culturais: penetrando uma camada à dentro (ou segundo nível) veremos os
valores culturais, e estes valores são firmados sobre a sua noção daquilo que é “bom”, do
que é “benéfico”, e do que é “melhor”. Os valores culturais são para adequarem ou se
conformarem ao padrão de vida de um povo.
 As crenças: a crença é a noção que se tem daquilo que é verdadeiro. Constitui-se
basicamente daquilo que um povo vê e crê como sendo verdade fundamental.
 A cosmovisão: É a cultura como uma lente através do qual o homem vê o mundo. É a
percepção daquilo que é real. É a maneira de ver esse mundo, é o sistema de crenças que
reflete os comportamentos e valores desse povo.
No centro desta realidade das Camadas Culturais, está a Cosmovisão. É a maneira pela qual as
pessoas vêm ou percebem o mundo. A maneira pela qual elas entendem o mundo ao seu redor e
percebem sua participação e localização nele. É a compreensão pessoal da realidade ao redor e do
que elas são. Cosmovisão pode ser usada para incluir as formas de pensamento e as mais
compreensivas atitudes acerca da vida.
A cosmovisão pode dificilmente ser considerada sem alguma dimensão de tempo, alguma ideia
do passado e do futuro, evoca o conjunto emocional de um povo para demonstrar sua disposição para
ser ativo ou contemplativo, ou resignado para sentir, ele mesmo a partir do que ele vê ou para
intimamente identificar a si próprio no resto do mundo (cosmos). É a estrutura das coisas e como o
homem está ciente delas. Ela é a maneira pela qual vemos a nós mesmos e nos relacionamos com o
resto (KEESING, 1974).
Entender a cosmovisão é o ponto de partida para estabelecer uma ponte naquela cultura pessoal
e naquela mentalidade formada, a verdade transcultural do evangelho de Cristo.
A cosmovisão de um povo reflete as suas suposições, valores e entendimento a respeito da vida
e do mundo onde eles vivem. Por isso, é necessário participar da vida e das experiências de um povo
com capacidade para entender sua cosmovisão.
Quando a conhecemos bem, temos credibilidade e autoridade para apresentar o evangelho nesta
sua localização cultural. A mensagem da fé cristã é indiscutivelmente universal e destinada a todos
os homens de todas as épocas e de todas as culturas, mas os contextos culturais em que Deus
estabeleceu a verdade e a cultura onde esta verdade está sendo comunicada são bem distintos.
Daí a necessidade de uma contextualização, ou seja, a de apresentar a mensagem ajustável ao
“ponto de vista”, contexto e estilo cultural local. O conteúdo contextualizado deve ser acompanhado
de um estilo de transmissão também contextualizado, através de uma comunicação, por sua vez,
também contextualizada.
O povo precisa entender, visualizar, aceitar e encarnar a verdade ora comunicada. A
Comunicação Transcultural vem, pois, a ser, uma comunicação contextualizada onde é necessário ter
os conhecimentos da Antropologia Cultural para entender a cultura e a cosmovisão de um povo.
27
O modelo ideal da comunicação transcultural do evangelho é o modelo encarnacional onde o
missionário cristão passa pelo processo de adaptação e aculturação à nova cultura, e se interage na
cultura estabelecendo o senso de pertencer, e neste modelo encarnacional, ele faz amigos nesta nova
cultura, vive com o povo, comunica na linguagem do amor, e contextualizada a mensagem para o
povo.
O missionário adquiri a cultura local, a língua falada bem como a língua silenciosa, os hábitos
e valores que constituem a soma daquela cultura. Ele, literalmente, “veste a camisa” daquele povo, e
se torna um deles. Sua mensagem então é revestida de autoridade, pois não se trata de uma verdade
“estrangeira”, mas de uma pessoa de dentro da cultura, uma pessoa parte da vida deles.
d. Pressupostos Revelacionais
(Apresentação – Pressupostos Revelacionais)
Falo neste capítulo em termos genéricos, usando o que conheço do povo Waiãpi, com o qual
minha família e eu trabalhamos. Pode até ser que os indígenas não expressem o que pensam por
diplomacia cultural ou timidez diante do missionário “todo-conhecedor”, mas dá para perceber sua
reação em fragmentos de suas perguntas ou nos comentários posteriores.
Como introdução para este estudo de caso, alistemos aqui alguns pressupostos revelacionais de
que dependem os povos indígenas, em especial os Waiãpi. Segue umas explicações nas suas próprias
palavras:
 Tamõ kõ remikuarer - As experiências dos nossos ancestrais
“Nós observamos tabus e resguardos baseados nas experiências dos nossos pais. Por exemplo:
uma mulher não deve se banhar no rio no seu siclo menstrual. É perigoso fazer isso pois o dono das
águas vai causar-lhes malefícios. Uma criança novinha deve ser protegida para não perder a alma.
Nunca devemos deixar uma criança chorar nem mesmo discipliná-la ao ponto de chorar porque ela
pode perder a alma. O pajé não pode passar por onde andou uma mulher parturiente, nem assistir ao
nascimento de um filho. Não adianta vocês dizerem que essas coisas não têm problemas. Podem não
ter problemas para vocês, mas para nós, sim.”
 Tamõ kõ ayvukwer – As estórias e ensinos dos ‘nossos’ antepassados
Observe como os Waiãpi defendem sua tradição oral:
“Bem, vocês estão lendo os escritos de Moisés e achamos interessantes, só que nós também
temos a palavra de nossos antepassados e ela é tão importante quanto o seu livro, missionário! Aliás,
você deve lembrar-se que os Waiãpi foram criados primeiro que os brasileiros. Então missionário,
não pense que pode supervalorizar o seu ‘livro’ em detrimento das minhas tradições orais, tá bem?”
Realmente, em relação à comparação entre cultura oral e escrita, nenhuma é superior à outra,
embora os letrados valorizem mais a escrita pela facilidade de arquivar dados culturais em livros.
Mas os anciãos, especialistas na cultura indígena, têm uma incrível enciclopédia em suas mentes.
 Manõtaray mãe kõ ayvukwer/ jigarer - Palavras ou cânticos dos moribundos.
Alguém me perguntou:
— O seu povo costuma prestar atenção quando alguém está para morrer? Eles escutam o cântico
dos moribundos?
— Não.— respondi.
— Chii!! Que gente insensível a sua! Nosso povo faz questão de ouvir as últimas palavras de
quem está para morrer. Não somos desatenciosos como vocês. É por isso que sabemos muitas coisas
que vão acontecer com a gente depois que morrermos porque uma cortina se abre para o moribundo.
Algumas vezes ele canta, outras vezes ele comenta sobre o que está vendo “lá do outro lado”.
28
 Pajé kõ moregetakwer - Palavras dos shamãs
— Vocês têm pajés? Eles são bons ou maus? São poderosos?
— Não, não temos.
— Bem, nossos pajés sabem muito. Eles podem nos indicar onde está o bando de porcos do
mato para nossos caçadores. Se ocorre uma doença, eles podem fazer uma fumaça com ervas e outras
coisas que vão subir e indicar a origem da doença para nos vingarmos do despacho que outros fizeram.
Podem também entrar na tocaia e falar com os espíritos em voz diferente da sua, e podem soprar e
tirar os amurús do corpo de um doente e ele sarar logo. No passado podiam até curar um acidentado
com fraturas expostas, mas atualmente só temos pajés pequenos.
 Morawã (anormalidades) - Mistérios, pressentimentos ou presságios
“Nós prestamos atenção aos sinais ao nosso redor. O canto da sigau é muito importante. Quando
ela fica zangada (cantando de modo diferente), isso é um aviso. Animais quando agem fora do seu
habitual, sempre trazem “avisos” de coisas importantes que podem acontecer conosco. Se você vir
um pássaro noturno de dia, preste atenção; é um aviso mesmo.
“O tamõ fulano não atendeu ao presságio e imprudentemente foi caçar. Por isso a onça o comeu.
O finado irmão teve vários presságios: achou uma tracajá enorme e doente e não se cuidou, depois
pescou um grande forno de barro antigo e o carregou. Não devia ter feito aquilo! Por causa disso foi
ficando doente e morreu mesmo...”
 Janepouwaikwer - Os sonhos
“Vocês dão atenção para os sonhos? Vocês sabem que durante o sonho nosso espírito/alma faz
viagens extra corporais e visita lugares diferentes? Olha, quando a gente sonha existe um ‘recado’
que alguém está querendo passar pra gente. Os sonhos são muito importantes.”
“E vocês procuram saber o significado dos seus sonhos? Quem os interpreta para vocês?”
“Nós conversamos muito sobre os sonhos, eles não nos enganam.”
Estas narrativas são uma pequena amostra de como o povo chegou a crer no que crê. Há muito
a ser investigado, e não se pode passar uma borracha e apagar o que eles crêem para plantar a Verdade
em suas mentes. Isso nos leva ao processo da contextualização, que depende muito do missionário e
de sua habilidade, paciência, sabedoria, humildade e sensibilidade no trato com o povo.
Alguns desses “segredos” não serão revelados se não houver cumplicidade e relacionamento
profundo entre o missionário e o seu amigo tribal. Eles não banalizam seus conhecimentos.
5. Estratégia Missionária O “Caminho das Pedras”
a. ACL – Aquisição de Cultura e Língua – 1ª. Fase APRENDIZADO
i. Observação – Participação – Investigação (ver gráfico O.P.)
Metodologia da Observação
As informações científicas que obtemos são inteiramente diferentes das que conseguimos
quando fazemos uma observação causal. A diferença centra-se, sobretudo, no fato de que as
observações científicas procuram coletar dados que sejam válidos e confiáveis.
Para obter informações de valor científico, é preciso usar metodologias adequadas, a fim de
evitar a identificação de fatores que têm pouca ou nenhuma relação com o comportamento complexo
que se deseja estudar. Para ser considerada como tendo significado científico, [a pesquisa] deve
apoiar-se em fundamentos teóricos consistentes relacionados à natureza dos fatos ou comportamentos
a serem observados. Sem a teoria e um corpo de conhecimentos bem estruturados, a pesquisa
observacional certamente produzirá elementos esparsos e não-conclusivos.
29
É importante, dessa
forma, iniciar a
pesquisa fazendo
uma revisão da
literatura, limitada
aos três ou quatro
últimos anos
anteriores ao início
da observação e,
depois, partir para a
formulação de
algumas idéias
(hipóteses) sobre a
natureza do
fenômeno a ser
considerado.(11)
Observação e atividade científica
Ao observador não basta simplesmente olhar. Deve, certamente, saber ver, identificar e
descrever diversos tipos de interações e processos humanos. Algumas perguntas geradoras de novos
trabalhos podem surgir, a partir de certas relações que não oferecem explicações amplamente
satisfatórias para o problema enfocado. Outras fontes de identificação de problemas a pesquisar,
encontram-se na literatura técnica, em trabalhos teóricos a partir dos quais são feitas algumas
deduções que precisam ser comprovadas, situações da vida prática, experiências e insights pessoais.
A observação tem contribuído para o desenvolvimento do conhecimento científico, especialmente
por coletar dados de natureza não-verbal.
A observação faz parte do nosso cotidiano, mas essa situação não nos deve levar a pensar que
possamos fazer observações sem uma formação e treinamento prévios que nos qualifique para o
exercício dessa atividade. Os resultados, na ausência desse treinamento, quase sempre são de natureza
aótica e não merecem credibilidade, por não se revestirem da seriedade e validade que seria de se
esperar em um trabalho científico.
Observação e suas diferentes fases
Observação: registros, dados e relatórios
O observador precisa desenvolver um método pessoal para fazer suas anotações, para não ser
traído por sua memória e, além disso, deve fazer um registro de natureza narrativa de tudo que foi
constatado no período de observação.
Na observação, é interessante para a análise estabelecer-se um relação entre teoria e dados, sem
engessar os dados pela teoria. A observação, no contexto de uma pesquisa, visa, no caso, a gerar
novos conhecimentos e não a confirmar, necessariamente, teorias.
(VIANNA, Heraldo Marelim. Pesquisa em educação:a observação. Brasília: Plano Editora, 2003)
30
ii. Programa e Etapas de Aquisição (Gráfico de ACL)
b. EBF – Ensino Bíblico – 2ª. Fase ENSINO
i. Roteiro de Ensino (Livro: Ensino Bíblico Cronológico)
Nossa estratégia é o Ensino Bíblico Cronológico (didático e construtivo). Por onde começar....
Em equipe, antes de começar, você pode fazer uma linha do tempo simples para obter um quadro
completo/grande da direção do ensino.
31
Começando do início, esboce os temas de Deus que estão sendo destacados em cada lição.
(Ideal). Depois de ume estudo da cultura você deve ser capaz de ter uma boa ideia dos padrões ou
temas da sua audiência alvo. (Real).
Organize os temas do homem em contraste com os temas de Deus, quando são referidos na
seção escolhida das escrituras. (Disparidade). Então, você terá sua direção geral e base para o EBF
que precisa ser desenvolvida! Isso obviamente vai ser então a sua... (estratégia).
ii. Pilares Culturais (Método Antropos de Análise Cultural)
Sugiro que sejam investigados, analisados e descritos os temas culturais pilares que constam
das QUATRO DIMENSÕES (Lidório) como segue:
1. Dimensão Histórica
Quando iniciamos nosso trabalho em uma etnia ou segmento social buscamos descobrir as
repostas à perguntas chaves cujos elementos são universais. A pergunta que se levanta aqui é quem
somos nós? Para respondê-la lançaremos mão de algumas abordagens, aplicáveis em qualquer cultura
ou segmento. Para a Antropologia o ser humano adapta-se a diferentes ambientes e situações a partir
de respostas mais culturais do que genéticas. O homem é visto como homem, pela Antropologia, no
momento em que a história é capaz de relatar sua capacidade de transmitir conhecimento, crença, lei,
moral, costume a seus descendentes e aos seus vizinhos através do aprendizado. Vemos, assim, que
a cultura participa da história do homem de tal forma intrínseca que o desenvolvimento da
humanidade pode ser considerado o desenvolvimento cultural. O aperfeiçoamento das ferramentas
para subsistência como habitação, plantio, caça, pesca e proteção, além da família se estabelecendo
em variadas formas no decorrer do tempo e nos espaços geográficos bem como as valorizações cada
vez mais constantes do aspecto simbólico, as artes, a linguagem, os mitos, a religiosidade universal,
“tudo isto criou para o homem um novo ambiente ao qual ele foi obrigado a adaptar-se”.
A dimensão histórica possui duas bases principais que aqui chamarei de historicidade cultural
e origem universal.
2. Dimensão Ética
Relembremos que Antropos é baseado em quatro dimensões: histórica, ética, étnica e
fenomenológica. Após termos visto os elementos de pesquisa e estudo na dimensão histórica
passemos à ética. Se na dimensão histórica foi levantada a pergunta quem somos nós?, por sua vez,
tratando da ética, do homem e seus valores culturais, a pergunta que levantaremos agora será: como
nós pensamos? Ou ainda, quais são nossos valores? E buscamos este pensar humano gerador (ou
receptor) de valores culturais como pecado, perdão, comunicação, normas de agrupamento e
dispersão e coisas afins.
Todo agrupamento e sociedade humana possuem valores e normas o que, de maneira geral,
associamos à moral. Mauss já enfatizava que a moral pré-existente na consciência humana desabrocha
em valores semelhantes e normas semelhantes em diversas gerações e agrupamentos. Ou seja, por
sermos seres morais e unidos por uma historicidade cultural, mesma origem, desenvolvemos valores
parecidos e universais. Isto poderia ser facilmente comprovado através de um estudo de caso quando
isolamos um valor, por exemplo, a sensualidade. Ela é condenada em praticamente todas as culturas
em suas diferentes formas quando ultrapassa o que aquela sociedade considera tolerável. Mesmo
estando sempre ligada a partes do corpo humano, danças, roupas e atitudes, sua manifestação é
distinta de grupo a grupo (o que é sensual no Brasil não o é necessariamente em Gana), porém seu
valor é uno e por ser assim a sensualidade cria tabus e tolerâncias muito semelhantes em diferentes
sociedades e épocas. O Museu do Cairo, por exemplo, apresentou em 1979 uma galeria de roupas,
adornos e cosméticos dedicados à produção de sensualidade em moças egípcias durante mais de 20
32
gerações. Apesar de experimentarmos certos valores de forma adaptada ao nosso contexto e ambiente,
tais valores nos unem e nos tornam socialmente semelhantes.
É preciso pontuar, nesta altura, que apesar do homem ser um ser moral, a expressão de sua
moralidade se baseia na conjuntura de suas crenças e práticas e grupos distintos possuem diferentes
crenças e práticas. Ao falar sobre “totemismo” exporei mais a respeito, porém é saudável mantermos
em mente que a investigação da fonte da vida, ou seja, aquilo ou aquele que gera e mantém a vida, é
capítulo fundamental para nossa compreensão da expressão de moralidade do grupo observado.
Partindo dos efeitos para a causa, em um exercício regressivo, normalmente sugiro que se identifique,
no grupo estudado, duas pessoas que simbolizam ou apresentam virtudes e defeitos. Chamaremos tais
figuras de “X” e “Y”. Pode-se produzir, assim, uma lista comparativa de virtudes e defeitos aceitos e
experimentados pelo grupo na cosmovisão do próprio grupo.
Há de se perceber, portanto, que a moralidade humana bem como sua concepção cultural de
certo e errado, virtudes e defeitos, está intrinsecamente ligada à sua crença em relação à fonte da vida
3. Dimensão Fenomenológica
Concentrando-nos agora na Fenomenologia da religião, iremos mudar nossa pergunta chave.
Na dimensão histórica a pergunta chave era “quem somos nós? ” Na dimensão ética “que valores nos
definem? ” Na étnica “como nos organizamos socialmente? ” Nessa última dimensão que aqui
estudaremos a pergunta chave é “que forças dominam em nosso meio? ”
Tolra13 e Warnier14 em “Etnologia, Antropologia”, no capítulo sete, tratam do fenômeno
religioso e dizem que “a religião parece ser a mais antiga dessas manifestações do pensamento”71.
Para eles o fenômeno religioso consiste em primeiro lugar em crenças, e o que caracteriza estas
crenças é o fato de se postular a existência de um meio invisível em pé de igualdade com o visível,
mas que não pode ser simplesmente evidenciado como a matéria. O missiólogo terá de estudar todo
o acervo mítico do povo alvo para perceber como tal povo entende este mundo invisível com o qual
convive.
Se já estamos certos da universalidade do sentimento religioso, agora precisamos fazer a leitura
fenomenológica. Para tal é necessário identificar e também interpretar os elementos que fazem parte
do sagrado, através de crenças, mitos e ritos. Gostaria de chamar sua atenção para este ponto. A
importância de identificação e interpretação. Uma mera identificação (com consequente descrição)
não passará de um capítulo etnográfico. Uma interpretação sem a devida identificação incorrerá em
erros grosseiros do elemento a ser estudado. É necessário identificarmos os elementos chaves que
compõe a estrutura fundamental do sagrado (as forças que dominam em nosso meio) e as
interpretarmos à luz da compreensão do grupo, de forma êmica.
4. Dimensão Étnica
Relembremos que nosso presente objetivo na utilização desta primeira abordagem (Antropos)
é observar e estudar um grupo ou segmento social através de quatro diferentes dimensões. A histórica
que nos guiará na busca da identidade do grupo (quem somos, de onde viemos), a ética que nos
ajudará a compreender seus valores (que valores nos definem como grupo), a fenomenológica que
nos levará a perceber que forças dominam em nosso meio e por fim a étnica que abordará sua
organização social (como nos organizamos)
Portanto nesta presente dimensão (étnica) nos concentraremos menos nos valores do grupo e
focaremos em suas ações, seu comportamento, na tentativa de responder de forma geral à pergunta
13 Philippe Laburthe-Tolra, foi um antropólogo africanista que foi professoremérito e decano honorário da faculdade de
ciências sociais da Sorbonne, Universidade René Descartes.
14 Warnier ensinou Etnologia na Nigéria e camarões antes em 1985, com a Universidade de Paris V (Université Paris
René Descartes), um Professor de Etnologia. Está dentre os Grandes da escola da França.
33
“como vive o nosso grupo? ” Respondê-la seria traçar uma completa etnografia, etnologia e
fenomenologia de um grupo ou segmento. Entretanto nos proporemos a observar aqui apenas algumas
abordagens de estudo que contribuirão para entendermos esta cultura alvo de forma mais específica.
Propomos, então, uma metodologia viável de macro categorização dos grupos étnicos partindo
do pressuposto comparativo. A elaboração deste método visa simplificar a visibilidade comparativa
de culturas sensivelmente distintas. É uma análise geral, que objetiva proporcionar não mais do que
a compreensão da macroestrutura social de um segmento humano, porém pontuando e destacando os
pontos vitais para sua existência e desenvolvimento. Categorizaremos tais sociedades como sendo
progressistas ou tradicionais, existenciais ou históricas, teófanas ou naturalistas.
iii. Abundância & Constância
Ronaldo Lidório, em seu artigo “Estratégia de plantio de Igrejas”, assinala os pontos principais
no modelo Paulino:
a) Introduzir-se na sociedade local a partir de uma pessoa receptiva ou um grupo aberto a
recebê-lo e ouvi-lo.
b) Identificar ali o melhor ambiente para a pregação do evangelho, seja público como uma
praça ou privado como um lar.
c) Evangelizar de forma abundante e intencional, a partir da Criação ou da Promessa, e
sempre desembocando em Cristo, sua cruz e ressurreição.
d) Expor a Palavra, sobretudo a Palavra. Expor de tal forma que seja ela inteligível e aplicável
para quem ouve.
e) Testemunhar do que Cristo fez em sua vida.
f) Incorporar rapidamente os novos convertidos à igreja, à comunhão dos santos, seja em uma
casa ou um agrupamento maior.
g) Identificar líderes em potencial e investir neles seja face a face ou por cartas
h) Não se distanciar demais das igrejas plantadas, visitando-as e se comunicando com as
mesmas, investindo no ensino da Palavra.
i) orar pelos irmãos, pelas igrejas plantadas e pelos gentios ainda sem Cristo, levando-as
também a orar.
j) administrar as críticas e competitividade sem permitir que tais atos lhe retirem do foco
evangelístico.
l) utilizar a força leiga e local para o enraizamento e serviço da igreja.
m) investir no ardor missionário e responsabilidade evangelística das igrejas plantadas.
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  • 1. 1 MISSÕES INDÍGENAS Realidades e desafios Escola São Paulo de Missões Transculturais CURSO – Antropologia Missionária Prof. Esp., Mestrando. – Carlos A. L. Carvalho ANO LETIVO – 2017 – 2º Semestre
  • 2. 2 CONTEÚDO – UNIDADES TEMÁTICAS Introdução 1. Conceituando a. A MISSÃO DE DEUS b. Vencendo o paradigma do “IDE” c. Nossa Missão em 4 palavras 2. Humanidade – [Nações] – Homem a. O Alvo e a Mosca b. Países X Nações c. Porque as Nações 3. Indígenas – “O Universo ao Lado” a. Situação no Brasil b. Características e Desafios i. Culturas e Línguas 1. Língua & Linguagem 2. Mitologia – A base do Saber 3. Religião, Verdadeiro Campo de Batalha ii. Animismo e Animatismo iii. Confronto de Poderes iv. A “Índole” dos Povos Tradicionais (Indígenas) 1. Sagrado X Profano (Dualistas ou Unitaristas) 2. “Relacionamento” Utilitário X Relacionamento Filial 4. Comunicação – O Coração da Missão (Hesselgrave) a. O Problema Missionário por Excelência b. Elementos do Processo de Comunicação c. Camadas Culturais d. Pressupostos Revelacionais 5. Estratégia Missionária O “Caminho das Pedras” a. ACL – Aquisição de Cultura e Língua – 1ª. Fase APRENDIZADO i. Observação – Participação – Investigação ii. Programa e Etapas de Aquisição b. EBF – Ensino Bíblico Fundamental – 2ª. Fase ENSINO i. Roteiro de Ensino (Ensino Cronológico) ii. Pilares Culturais (Método Antropos) iii. Abundância & Constância Conclusão
  • 3. 3 Introdução OBJETIVO DO CURSO Nosso objetivo neste curso é reafirmar alguns princípios bíblicos sobre a evangelização dos povos do mundo e corrigir alguns erros históricos que, de forma sutil, têm nos afastado do objetivo estabelecido por Deus. Queremos também apresentar alguns dos mais importantes aspectos do universo indígena brasileiro com relação à apresentação do Evangelho através de uma lente antropológica, não como algo produzido por algum segmento religioso, mas como uma ciência aplicada que se nos apresenta com ideias e ferramentas de valor no processo de compreensão do outro em ambientes de interculturalidade e de ações missionárias. A PRESENÇA E AÇÃO MISSIONÁRIA EVANGÉLICA ENTRE OS POVOS INDÍGENAS DO BRASIL Manifesto da AMTB – Departamento Indígena * Há, normalmente, três recorrentes questionamentos quanto à presença missionária evangélica entre os povos indígenas do Brasil e desejamos, como AMTB – Associação de Missões Transculturais Brasileiras -, tratar e nos posicionar objetivamente quanto aos mesmos. A primeira infere que a presença missionária é nociva à cultura dos povos indígenas em nosso país. Que a mensagem levada pelos missionários tende a degenerar cultura e costumes dos grupos com os quais se relacionam. O segundo questionamento é quanto à legalidade da presença e ação missionária evangélica à frente de projetos sociais e na evangelização. O terceiro pressupõe que os projetos sociais, coordenados pelos movimentos missionários, sirvam de fachada para fundamentar sua presença entre os mesmos. O Evangelho e a Cultura Indígena A simples presença missionária entre povos indígenas suscita em alguns um sentimento de rejeição, que advém de um emaranhado de impressões e fatos históricos em relação à atuação missionária indígena desde a colonização, relembrando uma Igreja que estava a serviço dos interesses políticos, imperialistas e colonizadores. Em outros, o sentimento é de suspeição, debaixo do pressuposto de que qualquer atuação missionária é nociva à preservação cultural indígena. Perante este contexto, e, sobretudo para aqueles que se embutem de rejeição ou suspeição, desejamos expor fatos sociais, culturais e históricos que poderão mostrar com clareza que a presença missionária evangélica entre povos indígenas está hoje associada a um crescente processo de colaboração com a preservação linguística e cultural dos povos do Brasil, além de mostrar-se ativamente interessada em participar do despertar indígena que busca seu lugar neste grande país. (Continue lendo em ... http://www.indigena.org.br/v1/index.php?option=com_content&view=article&id=36:manifestoamtb&catid=2:publicac oes&Itemid=4) Mas existem perigos que cercam o trabalho de evangelização dos povos não alcançados? Sim, e esses são os mesmos em qualquer lugar, em qualquer tempo ou em qualquer nível. O problema está na motivação: “Historicamente, a ausência de uma comunicação viável, inteligível e aplicável do evangelho em outra cultura ou segmento social tem gerado duas consequências desastrosas no movimento missionário mundial: o SINCRETISMO e o NOMINALISMO religioso. Observemos alguns dos perigos essenciais que enfrentaremos ao tratarmos do assunto e prática da comunicação intercultural e transcultural do evangelho. O primeiro perigo, que é uma evangelização impositiva, tem sua origem na natural tendência humana de aplicar a outros povos sua forma adquirida de pensar e interpretar, prática esta realizada em grande escala pelos movimentos imperialistas do passado e do presente, bem como por forças
  • 4. 4 missionárias que entenderam o significado do evangelho apenas dentro de sua própria cosmovisão, cultura e língua. O segundo perigo, que é o de um ministério pragmático, pode ser visto quando assumimos uma abordagem puramente prática na contextualização. Como a contextualização é um assunto frequentemente associado à metodologia e processo de campo, somos levados a entendê-la e avaliá- la baseados mais nos resultados do que em seus fundamentos teológicos. Consequentemente, o que é bíblico e teologicamente evidente se torna menos importante do que aquilo que é funcional e pragmaticamente efetivo. Um terceiro perigo, que é o de uma abordagem sociológica, é aceitar a contextualização como sendo nada mais do que uma cadeia de soluções para as necessidades humanas, em uma visão puramente humanista. Esta deve ser nossa crescente preocupação por vivermos em um contexto pós- cristão, pós-moderno e hedônico. Isto ocorre quando missionários tomam decisões baseadas puramente na avaliação e interpretação sociológica das necessidades humanas e não nas instruções das Escrituras.”1 1. Conceituando a. A MISSÃO DE DEUS (Análise do texto “Missio Dei”) MISSIO DEI A expressão vem do latim, significando “missão de Deus”, dando a ideia de “o envio de Deus”, no sentido de “ser enviado”, uma frase usada na discussão missiológica protestante, especialmente desde a década de 1950. Esta expressão teve seu uso, primeiramente, num sentido missionário, em 1934, por Karl Hartenstein, um missiólogo alemão que se inspirou na ênfase que Karl Barth dava à actio Dei, a “ação de Deus”, bem como numa palestra proferida em 1928, em que Barth disse que a missão está relacionada com a Trindade. A ideia da Missio Dei, não o termo em si, teve seu auge no pensamento missionário em 1952, na cidade de Willingen, por ocasião da Conferência do CoMIn. Foi nessa ocasião que o termo foi entendido de forma clara, e a partir daí, a missão passou a ser vista como proveniente do próprio Deus, procedente de Sua própria natureza (BOSCH, 2002). Georg Vicedom também teve um papel na popularização do conceito da Missio Dei ao usá-la na Conferência da Cidade do México (1963) e em seu texto The Mission of God (1965). Foi ainda em Willingen que a Missio Dei foi colocada no contexto da Trindade e não no da soteriologia e nem no da eclesiologia. O sentido clássico da expressão foi ampliado, como claramente o coloca David Bosch (2002, p.467): A doutrina clássica da Missio Dei como Deus, o Pai, enviando o Filho, e Deus, o Pai e o Filho enviando o Espírito, foi expandida no sentido de incluir ainda outro ‘movimento’: Pai, Filho e Espírito Santo enviando a igreja para dentro do mundo. 1 Lidório, Antropologia Missionária, 2008, pg 21, 22
  • 5. 5 Diante de tal conceito, fica claro que a missão é um atributo divino, da qual a Igreja é convidada (convocada) a fazer parte como um instrumento para a mesma. Como escreveu Moltmann2 (1977, p.64): “não é a igreja que devecumprir uma missão de salvação no mundo; é a missão do Filho e do Espírito mediante o Pai que inclui a igreja”. Historicamente, “O conceito de ‘Missio Dei’ foi mutuadoda escolástica por Karl Barth em 1932. De lá para cá, o conceito assumiu um leque bastante amplo de significados, às vezes contrários aos intentos de Barth. Em todocaso, a ideia ajudoua expressar a convicção de que a Igreja não é a autora nem a detentora da missão. Esta última é, antes de mais nada e fundamentalmente, obra de Deus uno e trino. (BOSCH, David J. Missão Transformadora: Mudanças de paradigma na Teologia da Missão. São Leopoldo, RS: Sinodal, 2002. Não se pode esquecer que Deus é o protagonista da missão, pois esta missão revela o plano de Deus na história humana e leva a termo o projeto do Seu Reino. Cabe à Igreja continuar o caminho missionário, e esta não deve esquecer-se da Missão que Ele nos outorgou e nem do Senhor que a sustenta. “Nem quem planta nem quem rega é alguma coisa, mas Deus é que faz crescer” (Mateus 13.24-30). Hermann Brandt (2006) escreve que só se pode falar da Missio Dei como Missio Dei recebida; traduzindo: da corte que Deus faz em Cristo, que não só nos corteja, mas nos “libertou”, “nos tirou de toda servidão [...] para a liberdade”, pelo fato de Cristo nos “ter conquistado” e nos ter posto “sob seu domínio”. b. Vencendo o paradigma do “IDE” Na Grande Comissão (Mt 28.16-20), a afirmação da autoridade universal do Senhor Jesus Cristo precede a definição da missão da igreja representada pelos onze discípulos que o rodeavam naquele momento: “Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado” (v. 18b-20a). Fica claro neste texto que o senhorio universal de Jesus Cristo é a base da missão universal da igreja. Essa missão se resume no mandamento: “fazei discípulos”. Curiosamente, para expressar essa ideia, o Evangelho Segundo Mateus usa o verbo “matheteúsate”, que, no Novo Testamento, aparece apenas quatro vezes: três delas nesse Evangelho (13.52; 27.57; 28.19) e uma em Atos (14.21). Em contraste com o verbo “matheteuein”, o substantivo “discípulo” (“mathetes”) é comum nos Evangelhos e em Atos, porém não é encontrado em nenhum outro livro do Novo Testamento. Tal expressão é característica nos Evangelhos para referir-se aos seguidores de Jesus Cristo: aparece 73 vezes em Mateus, 46 vezes em Marcos e 37 vezes em Lucas. 2 Jürgen Moltmann (1926) é um teólogo reformado alemão, que é Professor emérito de teologia sistemática na Universidade de Tübingen. Moltmann é uma figura importante na teologia moderna.
  • 6. 6 Para entender devidamente o sentido do mandamento é indispensável prestar atenção em um detalhe gramatical que nem sempre é levado em consideração: no texto grego, “matheteúsate” é o único verbo no modo imperativo. As outras três formas verbais ligadas a este verbo - “ide” “batizando” e “ensinando” - estão, de acordo com o original grego, na forma verbal de presente contínuo e sua função é qualificar a ação a que se refere o verbo principal -- “fazei discípulos”. O primeiro gerúndio (no grego) presente na frase é traduzido como “ide”, mas poderia ser traduzido como “marchem”, e não deve ser interpretado separadamente do mandamento central expresso pelo verbo no modo imperativo no grego. O que Jesus diz é: “Marchem: façam discípulos”. Os outros dois gerúndios respondem à pergunta: como se faz discípulos? A resposta é: “batizando-os e os ensinando”. Concluindo, o foco da Grande Comissão não é outro senão o de “fazer discípulos de Jesus Cristo”. Esta é a missão que Jesus Cristo delegou à sua igreja, é a tarefa central da igreja até o fim do mundo. A conexão entre essa missão e o senhorio universal de Jesus Cristo é estabelecida por uma expressão que aparece logo no início do versículo 19: “portanto”. Em outras palavras, pelo fato de que Jesus Cristo é o Senhor de toda a criação e de todos os aspectos da vida humana, a igreja recebeu o mandamento de fazer discípulos, ou seja, pessoas que reconheçam esse senhorio e vivam de acordo com ele. Jesus Cristo é o Senhor de todos; portanto, todos devem reconhecê-lo como tal. Se levarmos em conta que, durante seu ministério terreno, Jesus Cristo dedicou muito de seu tempo à formação de seus discípulos, torna-se evidente que a missão que ele confiou a seus discípulos pouco antes de sua ascensão é continuar o que ele mesmo fez com eles. A missão da igreja, representada pelo corpo apostólico, é o prolongamento da missão de Jesus Cristo, prolongamento este que se baseia em um discipulado missionário idealizado para continuar até o fim do mundo. A esfera de ação do trabalho de fazer discípulos abarca “todas as nações”. E, visto que a autoridade de Jesus Cristo está presente “no céu e na terra”, a missão que ele delega a seus discípulos é igualmente global: tem de se estender a “todas as nações”. ( 3René Padilla - Traduzido por Wagner Guimarães) c. Nossa Missão em 4 palavras (Apresentação – Missão & Missões) 2. Humanidade – [Nações] – Homem a. O Alvo e a Mosca Acertando na Alvo, mas Errando a “Mosca”4 Jz 20.16 “Entre todo este povo havia setecentos homens escolhidos, canhotos, os quais atiravam com a funda uma pedra em um cabelo, e não erravam.” A passagem acima mencionada mostra algo acontecendo entre pessoas que aparentemente eram pessoas de bem e respeitáveis. Os cidadãos de uma cidade, cometeram atos violência sexual, seguida de morte e quando a justiça exigiu medidas, eles rejeitaram e escolheram enfrentar qualquer tentativa 3 C. René Padilla é fundador e presidente da Rede Miqueias, e membro-fundador da Fraternidade Teológica Latino- Americana e da Fundação Kairós. É autor de O Que É Missão Integral? (Editora Ultimato). 4 https://meditacaododia.net/2015/09/29/acertando-na-mosca-mas-errando-o-alvo/
  • 7. 7 de punição e provocaram uma guerra civil fratricida, quase extinguindo uma população inteira de uma tribo da nação, (o equivalente a um estado no Brasil). Entre a guarnição, ou milícia formada por eles, um pelotão de elite. Homens extremamente bem treinados e habilidosos, respeitadíssimos. Com relação à Obra de Deus no mundo, nós, seus servos, soldados, construtores e agricultores, temos muitas vezes acertado o alvo, porém errado a “mosca” por larga distância. Todo cristão verdadeiramente nascido de novo tem um desejo muito forte de sair, ir, e alcançar aqueles que ainda não ouviram da promessa de Deus pelo Evangelho. Temos “pregado” de forma descuidada tanto em relação à pessoa que ouve, ou a que nunca ouviu, mas também como relação à própria ordem que recebemos do Senhor de “indo... fazer discípulos... ensiná-los... fortalece-los... e, finalmente, enviá- los a fazer outros discípulos. Multiplicam-se as mega-igrejas, lotadas, abastadas, ricas, porém sem qualquer compromisso com o Reino de Deus, uma vez que vivem uma vida centrada em si mesmos, com pouco ou nenhum relacionamento ou influência sobre o mundo externo. b. Países X Nações Veja as referências abaixo e assinale nas colunas da direita qual o significado da palavra nação/nações (país ou raça/povo): Referência País Raça Referência País Raça País Raça 1.Como é feliz a nação que tem o Senhor como Deus, o povo que ele escolheu para lhe pertencer! Salmos 33:12 6.São esses os descendentes de Cam, conforme seus clãs e línguas, em seus territórios e nações. Gênesis 10:20 11.Todas as nações que tu formaste virão e te adorarão, Senhor, e glorificarão o teu nome. Salmos 86:9 2.Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações,batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, Mateus 28:18-19 7.São esses os descendentes de Sem, conforme seus clãs e línguas, em seus territórios e nações. Gênesis 10:31 12.Eu o tornarei extremamente prolífero; de você farei nações e de você procederão reis. Gênesis 17:6 3.De você procederão uma nação e uma comunidade de nações, e reis estarão entre os seus des- cendentes.Gênesis 35:11 8.São esses os clãs dos filhos de Noé, dis- tribuídos em suas nações.A partir deles, os povos se dispersaram pela terra Gênesis 10:32 13.Todos os confins da terra se lembrarão e se voltarão para o Senhor, e todas as famílias das nações se prostrarão diante dele, Salmos 22:27 4.Louvem o Senhor, todas as nações; exaltem-no, todos os povos!Salmos 117:1 9.As nações de todo o mundo o adorarão, cada uma em sua própria terra. Sofonias 2:11 14.Abraão ... por meio dele todas as nações da terra serão abençoadas. Gênesis 18:18 5.Inclinem-se diante dele todos os reis, e sirvam-no todas as nações. Salmos 72:11 10.Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo, às doze tribos dispersas entre as nações: Saudações. Tiago 1:1 15.Pois todos os deuses das nações não passamde ídolos, mas o Senhor fez os céus.1 Crônicas 16:26
  • 8. 8 c. Porque as Nações? Leia com atenção o texto seguinte e responda à pergunta ao final. Muito recentemente comecei a atentar para o fato de que a Palavra de Deus dá uma ênfase muito grande às NAÇÕES, isto é, aos grupos humanos que têm características próprias de CULTURA e LÍNGUA, ou seja, as Etnias, os Povos e Raças. Em toda a Bíblia a palavra NAÇÕES se encontra 2.312 vezes, sem contar as suas variantes possíveis, sempre se referindo a estes povos ou famílias de povos. Creio ser de suma importância compreender a razão desta ênfase que o próprio Deus dá às nações etnicamente definidas, porque desta correta compreensão pode brotar o correto sentimento quanto à evangelização do mundo e as decisões estratégicas quanto ao alcance das nações. Costumamos entender, corretamente, que, em Babel, nasceram as diferentes línguas que hoje existem, considerando, é claro, as muitas variantes que surgiram destes idiomas iniciais ao longo do tempo. Contudo, não foram apenas as línguas que surgiram daquela ação de Deus. Ao criar ou separar as diversas línguas e assim impedir o avanço do movimento rebelde da humanidade contra o mandato de espalharem-se e encher a Terra, Ele pôs em movimento uma força que chamamos de etnocêntrica ou etnocentrismo. Este movimento consiste, num primeiro momento, de um afastamento, de um desmanche de uma humanidade coesa, que agora não mais consegue se entender. Os indivíduos se afastam do que não entendem em busca do que é compreensível. Neste movimento de afastamento e busca, começam a se formar pequenos grupos onde a compreensão é possível, isto é, os grupos linguísticos. Um segundo movimento começa então. Estes pequenos grupos crescem exponencialmente à medida que a compreensão os une e proporciona um escape da confusão e desorientação causadas pela “confusão das línguas”. Imediatamente após isto, estes grupos linguísticos começam a se separar dos demais e buscar seu próprio lugar no ambiente. Aos poucos o afastamento aumenta e se distribui por lugares nas vizinhanças e além, até se tornarem não apenas distancias geográficas, mas de pensamento e sentimento. O afastamento geográfico leva os recém-formados grupos linguísticos a se espalharem pela Terra, ocupando espaços fisicamente e climaticamente diferentes, os quais trazem diferentes demandas de comportamento e de soluções para os problemas que surgem no dia a dia. Uma antropologia bíblica chamaria este momento de o “nascimento das culturas”, ou seja, o surgimento dos diversos grupos de povos que definem suas próprias ideias e soluções, suas próprias maneiras de pensar e encarar os fatos universais, tendo a língua (idioma) como principal veículo de comunicação e disseminação de ideias. Para validar e dar sentido a estas ideias, surgem as histórias/estórias que darão sentido à vida, o que virá a ser chamado de mitologia! Mas o que tem esta história haver com a pergunta inicial? Porque a ênfase tão grande que a Palavra de Deus dá às nações etnicamente constituídas? Pensando antropologicamente, sabemos que as Culturas humanas não apenas se inventam, mas também se copiam, e se repartem. O evolucionismo antropológico fortemente influenciado pela teoria da evolução das espécies, portanto, erra apenas em considerar a evolução como início de tudo. Mas, a partir da separação das línguas em seus troncos, famílias e grupos, obra do próprio Deus, o movimento de ajuntamento e de separação, simultaneamente, levam os grupos recém-formados a se localizarem em diferentes regiões, a desenvolverem diferentes respostas às suas necessidades e diferentes valores, crenças e maneiras de ver o mundo... nascem as culturas, ou, as etnias. As nações, portanto, são obra do próprio Deus, e, em sua imensa sabedoria e riqueza, antes mesmo que elas viessem a existir ele já as contemplava e lhes dava lugar proeminente em sua Missão. Aponte duas razões: 1. _____________________________________________________________________________ 2. _____________________________________________________________________________
  • 9. 9 Em segundo lugar, quero chamar a atenção para o que se chama hoje de Globalização. A globalização é um dos processos de aprofundamento internacional da integração econômica, social, cultural e política, que teria sido impulsionado pela redução de custos dos meios de transporte e comunicação dos países no final do século XX e início do século XXI. Embora vários estudiosos situem a origem da globalização em tempos modernos, outros traçam a sua história muito antes da era das descobertas e viagens ao Novo Mundo pelos europeus. Alguns até mesmo traçam as origens ao terceiro milênio a.C. O termo "globalização" tem estado em uso crescente desde meados da década de 1980 e especialmente a partir de meados da década de 1990. Em 2000, o Fundo Monetário Internacional (FMI) identificou quatro aspectos básicos da globalização: comércio e transações financeiras, movimentos de capital e de investimento, migração e movimento de pessoas e a disseminação de conhecimento. Além disso, os desafios ambientais, como a mudança climática, poluição do ar e excesso de pesca do oceano, estão ligados à globalização. A globalização afeta todos os setores da sociedade, principalmente comunicação, comércio internacional e liberdade de movimentação, com diferente intensidade dependendo do nível de desenvolvimento e integração das nações ao redor do planeta. Em "A Identidade Cultural na Pós-Modernidade" (Stuart Hall,2003), busca avaliar o processo de deslocamento das estruturas tradicionais ocorrido nas sociedades modernas, assim como o descentramento dos quadros de referências que ligavam o indivíduo ao seu mundo social e cultural. Tais mudanças teriam sido ocasionadas, na contemporaneidade, principalmente, pelo processo de globalização. A globalização alteraria as noções de tempo e de espaço, desalojaria o sistema social e as estruturas por muito tempo consideradas como fixas e possibilitaria o surgimento de uma pluralização dos centros de exercício do poder. Quanto ao descentramentodos sistemas de referências, Hall considera seus efeitos nas identidades modernas, enfatizando as identidades nacionais, observando o que gerou, quais as formas e quais as consequências da crise dos paradigmas do final do século XX.5 Pergunta: Se Deus criou as nações, cultural e linguisticamente definidas, e expressou seu desejo de que as nações sejam alcançadas como tal, o que se pode dizer deste processo de globalização com relação ao estabelecimento do Reino de Deus? 5 https://pt.wikipedia.org/wiki/Globalização
  • 10. 10 3. Indígenas – “O Universo ao Lado” Muitas são as ideias errôneas e descabidas acerca dos povos indígenas que habitam milenarmente o nosso país. Algumas generalizações têm sido feitas inclusive nos nossos livros de história que transmitem aos nossos filhos conceitos falsos sobre estas gentes. Veja o texto abaixo como exemplo: Sociedades Indígenas RAMOS, Alcida Rita. Sociedades Indígenas 5ª edição. Série Princípios. (São Paulo: Ática, 1995) (http://www.instituto.antropos.com.br/v3/index.php?option=com_content&view=article&id=493&catid=35&Itemid=3) O Conceito de Tribo Na América do Sul, o conceito de tribo, dependendo dos interesses em jogo, tem sido aplicado elasticamente para englobar vários grupos indígenas, independentemente da presença ou ausência de vinculações entre eles, ou tem sido contraído, para excluir grupos que são cultural, social, e politicamente próximos. Os agentes desses feitos têm sido principalmente missionários e funcionários governamentais. Posse da Terra Sendo um recurso natural vinculado à vida social como um todo, a terra não é e não pode ser objeto de propriedade individual. De fato, a noção de propriedade privada da terra não existe nas sociedades indígenas Limites Territoriais Irving Goldman, falando sobre os índios Cubeo do Alto Uaupés da Colômbia: “Com respeito à terra, estamos lidando mais com domínio do que com propriedade […] O domínio é sancionado por tradições de origem que narram precisamente de onde vieram os primeiros ancestrais e suas viagens e aldeamentos subseqüentes. É com base nessas tradições que as pessoas podem dizer: ‘Está é a nossa terra.’ f” O Território na Cultura Segundo David Price (falando sobre os Nambiquara), em um artigo sobre política indigenista e política indígena diz: “…o lugar onde os parentes são enterrados é sagrado, e já que estão enterrados na aldeia, a aldeia é sagrada. Onde há Nambiquara enterrado é aldeia, e onde não há ninguém enterrado não é aldeia, ainda que aí vivam cinqüenta habitantes.” O que isso significa, na prática, é que cada sítio de aldeia está historicamente vinculado a seus habitantes, de modo que o passar o tempo não apaga o conhecimento dos movimentos do grupo, desde que se mantenha viva a memória dos ancestrais. Estes estão, portanto, ligados ao território, sendo que o foco dessa relação é o local de habitação, isto é, a aldeia. No território estão inscritas as mais básicas noções de autodeterminação, de articulação sociopolítica, de vivência e crenças religiosas, para não falar na própria existência física do grupo. Limitar, pois, o território de um grupo às imediações do seu centro residencial, a aldeia, é condenar esse grupo à penúria permanente, privando-o dos recursos naturais que, por sua natureza ecológica, acham- se espalhados por grandes distâncias, necessitando, conseqüentemente, de uma exploração extensiva e não intensiva. As Noções de Trabalho e Lazer No processo de produção econômica, seja ela caça, pesca, coleta, lavoura ou qualquer outra, o trabalhador não se isola de seus demais papéis e obrigações. Na produção estão sempre presentes considerações de ordem social, ritual, religiosa, para citar apenas as mais comuns e óbvias. O trabalhador numa sociedade indígena não é compartimentalizado; ele é um ser social total em todas as esferas de sua vida. Lazer e trabalho não são facilmente separáveis nas sociedades indígenas. Se é falsa a noção de que os índios
  • 11. 11 estão eternamente ocupados à procura de alimentos, sem tempo para atividades mais criativas, também é falsa a idéia comumente ventilada de que o índio é preguiçoso, não trabalha, vive no ócio. Penúria ou Fartura? O conceito de pobreza não se aplica a sociedades onde todos os membros são igualmente aquinhoados com número e tipo semelhante de bens materiais. Isso implica que, assim como a riqueza, a pobreza é uma relação social, isto é, ela só tem significado em contraste com a não-pobreza. Alguém só é pobre porque contrasta com quem é rico. Produção Na Amazônia e outras regiões tropicais, a técnica agrícola mais utilizada é a que passou a ser conhecida por coivara, compreendendo a derrubada de uma porção da mata, geralmente em círculo, a queimada das árvores e dos arbustos cortados e o plantio de mudas ou sementes de mandioca-brava, milho, fumo, algodão e outros produtos. A seqüência das várias fases desse processo é regida pelo sistema sazonal: a derrubada e a queimada nos meses de seca; o plantio no início das chuvas. Ao contrário das críticas ventiladas por alguns agrônomos e tecnocratas, o sistema de coivara, longe de ser irracional, é o que melhor se adapta às condições ecológicas dos trópicos úmidos, pelo menos na Amazônia. Reciprocidade versus Acumulação Uma das ações mais fortemente condenadas como anti-sociais é a avareza; uma pessoa que tem, por exemplo, mais facas do que necessita e se recusa a distribuir o excedente é malvista e desprestigiada. Socialização Muito raramente as crianças indígenas são punidas quase nunca fisicamente. A atitude das pessoas para com os filhos é geralmente de grande paciência, tolerância, atenção e respeito às suas peculiaridades. A mãe amamenta durantes uns dois ou três anos e a criança não é bruscamente desmamada. O espaçamento entre uma gravidez e outra é suficientemente grande — três, quatro anos, ou mais —, de modo a evitar a competição de dois bebês pelo afeto e leite maternos. Desde muito cedo, sem instrução formal e sem violência, as crianças indígenas aprendem as regras do jogo social, o que pode e o que não pode ser feito e as formas de controle social aplicadas àqueles que infringem seriamente essas regras do jogo. Controle Social “Em geral” diz o antropólogo Allan Holmberg, “parece que a manutenção da lei e da ordem está apoiada em grande parte no princípio da reciprocidade (mesmo que forçada), no temor a sanções sobrenaturais e represálias e no desejo de aprovação pública. ” Nas sociedades indígenas podemos perceber dois tipos de procedimentos que contribuem para o exercício do controle social: medidas inibidoras e medidas punitivas, sendo que as primeiras parecem muito mais comuns que as segundas; são esgotadas as inibidoras antes que seja necessário aplicar as punitivas. Em que consistem as medidas inibidoras? Em geral, são procedimentos informais e tomam as cores do ridículo, do mexerico ou acusações de feitiçaria. O ridículo é uma das armas mais eficazes para desencorajar atitudes e comportamentos desaprovados pela coletividade. O mexerico é outra maneira informal de controlar comportamentos indesejáveis. Comentários inicialmente inocentes, mas que se tornam cada vez mais ferino sobre, por exemplo, a infidelidade conjugal de alguém num contexto social que a condena, chegam eventualmente aos ouvidos dos protagonistas e agem como uma espécie de aviso, dando-lhes tempo e oportunidade para pôr termo à relação, antes que algo pior lhes aconteça. Como medida inibidora, o mexerico é um dos artifícios mais poderosos de controle social. Muitos mexericos não passam de comentários inconsequentes sobre alguém que está ausente e fazem parte constante da rotina diária. Acusações de feitiçaria, que podem advir de uma escalada de mexerico, representam, em algumas sociedades, um outro mecanismo de prevenção de crimes. Seu teor é mais sério e severo do que o ridículo e o mexerico e mais comumente envolve pessoas de aldeias distintas; são como que o último recurso antes que a infração se torne fato consumado sujeito a punição.
  • 12. 12 Peter Rivière num artigo sobre facções políticas e feitiçaria, diz o seguinte: “Qualquer infortúnio ou doença pode ser considerado resultado de feitiçaria e quase todas as mortes o são […] Ao mesmo tempo, o medo de feitiçaria mantém o código de hospitalidade, sem o qual cessariam as viagens pela área: qualquer estranho é um feiticeiro em potencial, e a única profilaxia contra a feitiçaria é ser aberto e generoso […]. ” Quando uma ação criminosa é consumada, aplica-se então, a punição correspondente: ostracismo, expulsão ou mesmo morte. Poder O igualitarismo dessas sociedades não total a ponto de não é total a ponto de não haver lugar para diferenciação entre indivíduos ou categorias de indivíduos. Quanto mais não seja, existe sempre a diferença entre homens e mulheres, entre jovens e velhos, entre adultos e crianças. Sobre essas diferenças físico-sociais é possível construir diferenças sociopolíticas, o que geralmente ocorre: os homens tendem a exercer maior domínio sobre as mulheres do que vice-versa, e os mais velhos sobre os mais novos. Há, também, consideráveis distinções em personalidade e habilidades pessoais; há os bons e os maus caçadores, os bons e os maus xamãs, os bons e os maus oradores. Essas diferenças psicossociais podem também tornar-se a base para diferenciações sócio-políticas. Na gradação que as sociedades indígenas apresentam quanto à proeminência de líderes políticos, há um aspecto recorrente em todas elas: os líderes não têm poder de coerção. Sua posição é mantida, o respeito de seus companheiros é assegurado não pelo exercício da força ou ameaça de uso da força, mas pela persuasão. Autoridade Autoridade é respaldada no conhecimento que alguém tem de alguma coisa, conhecimento esse que é posto a serviço da coletividade: um bom caçador, agricultor ou pescador, um bom orador, um bom xamã, ou um bom administrador são “bons” porque desenvolveram técnicas, conhecimentos e sabedoria acima da média. Esse conhecimento, essa autoridade, enfim, é o que confere legitimidade ao exercício do poder. O poder que se calca exclusiva e principalmente na força ou na ameaça do uso da força e não na autoridade reconhecida não é um poder legítimo e só se mantém à custa da coerção. Um líder indígena muito raramente é mais do que um conselheiro, um coordenador de atividades. Líderes autoritários, isto é, que utilizam o seu conhecimento e posição para exercer o poder pela força, não são tolerados pela sociedade e, em geral, são rapidamente substituídos. Um líder tem características que variam de um grupo para outro. Para algumas etnias o líder tem que ser generoso, para ser reconhecido como tal. Em outras, um bom orador. E ainda em outras, um homem sensato e trabalhador. Descentralização Talvez a inexistência, entre as muitas sociedades indígenas, de um tipo de organização política estatal fortemente centralizada seja um dos principais fatores responsáveis pela ausência de relações de dominação entre elas e de uma ideologia que renega a própria existência de pluralismo cultural. Religião e a Ordem do Mundo As crenças religiosas dos povos indígenas afirmam uma unidade indissolúvel entre o natural e o social, com influencias mútuas e consequências recíprocas. Muitas vezes aquilo que chamamos de sobrenatural não é mais do que uma característica especial do social e do natural, como, por exemplo, atribuir poderes extranaturais a certos animais, plantas ou outros elementos. Manter a ordem do mundo, com seus componentes naturais e sobrenaturais, é obrigação dos seres humanos. Para isso existem tabus práticas xamanísticas, ritos de purificação, regras sociais e éticas… A quebra de um tabu alimentar implica uma ação humana incorreta que pode pôr em perigo essa ordem, desencadeando a ira de seres que, embora não pertençam à sociedade humana, estão diretamente associados a ela e fazem parte de seu sistema de regras. Uma das diferenças básicas entre a religião das sociedades igualitárias e a dos Estados-nações é que nas primeiras ela não está estruturada em “igrejas”, isto é, em aparato especializado, geralmente hierárquico, com aparentes autonomia institucional, que comanda o dogma, os direitos e deveres de seus afiliados. Ao contrário, nas sociedades indígenas a religião está tão intrinsecamente relacionada com as demais esferas da vida social que não só dispensa como provavelmente é incompatível com um corpo eclesiástico especializado.
  • 13. 13 Se um homem da etnia Sanumá planeja caçar, sendo xamã, na noite anterior ele se ocupa com cânticos religiosos que propiciarão a cooperação de espíritos no sentido de tornar a caça produtiva; se não for xamã, o mínimo que ele pode fazer é ungir de urucu a cabeça de seu cão para aumentar as possibilidades de sucesso na busca da caça. Tradicionalmente, a religião de uma sociedade indígena é perfeitamente compatível com os valores individuais e coletivos nela vigentes. Xamanismo Parte das atribuições de uma xamã é realizar curas. A ele cabe fazer o diagnóstico e tomar providências para eliminar o mal depois de identificada a sua causa. Para isso ele recorre ao auxílio de espíritos e substâncias curativas, específicos às várias doenças, ou ao processo de sucção do objeto que está causando a doença do paciente. Além de realizar curas, os xamãs são também responsáveis pelo bem-estar geral da comunidade, protegendo-a contra espíritos malignos, conduzindo recitativos ou cerimônias propiciatórias para boas colheitas, boas caçadas, invocando espíritos benignos para assistir na resolução de certos problemas, como esterilidade e outros distúrbios que podem ser atribuídos aos efeitos de feitiçaria. Feitiçaria O xamã é o zelador do bem-estar social, ele também tem o poder de trazer o mal a seus companheiros ou a outros mais distantes através de práticas xamanísticas. Porém a feitiçaria não é praticada apenas por xamãs. A diferença entre feitiçaria e bruxaria é que na primeira há a manipulação de objetos materiais ou expressões verbais intencionalmente dirigidas à vítima, que pode ser um indivíduo, uma comunidade ou uma região inteira. Na bruxaria o que existe é uma força metafísica inerente à pessoa que a tem, independentemente de ser ou não ativada. O fenômeno do mau-olhado é um exemplo de bruxaria. A bruxaria é relativamente rara na América do Sul; aqui a feitiçaria é muito freqüente. Enquanto entre nós os conceitos de azar, coincidência ou a teoria da probabilidade existem para diminuir lacunas do conhecimento, nas sociedades indígenas a bruxaria/feitiçaria consegue eliminá-la. Concepção do Cosmos Os mitos são veículos de informação sobre a concepção do Universo, incluindo temas sobre a criação do mundo, a origem da agricultura, as relações ecológicas entre animais, plantas e outros elementos, a metamorfose de seres humanos em animais e vice-versa e de ambos em espíritos de vários tipos e índoles, a razão de ser de certas relações sociais culturalmente importantes e até mesmo o surgimento do “homem branco” e a avalanche de fatores desagregadores que o acompanham. As cosmologias das diversas culturas operam como um verdadeiro mapa simbólico do Universo, estabelecendo o lugar, a importância, os padrões de atuação e influência de cada um de seus muitos componentes. É um código para o qual se apela quando se quer entender ou explicar tanto o corriqueiro como eventos inusitados, calamidade, infortúnios ou golpes de sorte. A visão do mundo supre o indivíduo como uma constante âncora que o mantém seguro a uma determinada realidade social em face a vicissitudes sobre as quais ele não tem controle: a morte, a doença, o insucesso. Removida essa visão de mundo, advém a desestruturação individual ou coletiva. (http://www.instituto.antropos.com.br/v3/index.php?option=com_content&view=article&id=493&catid=35&Itemid=3) a. Situação no Brasil (Apresentação Relatório AMTB 2010) ....VideosVideosrelatorio 2010.mpg
  • 14. 14 b. Características e Desafios i. Culturas e Línguas 1. Língua & Linguagem LÍNGUA MÃE Márcio Thamos - Doutor em Estudos Literários, Professor de Língua e Literatura Latinas junto ao Departamento de Lingüística da FCL-UNESP/CAr e Coordenador do Grupo de Pesquisa LINCEU – Visões da Antiguidade Clássica. A língua materna de um povo é um patrimônio imaterial de valor inestimável. A cultura geral de uma sociedade (tradições, costumes, religião, saberes, modos de fazer, formas de expressão, valores éticos, políticos, etc.) se transmite, se absorve e se transforma através da linguagem. A cultura é o elemento definidor do homem como ser no mundo, seja qual for o estágio de civilização que se considere, pois qualquer definição de cultura pressupõe a sociedade humana. Língua e sociedade estão assim, desde sempre, intrinsecamente ligadas. E não se trata de exagero quando se diz que uma língua tem o poder de moldar ou informar a visão de mundo de seus falantes, conferindo identidade própria ao país onde é fluente. Hannah Arendt conta que, depois da guerra hitlerista, quando voltou à Alemanha pela primeira vez (após um longo exílio motivado pela perseguição nazista aos judeus), sentiu um prazer indescritível ao ouvir sua língua materna falada naturalmente pelo povo nas ruas. A filósofa política, que sempre se recusou a perder sua própria língua, considera que “há uma diferença incrível entre a língua materna e qualquer outra língua”. E para ela, isso se resume de uma maneira simples, como explica: “sei de cor, em alemão, um bom número de poemas alemães, que de algum modo estão presentes no mais fundo de minha memória”. A língua falada num país é certamente o fator mais importante de coesão nacional. Desde a antiguidade, as nações dominadoras tratavam de impor seu idioma como signo de supremacia cultural aos povos colonizados. E aos próprios romanos, Cícero, com certo pedantismo retórico, ensinava: non enim tam praeclarum est scire latine quam turpe nescire (“nem é tão notável saber latim, mas não sabê-lo é vergonhoso”). Ainda assim, arruinou-se a língua do Lácio. Já não se fala mais o latim de Roma – a língua materna dos antigos romanos – há pelo menos mil e quinhentos anos. Desfeita a relação visceral entre a cultura e sua expressão maior, os “latins” falados desde então, a despeito da justificativa histórica que se lhes deva reconhecer, não são, na verdade, mais do que uma língua do pê de gente letrada, um código erudito e puramente intelectual. Após a fragmentação linguística do império romano, ninguém mais pôde lembrar de cor canções da infância arraigadas naturalmente na memória – canções de ninar, talvez, entoadas com doçura pela voz da própria mãe. Línguas também se perdem. E sem elas valores culturais e conhecimentos étnicos específicos tornam-se irrecuperáveis. Por isso a própria UNESCO mantém, desde 1993, o “livro vermelho das línguas em perigo de extinção”, projeto que procura coletar informação atualizada sobre línguas que correm risco de desaparecer e promove pesquisas que possam colaborar com a manutenção e perpetuação da diversidade lingüística no mundo, salvaguardando sempre a língua materna, em todos os níveis de educação. A garantia das condições socioambientais necessárias à produção, desenvolvimento e transmissão de bens culturais de natureza imaterial passa necessariamente pela preservação das línguas nacionais. Por isso, cada língua que se perde no mundo empobrece o patrimônio cultural comum construído ao longo dos séculos pela humanidade. Parece significativo que no mesmo mês em que se comemora o dia das mães, tenhamos também reservado no calendário um dia para celebrar a língua nacional. Que a nossa boa e jovem língua portuguesa possa nos embalar amorosamente através das gerações!
  • 15. 15 STATUS EPISTÊMICO & EVIDENCIALIDADE A língua e o povo Parkatêjê – Um estudo de Caso Marília de NazaréFERREIRA - UFPA – UniversidadeFederal do Pará. Faculdade de Letras – Instituto de Letras e Comunicação. Belém – PA − Brasil. 66.075-001 − marilia@ufpa.br O povo parkatêjê, também conhecido na literatura especializada como Gavião do Pará, vive em uma aldeia localizada no município de Bom Jesus do Tocantins, às proximidades de Marabá, e soma aproximadamente duzentas e cinquenta pessoas. Pouco mais de 10% dessa população ainda fala a língua que pode ser considerada como em perigo de extinção, uma vez que as crianças não mais aprendem parkatêjê como sua primeira língua. A língua Parkatêjê pertence ao agrupamento linguístico Macro-Jê. Trata-se de uma língua cujo sistema fonético-fonológico é característico de línguas Jê, considerando-se que as vogais predominam sobre as consoantes. Dentre outras características também partilhadas com outras línguas geneticamente semelhantes, tem-se o fato de o Parkatêjê ser uma língua posposicional, em que a ordem básica dos constituintes em orações independentes é predominantemente Sujeito-Objeto-Verbo. Em todas as línguas humanas, há formas para se indicar a origem da informação, o que pode ser manifesto gramatical ou lexicalmente. Todas as línguas humanas, nesse sentido, apresentam formas para apontar ou ocultar a fonte da informação em uma determinada cadeia de elocução, o que é uma estratégia comunicativa fundamental para os falantes. Algumas línguas apresentam sistemas evidenciais elaborados em que há marcas linguísticas específicas as quais são utilizadas para codificar as diferentes experiências cognitivas constitutivas de um dado conteúdo proposicional. Outras, não, uma vez que nem todas as línguas têm a evidencialidade como uma categoria gramatical, o que aponta para a necessidade de se delimitar os domínios categoriais da evidencialidade, questão fora do escopo do presente trabalho. Conforme Jacobsen (1986), citado por Dendale e Tasmowski (2001), o termo evidencialidade foi primeiramente visto em uma compilação feita por Franz Boas em 1947. Todavia Jakobson (1957), com a publicação do livro Shifters, Verbal Categories and the Russian Verbs, popularizou o uso do termo Evidencial como rótulo para uma categoria verbal que sinalizava acerca da fonte da informação sobre a qual a afirmação do falante estava baseada. Antes disso, no entanto, Boas (1911) e Sapir (1921), segundo Dendale e Tasmowski (2001), já aceitavam a importância do domínio semântico da evidencialidade centrado na fonte da informação ou no conhecimento do falante. De lá para cá, as referências feitas à fonte de informação são vinculadas a atitudes sobre o status epistêmico da informação, uma vez que, de acordo com Dendale e Tasmowski (2001), os marcadores linguísticos que codificam tais domínios semânticos são os mesmos geralmente. De acordo com Aikhenvald e Dixon (2001), a evidencialidade é uma categoria gramatical obrigatória cujo primeiro significado é a fonte de informação. Segundo a terminologia de Chafe (1986), em seu sentido amplo, essa noção estaria relacionada à fonte da informação quanto à questão de se o falante realmente viu aquilo sobre o que ele está falando, ou se ele apenas tece conjecturas sobre a ocorrência de um dado evento baseado em alguma evidência, ou ainda se alguém lhe contou um determinado fato, ou se ele apenas ouviu falar sobre tal fato. Aikhenvald e Dixon (2001) afirmam que todas as línguas têm algum mecanismo para expressar a fonte de informação, muito embora nem todas as línguas tenham a evidencialidade como uma categoria gramatical. Línguas como o inglês, o japonês e o português utilizam significados lexicais para especificar opcionalmente a fonte da informação. Ao que tudo indica, a posição mais encontrada na literatura sobre evidencialidade e modalidade é a de inclusão, em que uma noção está atrelada à outra, ou seja, um domínio encontra- se dentro do escopo semântico do outro. Há aí duas possibilidades: uma em que se admite que a função dos marcadores evidenciais é indicar o grau de compromisso do falante com a verdade da sua proposição. Tal posição é a de Chafe (1986), que concebe a modalidade epistêmica no domínio da evidencialidade. A outra posição, defendida por Palmer (1986), localiza a evidencialidade no escopo da modalidade epistêmica. Assim o grau de comprometimento do falante com aquilo que ele diz pode incluir o “ouvir dizer”, ou discurso reportado, e a inferência, ou experiência sensorial.
  • 16. 16 O diagrama proposto por Willet (1986), segundo Dendale e Tawmoski (2001), ilustra essas noções com muita propriedade e traduz, com singularidade, o sistema evidencial da língua parkatêjê, que apresenta termos específicos para marcar os tipos de evidência. Visual Direta Atestada Auditiva Outros Sentidos Tipos de 2ª Mão Evidência Reportada 3ª Mão Indireta Folclore Resultados Inferida Raciocínios Esquema tipológico de evidenciais proposto por Willet (1986), segundo Dendale e Tawmoski (2001). Estudo de caso: 1. Qual o valor do status epistêmico/evidencialidade da informação para a comunicação linguístico-cultural entre o povo? 2. Qual a relevância do status epistêmico/evidencialidade da informação para a comunicação missionária do Evangelho?
  • 17. 17 2. Mitologia – A base do Saber Os mitos e lendas fazem parte da cultura do homem amazônico, interferindo na formação de sua identidade, são apresentados como uma tentativa de explicar a realidade, como resposta e explicação da origem do mundo, o que é reproduzido através de cerimônias religiosas, que por sua vez, mantêm vivo o mito, dentro de uma visão antropológica. Esse mito é apresentado como explicação do inexplicável, dizer estabelecendo a diferença entre o sagrado e o profano. Essa relação influencia, para quem aceita o mito, na própria formação da identidade, principalmente quando se trata da cultura do homem amazônico. O mito aqui retratado é o modo de ver sentir e dimensionar a realidade, e como tal faz parte do próprio processo de formação da identidade, mesmo com o bombardeio da globalização e do neoliberalismo, que determina padrões de comportamento numa sociedade pós-moderna e pós-industrial, onde o interesse econômico sobrepuja as culturas minoritárias, mesmo a despeito de tudo isso o mito sobrevive. O termo grego mytos significa dizer, falar, contar. Do apogeu do racionalismo grego até o início deste século, mito tinha o sentido de fábula ou conto, uma fantasia das camadas mais ingênuas ou menos esclarecidas da sociedade. O mito é uma resposta à tentativaarcaica e perene de responder às questões sobre a origem do mundo, dos elementos, dos fenômenos e outros. Desde o início dos temposteveessa função: expressar a indagação do ser humano sobre o universo e sobre o próprio ser. A perplexidade sempre esteve presente, faz parte da História desde a aurora da pré-história. Na linguagem comum, mítico queria dizer falso. Mito significava mentira. Com a penetração do positivismo no pensamento do final do século XIX, essa conotação parecia definitiva. As pesquisas em Etnologia e Religião Comparada, no início do século XX, devolveram à palavra mito o sentido que ela sempre tevenas sociedades primitivas, estendendo-o agora também ao uso do vocábulo nas civilizações antigas. Na visão antropológica, mito significa verdade, contrapondo-se ao original grego, mais do que isso: a verdade mais profunda e perene. Significa história verdadeira, tão mais verdadeira quanto é revelação primordial, modelo das atividades e instituições humanas. É exemplar e sagrada: só pode ser recitada, cantada ou dançada em ocasião solene, o que lhe dá o caráter de santidade. O acesso a seu relato é reservado aos que já se submeteram a uma iniciação. Só se compreende o mitopelo próprio mito. Quando as investidas não o destroem, no mínimo seu crivo de análise passa despercebido por ele. Pois, muito mais que a razão e a ciência, o mito está encarregado de conter, por uma espécie de “razão engajada”, aquilo que deve ser encarado como o plenamente humano.6 3. Religião, Verdadeiro Campo de Batalha Embora praticamente todos os aspectos da cultural de um povo tenham grande relevância no processo de aprendizado para qualquer proposta de comunicação transcultural, sem dúvida a religião é o maior e mais profundo desafio. Ocorre que é no campo da religião que habitam os seres e forças 6 Sebastião Monteiro Oliveira - ProfessorAssistentedaUniversidadeFederal deRoraima, Mestre em educação pelo Programa dePós-graduação daFaculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas. Antonia Silva de Lima - Professora doutora do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação, da Universidade Federal do Amazonas & Antônia Silva de Lima
  • 18. 18 que controlam e determinam os pensamentos e os comportamentos dos mais diversos. Cácio Silva, em Fenomenologia da Religião, diz: A religiosidade de um povose manifesta não apenas em rituais complexos e mitos dos tempos primordiais, mas também na experiência cotidiana em todas as áreas da vida. A forma de entrar ou sair de uma casa, um simples gesto no momento da caça ou pesca, a dieta alimentar, a direção do olhar ao se aproximar de determinado objeto, o pronunciar discreto de determinadas palavras ao entrar na água e coisas semelhantes podem expressar muito da religiosidade local. Chamamos essas manifestações de fenômenos e a fenomenologia da religião se ocupa em estudá-los na tentativa de compreender as idéias que estão por trás dos mesmos e o que significam para aqueles que os praticam. Como missionários, antes de apresentar o evangelho para determinado povo, a primeira providência a ser tomada é buscar uma compreensão satisfatória do mesmo. Compreender um povo equivale compreender a sua cultura e essa envolve complexos sistemas que regulamentam o comportamento do grupo social. Entretanto, dois sistemas culturais são sobremodo amplos e complexos, sendo necessário abordá-los de forma mais específica. Trata-se da língua e da religião. De acordo com o etnólogo alemão Lothar Käser, a religião é um fenômeno universal, presente em todas as culturas1]. O ateísmo é uma manifestação mais de cunho individual ou no máximo uma opção sociopolítica. Do ponto de vista cultural, todo grupo social apresenta manifestações religiosas. Diversos pesquisadores dedicaram tempo e esforço na tentativa de compreender e descrever o universo religioso indígena, ou por outra, dos povos tradicionais. Dentre os mais destacados estão Émile Durkheim, Marcel Mauss, Eliade e Malinowski. Durkheim diz: Nas sociedades arcaicas, as representações religiosas penetram em instituições como o parentesco, a divisão do trabalho e a regulamentação e exercício do poder. Nelas não há nada – inclusive a economia, a ecologia e os sistemas de conhecimento – que se possa entender plenamente sem se referir à religião. Eliade, um dos mais ousados estudiosos do fenômeno religioso em todos os seus múltiplos aspectos, por sua vez: “Chega à conclusão cientifica de que o sagrado é um elemento estrutural da consciência e não um estágio da história e, por isso, não poderá nunca ser esquecido. Também na sociedade moderna saturada de secularização, afloram em toda parte fenômenos de redescobertas do sagrado: esse não compreende só os fenômenos que tem claramente um caráter religioso, mas
  • 19. 19 também outros fenômenos que pretendem a recuperação das dimensões religiosas de uma autêntica e significativa existência humana do universo. Este universo religioso constitui o grande desafio e obstáculo ao evangelho de Cristo. Por um lado, porque estão presentes ali seres espirituais na sua grande maioria, se não totalidade, aéticos, isto é, bons e maus dependendo do momento e da circunstância. Porque isto se constitui em desafio?” Observe a tabela ao lado de classificação dos diversos tipos de seres espirituais presentes em culturas ou religiões indígenas e procure encaixar a pessoa do Deus bíblico nestes padrões: Por outro lado, culturas indígenas podem também ser regidas por forças impessoais também chamadas de forças mágicas. Malinowski diz: Não existem povos, por mais primitivos que sejam, sem religião nem magia. Assim como não existem, diga-se de passagem, quaisquer raças selvagens que não possuam atitude científica ou ciência, embora esta falha lhes seja freqüentemente imputada. Em todas as sociedades primitivas, estudadas por observadores competentes e de confiança, foramdetectados dois domínios perfeitamente distintos, o Sagrado e o Profano; por outras palavras, o domínio da Magia e da Religião e o da Ciência. De um lado, encontram-se os atos e as práticas tradicionais, que os nativos consideram sagrados, executados com reverência e temor, rodeados de proibições e normas especiaisde comportamento. Estes atose práticas encontram-se sempre associados a crenças em forças sobrenaturais, especialmente as ligadas à magia, ou relativas a seres, espíritos, fantasmas, antepassados mortos ou deuses. De outro, basta um momento de reflexão para vermos que nenhuma arte ou ofício, por mais primitivo, poderia ter sido inventado ou preservado, nenhuma força organizada de caça, pesca, agricultura ou procura de alimentos poderia ter sido empreendida sem observação cuidada do processo natural e uma firme convicção na sua regularidade, sema capacidade de discernir e sema confiança na força da razão, sem os rudimentos da ciência.7 Mauss diz: Admitamos provisoriamente, em princípio, que a magia foi suficientemente distinguida, nas diversas sociedades, dos outros sistemas de fatos sociais. Sendo assim, há razão de crer que ela não apenas constitui uma classe distinta de fenômenos, mas também que é suscetível de uma definição clara.Devemos fazeressa definição pornossa conta,pois não podemos nos contentar em chamar de mágicos os fatos que foram designados como tais por seus atores ou por seus espectadores. Estes se colocavam em pontos de vista subjetivos, que não são necessariamente os da ciência. Uma religião chama de mágicos os restos de antigos cultos, antes mesmo que estes tenham deixado de ser praticados religiosamente; essa maneira de ver já se impôs a cientistas e, por exemplo, um folclorista tão distinto como Skeat considera como mágicos os antigos ritos agrários dos malaios. Para nós, devem ser ditas mágicas apenas as coisas que foram realmente tais para toda uma sociedade, e não as que foramassim qualificadas apenas por uma fração de sociedade. Mas sabemos também que as sociedades nemsempre tiveram de sua magia uma consciência muito clara, e que, quando a tiveram, só chegaram a isso lentamente. Não esperamos,portanto,encontrarde imediato os termos de uma definição perfeita, que só poderá vir como conclusão de um trabalho sobre as relações da magia e da religião. A magia compreende agentes, atos e representações: chamamos mágico o indivíduo que efetua atos mágicos, mesmo quando não é um profissional; chamamos representações 7 Malinowski, B. Magia, Ciência e Religião
  • 20. 20 mágicas as idéias e as crenças que correspondemaos atos mágicos; quanto aos atos, em relação aos quais definimos os outros elementos da magia, chamamo-los ritos mágicos. Importa desde já distinguir esses atos de práticas sociais com as quais poderiam ser confundidos.8 ii. Animismo, Animatismo e Confronto de Poderes Os fundamentos da cosmovisão animista / animatista O visível está intimamente relacionado ao invisível A vida é interconectada O poder é procurado para controlar a vida – busca utilitária As Fontes do mal são ansiosamente procuradas Os animistas estão mais preocupados com questões do aqui e agora; Para os animistas o confronto com o poder está acima do confronto com a verdade; Basicamente todas as religiões recebem influência do animismo/animatismo A diferença fundamental Forças pessoais X Forças impessoais iii. A “Índole” dos Povos Tradicionais (Indígenas) 1. Sagrado X Profano – Dualistas X Unitaristas “Segundo a tradição mesopotâmica, o homem teria sido formado no "umbigo da Terra", em uzu (carne), sar (união), ki (lugar, terra), onde também se localiza Dur-an-ki, a "União entre o Céu e a Terra". Ormazd cria o touro primordial Evagdath, e o homem primordial, Gajomard, no centro das Terras. Naturalmente, o Paraíso, onde Adão foi criado a partir do barro, encontra-se localizado no centro do Cosmo. O Paraíso era o umbigo da Terra, e, segundo uma tradição síria, teria sido estabelecido numa montanha mais alta do que todas as outras. Conforme o Livro da Caverna dos Tesouros, de autoria síria, Adão teria sido criado no centro da Terra, exatamente no mesmo lugar onde a Cruz de Cristo seria levantada mais tarde. As mesmas tradições foram preservadas pelo judaísmo. O apocalipse judeu e uma midrash afirmam que Adão teria sido formado em Jerusalém. Com o enterro de Adão precisamente no mesmo lugar onde teria sido criado, isto é, no centro do mundo, sobre o Gólgota, ele também poderia — como já vimos antes — ser redimido mais tarde pelo sangue do Salvador. (Ver Apócrifos — Os Proscritos da Bíblia II, Ed. Mercuryo, SP, 1992 (N. 8).) O Centro é o âmbito do sagrado, a zona da realidade absoluta. De modo semelhante, todos os demais simbolos da realidade absoluta (árvores da vida e imortalidade, fontes da juventude, etc.) encontram-se também situados em lugares centrais. A estrada que leva para o centro é um "caminho difícil" (duro hana), e isso pode ser verificado em todos os níveis da realidade: difíceis convoluções de um templo (como em Borobudur); peregrinação a lugares sagrados (Meca, Hardwar, Jerusalém); viagens cheias de perigos, realizadas por expedições heróicas, em busca do Velo de Ouro, das Maçãs Douradas, da Erva da Vida; desespero dentro de labirintos; dificuldades daquele que procura pelo caminho em direção a seu ego, ao "centro" do seu ser, e assim por diante. A estrada é árdua, repleta de perigos, porque, na verdade, representa um ritual de passagem do âmbito profano para o sagrado, 8 Mauss,M., Sociologia e Antropologia
  • 21. 21 do efêmero e ilusório para a realidade e a eternidade, da morte para a vida, do homem para a divindade. Chegar ao centro equivale a uma consagração, uma iniciação; a existência profana e ilusória de ontem dá lugar a uma nova, a uma vida que é real, duradoura, eficiente. Para garantir a realidade e a durabilidade de uma construção, existe uma repetição do ato divino da construção perfeita: a Criação dos mundos e do homem. Como primeiro passo, a "realidade" do lugar é garantida por intermédio da consagração do terreno, isto é, por sua transformação em um Centro; então, a validade do ato de construção é confirmada pela repetição do sacrifício divino. Naturalmente, a consagração do Centro ocorre num espaço de qualidade diferente do espaço profano. Por meio do paradoxo do ritual, cada espaço consagrado coincide com o centro do mundo, da mesma forma que a hora de qualquer ritual coincide com o momento mítico do "princípio". Através da repetição do ato cosmogônico, o momento concreto, no qual a construção tem lugar, é projetado para o tempo mítico, in illo tempore, quando ocorreu a fundação do mundo. Assim, a realidade e a durabilidade de uma construção ficam garantidas, não apenas pela transformação do espaço profano em espaçotranscendental (o Centro), mas também pela transformação do tempo concreto em tempo mítico.”9 Eliade defende que na visão dos povos ancestrais o dualismo entre sagrado e profano não existia, ou melhor, o assim chamado “profano” não existia na verdade, já que não havia separação entre o momento e o lugar sagrado e o não sagrado. A presença e a atuação do sagrado, do espiritual, do transcendente, não se restringem a um local específico nem a um tempo específico. Falemos sobre as idéias: As idéias fenomenológicas, de forma geral, são naturalmente manifestas em vários graus, por exemplo, de sagrado e profano, que precisam ser categorizados. Não precisamos ir muito longe para darmos exemplos disto. Em nossas igrejas facilmente percebemos, ao olharmos deste ponto de vista, que no fundo nossas maneiras de agir demonstram graus de santidade (sagrado e profano) em relação a área geográfica do templo. Em alguns templos mulheres que usam calças compridas podem estar presentes e participar do culto na bancada, porém lhe é exigido uma roupagem diferente (talvez vestido ou saia) para que se apresente à frente da comunidade. A roupagem do líder ou pastor é distinta de dia a dia, digamos, do culto da quarta feira a noite, em que lhe é permitido uma camisa social, para o culto de domingo a noite em que lhe é exigido terno completo. Pense... 1. Como a nossa visão dualista, ocidental (izada), influencia nossas práticas de vida cristã? 2. Como a nossa visão não integral acerca do sagrado e profano influencia nossas práticas missionárias entre povos tradicionais animistas? 9 Mircea Eliade, O Mito do Eterno Retorno
  • 22. 22 2. “Relacionamento” Utilitário X Relacionamento Filial Os dilemas da evangelização: Nóbrega e as políticas jesuíticas no Brasil do século XVI - Alfredo Cordiviola (Professor do Departamento de Letras da Universidade Federal de Pernambuco, em Recife, Brasil) O impacto criado pelas realidades americanas muda, a partir do final do século XV, o devir universal, e obriga o homem europeu a repensar sua posição na história e no mundo. É esse o momento crucial do pensamento moderno, em que, como escreveu Lévi- Strauss em Tristes Trópicos, ´uma humanidade que se julgava completa e acabada recebia de repente, como uma contra-revelação, a notícia de que não estava só, era uma peça de um conjunto mais vasto, e que, para se reconhecer, devia primeiro contemplar a sua imagem irreconhecível nesse espelho que lançava seu primeiro e último reflexo´ i. A América, e as heterogêneas populações que a habitavam, ofereceramao europeu uma imagem irreconhecível de si, imagem que é considerada ora como uma versão rudimentar e inocente (como no Diário e na primeira carta de Colombo), ora como perversa e intrinsecamente malvada (como nas gravuras que acompanhavamos relatos de Hans Staden), quando não é simplesmente tida como uma expressão de outra natureza, de outra condição. As grandes viagens marítimas permitiram ao europeu conhecer outros bárbaros. No Brasil, a questão da humanidade dos indígenas (ou, em outros termos, a existência ou não de alma no corpo dos indígenas)foiuma das primeiras a serem debatidasno seio da igreja. O Diálogo para a Conversão do Gentio,escrito pelo jesuíta Manuelda Nóbrega entre junho de 1556 e dezembro de 1557, postula, discute e responde perguntas como essas.ii Nóbrega, o fundador da política jesuítica no Brasil, chegara quase dez anos antes, em 1549 , na comitiva de Tomé de Souza, o primeiro governador-geral do Brasil. Formada por mais de mil integrantes, essa comitiva, que desembarca quase meio século depois do achamento de Cabral, afirma definitivamente a presença da coroa portuguesa emterritório brasileiro, e garante o papel preponderante que seria outorgado à Companhia de Jesus na evangelização das populações locais. O Diálogo apresenta dois interlocutores,o Irmão Gonçalo Alvares, e o Irmão Mateus Nogueira. Na primeira parte do diálogo, os interlocutores expõem os aspectos negativos do indígena, que dificultam ou impossibilitam a conversão. Tais aspectos conformam todo o corpo de referências e costumes sociais, políticos, psicológicos e religiosos divergentes da moral cristã, e são os inimigos a serem vencidos com as armas da evangelização e da “sujeição bem ordenada”, demônios menores que juntam suas forças para impedir o avanço da Palavra. Assinalados por Serafim Leite no prefácio do Diálogo, os aspectos negativos do índio são basicamente os mesmos que Nóbrega já tinha identificado na sua Informação das terras do Brasil escrita em 1549: - a animalidade (“porque vemos que são cães em se comerem e matarem, e são porcos nos vícios e na maneira de se tratarem”):. - A antropofagia (“são tão bestiais, que não lhes entra no coração cousa de Deus; estão tão encarniçados em matar e comer que nenhuma outra bem-aventurança sabem desejar)”. - A nudez (“Esta terra tem mil léguas de costa toda povoada de gente que anda nua assim as mulheres como os homens). - Ausência aparente de religião (“Esta gentilidade não adora a nenhuma coisa nem conhece a Deus, só aos trovõeschamam Tupana,que é como quemdiz coisa divina. E assim
  • 23. 23 nós não temos outro vocábulo mais conveniente para os trazer ao conhecimento de Deus que chama-lhe Pai Tupana”. - O atavismo (“nem sei se é bom chamar-lhe corvo, pois vemos que os corvos, tomados nos ninhos, se criam e amansam e ensinam, e estes, mais esquecidos da criação que os brutos animais, e mais ingratos que os filhos das víboras que comem suas mães, nenhum respeito tem ao amor e criação que neles se faz) ”. Mas os índios são homens, continua o diálogo, mas homens simples. Homens que devem ser purificados dos seus maus costumes e instruídos nos bons, que ainda desconhecem. Nesse sentido, todos os indígenas são iguais, e é muito claro o uso do coletivo para denominá-los: “gentios”, sinônimo de bárbaro, selvagem, não civilizado, infiel, pagão, idólatra. Exprimem uma indiferenciada massa de indivíduos, sob a qual são homogeneizadas e apagadas as especificidades raciais e culturais. Mas, se todos os indígenas são iguais quanto a sua natural simplicidade, todavia há entre eles alguns mais simples do que outros. Esses são os meninos. Os meninos, as crianças, são os alunos prediletos dos jesuítas. “Imagem”, como diz Baeta Neves (15), “do indígena que está na infância da humanidade” que mora nos novos mundos que são a “infância do mundo”. No método jesuítico, os meninos são transformados no meio mais apto para atingir os adultos. Através da educação, os filhos passam a ser os porta-vozes da doutrina ante seus pais. Como são mais jovens, não apresentam tantas dificuldades para serem convertidos. Neles a conversão perdura, e o processo evangelizador não e interrompido. Crianças como modelo, como exemplo a ser imitado. Nóbrega escreve: “Principalmente, pretendemos ensinar bem os moços, porque estes bem doutrinados e acostumados em virtude, serão firmes e constantes os quais seus pais deixam ensinar e folgam com isso”. A inconstância, que era uma das características que mais dificultavam a conversão do indígena, estaria ausente nos meninos. Eles são “firmes e constantes”, porque estão “bem doutrinados e acostumados em virtude”. Veja ainda: “A gente destas terras é a mais bruta, a mais ingrata, a mais inconstante, a mais avessa, a mais trabalhosa de ensinar de quantas há no mundo. Outros gentios são incrédulos até crer; os brasis, ainda depois de crer, são incrédulos.” (Padre Antônio Vieira) “Por fim, perceberam os jesuítas que o problema maior da falta de fé dos índios era a falta de um poder central coercitivo a quem depositassem obediência, seja por adoração, que significa ter algo como superior, incontestável, absoluto, ou seja, a fé predispõe uma obediência, digo mais, a fé tem como essência a obediência incondicional, seja pelo temor. “Aqui está: os selvagens não creem em nada porque não adoram nada. E não adoram nada, no fim das contas, porque obedecem a ninguém.”. (CASTRO, Eduardo V.; A inconstância da alma selvagem; p. 216) No final, as muitas tentativas dos colonizadores e dos catequistas de “elevar” a alma indígena se mostraram infrutíferas. Nem eles se sujeitaram à escravidão desejada pelos colonos, nem tampouco se enquadraram na nova religião que o cristianismo católico romano dos Jesuítas com seus dogmas, altares, santos, etc. Até hoje, o trabalho missionário entre os povos indígenas enfrenta seus reveses. Por um lado, os missionários evangélicos, que não devem ser da mesma natureza daqueles antigos Jesuítas, sofrem acusações de praticar a catequese, ou seja, a imposição de dogmas religiosos.
  • 24. 24 Por outro lado, cometemos de algum modo o mesmo erro duplo. Há os que veem os indígenas como iguais aos não indígenas citadinos e, assim, pretendem realizar entre eles o mesmo tipo de evangelização que realizam em suas igrejas e denominações, sem compreender a alteridade que o coração e a mente indígena representam, as quais requerem uma mensagem traduzida, contextualizada e aplicada às suas formas de compreensão. Assim, simplesmente impõem um modelo de Igreja importado (chamando isso de implantação de igreja), que não vislumbra a índole relacional diferenciada que o indígena apresenta em sua relação com o “seu” sagrado e que automaticamente se torna uma barreira intransponível para a vida da igreja nativa. Lidório diz: Escrevendo aos Romanos (1.18-27) o apóstolo Paulo nos introduz ao conceito da contextualização em oposição à inculturação trazendo à tona verdades cruciais para a proclamação do Evangelho dentro de um pressuposto escriturístico e revelacional. Enquanto a inculturação defende e propõe um Deus ‘aceitável’ culturalmente a contextualização expõe Deus revelado e um evangelho que irá confrontar a cultura visto que o pecado contaminou o homem dentro de seu círculo sociocultural. Há elementos bíblicos neste precioso texto que nos ajudam a pensar em alguns princípios de contextualização. Somos seres culturalmente ‘buscadores’ de um divino utilitário. É comum ao homem caído gerar uma idéia de deus que satisfaça aos seus anseios sem confrontá-lo com o pecado. Esta atitude é encontrada em toda a história humana e não colabora para o encontro do homem com a verdade de Deus. Mas que é isso de índole relacional? Observe os modelos abaixo e pense... Enculturação, Fé (tipo A), Ritos de Apaziguamento. Fé (tipo B), Adoração, Louvor, Obediência - expressam Relacionamento com Deus CRER – TEMER – APAZIGUAR – REPETIR OUVIR – ENTENDER – CRER – – RELACIONAR – – M UDAR –
  • 25. 25 4. Comunicação – O Coração da Missão (Hesselgrave) a. O Problema Missionário por Excelência Leitura e resumo crítico do texto de David Hesselgrave – A Comunicação Transcultural do Evangelho, pgs. 19-31 b. Elementos do Processo de Comunicação (Apresentação – Elementos Processo Comunicação) c. Camadas Culturais (Maria Leonardo10) Cultura é o conjunto de comportamentos, de valores e de crenças de uma sociedade. Culturas são sistemas (de padrões de comportamento socialmente transmitidos) que servem para adaptar as comunidades humanas aos seus embasamentos biológicos. Esse modo de vida das comunidades inclui tecnologias e modo de organização econômica, padrões de estabelecimento, de agrupamento social e organização política, crenças e práticas religiosas, e assim por diante (KEESING11, 1974). “A cultura é um modo de pensar, de sentir, de crer” (KLUCKHOHN12, 1949, p. 23). Os importantes elementos de uma cultura são os valores, conhecimentos, crenças, artes, moral, alimentação, língua, leis, costumes e quaisquer hábitos e habilidades adquiridos pelo homem dentro de uma sociedade. O estudo da Antropologia delineia essa compreensão, de uma forma comparativa ao das “cascas” de determinados vegetais bulbosos que apresentam um corpo formado por várias camadas superpostas, como as cascas de uma cebola, por exemplo. Análoga ao exemplo, no que concerne à sua estrutura, a Antropologia possui várias camadas ou a que chamamos níveis de entendimento. São estas “cascas” ou níveis da cultura de um povo: 10 Pós-doutorada em Comunicação Intercultural, e doutora em Teologia (Etnoteologia e Antropologia Cultural) e em Antropologia da Religião 11 Professor Roger Martin Keesing foi um linguista e antropólogo,notávelpara seu trabalho de campo sobre o povo de Kwaio de Malaita, nas Ilhas Salomão e seus escritos sobre uma vasta gama de tópicos,incluindo parentesco,religião, política, história, antropologia cognitiva e linguagem. Keesing foi dos principais contribuintes para a antropologia 12 Clyde Kluckhohn foi um antropólogo americano e teórico social, mais conhecido por seu trabalho etnográfico a longo prazo entre os Navajo e suas contribuições para o desenvolvimento da teoria da cultura no âmbito da antropologia americana
  • 26. 26  O comportamento: esta é a casca mais externa, superficial, e a mais fácil de ser notada, quando avaliamos uma cultura. É o conjunto das coisas que são feitas, daquilo que são facilmente notadas, ou seja, é o ato de fazer de um povo, e a maneira (própria) como eles fazem estas coisas. Esta identificação pode ser vista no modo de agir, vestir, caminhar, comer, falar, etc.  Os valores culturais: penetrando uma camada à dentro (ou segundo nível) veremos os valores culturais, e estes valores são firmados sobre a sua noção daquilo que é “bom”, do que é “benéfico”, e do que é “melhor”. Os valores culturais são para adequarem ou se conformarem ao padrão de vida de um povo.  As crenças: a crença é a noção que se tem daquilo que é verdadeiro. Constitui-se basicamente daquilo que um povo vê e crê como sendo verdade fundamental.  A cosmovisão: É a cultura como uma lente através do qual o homem vê o mundo. É a percepção daquilo que é real. É a maneira de ver esse mundo, é o sistema de crenças que reflete os comportamentos e valores desse povo. No centro desta realidade das Camadas Culturais, está a Cosmovisão. É a maneira pela qual as pessoas vêm ou percebem o mundo. A maneira pela qual elas entendem o mundo ao seu redor e percebem sua participação e localização nele. É a compreensão pessoal da realidade ao redor e do que elas são. Cosmovisão pode ser usada para incluir as formas de pensamento e as mais compreensivas atitudes acerca da vida. A cosmovisão pode dificilmente ser considerada sem alguma dimensão de tempo, alguma ideia do passado e do futuro, evoca o conjunto emocional de um povo para demonstrar sua disposição para ser ativo ou contemplativo, ou resignado para sentir, ele mesmo a partir do que ele vê ou para intimamente identificar a si próprio no resto do mundo (cosmos). É a estrutura das coisas e como o homem está ciente delas. Ela é a maneira pela qual vemos a nós mesmos e nos relacionamos com o resto (KEESING, 1974). Entender a cosmovisão é o ponto de partida para estabelecer uma ponte naquela cultura pessoal e naquela mentalidade formada, a verdade transcultural do evangelho de Cristo. A cosmovisão de um povo reflete as suas suposições, valores e entendimento a respeito da vida e do mundo onde eles vivem. Por isso, é necessário participar da vida e das experiências de um povo com capacidade para entender sua cosmovisão. Quando a conhecemos bem, temos credibilidade e autoridade para apresentar o evangelho nesta sua localização cultural. A mensagem da fé cristã é indiscutivelmente universal e destinada a todos os homens de todas as épocas e de todas as culturas, mas os contextos culturais em que Deus estabeleceu a verdade e a cultura onde esta verdade está sendo comunicada são bem distintos. Daí a necessidade de uma contextualização, ou seja, a de apresentar a mensagem ajustável ao “ponto de vista”, contexto e estilo cultural local. O conteúdo contextualizado deve ser acompanhado de um estilo de transmissão também contextualizado, através de uma comunicação, por sua vez, também contextualizada. O povo precisa entender, visualizar, aceitar e encarnar a verdade ora comunicada. A Comunicação Transcultural vem, pois, a ser, uma comunicação contextualizada onde é necessário ter os conhecimentos da Antropologia Cultural para entender a cultura e a cosmovisão de um povo.
  • 27. 27 O modelo ideal da comunicação transcultural do evangelho é o modelo encarnacional onde o missionário cristão passa pelo processo de adaptação e aculturação à nova cultura, e se interage na cultura estabelecendo o senso de pertencer, e neste modelo encarnacional, ele faz amigos nesta nova cultura, vive com o povo, comunica na linguagem do amor, e contextualizada a mensagem para o povo. O missionário adquiri a cultura local, a língua falada bem como a língua silenciosa, os hábitos e valores que constituem a soma daquela cultura. Ele, literalmente, “veste a camisa” daquele povo, e se torna um deles. Sua mensagem então é revestida de autoridade, pois não se trata de uma verdade “estrangeira”, mas de uma pessoa de dentro da cultura, uma pessoa parte da vida deles. d. Pressupostos Revelacionais (Apresentação – Pressupostos Revelacionais) Falo neste capítulo em termos genéricos, usando o que conheço do povo Waiãpi, com o qual minha família e eu trabalhamos. Pode até ser que os indígenas não expressem o que pensam por diplomacia cultural ou timidez diante do missionário “todo-conhecedor”, mas dá para perceber sua reação em fragmentos de suas perguntas ou nos comentários posteriores. Como introdução para este estudo de caso, alistemos aqui alguns pressupostos revelacionais de que dependem os povos indígenas, em especial os Waiãpi. Segue umas explicações nas suas próprias palavras:  Tamõ kõ remikuarer - As experiências dos nossos ancestrais “Nós observamos tabus e resguardos baseados nas experiências dos nossos pais. Por exemplo: uma mulher não deve se banhar no rio no seu siclo menstrual. É perigoso fazer isso pois o dono das águas vai causar-lhes malefícios. Uma criança novinha deve ser protegida para não perder a alma. Nunca devemos deixar uma criança chorar nem mesmo discipliná-la ao ponto de chorar porque ela pode perder a alma. O pajé não pode passar por onde andou uma mulher parturiente, nem assistir ao nascimento de um filho. Não adianta vocês dizerem que essas coisas não têm problemas. Podem não ter problemas para vocês, mas para nós, sim.”  Tamõ kõ ayvukwer – As estórias e ensinos dos ‘nossos’ antepassados Observe como os Waiãpi defendem sua tradição oral: “Bem, vocês estão lendo os escritos de Moisés e achamos interessantes, só que nós também temos a palavra de nossos antepassados e ela é tão importante quanto o seu livro, missionário! Aliás, você deve lembrar-se que os Waiãpi foram criados primeiro que os brasileiros. Então missionário, não pense que pode supervalorizar o seu ‘livro’ em detrimento das minhas tradições orais, tá bem?” Realmente, em relação à comparação entre cultura oral e escrita, nenhuma é superior à outra, embora os letrados valorizem mais a escrita pela facilidade de arquivar dados culturais em livros. Mas os anciãos, especialistas na cultura indígena, têm uma incrível enciclopédia em suas mentes.  Manõtaray mãe kõ ayvukwer/ jigarer - Palavras ou cânticos dos moribundos. Alguém me perguntou: — O seu povo costuma prestar atenção quando alguém está para morrer? Eles escutam o cântico dos moribundos? — Não.— respondi. — Chii!! Que gente insensível a sua! Nosso povo faz questão de ouvir as últimas palavras de quem está para morrer. Não somos desatenciosos como vocês. É por isso que sabemos muitas coisas que vão acontecer com a gente depois que morrermos porque uma cortina se abre para o moribundo. Algumas vezes ele canta, outras vezes ele comenta sobre o que está vendo “lá do outro lado”.
  • 28. 28  Pajé kõ moregetakwer - Palavras dos shamãs — Vocês têm pajés? Eles são bons ou maus? São poderosos? — Não, não temos. — Bem, nossos pajés sabem muito. Eles podem nos indicar onde está o bando de porcos do mato para nossos caçadores. Se ocorre uma doença, eles podem fazer uma fumaça com ervas e outras coisas que vão subir e indicar a origem da doença para nos vingarmos do despacho que outros fizeram. Podem também entrar na tocaia e falar com os espíritos em voz diferente da sua, e podem soprar e tirar os amurús do corpo de um doente e ele sarar logo. No passado podiam até curar um acidentado com fraturas expostas, mas atualmente só temos pajés pequenos.  Morawã (anormalidades) - Mistérios, pressentimentos ou presságios “Nós prestamos atenção aos sinais ao nosso redor. O canto da sigau é muito importante. Quando ela fica zangada (cantando de modo diferente), isso é um aviso. Animais quando agem fora do seu habitual, sempre trazem “avisos” de coisas importantes que podem acontecer conosco. Se você vir um pássaro noturno de dia, preste atenção; é um aviso mesmo. “O tamõ fulano não atendeu ao presságio e imprudentemente foi caçar. Por isso a onça o comeu. O finado irmão teve vários presságios: achou uma tracajá enorme e doente e não se cuidou, depois pescou um grande forno de barro antigo e o carregou. Não devia ter feito aquilo! Por causa disso foi ficando doente e morreu mesmo...”  Janepouwaikwer - Os sonhos “Vocês dão atenção para os sonhos? Vocês sabem que durante o sonho nosso espírito/alma faz viagens extra corporais e visita lugares diferentes? Olha, quando a gente sonha existe um ‘recado’ que alguém está querendo passar pra gente. Os sonhos são muito importantes.” “E vocês procuram saber o significado dos seus sonhos? Quem os interpreta para vocês?” “Nós conversamos muito sobre os sonhos, eles não nos enganam.” Estas narrativas são uma pequena amostra de como o povo chegou a crer no que crê. Há muito a ser investigado, e não se pode passar uma borracha e apagar o que eles crêem para plantar a Verdade em suas mentes. Isso nos leva ao processo da contextualização, que depende muito do missionário e de sua habilidade, paciência, sabedoria, humildade e sensibilidade no trato com o povo. Alguns desses “segredos” não serão revelados se não houver cumplicidade e relacionamento profundo entre o missionário e o seu amigo tribal. Eles não banalizam seus conhecimentos. 5. Estratégia Missionária O “Caminho das Pedras” a. ACL – Aquisição de Cultura e Língua – 1ª. Fase APRENDIZADO i. Observação – Participação – Investigação (ver gráfico O.P.) Metodologia da Observação As informações científicas que obtemos são inteiramente diferentes das que conseguimos quando fazemos uma observação causal. A diferença centra-se, sobretudo, no fato de que as observações científicas procuram coletar dados que sejam válidos e confiáveis. Para obter informações de valor científico, é preciso usar metodologias adequadas, a fim de evitar a identificação de fatores que têm pouca ou nenhuma relação com o comportamento complexo que se deseja estudar. Para ser considerada como tendo significado científico, [a pesquisa] deve apoiar-se em fundamentos teóricos consistentes relacionados à natureza dos fatos ou comportamentos a serem observados. Sem a teoria e um corpo de conhecimentos bem estruturados, a pesquisa observacional certamente produzirá elementos esparsos e não-conclusivos.
  • 29. 29 É importante, dessa forma, iniciar a pesquisa fazendo uma revisão da literatura, limitada aos três ou quatro últimos anos anteriores ao início da observação e, depois, partir para a formulação de algumas idéias (hipóteses) sobre a natureza do fenômeno a ser considerado.(11) Observação e atividade científica Ao observador não basta simplesmente olhar. Deve, certamente, saber ver, identificar e descrever diversos tipos de interações e processos humanos. Algumas perguntas geradoras de novos trabalhos podem surgir, a partir de certas relações que não oferecem explicações amplamente satisfatórias para o problema enfocado. Outras fontes de identificação de problemas a pesquisar, encontram-se na literatura técnica, em trabalhos teóricos a partir dos quais são feitas algumas deduções que precisam ser comprovadas, situações da vida prática, experiências e insights pessoais. A observação tem contribuído para o desenvolvimento do conhecimento científico, especialmente por coletar dados de natureza não-verbal. A observação faz parte do nosso cotidiano, mas essa situação não nos deve levar a pensar que possamos fazer observações sem uma formação e treinamento prévios que nos qualifique para o exercício dessa atividade. Os resultados, na ausência desse treinamento, quase sempre são de natureza aótica e não merecem credibilidade, por não se revestirem da seriedade e validade que seria de se esperar em um trabalho científico. Observação e suas diferentes fases Observação: registros, dados e relatórios O observador precisa desenvolver um método pessoal para fazer suas anotações, para não ser traído por sua memória e, além disso, deve fazer um registro de natureza narrativa de tudo que foi constatado no período de observação. Na observação, é interessante para a análise estabelecer-se um relação entre teoria e dados, sem engessar os dados pela teoria. A observação, no contexto de uma pesquisa, visa, no caso, a gerar novos conhecimentos e não a confirmar, necessariamente, teorias. (VIANNA, Heraldo Marelim. Pesquisa em educação:a observação. Brasília: Plano Editora, 2003)
  • 30. 30 ii. Programa e Etapas de Aquisição (Gráfico de ACL) b. EBF – Ensino Bíblico – 2ª. Fase ENSINO i. Roteiro de Ensino (Livro: Ensino Bíblico Cronológico) Nossa estratégia é o Ensino Bíblico Cronológico (didático e construtivo). Por onde começar.... Em equipe, antes de começar, você pode fazer uma linha do tempo simples para obter um quadro completo/grande da direção do ensino.
  • 31. 31 Começando do início, esboce os temas de Deus que estão sendo destacados em cada lição. (Ideal). Depois de ume estudo da cultura você deve ser capaz de ter uma boa ideia dos padrões ou temas da sua audiência alvo. (Real). Organize os temas do homem em contraste com os temas de Deus, quando são referidos na seção escolhida das escrituras. (Disparidade). Então, você terá sua direção geral e base para o EBF que precisa ser desenvolvida! Isso obviamente vai ser então a sua... (estratégia). ii. Pilares Culturais (Método Antropos de Análise Cultural) Sugiro que sejam investigados, analisados e descritos os temas culturais pilares que constam das QUATRO DIMENSÕES (Lidório) como segue: 1. Dimensão Histórica Quando iniciamos nosso trabalho em uma etnia ou segmento social buscamos descobrir as repostas à perguntas chaves cujos elementos são universais. A pergunta que se levanta aqui é quem somos nós? Para respondê-la lançaremos mão de algumas abordagens, aplicáveis em qualquer cultura ou segmento. Para a Antropologia o ser humano adapta-se a diferentes ambientes e situações a partir de respostas mais culturais do que genéticas. O homem é visto como homem, pela Antropologia, no momento em que a história é capaz de relatar sua capacidade de transmitir conhecimento, crença, lei, moral, costume a seus descendentes e aos seus vizinhos através do aprendizado. Vemos, assim, que a cultura participa da história do homem de tal forma intrínseca que o desenvolvimento da humanidade pode ser considerado o desenvolvimento cultural. O aperfeiçoamento das ferramentas para subsistência como habitação, plantio, caça, pesca e proteção, além da família se estabelecendo em variadas formas no decorrer do tempo e nos espaços geográficos bem como as valorizações cada vez mais constantes do aspecto simbólico, as artes, a linguagem, os mitos, a religiosidade universal, “tudo isto criou para o homem um novo ambiente ao qual ele foi obrigado a adaptar-se”. A dimensão histórica possui duas bases principais que aqui chamarei de historicidade cultural e origem universal. 2. Dimensão Ética Relembremos que Antropos é baseado em quatro dimensões: histórica, ética, étnica e fenomenológica. Após termos visto os elementos de pesquisa e estudo na dimensão histórica passemos à ética. Se na dimensão histórica foi levantada a pergunta quem somos nós?, por sua vez, tratando da ética, do homem e seus valores culturais, a pergunta que levantaremos agora será: como nós pensamos? Ou ainda, quais são nossos valores? E buscamos este pensar humano gerador (ou receptor) de valores culturais como pecado, perdão, comunicação, normas de agrupamento e dispersão e coisas afins. Todo agrupamento e sociedade humana possuem valores e normas o que, de maneira geral, associamos à moral. Mauss já enfatizava que a moral pré-existente na consciência humana desabrocha em valores semelhantes e normas semelhantes em diversas gerações e agrupamentos. Ou seja, por sermos seres morais e unidos por uma historicidade cultural, mesma origem, desenvolvemos valores parecidos e universais. Isto poderia ser facilmente comprovado através de um estudo de caso quando isolamos um valor, por exemplo, a sensualidade. Ela é condenada em praticamente todas as culturas em suas diferentes formas quando ultrapassa o que aquela sociedade considera tolerável. Mesmo estando sempre ligada a partes do corpo humano, danças, roupas e atitudes, sua manifestação é distinta de grupo a grupo (o que é sensual no Brasil não o é necessariamente em Gana), porém seu valor é uno e por ser assim a sensualidade cria tabus e tolerâncias muito semelhantes em diferentes sociedades e épocas. O Museu do Cairo, por exemplo, apresentou em 1979 uma galeria de roupas, adornos e cosméticos dedicados à produção de sensualidade em moças egípcias durante mais de 20
  • 32. 32 gerações. Apesar de experimentarmos certos valores de forma adaptada ao nosso contexto e ambiente, tais valores nos unem e nos tornam socialmente semelhantes. É preciso pontuar, nesta altura, que apesar do homem ser um ser moral, a expressão de sua moralidade se baseia na conjuntura de suas crenças e práticas e grupos distintos possuem diferentes crenças e práticas. Ao falar sobre “totemismo” exporei mais a respeito, porém é saudável mantermos em mente que a investigação da fonte da vida, ou seja, aquilo ou aquele que gera e mantém a vida, é capítulo fundamental para nossa compreensão da expressão de moralidade do grupo observado. Partindo dos efeitos para a causa, em um exercício regressivo, normalmente sugiro que se identifique, no grupo estudado, duas pessoas que simbolizam ou apresentam virtudes e defeitos. Chamaremos tais figuras de “X” e “Y”. Pode-se produzir, assim, uma lista comparativa de virtudes e defeitos aceitos e experimentados pelo grupo na cosmovisão do próprio grupo. Há de se perceber, portanto, que a moralidade humana bem como sua concepção cultural de certo e errado, virtudes e defeitos, está intrinsecamente ligada à sua crença em relação à fonte da vida 3. Dimensão Fenomenológica Concentrando-nos agora na Fenomenologia da religião, iremos mudar nossa pergunta chave. Na dimensão histórica a pergunta chave era “quem somos nós? ” Na dimensão ética “que valores nos definem? ” Na étnica “como nos organizamos socialmente? ” Nessa última dimensão que aqui estudaremos a pergunta chave é “que forças dominam em nosso meio? ” Tolra13 e Warnier14 em “Etnologia, Antropologia”, no capítulo sete, tratam do fenômeno religioso e dizem que “a religião parece ser a mais antiga dessas manifestações do pensamento”71. Para eles o fenômeno religioso consiste em primeiro lugar em crenças, e o que caracteriza estas crenças é o fato de se postular a existência de um meio invisível em pé de igualdade com o visível, mas que não pode ser simplesmente evidenciado como a matéria. O missiólogo terá de estudar todo o acervo mítico do povo alvo para perceber como tal povo entende este mundo invisível com o qual convive. Se já estamos certos da universalidade do sentimento religioso, agora precisamos fazer a leitura fenomenológica. Para tal é necessário identificar e também interpretar os elementos que fazem parte do sagrado, através de crenças, mitos e ritos. Gostaria de chamar sua atenção para este ponto. A importância de identificação e interpretação. Uma mera identificação (com consequente descrição) não passará de um capítulo etnográfico. Uma interpretação sem a devida identificação incorrerá em erros grosseiros do elemento a ser estudado. É necessário identificarmos os elementos chaves que compõe a estrutura fundamental do sagrado (as forças que dominam em nosso meio) e as interpretarmos à luz da compreensão do grupo, de forma êmica. 4. Dimensão Étnica Relembremos que nosso presente objetivo na utilização desta primeira abordagem (Antropos) é observar e estudar um grupo ou segmento social através de quatro diferentes dimensões. A histórica que nos guiará na busca da identidade do grupo (quem somos, de onde viemos), a ética que nos ajudará a compreender seus valores (que valores nos definem como grupo), a fenomenológica que nos levará a perceber que forças dominam em nosso meio e por fim a étnica que abordará sua organização social (como nos organizamos) Portanto nesta presente dimensão (étnica) nos concentraremos menos nos valores do grupo e focaremos em suas ações, seu comportamento, na tentativa de responder de forma geral à pergunta 13 Philippe Laburthe-Tolra, foi um antropólogo africanista que foi professoremérito e decano honorário da faculdade de ciências sociais da Sorbonne, Universidade René Descartes. 14 Warnier ensinou Etnologia na Nigéria e camarões antes em 1985, com a Universidade de Paris V (Université Paris René Descartes), um Professor de Etnologia. Está dentre os Grandes da escola da França.
  • 33. 33 “como vive o nosso grupo? ” Respondê-la seria traçar uma completa etnografia, etnologia e fenomenologia de um grupo ou segmento. Entretanto nos proporemos a observar aqui apenas algumas abordagens de estudo que contribuirão para entendermos esta cultura alvo de forma mais específica. Propomos, então, uma metodologia viável de macro categorização dos grupos étnicos partindo do pressuposto comparativo. A elaboração deste método visa simplificar a visibilidade comparativa de culturas sensivelmente distintas. É uma análise geral, que objetiva proporcionar não mais do que a compreensão da macroestrutura social de um segmento humano, porém pontuando e destacando os pontos vitais para sua existência e desenvolvimento. Categorizaremos tais sociedades como sendo progressistas ou tradicionais, existenciais ou históricas, teófanas ou naturalistas. iii. Abundância & Constância Ronaldo Lidório, em seu artigo “Estratégia de plantio de Igrejas”, assinala os pontos principais no modelo Paulino: a) Introduzir-se na sociedade local a partir de uma pessoa receptiva ou um grupo aberto a recebê-lo e ouvi-lo. b) Identificar ali o melhor ambiente para a pregação do evangelho, seja público como uma praça ou privado como um lar. c) Evangelizar de forma abundante e intencional, a partir da Criação ou da Promessa, e sempre desembocando em Cristo, sua cruz e ressurreição. d) Expor a Palavra, sobretudo a Palavra. Expor de tal forma que seja ela inteligível e aplicável para quem ouve. e) Testemunhar do que Cristo fez em sua vida. f) Incorporar rapidamente os novos convertidos à igreja, à comunhão dos santos, seja em uma casa ou um agrupamento maior. g) Identificar líderes em potencial e investir neles seja face a face ou por cartas h) Não se distanciar demais das igrejas plantadas, visitando-as e se comunicando com as mesmas, investindo no ensino da Palavra. i) orar pelos irmãos, pelas igrejas plantadas e pelos gentios ainda sem Cristo, levando-as também a orar. j) administrar as críticas e competitividade sem permitir que tais atos lhe retirem do foco evangelístico. l) utilizar a força leiga e local para o enraizamento e serviço da igreja. m) investir no ardor missionário e responsabilidade evangelística das igrejas plantadas.