1) Cerca de 8,8 milhões de jovens brasileiros entre 15 e 29 anos não estudam, não trabalham e não procuram emprego. 2) Essa situação, conhecida como "nem-nem", aumentou em 708 mil casos entre 2000 e 2010 segundo pesquisa do Ipea. 3) As causas incluem baixa escolaridade, pobreza, gravidez precoce e falta de oportunidades no mercado de trabalho.

1. 12 DOMINGO, 20 DE JANEIRO DE 2013 -
c apa O número de jovens brasileiros
com idades entre 15 e 29 anos
que não estudam, não trabalham
Geração
e não procuram emprego já
chega a 8,8 milhões no País,
aponta pesquisa do Ipea
‘nem nem’
fotolia
CICLO VICIOSO: Com pouco estudo e baixo rendimento, jovem
não consegue se preparar para o mercado de trabalho
Rebeka Figueiredo situação aumentou em 708 mil EM UMA DÉCADA, salento, a falta de renda ou de As mulheres represen-
rebeka.figueiredo@folhauniversal.com.br
de 2000 a 2010. perspectivas futuras e a neces- tam 67,5% dos “nem nem”,
Ociosidade
E
Os motivos que levam ao sidade de assumir outras tare- embora esse número venha
les não estudam, abandono da escola e do tra- juvenil no país fas são algumas das hipóteses caindo desde os anos 1980.
não trabalham e não balho podem ser bastante di- para essa situação. O casamento e a maternida-
procuram emprego. versificados. O certo é que a AUMENTOU EM 708 Segundo a presidente do de influenciam no abandono
Conhecidos como geração “nem nem” é um fe- MIL CASOS, APONTA Conselho Nacional da Juven- do estudo. Foi o que aconte-
“nem nem”, os jovens ocio- nômeno de consequências pe- LEVANTAMENTO tude (Conjuve), Ângela Gui- ceu com Aline Ferreira, de 18
sos entre 15 e 29 anos já so- rigosas para o futuro dos jovens marães, a violência e a falta de anos. Ela cursava o primeiro
mam 8,8 milhões no País – o e do País, como alerta Solan- políticas para a juventude contri- ano do ensino médio, aos 16
que representa mais de 17% ge Kanso, uma das autoras da quência escolar, vira um ci- buem para engrossar a fila de jo- anos, quando descobriu que
dos brasileiros nessa faixa etá- pesquisa. “Com pouco estudo clo vicioso”, explica. vens desocupados. “É necessário estava grávida de Rodrigo.
ria. Levantamento publica- e baixo rendimento, o jovem A maioria dos “nem reconhecer a identidade juvenil, “Eu tinha vergonha de ir à
do pelo Instituto de Pesquisa não consegue se preparar para nem” tem baixa escolarida- criar ações específicas e combi- escola e passava muito mal
Econômica Aplicada (Ipea) o mercado. Não estar inserido de e vive em famílias com ná-las com políticas de combate por causa da gravidez, aca-
no fim do ano passado mostra no mercado resulta em renda poucos recursos financeiros à miséria, pois mais de 80% de- bei desistindo.” Ela já tentou
que o número de jovens nessa ainda menor e isso afeta a fre- (leia box na página 15). O de- les são pobres”, argumenta. recomeçar a escola, mas

2. - DOMINGO, 20 DE JANEIRO DE 2013 capa 13
repetiu o ano porque faltava
demetrio koch
arte: eder santos
às aulas quando o filho fica-
va doente. Há alguns meses,
Aline conseguiu um estágio
em um órgão público depois
de várias tentativas frustra-
das. “O semblante do entre-
vistador até mudava quando
eu dizia que era mãe”, conta.
Agora, Rodrigo está matricu-
lado em uma creche. A mãe e
casamento e
maternidade
fazem mulheres
abandonar mais
os estudos (67,5%),
indica pesquisa
a irmã mais nova de Aline se
revezam para cuidar do me-
nino quando ela sai para tra- bém podem participar.
balhar ou estudar. Os planos Sem opção: Há 2 anos, Aline parou tudo quando A presidente do Con-
ficou grávida de Rodrigo. Ela tinha 16 anos juve destaca a ampliação
para 2013 incluem casar e
terminar os estudos. “Amadu- de vagas em universidades e
reci, quero continuar progre- os programas de transferên-
dindo e conseguir um empre- de casa cuidando dos cia de renda como passos im-
go melhor”, aposta. filhos ou de irmãos portantes para tirar os jovens
Maria Virgínia Freitas, mais novos”, salien- da estagnação. “Estamos no
coordenadora da área de ju- ta, lembrando que caminho certo com o ProUni,
ventude da Ação Educativa, algumas iniciativas do a expansão das universidades
aponta que o número sig- federais (hoje o País tem mais
nificativo de mulheres com
O jovem está de 230 mil vagas por ano) e
responsabilidades domésticas conectado com o o investimento em educação
revela a necessidade de ações mundo. Ele se enxerga básica. O jovem tem mais
de apoio para que elas voltem perspectiva”, diz Ângela Gui-
a estudar e a trabalhar. “Há dentro do momento marães.
muitas mulheres negras, po- de transição que o Entretanto, ela avalia que
bres e mães que estão dentro governo federal, como as mudanças não podem ficar
o ProJovem Urbano, já
Brasil vive e deseja restritas à educação formal.
mostram uma preocupa- participar disso “Arte, cultura, esporte e la-
ção com isso. Destinado a zer fazem parte da cidadania.
Ângela Guimarães, presidente
pessoas de 18 a 29 anos que Também precisamos de uma
do Conjuve, ao comentar que a
não concluíram o ensino fun- juventude se preocupa com o futuro revolução no mundo do tra-
damental, o ProJovem Urba- balho, com investimentos em
no promove a reinserção na qualificação profissional que
escola e no trabalho e ofere- gere inclusão e emprego.”
ce salas de acolhimento para Os jovens ociosos não se
crianças. Assim, as mães tam- restringem a mulheres e

3. 14 capa DOMINGO, 20 DE JANEIRO DE 2013 -
No dia em que a escola se
tornar um polo de práticas
demetrio koch
culturais, escuta e participação
juvenil, ninguém mais vai
querer sair de dentro dela
Sueli de Lima, coordenadora geral da ONG
Casa da Arte de Educar
“Os jovens precisam
de boas referências”
“O jovem pode ser res com menos de 30 anos
aquilo que ele quiser.” É com potencial para mudar
com frases de incentivo o mundo.
que o jornalista Eduardo O projeto “Gerando
Lyra, de 25 anos, conduz Falcões” surgiu depois que
palestras do projeto “Ge- Lyra escreveu um livro
rando Falcões” a alunos de com o mesmo título. “Bus-
escolas públicas do Estado quei jovens que saíram do
de São Paulo. Só em 2012, nada e fizeram coisas in-
DE OLHO NO FUTURO: Jardel Rodrigues largou o emprego para
cerca de 25 mil adolescen- críveis. Decidi contar essas "curtir e viajar", mas tem planos estabelecidos para os próximos anos
tes ouviram palavras de histórias porque os jovens
inspiração e histórias de precisam de boas referên-
brasileiros que transforma- cias”, diz o jornalista.
a pessoas com baixa renda, sair do trabalho em dezem- ral do Paraná para decidir o
ram ideias em realidade. Este ano, a meta é levar
segundo observa Maria Vir- bro. “Larguei para curtir o que vai fazer em 2013. “Vivi
Lyra acredita que palestras, dança de rua,
gínia Freitas. “Alguns conclu- fim do ano e o carnaval, via- um pouco a realidade da en-
exemplos de sucesso resga- hip-hop e teatro a 40 mil
íram a universidade, mas no jar e encontrar os amigos.” genharia enquanto trabalha-
tam a autoestima e estimu- jovens. “Temos dois Brasis:
momento das pesquisas esta- O rapaz quer aproveitar o va como topógrafo e me apai-
lam os jovens a conquistar um Brasil de oportunida-
vam desempregados. Outros período para gravar um disco xonei. Além de pagar muito
seus sonhos. Ele próprio se de, que gera emprego e se
dão um tempo após os estu- com a antiga banda, a Deadly bem, as engenharias têm um
diz uma prova de que tudo reinventa, e outro que não
dos. Pode ser uma situação Addiction, e fazer turnê em futuro próspero com o pré-sal
é possível. Nascido em se desenvolveu, onde o jo-
passageira”, pondera. algumas cidades. Ele aguarda e o crescimento do País”, afir-
uma comunidade de bai- vem vive em estado de po-
Jardel Rodrigues, de 25 o resultado do vestibular do ma Jardel, demostrando que
xa renda, Lyra terminou a breza, com escola precá-
anos, está nesse grupo. Ele curso de engenharia carto- está bem informado sobre o
faculdade com uma rotina ria. O desafio é eliminar a
começou um curso superior gráfica da Universidade Fede- assunto. Quando indagado
puxada, que começava às divisão e oferecer chances
de educação tecnológica e sobre os planos para os pró-
6h e só terminava à meia- iguais”, opina.
fez estágio por 4 meses, mas A CADA 100 ximos anos, ele responde sem
-noite, após o trabalho e Além de palestras em
acabou trancando a matrícu- pensar: “Ter um bom empre-
os estudos. “Não importa escolas e empresas, Lyra se estudantes de
la porque não se identificou go em uma grande empresa e
o lugar de onde as pessoas dedica à carreira de escri-
com a área. Até o fim do ano até 24 anos, 36 continuar os estudos”.
vêm, o que importa é para tor e foi convidado a criar
passado, o rapaz dividia seu não concluem o Apesar do grande número
onde elas vão”, diz. Ele é o roteiro de um filme. “É
tempo entre o cursinho pré- de jovens “parados”, Ângela
membro do Global Sha- preciso ter muita coragem ENSINO MÉDIO, DIZ
-vestibular e o emprego de Guimarães diz que se engana
pers, um desdobramen- e acreditar em si próprio,
topógrafo em uma empresa censo do IBGE quem pensa que a juventude
to do Fórum Econômico a oportunidade não cai no
de Curitiba (PR), mas decidiu brasileira não se preocupa
Mundial, que reúne líde- colo”, conclui.
com o futuro. “O jovem está
conectado com o mundo, ele
Andressa Silva
se enxerga dentro do momen-
to de transição que o Brasil
vive e deseja participar disso.
Ele está engajado em temas
diversificados e quer dar a sua
contribuição para melhorar
as condições da sociedade.”
Educação e cultura
no ambiente escolar
Aproximar a escola da
realidade dos estudantes é o
grande desafio da ONG Casa
da Arte de Educar, que atende
360 crianças e adolescentes e
100 alunos da Educação de Jo-
INCENTIVO: Eduardo Lyra aposta em exemplos de vens e Adultos (EJA) no Morro
sucesso para estimular jovens estudantes
da Mangueira e no Morro do
Macaco, na periferia do

4. - DOMINGO, 20 DE JANEIRO DE 2013 capa 15
Há vagas, falta qualificação
Enquanto 8,8 milhões de jovens não Empresa-Escola (CIEE), acredita que a
estudam nem trabalham, 71% dos em- contratação de estagiários e aprendizes é
presários brasileiros têm dificuldade para fundamental para a formação de profissio-
preencher postos de trabalho. O número nais. “O empresário tem isenção de en-
é da “Pesquisa Sobre Escassez de Talen- cargos e consegue moldar um futuro líder,
tos 2012” do ManpowerGroup. “A falta além de dar oportunidade ao jovem, que
de competência técnica é o maior motivo vai receber a bolsa-auxílio e continuar os
para o não preenchimento de vagas, além estudos. Ganha o País e a juventude.”
da ausência de candidatos e da falta de ex- Marcos Formiga, professor da UnB na
periência”, diz Sean Hutchinson, diretor área de Estudos do Futuro no Brasil, desta-
arte: eder santos
comercial do ManpowerGroup. ca que a universidade não é a única opção
O levantamento ainda aponta os dez para os jovens. Para ele, o investimento em
profissionais mais difíceis de contratar: cursos técnicos e tecnológicos pode garan-
técnicos, trabalhadores de ofício manual, tir a inclusão no mercado. “O País deve
engenheiros, motoristas, operadores de agregar profissionalização e tornar o ensi-
produção, profissionais de finanças e re- no mais próximo da realidade.
presentantes de vendas, profissionais de Precisamos conscientizar
TI, operários e mecânicos. “O País tem os jovens de que, quanto
potencial de crescimento, mas perdemos maior a escolarida-
competitividade sem pessoas qualifica- de, maior a renda”,
das”, argumenta. defende. “A capaci-
O desemprego tação técnica signifi-
juvenil é uma das ca trabalho, futuro
preocupações da e sobrevivência.”
Organização In-
ternacional do Tra-
balho (OIT). Mais
fotolia
de 17 milhões de jo-
vens não têm emprego
em 17 países do G20,
segundo a OIT. Entre
15% e 18% dos brasilei-
ros de 16 a 24 anos estão
desempregados, embora
a taxa de desemprego no
Brasil tenha ficado em ape-
nas 4,7% em dezembro. Para
reverter o quadro, a OIT quer
promover e fortalecer o sistema
de estágios como um meio de tran-
sição entre a instrução e o trabalho.
Eduardo de Oliveira, superintenden-
te de Operações do Centro de Integração o número dos “nem mal é tornar o sistema mais
nem”. De cada 100 bra- flexível e agregar cursos téc-
sileiros entre 18 e 24 anos, 36 nicos e de formação profis-
abandonam os estudos antes sional. A opinião é de Marcos
Rio de Janeiro. “A escola não homem crítico e capaz de de concluir essa etapa, se- Formiga, professor da UnB na
faz sentido para o jovem, ela responder às demandas so- gundo o Censo Demográfico área de estudos do Futuro no
não relaciona os conteúdos DESEMPREGO ciais. No dia em que a escola 2010 do Instituto Brasileiro Brasil. “Para esse exército de
ao dia a dia do estudante e se tornar um polo de práticas de Geografia e Estatística jovens, a saída é aumentar a
ao trabalho, eles acabam se JUVENIL É UMA DAS culturais, escuta e participa- (IBGE). “Alguns saem da es- escolaridade e reinserir os que
afastando”, analisa Sueli de PREOCUPAÇÕES ção juvenil, ninguém mais vai cola para trabalhar, mas não pararam de estudar oferecen-
Lima, coordenadora geral da querer sair de dentro dela.” conseguem se inserir no mer- do cursos técnicos, tecnológi-
DA ORGANIZAÇÃO
ONG. Para ela, a formação Para o professor Fernando cado. É importante incentivá- cos e de formação à distância,
não pode se resumir apenas INTERNACIONAL de Holanda Barbosa Filho, -los a ficar mais tempo estu- numa aprendizagem voltada
ao diploma. “A mão de obra DO TRABALHO (oit) da Fundação Getúlio Vargas, dando”, defende o professor. para as demandas do jovem e
não pode ser o único objeti- a baixa taxa de matrícula no A solução para a falta de do mercado, como nos países
vo, precisamos formar um ensino médio pode ampliar interesse pela educação for- desenvolvidos”, acredita.