O documento apresenta as seguintes informações essenciais:
1) É uma revista trimestral do Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações no Estado de São Paulo;
2) Contém uma entrevista com o Secretário de Emprego e Relações de Trabalho do Estado de São Paulo, Davi Zaia, sobre os desafios da pasta e programas do governo para geração de emprego;
3) A revista também aborda temas como educação, comportamento, saúde, cultura e meio ambiente.
Linha Direta em Revista - O lixo que não é lixo - outubro/2011
1. Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações no Estado de São Paulo
www.sintetel.org
sintetel@sintetel.org.br
EM REVISTA
OUTUBRO 2011 - 13ª edição - ANO V - TRIMESTRAL
DISTRIBUIÇÃO GRATUITA - VENDA PROIBIDA
PNBL: A banda se alarga
Governo busca popularizar e expandir o acesso à
internet de alta velocidade. De um lado, a inclusão
digital, de outro, a qualidade da navegação para
grandes eventos esportivos
ENTREVISTA
Secretário de Emprego e Relações de Trabalho do
Estado, Davi Zaia fala sobre o trabalho à frente da pasta.
2. Já retirou o novo
Guia de Convênios do Sintetel?
O Departamento de Imprensa lançou a sétima edição do
livrinho mais procurado pelos associados. Agora você encontra de forma fácil e prática todos os nomes, endereços
e telefones para contato dos convênios firmados pela entidade com o intuito de trazer mais benefício e comodidade
aos nossos trabalhadores mais fiéis.
São academias, escolas de idiomas, despachantes, clínicas
de estética, além de uma vasta gama de profissionais especializados nas mais diversas áreas da saúde e beleza.
E não é só isso! Se você é associado da região de São José
do Rio Preto, Bauru e Ribeirão Preto, agora você conta com
o Guia de Convênios do Interior, que está em sua primeira
edição. A iniciativa promete facilitar ainda mais o manuseio
da publicação e, em breve, deverá ser expandida para as
demais regiões.
Ainda não retirou o seu exemplar? Solicite agora mesmo
junto ao seu representante sindical ou na subsede mais
próxima. Aproveite!
3. ÍNDICE
EM REVISTA
Entrevista - Do sindicalismo para o governo ........................ 5
O Secretário de Emprego e Relações de Trabalho, Davi Zaia, apresenta o panorama
do Estado de São Paulo.
10
Educação - Bullying: agressão não é diversão ...................... 10
“Falta respeito e compaixão com o próximo. Isso é inaceitável”, afirma a psicóloga
Maria Tereza Maldonado.
13
Comportamento - Adeus, Barbie ...................................... 13
Crianças amadurecem cada vez mais cedo e trocam os brinquedos tradicionais por
equipamentos eletrônicos.
Capa - Banda Larga para todos .................................................. 20
A implantação do Plano Nacional de Banda Larga abre oportunidade para a inclusão
digital da população de olho na Copa do Mundo e nas Olimpíadas.
20
Saúde - A saúde que depende de planos ............................... 26
O Brasil está muito distante de oferecer serviço de qualidade para sua população,
apesar de convênios privados o setor está em crise.
Cultura - Cinema para pensar ................................................ 30
26
Filmes menos comerciais passam pelas salas brasileiras gerando reações diversas.
Artigos
Editorias
4 Editorial
24 Mulher
8 Meio ambiente
28 Notas
16 Tecnologia
33 Passatempo
32 Protocolo do bem - João Guilherme Vargas Netto
34 Gosto de você e Vivi um sonho - Artigo do Leitor
18 Aposentados
LINHA DIRETA em revista 3
4. Editorial
O brasileiro quer se comunicar
Olá, caros leitores!
Chegamos à nossa última edição
deste ano, mas com uma boa matéria de capa que envolve um dos
assuntos muito discutidos na sociedade e que afeta diretamente a
nossa categoria: a banda larga.
Nós, da direção do Sintetel, somos
a favor da democratização da inAlmir Munhoz *
formação e isso só se dá por meio
da comunicação em grande escala. Ainda mais que o Brasil será sede de
dois grandes eventos internacionais nos próximos anos. Falo da Copa do
Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016.
Entendemos que tem que haver investimentos na expansão das redes,
em novas tecnologias e em qualificação e requalificação dos trabalhadores para que possamos ampliar nossa comunicação.
DIRETORIA DO SINTETEL
Presidente: Almir Munhoz
Vice-Presidente: Gilberto Rodrigues Dourado
Diretoria Executiva: Cristiane do Nascimento, Fábio Oliveira da Silva,
José Carlos Guicho e Marcos Milanez Rodrigues.
Diretores Secretários: Alcides Marin Salles, Ana Maria da Silva, Aurea Meire
Barrence, Germar Pereira da Silva, José Clarismunde de Oliveira Aguiar,
Maria Edna Medeiros e Welton José de Araújo.
Diretores Regionais: Elísio Rodrigues de Sousa, Eudes José Marques,
Jorge Luiz Xavier, José Roberto da Silva, Ismar José Antonio,
Genivaldo Aparecido Barrichello e Mauro Cava de Britto.
Jurídico: Humberto Viviani juridico@sintetel.org.br
OSLT: Paulo Rodrigues oslt@sintetel.org.br
Recursos Humanos: Sergio Roberto rh@sintetel.org.br
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Diretor Responsável: Almir Munhoz
Para que tudo isso aconteça, certamente serão contratadas novas
empresas e novos serviços serão terceirizados. Pensando nisso tudo
foi que nós assinamos, representados pela Fenattel, um protocolo de
ações conjuntas com a Febratel (Federação Brasileira das Empresas de
Telecomunicações) ante a questão da terceirização e precarização das
relações trabalhistas no setor de Telecom no Brasil.
O documento, assinado em 30 de setembro de 2011, estabelece marcos
comuns éticos, sociais e profissionais capazes de preservar as relações
de trabalho e sindicais contra os efeitos nocivos dessas práticas – que
podem levar à deterioração social dos contratos trabalhistas.
A formalização deste protocolo é uma ação concreta que adotamos para
combater a terceirização e a precarização do trabalho. Boa leitura!
* Almir Munhoz é presidente do Sintetel.
Cartas
Você pode enviar as suas sugestões, opiniões e comentários para a
redação de Linha Direta em Revista. Basta encaminhar um e-mail para
sintetel.imprensa@gmail.com, ligar para (11) 3351-8892 ou mandar
uma carta para o seguinte endereço: Rua Bento Freitas, 64 – Vila
Buarque - CEP: 01220-000 - São Paulo - SP. A/C do Depto. de
Comunicação.
4 LINHA DIRETA em revista
Jornalista Responsável: Marco Tirelli MTb 23.187
Revisão Geral: Amanda Santoro MTb 53.062
Redação: Amanda Santoro, Emilio Franco Jr. (MTb 63.311), Marco Tirelli
Estagiária: Renata Sueiro
Diagramação: Agência Uni (www.agenciauni.com)
Fotos: F.F. Fotografia
Colaboradores: João Guilherme Vargas Netto, Paulo Rodrigues
e Theodora Venckus
Impressão: Gráfica Unisind Ltda. (www.unisind.com.br)
Distribuição: Sintetel
Tiragem: 10.000 exemplares
Periodicidade: Quadrimestral
Linha Direta em Revista é uma publicação do Sindicado dos Trabalhadores
em Telecomunicações no Estado de São Paulo | Rua Bento Freitas, 64
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V. Paraíba: (12) 3939-1620 sintetel_sjc@uol.com.br
O Sintetel é filiado à Fenattel (Federação Nacional dos Trabalhadores
em Telecomunicações), à UNI (Rede Sindical Internacional) e à
Força Sindical. Os artigos publicados nesta revista expressam
exclusivamente a opinião de seus autores.
5. ENTREVISTA
Do sindicalismo para o governo
O Secretário de Emprego e Relações de Trabalho, Davi Zaia, apresenta o
panorama do Estado de São Paulo
Marco Tirelli
Filósofo formado pela PUC de Campinas e funcionário de carreira do extinto Banco Nossa Caixa, Davi Zaia luta há mais
de 30 anos no movimento sindical, sobretudo por melhores
condições de vida e de trabalho. Em 15 de março de 2007, aos
51 anos de idade, assumiu na Assembleia Legislativa de São
Paulo o mandato de deputado estadual pelo PPS. Reeleito em
2010, hoje está licenciado para exercer o cargo de Secretário de
Emprego e Relações do Trabalho do Estado de São Paulo, que
exerce desde janeiro de 2011.
Linha Direta em Revista foi ouvir a opinião do sindicalista que
hoje desempenha uma importante função no governo paulista. Sua escolha, acredita, é o reconhecimento da importância de o movimento sindical participar de questões de interesse do Estado
e da população e disse, ainda, que o governador
Geraldo Alckmin quer diálogo com as centrais
sindicais.
aqui estão instalados parques tecnológicos de excelente nível,
indústrias de ponta e com o atual ritmo da economia temos
uma série de desafios a serem enfrentados no âmbito do emprego e das relações de trabalho.
LDR: De que forma o Banco do Povo Paulista auxilia no
crescimento do Estado?
DZ: O Banco do Povo Paulista (BPP), desde a sua criação
em 1998, já realizou mais de 243 mil operações de crédito,
em parcerias com as prefeituras municipais, estimulando e
Linha Direta em Revista: Quais os desafios
em assumir a Secretaria de Emprego e Relações de Trabalho de um Estado tão importante como São Paulo?
Davi Zaia: Os desafios são muitos levando em
consideração a dimensão do Estado, sua importância econômica, o grau de tecnologia alcançado. São Paulo é responsável por aproximadamente 45% das vagas de trabalho geradas no País,
“São Paulo é
responsável por
cerca de 45%
das vagas de
trabalho geradas
no País”
LINHA DIRETA em revista 5
6. ENTREVISTA
apoiando os empreendedores formais e
informais do nosso Estado. O montante
de recursos emprestados até o momento
é de R$ 774 milhões. São investimentos em atividades microeconômicas que
vêm transformando a vida de pequenos
empreendedores que pouco acesso possuem às linhas de crédito tradicionais.
Como resultado, nós incorporamos milhares de pessoas que não tinham essa
oportunidade para crescer e se desenvolver. Estamos ampliando a cada ano
os recursos disponíveis para empréstimos, sendo que em 2011, contamos com
R$ 120 milhões para estimular a nossa
economia por meio do microcrédito.
LDR: No plano de ação da Secretaria
existe algum projeto que vise exclusivamente a geração de empregos?
DZ: O Governo do Estado tem uma
preocupação especial com essa questão
e mantém para esse fim o Investe São
Paulo, criado especialmente para atrair e
apoiar as empresas que desejam se instalar no Estado de São Paulo, no sentido
de movimentar a economia, gerar renda,
mais empregos e inovação tecnológica.
O programa facilita a interlocução dos
investidores com os órgãos públicos do
estado, com as demais instituições públicas nos níveis federal e municipal, identifica áreas para investimento, disponibiliza informações estratégicas sobre as
melhores condições para investir, apoia
os municípios em suas políticas de atração de empresas, recepciona missões de
investidores estrangeiros, entre outros
serviços.
A Secretaria do Emprego e Relações
do Trabalho também desenvolve um
conjunto de políticas visando melhorar
o acesso do trabalhador ao mercado de
trabalho, como o Programa de Qualificação Profissional (PEQ), o Time do
Emprego e O Emprega São Paulo. Tais
programas ajudam as pessoas a encontrar o emprego que necessitam. Temos
ainda o Banco do Povo Paulista que,
como já mencionamos, ajuda a gerar
emprego e renda para a população.
6 LINHA DIRETA em revista
“Foram criados
em torno de 617
mil novos postos
formais de trabalho no Estado”
LDR: Como se encontra a situação real
de emprego formal em São Paulo?
DZ: Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
(Caged), do Ministério do Trabalho e
Emprego, foram criados aproximadamente 617 mil novos postos formais
de trabalho no Estado de São Paulo, no
período de abril de 2010 a abril de 2011,
com crescimento médio de 11% no salário real dos admitidos, passando de
R$ 913 em abril de 2010 para R$ 1.013
em abril do ano seguinte. Análises dos
dados nos indicam que os setores de
serviços e comércio são responsáveis
por 70% das vagas criadas. Podemos resumir a situação do emprego formal nos
últimos 12 meses da seguinte maneira:
expressiva criação de novos postos de
trabalho e aumento significativo do salário médio real dos admitidos.
LDR: O Programa Estadual de Qualificação Profissional tem trazido
bons resultados?
“O governo do
Estado tem disponível R$ 140
milhões para
programas de
qualificação
profissional”
DZ: Os resultados têm sido bastante
positivos, pois o governo estadual procura identificar quais são as reais demandas pelas profissões que estão sendo mais
requisitadas nas diferentes regiões do
Estado. Isso porque trabalhamos com as
comissões municipais de emprego, que
são constituídas pelo poder público municipal, empresas e trabalhadores. Também estamos criando parcerias com
diferentes setores da sociedade. O governo do Estado tem disponível este ano
R$ 140 milhões para programas de qualificação profissional. Mas independente
dos recursos, o que importa é como eles
serão empregados. Dessa forma, temos
procurado maximizar o que dispomos
de recursos focando os investimentos
nas principais necessidades.
LDR: Pelo fato de ter sido sindicalista, acredita que esta experiência
ajude-o a ver a atuação da Secretaria
de outra forma?
DZ: De uma maneira geral, a secretaria
sempre esteve muito próxima dos sindicatos e do mundo do trabalho e o fato de
ter uma vida praticamente toda dedicada
aos sindicatos me ajuda a ter uma compreensão mais ampla das necessidades
de diferentes setores. A prática sindical
me ensinou a resolver situações de impasse pela via da negociação, do diálogo,
a praticar o exercício da democracia.
Assim é mais fácil encontrar soluções
que atendam aos interesses do Estado e
da população.
LDR: A sua nomeação tem algum
significado político?
DZ: O governo reconhece que é importante que o movimento sindical participe das questões que dizem respeito
aos interesses do Estado e da população.
Quando assumimos, os secretários de
Estado receberam como recomendação
do governador Geraldo Alckmin que deveriam continuar desenvolvendo os programas de governo, sem interrupções. A
mim, particularmente, ele pediu que fizesse um convite especial aos dirigentes
7. ENTREVISTA
das centrais sindicais para um encontro
no Palácio dos Bandeirantes, a fim de
iniciar um diálogo com o governo. Essa
foi uma das suas primeiras ações, o que
demonstra o seu interesse em construir
uma relação positiva com os sindicatos.
A partir daí, iniciamos um canal permanente de diálogo, que continua aberto
e ativo.
LDR: Quais áreas da economia paulista necessitam de maior qualificação da mão de obra?
DZ: O setor de comércio e serviços é o
que mais demanda cursos de qualificação profissional, seguido pela indústria
e a construção civil. Em muitos casos,
a pessoa já sai empregada dos nossos
cursos profissionalizantes, graças à parceria que mantemos com as empresas e
à identificação que fazemos dos setores
onde há mais oportunidades de emprego
nos municípios.
LDR: Com relação aos imigrantes
ilegais (sobretudo coreanos, peruanos e bolivianos), a Secretaria está
fazendo algo para que eles se tornem
parte da mão de obra legal em São
Paulo?
DZ: Os estados não têm competência
constitucional para resolver essa questão
porque a solução depende do governo
federal, que tem a responsabilidade pelo
controle da entrada de imigrantes e por
sua legalização no País.
“A prática
sindical me
ensinou a resolver
situações de
impasse pela via
da negociação”
Ministério do Trabalho e Emprego?
DZ: Nós mantemos 237 Postos de
Atendimento ao Trabalhador (PAT) no
Estado de São Paulo, 13 deles na capital,
29 na Região Metropolitana, 161 no Interior do estado, 18 no Vale do Paraíba
e nove no litoral paulista. Em convênio
com o Ministério do Trabalho, nós distribuímos perto de 80 mil carteiras de
trabalho por mês. Também intermediamos o serviço de solicitação do seguro
desemprego. Além desses serviços, no
PAT a pessoa também pode se inscrever
nos programas da Secretaria do Trabalho,
como o Emprega São Paulo, que faz intermediação de mão de obra, Programa
Estadual de Qualificação Profissional
(PEQ) e no Programa de Apoio à Pes-
soa com Deficiência (PADEF). Desde
2000, as unidades do PAT já atenderam
a cerca de 11 milhões de pessoas.
LDR: Como funciona a relação de intermediação da Secretaria, se por um
lado ela tem que ouvir os trabalhadores e por outro lado também tem
que ouvir os empresários?
DZ: Questões como empregabilidade,
qualificação profissional e empreendedorismo passam necessariamente pela
participação de todos os segmentos da
sociedade civil. Não há contradição, antes, é uma necessidade a participação
tanto do mundo do trabalho quanto o
do capital. O governo precisa da parceria desses setores e ela tem funcionado
muito bem como indicam os trabalhos
da Comissão Estadual de Emprego, que
tem em sua composição a participação
do poder público, assim como dos trabalhadores e dos empregadores. Essa
composição é reproduzida nas comissões municipais de trabalho e tem alcançado resultados bastante satisfatórios. A
parceria com as prefeituras também é
muito importante, como se pode constatar em programas como o Banco do
Povo Paulista e no funcionamento dos
Postos de Atendimento ao Trabalho
(PAT).
LDR: Há dois anos não existia
quantidade de fiscais do trabalho
necessários para atender toda a demanda do Estado. Hoje essa situação mudou?
DZ: Essa competência é do Ministério
do Trabalho, o que não exclui a secretaria de acionar os canais competentes,
quando constatar alguma irregularidade.
Mas por estar impedida de fiscalizar, a
Secretaria não dispõe de fiscais entre os
seus quadros de servidores.
LDR: Existe algum trabalho em conjunto da Secretaria Estadual com o
LINHA DIRETA em revista 7
8. MEIO AMBIENTE
Lixo que não é lixo
Debate sobre a reciclagem de produtos eletroeletrônicos ganha importância
Emilio Franco Jr.
Reciclar o lixo faz cada vez mais parte do dia a dia dos brasileiros.
Muitos condomínios já possuem coleta seletiva de materiais, retirados uma vez por semana por caminhões destinados exclusivamente
para essa finalidade. Com tantas campanhas educativas ao longo
dos anos, a consciência da importância de se reaproveitar materiais como plástico, papel e metal passou a ser realidade, mas ainda
são poucos, se considerada a totalidade da população, os que assumiram o compromisso de separar adequadamente aquilo que não
serve mais para o uso doméstico.
O caso das latinhas de alumínio parece ser a única exceção positiva,
já que, mesmo destinadas de forma errada pelos consumidores,
acabam sendo reaproveitadas em 100% graças ao trabalho dos coletores de material reciclável, que futucam as lixeiras em busca do
objeto. Mas, se existe esse bom cenário, também há outro, no qual
muita coisa ainda precisa ser feita, mesmo com a existência de legislações de abrangência federal e estadual. É o caso dos resíduos
eletrônicos, que ainda são destinados de forma incorreta após serem descartados pelos usuários.
A Lei promulgada no estado de São Paulo em 2006 ainda engatinha
pela falta de consenso entre poder público e indústria, que discor8 LINHA DIRETA em revista
dam de pontos fundamentais da norma. Em ampla discussão realizada ao longo dos anos, e que parece estar próxima do fim com
as ordens do governador Geraldo Alckmin (PSDB) para que haja
entendimento com o setor produtivo, ao invés de uma imposição
do poder público, muitas questões polêmicas foram levantadas.
Primeiramente, é preciso esclarecer o que são os resíduos eletroeletrônicos. Essa definição abrange produtos eletrônicos geridos
a eletricidade com limite de voltagem determinada. Isso engloba
aparelhagem distinta: geladeira, fogão, celular, notebooks, ferro de
passar, entre outros. A grande questão é como dar o devido fim a
objetos de descarte esporádico e, em algumas situações, de transporte complicado, como no caso dos eletrodomésticos da linha
branca. Pensando nisso, tanto as legislações estadual quanto a nacional, ambas relatadas pelo deputado Arnaldo Jardim (PPS/SP),
determinaram a obrigação da logística reversa.
Como o nome sugere, a ideia é que o próprio produtor, responsável por botar a mercadoria no mercado, fique incumbido de retirála após a utilização. A indústria, por sua vez, contesta essa norma,
por achar que ela é injusta ao colocar toda a responsabilidade nos
empresários, além de dobrar o preço do produto, já que o custo de
9. MEIO AMBIENTE
coleta, ou seja, do caminho reverso, também é alto. “O problema
é convencer a indústria a entrar nesse programa”, assume o secretário adjunto de meio ambiente do estado de São Paulo, Rubens
Rizek. “A verdade é que estamos muito atrasados na implantação
efetiva da lei de resíduos”.
O secretário, apesar de mostrar compreensão em relação às demandas dos empresários, ressalta que tentar mudar a Lei apontando problemas não é uma estratégia frutífera, já que o Ministério
Público cobra constantemente a secretaria sobre o cumprimento
da legislação. O mais relevante, no entanto, é que algumas empresas já largaram na frente e se adaptaram e elas não vão querer
nenhuma alteração, mas sim mais rigor na fiscalização. “O próprio
consumidor não vai aceitar essa mudança”, completa Rizek.
Entretanto, André Luis Saraiva, diretor do departamento de responsabilidade socioambiental da Abinee (Associação Brasileira de
Indústria Elétrica e Eletrônica), faz considerações relevantes. Ele
logo questiona: “quantas pessoas comprariam um carro de peças
100% recicladas se pudessem pagar o mesmo preço por um totalmente novo?”. A lógica, para ele, vale para a indústria eletrônica e
prova que o brasileiro ainda não tem essa cultura. “Primeiro é preciso educar e a secretaria de educação tem que fazer parte do debate para criar uma geração comprometida com o tema”, acredita.
Poucas pessoas têm a real consciência do risco a que estão expostas ao não destinarem esses materiais para o reuso, além dos
danos mais óbvios ao meio ambiente. Aparelhos eletroeletrônicos,
como geladeiras e outros da mesma linha, possuem gases que agridem a camada de ozônio. Mais grave do que isso são os problemas
que televisores, micro-ondas e computadores podem causar. Esses
aparelhos têm, por exemplo, chumbo ou mercúrio na composição
que, se manipulados de forma errada durante a decomposição, danificam as células cerebrais, causam fraqueza muscular e problemas
no coração, rins e nos sistemas nervoso e sanguíneo.
Outro grande risco
é que, destinados
aos aterros sanitários, esses produtos
contaminam o solo
e as águas, e que,
de alguma maneira,
podem atingir as
pessoas mesmo que
essas não tenham
contato direto com
esses objetos, in-
clusive muitos anos depois. Caso simbolicamente emblemático é
o do Shopping Center Norte, em São Paulo, que virou alvo da
Prefeitura por não dar vazão correta ao gás metano emitido pelo
terreno sobre o qual o empreendimento foi construído, um lixão
desativado na década de 80. Anos depois, ainda existia o risco de
explosão da área.
O debate sobre a retirada de objetos não utilizados de circulação está em sintonia com o fim dos aterros sanitários, o que deve
ocorrer em 2014, de acordo com a legislação brasileira. Já existem
postos de recolhimento para objetos como baterias de celulares e
pilhas, mas isso ainda não acontece em larga escala. Quando um
aparelho ainda tem condições de uso, mas o dono não tem mais interesse, a recomendação é tentar revender ou doar para instituições
de caridade. O mais importante é não misturar esse lixo específico
com o comum.
A lei tem quatro princípios básicos: o da precaução, das responsabilidades pós-consumo e compartilhada e do poluidor pagador.
Os itens são complementares e lógicos, a ideia é a de que “colocou no mercado, também tem de tirar”. Assim, todos os agentes
(fabricante, transportadora e comércio) são culpados por possíveis
danos por conta da poluição gerada pelos produtos.
Isso aumenta a importância de cooperativas que reaproveitam o
lixo eletroeletrônico descartado de forma incorreta. O único problema, aponta Tereza Cristina Carvalho, diretora do centro de descarte e reuso de resíduos de informática da Universidade de São
Paulo (Cedir), é que essas associações de catadores são especializadas e não aproveitam o todo do material que recebem. “Parte
é reciclada e o resto é jogado fora”, conta. É por isso que essa
discussão precisa envolver todos os setores da sociedade e o poder
público, por meio das prefeituras, precisa investir também nessa
logística reversa, além da parte que cabe, obviamente, à indústria,
por mais que essa relute, às vezes, em aceitar o seu papel.
LINHA DIRETA em revista 9
10. EDUCAÇÃO
Bullying: agressão não é diversão
“Falta respeito e compaixão com o próximo. Isso é inaceitável”, afirma a
psicóloga Maria Tereza Maldonado
Renata Sueiro
Provocar, apelidar, discriminar, agredir, isolar, humilhar, amea-
da amizade”, de Gabriel Chalita, o bullying pode ser dividido em
çar e perseguir são práticas recorrentes do bullying. Quem já pre-
dois tipos: direto e indireto.
senciou atitudes como essa, em que um indivíduo é coagido por
um ou mais “valentões”, conhece bem essa violência psicológica,
física e social presente na sociedade. Emergentes de relações interpessoais, essas ações acontecem em ambientes como escolas, e
clubes. No entanto, não existem registros de quando esse tipo de
comportamento começou a ser praticado. Acredita-se que sempre
tenha existido no meio social.
O termo bullying, derivado do verbo inglês bully, é uma terminologia recentemente criada para definir o comportamento agressivo,
repetitivo e contínuo de uso de poder por um ou mais indivíduos
com a intenção de causar constrangimento, danos materiais, intimidação, humilhação ou de agredir fisicamente outro indivíduo
sem condições de defesa. Conforme publicado no livro “Pedagogia
10 LINHA DIRETA em revista
O primeiro é praticado geralmente por meninos por meio de insultos, agressões físicas e danos materiais. Já o segundo, é um comportamento predominante em meninas com ações de isolamento social,
humilhação, perseguição e difamação. Nessas situações não existe
um comportamento menos agressivo, tanto o bullying direto quanto
o indireto podem causar transtornos irreversíveis, resultando em
traumas permanentes e até a morte. “Claro que existem situações
de bullying nos locais de trabalho, porém a forma mais violenta e
prejudicial continua sendo a exercida sobre as crianças, porque atingem na fase de formação da personalidade, e isso pode causar danos
irreparáveis de forma perpétua”, expõe Chalita.
Além disso, existe o cyberbullying, relacionado ao meio virtual, que
11. EDUCAÇÃO
utiliza a tecnologia e a comunicação como subsídio para a prática
Estados Unidos. Jamey Rodemeyer, de 14 anos, cometeu suicídio
de atitudes com a intenção de causar danos ao outro. Segundo a
no dia 21 de setembro após postar um vídeo na internet confes-
psicóloga e escritora Maria Tereza Maldonado, o comportamento
sando que era vítima de bullying devido à sua homossexualidade.
agressivo no meio virtual pode ser ainda mais terrível. “O cyber-
Em seu blog diário, Jamey relatou as humilhações que sofria roti-
bullying pode chegar a 24 horas por dia nos sete dias da semana.
neiramente no colégio. “Eu sempre falo o quanto eu sofro bullying,
Nesse caso, a vítima é atacada por mensagens, vídeos ou imagens
mas ninguém escuta. O que eu tenho que fazer para vocês me
difamatórias”, relata.
escutarem?”.
Para Gabriel Chalita, o cyberbullying pode ser ainda mais grave,
Apesar dos altos índices de violência escolar, os resultados de
pois, quando as situações de constrangimento, apelidos e difamação caem na rede, a informação ganha mais força, repercussão
e abrangância ilimitada. “Dependendo da idade, isso pode ser
destruidor para a criança ou adolescente”, afirma.
Há algum tempo, pouco se falava sobre bullying, brincadeiras que
envolviam esse comportamento eram ignoradas por pais e professores. Mas com os crescentes casos de violência escolar e até
suicídio, o assunto ganhou proporção e passou a ser prioridade na
agenda da educação mundial. Tragédias desoladoras resultantes de
algum tipo de constrangimento se tornaram frequentes nas escolas ao redor do globo.
Casos Marcantes
Quem não se lembra do massacre de Columbine? Em 20 de abril
de 1999, quando os estudantes Eric Harris, de 18 anos, e Dylan
Klebold, de 17 anos, do Instituto Columbine, nos Estados Unidos, começaram a atirar almejando diversos colegas e professores.
Em quarenta e nove minutos de tiroteio, os estudantes chegaram
a matar 13 pessoas, deixaram 21 feridos e posteriormente cometeram suicídio. Contudo, após doze anos da tragédia, acredita-se
que Eric e Dylan foram vítimas de bullying na escola e isso seria apontado como a real motivação da retaliação, culminando
no massacre.
Em 2003, a pequena cidade de Taiúva, no interior de São Paulo,
também assitiu a uma tragédia semelhante. Edmar Aparecido Freitas, de 18 anos, sofria bullying no colégio desde os sete anos, constantemente chacoteado devido à sua obesidade. Após concluir o
ensino médio, Edmar comprou um revólver 38 e decidiu retornar
a escola para se vingar dos colegas. Durante o intervalo, atirou em
nove pessoas e depois se matou.
Um caso recente de perseguição também acabou em tragédia nos
bullying aparecem em menores proporções no Brasil. O relatório
divulgado em 2008 pela Plan - organização inglesa não-governamental que atua em 66 países em defesa dos direitos da criança
e do adolescente -, mostra que 70% dos 12 mil estudantes brasileiros entrevistados, em seis estados, afirmaram já ter sofrido bullying no colégio. A pesquisa ainda revelou que cerca de 1 milhão
de crianças da população mundial sofrem algum tipo de violência
nas escolas por dia.
O promotor de vendas H.S.R. sabe bem o que é sofrer bullying
na infância. “Eu era perseguido e tomava tapas de dois meninos
da minha sala de aula, consequentemente, eu ficava com medo e
perdia a vontade de ir para o colégio”, declara. A psicóloga Maria
Tereza Maldonado explica que o comportamento pode repercurtir
de maneira diferente para cada indivíduo. Enquanto alguns encontram mecanismos para desarmar os ataques, outros se sentem
profundamente atingidos, estigmatizados, resultando em sentimentos de baixa-estima, ansiedade, angústia e desmotivação para
frequentar a escola.
Para se ter ideia, os danos causados por ataques de bullying podem ir de baixo rendimento escolar, evasão, déficits de atenção,
depressão, até ideações suicidas. Normalmente, os pais sem informação não conseguem identificar esses sintomas, o que pode se
agravar ainda mais, já que a vítima tende a se isolar e não falar
sobre o que está acontecendo.
“Nunca comentei sobre o bullying com meus pais e eles sequer
percebiam. Busquei alternativas
para me livrar dos ataques, evitei
algumas brigas e me defendi
muitas vezes”, conta H.S.R.
LINHA DIRETA em revista 11
12. EDUCAÇÃO
O grande problema é que o sentimento de opressão reprimido
panhas de combate ao bullying é de extrema importância. Ela res-
pode levar as vítimas a responder de maneira violenta e desen-
salta que o trabalho de conscientização deve acontecer em todos os
freada. “Infelizmente, quando a pessoa resolve responder ao bul-
níveis, na escola, no trabalho e com a família. “É preciso mostrar
lying a ação é sem medida, ainda mais com a facilidade de acesso a
para os pais que os filhos aprendem a linguagem da agressão e
armas”, completa H.S.R.
depois reproduzem em outros ambientes sociais” afirma. “Também é necessário conscientizar os co-autores de que não se pode
Combate ao bullying
Em busca de erradicar esse tipo de comportamento, diversos programas são desenvolvidos no Brasil, exemplo disso é a campanha
“Aprender sem Medo”, desenvolvido pela Plan desde 2008, com
o objetivo de combater a violência contra crianças e adolescentes
no período escolar. Ainda mais focado no combate ao bullying é
o projeto “Educação para paz” em parceria com a ONG Aliança
pela Infância. Atividades como ioga, práticas de concentração,
harmonização, oficinas de artes, música e ikebana são oferecidas
gratuitamente para as crianças.
aceitar ou incentivar esse tipo de comportamento”.
Como protagonista, o ser humano sempre poderá mudar o rumo
da sua história. Para quem já sofreu bullying, a psicóloga indica que
as vítimas façam uma revisão na vida e não deixem que esse comportamento influencie no cotidiano. “Devemos sempre reescrever
nossa vida, se libertar das dores passadas e se posicionar em busca
da felicidade”, aconselha.
Legislação
Parlamentares preocupados com a educação de crianças e adoles-
Maeze Vida, co-autora do programa, explica que o projeto pro-
centes desenvolveram alguns meios de combate ao bullying. Um
move atividades para mudar a consciência e os valores humanos
deles é o Projeto de Lei do deputado Gabriel Chalita (PMDB/
das crianças e busca desenvolver os sentimentos de compaixão,
SP) que propõe a criação de um programa para conscientização,
tolerância, simplicidade e não violência. “Buscamos resgatar uma
prevenção e capacitação dos pais e professores em relação à pro-
infância saudável, afastar a sociedade do consumo com incenti-
blemática escolar. Chalita acredita que o tema merece a atenção da
vos à simplicidade e tolerância. Essa conscientização de valores e
sociedade e das autoridades. “ Cabe às autoridades e ao poder le-
virtudes é essencial para combater comportamentos como o bul-
gislativo refletir sobre esse problema da educação e regulamentar
lying”, acredita.
o combate desse tipo de comportamento”, ressalta.
Para a psicóloga Maria Tereza Maldonado, a construção de cam-
Em paralelo, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) conseguiu no
ano passado a aprovação da proposta que altera
o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação e que obriga
lugares públicos e privados a adotarem medidas
de conscientização e combate ao problema e comunicar os casos ao Conselho Tutelar para possíveis providências. Além disso, a Câmara analisa
a inclusão do bullying na relação de crimes contra
a honra, prevista pelo Código Penal Brasileiro. “O
bullying é um crime de desamor. Para combater
esse conflito social, o trabalho deve ser desenvolvido em todas as bases da lei em conformidade
com as familias, sempre com o objetivo de educar as crianças numa cultura de amor e respeito”,
afirma Gabriel Chalita.
12 LINHA DIRETA em revista
13. COMPORTAMENTO
Adeus, Barbie
Crianças amadurecem cada vez mais cedo e trocam os brinquedos
tradicionais por equipamentos eletrônicos
Amanda Santoro
Bonecas e carrinhos são coisas do passado. Quem assistiu “Toy
Story 3”, longa-metragem da Pixar que mostra como o adolescente Andy se desfaz dos seus velhos brinquedos, ilustrativamente acompanhou o processo de troca imputado às Barbies e
miniaturas de super-heróis por aqueles que deixam a infância.
E como a arte imita a vida é isso que tem se observado nas
crianças da atualidade – mesmo que haja uma diferença de faixa
etária evidente entre elas e o personagem do filme.
Na era da informação e da automatização, nada mais justo que
os eletrônicos ganhem espaço e mudem os padrões de diversão.
Difícil mesmo é encontrar criança que não saiba mexer em celulares, computadores e dispositivos da mais alta tecnologia.
“A Malu sempre brinca no iPod Touch, principalmente com
os jogos da Barbie e Angry Birds”, afirmou a mãe e produ-
tora Bia Tabosa. “Ela não gosta de boneca, mas adora jogo da
memória, pintura e desenho, em geral tudo que envolva lógica”,
completou.
Falando nisso, são poucos aqueles que se atrevem a criticar o
estímulo que a tecnologia proporciona desde cedo à criatividade
e à inteligência. O que os profissionais da área questionam é se
esse bombardeio digital não seria decisivo para o aparecimento
de um fenômeno novo e ainda desconhecido: o encurtamento
da infância.
Para Ana Maria Blanques, doutora em Psicologia Social pela
USP, os eletrônicos não são os únicos vilões da história. “No
mundo contemporâneo tudo acelerou e os modelos que tínhamos para a compreensão da infância não funcionam mais”,
disse a psicóloga em tom conclusivo. “A criança utiliza as tecLINHA DIRETA em revista 13
14. COMPORTAMENTO
nologias do mundo informatizado de forma lúdica. Ela brinca
com os novos equipamentos como faz com os objetos com
os quais se relaciona, é só outra forma de aprender a viver”,
explicou.
O resultado da inserção eletrônica na vida desses jovens ainda não pode ser mensurado com precisão – mesmo porque o
boom digital ganhou contornos mais sólidos só em meados dos
anos 90. “Ainda é cedo para concluir alguma coisa, essas são as
primeiras gerações que passam por isso e só poderemos verificar a repercussão dos acontecimentos quando ficar socialmente
perceptível”, acrescentou Ana Maria Blanques. “Os adultos se
assustam porque a mudança é visível demais, mas como ela é
inevitável, teremos que vivê-la para conseguirmos avaliar melhor”, finalizou.
Crianças & Moda
O universo fashion também gera debates acalorados quando se
fala no amadurecimento precoce das meninas e meninos que
ingressam na área ainda sob a tutela dos pais. Além de serem
condicionadas a uma rotina atribulada e de adquirirem responsabilidades de trabalho desde cedo, essas crianças e adolescentes esbarram no culto que a sociedade contemporânea faz à
juventude – mesmo que nem sempre se relacione ao viés sexual.
“Quem não quer ser jovem? A indústria se apoia nessa vontade
de bilhões e, assim, enriquece seus cofres”, afirmou Ludmila
Batista, consultora de Moda e Imagem. “Isso sem mencionar
o incentivo dado a campanhas que mexem com o psicológico,
especialmente das mulheres, que eventualmente também são
mães”, complementou.
Recentemente a revista Vogue polemizou ao lançar um ensaio
de moda produzido pelo conceituado Tom Ford e estrelado por
uma menina de apenas 10 anos. No material divulgado, Thylane Lena-Rose Blondeau aparece ao lado de outras crianças em
trajes adultos e poses sensuais. Não tardou para que Veronika
Loubry, mãe da top model mirim, fosse crucificada, inclusive
por representantes mais cautelosos do mundo fashion.
Após o assédio no Facebook e diversos sites dedicados ao culto da meteórica new face, a progenitora da garota retrocedeu.
“Thylane não sabe deste buzz todo e prefiro protegê-la. Por
isso vamos fechar essa conta por um tempo”, declarou Veronika minutos antes de encerrar o perfil de Thylane na rede social.
Com gancho na polêmica, a consultora de moda Ludmila Batista explica por que as marcas optam por jovens para vender
conceitos que nem sempre se relacionam diretamente aos seus
expoentes mirins de visibilidade. “O que vemos é a fidelização precoce e subliminar de clientes, as grifes apostam nesse
14 LINHA DIRETA em revista
público para que no futuro haja a contínua compra dos seus
produtos”, pontuou.
Quem também está dando o que falar é a miss mirim Eden
Wood, de apenas seis anos, que usou roupas e dançou de forma
provocante na última Semana de Moda de Nova Iorque, realizada em setembro. A loirinha, que já venceu mais de 300 concursos de beleza, participou também do programa Toddlers &
Tiaras – reality show que mostra o dia a dia de crianças que participam de concursos infantis sempre revelando casos polêmicos, como o da mãe que vestiu de prostituta a filha de três anos
para homenagear Julia Roberts em Uma Linda Mulher.
Outro recente caso polêmico aconteceu com a Jour Après
Lunes, marca de lingerie para meninas a partir de três meses.
No ousado e controverso ensaio fotográfico da nova coleção,
meninas aparecem adornadas com muitas joias e cabelo montado, em uma clara imitação de mulheres adultas refinadas. “Trabalhei sete anos com moda juvenil e posso afirmar que vende
mais adequar roupas do vestuário adulto para o infantil. A mãe
é a primeira a optar por esse tipo de peça”, explica.
Crianças & Internet
Sempre apontada como uma das responsáveis pelo encurtamento da infância, a internet – ao menos nesse caso – pode
não ser tão culpada assim. Isso porque, ao contrário do que se
imagina, é pequena a taxa de crianças brasileiras com acesso à
web – ainda mais se comparada a países europeus.
Em pesquisa divulgada no ano passado pelo NIC.br (Núcleo de
Informação e Coordenação do Brasil), 57% das crianças brasileiras com idade entre cinco e nove anos já usaram o computador, mas apenas 28% afirmam ter navegado na internet. Do
total de “pequenos navegantes”, 46% têm contato com a rede
em casa, 17% em lan houses e somente 14% nas escolas.
O índice nada animador no que se refere ao uso de internet nas
instituições de ensino acaba por deflagrar a dificuldade que há
no Brasil de se fazer a ponte entre conteúdo pedagógico e tecnologia, principalmente quando o assunto é incorporá-la para
facilitar a aprendizagem. “Desde a década passada, e cada vez
mais, as crianças e os adolescentes estão plugados 24 horas por
dia e o que a escola oferece em nível de tecnologia coletiva não
supera o que eles têm em casa”, afirmou a pedagoga Elisatebes
Carlini.
É justamente essa dificuldade do setor de ensino que gera uma
contradição interessante: 20% das crianças entrevistadas confirmaram que aprenderam a usar a internet na escola, e não nos
seus domicílios como era de se esperar. “Para que não ocorra
15. COMPORTAMENTO
essa lacuna entre ensino regular e informação automatizada, precisamos treinar os professores a empregar no cotidiano as novidades tecnológicas, embora grande parte deles
tenha acesso restrito à tecnologia existente no mercado”, explica a pedagoga.
O que acontece na prática é que os responsáveis pela didática são os mesmos que inviabilizam a evolução da convergência entre as plataformas, justamente por não estarem
familiarizados com os produtos tecnológicos que surgem de maneira natural para as
novas gerações. Douglas Adams, autor do “Guia do Mochileiro das Galáxias”, retratou muito bem a questão em seus textos. “Tudo o que já existia no mundo antes de
nascermos é absolutamente normal; tudo o que surge enquanto somos jovens é uma
oportunidade e, com sorte, pode até vir a ser uma carreira; mas o que aparece depois
dos 30 anos é o fim do mundo como conhecemos, até que permaneça vigente por uma
década quando começa a parecer normal”, escreveu.
Dentre as principais atividades realizadas pelas crianças na internet lidera a prática de
jogos (97%), seguida pelo acesso a sites de desenhos (56%), estudo (46%) e conversas
em chats e comunicadores instantâneos (31%). “Caberia à escola propiciar que esse
jovens gerassem interesse por sites e ferramentas não ligadas diretamente à diversão,
para ampliar o leque de opções em um futuro não tão distante”, finalizou Elisatebes.
Dinheiro, o fator decisivo
As mudanças comportamentais abordadas nesta reportagem não podem ser encaradas
isoladamente; uma série de fatores atua direta e indiretamente no curso delas. Uma
das variáveis mais importantes é o poder aquisitivo que acaba por garantir a acessibilidade tecnológica. Famílias que garantem condições de compra são peças-chave
neste processo. “Isso não vale para todos, não é um fator homogêneo, e a constatação
mais evidente é que grande parte das crianças dos países pobres ainda improvisa seus
brinquedos”, afirmou a psicóloga Ana Maria Blanques.
Ao se fazer uma análise específica da América Latina, os estudos lançados em 2007 pela
TNS – empresa britânica de pesquisas customizadas – apontam também o crescimento
do poder de compra dessas crianças. “Atualmente o que está fazendo toda a diferença é
que as marcas se comunicam com elas sem a mediação de um adulto, especialmente em
categorias em que a criança conta com alto poder de decisão e legitimidade”, observou
Ivani Rossi, diretora de planejamento da TNS InterScience, subsidiária brasileira da
empresa, em comunicado à imprensa.
Embora não controlem as finanças, as crianças interferem diretamente nas escolhas
dos pais não apenas quanto aos produtos a elas destinados, mas também elegem categorias e marcas posicionadas para o segmento adulto. Até os entrevistados mais novos,
com apenas três anos de idade, mostraram noção do valor do dinheiro e do seu papel
como moeda de troca.
Mas independentemente da idade e da classe social é consenso que esses jovens consumidores têm consciência da interferência que exercem em casa para a realização das
suas vontades. “As crianças de hoje têm um perfil bem diferente das que nasceram na
década de 90. Elas começam a ter noções de pobreza, riqueza e dinheiro e revelam
preocupação com o aquecimento global e ações predatórias da natureza. Em contrapartida, são hedonistas e acompanham a tendência comportamental dos adultos
voltada aos prazeres individuais”, finalizou Ivani.
LINHA DIRETA em revista 15
16. TECNOLOGIA
Novos hábitos
A nova classe média entra no mercado também por meio da tecnologia
Emilio Franco Jr.
A ascensão de milhões de brasileiros à condição de classe
média durante o governo Lula abriu os olhos do mercado que
antes ignorava essa grande parcela da população. Com mais
acesso à informação e ao crédito, cresceram os interesses por
produtos de boa qualidade, bom atendimento e bens materiais mais caros. “Essas pessoas passaram a concretizar o que
antigamente era apenas sonho de consumo”, conta Renato
Meirelles, sócio-diretor do Data Popular, que como o próprio
nome diz se dedica a estudar o comportamento das classes
menos abastadas.
O mais curioso é o que esse enriquecimento ocasionou em
termos de avanços tecnológicos. É justamente no ambiente
digital que as empresas enxergam potencial para conquistar as
classes E, D e C, esta última principalmente, já que responde
por metade da população - e será cerca de 60% em apenas
quatro anos. É por isso que Meirelles afirma que a classe média
deixou de ser um nicho e passou a ser o verdadeiro mercado.
“Nenhuma empresa será líder se não conquistá-los”, alerta.
Para se ter ideia da dimensão, os internautas emergentes movimentam R$ 273 bilhões por ano. As mulheres jovens e negras
são maioria nesse novo retrato da classe C e, ao contrário do
que o senso comum prega, a maior parte reside no sul do
país. O nordeste, por exemplo, ainda continua concentrando
16 LINHA DIRETA em revista
considerável parcela da população carente que não conseguiu
alcançar esse novo patamar.
De acordo com dados da Fundação Getúlio Vargas, do início
do mandato do ex-presidente Lula até o seu penúltimo ano de
governo, 29 milhões migraram para a classe C, o que representa
mais gente gastando. E até 2014 mais 15 milhões devem sair da
classe D em direção à C, gerando ainda mais oportunidades de
negócio. Outros tantos devem chegar para integrar a D, já que
a E, de acordo com pretensão do governo, deve deixar de existir. Após ser eleita presidenta da República, Dilma Rousseff
assumiu o compromisso público de erradicar a miséria no país
por meio de programa batizado como “Brasil sem Miséria”,
cujo foco é resgatar 16, 267 milhões da pobreza extrema.
Renato Opice Blum, presidente do Conselho de Tecnologia
da Informação e Comunicação da Fecomercio, explica que
quando um mercado está em ascensão, é natural que a atenção
se volte para ele. Ele acrescenta que no caso brasileiro se dá
muito valor àquilo que é colocado nas redes sociais e que esse é
o filão que está conquistando as classes altas e, principalmente,
a emergente. “É impossível pensar hoje em qualquer estratégia
online que desconsidere as classes C e D”, enfatiza Meirelles.
Nessa faixa, são cerca de 36 milhões que acessam as redes sociais, principalmente o Orkut.
17. TECNOLOGIA
Isso se deve às profundas mudanças pela quais o país passou
nos últimos anos, quando a inflação foi finalmente controlada
e, por consequência, houve aumento do poder de escolha do
consumidor, que não precisa mais se desesperar para comprar
bens e serviços e ainda pode poupar dinheiro. Com a internet,
e com o acesso cada vez mais facilitado, aumentou esse poder
de escolha. De cada 100 domicílios com acesso à rede mundial
de computador, 56 são da classe C. Do total de internautas
desse segmento da população, 38% têm conexão banda larga,
entre os que estão nas áreas metropolitanas.
Meirelles ressalta que esses consumidores desenvolvem jeito
próprio de ter acesso à internet de alta velocidade. “Isso não
acontece necessariamente de forma legal”, afirma. Ele cita
o exemplo de muitos moradores de conjuntos habitacionais
ou áreas menos favorecidas, que rateiam o custo de assinar a
internet banda larga entre eles para que todos possam utilizar,
pagando pouco, uma mesma rede de acesso. Também jurista,
Opice Blum pondera que a atitude é crime e que a condenação
recairia sobre o assinante primário, ou seja, sobre o proprietário do local de onde parte o sinal.
O mercado de telecomunicações, aliás, foi abastecido com esses
novos hábitos de consumo. A banda larga cresceu nove vezes
nos últimos anos e a telefonia móvel ficou 4,6 vezes maior.
Meirelles, do Data Popular, conta que as classes C e D inovaram no jeito de lidar com as novas tecnologias. Esse grupo,
por exemplo, soma operadoras de telefonia, com aparelhos que
comportam mais de um chip, para aproveitar as promoções e
André Torretta, sócio-diretor de A Ponte Estratégia, consultoria especializada na base da pirâmide social, explica que esses
novos consumidores esperam, querem e gostam de produtos
e estratégias de vendas diferentes daquelas voltadas para as
classes A e B. As campanhas segmentadas são fundamentais
para que as empresas consigam passar ao público o recado que
realmente desejam.
falar de graça com os amigos de acordo com a empresa. Com a
Caso emblemático é o de uma marca de café que trazia em suas
propagandas e na embalagem a imagem de um rapaz abrindo
a camisa de forma semelhante ao super-homem e, na camiseta
por baixo, a imagem do produto. Em pesquisas, percebeu-se
que a mensagem foi corretamente apreendida pelas classes A
e B, que afirmaram que aquele café era mais forte em comparação aos demais. Já as classes C, D e E entenderam de
outra maneira. Para eles, a imagem mostrava que o café tinha
chegado ao estômago do consumidor ou, ainda, que havia
“caído bem”.
tura suficiente para, em pouco tempo, suprir a demanda por
Até mesmo nas redes sociais da internet os gostos são diferentes e, por isso, as empresas têm que saber onde achá-los e
como abordá-los. Enquanto a classe alta opta pelo Facebook,
por exemplo, os emergentes apontam preferência pelo Orkut
por acharem de navegação mais fácil. “As redes sociais são
fundamentais para monitorar o comportamento dos consumidores”, conta Pedro Guasti, diretor geral da consultoria de
compras online e-bit. Chama a atenção, também, a projeção
de que o acesso à banda larga dobrará no país até 2015. A
internet, para esse grupo ascendente, não significa só novas
e diferentes formas de informações, mas também a busca de
emprego e comunicação com que mora longe.
Tablets para todos
massificação da internet e dos celulares, Meirelles profetiza: “a
nova grande revolução se dará pela internet móvel”.
O país e as tecnologias crescem em ritmo acelerado e as novidades para o mercado, consumidor ou provedor, se adaptar
são muitas e mutáveis. Resta saber se o Brasil terá infraestruserviços ligados às telecomunicações e, também, se a economia está forte o suficiente para responder com vitalidade
à nova crise internacional que deve abalar os mercados nos
próximos meses. É um ciclo em que a necessária retenção de
investimentos para poupar as finanças pode, lá na frente, gerar
colapsos em serviços cada vez mais essenciais para a população, de A a E.
Dentro desse processo de inclusão social e aquecimento
do mercado por meio da tecnologia, o governo acertou
a redução de 31% no custo de produção de tablets feitos
em solo nacional. Isso foi possível porque, agora, são
enquadrados pela Lei do Bem, a mesma dos computadores regulares. De olho nos emergentes, a fabricante Positivo, por exemplo, pretende inundar as lojas, no natal, com
seus aparelhos similares aos “iPads”, da Apple, mirando
os consumidores da classe C.
LINHA DIRETA em revista 17
18. APOSENTADOS
Uma vida de categoria
Na sua Carteira de Trabalho consta o registro número 12.565 datado de 1º de
fevereiro de 1947. De lá para cá, já passaram 64 anos e Dona Laís ainda tem
uma forte ligação com a categoria
Marco Tirelli
Caminhando a passos lentos, porém determinados, ao longo
de uma estreita rua, Laís Vieira, no auge dos seus 87 anos, veio
ao nosso encontro para dar início à sua entrevista para Linha
Direta em Revista. Por determinação médica, Dona Laís, como
é conhecida, começou a fazer caminhadas pelo bairro após ter
sofrido um acidente ao descer de um ônibus há alguns meses.
“Tenho que andar porque o médico solicitou, mas as ruas por
aqui estão muito esburacadas”, reclama, com razão, do descaso
da prefeitura com a manutenção do calçamento das ruas de
Vila Nova Vieira, bairro operário da região sul de Campinas
construído para abrigar os trabalhadores da ferrovia Mogiana,
da Companhia Telefônica Brasileira e da Companhia de Força
e Luz.
A sua história começa muito longe daí. Aos 23 anos de idade,
Dona Laís ingressou no mercado de trabalho na extinta companhia de Café São Joaquim, no setor de atendimento ao
público. Pouco tempo depois, por intermédio de seu irmão
José Vieira, Laís ingressou na Companhia Telefônica Brasileira – CTB. “Ocupei o cargo de telefonista no tráfego durante
muitos anos”, relembra.
Caçula de uma família composta por mais cinco irmãos, Laís
nasceu em Campinas e trabalhou por 38 anos na Companhia
Telefônica. “Naquela época era muito bom trabalhar lá, era
uma maravilha!”, recorda-se. Na vida pessoal, optou por não
se casar, o que permitiu a ela se dedicar a outras atividades.
Dona Laís conta que havia grande preocupação por parte da
empresa com a formação de seus funcionários. “Fazíamos diversos cursos de relações humanas. A empresa nos dava muita
instrução, tinha respeito, tínhamos que saber conversar com os
assinantes”, salienta.
Se por um lado havia investimento no capital humano, por
outro, as regras na CTB eram rígidas. “Os funcionários não
podiam namorar entre si. Certa vez, os chefes descobriram
um casal que se relacionava e, por final, os dois foram demitidos”, lembra-se. Além disso, as mulheres não podiam usar calça
comprida, minissaia, cabelo comprido ou unhas grandes. “Tínhamos que nos vestir adequadamente e de forma impecável,
eu gostava muito”, completa.
Naquela época, as telefonistas cumpriam um turno de oito ho18 LINHA DIRETA em revista
ras diárias, dividido em dois períodos de quatro, das 8h às 12h
e das 16h às 20h. “Ficávamos na empresa quando o tráfego era
maior”, explica. Vale lembrar que no ano de 1960, o Sintetel organizou grande mobilização das telefonistas da CTB e conquistou a jornada de trabalho de seis horas. Mais tarde, o benefício
foi estendido para telefonistas de todas as empresas do Estado
de São Paulo. Este item faz parte do histórico das principais
conquistas do Sindicato. “Agradeço muito ao Sintetel, pois a
partir daquele ano passamos a trabalhar seis horas e sobrou
mais tempo para organizarmos as festas” diverte-se.
Construindo o clube dos funcionários
Organizadora frequente de festas na empresa, Laís conta uma
passagem que ficou para a história. “Na época fizemos um con-
19. APOSENTADOS
para ser mais bem conservada, havia sido tratada com piche.
A Ponte Preta contava com a simpatia de muita gente, inclusive
da chefia do tráfego, setor no qual trabalhava Dona Laís. “Nossa encarregada trocava nosso horário para que pudéssemos ir
ao jogo da Ponte. Até hoje eu acompanho os jogos, mas, pela
minha idade, não consigo mais ir ao estádio, então ouço pelo
rádio ou assisto na televisão”, conclui.
Atuação popular no bairro
As festas eram constantes e, muitas delas, organizadas
por Laís Vieira (na foto a 4ª pessoa)
curso de Miss Simpatia. A moça a qual eu assessorava foi a
vencedora. Com o dinheiro do prêmio, compramos o terreno
do Telesp Clube de Campinas [TCC], na estrada de Indaiatuba,
que existe até hoje”.
Fundadora do TCC, dona Laís relata que as festas organizadas
por ela tinham um objetivo muito claro: arrecadar dinheiro para
a construção do clube. Além das comemorações, os associados
contribuíam financeiramente para a obra. “Construímos o TCC
para que todos tivessem um lugar para o lazer e, depois que me
aposentei, em 1985, passei a dar expediente na secretaria do
clube, local que trabalhei até algum tempo atrás”, relata.
Coração pontepretano
Em fevereiro de 2000, Dona Laís encampou uma luta comunitária. A Praça das Andorinhas, próxima à sua residência, estava
às moscas. “Entrei em contato com a Prefeitura de Campinas e
organizei um abaixo-assinado reivindicando a reurbanização da
praça e a iluminação da rua”, conta com orgulho.
De pronto, a administração da época acatou a reivindicação e
instalou postes de luz, urbanizou a praça, podou as árvores,
recapeou a rua e aumentou o policiamento.
Dez anos se passaram e, atualmente, Dona Laís está decepcionada com a prefeitura da cidade. “Tudo que havíamos solicitado
foi atendido na época e hoje está tudo destruído. A prefeitura
não deu continuidade à manutenção”, enfatiza aliando-se às
vozes de milhares de brasileiros que estão decepcionados com
o poder público.
Além de adorar fazer tricô e viajar, Dona Laís nutre uma
enorme paixão pela Associação Atlética Ponte Preta. Ela conta
que seu pai e seus irmãos mais velhos ajudaram a construir o
estádio do clube. “Eu nasci ao lado do campo da Ponte Preta e
desde cedo me apaixonei pelo clube”.
Dona Laís enfatiza que Moisés Lucarelli, junto com mais dois
amigos, doou o terreno e os torcedores ajudaram a construílo. “Os torcedores voltavam à noite dos seus respectivos trabalhos e iam ajudar na construção. Eu mesma ajudei a fazer os
canteiros dos jardins levando plantas”, relata.
A história conta que o material de construção foi conseguido
junto a amigos empresários e a edificação veio dos apaixonados torcedores que puseram a mão na massa, literalmente, e
ergueram a edificação em sistema de mutirão. O estádio Moisés
Lucarelli, conhecido como Majestoso, foi inaugurado oficialmente em 12 de setembro de 1948.
A Ponte Preta é o primeiro time do Brasil, fundado em 11 de
agosto de 1900 por estudantes que jogavam bola em campos
improvisados no bairro da Ponte Preta, batizado assim em virtude de uma ponte de madeira que passava pela ferrovia e que,
Na época do tráfego, Laís chegou a substituir a monitora
LINHA DIRETA em revista 19
20. CAPA
Banda Larga para todos
A implantação do Plano Nacional de Banda Larga abre oportunidade para a
inclusão digital da população de olho na Copa do Mundo e nas Olimpíadas
Amanda Santoro, Emilio Franco Jr. e Marco Tirelli
Ouvir aquele barulho cheio de chiados do computador tentando
Entretanto, um país tão desigual como o Brasil ainda apresenta
se conectar à rede mundial de computadores é algo quase impen-
muitas deficiências na banda larga, seja na velocidade real de co-
sável atualmente. Ter a linha telefônica ocupada para poder nave-
nexão ou no número de lares que dispõem da tecnologia.
gar pelos sites da internet então, nem se fala. Há menos de vinte
anos, o uso doméstico da rede mundial de computadores era bem
Os dados revelam com clareza essa disparidade em relação a ou-
restrito, hoje é cada vez mais difundido. Difícil encontrar alguém
tros países com condições e características semelhantes às brasi-
que ainda não tenha se rendido a pelo menos uma rede social, ou
leiras. “O governo afirma, com razão, que a banda larga aqui é
que não tenha e-mail para contatos pessoais ou profissionais.
cara, concentrada e lenta. Apenas 21% dos domicílios dispõem
do serviço e estão localizados principalmente no Sul, Sudeste e
Com a mesma velocidade que a internet se desenvolveu, cresceu a
Centro-Oeste”, afirmou Marcello Miranda, especialista em tele-
necessidade de conexões mais eficientes e independentes da linha
comunicações do Instituto Telecom. “E para piorar, o brasileiro
telefônica. Foi assim que as conexões discadas foram deixadas
paga cinco vezes mais do que os japoneses, 2,7 vezes mais do que
para trás e as de alta velocidade passaram a dominar o mercado.
os russos e 2,5 vezes mais do que os mexicanos”, completou.
20 LINHA DIRETA em revista
21. CAPA
Atualmente, a referência nacional de velocidade é de 512 Kbps; na
Europa o índice fica acima dos 2 Mbps – ou seja, é quase quatro
vezes maior. Avançando um pouco, já dentro das metas futuras
estabelecidas pelo Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), a velocidade continua fora do que se pode considerar banda larga. O
plano estipula 5 Mbps para 2015, mas não finca qualquer obrigação ou garantia de que isso vá de fato acontecer. No PNBL norteamericano, por exemplo, pretende-se a universalização da internet, com 75% da população recebendo velocidade de 100 Mbps
em 2020 e índice mínimo de 4 Mbps – que quase chega ao valor
máximo previsto para o Brasil em 2015.
Mas para falar sobre o desenvolvimento da banda larga no País há
que se analisar as circunstâncias que envolvem o assunto. Deve-se
olhar a realidade no mundo, inserindo o Brasil e a sociedade neste
contexto global. Desde os primórdios, há uma necessidade intrínseca ao ser humano de se comunicar. Essa carência criou uma
demanda muito grande de troca de informações. Com o advento
da internet, no final da década de 80, essa troca se tornou mais
frequente e facilitou a vida das pessoas nesse intercâmbio.
Assim, ao longo do tempo, vários outros serviços surgiram, como
o correio eletrônico, os programas de troca instantânea de mensagens, mecanismos para baixar filmes e músicas, compras de
A realidade brasileira
O Brasil passa por um ciclo de crescimento econômico e o acesso
à internet tem aumentado de forma muito rápida. Quer seja por
terminais móveis, modens 3G colocados nos computadores, WiFi, TV a cabo, dentre muitas outras tecnologias. Para se ter uma
ideia, o País contava com 14,7 milhões de acessos de banda larga
fixa no final de 2010, um crescimento de cerca de 9% em relação
a 2009. Quanto à banda larga móvel, os números são ainda mais
significativos e chegaram a 20,6 milhões.
produtos online, as redes sociais, entre outros. Isso tudo exige das
“Isso faz com que o descompasso entre a demanda e a tecnologia
redes alta capacidade de transportar informações. O crescimento
seja maior e, por isso, exige mais investimentos com maior partici-
das taxas de transmissão e da quantidade de dados é mais rápido
pação do Estado consorciado com a iniciativa privada”, acredita
do que a tecnologia consegue atender, ou seja, há um descom-
Luiz Salomão, presidente da Padtec, empresa brasileira especia-
passo entre a necessidade da sociedade e aquilo que a tecnologia
lizada em sistemas de transmissão de alta capacidade. Para ele, o
oferece para solucionar o problema de demanda.
A Lei de Moore (engenheiro norte-americano e co-fundador
do grupo Intel) diz que a capacidade de transmissão multiplicase por dez enquanto no mesmo período a tecnologia consegue
panorama no Brasil é de enorme demanda, possui grande potencial de investimento e oferece rentabilidade viável, mas isso exige
a participação tanto da iniciativa privada quanto do governo. “Não
existe outro jeito. Tem que somar todos os esforços e recursos do
país”, afirma de forma taxativa.
um aumento de apenas duas vezes. No mundo inteiro, existe um
O Plano Nacional de Banda Larga é uma resposta às necessidades
ponto de estrangulamento decorrente das limitações tecnológicas
da sociedade brasileira. “As escolas precisam estar conectadas, ex-
para se prover acessos de alta capacidade e, com isso, fazer com
iste uma geração de pessoas que precisa ser integrada aos demais”,
que as pessoas consigam trocar informação com maior rapidez
acredita Salomão. Foi pensando nisso que o governo federal lan-
e eficiência.
çou em 2008, ainda no governo Luiz Inácio Lula da Silva, o ProLINHA DIRETA em revista 21
22. CAPA
grama Banda Larga nas Escolas (PBLE), cujo objetivo é oferecer
conexão gratuita à internet para todas as instituições de ensino
públicas do País, de nível fundamental e médio.
Banda Larga Popular
A implantação da banda larga popular já começou a ser realizada
como parte do PNBL. Até o final do ano, cerca de 150 cidades
De acordo com o último balanço divulgado pela Agência Nacio-
devem contar com acesso rápido à internet, mesmo com a es-
nal de Telecomunicações (Anatel), em dezembro de 2010, 91,6%
trutura pública de fibras óticas sendo suficiente para mais que o
das escolas públicas urbanas já contam com a tecnologia, número
triplo desse número. Por isso, o governo ainda acredita em 544
que, a essa altura, está ainda mais próximo dos 100%. A promessa
municípios contemplados. Entretanto, nem todas as localidades
é que até o final deste ano todas as escolas estejam atendidas pelo
possíveis serão atendidas já em 2011 porque não fazem parte dos
programa, desenvolvido em parceria com os ministérios das Co-
contratos firmados entre a estatal Telebrás e as operadoras priva-
municações e da Educação e com as operadoras de telefonia. Esse
das de telefonia, responsáveis pela comercialização do produto a
mesmo levantamento mostrou que o estado de São Paulo é o prin-
preços mais baixos. Até o final de 2012, mil municípios devem ter
cipal favorecido, com mais de sete mil unidades beneficiadas.
acesso à tecnologia.
Ao contrário do que poderia se supor, o programa não estará
A cidade de Santo Antônio do Descoberto, em Goiás, foi a
completo quando todas as escolas tiverem acesso à banda larga.
primeira a receber a internet de alta velocidade a custos popu-
Conforme novas instituições de ensino surgirem, a tecnologia
também deverá ser disponibilizada. Como a vigência do PBLE
se estende até 2025, até lá os envolvidos têm o compromisso de
ampliar periodicamente a velocidade de conexão da internet.
O próximo passo do governo é popularizar os tablets, mais conhecidos pela marca da Apple iPad, levando os dispositivos para
todos os alunos de escolas públicas de forma gratuita. Na época
do lançamento do programa, o ministro das Comunicações, Paulo
Bernardo, afirmou que a intenção é substituir os livros nas salas
lares. Desde 23 de agosto, os moradores já podem contratar a
conexão rápida de 1 megabit por R$ 35 ao mês. Contudo, existe a
necessidade de comprar o modem, vendido a R$ 300. O ministro
das Comunicações, Paulo Bernardo, prometeu negociar a redução
desse preço, mas a empresa fabricante, a Sadnet, disse que só seria
possível diminuir o valor, em aproximadamente cem reais, caso o
governo corte impostos.
Outra solução é oferecer o aparelho para que o usuário utilize
enquanto mantiver contrato com a empresa, tendo que devolver
caso cancele o serviço ou migre para outra fornecedora. A TIM
de aula, e exemplo do que já acontece na Coreia do Sul, até o final
foi a primeira a oferecer banda larga popular dentro dos parâme-
do mandato da presidenta Dilma Rousseff.
tros estipulados pelo PNBL. Pouco tempo depois, a Claro anunciou participação no programa por meio da comercialização de
pacotes 3G, com 1 Megabit de velocidade, por R$ 29,90 ao mês.
Assim como no serviço oferecido pelas outras empresas, como a
TIM, o usuário terá de comprar o modem de acesso, neste caso, o
aparelho 3G da Claro. A Oi e a Telefônica também começaram a
disponibilizar o serviço por preços semelhantes.
O Palácio do Planalto, por sua vez, já sinalizou com a redução dos
tributos federais. O incentivo fiscal deverá aumentar em R$ 20
bilhões os investimentos em redes de alta velocidade. O governo
Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, acredita que o
projeto é essencial para o País
22 LINHA DIRETA em revista
deverá deixar de arrecadar R$ 4 bilhões com a medida. Tendo em
vista o investimento planejado, parece bom negócio.
23. CAPA
Mas para o especialista em telecomunicações Marcello Miranda
Copa e das Olimpíadas, porém ainda não fizemos a lição de casa
é preciso cautela quanto aos procedimentos estabelecidos pelo
do ponto de vista de infraestrutura em telecomunicações”, avalia
PNBL. “Como podemos notar sem muita dificuldade, os termos
Salomão. “Ainda falta construir as novas redes de backbone [é o
de compromisso foram moldados a partir da disposição das em-
termo utilizado para identificar a rede principal pela qual os dados
presas e, como consequência, são bons para as teles e completa-
de todos os clientes passam], de acesso de alta performance e uma
mente insuficientes para os usuários”, evidenciou. “Além disso, o
rede que seja transparente ao serviço”, esclarece.
instrumento jurídico de termo de compromisso é bastante precário
e expressa dificuldade do governo em impor metas mantendo a
prestação do serviço em regime privado”, continuou Miranda.
A presidenta Dilma assegurou a liberação de mais R$ 200 milhões
do orçamento da Telebrás para garantir a infraestrutura da rede
nas 12 cidades-sede da Copa, o que inclui o Rio de Janeiro, que
Não há discordância quanto à necessidade do Plano Nacional de
sediará os Jogos dois anos mais tarde. Esse regime diferenciado de
Banda Larga, que tem como principais objetivos o desenvolvi-
tributação para obras de implantação, expansão e modernização
mento econômico, social e estratégico do País. O impasse se dá
da banda larga durará, justamente, até 2016.
por conta da superficialidade pregada em torno da discussão, que
deve ultrapassar os limites do acordo formal e focar no engajamento da sociedade. “O que se espera é que o governo perceba
que a banda larga é tão necessária quanto saúde, educação e segurança pública”, pontuou. “É preciso entender que o serviço também se trata de telecomunicação e que tão fundamental quanto
discutir a banda larga, é debater um plano nacional integrado a
esse contexto todo”, reforçou.
Aos críticos do alto volume de investimento público para receber competições internacionais com tantos outros problemas no
país, sem considerar que as obras de infraestrutura que incluem
as do setor de telecomunicações também são urgentes, Salomão
responde. “Precisamos melhorar nosso nível de saúde e segurança
pública, enfim, precisamos melhorar nossa cidadania e isso só será
possível por intermédio dos sistemas que fazem com que a informação seja distribuída de forma igualitária”.
Para aplacar esse anseio social quase generalizado, em dezembro
de 2009 aconteceu a Conferência Nacional das Comunicações
Para o presidente da Padtec, o atual momento é muito interes-
(Confecom), mas as decisões obtidas na ocasião não foram le-
sante, pois integra o País na sociedade como um todo, assim o
vadas adiante. Fato semelhante aconteceu com o Fórum Brasil
PNBL inserirá o Brasil no mundo. “Temos que estar conectados
Conectado, criado pelo mesmo decreto que instituiu o PNBL
ao hemisfério norte e sul, ou seja, não se pode mais ver as coisas
e reativou a Telebrás. A plenária, que deveria discutir os passos
fechadas, pois a informação e conhecimento são base da nossa
do projeto a cada 60 dias e reuniria 56 instituições, não acontece
sociedade”.
desde o começo do ano. “O Fórum Brasil Conectado não surgiu
para se reunir uma única vez em 2011. Toda a negociação teve
como única referência e interlocução o mercado, e isso pode ser
a ponta de um iceberg que destruirá a universalização da banda
larga e o próprio PNBL”, finalizou.
Os grandes eventos esportivos
O governo, com todas as medidas, mostra dupla preocupação:
além de levar a internet de forma democrática a todos os brasileiros, precisa ainda garantir a qualidade dos serviços tendo vista a
Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
“Em minha opinião o Brasil não vai fazer feio na transmissão da
Presidente da Padtec acredita na necessidade
da parceria público-privada
LINHA DIRETA em revista 23
24. MULHER
Muito além da roupa íntima
Campanha da Hope retoma o debate sobre o valor da mulher na sociedade
Amanda Santoro com colaboração de Renata Sueiro
A expressão “lugar de mulher é no fogão” mostra-se cada vez
mais distante da realidade brasileira, mesmo que ainda seja
fortemente considerada por alguns segmentos sociais. É, aliás,
essa discrepância de valores que vem esquentando debates sobre
casos emblemáticos, como o da marca de lingeries Hope, que
quis satirizar o cotidiano de um casal, mas acabou por rotular
a mulher como objeto sexual. Na contramão do pensamento
conservador, o sexo feminino revela que, na verdade, o seu
lugar é outro. As universidades são um bom exemplo disso. No
último Censo da Educação Superior, divulgado em janeiro de
2011, as taxas de alunas em cursos presenciais e de Ensino à
Distância (EAD) foram mais elevadas. Elas são 55,1% do total
na primeira modalidade e, pasmem, 69,2% na segunda.
No esporte elas também estão em trajetória crescente,
impulsionadas pelas conquistas em recentes torneios mundiais.
O fato pôde ser comprovado pela delegação formada para a
disputa dos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara, no México.
As mulheres somaram 240 atletas em 43 das 49 modalidades,
24 LINHA DIRETA em revista
correspondendo a 46% do total de brasileiros inscritos na
competição. Esse número só foi maior no Pan do Rio-2007,
quando o País ocupou mais vagas justamente por sediar os
jogos. Acrescente a isso a evolução em termos qualitativos.
Não é à toa que Maurren Maggi (salto em distância),
Fabiana Beltrame (remo), Fabiana Murer (salto com vara) e
a seleção feminina de vôlei tenham chegado à competição
como favoritas.
Outro lugar onde as mulheres mostraram pertencer de fato e de
direito, e talvez seja o mais representativo deles, é no mercado
de trabalho – não só brasileiro, pois a tendência é mundial.
Elas já compõem 50% da mão de obra dos Estados Unidos e
aqui ostentam o índice de 45% da População Economicamente
Ativa (PEA). Aliás, os homens que se cuidem, pois estudos
apontam para uma ocupação mercadológica majoritariamente
feminina já para o ano de 2020.
Brincadeiras à parte, mulheres e homens não devem competir
25. MULHER
Ainda há muito a ser combatido conjuntamente, como as
desigualdades salariais entre pessoas que desempenham a
mesma função com o mesmo grau de escolaridade. Em média,
o gênero feminino recebeu salários 25,3% inferiores em relação
ao masculino em 2010, revelando uma das disparidades mais
grotescas e preocupantes entre os sexos.
Também merece atenção redobrada a luta contra o preconceito
de uma sociedade predominantemente machista, até mesmo
entre as mulheres. Quem nunca ouviu de uma mãe, tia ou avó
a frase “isso não é coisa de menina”? Ou ainda a justificativa
simplista de que “ele pode porque é homem”? O que em um
primeiro momento pode parecer inofensivo acaba por revelar
o pensamento intrínseco à cultura do brasileiro. “É preciso
discutir essas questões na escola e na mídia, somar esforços
para que todos possam repensar seus conceitos ultrapassados”,
afirmou a psicóloga Rachel Moreno, coordenadora do
Observatório da Mulher. “Quando todos perceberem que só
se ganha com o reconhecimento da igualdade e dos direitos, as
coisas estarão mudando de verdade”, complementou.
Outro bom exemplo ganhou contornos no começo de
outubro, quando a Secretaria de Políticas para Mulheres (SMP)
sugeriu mudanças em “Fina Estampa”, novela também exibida
pela Rede Globo. A ministra Iriny Lopes assinou e enviou um
ofício à cadeia televisiva dizendo que “a ficção tem força para
alertar a sociedade”, em alusão direta ao personagem Baltazar
(Alexandre Nero) que humilha e bate na esposa Celeste (Dira
Paes). O documento também pedia que, na ficção, o homem
sofresse as implicações da Lei Maria da Penha.
Mas sem sombra de dúvida a nova campanha da Hope,
protagonizada por Gisele Bündchen, foi o caso da atualidade
que gerou mais bafafá. Nos comerciais, a top model ensina
como as esposas devem agir em situações complicadas diante
dos maridos, sempre apelando ao viés sexual. As primeiras
reclamações surgiram também por meio da Secretaria de
Políticas para Mulheres (SMP), mas foram indeferidas
pelo Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação
Publicitária), que investigou a série de vídeos.
Qualquer publicidade é
boa publicidade
“A propaganda reproduz o estereótipo da mulher consumidora
Recentemente alguns casos com mensagem subliminar de
desrespeito à mulher ganharam notoriedade na mídia justamente
por envolverem grandes marcas, programas e emissoras de
televisão. Uma das repercussões mais destacadas refere-se ao
quadro “Metrô Zorra Brasil”, exibido no humorístico “Zorra
Total”, da Rede Globo. Na peça de entretenimento, Janete
(Thalita Carauta) conversa com a transexual Valéria (Rodrigo
Sant’Anna) em um vagão de metrô lotado, e sempre sofre abuso
de um homem que se aproxima por conta da superlotação.
Segundo a Secretaria de Assuntos da Mulher do Sindicato dos
Metroviários de São Paulo, a atração estimula o assédio sexual
e, por isso, deve ser retirada do ar. Em sua defesa, a emissora
divulgou uma nota à imprensa dizendo que o programa “Zorra
Total” não incita qualquer comportamento, e que o objetivo
dele é entreter o espectador – finalidade que acredita ter
sido atingida.
incentiva a ideia da mulher-objeto e sugere factóides que não
“A mídia tem impacto na formação da subjetividade das pessoas
e é uma poderosa educadora informal. Ela mostra imagens
positivadas de valores que a sociedade preza e o bombardeio
dessas mensagens acaba por ser incorporado como desejo
pessoal”, explicou a psicóloga Rachel Moreno. “As mulheres
avançaram muito nos últimos anos e essas conquistas ficam
simbolicamente neutralizadas quando algo indica que o
caminho certo é diferente”, completa.
e irresponsável, que não sabe dirigir e tem um homem para pagar
suas contas”, pontuou Rachel Moreno. “A peça publicitária
condizem com a realidade”, afirmou a psicóloga em referência
às recentes pesquisas que revelaram que as mulheres aplicam
melhor o dinheiro, se envolvem em menos acidentes de carros
e sustentam 35% das famílias brasileiras.
Deixando de lado a superficialidade da polêmica sexista,
o que fica evidente é que o jargão “falem bem ou mal, mas
falem de mim” ganha força. A campanha “Pôneis Malditos”,
da Nissan, sofreu com o veto do Conar, mas os seus cofres
mostraram lucro inversamente proporcional à represália – as
vendas da marca aumentaram 81% em agosto, mês em que
o caso ganhou espaço. O mesmo aconteceu com a Hope,
que assistiu de camarote as suas vendas alavancarem em 43%
durante o período em que a marca foi duramente criticada nas
redes sociais.
Como diria o empresário norte-americano Phineas Taylor
Barnun, “any publicity is good publicity”, que em tradução
literal para o português significa “qualquer publicidade é boa
publicidade”. E, assim, enquanto a sociedade envolve-se numa
suposta discussão sobre a temática, as grandes marcas riem
à toa com o crescimento da vendagem e da repercussão dos
seus produtos.
LINHA DIRETA em revista 25
26. SAÚDE
A saúde que depende de planos
O Brasil está muito distante de oferecer serviço de qualidade para sua
população, apesar de convênios privados o setor está em crise
Marco Tirelli
Hoje em dia depender do sistema público de saúde no Brasil é um verdadeiro
tormento. Faltam leitos, o atendimento
é precário e pessoas morrem à míngua.
Aqueles que podem pagar possuem convênio médico com instituições particulares. Os planos de saúde com frequência fazem parte da cesta de benefícios de
muitos acordos e convenções coletivas
negociados pelos sindicatos. Apesar
de conseguir atendimento melhor, em
comparação ao desrespeito que a população carente é submetida nos hospitais
públicos, ainda existem vários problemas, principalmente no que se refere aos
reajustes das mensalidades e na espera
no atendimento.
Ao contrário do que acontece na maioria
dos países desenvolvidos, onde a administração pública financia grande parte
das despesas em saúde, no Brasil, de
cada R$ 10 gastos no setor, as famílias
pagam R$ 6,02 e o governo R$ 3,88, de
acordo com dados do IBGE (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística). O
restante vem de instituições sem fins lu26 LINHA DIRETA em revista
crativos. O padrão nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico é de, no mínimo, 70%
de financiamento público, com exceção
dos Estados Unidos e México, onde o
percentual fica em torno de 45%.
Os dados sobre despesa média mensal
familiar com saúde revelam que os 10%
mais ricos da população gastam R$ 376,
quase 13 vezes mais do que os 40% mais
pobres, que consomem R$ 28. A pesquisa
indica também uma diferença na forma
de gastar esse recurso. A maior despesa
no grupo dos mais ricos foi com planos
e seguros de saúde (R$ 144,41), remédios (R$ 97,78), consultas e tratamentos
dentários (R$ 43,98). Já os mais pobres
gastaram com remédios (R$ 19,19).
Planos de Saúde cobrem
18,5% da população
De acordo com o estudo do IBGE, o
número de beneficiários dos planos privados de assistência médica chegou a
18,5% da população do País. A maior
taxa de cobertura foi registrada em São
Paulo, com 35,7% de sua população com
planos privados de saúde; e a menor em
Roraima, com 2,3%. No ano passado, as
15 operadoras privadas médico-hospitalares filiadas à Fenasaúde tiveram receita
de R$ 73 bilhões e despesa de R$ 58 bilhões, o que representa um gritante lucro líquido de 20%.
O governo, por intermédio da Agência Nacional de Saúde Complementar
(ANS), criou novas regras para os planos
com o intuito de melhorar a relação com
seus associados. Assim, desde junho de
2011, as operadoras deveriam incluir em
seu rol de atendimento 70 novos procedimentos médicos e odontológicos na
cobertura básica e ainda ampliar o limite
de consultas em algumas especialidades,
de acordo com a Resolução Normativa
nº 211 da ANS. A medida visa beneficiar cerca de 46 milhões de usuários com
planos de saúde contratados a partir de 2
de janeiro de 1999.
27. SAÚDE
Na opinião do gerente médico Eider
Soares Cardoso, as novas regras quanto
aos prazos de consultas e de procedimentos servem para organizar o fluxo de
atendimento e regular a demanda versus
a rede de cobertura. Por outro lado, cada
assistência médica tem a sua peculiaridade
e o impacto poderá ser grande, principalmente nos custos, índice de satisfação do
associado e condições de cobertura. “A
nossa classe médica está achatada pelos
valores de consulta, o que gera uma insatisfação profissional”, conta Eider.
Estudos demonstram que quase 100%
dos médicos atendem convênios e as
novas regras impostas pela ANS podem
comprometer isso, pois interferem na
autonomia profissional para definir, por
exemplo, a necessidade de consulta fora
de prazo. “Isso é uma questão de saúde e
não de matemática”, acrescenta.
Médicos x Planos de Saúde
Em meio à crise do setor de saúde que
coloca em xeque a qualidade e a capacidade de atendimento aos usuários do
sistema particular, planos e médicos
tiveram outra queda de braço. No mês de
setembro, em mais um dia de protestos,
os profissionais suspenderam o atendimento, reeditando a paralisação nacional
de 7 de abril. A medida foi tomada contra os convênios que não negociaram
reajuste no valor das consultas.
Os profissionais decidiram radicalizar o
movimento e não aceitam receber pelas
consultas menos que o valor estabelecido
como mínimo pela Associação Médica
Brasileira (AMB). No fogo cruzado fica o
consumidor. A ANS informa que a operadora deve garantir o atendimento, mas
não é o que tem ocorrido. “As assistências têm procurado negociar os honorários, entretanto estão bastante defasados”,
explica Eider. Segundo estudo do Conselho Federal de Medicina (CFM), o valor
da consulta não ultrapassa R$30. “É um
absurdo para o profissional que lida com
vidas, faz seis anos de faculdade, mais três
anos de especialização e mais oito anos,
caso opte pelo mestrado e doutorado”,
revolta-se Eider.
Apesar de pagar pelo convênio, a longa espera é inevitável
A tensão na saúde vem se agravando.
Segundo a ANS, existem cerca de 30
mil processos administrativos contra as
operadoras, iniciados com denúncias
de clientes sobre procedimentos negados. Apesar dos reajustes às mensalidades serem anuais e acima da inflação
oficial do país, e o setor experimentar
crescimento recorde, usuários chegam a
comparar o serviço particular ao atendimento público. A espera nas urgências
de hospitais pode superar três horas.
Levantamento do Instituto Brasileiro de
Defesa do Consumidor (Idec) também
mostrou que o tempo de espera para ir
ao médico pode chegar a seis meses.
“Os planos de saúde se tornaram o SUS
particular”, comenta a usuária do sistema
Rosângela Fraga Santana. Segundo ela,
sempre que precisa levar sua filha ao
hospital, é difícil esperar menos de três
horas. Já a marcação de consulta pode
demorar três meses, comenta ela, que já
teve de esperar esse tempo para ir à ginecologista. O tempo foi ainda maior para
o dermatologista. Apesar de considerar
que o movimento dos médicos recai sobre os usuários, ela concorda com o protesto. “Pagamos caro. E o valor que os
médicos recebem é baixo pelo trabalho
que oferecem.”
Em recente entrevista, o diretor de
saúde suplementar da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), Márcio
Bichara, informou que houve movimento de algumas operadoras para reajustar
os honorários, mas nenhuma atingiu o
piso. Outras nem mesmo negociaram.
“Há 10 anos, a remuneração representava 40% dos custos das operadoras, hoje
representa 18%.” Ele também apontou
que o número de usuários vem crescendo, ao contrário da capacidade de
atendimento. “Ampliar a rede significa
crescer o custo para as empresas.”
Nesta queda de braço entre os planos de
saúde, os médicos e o governo não existem vencidos e nem vencedores, apenas
prejudicados: o povo brasileiro.
Existem inúmeros planos médicos que oferecem seus serviços
LINHA DIRETA em revista 27
28. NOTAS
Trabalhadores aprovam Acordo Coletivo da Telefônica/Vivo
Durante as assembleias realizadas em setembro, os trabalhadores da Telefônica/Vivo (Telefônica Brasil) aprovaram a proposta para o Acordo Coletivo 2012. Essa foi a primeira vez que
o documento foi negociado de forma conjunta e trouxe avanços
importantes para os trabalhadores.
Entre as principais cláusulas estão reajuste salarial de 7,40% em
1º de setembro para trabalhadores da Telefônica e em 1º de novembro para os da Vivo, com possível ganho real, a depender
da inflação para o período de doze meses que se encerra em
novembro, além da eliminação do teto salarial.
Os vales-refeição e alimentação da Telefônica foram reajustados para R$ 689,22 retroativos à de 1º de setembro. Em 1º de
novembro, o valor passou a ser de R$ 735,40 para ambas as empresas. O trabalhador também conta, agora, com um modelo
flexível na hora de receber o VR e VA, possibilitando novas divisões na quantia de cada.
Ainda chama a atenção no caso da Vivo o expressivo aumento
no Auxílio Creche Especial, que passará dos atuais RS 220,13
para R$ 774,56, reajuste de mais de 250%. O mesmo valor será
concedido na Telefônica. O Plano de Saúde será alinhado ao
modelo da Vivo até o final do primeiro trimestre de 2012, entretanto, está sujeito à aprovação da Agência Nacional de Saúde
Complementar (ANS). Além disso, haverá redução no prazo de
compensação do banco de horas de 120 para 60 dias.
O reembolso de quilometragem rodada da Telefônica sobe de
R$ 0,59 para R$ 0,85, acréscimo de 44%. O auxílio creche/babá
passa a ser extensivo aos homens e o limite de 80% foi eliminado. Assim como na Vivo, o valor para esse benefício agora é
de R$ 253.
Lojas Vivo
O Sindicato também já conquistou diversos benefícios para os
trabalhadores das lojas da Vivo, como o Programa de Participação nos Resultados (PPR), proporcional ao dos funcionários do
administrativo. O próximo passo é igualar os acordos coletivos
nacionais.
Entidades representativas assinam protocolo de combate à
terceirização e à precarização
No final de setembro, a Fenattel (Federação Nacional dos Trabalhadores em
Telecomunicações) e a Febratel (Federação Brasileira das Empresas em Telecomunicações) – entidades representativas
do setor – assinaram o protocolo de
ações conjuntas ante a questão da terceirização e da precarização das relações
trabalhistas do setor.
A assinatura do documento aconteceu
na sede da empresa Vivo, em São Paulo, e contou com a presença de Almir
Munhoz, presidente do Sintetel e em
exercício da Fenattel, eleito também
28 LINHA DIRETA em revista
para liderar o próximo mandato desta que começa em
fevereiro de 2012. Antônio
Carlos Valente, presidente da
Vivo/Telefônica, representou a Febratel na ocasião. “A
formalização deste protocolo
é uma ação concreta que a
Fenattel e a Febratel adotaram para combater essas
práticas que tanto repudiamos”, destacou Almir Munhoz.
O documento que estabelece como prioridade a preservação das relações de
Valente e Munhoz assinam protocolo
trabalho e sindicais, seguiu para debate
na audiência pública sobre o tema no
TST (Tribunal Superior do Trabalho),
realizada no início de outubro.
29. NOTAS
Sintetel e Centrais reúnem milhares em
passeata por melhorias trabalhistas
As centrais sindicais realizaram grande
passeata em São Paulo para reivindicar
avanços no campo trabalhista. O ato, que
começou em frente ao Estádio do Pacaembu, passou pela Avenida Paulista e
terminou na Assembleia Legislativa, no
Ibirapuera, reuniu aproximadamente 80
mil pessoas, entre as quais se destacou a
delegação do Sintetel.
reivindicadas são a regulamentação da terceirização e a ratificação, pelo Congresso,
das Convenções 151, 158 e 189 da OIT
(Organização Internacional do Trabalho),
que preveem, respectivamente, o direito
de organização e negociação coletiva dos
servidores públicos, a proibição da demissão imotivada e a regulamentação dos
trabalhos domésticos.
Além da jornada de trabalho, os manifestantes pediam o fim do fator previdenciário, que altera para baixo o valor dos
rendimentos dos que se aposentam por
tempo de contribuição. Outras questões
No campo estritamente econômico, o movimento sindical pede a redução dos juros
e a destinação de 10% do PIB (Produto
Interno Bruto) para a educação, além de
50% dos recursos do pré-sal.
Sindicatos elegem
nova diretoria da
Fenattel
Representantes dos 22 sindicatos do
setor elegeram a nova diretoria da
Federação Nacional dos Trabalhadores em Telecomunicações. Almir
Munhoz foi eleito presidente da
Fenattel por unanimidade e ficará à
frente do cargo pelos próximos quatro anos.
De acordo com Almir, dedicação
e comprometimento serão as metas desta nova diretoria. “É a nossa
obrigação dar aos trabalhadores
melhores condições de vida e de
trabalho. Vamos dar à Fenattel a característica de uma federação única
e que represente todos da categoria”, concluiu.
Sintetel elege e indica representantes para
Conferências de Mulheres e da Juventude
Realizada no início de setembro, a 4ª Conferência Municipal de Mulheres reuniu cerca de 1.300 participantes em São Paulo. Na ocasião, a diretora do Sintetel Maria Edna Medeiros foi eleita delegada para a etapa seguinte. Ela fez parte da comissão organizadora
da 3ª Conferência Estadual de Políticas para as Mulheres do Estado de São Paulo. Em dezembro, ocorre a Conferência Nacional.
Já em meados de setembro, aconteceu a 2ª Conferência Municipal de Juventude. O evento abriu espaço para debate sobre problemas e novas medidas para a melhoria das políticas públicas. O Sintetel foi representado pela delegação de jovens composta
pelos diretores Fábio Oliveira e Maria Edna Medeiros, além dos
jovens Alexandre Candido, Anselmo Delgado, Diogenes Garcia,
Jhonatas Malta, J. Gregório Jr, Vagner Cardoso, Mariangela Pires
e Anderson Reis. Posteriormente, os representantes foram indicados como delegados para a Conferência Estadual, realizada
em outubro.
Detalhes sobre as Conferências não realizadas até o fechamento
desta edição serão publicados no jornal Linha Direta e no site
do Sintetel.
LINHA DIRETA em revista 29
30. CULTURA
Cinema para pensar
Filmes menos comerciais passam pelas salas brasileiras gerando reações diversas
Emilio Franco Jr.
O cinema nasceu como arte, rotulado como a sétima, mas
também sempre esteve cercado pelo entretenimento. Desde o
surgimento, provoca em plateias de todo o mundo reações contraditórias pela exploração de distintas possibilidades linguísticas e por histórias que geram reflexão ou que apenas servem
de passatempo. Os termos arte e entretenimento, contundo,
desagradam o professor e crítico de cinema Sérgio Rizzo, para
quem o correto é fazer a divisão entre “industrial” e de “autor”.
O primeiro envolve investimentos mais elevados e tem o compromisso econômico de se dirigir a grandes públicos. Assim,
explica Rizzo, tende a ser pasteurizado, pouco ousado e repetidor de fórmulas. O autoral, por sua vez, custa menos e, por
isso, pode falar com um número menor de pessoas para se pagar. “Isso permite o tratamento de temas mais difíceis e alguma
dose de ousadia formal”, afirma.
Essa ousadia formal pôde ser vista, com maior repercussão do
que o usual, em obras que chegaram às telas brasileiras entre
o fim do primeiro semestre e o início do segundo, todas pelas
mãos de diretores consagrados, e queridinhos de grupos cinéfilos, mas que nem sempre têm a devida atenção dos demais
espectadores. São filmes de propostas intelectuais mais sofisticadas e que, muitas vezes, só o tempo mostra o valor.
Dentro dessa temática, o cinema trouxe esse ano Meia-Noite
em Paris, de Woody Allen, fortíssimo candidato ao Oscar 2012.
O enredo propõe uma viagem pelo tempo e pela história da
própria arte tendo como pano de fundo a cidade de Paris atual
e da década de 20. Essa premissa pressupõe certo conhecimento do público, que vê confrontado na tela o presente com
o passado por meio de um escritor que em suas noites boêmias
pelas ruas da capital francesa consegue, sempre ao badalar da
meia-noite, encontrar figuras consagradas da literatura, pintura
e do cinema que viveram em épocas passadas.
Questões como o saudosismo e a supervalorização do antigo
em relação ao novo são discutidas em encontros da personagem principal com personalidades como Ernest Hemingway,
F. Scott Fitzgerald e Pablo Picasso. Rizzo acredita que o distanciamento histórico ajuda a entender a importância que uma
obra ocupa no contexto de sua arte, por isso essa propensão a
valorizar artistas do passado, mas pondera: “isso não nos impede, aqui e agora, de explorá-la [a arte] da maneira que nos
parece possível, tal como ela se apresenta a nós”.
Dono de um ritmo de trabalho alucinante dentro do cinema
mundial, Woody Allen lança no mercado, em média, uma
obra por ano, sendo este último seu maior sucesso comercial.
“Meia-Noite em Paris é um dos melhores filmes dele. Foi um
resultado feliz em toda a conjuntura”, opina o crítico de cinema da revista Rolling Stone, Christian Petermann. Devido à
quantidade de longas-metragens assinados por Allen, Christian
acredita não ser possível dizer se ele é melhor no presente ou
no passado. “Neste ritmo intenso, é claro que sempre surgem
obras menores, mas tivemos bons filmes recentemente como
Match Point e Vicky Cristina Barcelona”.
“Todo filme é um sonho que sonhamos de olhos abertos
em companhia de outras pessoas”, afirma Rizzo. Na foto,
passagem de A Árvore da Vida
30 LINHA DIRETA em revista
Ao contrário de Allen, outros cineastas cultuados demoram
longos intervalos entre os lançamentos de seus filmes. É o
caso do aclamado Terrence Malick, com 40 anos de carreira