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Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001.
E-mail: pauloriv71@aasp.org.br
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DO SETOR DE
CARTAS PRECATÓRIAS DA COMARCA DE CURITIBA/PR.
Processo n.º 0015635-72.2012.8.19.0203
ANTONIO LUIZ MARTINS DOS REIS (socialmente
conhecido como “Toni Reis”), brasileiro, casado, professor, portador da Cédula de
Identidade RG n.º [...], inscrito no CPF/MF sob o n.º [...], com endereço na [...], nos
autos da Queixa-Crime em epígrafe, que lhe move SILAS LIMA MALAFAIA,
brasileiro, casado, pastor evangélico, portador da Cédula de Identidade RG n.º [...],
inscrito no CPF/MF sob o n.º [...], domiciliado na [...], por seu advogado signatário,
vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, apresentar
CONTRARRAZÕES DE APELAÇÃO, requerendo ainda a manutenção da R.
Sentença não só por seus fundamentos, mas preferencialmente por fundamento
diverso, a saber, a atipicidade material/não antijuridicidade material da conduta,
ainda por analogia in bonam partem ao disposto no artigo 515, §3º, do Código de
Processo Civil (teoria da causa madura), até porque a analogia é expressamente
permitida em termos processuais penais (artigo 3º do Código de Processo Penal) e
ainda mais porque é invocada aqui in bonam partem, pelas razões de fato e de Direito
deduzidas no arrazoado anexo.
Termos em que,
Pede e Espera Deferimento.
Curitiba, 05 de agosto de 2013.
Paulo Roberto Iotti Vecchiatti Rafael dos Santos Kirchhoff
OAB/SP n.º 242.668 OAB/PR n.º 46.088
Assinado por PAULO ROBERTO IOTTI VECCHIATTI:31510920803 em 18/08/2013 03:56:55.455 -0300
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CONTRARRAZÕES DE APELAÇÃO
CONTRARRAZOANTE-APELADO: Antonio Luiz Martins dos Reis (“Toni Reis”)
CONTRARRAZOADO-APELANTE: Silas Lima Malafaia
Processo n.º 0015635-72.2012.8.19.0203
Egrégio Colégio Recursal,
Colenda Turma Julgadora.
Ínclitos Juízes.
Em que pese o esforço do [Nobre] causídico ex adverso, não
merecem prosperar suas razões recursais, ante realmente não ter o Querelante
atendido ao disposto no artigo 41 do Código de Processo Penal quanto, especialmente,
pela necessidade de manutenção da R. Sentença por fundamento distinto, a saber, a
atipicidade material ou, caso se prefira, a não-antijuridicidade material da conduta,
consoante se passa a demonstrar:
1. BREVE SÍNTESE DAS TESES AQUI DESENVOLVIDAS.
Muito embora não tenha tido o Querelado acesso ao processo
originário no Rio de Janeiro, por estarem na conclusão até (pelo menos) 02.08.13, o que
demanda a devolução do prazo para poder-se ter acesso aos documentos
eventualmente juntados pelo Querelante na queixa-crime para o respeito ao direito
fundamental à ampla defesa do Querelado, o que aqui se requer, por cautela
apresentam-se estas contrarrazões, requerendo-se a possibilidade de aditá-las após o
acesso aos autos originários, no mínimo por força do direito constitucional de petição
aliado ao justo motivo em questão.
Ademais, muito embora trate-se de contrarrazões de apelação pela
extinção do processo por não atendimento ao disposto no artigo 41 do Código de
Processo Penal (e, realmente, o Querelante não explicou, em sua apelação, de que
forma poderia ser considerado “criminoso” um singelo pedido de providências ao
Ministério Público para que ele analise se cabe eventual pena contra o Querelante, ou
seja, como o exercício regular do direito de denúncia poderia ser considerado como
fato formal e materialmente criminoso), discorre-se aqui sobre razões de mérito em
razão do pleito de manutenção da extinção por força de atipicidade material ou, caso
se prefira, não antijuridicidade material da conduta (sendo que se entende, inclusive,
pela atipicidade formal, como se explica sinteticamente no parágrafo seguinte), por se
entender que pode o Colégio Recursal manter a extinção do processo, embora por
fundamento distinto, no mínimo por analogia in bonam partem relativamente ao
disposto no artigo 515, §3º, do Código de Processo Civil (teoria da causa madura).
Sobre o mérito, como adiante se demonstra à saciedade, não resta
consubstanciada nenhuma prática criminosa no presente caso, mas, ao contrário, o
legítimo exercício do direito à liberdade de expressão e crítica sobre as manifestações
do Querelante e, ainda, o EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO DE DENÚNCIA ao
Ministério Público Federal por um fato que pareceu (e parece) ao Querelado, como
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representante da ABGLT e mesmo pessoalmente, como de incitação à violência, ou, ao
menos, é passível de ser compreendido dessa forma (já que a manifestação do
Querelante, objeto daquele ofício, realmente é passível de passar essa impressão).
Logo, tendo sido exercitado exercício regular de direito de denúncia, então a conduta é
formalmente atípica, por não ser concebível que o ato de pedir a uma autoridade
competente que analise um caso e tome providências possa ser tido como “criminoso”;
mas, caso se entenda que a conduta seria “formalmente típica” (o que criaria uma
antinomia real entre normas legais), então é de se reconhecer o fato como
materialmente atípico ou, caso se prefira, como materialmente jurídico (não
antijuridicidade material), pelos mesmos fundamentos.
Com efeito, o Ofício em questão limitou-se a solicitar que o
Ministério Público Federal averiguasse o eventual cabimento de alguma pena ao
Querelante, em razão de ter a ABGLT1 recebido diversas denúncias de que o
Querelante teria efetivado incitação à violência por intermédio do vídeo em comento,
o que, de pronto, já deixa evidente que o Ofício assinado pelo Querelado se limitou a
solicitar ao Ministério Público que ele averiguasse se eventualmente caberia alguma
medida contra o Querelante, sem fazer afirmações peremptórias a esse respeito e, de
qualquer forma, limitando-se a exercer seu direito de denúncias em âmbito coletivo
(representante de associação LGBT de âmbito nacional) de fatos que lhe parecem ilícitos
para que as autoridades competentes isto investigassem.
Absurdo o Querelante, que sempre invoca o direito de crítica
para suas manifestações, não aceitar que outros critiquem seus posicionamentos e
denunciem aquilo que lhes parece ilícito – ou será que o Querelante acredita que a
liberdade de expressão e crítica seria aplicável somente a ele?
Logo, não restam configurados os crimes de injúria e difamação
no presente caso, por força do direito fundamental à liberdade de expressão, de crítica
e de denúncia às Autoridades Competentes por parte do Querelado, ainda mais por
tê-lo feito na qualidade de representante de associação de defesa da comunidade
LGBT, consoante as razões que se passa a desenvolver pormenorizadamente:
2. DOS FATOS.
Alega o Querelante, em síntese, que o Querelado teria praticado
contra ele os crimes contra a honra relativos à injúria e à difamação em razão do Ofício
enviado pela ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais, a qual o Querelado presidia na época, atual secretário da mesma, ofício
este que o Querelante aparentemente considera ofensivo à sua honra, imagina-se que
em razão da denúncia ali constante (já que ele não explica tal circunstância, como
reconhecido pelo Ministério Público e pelo Juízo Criminal que indeferiu a queixa).
1 Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros (cuja razão social ainda é,
oficialmente, Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros).
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Indeferida a petição inicial por ausência de cumprimento do
disposto no artigo 41 do Código de Processo Penal, foi interposta apelação pelo
Querelante, razão pela qual expediu-se Carta Precatória para a intimação do
Querelado para apresentar contrarrazões de apelação, [aqui apresentadas]:
2.1. Da necessária contextualização fática. A Campanha da Associação da Parada do
Orgulho LGBT de São Paulo pela prevenção de DST/AIDS com a utilização de
santos católicos e o vídeo do Querelante, objeto da denúncia do Ofício enviado pela
ABGLT ao MPF.
Primeiramente, Excelências, é preciso compreender os fatos que
antecederam o citado ofício da ABGLT, a saber, a campanha da Associação da Parada
do Orgulho LGBT de São Paulo (APOGLBT/SP) pela prevenção de Doenças
Sexualmente Transmissíveis com a utilização de santos católicos e o vídeo do
Querelante, objeto da denúncia do Ofício enviado pela ABGLT ao MPF.
A referida campanha, destinada a incentivar a prevenção de
Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), foi intitulada “Nem Santo Te Protege, Use
Camisinha”.
Para tanto, a APOGLBT/SP redesenhou as imagens de alguns
santos católicos, estilizando-os como homens com corpo malhado (músculos bem
definidos – logo, muito bonitos/atraentes) no claro intuito de dizer que não importa o
quanto você reze (faça orações a divindades, etc) nem o quanto você considere o santo
para o qual reza, pois se não usar preservativo (camisinha), você será infectado por
alguma doença sexualmente transmissível.
Tal abordagem recebeu algumas críticas, sob o argumento de
supostamente desrespeitarem a religião católica pelo uso de seus santos. Nesse
contexto, o Querelante, que é pastor evangélico, incitou a população católica contra “os
caras na Parada Gay” (sic) por entender que este teria “desrespeitado” os santos
católicos2, momento no qual proferiu a fala denunciada no ofício da ABGLT, nos
seguintes termos (de memória, pode-se dizer que a síntese do vídeo se consubstancia
no Querelante relatando como os jornais Folha de São Paulo, Estado de São Paulo e O
Globo noticiaram a Parada Gay e a Marcha para Jesus, parabenizando os dois primeiros
por sua cobertura e criticando o último):
[...] homofobia já tem lei, pra quem bate e mata homossexual vai pra cadeia. Não,
eles querem uma lei do privilégio, pra falarem o que quiserem e ninguém diz
nada, e sabe por que a imprensa não tem nada? Eu vou abrir o verbo aqui,
porque lá dentro das editorias tão cheio de gay, é isso aqui, e eles ó,
manipulam informação... tá lotado nas editorias de TV e de jornais, eu queria ver
se um evangélico fizesse alguma coisa contra a igreja católica pra ver se eles iam
perseguir, meter pau, o que fizeram... O que que houve? Os caras na Parada Gay
ri-du-cu-la-ri-za-ram símbolos da Igreja Católica e ninguém fala nada? É
2 O que não deixa de ser curioso, já que o Querelante, como pastor evangélico, provavelmente não vê significação
nenhuma em santos, já que evangélicos em geral consideram a adoração de santos como idolatria vedada pela Bíblia...
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pra Igreja Católica ENTRAR DE PAU em cima desses caras, sabe,
BAIXAR O PORRETE em cima, pra esses caras aprender, é uma
vergonha... protestar, sabe, pra poder anunciar, botar pra quebrar, pagar os jornais
notícia, não querem dar? Paga aí, vocês da Igreja Católica... bota notícia pro povo
saber, isso é uma afronta, senhores, é o que eles querem, sabe, depois quer chamar a
gente de doentes, quem são doentes, afinal de contas? Que não respeita a
religião de ninguém, que debocha da religião dos outros, tá certo, que
debocha dos outros? Quem são os doentes? É bom a sociedade ver isso, é bom
ver isso. Agora eu quero pedir a vocês uma coisa, tem um jornalista, o Reinaldo
Azevedo, de VEJA, esse cara não é evangélico, rapaz, teve um BOÇAL de um
jornalista de FOLHA, eu não tenho outra coisa pra esse cara, um BOÇAL, que
acabou de cair a cara dele com essa Parada Gay, foi pro lixo. Rapaz, o que esse cara
escreve sobre a Marcha pra Jesus, o Reinaldo Azevedo, que tem um blog, no
veja.com.br, entra no blog de Reinaldo Azevedo e você lê assim ó, “os evangélicos
ensinando democracia, a Marcha para Jesus, a Parada Gay e os medos”, e outra que
ele bota pra quebrar, intolerante sou eu, sobre esse negócio da Igreja Católica, e
outra que ele bota quente, “Estupidez. Lideranças do sindicalismo gay partem para
o confronto com os católicos e levam à avenida santos em situações ho-mo-e-ró-ti-
cas. Que a Igreja Católica tenha coragem de enfrentar a imprensa e reaja à altura”.
Tá no blog de Reinaldo Azevedo, ó, entra lá e dá a sua opinião. Esse cara aqui não é
evangélico, mas ele, ó, ele deu um banho, um show, entra lá, veja.com.br, aí você vai
ver, desce aí na tela você vai ver o blog, né, ele é colunista, Reinaldo Azevedo.
Procura isso. Bota aí na tela de novo esses temas pra você anotar, porque, você vai
ter que, é, ir no tema porque é muita coisa que tá na frente, tá, porque isso é coisa de
uma semana atrás, então, tem muita outras notícias, mas põe aí, põe aí, vê o que
esse cara fala. Agora escuta essa que eu deixei aqui pro final, escuta, essa é pro final.
Médico, sindicalista, advogado, qualquer um de qualquer segmento pode
falar de tudo da vida desse país, quando um pastor fala, “Religioso não...”,
que conversa é essa? Eu sou cidadão desse país e tenho direito de falar de
qualquer assunto, e sabe o que é que eu fico achando? É, desculpe, como é
que tem gente medíocre no nosso meio, alguns irmãos, “Pastor, vai pro púlpito,
pastor não é pra se meter nisso”, que-ri-do, eu não fui chamado é pra ser deputado,
nem pra ser senador, nem pra ser candidato a nada, agora, eu fui chamado pra
interferir, eu fui chamado pra influenciar, qualquer assunto da sociedade,
para com essa falsa espiritualidade, é isso que o Diabo e os ímpios querem, que a
gente fique calado. Mas eu vou mostrar uma coisinha aqui na bíblia aqui pra vocês,
até pra alguns do nosso meio, “É, eu acho...”, alguns, olha, a sua covardia, você vai
ficar calado, “Eu acho que nós não temos que falar nada contra o
homossexualismo, nós temos que amá-los”, ah, essa conversa, então eu vou
mostrar na bíblia, Efesios, capítulo 5, versículo 11 e 13, eu vou obedecer a quem,
ao que você acha, ou à bíblia? Efesios, capítulo 5, versículos 11 e 13, “E não
comuniqueis com as obras infrutuosas das trevas, mas antes, condenai-as, con-de-
nai-as”, versículo 13, “Mas todas estas coisas se manifestam sendo condenadas,
con-de-na-das, pela luz, porque a luz tudo manifesta”. Querido, vamo acabar
com essa conversa fiada, de que nós não podemos manifestar, isso é papo
pra boi dormir, eu me manifesto porque sou pastor, e cidadão, e me manifesto
porque to amparado pela bíblia, nós igreja fomos levantados para con-de-nar as
obras das trevas. Agora, se tem pastor covarde, medroso, omisso, não é
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problema meu, e que fica se escondendo aí numa pseudo-espiritualidade de
amor. E deixa eu dizer uma última coisa aqui pra encerrar, que o meu tempo já
estourou há muito. Eu queria dar um conselho para os cantores da música gospel.
Vocês, cantando, já estão pregando, mas tem alguns aí que querem se meter onde
não têm autoridade. Você não tem autoridade, senhores cantores, alguns, pra se
meter a emitir opinião teológica, o máximo é a sua opinião. Imagina, eu querer
cantar e ensinar a cantar, eu pregando já to cantando, e você cantando já tá
pregando. Não se meta em assunto teológico, que vocês não têm autoridade pra dar
parecer, no máximo cantem, calem a boca pra não ficar falando bobagem por
internet, porque eu vou, ó, eu, eu to hoje muito, eu to nervoso, eu to paciente,
eu vou, eu vou quebrar o galho aqui, tá, eu tenho que, eu tenho que deixar aqui um
aviso, muito cantor tá pensando que é o que? Cante, use o seu ministério, cala a
sua boca, não dê opinião teológica que você não tem autoridade pra dar. Essa que
é a verdade. E você, pastor, você não quer condenar? Você não quer denunciar?
Fica quietinho, agora não fica dando opinião pra se esconder atrás da sua covardia e
da sua omissão. Eu não vou me calar, eu to aqui pra denunciar. E outra, para
encerrar, quero zerar, muitos dos que me criticam na internet, “É, pastor Malafaia
quer aparecer, pastor Malafaia quer fazer agora jogo”, é porque não me conhece,
nem nascido era. Pergunta a teu pai e tua mãe, e pergunta aos membros da tua
igreja aí, há trinta anos, quase trinta anos, não tinha nem internet, eu sempre
defendi o povo de Deus, a igreja, os nossos princípios. Eu não cheguei agora não, oh
Mané, oh Zé Bobão, metido a esperto no meio evangélico, é o que você é, eu não
cheguei agora não, eu to há quase trinta anos defendendo nossos princípios, eu
queria deixar isso aqui muito bem claro. E não to nem aí pra opinião de alguns. Eu
sei o que eu to fazendo, eu sei porque Deus nos chamou, e eu não vou abrir mão de
meus princípios. Já chega, já foi embora, já foi tudo, o meu produtor já tá quase
mandando cortar o programa. Deus abençoe você, não perca, não perca, o programa
do próximo sábado, que eu vou encerrar a mensagem “como ser segundo o coração
de Deus”. Deus abençoe a todos, no nome de Jesus.3 (grifos nossos)
Em razão de uma fala tão agressiva, em um tom extremamente
exasperado, extremamente irritado, verdadeiramente colérico, a ABGLT recebeu
denúncias de pessoas LGBT indignadas com referida fala do pastor, que entenderam
que o mesmo teria incitado à violência contra a população LGBT com o trecho “É pra
Igreja Católica ENTRAR DE PAU em cima desses caras, sabe, BAIXAR O PORRETE
em cima, pra esses caras aprender, é uma vergonha...” – o que é, data venia, algo
absolutamente possível e verossímil de se inferir de uma tal fala, especialmente em
razão do citado tom extremamente exasperado, extremamente irritado e colérico, a
despeito da posição do Querelante no sentido de que sua fala teria sido
“descontextualizada” pela ABGLT e, assim, pelo Querelado, do que, data maxima venia,
discorda-se veementemente. Com efeito, a transcrição daquilo que o Querelante
falou antes e depois do trecho do “entrar de pau/baixar o porrete” mostra uma
pessoa verdadeiramente esbravejando de maneira extremamente revoltada contra
militantes gays em geral no que tange à questão dos Santos na Parada, o que é
3 Cf. http://www.youtube.com/watch?v=d9KEa7SdUS0 (acesso em 29.07.2013). Esclarece-se que não se localizou a
íntegra do vídeo do Querelado na busca que se fez no prazo de apresentação desta defesa, sendo esta a única razão
pela qual o início não se encontra transcrito e nem constante do link do youtube que leva a ele. Que o Querelante
traga a íntegra do vídeo aos autos, se realmente não teve que todo o contexto seja divulgado.
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agravado com a fala igualmente revoltada/exasperada/colérica contra pastores que
dele discordam e contra cantores gospel que manifestam opiniões teológicas, o que
vem a deixar ainda mais verossímil ou, ao menos, compreensível a compreensão da
fala colérica do Querelante como incitação à violência contra pessoas gays em geral.
Excelências, trata-se de manifestação na qual o Querelante afirma
peremptoriamente que a mídia estaria repleta de gays em suas editorias (sic) e que tais
gays estariam “manipulando” informações em tais editorias de sorte a, por isso, não
criticar o Movimento LGBT... ora, como não ver isso como um discurso de ódio
pautado em subjetivismo desprovido de qualquer comprovação fática que lhe
sustente? Ainda que possa haver gays trabalhando na mídia (certamente há, como em
qualquer outra profissão), como pode o Querelante alegar que os mesmos estariam
deliberadamente manipulando informações em prol do Movimento LGBT? Como não
ver isso como uma incitação da população que o assiste contra homossexuais e,
consequentemente (ao menos teme-se e temeu o Querelado como representante da
associação por isso), contra o Movimento LGBT em geral?
Por outro lado, o juízo de valor atribuído pelo Querelante, no
sentido de que “os caras na Parada Gay ri-di-cu-la-ri-za-ram” os santos católicos (SIC)
sem ter a mínima cautela de mostrar a forma como os santos foram retratados e sem
explicar minimamente a campanha de prevenção a doenças sexualmente
transmissíveis na qual tal uso das imagens de santos foi realizado, incontestavelmente
pode ser compreendido como uma incitação da população (ao menos religiosa) contra
“os caras na Parada Gay” (sic), sendo que tal expressão acaba por abarcar todo e qualquer
gay que vai na Parada Gay e acaba, assim, por incitar a população contra a comunidade
homossexual4, o que facilmente pode acabar fazendo com que tal incitação atinja a
população LGBT como um todo já que muitos ainda chamam de gays também a
bissexuais, travestis e transexuais5 (reitere-se, ao menos teme-se e temeu o Querelado
por isso enquanto representante da ABGLT).
Ora, a postura do Querelante no vídeo em comento, relativo a
seu programa semanal, foi extremamente inconsequente na forma como externou
sua opinião. Um mínimo de cautela exigível da pessoa mediana (“homem médio”)
deixa evidente que ele deveria ter mostrado a forma concreta como os santos
católicos foram retratados na Parada do Orgulho LGBT de São Paulo de 2011 e
explicado o contexto de tal uso, a saber, a citada campanha “Nem Santo Te Proteje,
Use Camisinha”, campanha esta elogiada até mesmo pelo juiz federal que julgou
improcedente a ação civil pública movida pelo Querelante6 – e se o Querelante não
4 Já que usou a palavra gay, que designa em geral o homossexual masculino, mas por vezes é usada para o
homossexual em geral, logo, também para mulheres homossexuais, geralmente definidas como lésbicas.
5 Assim era como, em passado não muito distante, era compreendida toda a população LGBT: bissexuais, travestis e
transexuais eram todos considerados como integrantes do segmento gay, o que só há poucas décadas passou a ser
desmistificado por conta dos Movimentos Identitários, ou seja, pelo fato de bissexuais, travestis, transexuais e
transgêneros em geral terem lutado pelo reconhecimento de suas especificidades identitárias.
6 Segundo o magistrado, relativamente às palavras do Querelante: “Que, inapropriadas, de péssima ou infeliz escolha,
inoportunas e arriscamo-nos em afirmar contraditórias, para quem prega o cristianismo, não se tem dúvida, e com as quais este
Juízo jamais poderá concordar, todavia, como diria Voltaire e muito ouvida nos corredores da PUC enquanto este magistrado
ainda estudante: ‘posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você
dizê-las’, o juramento estrito do cumprimento da constituição impõe a este Juízo afastar qualquer restrição ao direito de
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foi atrás de tal informação então violou o dever de boa-fé objetiva exigível de
qualquer pessoa mediana, já que o mínimo que se espera de alguém que queira fazer
críticas públicas a alguém ou a algo procure se inteirar de todo o contexto do fato que
pretende criticar para somente então fazer a crítica, ainda mais quando se trata de um
formador de opinião como (lamentavelmente) o Querelante é, ainda mais quando tal
crítica se dá em programa de televisão de grande audiência e ainda mais quando a
televisão em questão é uma concessão pública que deve, portanto, atender ao princípio
da função social da propriedade para não ser usada como palanque por aqueles que pura
e simplesmente têm dinheiro para comprar tempo para exporem suas opiniões, de
sorte a que o mínimo que se pode exigir de alguém que use uma tecnologia televisa
oriunda de concessão pública para expor suas críticas é que se inteire de todo o contexto
daquilo que quer criticar para passar todo o quadro fático daquilo que lhe revolta para,
somente então, emitir seus juízos subjetivos... Mas, da forma como foi feita a
manifestação do Querelante, ele simplesmente disse que “os caras na Parada Gay”
teriam ridicularizado os santos católicos, sem essa necessária contextualização e em um
tom extremamente exasperado/revoltado/colérico, de sorte a sua manifestação poder
perfeitamente ser compreendida como uma “incitação ao preconceito” e mesmo ao ódio
pelo menos contra homossexuais (pelo uso do termo gay) e, teme-se (e temeu o
Querelado) contra pessoas LGBT em geral...
Entenda-se bem, ainda que venha o Poder Judiciário a entender
que o citado vídeo do Querelante não teria consistido em discurso de ódio e em incitação
ao preconceito, à discriminação e/ou ao ódio contra homossexuais e/ou pessoas LGBT em
geral, isso não afasta o fato de que é perfeitamente possível de se compreender uma tal
manifestação dessa forma, ainda mais por integrantes da minoria homossexual e
LGBT em geral, afinal, como bem sabe todo integrante de uma minoria historicamente
estigmatizada (como inegavelmente é a minoria LGBT), há constantemente um temor
de preconceito, ou seja, em razão do histórico de discriminações que o grupo vulnerável
em questão sempre sofreu, teme-se por novas incitações ao preconceito, donde é
perfeitamente compreensível que uma pessoa integrante de uma minoria
estigmatizada, como o Querelado, por conta de tais pré-compreensões, venha a
compreender a citada manifestação, de tom extremamente
expressão do pastor corréu. Da mesma forma, deixa-se claro, não entender este Juízo como desrespeito aos católicos o
emprego de santos na Parada Gay visto que associados ao emprego da cautela com a saúde e em nenhum momento
poderia ser interpretada como destinada a uma agressão à Igreja Católica. Tanto assim, que não se viu nenhum
católico saltando do alto de edifícios ou se imolando em praça pública por ver ameaçadas suas convicções
religiosas ou mesmo pegando em armas na defesa de sua fé. Aliás, não fosse pelo indigitado pastor, que nem
mesmo crê em santos, em seu revoltado discurso e tudo isso seria ignorado pela imensa maioria dos brasileiros e,
evidentemente, esquecido pelos participantes da Parada Gay, alguns dias depois. Não haveria diferença entre as
formas de censura, quer pela proibição do discurso do pastor ou pelo emprego indevido da imagem de santos, qualquer delas se
mostrando igualmente odiosas na medida em que através dela se outorgaria a um órgão estatal o poder de decidir sobre o que
deveria ser visto ou como alguém poderia se expressar” (grifos nossos). Cf. Sentença na Ação Civil Pública n.º 0002751-
51.2012.4.03.6100, disponível em
http://www.jfsp.jus.br/assets/Uploads/administrativo/NUCS/decisoes/2012/120503retratacaopastor.pdf
(último acesso em 31.07.2013). Sobre as discordâncias sobre esta sentença, vide nota adiante, cabendo destacar aqui
que o magistrado chegou a tal conclusão sobre o discurso do Querelante por não tê-lo entendido como discurso de
ódio ou incitação à violência, já que a sentença cita inclusive trecho de voto do Ministro Peluso, do STF, no sentido de
que a liberdade de expressão pode ser proibida quando for dirigida a incitar ou provocar ações ilegais iminentes (p. 15), donde,
não entendendo a fala do Querelante como tal, construiu sua sentença explicando-a como uma mera opinião e não
como discurso de ódio (do que se discorda, ante as considerações do corpo do texto desta peça e de nota adiante).
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exasperado/irritado/colérico, do Querelante como incitadora ao preconceito, à
discriminação e/ou ao ódio contra pessoas LGBT.
Com tudo isso em mente (e tudo isso é evidente a uma pessoa
mediana que compreenda todo esse contexto e essas citadas pré-compreensões),
vejamos a íntegra do Ofício PR 236/2011 (TR/dh) da ABGLT, contra o qual se insurge
o Querelante, no qual a associação, representada pelo Querelado, se limita a
meramente solicitar que o Ministério Público Federal analisasse o caso e aferisse se
eventualmente seria cabível alguma atitude contra o Querelante:
Ofício PR 236/2011 (TR/dh) Curitiba, 24 de outubro de 2011
À: Exma. Sra. Gilda Pereira de Carvalho
Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão
pfdc001@pgr.mpf.gov.br
Assunto: Solicitação de tomada de providências – utilização de concessão de meio
de comunicação para incitar a violência contra pessoas LGBT
Prezada Senhora,
A ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais –
é uma entidade de abrangência nacional que congrega 237 organizações congêneres e tem
como objetivo a defesa e promoção da cidadania desses segmentos da população. A ABGLT
também é atuante internacionalmente e tem status consultivo junto ao Conselho
Econômico e Social da Organização das Nações Unidas.
Neste sentido, recebemos diversas denúncias sobre a veiculação, em rede de
televisão que funciona por meio de concessão pública, da incitação da
violência à população LGBT por parte do Pastor Silas Malafaia, conforme
pode ser averiguada em
http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=tzZFJHm_Z
to no qual o pastor afirma que é preciso ‘baixar o porrete em cima, para os
caras aprender a vergonha’.
Nos últimos tempos, não tem sido pouca a cobertura da mídia nacional sobre ocorrências de
violência contra as pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT),
especialmente na região da Avenida Paulista em São Paulo, entre outras.
Cabe apontar que esta situação de agressão contra a população LGBT se encontra agravada
pelas incitações do Pastor Malafaias no programa acima mencionado, ainda mais por sua
utilização dos meios de comunicação de concessão pública para contrariar os preceitos
constitucionais, especialmente os contidos nos artigos 3º e 19 da Carta Magna:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (...):
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
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I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento
ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada,
na forma da lei, a colaboração de interesse público;
II - recusar fé aos documentos públicos;
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
Assim, vimos por meio deste solicitar a tomada das medidas necessárias
quanto à emissora que veiculou as incitações do Pastor Malafaia,
inclusive, se for considerado apropriado por este Ministério Público, a
retirada do ar do programa de televisão em questão com base nas
disposições do artigo 19 da Constituição Federal, assim como a aplicação
de eventuais penas criminais que possam se aplicar ao Pastor Malafaias
pela promoção ativa da discriminação e da violência contra determinados
setores da sociedade.
Na expectativa de sermos atendidos, colocamo-nos à disposição.
Atenciosamente
Toni Reis
Presidente (grifos nossos)
Sobre a menção a diversas denúncias sobre a veiculação, em rede de
televisão que funciona por meio de concessão pública, da incitação da violência à população
LGBT por parte do Pastor Silas Malafaia no programa em comento, elas se referem a
mensagens de pessoas LGBT que também compreenderam a fala do citado pastor
como incitando à violência contra a população LGBT, as quais demandavam que a
ABGLT, que visa representar o segmento LGBT como um todo, tomasse alguma
providência contra isso – e a ABGLT, por cautela, decidiu pura e simplesmente oficiar
o Ministério Público Federal para solicitar que ele analisasse o cabimento de eventuais
penas que se possam aplicar contra o ora Querelante, logo, a ABGLT pura e simplesmente
solicitou providências ao Ministério Público Federal no sentido dele averiguar se
entendia cabível alguma providência contra a emissora e contra o Querelante, como,
de fato, ele entendeu, já que instaurou Inquérito Civil e distribuiu Ação Civil Pública
contra os mesmos.
Nesse sentido, será que o Querelante deseja denunciar o Nobre
Promotor em questão perante a Corregedoria respectiva? Será que o Querelante
pretende processar todo aquele que lhe processe caso considere seu discurso como um
discurso de ódio? Será que o Querelante pretenderia processar o signatário por
elaborar esta defesa e com ela concordar? Se a ABGLT tivesse entrado com um pedido
de indenização por dano moral coletivo contra ele, será que ele apresentaria
reconvenção para pedir a condenação da ABGLT? Será que o Querelante deseja
processar todo aquele que considere suas opiniões como extrapolação dos limites do
direito à liberdade de expressão? O qual não é absoluto, como nenhum direito
fundamental é, como reconhece a doutrina constitucionalista como um todo...
Eis, assim, o contexto fático: o ofício da ABGLT foi enviado em
razão de ter o Querelado e outras pessoas LGBT, em sua análise/opinião (logo, em sua
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valoração subjetiva) considerado como uma incitação à violência, dentro de seu
legítimo direito de crítica (liberdade de expressão), representatividade associativa e
dentro de seu exercício regular de direito de denúncia – o qual não “tirou de
contexto” a fala do Querelante, já que a análise do vídeo inteiro também não o socorre,
como supra demonstrado.
3. DO DIREITO.
3.1. Ausência de ilicitude da conduta da ABGLT e, assim, do Querelado. Exercício
regular de direito de denúncia. Liberdade de expressão e crítica do Querelado.
Como se vê, Excelências, o ofício contra o qual se insurge o
Querelante trata-se de uma singela solicitação de providências formulado à
Autoridade Competente (no caso, o MPF), na qual se tomou o cuidado de se dizer
que tal seria o caso “se for considerado apropriado por este Ministério Público”, ou
seja, o ofício se limitou a solicitar que o MPF analisasse o caso e agisse apenas se ele
entendesse ser o caso, como, de fato, entendeu por intermédio da propositura da
Ação Civil Pública n.º 0002751-51.2012.4.03.6100, distribuída à 24ª Vara da Subseção
Judiciária da Justiça Federal de São Paulo/SP e do Inquérito Civil n.º
1.34.001.006152/2011-33, que lhe antecedeu. Para a íntegra da petição inicial, vide
http://www.prsp.mpf.gov.br/prdc/sala-de-imprensa/pdfs-das-noticias/0002751-
51.2012.4.03.6100%20Malafaia.PDF (último acesso em 30.07.13).
Como se sabe, não constitui-se como ato ilícito aquele que
configura-se como exercício regular de direito, nos termos do artigo 188, I, do Código
Civil e da própria lógica imanente ao sistema jurídico como um todo, como
inegavelmente é o direito de denúncia de fatos que parecem criminosos a quem faz a
noticia criminis à autoridade competente, como o é o Ministério Público. Assim, não
pode ser considerado como criminoso uma denúncia de um fato que o Querelado
entendeu como incitando a violência contra pessoas homossexuais, ainda mais pela
cautela que teve ao se limitar a solicitar providências à Autoridade Competente para esta
analisar se entendia cabível alguma eventual pena contra o ora Querelante.
Logo, inexistente “injúria” e/ou “difamação” em singela
solicitação de providências sobre vídeo para aplicação de eventuais penas e apenas
se isso for considerado apropriado pelo Ministério Público, por tal se configurar como
mero exercício regular de direito de denúncia oriundo ou, ao menos, reforçado pelos
direitos fundamentais à liberdade de expressão e crítica. Assim, tem-se como
MATERIALMENTE ATÍPICO ou, caso se prefira, SEM ANTIJURIDICIDADE
MATERIAL o fato objeto da queixa-crime em uma interpretação constitucionalmente
adequada e mesmo legalmente adequada do caso, mediante interpretação sistemática do
ordenamento jurídico como um todo, razão pela qual deverá ela ser rejeitada/julgada
improcedente, o que desde já se requer.
Tal pode ser reconhecido por Vossas Excelências por força de
analogia ao disposto no artigo 515, §3º, do Código de Processo Civil, tendo em vista
que o artigo 3º do Código de Processo Penal admite o uso da analogia para matérias
processuais penais, ao passo que aqui se pleiteia por uma analogia in bonam partem
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(favor rei/favor libertatis), logo, não pode haver dúvida sobre o cabimento neste caso.
Inclusive porque, embora eventual dilação probatória venha a reforçar a tese defensiva
da atipicidade material/não-antijuridicidade material da conduta pelo ofício em
questão decorrer de denúncias feitas ao Querelado relativamente ao vídeo em questão
do Querelante, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que, caso o Tribunal entenda
desnecessária ulterior dilação probatória, o referido dispositivo legal (CPC 515 §3º)
pode ser aplicado a casos que envolvam matéria fática (STJ, REsp n.º 981.416/SP, DJe
de 12.11.2012).
Assim, na lição de Magalhães Noronha7, sobre antijuridicidade:
Deve-se a Beling a criação doutrinária da tipicidade, que recebeu notável impulso
com Mayer, insistindo em que ela é elemento indiciário da antijuridicidade.
Realmente, a função punitiva não se contenta apenas com a tipicidade. Um
fato pode ser típico e não ser criminoso ou antijurídico, como veremos
dentro em pouco. A tipicidade vem a ser, assim, indívio ouo ratio
cognoscendi da antijuridicidade. 53. A antijuridicidade. A ação é
antijurídica ou ilícita quando é contrária ao direito. A antijuridicidade
exprime uma relação de oposição entre o fato e o direito. Ela se reduz a um juízo, a
uma estimativa do comportamento humano, pois o direito penal outra coisa não é
que um complexo de normas que tutelam e protegem as exigências ético-sociais. O
delito é, pois, a violação de uma dessas normas. Tal conceito de completa por
exclusões, isto é, pela consideração de causas que excluem a antijuridicidade. Será
antijurídico um fato definido na lei penal, sempre que não for protegido por causas
justificativas, também estabelecidas por ela, como se dá com o art. 23 do Código.
[exemplo do autor: legítima defesa] [...] Assunto de relevo é que esta pode ser
considerada sob os aspectos formal e material. A primeira é aquela a que nos
estamos referindo: a oposição a uma norma legal. A segunda projeta-se fora do
direito positivo, pois se constitui da contrariedade do fato às condições vitais de
coexistência social ou de vida comunitária, as quais, protegidas pela norma, se
transformam em bens jurídicos, como se falou no n. 49, sendo óbvio que a matéria,
de que ora se trata, se encontra estritamente relacionada com o conceito material e
formal do crime, objeto do citado parágrafo. Tais considerações levam à essência da
antijuridicidade, mas acham-se em terreno metajurídico. [...] Não há dúvida de
que a antijuridicidade material, como a aceitamos, dá o conteúdo da
formal. Ela orienta o legislador no sentido de consagrar na norma aqueles
imperativos e exigências da vida coletiva. Como essência, pois, da lei, ela
entra no terreno jurídico. Todavia, se um fato atentar contra os interesses sociais,
mas não for contemplado pela norma, não poderá ser tido como antijurídico ou
ilícito penal. A preponderância há de ser da antijuridicidade formal. Nem a outra
conclusão leva o princípio da reserva da lei, o nullum crimen, nulla poena sine
lege. A antijuricidade representa um juízo de valor em relação ao fato
lesivo do bem jurídico. E sua apreciação é puramente objetiva, não
dependendo de condições próprias do autor do fato: tanto é ilícito o homicídio
cometido por um homem normal como por um alienado. Em ambos os casos há
7 NORONHA, Magalhães. Direito Penal. Introdução e Parte Geral, Volume 1, 33ª Edição, São Paulo: Editora
Saraiva, 1998, pp. 99-102.
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antijuridicidade; a diferença é que no último não existe agente culpável e,
consequentemente, punição. Mas a consideração que se faz das condições psíquicas
do autor do fato, para se aferir a culpabilidade, é estranha à ilicitude. Noutras
palavras, sintetiza Aníbal Bruno: ‘A vontade com que o sujeito atua, ineficaz para
formar o núcleo da culpabilidade, é Valda para constituir a ação ilícita’. Isso sem
embargo de se reconhecer, como já ficou dito, que o tipo, às vezes, contém elementos
de natureza subjetiva, que dão a medida do juízo valorativo acerca do fato. Os
coeficientes subjetivos do tipo são conditio sine qua non do juízo objetivo que se
formula ao indagar-se da ilicitude do fato. Sem esses elementos subjetivos, este ão
pode ser objeto do juízo de valor: eles representam, como diz Bettiol, ‘il limite al di
là del quale non c’è alcuna possibilità di valutazione’. (grifos nossos)
Sobre o conceito de crime, aduz o mesmo autor8:
49. Conceitos de crime. [...] Em regra, definem os autores o crime sob o aspecto
formal ou substancial. O primeiro tem como ponto de referência a lei: crime é o fato
individual que a viola; é a conduta humana que infringe a lei penal. [...] Todavia, a
definição formal não esgota o assunto. Há nela sempre uma petição de
princípio. Por que essa conduta transgride a lei? Qual a razão que levou o
legislador a puni-la? Qual o critério que adotou para distingui-la de outras
ações também lesivas? Diversas outras questões podem ainda ser
formuladas. Visa a definição substancial à consideração ontológica do
delito. Garofalo, como apontamos, procurou-a no delito natural, tendo-o como a
ofensa aos sentimentos altruístas de piedade e probidade comuns aos indivíduos na
comunhão social. Essa concepção do delito natural, entretanto, não procede, como
não se justificam outras dos Positivistas-Naturalistas. Com efeito, não se nega ter o
delito aspecto biossociológico; todavia ele existe apenas como fato, antes que a
norma jurídica o defina como tal, sujeitando-o à sanção. Cremos que o conceito
substancial do delito pode ser obtido em outros termos. Finalidade do Estado é a
consecução do bem coletivo. É a sua razão teleológica. Mas, para a efetivação, além
da independência no exterior, há ele de manter a ordem no interior. Cabe-lhe, então,
ditar as normas necessárias à harmonia e equilíbrio sociais. É exato que variam os
modos por que pode conseguir essa finalidade, como ela própria, em determinado
momento, apresentará um conteúdo distinto e diferente, de acordo com a evolução e
peculiaridades históricas e sociais. Mas, de qualquer maneira, como condição da
própria existência, tem ele de velar pela paz, segurança e estabilidade coletivas, no
entrechoque de interesses dos indivíduos, determinando por condições naturais e
sociais diversas. As normas legais, por ele ditadas, têm, então, a finalidade de
tutelar bens-interesses, necessários à coexistência social, entendendo-se como
bem o que satisfaz às necessidades da existência do indivíduo na vida em sociedade,
e como interesse a representação psicológica a representação psicológica desse bem,
a sua estima, como pondera Rocco. Mas o Estado, através do direito, valoriza esses
bens-interesses, pois a ofensa a alguns deles fere mais fundo o bem comum, já por
atingir condições materiais basilares para a coletividade, já por atentar contra
condições éticas fundamentais. Dada, então, sua relevância, protege-os com a
sanção mais severa, que é a pena. Consequentemente, crime é a conduta humana
8 NORONHA, Op. Cit., pp. 97-98.
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que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal. Sua
essência é a ofensa ao bem jurídico, pois toda normal penal tem por finalidade sua
tutela. (grifos nossos)
Nesse sentido, não pode ser valorada como lesiva a um bem
jurídico a conduta de denunciar alguém à autoridade competente por uma conduta
que parece, ao denunciante, como ilícita, ainda mais quando, no presente caso, o
ofício se limita a solicitar providências do Ministério Público Federal para ele
analisar se entende como cabível alguma eventual pena ao Querelante. Na verdade,
entende-se que, ainda que o Querelante tenha se sentido “ofendido” com o citado
pedido de providências, o fato se afigura como formalmente atípico pela circunstância
de que o exercício regular do direito de denúncia não poder ser visto como formalmente
típico, seja porque a finalidade de tutelar bens-interesses necessários à coexistência social
(Noronha) deve incentivar o legítimo exercício regular do direito de denúncia quando
a situação parecer ilícita à pessoa denunciante, seja porque a consideração de tal fato
como “criminoso” criaria uma antinomia real entre normas legais de igual hierarquia;
mas, caso assim não se pense, subsidiariamente, tal conduta deverá ser considerada
como materialmente atípico (ou, na lição de Magalhães Noronha supra transcrita,
como sem antijuridicidade material), pelas mesmas razões, ou seja, por
concretizadora do exercício regular do direito de denúncia, reforçado ainda pela liberdade
de crítica e de expressão em geral. Afinal, considerando que o Direito deve ser
entendido como um todo harmônico de regras e princípios, o exercício regular de um
direito não pode ser tido como fato tipificado como crime ou como fato antijurídico,
no mínimo na acepção material destes termos.
O mesmo se pode concluir da lição de Luiz Regis Prado9 sobre a
ilicitude/antijuridicidade:
A ilicitude enquanto categoria geral do ordenamento jurídico (uno, coerente e
indivisível) tem capital relevância. Exerce papel aglutinador e uniformizador dos
vários setores que o compõem, propiciando uma verdadeira interconexão lógica
entre eles, com o intuito de evitar a incoerência e a fragmentação. O elemento
conceitual do delito, ilicitude ou antijuridicidade – expressões consideradas aqui
como sinônimas –, exprime a relação de contrariedade objetiva de um fato com toda
ordem jurídica, com o Direito positivo em seu conjunto. Com precisão, salienta-se
que a ‘antijuricidade é dada pela relação objetiva de contradição da vontade do
sujeito com o mandato ou com a proibição’ [Cerezo Mir]. Apresenta-se como
infração uma norma imperativa ou de determinação (mandato/proibição), e é única
(=geral) para todo o Direito. Enquanto a subsunção de um fato concreto ao tipo
legal, isto é, o juízo de tipicidade, tem um caráter positivo, o juízo de ilicitude,
decorrente da verificação da operatividade de uma norma permissiva, como preceito
independente, evidencia um aspecto relativo. Nessa linha de pensar, acentua-se que
a ilicitude ou antijuridicidade ‘é a violação da ordem jurídica em seu conjunto,
mediante a realização do tipo’ [Welzel]. A realização de toda ação prevista em
um tipo de injusto de ação doloso ou culposo será ilícita, enquanto não
9 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral, Volume I, 8ª Edição, 2ª Tiragem, Editora
Revista dos Tribunais, 2008, p. 341.
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concorrer uma causa de justificação [Cerezo Mir; Welzel]. Noutro dizer: uma
ação ou omissão típica será ilícita, salvo quando justificada. Desse modo, não há
falar-se em ação ou omissão típica indiferente à ordem jurídica, não proibida ou
simplesmente neutra. O juízo negativo de valor sobre o fato previsto no tipo é tão-
somente indiciário da ilicitude (ratio cognoscendi). Após ter sido constatada
a tipicidade, será aferida a ilicitude através de um procedimento negativo,
quer dizer, pela averiguação de que não concorre qualquer causa
justificante. Frise-se, por oportuno, que o juízo de ilicitude recai sobre a conduta
típica – juízo do acontecer –, não sobre o agente ou sua personalidade [Maurach].
O que está em jogo no juízo de ilicitude é a direção externa que é conferida à
vontade. Vale dizer: ‘é o uso que fez o sujeito da liberdade externa de sua vontade’
[Gracia Martin], e não da liberdade interna da vontade, própria da culpabilidade.
Bem por isso que a teoria da ilicitude pode ser entendida como uma teoria do
conforme ao Direito [Maurach]. De fato, o Direito autoriza ou permite que se
realize, em certas hipóteses, um comportamento típico.
E, sobre o exercício regular de direito como causa justificante,
continua o mesmo autor10:
Aquele que age no exercício regular de direito (Qui iure suo utitur
neminem laedit), quer dizer, que exercita uma faculdade de acordo com o
direito, está atuando licitamente, de forma autorizada (art. 5º, II, CF). Não
se pode considerar ilícita a prática de ato justificado ou permitido pela lei, que se
consubstancie em exercício de direito dentro do marco legal, isto é, conforme os
limites nele inseridos, de modo regular e não abusivo. Essa conclusão é
decorrência lógica do princípio da não contradição: um objeto não pode ser
e não ser ao mesmo tempo. (grifos nossos)
Cabe ainda destacar que o Querelante não arrolou, em sua
queixa-crime, nenhuma testemunha, logo, não tem como provar (até por ser
inverídica) a afirmação de que o Querelado teria agido com animus injuriandi e/ou
animus difamandi – como não arrolou testemunhas no momento oportuno, não poderá
mais fazê-lo. Logo, não se pode aceitar como válida (muito menos como “provada”)
sua assertiva nesse sentido, até porque a boa-fé se presume e a má-fé precisa ser provada
(no mínimo por analogia in bonam partem), razão pela qual só se pode ter a conduta do
Querelado como enquadrada dentro de seu legítimo exercício regular do direito de
denúncia e não de nenhuma outra forma (no mínimo pelo princípio do in dubio pro
reo).
Logo, materialmente atípica ou sem atipicidade material a
conduta. Aprofundemos:
Como supra explanado e perceptível pelo próprio ofício em
questão, tal solicitação (de providências ao MPF) se deu em razão de a ABGLT ter
recebido diversas denúncias de pessoas LGBT inconformadas com a afirmação
10 PRADO, Op. Cit., p. 355.
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transcrita no ofício, a saber, a afirmação na qual o ora Querelante afirma que é preciso
”baixar o porrete em cima, para os caras aprender a vergonha” (sic).
Após as denúncias à ABGLT e ao assistir o vídeo, o Querelado
chocou-se com a citada fala do ora Querelante e, assim, na qualidade de então
Presidente da ABGLT, enviou o citado ofício ao Ministério Público Federal solicitando
que o mesmo analisasse o vídeo e tomasse as medidas que julgasse necessárias.
Ora, segundo padrões de pessoas medianas (“homem médio”),
a fala do Querelante é supostamente apta o incitar à violência contra pessoas
homossexuais no citado trecho de vídeo pela sua fala, inclusive pela forma
extremamente agressiva/exasperada/colérica da mesma, a qual, no mínimo, pode
perfeitamente ser compreendida como incitação ao preconceito e/ou ao ódio contra
homossexuais. Não se ignora que o Querelado alegou em sua defesa do Ministério
Público Federal e, depois, na contestação à citada ação civil pública que ele teria sido
“tirado de contexto”, por estar supostamente se limitando a criticar determinadas
pessoas do segmento gay e que, na verdade, teria intencionado conclamar a população
católica a meramente criticar o uso das imagens de santos na Parada do Orgulho LGBT
de São Paulo11, contudo, a despeito de acolhida pela decisão de primeira instância da
citada ação civil pública, essa defesa do Querelado é simplesmente absurda, por
contrária à sua fala concreta, já que o mesmo direcionou sua crítica aos caras da
Parada Gay (sic), logo, sem restringir o alcance a alguns gays e se referindo, assim,
aos gays da Parada Gay em geral, bem como falou em tom extremamente
colérico/exasperado/irritado, sem dizer em nenhum momento algo como “Gente,
por baixar o porrete eu quero dizer criticar, processar, não agredir”, o que denota
profunda indiferença em como suas palavras seriam interpretadas pelas pessoas em
geral, segundo os parâmetros da pessoa mediana (“homem médio”). Sobre o
acolhimento destas razões defensivas pela primeira instância da Justiça Federal de São
Paulo, o que podemos dizer é que a esperança da aplicação do melhor Direito
encontra-se agora com o Tribunal Regional Federal da 3ª Região12 e, no limite, com o
Superior Tribunal de Justiça ou com o Supremo Tribunal Federal, relativamente ao
discurso do ora Querelante ter ultrapassado os limites da liberdade de expressão e,
assim, não ser por ela protegido13.
11 Nos termos da petição inicial da citada Ação Civil Pública n.º 0002751-51.2012.4.03.6100, “Em resposta, o réu
afirmou que sua manifestação tratou-se apenas de ‘critica severa a determinadas atitudes de determinadas pessoas desse
segmento social, acrescida também de reflexão e crítica sobre a ausência de posicionamento adequado por parte das pessoas
atingidas’. Ainda, argumentou que a manifestação combatida era apenas parte de uma frase retirada de seu contexto. Por fim,
defendeu que as expressões ‘baixar o porrete’ ou ‘meter o pau’ significam: ‘formular criticas, tomar providências legais’. (fls.
60/64 e 67/68)”.
12 TRF/3, Apelação n.º 0002751-51.2012.4.03.6100, 03ª Turma, Relatora Desembargadora Federal Cecília Marcondes
(processo pendente de julgamento; último andamento: autos na conclusão desde 17.07.2013).
13 Absurdo referida sentença ter dito que a ação civil pública em questão teria pretendido evitar comentários contra
homossexuais (sic), já que a petição inicial se insurgiu contra um trecho específico que entendeu como de incitação
à violência e pleiteou condenação para que não fossem proferidos discursos homofóbicos ou (logo,
alternativamente), incitações à violência. Logo, equivocada, até por erro material, a colocação de que a ação teria
pretendido evitar comentários contra homossexuais e, ainda (parafraseando), que se trataria de um mero desgostar
do conteúdo das opiniões do Querelante, donde simplórias as afirmações de que bastaria trocar de canal (pp. 11-
12): ora, se um programa profere discursos de ódio (incitações à violência, ao preconceito, à discriminação e/ou ao
ódio), ele deve ser punido pelo Poder Judiciário. Claro, a sentença entendeu que o Querelante não teria proferido
discurso de ódio, do que se discorda pelo exposto no corpo do texto desta defesa, mas o equívoco supra
demonstrado merece ser destacado e compreendido. Ao passo que a comparação com ex-empregados que dizem
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Analisado o vídeo concreto, entendeu o Querelado que o
Querelante teria incitado à violência contra pessoas gays. Não interessa se em geral as
críticas do Querelante estariam, eventualmente, no âmbito de proteção da liberdade de
expressão, tanto que esta foi a primeira denúncia do Querelado contra o Querelante; a
questão é que esta fala específica do ora Querelante efetivamente, na opinião do
Querelado, constituiu-se como uma incitação à violência ou, ao menos, uma incitação
ao preconceito, à discriminação e ao ódio contra homossexuais. Concorde ou não o
Querelante, esta foi (e é) a opinião social de pessoas ligadas à ABGLT que
denunciaram tal vídeo à mesma e trata-se de opinião que deve ser respeitada.
Logo, improcedente a defesa do Querelante na Ação Civil
Pública que foi movida contra ele também no sentido de indagar “como aceitar que um
pastor evangélico conhecido nacional e internacionalmente e que tem textos, discursos e
pregações expostos diuturnamente nas mídias existentes seja considerado um risco e sofra uma
restrição judicial por uma suposta “situação isolada” em um “pequeno trecho” de suas falas”
(sic, minimamente parafraseado14), pois a se concluir que o Querelante efetivamente
teria incitado à violência ou mesmo ao preconceito, à discriminação e/ou ao ódio em
geral no “pequeno trecho” (sic) em questão, então ele terá ultrapassado os limites da
liberdade de expressão e merecerá punição por isso.
Não foi outro o entendimento do Ilustre Procurador de Justiça,
Dr. Jefferson Aparecido Dias, que assim se manifestou na citada petição inicial sobre
tal defesa do Querelante (pp. 3-4, 6-7, 8-11):
As gírias ‘entrar de pau’ e ‘baixar o porrete’ têm claro conteúdo
homofóbico, por incitar a violência em relação aos homossexuais,
que “vão meter a empresa no pau” (sic), na expressão “cair de pau” como condenação social (sic) e “entrar de pau”
ou “meter o pau” como mera condenação social (sic) ignora inacreditavelmente que, no seu uso geral, tais
expressões não são utilizadas a uma audiência de milhares (senão milhões) de pessoas por um líder religioso que
exerce influência sobre aqueles que assistem seus programas... A comparação foi extremamente infeliz e, assim,
improcedente. Sendo que o próprio magistrado reconheceu a “ambiguidade literal” (sic) das palavras, embora tenha
entendido (do que se discorda) que o contexto mostraria que as expressões “entrar de pau” e “baixar o porrete”
teriam sido utilizadas no sentido da necessidade de providências contra a Parada Gay pelo uso que o Querelante julgou
inadequado dos santos católicos, de sorte a entender que tais expressões não teriam sido usadas para incentivar a
violência ou o ódio contra homossexuais (sic – p. 14), reforçando seu entendimento pela ausência de qualquer
repercussão objetivamente aferida de efetivo dano causado pelas falas aferidas (sic – p. 16) – e se discorda disso porque se
entende que justamente o contexto, de uma pessoa influente, em rede nacional, em tom extremamente
irritado/exasperado/colérico que diz que a mídia não teria dado a cobertura que ele julga adequada por estar
supostamente influenciada por gays em suas editorias (sic) torna, no mínimo, absolutamente verossímil que se
entenda a conduta do Querelante como de incitação ao preconceito, à discriminação, ao ódio e, mesmo, à violência,
no mínimo pela tal ambiguidade literal das palavras reconhecida pela própria sentença, o que independe de prova
concreta de que tal incitação tenha efetivamente produzido efeito (sendo absurdo, ainda, a sentença invocar o voto
do Ministro Ayres Britto no HC n.º 82.424/RS na medida em que Sua Excelência ficou vencido neste julgamento e,
portanto, vencido na parte em que considerou as manifestações analisadas naquele julgamento do STF como de
legítimo exercício de crença religiosa, filosófica e política, visto que a maioria de nossa Suprema Corte as
considerou como não abarcadas no âmbito de proteção da liberdade de expressão por incitarem ao racismo e, enfim
[em sua ratio segundo nossa interpretação], à discriminação ilícita em geral). Link para a sentença disponível na
nota a seguir e em nota anterior.
14 Cf. Sentença na Ação Civil Pública n.º 0002751-51.2012.4.03.6100, disponível em
http://www.jfsp.jus.br/assets/Uploads/administrativo/NUCS/decisoes/2012/120503retratacaopastor.pdf
(último acesso em 31.07.2013).
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desrespeitando seus direitos fundamentais baseados na dignidade da pessoa
humana. Mais do que expressar uma opinião, as palavras do réu em programa
veiculado em rede nacional configuram um discurso de ódio, não condizente cem as
funções constitucionais da Comunicação Social. No site ‘Verdade Gospel’15,
indicado pelo réu Silas Malafaia em sua defesa, este conclama seus fieis a enviarem
e-mail ao. Procurador da Republica signatário e ao Ministro da Educação,
incluindo o endereço de e-mail de ambos. No vídeo-resposta, presente no mesmo
sitio, também ha o pedido do Mu para que envie e-mail a Procuradora Federal dos
Direitos do. Cidadão. Em razão disso, centenas, de e-mails e correspondências foram
recebidos, com o texto sugerido pelo referido réu, o que demonstra sua influencia
sobre seus espectadores. Da mesma forma que seus seguidores atenderam
prontamente o seu apelo para o envio de tais e-mails, o que poderá
acontecer se eles decidirem, literalmente, ‘entrar de pau’ ou ‘baixar o
porrete’ em homossexuais? Assim, diante dos fatos e da negligência da Radio e
Televisão Bandeirantes Ltda. e da omissão da União em evitar a divulgação de
conteúdo homofóbico em rede nacional, não existe outra alternativa senão socorrer-
se ao Poder Judiciário a fim de impedir que tais comentários voltem a ocorrer e,
ainda, alcançar a retratação e a devida proteção legal aos cidadãos lesados, para que
tenham seus direitos fundamentais efetivamente garantidos. [...] O réu Silas Lima
Malafaia, em programa veiculado pela Radio e Televisão Bandeirantes
Ltda., utiliza as gírias ‘entrar de pau’ e ‘baixar o porrete’ em relação a
alguns homossexuais, indeterminados, que participaram da Parada Gay em
São Paulo, por não concordar com uma manifestação destes relacionada a
símbolos religiosos da Igreja Católica. Sua manifestação tem claro
contendo homofóbico, por incitar a violência em relação aos homossexuais,
desrespeitando seus direitos fundamentais baseados na dignidade da
pessoa humana. Mais do que expressar uma opinião, as palavras do réu
configuram um discurso de ódio, não condizente com as funções
constitucionais da Comunicação Social, previstas nos artigos 220 e 221 da
Constituição Federal: [...] Ainda que haja a liberdade de culto e a liberdade de
expressão, também previstas na Constituição Federal, a manifestação do
pensamento não pode ser utilizada como justificativa para ofensa de direitos
fundamentais alheios. E isso que dispõe a Convenção Americana de Direitos
Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), ratificada pelo Brasil em 25 de
setembro de 1992: [...] O Supremo Tribunal Federal já tratou sobre o tema na
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 187. Destacamos
trecho do voto do Relator, Ministro Celso de Mello: ‘É certo que o direito a livre
expressão do pensamento não se reveste de caráter absoluto, pois sofre
limitações de natureza ética e de caráter jurídico. É por tal razão que a
incitação ao ódio público contra qualquer pessoa, povo ou grupo social não
está protegida pela cláusula constitucional que assegura a liberdade de
expressão. Cabe relembrar, neste ponto, a própria Convenção Americana sobre
Direitos. Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), cujo Art. 13, § exclui, do
âmbito de proteção da liberdade de manifestação do pensamento, ‘toda propaganda a
favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que
constitua incitação discriminatória, a hostilidade, ao crime ou a violência’.
15 “Disponível em: http://www.verdadegospel.com/pr-malafaia-responde-ao-movimento-gay-que-quer-tirar-seuprograma-de-tv-
do-ar/. Acesso em 08/02/2012” (nota do original).
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(Destaque nosso). Citamos também outra memorável do Supremo Tribunal Federal
a respeito dos limites da Liberdade de Expressão: ‘[...] 13. Liberdade de expressão.
Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos.
O direito a livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de
contado imoral que implicam ilicitude penal. 14. As liberdades públicas não são
incondicionais, por isso devem 'ser exercidas de maneira harmônica, observados os
limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo § 2°, primeira parte).
O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o ‘direito a incitação
ao racismo’, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda
de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos
princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. [...]’ [STF, HC
n.º 82.424/RS] [...] Como líder religioso, o réu Silas Lima Malafaia e
formador de opiniões e moderador de costumes. Ainda que sua crença não
coadune com a prática homossexual, incitar a violência ou o desrespeito a
homossexuais extrapola seus direitos de livre expressão, constituindo
pratica violadora dos direitos fundamentais dignidade, a honra e mesmo a
segurança desses cidadãos. Por isso a importância da retratação de seus
comentários homofóbicos diante de seus telespectadores, bem como da
abstenção do réu Silas Lima Malafaia de continuar veiculando mensagens
que incitem a violência contra homossexuais, atentando contra sua
dignidade e seus direitos fundamentais. (grifos nossos)
Como visto, um Procurador de Justiça Federal entendeu a
manifestação do Querelante como apta a incitar à violência contra homossexuais, o
que demonstra, ainda mais, o quão compreensível é a compreensão do Querelado no
mesmo sentido. Ainda que a decisão final daquele processo venha a concluir que não
teria havido incitação à violência ou discurso de ódio em geral (e o processo pende de
julgamento de apelação, logo, ele está longe de terminar, já que passível de chegar ao
Supremo Tribunal Federal ou, no mínimo, ao Superior Tribunal de Justiça para a
devida valoração jurídica dos fatos em questão), é incontestável que é possível
compreender a fala extremamente irritada/exasperada/colérica do Querelante como
uma incitação à violência e um discurso de ódio, o que significa que agiu o Querelado
dentro do seu exercício regular de direito de denúncia de fatos que lhe pareceram (e
ainda lhe parecem) ilícitos (e a sentença de improcedência não pode ser usada para lhe
calar, visto que pende de apelação e, de qualquer forma, desde que sempre se diga o
resultado da ação judicial, é direito de todos discordar de decisões judiciais, mesmo
transitadas em julgado).
Cabe lembrar aqui a afirmação do Superior Tribunal de Justiça
segundo a qual “Para a configuração do crime de difamação é mister a existência de dolo
específico (animus difamandi), consistente no desejo de macular a honra do ofendido” (STJ,
APn 603/PR, DJe de 14.10.2011), donde, considerando que o animus do Querelado,
enquanto representante da ABGLT, foi o de solicitar ao Ministério Público Federal que
analisasse o eventual cabimento de alguma pena/ação contra o Querelante, não se tem
por configurado o crime de difamação e, por identidade de razões, também o de
injúria.
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Ora, não pode o Querelante querer, ele, proibir outras pessoas
de criticarem a sua fala e de a denunciarem ao Ministério Público para que ele
avalie a situação e decida se cabe ou não alguma ação contra ele... não pode ele
querer que outras pessoas calem a boca, como pretendeu em seu vídeo
relativamente a cantores gospel e pastores que têm uma posição teológica distinta
da sua... tal mostra, data venia, a conveniente incoerência da postura do Querelante
já que, a todo momento, diz (inclusive no citado vídeo) que tem o direito de crítica,
mas quando é criticado, quer calar a boca de quem o critica, não havendo como
interpretar de outra forma sua ação contra o Querelado pela denúncia que ele fez...
Enfim, em razão da contextualização fática supra (aqui
devidamente prequestionada), tem-se que o Querelado agiu dentro de seu exercício
regular de direito de denúncia e, assim, não pode ser tido como incorrendo nos
crimes de injúria e difamação, ante o célebre princípio geral de Direito segundo o
qual aquele que exerce o próprio direito não prejudica ninguém (ou, ao menos,
pondere-se, não pode ser processado por exercer legitimamente o seu direito).
3.2. Do direito subjetivo do Querelado e de quem quer que seja considerar o
Querelante como homofóbico – além do mais enquanto (então) representante de
associação defensora dos direitos da minoria LGBT.
Alega o Querelante que há militantes gays que, indevidamente, o
estariam colocando como adversário do Movimento LGBT.
Primeiramente, cabe destacar o estranhamento de o Querelante
se mostrar surpreso por ser visto como adversário do Movimento LGBT quando ele
mesmo se declarou inimigo público n.º 1 do Movimento Gay brasileiro, consoante
comprova matéria publicada pela Folha de São Paulo no dia 19 de dezembro de 2011,
senão vejamos:
Mas é Malafaia quem chama mais atenção, com seus ataques verbais dirigidos a
uma ampla série de inimigos, que incluem líderes do movimento pelos direitos gays
no Brasil, defensores do direito ao aborto e da descriminalização da maconha. ‘Sou
o inimigo público número 1 do movimento gay no Brasil’, disse Malafaia
no mês passado em Fortaleza, nordeste do Brasil, onde ele passou a liderar uma
de suas autodenominadas ‘cruzadas’, um show que mistura escrituras e canções
para 200 mil pessoas.16 (grifo nosso)
Sem falar na declaração por ele fornecida à Revista Época,
segundo a qual o Querelante se considera a maior barreira contra a criminalização da
homofobia (em suas palavras: “Hoje, sou a maior barreira que existe para aprovarem a lei
que criminaliza a homofobia”17).
16 Cf. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/newyorktimes/15720-pastor-polemico-faz-sucesso-no-brasil.shtml
(último acesso em 31.07.2013).
17 Cf. http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI259012-15223,00.html (ultimo acesso em 31.07.2013).
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Por outro lado, Excelências, como se vê no próprio vídeo supra
transcrito, o Querelante se manifesta de forma enfática e enfurecida contra o Projeto de
Lei que visa criminalizar a discriminação e as ofensas por orientação sexual e por
identidade de gênero (PLC 122/06), afirmando que referido projeto estaria a pretender
criar uma “lei de privilégios” (sic), uma “lei da mordaça” e outros impropérios do
gênero quando a singela leitura do referido projeto, no Substitutivo da Senadora
Fátima Cleide (que é o que se encontra em tramitação desde 2009)18, se limita a incluir
as expressões orientação sexual19 e identidade de gênero20 na atual Lei de Racismo (Lei
18 O advogado signatário [Paulo Iotti] lembra-se bem do surgimento, ou pelo menos difusão, da falácia da “mordaça
gay” [valendo a pena contextualizar a discussão]. Ocorreu no final de 2006, quando aprovado, na Câmara dos
Deputados, o então Projeto de Lei (PL) n.º 5.003/2001, projeto de lei que criminaliza a discriminação e as ofensas
por orientação sexual e por identidade de gênero, o qual, quando chegou ao Senado Federal, recebeu a
denominação de Projeto de Lei da Câmara (PLC) n.º 122/06. A polêmica surgiu em razão da redação original do
PLC 122/06 não se limitar a acrescentar “orientação sexual” e “identidade de gênero” na atual Lei de Racismo (Lei
Federa n.º 7.716/89), mas acrescentar outros tipos penais, entre os quais um §5º ao artigo 20 da Lei de Racismo.
Referido artigo 20 aduz que “Praticar, induzir ou incitar o preconceito e a discriminação por raça, cor, etnia, procedência
nacional ou religião” constitui crime; a redação original do PLC n.º 122/06 visava acrescentar um §5º a tal dispositivo,
que aduziria que “O disposto neste artigo envolve a prática de qualquer tipo de ação violenta,
constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica”, o que fez com que alguns
passassem a se indagar sobre o que seria um “constrangimento filosófico” e, assim, com isso, surgiu a falácia da
“mordaça gay” (sic) e da “ditadura gayzista” (sic), por tais pessoas entenderem que o Movimento LGBT estaria a
supostamente querer “calar” aqueles que “discordam da homossexualidade”, de sorte a supostamente violar a
liberdade de expressão. Pois bem. Muito embora este patrono já tenha defendido em sua dissertação de mestrado,
em trecho disponibilizado em http://www.plc122.com.br/entenda-plc122/#axzz2aaqSWoaR (último acesso em
31.07.2013), que aqui se reitera, no qual, parafraseando a célebre máxima de Carlos Maximiliano (segundo a qual o
Direito deve ser interpretado de forma inteligente a fim de que a lei não resulte em absurdo), que uma interpretação
minimamente inteligente/razoável de dito dispositivo legal de forma sistêmica com os direitos fundamentais à
liberdade de expressão, de consciência e crença faria com que ele não incidisse em manifestações que, embora
críticas (e das quais se discordasse), fossem respeitosas e não formuladas com animus injuriandi ou na forma de
discursos de ódio e incitações ao preconceito, à discriminação e à violência em geral (um padre dizer a uma pessoa
homossexual que pede sua opinião que a homossexualidade, na opinião dele, seria um “pecado” e, assim,
“contrária à vontade de Deus” não constitui crime hoje nem constituiria com a redação original e muito menos a
atual do PLC n.º 122/06; mas um padre que, no mesmo contexto, chamasse tal pessoa homossexual de “sodomita
sujo” e/ou incitasse outros ao preconceito contra ela por conta de sua homossexualidade ele estaria, aí sim,
cometendo um ato criminoso com base no PLC n.º 122/06; é apenas um exemplo, já que é impossível falar abstrata
e universalmente sobre o tema, sendo necessário analisar cada manifestação de cada caso concreto). [Muito embora
isso, o texto que está tramitando agora é o Substitutivo de Fátima Cleide, que retirou este artigo e diversos outros,
limitando-se a incluir as expressões “orientação sexual” e “identidade de gênero”, explicitadas nas duas notas
seguintes, na atual Lei de Racismo, o que quer dizer que aquilo que será crime se cometido contra alguém por sua
cor, etnia, procedência nacional ou religião, critérios da atual Lei de Racismo, será crime se cometido em razão da
orientação sexual e identidade de gênero da vítima. Nada mais. Aliás, quem quer “privilégios” são religiosos que se
opõem a tal criminalização, já que a discriminação e as ofensas contra eles constituem crime de racismo/injúria
racial hoje, sendo que claramente não querem que as mesmas situações gerem crime se cometidas contra pessoas
LGBT, ou seja, contra pessoas por sua orientação sexual ou identidade de gênero. Sem falar que há muitos
opositores do projeto que falam como se não existisse o Substitutivo de Fátima Cleide e como se o Movimento
LGBT organizado não estivesse defendendo unicamente este Substitutivo em seus pleitos – defende-se o
Substitutivo de Fátima Cleide justamente por não se querer “privilégio” nenhum ou “mordaça” nenhuma, mas
apenas a igual proteção penal relativamente aos outros critérios de discriminação constantes da Lei de Racismo,
para que não haja hierarquização de opressões, no sentido de se considerar uma opressão “mais/menos grave” do que
as outras, que é o que ocorre quando se pune uma de forma mais grave/branda relativamente à punição das
demais].
19 “A orientação sexual refere-se ao sexo que atrai a pessoa de forma erótico-afetiva, definindo-a como homossexual,
heterossexual ou bissexual. Tal expressão se refere ao sexo biológico ao qual o sentimento erótico-afetivo da pessoa
está direcionado. Trata-se da atração erótico-afetiva que se sente por pessoas do mesmo sexo (homossexualidade),
pessoas de sexo diverso (heterossexualidade) ou de ambos os sexos (bissexualidade). Portanto, atualmente, a
homossexualidade caracteriza-se pelo amor romântico-conjugal entre pessoas do mesmo sexo; a heterossexualidade
pelo amor romântico-conjugal entre pessoas de sexo diverso; e a bissexualidade pelo amor romântico-conjugal
entre pessoas de ambos os sexos. Logo, o que distingue homo, hétero e bissexualidade é o objeto de desejo erótico-
afetivo, respectivamente, pessoas do mesmo sexo, pessoas de sexo diverso e pessoas de ambos os sexos. Esclareça-
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se: quando falo em atração erótico-afetiva, não estou querendo dizer que todo envolvimento sexual se dá com estes
dois elementos – há uma infinidade de relacionamentos sexuais que não são pautados pelo afeto romântico da
definição, mas não é esse o foco aqui pretendido. A intenção foi destacar que o homossexual só consegue sentir
atração, tanto erótica quanto romântico-afetiva, por pessoa do mesmo sexo, que o heterossexual só consegue sentir
atração, tanto erótica quanto romântico-afetiva, por pessoa do sexo oposto e que o bissexual consegue sentir
atração, erótica e afetiva, por pessoas de ambos os sexos – o que não significa que a mera atração erótica (sexual)
não surja nestas pessoas por outras (as quais, portanto, podem perfeitamente sentir atração meramente
erótica/sexual por outras, sem sentiram atração afetiva/romântica por elas). É de se refutar, aqui, o argumento por
vezes utilizado no sentido de que a expressão orientação sexual abarcaria também a pedofilia/pederastia, ou seja, o
desejo sexual por menores de idade. Trata-se de argumento que desafia a inteligência e beira a má-fé, argumento
este normalmente esgrimido por religiosos fundamentalistas que condenam, a priori, a homossexualidade e
buscam, a todo instante, “argumentos” para tentar justificar seu preconceito homofóbico. Com efeito, a pedofilia é
uma prática sexual específica que independe da orientação sexual. A expressão orientação sexual envolve o sexo
biológico que constitui o objeto do sentimento erótico-afetivo das pessoas, independentemente da idade, ao passo
que a pedofilia é uma prática sexual específica que não está relacionada à orientação sexual (pode ser praticada por
homo, hétero ou bissexuais), praticada entre um adulto e uma criança, prática esta moralmente condenada ao longo
dos últimos séculos (embora largamente difundida no passado, a partir da puberdade das pessoas). Logo, prática
sexual não se confunde com orientação sexual. Um mínimo de bom-senso leva a tal constatação. Aponte-se, ainda,
que a orientação sexual independe de “opção” da pessoa, pois a realidade empírica já demonstrou que um ato de
vontade é incapaz de alterar a orientação sexual de alguém, sendo assim tecnicamente incorreta a expressão opção
sexual. Ainda que a ciência médica não saiba definir o que forma a sexualidade, aduzindo tratarem-se de fatores
biopsicossociais, ponto pacífico na seara científica séria é aquele segundo o qual a pessoa não escolhe ser homo,
hétero ou bissexual, simplesmente descobre-se de uma forma ou de outra. O que pode ocorrer é a pessoa reprimir
sua verdadeira orientação sexual (normalmente, homossexuais e bissexuais) para exteriorizar uma outra (a
heterossexual) por conta do preconceito social que teme sofrer se assumir sua verdadeira orientação sexual.
Contudo, neste caso, não temos uma “mudança” de orientação sexual, mas mera repressão da verdadeira
orientação sexual da pessoa, em que se pode concluir que “opção” há, apenas, na exteriorização ou não de sua
orientação sexual, mas não na definição dela. Por fim, a orientação sexual não é passível de “ensino”, de
aprendizado nem nada do gênero, como a inacreditável interpretação literal do termo “orientação” faz algumas
pessoas pensar. Isso resta igualmente comprovado pelas inúmeras pesquisas psicossociais que já demonstraram
que a criação de um menor por um casal homoafetivo não aumenta a possibilidade de ele “se tornar” homossexual
– mesmo porque a orientação sexual não se escolhe nem se ensina, apenas se descobre” (VECCHIATTI, Paulo
Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do Casamento Civil, da União Estável e da
Adoção por Casais Homoafetivos, 2ª Edição, São Paulo: Editora Método, 2012, pp. 84-86. Notas de rodapé
omitidas).
20 “A identidade de gênero constitui-se no entendimento que a pessoa tem relativamente ao gênero do qual faz parte.
Transexual é a pessoa na qual há dissociação entre o seu sexo biológico e sua identidade de gênero (ou seja, entre
seu sexo físico e seu sexo psíquico). Usando-se uma expressão já consagrada neste campo, é a pessoa que tem
convicção de que nasceu no corpo errado. É o caso do homem que se entende como mulher e da mulher que se
entende como homem. Daí se percebe a clara distinção entre homossexuais e transexuais: enquanto os segundos
não se identificam com seu sexo biológico, os primeiros identificam-se com ele e, apesar disso, possuem sentimento
erótico-afetivo direcionado a pessoas do mesmo sexo”; “O termo gênero significa o conjunto de características
atribuídas às pessoas por conta de seu sexo biológico. Ou seja, a partir da presunção de que determinadas atitudes
e posturas seriam inerentes ao homem ou à mulher (essencialismo), criaram-se os conceitos de masculinidade e
feminilidade para designar as atitudes que se espera/exige de homens (masculinidade) e de mulheres (feminilidade)
– basicamente, como forma de se estabelecer o predomínio dos homens sobre as mulheres, com a atribuição de
características de autonomia, liderança, racionalidade, agressividade, competitividade, objetividade e não
expressão das emoções ao masculino e características de hipersensibilidade emocional, passividade, subjetividade e
criação/educação dos filhos ao feminino. Em suma, o masculino define-se em negação ao feminino (pois, segundo
as normas de gênero que perduram até hoje, masculino e feminino seriam categorias antagônicas, diametralmente
opostas entre si). Como se vê, neste campo, tem-se presentes as ideologias de gênero, “que nos ensinam o
comportamento adequado, esperado e recompensado pelos outros, moldam nossas personalidades para conformá-
las às normas sociais e reprimem ou punem comportamentos a elas não conformes” e que nos são transmitidas
desde o nosso nascimento. Embora não seja o escopo deste trabalho realizar as profundas digressões sociológicas
inerentes ao tema já amplamente explorado pelos estudos sociológicos (principalmente feministas), cabe lembrar
que a literatura já demonstrou que os conceitos de masculinidade e feminilidade são relativos (construtivismo),
variáveis conforme cada sociedade e dependentes dos valores a elas inerentes, em que resta refutada qualquer
cientificidade de argumentos que diga que determinadas atitudes éticas e/ou morais sejam inerentes ao sexo
biológico” (VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do
Casamento Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos, 2ª Edição, São Paulo: Editora Método,
2012, pp. 87-89. Notas de rodapé omitidas).
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Federal n.º 7.716/89), o que significa única e exclusivamente que tudo aquilo que é
crime se cometido em razão de cor, etnia, procedência nacional e religião (critérios da
atual Lei de Racismo) passará a ser crime contra pessoas LGBT. Assim, a despeito da
polêmica gerada por um dispositivo específico da redação original do projeto, o
mesmo lá não se encontra, mas o Querelante fala do projeto como se tal dispositivo
ainda estivesse no projeto em tramitação...
Tal situação cria uma situação de embate argumentativo, com
militantes LGBT criticando as falas do Querelante e apontando o que vislumbram
como falhas de seu discurso e, assim, criticam o Querelante por conta de suas
manifestações. Excelências, isso tem um nome: liberdade de expressão, na sua acepção
mais clássica, do mercado de ideias, para que a melhor prevaleça, ressalvados os casos
de injúrias (ofensas) a indivíduos ou coletividades, discursos de ódio e incitações à
violência. Ou seja, sendo a liberdade o direito de se fazer o que se quiser desde que
não se prejudiquem terceiros (e assim o é desde a célebre Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão pós-Revolução Francesa), tem-se que a liberdade de expressão de
opinião e crítica não abarca ofensas a indivíduos ou coletividades, incitações ao
preconceito e à discriminação e discursos de ódio em geral, já que tais discursos
efetivamente prejudicam suas vítimas. Por oportuno, cite-se as decisões do Tribunal
Europeu de Direitos Humanos (caso Vejdeland e outros v. Suécia)21, da Suprema Corte
do México (Revisión n.º 2802/2012)22, da Suprema Corte do Canadá [caso
Saskatchewan (Human Rights Commission) v. Whatcott, 2013 SCC 11]23 e da Corte
Criminal de Istambul (caso Kaos GL v. Yeni Akit)24, as quais afirmaram que
21 Segundo o qual a discriminação por orientação sexual é tão séria/grave quanto a discriminação por “raça,
origem e cor”, donde, acrescentamos, merece a mesma punição criminal – cf. item 55 da decisão. Para a íntegra da
mesma, vide
http://cmiskp.echr.coe.int/tkp197/view.asp?action=html&documentId=900340&portal=hbkm&source=externalby
docnumber&table=F69A27FD8FB86142BF01C1166DEA398649 (acesso em 29/04/12).
22 Cf. http://www2.scjn.gob.mx/red2/comunicados/comunicado.asp?id=2549 (ultimo acesso em 31.07.2013),
segundo a qual “a Primeira Sala determinou que as expressões homofóbicas, isto é, o discurso consistente em inferir que a
homossexualidade não é uma opção sexual válida, mas uma condição de inferioridade, constituem manifestações
discriminatórias, e isso apesar de emitidas em um sentido burlesco, já que mediante as mesmas se incita, promove e justifica a
intolerância contra a homossexualidade. Por isso, as manifestações homofóbicas são uma categoria de discursos de ódio, os quais
se identificam por provocar ou fomentar o desprezo [rechazo] contra um grupo social. A problemática social de tais discursos
decorre de que, mediante as expressões de menosprezo e insulto que contêm, os mesmos geram sentimentos sociais de
hostilidade contra pessoas ou grupos. Por isso, a Primeira Sala determinou que as expressões empregadas no caso concreto,
consistentes nas palavras ‘bichonas’ [‘maricones’] e ‘punhal’ [‘puñal’], foram ofensivas, pois embora sejam expressões
fortemente arraigadas na linguagem da sociedade mexicana, o certo é que as práticas que realizam amaioria dos integrantes da
sociedade não podem convalidar violações a direitos fundamentais. Adicionalmente, a Primeira Sala resolveu que ditas
expressões foram impertinentes, pois seu emprego não era necessário para a finalidade de disputa que se estava levando a cabo,
relativa à crítica mútia entre dois jornalistas [periodistas] da cidade de Puebla. Por isso, determinou-se que as expressões
‘bichona’ e ‘punhal’, tal e como foram empregadas no presente caso, não se encontravam protegidas pela Constituição. Cabe
assinalar que a Primeira Sala não ignora que certas expressões que, em abstrato, poderiam caracterizar um discurso homofóbico,
podem validamente ser empregadas em estudos de índole científica ou em obras de natureza artística, sem que por tal motivo se
caracterizem como discursos de ódio [sin que por tal motivo impliquen la actualización de discursos del odio]”.
23 Cf. http://scc.lexum.org/decisia-scc-csc/scc-csc/scc-csc/en/item/12876/index.do (último acesso em
31.07.2013).
24 Cf. http://www.lgbtqnation.com/2013/07/landmark-turkish-court-ruling-anti-gay-language-is-not-freedom-of-
speech/ (último acesso em 31.07.2013), segundo a qual “Dentro do escopo da notícia de que esta reclamou, um grupo de
orientação sexual diferente é claramente humilhado e insultado. Portanto a decisão de não processar não é válida quando uma
ação pública deveria ser tomada”, ao passo que “A corte ainda afirmou que esse tipo de discurso não está dentro da proteção
da liberdade de expressão ou de imprensa. A corte decidiu que o jornal deve ser processado por violar o artigo 216 do Código
Penal Turco, que proíbe o insulto de grupos sociais” (tradução livre). Isso porque os réus do processo classificaram um
VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS
24
Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001.
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discursos homofóbicos não estão protegidos pelo direito fundamental à liberdade
de expressão, no sentido de que ofensas, menosprezos e incitações ao preconceito, ao
ódio e/ou à discriminação não se encontram no âmbito de proteção da liberdade de
expressão, sendo paradigmática a decisão canadense por isto aplicar também a um
religioso em razão do discurso deste, embora invocando a Bíblia, ter sido entendido
como discurso de ódio dado seu tom inegavelmente ofensivo e de menosprezo a
homossexuais em geral, como supostamente ameaçadores do ambiente das escolas
públicas (pelo uso de dois flyers: “Mantenha a Homossexualidade fora das Escolas Públicas
de Saskatoon” e “Sodomitas nas nossas Escolas Públicas”, respectivamente).
Ora, não pode o Querelante querer impedir outras pessoas de
considerarem-no como homofóbico, por exemplo, pois homofobia não se limita a
violência física ou ofensas diretas, caracterizando a homofobia por toda e qualquer
conduta ou ideologia que pregue que homossexuais e bissexuais não seriam tão
dignos quanto heterossexuais, ao passo que a transfobia se caracteriza como a conduta
ou ideologia que prega que travestis, transexuais e transgêneros em geral não seriam
tão dignas quanto heterossexuais cisgêneros, ou seja, pessoas que se identificam com
seu corpo e o gênero a ele socialmente atribuído (cisgêneros) e que, ainda, sintam
atração erótico-afetiva por pessoas de sexo oposto (heterossexuais).
Não é outra a compreensão de Daniel Borrillo25, para quem “A
homofobia é um preconceito e uma ignorância que consiste em crer na supremacia da
heterossexualidade”. Segundo o autor26:
A homofobia é a atitude de hostilidade contra as/os homossexuais; portanto,
homens ou mulheres. [...] Do mesmo modo que a xenofobia ou o antissemitismo,
a homofobia é uma manifestação arbitrária que consiste em designar o outro
como contrário, inferior ou anormal; por sua diferença irredutível, ele é posicionado à
distância, fora do universo comum dos humanos. [...] Confinado no papel de marginal ou
excêntrico, o homossexual é apontado pela norma social como bizarro ou extravagante.
[...] À semelhança do negro, do judeu ou de qualquer estrangeiro, o homossexual é sempre
o outro, o diferente, aquele com quem é impensável qualquer identificação.
[...] No âmago desse tratamento discriminatório, a homofobia desempenha um papel
importante na medida em que ela é uma forma de inferiorização, consequência direta da
hierarquização das sexualidades, além de conferir um status superior à
heterossexualidade, situando-a no plano do natural, do que é evidente. [...] A diferença
homo/hétero não é só constatada, mas serve, sobretudo, para ordenar um regime
das sexualidades em que os comportamentos heterossexuais são os únicos que
merecem a qualificação de modelo social e de referência para qualquer outra
sexualidade. Assim, nessa ordem sexual, o sexo biológico (macho/fêmea) determina um
material preparado pelo grupo LGBT que moveu a ação para ajudar professores a aprenderem sobre diferentes
sexualidades e combater a homofobia como “uma tentativa de um grupo de ‘pervertidos’ e ‘desviantes’ de corromper
crianças e fazê-las considerar como normal o seu comportamento ‘herético’” (sic).
25 BORRILLO, Daniel. Homofobia. História e crítica de um preconceito, Tradução de Guilherme João de Freitas
Teixeira, 1a Edição, Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2000, p. 106. G.n.
26 BORRILLO, Op. Cit., pp. 13-14, 15-16, 22 e 31-32. G.n.
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desejo sexual unívoco (hétero), assim como um comportamento social específico
(masculino/feminino). Sexismo e homofobia aparecem, portanto, como
componentes necessários do regime binário das sexualidades27. [...] A homofobia
torna-se, assim, a guardiã das fronteiras tanto sexuais (hétero/homo), quanto de gênero
(masculino/feminino). Eis porque os homossexuais deixaram de ser as únicas vítimas da
violência homofóbica, que acaba visando, igualmente, todos aqueles eu não aderem à
ordem clássica dos gêneros: travestis, transexuais, bissexuais, mulheres heterossexuais
dotadas de forte personalidade, homens heterossexuais delicados ou que manifestam
grande sensibilidade... [...] A heterossexualidade aparece, assim, como o padrão para
avaliar todas as outras sexualidades. Essa qualidade normativa – e o ideal que ela encarna
– é constitutiva de uma forma específica de dominação, chamada HETEROSSEXISMO,
que se define como a crença na existência de uma hierarquia das sexualidades, em
que a heterossexualidade ocupa a posição superior. Todas as outras formas de
sexualidade são consideradas, na melhor das hipóteses, incompletas, acidentais e
perversas; e, na pior, patológicas, criminosas, imorais e destruidoras da civilização.
[...] Ora, se existem reações virulentas contra os gays e as lésbicas, a homofobia cotidiana
assume, sobretudo, a forma de uma violência do tipo simbólico (Bourdieu, 1998) [...]
atitudes cognitivas de cunho negativo para com a homossexualidade nos planos social,
moral, jurídico e/ou antropológico. O termo ‘homofobia’ designa, assim, dois
aspectos diferentes da mesma realidade: a dimensão pessoal, de natureza afetiva,
que se manifesta pela rejeição dos homossexuais; e a dimensão cultural, de
natureza cognitiva, em que o objeto da rejeição não é o homossexual enquanto
indivíduo, mas a homossexualidade como fenômeno psicológico e social. [...] Ora,
o heterossexismo diferencialista é, também, uma forma de homofobia – certamente mais
sutil, mas não enos eficaz –, porque, ao rejeitar a discriminação de homossexuais, tem
como corolário uma forma eufemística de segregacionismo. Em nome da diferença, a
derrogação parcial do princípio de igualdade e a criação de um regime de exceção para
gays e lésbicas foram propostas, na França, tanto por personalidades políticas quanto por
intelectuais considerados, até então, progressistas (Borrillo; Fassin; Iacub, 1999).
No mesmo sentido, segundo Marco Aurélio Máximo Prado e
Rogério Diniz Junqueira28:
O termo homofobia tem sido comumente empregado em referência a um conjunto de
emoções negativas (aversão, desprezo, ódio, desconfiança, desconforto ou medo) em
relação aos ‘homossexuais’. No entanto, entende-lo assim implica limitar a compreensão
27 “É assim que a homofobia geral permite denunciar os desvios e deslizes do masculino em direção ao feminino e vice-versa, de
tal modo que se opera uma reatualização constante nos indivíduos ao lembrar-lhes sua filiação ao ‘gênero correto’. Segundo
parece, qualquer suspeita de homossexualidade é sentida como uma traição suscetível de questionar a identidade mais profunda
do ser. Desde o berço, as cores azul e rosa marcam os territórios dessa summa divisio que, de maneira implacável, fixa o
indivíduo seja à masculinidade, seja à femininilidade. E quando se profere o insulto ‘veado’ (‘pédé’), denuncia-se quase sempre
um não respeito pelos atributos masculinos ‘naturais’ sem que exista uma referência particular à verdadeira orientação sexual
da pessoa. Ou quando se trata alguém como homossexual (homem ou mulher), denuncia-se sua condição de traidor(a) e
desertor(a) do gênero ao qual ele ou ela pertence ‘naturalmente’. [...] Essa ordem sexual, ou seja, o sexismo, implica tanto a
subordinação do feminino ao masculino quanto a hierarquização das sexualidades, fundamento da homofobia” (BORRILO, Op.
Cit., pp. 26-27 e 30)
28 PRADO, Marco Aurélio Máximo e JUNQUEIRA, Rogério Diniz. Homofobia, hierarquização e humilhação social.
In: VENTURI, Gustavo e BOKANY, Vilma. Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil, 1ª Ed., São Paulo: Ed. Perseu
Abramo, 2011, pp. 57 e 60. G.n.
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Denúncia de incitação à violência questionada na Justiça

  • 1. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 1 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DO SETOR DE CARTAS PRECATÓRIAS DA COMARCA DE CURITIBA/PR. Processo n.º 0015635-72.2012.8.19.0203 ANTONIO LUIZ MARTINS DOS REIS (socialmente conhecido como “Toni Reis”), brasileiro, casado, professor, portador da Cédula de Identidade RG n.º [...], inscrito no CPF/MF sob o n.º [...], com endereço na [...], nos autos da Queixa-Crime em epígrafe, que lhe move SILAS LIMA MALAFAIA, brasileiro, casado, pastor evangélico, portador da Cédula de Identidade RG n.º [...], inscrito no CPF/MF sob o n.º [...], domiciliado na [...], por seu advogado signatário, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, apresentar CONTRARRAZÕES DE APELAÇÃO, requerendo ainda a manutenção da R. Sentença não só por seus fundamentos, mas preferencialmente por fundamento diverso, a saber, a atipicidade material/não antijuridicidade material da conduta, ainda por analogia in bonam partem ao disposto no artigo 515, §3º, do Código de Processo Civil (teoria da causa madura), até porque a analogia é expressamente permitida em termos processuais penais (artigo 3º do Código de Processo Penal) e ainda mais porque é invocada aqui in bonam partem, pelas razões de fato e de Direito deduzidas no arrazoado anexo. Termos em que, Pede e Espera Deferimento. Curitiba, 05 de agosto de 2013. Paulo Roberto Iotti Vecchiatti Rafael dos Santos Kirchhoff OAB/SP n.º 242.668 OAB/PR n.º 46.088 Assinado por PAULO ROBERTO IOTTI VECCHIATTI:31510920803 em 18/08/2013 03:56:55.455 -0300 Signature Not Verified
  • 2. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 2 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br CONTRARRAZÕES DE APELAÇÃO CONTRARRAZOANTE-APELADO: Antonio Luiz Martins dos Reis (“Toni Reis”) CONTRARRAZOADO-APELANTE: Silas Lima Malafaia Processo n.º 0015635-72.2012.8.19.0203 Egrégio Colégio Recursal, Colenda Turma Julgadora. Ínclitos Juízes. Em que pese o esforço do [Nobre] causídico ex adverso, não merecem prosperar suas razões recursais, ante realmente não ter o Querelante atendido ao disposto no artigo 41 do Código de Processo Penal quanto, especialmente, pela necessidade de manutenção da R. Sentença por fundamento distinto, a saber, a atipicidade material ou, caso se prefira, a não-antijuridicidade material da conduta, consoante se passa a demonstrar: 1. BREVE SÍNTESE DAS TESES AQUI DESENVOLVIDAS. Muito embora não tenha tido o Querelado acesso ao processo originário no Rio de Janeiro, por estarem na conclusão até (pelo menos) 02.08.13, o que demanda a devolução do prazo para poder-se ter acesso aos documentos eventualmente juntados pelo Querelante na queixa-crime para o respeito ao direito fundamental à ampla defesa do Querelado, o que aqui se requer, por cautela apresentam-se estas contrarrazões, requerendo-se a possibilidade de aditá-las após o acesso aos autos originários, no mínimo por força do direito constitucional de petição aliado ao justo motivo em questão. Ademais, muito embora trate-se de contrarrazões de apelação pela extinção do processo por não atendimento ao disposto no artigo 41 do Código de Processo Penal (e, realmente, o Querelante não explicou, em sua apelação, de que forma poderia ser considerado “criminoso” um singelo pedido de providências ao Ministério Público para que ele analise se cabe eventual pena contra o Querelante, ou seja, como o exercício regular do direito de denúncia poderia ser considerado como fato formal e materialmente criminoso), discorre-se aqui sobre razões de mérito em razão do pleito de manutenção da extinção por força de atipicidade material ou, caso se prefira, não antijuridicidade material da conduta (sendo que se entende, inclusive, pela atipicidade formal, como se explica sinteticamente no parágrafo seguinte), por se entender que pode o Colégio Recursal manter a extinção do processo, embora por fundamento distinto, no mínimo por analogia in bonam partem relativamente ao disposto no artigo 515, §3º, do Código de Processo Civil (teoria da causa madura). Sobre o mérito, como adiante se demonstra à saciedade, não resta consubstanciada nenhuma prática criminosa no presente caso, mas, ao contrário, o legítimo exercício do direito à liberdade de expressão e crítica sobre as manifestações do Querelante e, ainda, o EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO DE DENÚNCIA ao Ministério Público Federal por um fato que pareceu (e parece) ao Querelado, como
  • 3. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 3 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br representante da ABGLT e mesmo pessoalmente, como de incitação à violência, ou, ao menos, é passível de ser compreendido dessa forma (já que a manifestação do Querelante, objeto daquele ofício, realmente é passível de passar essa impressão). Logo, tendo sido exercitado exercício regular de direito de denúncia, então a conduta é formalmente atípica, por não ser concebível que o ato de pedir a uma autoridade competente que analise um caso e tome providências possa ser tido como “criminoso”; mas, caso se entenda que a conduta seria “formalmente típica” (o que criaria uma antinomia real entre normas legais), então é de se reconhecer o fato como materialmente atípico ou, caso se prefira, como materialmente jurídico (não antijuridicidade material), pelos mesmos fundamentos. Com efeito, o Ofício em questão limitou-se a solicitar que o Ministério Público Federal averiguasse o eventual cabimento de alguma pena ao Querelante, em razão de ter a ABGLT1 recebido diversas denúncias de que o Querelante teria efetivado incitação à violência por intermédio do vídeo em comento, o que, de pronto, já deixa evidente que o Ofício assinado pelo Querelado se limitou a solicitar ao Ministério Público que ele averiguasse se eventualmente caberia alguma medida contra o Querelante, sem fazer afirmações peremptórias a esse respeito e, de qualquer forma, limitando-se a exercer seu direito de denúncias em âmbito coletivo (representante de associação LGBT de âmbito nacional) de fatos que lhe parecem ilícitos para que as autoridades competentes isto investigassem. Absurdo o Querelante, que sempre invoca o direito de crítica para suas manifestações, não aceitar que outros critiquem seus posicionamentos e denunciem aquilo que lhes parece ilícito – ou será que o Querelante acredita que a liberdade de expressão e crítica seria aplicável somente a ele? Logo, não restam configurados os crimes de injúria e difamação no presente caso, por força do direito fundamental à liberdade de expressão, de crítica e de denúncia às Autoridades Competentes por parte do Querelado, ainda mais por tê-lo feito na qualidade de representante de associação de defesa da comunidade LGBT, consoante as razões que se passa a desenvolver pormenorizadamente: 2. DOS FATOS. Alega o Querelante, em síntese, que o Querelado teria praticado contra ele os crimes contra a honra relativos à injúria e à difamação em razão do Ofício enviado pela ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, a qual o Querelado presidia na época, atual secretário da mesma, ofício este que o Querelante aparentemente considera ofensivo à sua honra, imagina-se que em razão da denúncia ali constante (já que ele não explica tal circunstância, como reconhecido pelo Ministério Público e pelo Juízo Criminal que indeferiu a queixa). 1 Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros (cuja razão social ainda é, oficialmente, Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros).
  • 4. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 4 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br Indeferida a petição inicial por ausência de cumprimento do disposto no artigo 41 do Código de Processo Penal, foi interposta apelação pelo Querelante, razão pela qual expediu-se Carta Precatória para a intimação do Querelado para apresentar contrarrazões de apelação, [aqui apresentadas]: 2.1. Da necessária contextualização fática. A Campanha da Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo pela prevenção de DST/AIDS com a utilização de santos católicos e o vídeo do Querelante, objeto da denúncia do Ofício enviado pela ABGLT ao MPF. Primeiramente, Excelências, é preciso compreender os fatos que antecederam o citado ofício da ABGLT, a saber, a campanha da Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (APOGLBT/SP) pela prevenção de Doenças Sexualmente Transmissíveis com a utilização de santos católicos e o vídeo do Querelante, objeto da denúncia do Ofício enviado pela ABGLT ao MPF. A referida campanha, destinada a incentivar a prevenção de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), foi intitulada “Nem Santo Te Protege, Use Camisinha”. Para tanto, a APOGLBT/SP redesenhou as imagens de alguns santos católicos, estilizando-os como homens com corpo malhado (músculos bem definidos – logo, muito bonitos/atraentes) no claro intuito de dizer que não importa o quanto você reze (faça orações a divindades, etc) nem o quanto você considere o santo para o qual reza, pois se não usar preservativo (camisinha), você será infectado por alguma doença sexualmente transmissível. Tal abordagem recebeu algumas críticas, sob o argumento de supostamente desrespeitarem a religião católica pelo uso de seus santos. Nesse contexto, o Querelante, que é pastor evangélico, incitou a população católica contra “os caras na Parada Gay” (sic) por entender que este teria “desrespeitado” os santos católicos2, momento no qual proferiu a fala denunciada no ofício da ABGLT, nos seguintes termos (de memória, pode-se dizer que a síntese do vídeo se consubstancia no Querelante relatando como os jornais Folha de São Paulo, Estado de São Paulo e O Globo noticiaram a Parada Gay e a Marcha para Jesus, parabenizando os dois primeiros por sua cobertura e criticando o último): [...] homofobia já tem lei, pra quem bate e mata homossexual vai pra cadeia. Não, eles querem uma lei do privilégio, pra falarem o que quiserem e ninguém diz nada, e sabe por que a imprensa não tem nada? Eu vou abrir o verbo aqui, porque lá dentro das editorias tão cheio de gay, é isso aqui, e eles ó, manipulam informação... tá lotado nas editorias de TV e de jornais, eu queria ver se um evangélico fizesse alguma coisa contra a igreja católica pra ver se eles iam perseguir, meter pau, o que fizeram... O que que houve? Os caras na Parada Gay ri-du-cu-la-ri-za-ram símbolos da Igreja Católica e ninguém fala nada? É 2 O que não deixa de ser curioso, já que o Querelante, como pastor evangélico, provavelmente não vê significação nenhuma em santos, já que evangélicos em geral consideram a adoração de santos como idolatria vedada pela Bíblia...
  • 5. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 5 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br pra Igreja Católica ENTRAR DE PAU em cima desses caras, sabe, BAIXAR O PORRETE em cima, pra esses caras aprender, é uma vergonha... protestar, sabe, pra poder anunciar, botar pra quebrar, pagar os jornais notícia, não querem dar? Paga aí, vocês da Igreja Católica... bota notícia pro povo saber, isso é uma afronta, senhores, é o que eles querem, sabe, depois quer chamar a gente de doentes, quem são doentes, afinal de contas? Que não respeita a religião de ninguém, que debocha da religião dos outros, tá certo, que debocha dos outros? Quem são os doentes? É bom a sociedade ver isso, é bom ver isso. Agora eu quero pedir a vocês uma coisa, tem um jornalista, o Reinaldo Azevedo, de VEJA, esse cara não é evangélico, rapaz, teve um BOÇAL de um jornalista de FOLHA, eu não tenho outra coisa pra esse cara, um BOÇAL, que acabou de cair a cara dele com essa Parada Gay, foi pro lixo. Rapaz, o que esse cara escreve sobre a Marcha pra Jesus, o Reinaldo Azevedo, que tem um blog, no veja.com.br, entra no blog de Reinaldo Azevedo e você lê assim ó, “os evangélicos ensinando democracia, a Marcha para Jesus, a Parada Gay e os medos”, e outra que ele bota pra quebrar, intolerante sou eu, sobre esse negócio da Igreja Católica, e outra que ele bota quente, “Estupidez. Lideranças do sindicalismo gay partem para o confronto com os católicos e levam à avenida santos em situações ho-mo-e-ró-ti- cas. Que a Igreja Católica tenha coragem de enfrentar a imprensa e reaja à altura”. Tá no blog de Reinaldo Azevedo, ó, entra lá e dá a sua opinião. Esse cara aqui não é evangélico, mas ele, ó, ele deu um banho, um show, entra lá, veja.com.br, aí você vai ver, desce aí na tela você vai ver o blog, né, ele é colunista, Reinaldo Azevedo. Procura isso. Bota aí na tela de novo esses temas pra você anotar, porque, você vai ter que, é, ir no tema porque é muita coisa que tá na frente, tá, porque isso é coisa de uma semana atrás, então, tem muita outras notícias, mas põe aí, põe aí, vê o que esse cara fala. Agora escuta essa que eu deixei aqui pro final, escuta, essa é pro final. Médico, sindicalista, advogado, qualquer um de qualquer segmento pode falar de tudo da vida desse país, quando um pastor fala, “Religioso não...”, que conversa é essa? Eu sou cidadão desse país e tenho direito de falar de qualquer assunto, e sabe o que é que eu fico achando? É, desculpe, como é que tem gente medíocre no nosso meio, alguns irmãos, “Pastor, vai pro púlpito, pastor não é pra se meter nisso”, que-ri-do, eu não fui chamado é pra ser deputado, nem pra ser senador, nem pra ser candidato a nada, agora, eu fui chamado pra interferir, eu fui chamado pra influenciar, qualquer assunto da sociedade, para com essa falsa espiritualidade, é isso que o Diabo e os ímpios querem, que a gente fique calado. Mas eu vou mostrar uma coisinha aqui na bíblia aqui pra vocês, até pra alguns do nosso meio, “É, eu acho...”, alguns, olha, a sua covardia, você vai ficar calado, “Eu acho que nós não temos que falar nada contra o homossexualismo, nós temos que amá-los”, ah, essa conversa, então eu vou mostrar na bíblia, Efesios, capítulo 5, versículo 11 e 13, eu vou obedecer a quem, ao que você acha, ou à bíblia? Efesios, capítulo 5, versículos 11 e 13, “E não comuniqueis com as obras infrutuosas das trevas, mas antes, condenai-as, con-de- nai-as”, versículo 13, “Mas todas estas coisas se manifestam sendo condenadas, con-de-na-das, pela luz, porque a luz tudo manifesta”. Querido, vamo acabar com essa conversa fiada, de que nós não podemos manifestar, isso é papo pra boi dormir, eu me manifesto porque sou pastor, e cidadão, e me manifesto porque to amparado pela bíblia, nós igreja fomos levantados para con-de-nar as obras das trevas. Agora, se tem pastor covarde, medroso, omisso, não é
  • 6. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 6 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br problema meu, e que fica se escondendo aí numa pseudo-espiritualidade de amor. E deixa eu dizer uma última coisa aqui pra encerrar, que o meu tempo já estourou há muito. Eu queria dar um conselho para os cantores da música gospel. Vocês, cantando, já estão pregando, mas tem alguns aí que querem se meter onde não têm autoridade. Você não tem autoridade, senhores cantores, alguns, pra se meter a emitir opinião teológica, o máximo é a sua opinião. Imagina, eu querer cantar e ensinar a cantar, eu pregando já to cantando, e você cantando já tá pregando. Não se meta em assunto teológico, que vocês não têm autoridade pra dar parecer, no máximo cantem, calem a boca pra não ficar falando bobagem por internet, porque eu vou, ó, eu, eu to hoje muito, eu to nervoso, eu to paciente, eu vou, eu vou quebrar o galho aqui, tá, eu tenho que, eu tenho que deixar aqui um aviso, muito cantor tá pensando que é o que? Cante, use o seu ministério, cala a sua boca, não dê opinião teológica que você não tem autoridade pra dar. Essa que é a verdade. E você, pastor, você não quer condenar? Você não quer denunciar? Fica quietinho, agora não fica dando opinião pra se esconder atrás da sua covardia e da sua omissão. Eu não vou me calar, eu to aqui pra denunciar. E outra, para encerrar, quero zerar, muitos dos que me criticam na internet, “É, pastor Malafaia quer aparecer, pastor Malafaia quer fazer agora jogo”, é porque não me conhece, nem nascido era. Pergunta a teu pai e tua mãe, e pergunta aos membros da tua igreja aí, há trinta anos, quase trinta anos, não tinha nem internet, eu sempre defendi o povo de Deus, a igreja, os nossos princípios. Eu não cheguei agora não, oh Mané, oh Zé Bobão, metido a esperto no meio evangélico, é o que você é, eu não cheguei agora não, eu to há quase trinta anos defendendo nossos princípios, eu queria deixar isso aqui muito bem claro. E não to nem aí pra opinião de alguns. Eu sei o que eu to fazendo, eu sei porque Deus nos chamou, e eu não vou abrir mão de meus princípios. Já chega, já foi embora, já foi tudo, o meu produtor já tá quase mandando cortar o programa. Deus abençoe você, não perca, não perca, o programa do próximo sábado, que eu vou encerrar a mensagem “como ser segundo o coração de Deus”. Deus abençoe a todos, no nome de Jesus.3 (grifos nossos) Em razão de uma fala tão agressiva, em um tom extremamente exasperado, extremamente irritado, verdadeiramente colérico, a ABGLT recebeu denúncias de pessoas LGBT indignadas com referida fala do pastor, que entenderam que o mesmo teria incitado à violência contra a população LGBT com o trecho “É pra Igreja Católica ENTRAR DE PAU em cima desses caras, sabe, BAIXAR O PORRETE em cima, pra esses caras aprender, é uma vergonha...” – o que é, data venia, algo absolutamente possível e verossímil de se inferir de uma tal fala, especialmente em razão do citado tom extremamente exasperado, extremamente irritado e colérico, a despeito da posição do Querelante no sentido de que sua fala teria sido “descontextualizada” pela ABGLT e, assim, pelo Querelado, do que, data maxima venia, discorda-se veementemente. Com efeito, a transcrição daquilo que o Querelante falou antes e depois do trecho do “entrar de pau/baixar o porrete” mostra uma pessoa verdadeiramente esbravejando de maneira extremamente revoltada contra militantes gays em geral no que tange à questão dos Santos na Parada, o que é 3 Cf. http://www.youtube.com/watch?v=d9KEa7SdUS0 (acesso em 29.07.2013). Esclarece-se que não se localizou a íntegra do vídeo do Querelado na busca que se fez no prazo de apresentação desta defesa, sendo esta a única razão pela qual o início não se encontra transcrito e nem constante do link do youtube que leva a ele. Que o Querelante traga a íntegra do vídeo aos autos, se realmente não teve que todo o contexto seja divulgado.
  • 7. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 7 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br agravado com a fala igualmente revoltada/exasperada/colérica contra pastores que dele discordam e contra cantores gospel que manifestam opiniões teológicas, o que vem a deixar ainda mais verossímil ou, ao menos, compreensível a compreensão da fala colérica do Querelante como incitação à violência contra pessoas gays em geral. Excelências, trata-se de manifestação na qual o Querelante afirma peremptoriamente que a mídia estaria repleta de gays em suas editorias (sic) e que tais gays estariam “manipulando” informações em tais editorias de sorte a, por isso, não criticar o Movimento LGBT... ora, como não ver isso como um discurso de ódio pautado em subjetivismo desprovido de qualquer comprovação fática que lhe sustente? Ainda que possa haver gays trabalhando na mídia (certamente há, como em qualquer outra profissão), como pode o Querelante alegar que os mesmos estariam deliberadamente manipulando informações em prol do Movimento LGBT? Como não ver isso como uma incitação da população que o assiste contra homossexuais e, consequentemente (ao menos teme-se e temeu o Querelado como representante da associação por isso), contra o Movimento LGBT em geral? Por outro lado, o juízo de valor atribuído pelo Querelante, no sentido de que “os caras na Parada Gay ri-di-cu-la-ri-za-ram” os santos católicos (SIC) sem ter a mínima cautela de mostrar a forma como os santos foram retratados e sem explicar minimamente a campanha de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis na qual tal uso das imagens de santos foi realizado, incontestavelmente pode ser compreendido como uma incitação da população (ao menos religiosa) contra “os caras na Parada Gay” (sic), sendo que tal expressão acaba por abarcar todo e qualquer gay que vai na Parada Gay e acaba, assim, por incitar a população contra a comunidade homossexual4, o que facilmente pode acabar fazendo com que tal incitação atinja a população LGBT como um todo já que muitos ainda chamam de gays também a bissexuais, travestis e transexuais5 (reitere-se, ao menos teme-se e temeu o Querelado por isso enquanto representante da ABGLT). Ora, a postura do Querelante no vídeo em comento, relativo a seu programa semanal, foi extremamente inconsequente na forma como externou sua opinião. Um mínimo de cautela exigível da pessoa mediana (“homem médio”) deixa evidente que ele deveria ter mostrado a forma concreta como os santos católicos foram retratados na Parada do Orgulho LGBT de São Paulo de 2011 e explicado o contexto de tal uso, a saber, a citada campanha “Nem Santo Te Proteje, Use Camisinha”, campanha esta elogiada até mesmo pelo juiz federal que julgou improcedente a ação civil pública movida pelo Querelante6 – e se o Querelante não 4 Já que usou a palavra gay, que designa em geral o homossexual masculino, mas por vezes é usada para o homossexual em geral, logo, também para mulheres homossexuais, geralmente definidas como lésbicas. 5 Assim era como, em passado não muito distante, era compreendida toda a população LGBT: bissexuais, travestis e transexuais eram todos considerados como integrantes do segmento gay, o que só há poucas décadas passou a ser desmistificado por conta dos Movimentos Identitários, ou seja, pelo fato de bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros em geral terem lutado pelo reconhecimento de suas especificidades identitárias. 6 Segundo o magistrado, relativamente às palavras do Querelante: “Que, inapropriadas, de péssima ou infeliz escolha, inoportunas e arriscamo-nos em afirmar contraditórias, para quem prega o cristianismo, não se tem dúvida, e com as quais este Juízo jamais poderá concordar, todavia, como diria Voltaire e muito ouvida nos corredores da PUC enquanto este magistrado ainda estudante: ‘posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las’, o juramento estrito do cumprimento da constituição impõe a este Juízo afastar qualquer restrição ao direito de
  • 8. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 8 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br foi atrás de tal informação então violou o dever de boa-fé objetiva exigível de qualquer pessoa mediana, já que o mínimo que se espera de alguém que queira fazer críticas públicas a alguém ou a algo procure se inteirar de todo o contexto do fato que pretende criticar para somente então fazer a crítica, ainda mais quando se trata de um formador de opinião como (lamentavelmente) o Querelante é, ainda mais quando tal crítica se dá em programa de televisão de grande audiência e ainda mais quando a televisão em questão é uma concessão pública que deve, portanto, atender ao princípio da função social da propriedade para não ser usada como palanque por aqueles que pura e simplesmente têm dinheiro para comprar tempo para exporem suas opiniões, de sorte a que o mínimo que se pode exigir de alguém que use uma tecnologia televisa oriunda de concessão pública para expor suas críticas é que se inteire de todo o contexto daquilo que quer criticar para passar todo o quadro fático daquilo que lhe revolta para, somente então, emitir seus juízos subjetivos... Mas, da forma como foi feita a manifestação do Querelante, ele simplesmente disse que “os caras na Parada Gay” teriam ridicularizado os santos católicos, sem essa necessária contextualização e em um tom extremamente exasperado/revoltado/colérico, de sorte a sua manifestação poder perfeitamente ser compreendida como uma “incitação ao preconceito” e mesmo ao ódio pelo menos contra homossexuais (pelo uso do termo gay) e, teme-se (e temeu o Querelado) contra pessoas LGBT em geral... Entenda-se bem, ainda que venha o Poder Judiciário a entender que o citado vídeo do Querelante não teria consistido em discurso de ódio e em incitação ao preconceito, à discriminação e/ou ao ódio contra homossexuais e/ou pessoas LGBT em geral, isso não afasta o fato de que é perfeitamente possível de se compreender uma tal manifestação dessa forma, ainda mais por integrantes da minoria homossexual e LGBT em geral, afinal, como bem sabe todo integrante de uma minoria historicamente estigmatizada (como inegavelmente é a minoria LGBT), há constantemente um temor de preconceito, ou seja, em razão do histórico de discriminações que o grupo vulnerável em questão sempre sofreu, teme-se por novas incitações ao preconceito, donde é perfeitamente compreensível que uma pessoa integrante de uma minoria estigmatizada, como o Querelado, por conta de tais pré-compreensões, venha a compreender a citada manifestação, de tom extremamente expressão do pastor corréu. Da mesma forma, deixa-se claro, não entender este Juízo como desrespeito aos católicos o emprego de santos na Parada Gay visto que associados ao emprego da cautela com a saúde e em nenhum momento poderia ser interpretada como destinada a uma agressão à Igreja Católica. Tanto assim, que não se viu nenhum católico saltando do alto de edifícios ou se imolando em praça pública por ver ameaçadas suas convicções religiosas ou mesmo pegando em armas na defesa de sua fé. Aliás, não fosse pelo indigitado pastor, que nem mesmo crê em santos, em seu revoltado discurso e tudo isso seria ignorado pela imensa maioria dos brasileiros e, evidentemente, esquecido pelos participantes da Parada Gay, alguns dias depois. Não haveria diferença entre as formas de censura, quer pela proibição do discurso do pastor ou pelo emprego indevido da imagem de santos, qualquer delas se mostrando igualmente odiosas na medida em que através dela se outorgaria a um órgão estatal o poder de decidir sobre o que deveria ser visto ou como alguém poderia se expressar” (grifos nossos). Cf. Sentença na Ação Civil Pública n.º 0002751- 51.2012.4.03.6100, disponível em http://www.jfsp.jus.br/assets/Uploads/administrativo/NUCS/decisoes/2012/120503retratacaopastor.pdf (último acesso em 31.07.2013). Sobre as discordâncias sobre esta sentença, vide nota adiante, cabendo destacar aqui que o magistrado chegou a tal conclusão sobre o discurso do Querelante por não tê-lo entendido como discurso de ódio ou incitação à violência, já que a sentença cita inclusive trecho de voto do Ministro Peluso, do STF, no sentido de que a liberdade de expressão pode ser proibida quando for dirigida a incitar ou provocar ações ilegais iminentes (p. 15), donde, não entendendo a fala do Querelante como tal, construiu sua sentença explicando-a como uma mera opinião e não como discurso de ódio (do que se discorda, ante as considerações do corpo do texto desta peça e de nota adiante).
  • 9. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 9 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br exasperado/irritado/colérico, do Querelante como incitadora ao preconceito, à discriminação e/ou ao ódio contra pessoas LGBT. Com tudo isso em mente (e tudo isso é evidente a uma pessoa mediana que compreenda todo esse contexto e essas citadas pré-compreensões), vejamos a íntegra do Ofício PR 236/2011 (TR/dh) da ABGLT, contra o qual se insurge o Querelante, no qual a associação, representada pelo Querelado, se limita a meramente solicitar que o Ministério Público Federal analisasse o caso e aferisse se eventualmente seria cabível alguma atitude contra o Querelante: Ofício PR 236/2011 (TR/dh) Curitiba, 24 de outubro de 2011 À: Exma. Sra. Gilda Pereira de Carvalho Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão pfdc001@pgr.mpf.gov.br Assunto: Solicitação de tomada de providências – utilização de concessão de meio de comunicação para incitar a violência contra pessoas LGBT Prezada Senhora, A ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – é uma entidade de abrangência nacional que congrega 237 organizações congêneres e tem como objetivo a defesa e promoção da cidadania desses segmentos da população. A ABGLT também é atuante internacionalmente e tem status consultivo junto ao Conselho Econômico e Social da Organização das Nações Unidas. Neste sentido, recebemos diversas denúncias sobre a veiculação, em rede de televisão que funciona por meio de concessão pública, da incitação da violência à população LGBT por parte do Pastor Silas Malafaia, conforme pode ser averiguada em http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=tzZFJHm_Z to no qual o pastor afirma que é preciso ‘baixar o porrete em cima, para os caras aprender a vergonha’. Nos últimos tempos, não tem sido pouca a cobertura da mídia nacional sobre ocorrências de violência contra as pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), especialmente na região da Avenida Paulista em São Paulo, entre outras. Cabe apontar que esta situação de agressão contra a população LGBT se encontra agravada pelas incitações do Pastor Malafaias no programa acima mencionado, ainda mais por sua utilização dos meios de comunicação de concessão pública para contrariar os preceitos constitucionais, especialmente os contidos nos artigos 3º e 19 da Carta Magna: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (...): IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
  • 10. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 10 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; II - recusar fé aos documentos públicos; III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si. Assim, vimos por meio deste solicitar a tomada das medidas necessárias quanto à emissora que veiculou as incitações do Pastor Malafaia, inclusive, se for considerado apropriado por este Ministério Público, a retirada do ar do programa de televisão em questão com base nas disposições do artigo 19 da Constituição Federal, assim como a aplicação de eventuais penas criminais que possam se aplicar ao Pastor Malafaias pela promoção ativa da discriminação e da violência contra determinados setores da sociedade. Na expectativa de sermos atendidos, colocamo-nos à disposição. Atenciosamente Toni Reis Presidente (grifos nossos) Sobre a menção a diversas denúncias sobre a veiculação, em rede de televisão que funciona por meio de concessão pública, da incitação da violência à população LGBT por parte do Pastor Silas Malafaia no programa em comento, elas se referem a mensagens de pessoas LGBT que também compreenderam a fala do citado pastor como incitando à violência contra a população LGBT, as quais demandavam que a ABGLT, que visa representar o segmento LGBT como um todo, tomasse alguma providência contra isso – e a ABGLT, por cautela, decidiu pura e simplesmente oficiar o Ministério Público Federal para solicitar que ele analisasse o cabimento de eventuais penas que se possam aplicar contra o ora Querelante, logo, a ABGLT pura e simplesmente solicitou providências ao Ministério Público Federal no sentido dele averiguar se entendia cabível alguma providência contra a emissora e contra o Querelante, como, de fato, ele entendeu, já que instaurou Inquérito Civil e distribuiu Ação Civil Pública contra os mesmos. Nesse sentido, será que o Querelante deseja denunciar o Nobre Promotor em questão perante a Corregedoria respectiva? Será que o Querelante pretende processar todo aquele que lhe processe caso considere seu discurso como um discurso de ódio? Será que o Querelante pretenderia processar o signatário por elaborar esta defesa e com ela concordar? Se a ABGLT tivesse entrado com um pedido de indenização por dano moral coletivo contra ele, será que ele apresentaria reconvenção para pedir a condenação da ABGLT? Será que o Querelante deseja processar todo aquele que considere suas opiniões como extrapolação dos limites do direito à liberdade de expressão? O qual não é absoluto, como nenhum direito fundamental é, como reconhece a doutrina constitucionalista como um todo... Eis, assim, o contexto fático: o ofício da ABGLT foi enviado em razão de ter o Querelado e outras pessoas LGBT, em sua análise/opinião (logo, em sua
  • 11. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 11 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br valoração subjetiva) considerado como uma incitação à violência, dentro de seu legítimo direito de crítica (liberdade de expressão), representatividade associativa e dentro de seu exercício regular de direito de denúncia – o qual não “tirou de contexto” a fala do Querelante, já que a análise do vídeo inteiro também não o socorre, como supra demonstrado. 3. DO DIREITO. 3.1. Ausência de ilicitude da conduta da ABGLT e, assim, do Querelado. Exercício regular de direito de denúncia. Liberdade de expressão e crítica do Querelado. Como se vê, Excelências, o ofício contra o qual se insurge o Querelante trata-se de uma singela solicitação de providências formulado à Autoridade Competente (no caso, o MPF), na qual se tomou o cuidado de se dizer que tal seria o caso “se for considerado apropriado por este Ministério Público”, ou seja, o ofício se limitou a solicitar que o MPF analisasse o caso e agisse apenas se ele entendesse ser o caso, como, de fato, entendeu por intermédio da propositura da Ação Civil Pública n.º 0002751-51.2012.4.03.6100, distribuída à 24ª Vara da Subseção Judiciária da Justiça Federal de São Paulo/SP e do Inquérito Civil n.º 1.34.001.006152/2011-33, que lhe antecedeu. Para a íntegra da petição inicial, vide http://www.prsp.mpf.gov.br/prdc/sala-de-imprensa/pdfs-das-noticias/0002751- 51.2012.4.03.6100%20Malafaia.PDF (último acesso em 30.07.13). Como se sabe, não constitui-se como ato ilícito aquele que configura-se como exercício regular de direito, nos termos do artigo 188, I, do Código Civil e da própria lógica imanente ao sistema jurídico como um todo, como inegavelmente é o direito de denúncia de fatos que parecem criminosos a quem faz a noticia criminis à autoridade competente, como o é o Ministério Público. Assim, não pode ser considerado como criminoso uma denúncia de um fato que o Querelado entendeu como incitando a violência contra pessoas homossexuais, ainda mais pela cautela que teve ao se limitar a solicitar providências à Autoridade Competente para esta analisar se entendia cabível alguma eventual pena contra o ora Querelante. Logo, inexistente “injúria” e/ou “difamação” em singela solicitação de providências sobre vídeo para aplicação de eventuais penas e apenas se isso for considerado apropriado pelo Ministério Público, por tal se configurar como mero exercício regular de direito de denúncia oriundo ou, ao menos, reforçado pelos direitos fundamentais à liberdade de expressão e crítica. Assim, tem-se como MATERIALMENTE ATÍPICO ou, caso se prefira, SEM ANTIJURIDICIDADE MATERIAL o fato objeto da queixa-crime em uma interpretação constitucionalmente adequada e mesmo legalmente adequada do caso, mediante interpretação sistemática do ordenamento jurídico como um todo, razão pela qual deverá ela ser rejeitada/julgada improcedente, o que desde já se requer. Tal pode ser reconhecido por Vossas Excelências por força de analogia ao disposto no artigo 515, §3º, do Código de Processo Civil, tendo em vista que o artigo 3º do Código de Processo Penal admite o uso da analogia para matérias processuais penais, ao passo que aqui se pleiteia por uma analogia in bonam partem
  • 12. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 12 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br (favor rei/favor libertatis), logo, não pode haver dúvida sobre o cabimento neste caso. Inclusive porque, embora eventual dilação probatória venha a reforçar a tese defensiva da atipicidade material/não-antijuridicidade material da conduta pelo ofício em questão decorrer de denúncias feitas ao Querelado relativamente ao vídeo em questão do Querelante, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça que, caso o Tribunal entenda desnecessária ulterior dilação probatória, o referido dispositivo legal (CPC 515 §3º) pode ser aplicado a casos que envolvam matéria fática (STJ, REsp n.º 981.416/SP, DJe de 12.11.2012). Assim, na lição de Magalhães Noronha7, sobre antijuridicidade: Deve-se a Beling a criação doutrinária da tipicidade, que recebeu notável impulso com Mayer, insistindo em que ela é elemento indiciário da antijuridicidade. Realmente, a função punitiva não se contenta apenas com a tipicidade. Um fato pode ser típico e não ser criminoso ou antijurídico, como veremos dentro em pouco. A tipicidade vem a ser, assim, indívio ouo ratio cognoscendi da antijuridicidade. 53. A antijuridicidade. A ação é antijurídica ou ilícita quando é contrária ao direito. A antijuridicidade exprime uma relação de oposição entre o fato e o direito. Ela se reduz a um juízo, a uma estimativa do comportamento humano, pois o direito penal outra coisa não é que um complexo de normas que tutelam e protegem as exigências ético-sociais. O delito é, pois, a violação de uma dessas normas. Tal conceito de completa por exclusões, isto é, pela consideração de causas que excluem a antijuridicidade. Será antijurídico um fato definido na lei penal, sempre que não for protegido por causas justificativas, também estabelecidas por ela, como se dá com o art. 23 do Código. [exemplo do autor: legítima defesa] [...] Assunto de relevo é que esta pode ser considerada sob os aspectos formal e material. A primeira é aquela a que nos estamos referindo: a oposição a uma norma legal. A segunda projeta-se fora do direito positivo, pois se constitui da contrariedade do fato às condições vitais de coexistência social ou de vida comunitária, as quais, protegidas pela norma, se transformam em bens jurídicos, como se falou no n. 49, sendo óbvio que a matéria, de que ora se trata, se encontra estritamente relacionada com o conceito material e formal do crime, objeto do citado parágrafo. Tais considerações levam à essência da antijuridicidade, mas acham-se em terreno metajurídico. [...] Não há dúvida de que a antijuridicidade material, como a aceitamos, dá o conteúdo da formal. Ela orienta o legislador no sentido de consagrar na norma aqueles imperativos e exigências da vida coletiva. Como essência, pois, da lei, ela entra no terreno jurídico. Todavia, se um fato atentar contra os interesses sociais, mas não for contemplado pela norma, não poderá ser tido como antijurídico ou ilícito penal. A preponderância há de ser da antijuridicidade formal. Nem a outra conclusão leva o princípio da reserva da lei, o nullum crimen, nulla poena sine lege. A antijuricidade representa um juízo de valor em relação ao fato lesivo do bem jurídico. E sua apreciação é puramente objetiva, não dependendo de condições próprias do autor do fato: tanto é ilícito o homicídio cometido por um homem normal como por um alienado. Em ambos os casos há 7 NORONHA, Magalhães. Direito Penal. Introdução e Parte Geral, Volume 1, 33ª Edição, São Paulo: Editora Saraiva, 1998, pp. 99-102.
  • 13. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 13 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br antijuridicidade; a diferença é que no último não existe agente culpável e, consequentemente, punição. Mas a consideração que se faz das condições psíquicas do autor do fato, para se aferir a culpabilidade, é estranha à ilicitude. Noutras palavras, sintetiza Aníbal Bruno: ‘A vontade com que o sujeito atua, ineficaz para formar o núcleo da culpabilidade, é Valda para constituir a ação ilícita’. Isso sem embargo de se reconhecer, como já ficou dito, que o tipo, às vezes, contém elementos de natureza subjetiva, que dão a medida do juízo valorativo acerca do fato. Os coeficientes subjetivos do tipo são conditio sine qua non do juízo objetivo que se formula ao indagar-se da ilicitude do fato. Sem esses elementos subjetivos, este ão pode ser objeto do juízo de valor: eles representam, como diz Bettiol, ‘il limite al di là del quale non c’è alcuna possibilità di valutazione’. (grifos nossos) Sobre o conceito de crime, aduz o mesmo autor8: 49. Conceitos de crime. [...] Em regra, definem os autores o crime sob o aspecto formal ou substancial. O primeiro tem como ponto de referência a lei: crime é o fato individual que a viola; é a conduta humana que infringe a lei penal. [...] Todavia, a definição formal não esgota o assunto. Há nela sempre uma petição de princípio. Por que essa conduta transgride a lei? Qual a razão que levou o legislador a puni-la? Qual o critério que adotou para distingui-la de outras ações também lesivas? Diversas outras questões podem ainda ser formuladas. Visa a definição substancial à consideração ontológica do delito. Garofalo, como apontamos, procurou-a no delito natural, tendo-o como a ofensa aos sentimentos altruístas de piedade e probidade comuns aos indivíduos na comunhão social. Essa concepção do delito natural, entretanto, não procede, como não se justificam outras dos Positivistas-Naturalistas. Com efeito, não se nega ter o delito aspecto biossociológico; todavia ele existe apenas como fato, antes que a norma jurídica o defina como tal, sujeitando-o à sanção. Cremos que o conceito substancial do delito pode ser obtido em outros termos. Finalidade do Estado é a consecução do bem coletivo. É a sua razão teleológica. Mas, para a efetivação, além da independência no exterior, há ele de manter a ordem no interior. Cabe-lhe, então, ditar as normas necessárias à harmonia e equilíbrio sociais. É exato que variam os modos por que pode conseguir essa finalidade, como ela própria, em determinado momento, apresentará um conteúdo distinto e diferente, de acordo com a evolução e peculiaridades históricas e sociais. Mas, de qualquer maneira, como condição da própria existência, tem ele de velar pela paz, segurança e estabilidade coletivas, no entrechoque de interesses dos indivíduos, determinando por condições naturais e sociais diversas. As normas legais, por ele ditadas, têm, então, a finalidade de tutelar bens-interesses, necessários à coexistência social, entendendo-se como bem o que satisfaz às necessidades da existência do indivíduo na vida em sociedade, e como interesse a representação psicológica a representação psicológica desse bem, a sua estima, como pondera Rocco. Mas o Estado, através do direito, valoriza esses bens-interesses, pois a ofensa a alguns deles fere mais fundo o bem comum, já por atingir condições materiais basilares para a coletividade, já por atentar contra condições éticas fundamentais. Dada, então, sua relevância, protege-os com a sanção mais severa, que é a pena. Consequentemente, crime é a conduta humana 8 NORONHA, Op. Cit., pp. 97-98.
  • 14. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 14 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br que lesa ou expõe a perigo um bem jurídico protegido pela lei penal. Sua essência é a ofensa ao bem jurídico, pois toda normal penal tem por finalidade sua tutela. (grifos nossos) Nesse sentido, não pode ser valorada como lesiva a um bem jurídico a conduta de denunciar alguém à autoridade competente por uma conduta que parece, ao denunciante, como ilícita, ainda mais quando, no presente caso, o ofício se limita a solicitar providências do Ministério Público Federal para ele analisar se entende como cabível alguma eventual pena ao Querelante. Na verdade, entende-se que, ainda que o Querelante tenha se sentido “ofendido” com o citado pedido de providências, o fato se afigura como formalmente atípico pela circunstância de que o exercício regular do direito de denúncia não poder ser visto como formalmente típico, seja porque a finalidade de tutelar bens-interesses necessários à coexistência social (Noronha) deve incentivar o legítimo exercício regular do direito de denúncia quando a situação parecer ilícita à pessoa denunciante, seja porque a consideração de tal fato como “criminoso” criaria uma antinomia real entre normas legais de igual hierarquia; mas, caso assim não se pense, subsidiariamente, tal conduta deverá ser considerada como materialmente atípico (ou, na lição de Magalhães Noronha supra transcrita, como sem antijuridicidade material), pelas mesmas razões, ou seja, por concretizadora do exercício regular do direito de denúncia, reforçado ainda pela liberdade de crítica e de expressão em geral. Afinal, considerando que o Direito deve ser entendido como um todo harmônico de regras e princípios, o exercício regular de um direito não pode ser tido como fato tipificado como crime ou como fato antijurídico, no mínimo na acepção material destes termos. O mesmo se pode concluir da lição de Luiz Regis Prado9 sobre a ilicitude/antijuridicidade: A ilicitude enquanto categoria geral do ordenamento jurídico (uno, coerente e indivisível) tem capital relevância. Exerce papel aglutinador e uniformizador dos vários setores que o compõem, propiciando uma verdadeira interconexão lógica entre eles, com o intuito de evitar a incoerência e a fragmentação. O elemento conceitual do delito, ilicitude ou antijuridicidade – expressões consideradas aqui como sinônimas –, exprime a relação de contrariedade objetiva de um fato com toda ordem jurídica, com o Direito positivo em seu conjunto. Com precisão, salienta-se que a ‘antijuricidade é dada pela relação objetiva de contradição da vontade do sujeito com o mandato ou com a proibição’ [Cerezo Mir]. Apresenta-se como infração uma norma imperativa ou de determinação (mandato/proibição), e é única (=geral) para todo o Direito. Enquanto a subsunção de um fato concreto ao tipo legal, isto é, o juízo de tipicidade, tem um caráter positivo, o juízo de ilicitude, decorrente da verificação da operatividade de uma norma permissiva, como preceito independente, evidencia um aspecto relativo. Nessa linha de pensar, acentua-se que a ilicitude ou antijuridicidade ‘é a violação da ordem jurídica em seu conjunto, mediante a realização do tipo’ [Welzel]. A realização de toda ação prevista em um tipo de injusto de ação doloso ou culposo será ilícita, enquanto não 9 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, Parte Geral, Volume I, 8ª Edição, 2ª Tiragem, Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 341.
  • 15. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 15 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br concorrer uma causa de justificação [Cerezo Mir; Welzel]. Noutro dizer: uma ação ou omissão típica será ilícita, salvo quando justificada. Desse modo, não há falar-se em ação ou omissão típica indiferente à ordem jurídica, não proibida ou simplesmente neutra. O juízo negativo de valor sobre o fato previsto no tipo é tão- somente indiciário da ilicitude (ratio cognoscendi). Após ter sido constatada a tipicidade, será aferida a ilicitude através de um procedimento negativo, quer dizer, pela averiguação de que não concorre qualquer causa justificante. Frise-se, por oportuno, que o juízo de ilicitude recai sobre a conduta típica – juízo do acontecer –, não sobre o agente ou sua personalidade [Maurach]. O que está em jogo no juízo de ilicitude é a direção externa que é conferida à vontade. Vale dizer: ‘é o uso que fez o sujeito da liberdade externa de sua vontade’ [Gracia Martin], e não da liberdade interna da vontade, própria da culpabilidade. Bem por isso que a teoria da ilicitude pode ser entendida como uma teoria do conforme ao Direito [Maurach]. De fato, o Direito autoriza ou permite que se realize, em certas hipóteses, um comportamento típico. E, sobre o exercício regular de direito como causa justificante, continua o mesmo autor10: Aquele que age no exercício regular de direito (Qui iure suo utitur neminem laedit), quer dizer, que exercita uma faculdade de acordo com o direito, está atuando licitamente, de forma autorizada (art. 5º, II, CF). Não se pode considerar ilícita a prática de ato justificado ou permitido pela lei, que se consubstancie em exercício de direito dentro do marco legal, isto é, conforme os limites nele inseridos, de modo regular e não abusivo. Essa conclusão é decorrência lógica do princípio da não contradição: um objeto não pode ser e não ser ao mesmo tempo. (grifos nossos) Cabe ainda destacar que o Querelante não arrolou, em sua queixa-crime, nenhuma testemunha, logo, não tem como provar (até por ser inverídica) a afirmação de que o Querelado teria agido com animus injuriandi e/ou animus difamandi – como não arrolou testemunhas no momento oportuno, não poderá mais fazê-lo. Logo, não se pode aceitar como válida (muito menos como “provada”) sua assertiva nesse sentido, até porque a boa-fé se presume e a má-fé precisa ser provada (no mínimo por analogia in bonam partem), razão pela qual só se pode ter a conduta do Querelado como enquadrada dentro de seu legítimo exercício regular do direito de denúncia e não de nenhuma outra forma (no mínimo pelo princípio do in dubio pro reo). Logo, materialmente atípica ou sem atipicidade material a conduta. Aprofundemos: Como supra explanado e perceptível pelo próprio ofício em questão, tal solicitação (de providências ao MPF) se deu em razão de a ABGLT ter recebido diversas denúncias de pessoas LGBT inconformadas com a afirmação 10 PRADO, Op. Cit., p. 355.
  • 16. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 16 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br transcrita no ofício, a saber, a afirmação na qual o ora Querelante afirma que é preciso ”baixar o porrete em cima, para os caras aprender a vergonha” (sic). Após as denúncias à ABGLT e ao assistir o vídeo, o Querelado chocou-se com a citada fala do ora Querelante e, assim, na qualidade de então Presidente da ABGLT, enviou o citado ofício ao Ministério Público Federal solicitando que o mesmo analisasse o vídeo e tomasse as medidas que julgasse necessárias. Ora, segundo padrões de pessoas medianas (“homem médio”), a fala do Querelante é supostamente apta o incitar à violência contra pessoas homossexuais no citado trecho de vídeo pela sua fala, inclusive pela forma extremamente agressiva/exasperada/colérica da mesma, a qual, no mínimo, pode perfeitamente ser compreendida como incitação ao preconceito e/ou ao ódio contra homossexuais. Não se ignora que o Querelado alegou em sua defesa do Ministério Público Federal e, depois, na contestação à citada ação civil pública que ele teria sido “tirado de contexto”, por estar supostamente se limitando a criticar determinadas pessoas do segmento gay e que, na verdade, teria intencionado conclamar a população católica a meramente criticar o uso das imagens de santos na Parada do Orgulho LGBT de São Paulo11, contudo, a despeito de acolhida pela decisão de primeira instância da citada ação civil pública, essa defesa do Querelado é simplesmente absurda, por contrária à sua fala concreta, já que o mesmo direcionou sua crítica aos caras da Parada Gay (sic), logo, sem restringir o alcance a alguns gays e se referindo, assim, aos gays da Parada Gay em geral, bem como falou em tom extremamente colérico/exasperado/irritado, sem dizer em nenhum momento algo como “Gente, por baixar o porrete eu quero dizer criticar, processar, não agredir”, o que denota profunda indiferença em como suas palavras seriam interpretadas pelas pessoas em geral, segundo os parâmetros da pessoa mediana (“homem médio”). Sobre o acolhimento destas razões defensivas pela primeira instância da Justiça Federal de São Paulo, o que podemos dizer é que a esperança da aplicação do melhor Direito encontra-se agora com o Tribunal Regional Federal da 3ª Região12 e, no limite, com o Superior Tribunal de Justiça ou com o Supremo Tribunal Federal, relativamente ao discurso do ora Querelante ter ultrapassado os limites da liberdade de expressão e, assim, não ser por ela protegido13. 11 Nos termos da petição inicial da citada Ação Civil Pública n.º 0002751-51.2012.4.03.6100, “Em resposta, o réu afirmou que sua manifestação tratou-se apenas de ‘critica severa a determinadas atitudes de determinadas pessoas desse segmento social, acrescida também de reflexão e crítica sobre a ausência de posicionamento adequado por parte das pessoas atingidas’. Ainda, argumentou que a manifestação combatida era apenas parte de uma frase retirada de seu contexto. Por fim, defendeu que as expressões ‘baixar o porrete’ ou ‘meter o pau’ significam: ‘formular criticas, tomar providências legais’. (fls. 60/64 e 67/68)”. 12 TRF/3, Apelação n.º 0002751-51.2012.4.03.6100, 03ª Turma, Relatora Desembargadora Federal Cecília Marcondes (processo pendente de julgamento; último andamento: autos na conclusão desde 17.07.2013). 13 Absurdo referida sentença ter dito que a ação civil pública em questão teria pretendido evitar comentários contra homossexuais (sic), já que a petição inicial se insurgiu contra um trecho específico que entendeu como de incitação à violência e pleiteou condenação para que não fossem proferidos discursos homofóbicos ou (logo, alternativamente), incitações à violência. Logo, equivocada, até por erro material, a colocação de que a ação teria pretendido evitar comentários contra homossexuais e, ainda (parafraseando), que se trataria de um mero desgostar do conteúdo das opiniões do Querelante, donde simplórias as afirmações de que bastaria trocar de canal (pp. 11- 12): ora, se um programa profere discursos de ódio (incitações à violência, ao preconceito, à discriminação e/ou ao ódio), ele deve ser punido pelo Poder Judiciário. Claro, a sentença entendeu que o Querelante não teria proferido discurso de ódio, do que se discorda pelo exposto no corpo do texto desta defesa, mas o equívoco supra demonstrado merece ser destacado e compreendido. Ao passo que a comparação com ex-empregados que dizem
  • 17. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 17 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br Analisado o vídeo concreto, entendeu o Querelado que o Querelante teria incitado à violência contra pessoas gays. Não interessa se em geral as críticas do Querelante estariam, eventualmente, no âmbito de proteção da liberdade de expressão, tanto que esta foi a primeira denúncia do Querelado contra o Querelante; a questão é que esta fala específica do ora Querelante efetivamente, na opinião do Querelado, constituiu-se como uma incitação à violência ou, ao menos, uma incitação ao preconceito, à discriminação e ao ódio contra homossexuais. Concorde ou não o Querelante, esta foi (e é) a opinião social de pessoas ligadas à ABGLT que denunciaram tal vídeo à mesma e trata-se de opinião que deve ser respeitada. Logo, improcedente a defesa do Querelante na Ação Civil Pública que foi movida contra ele também no sentido de indagar “como aceitar que um pastor evangélico conhecido nacional e internacionalmente e que tem textos, discursos e pregações expostos diuturnamente nas mídias existentes seja considerado um risco e sofra uma restrição judicial por uma suposta “situação isolada” em um “pequeno trecho” de suas falas” (sic, minimamente parafraseado14), pois a se concluir que o Querelante efetivamente teria incitado à violência ou mesmo ao preconceito, à discriminação e/ou ao ódio em geral no “pequeno trecho” (sic) em questão, então ele terá ultrapassado os limites da liberdade de expressão e merecerá punição por isso. Não foi outro o entendimento do Ilustre Procurador de Justiça, Dr. Jefferson Aparecido Dias, que assim se manifestou na citada petição inicial sobre tal defesa do Querelante (pp. 3-4, 6-7, 8-11): As gírias ‘entrar de pau’ e ‘baixar o porrete’ têm claro conteúdo homofóbico, por incitar a violência em relação aos homossexuais, que “vão meter a empresa no pau” (sic), na expressão “cair de pau” como condenação social (sic) e “entrar de pau” ou “meter o pau” como mera condenação social (sic) ignora inacreditavelmente que, no seu uso geral, tais expressões não são utilizadas a uma audiência de milhares (senão milhões) de pessoas por um líder religioso que exerce influência sobre aqueles que assistem seus programas... A comparação foi extremamente infeliz e, assim, improcedente. Sendo que o próprio magistrado reconheceu a “ambiguidade literal” (sic) das palavras, embora tenha entendido (do que se discorda) que o contexto mostraria que as expressões “entrar de pau” e “baixar o porrete” teriam sido utilizadas no sentido da necessidade de providências contra a Parada Gay pelo uso que o Querelante julgou inadequado dos santos católicos, de sorte a entender que tais expressões não teriam sido usadas para incentivar a violência ou o ódio contra homossexuais (sic – p. 14), reforçando seu entendimento pela ausência de qualquer repercussão objetivamente aferida de efetivo dano causado pelas falas aferidas (sic – p. 16) – e se discorda disso porque se entende que justamente o contexto, de uma pessoa influente, em rede nacional, em tom extremamente irritado/exasperado/colérico que diz que a mídia não teria dado a cobertura que ele julga adequada por estar supostamente influenciada por gays em suas editorias (sic) torna, no mínimo, absolutamente verossímil que se entenda a conduta do Querelante como de incitação ao preconceito, à discriminação, ao ódio e, mesmo, à violência, no mínimo pela tal ambiguidade literal das palavras reconhecida pela própria sentença, o que independe de prova concreta de que tal incitação tenha efetivamente produzido efeito (sendo absurdo, ainda, a sentença invocar o voto do Ministro Ayres Britto no HC n.º 82.424/RS na medida em que Sua Excelência ficou vencido neste julgamento e, portanto, vencido na parte em que considerou as manifestações analisadas naquele julgamento do STF como de legítimo exercício de crença religiosa, filosófica e política, visto que a maioria de nossa Suprema Corte as considerou como não abarcadas no âmbito de proteção da liberdade de expressão por incitarem ao racismo e, enfim [em sua ratio segundo nossa interpretação], à discriminação ilícita em geral). Link para a sentença disponível na nota a seguir e em nota anterior. 14 Cf. Sentença na Ação Civil Pública n.º 0002751-51.2012.4.03.6100, disponível em http://www.jfsp.jus.br/assets/Uploads/administrativo/NUCS/decisoes/2012/120503retratacaopastor.pdf (último acesso em 31.07.2013).
  • 18. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 18 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br desrespeitando seus direitos fundamentais baseados na dignidade da pessoa humana. Mais do que expressar uma opinião, as palavras do réu em programa veiculado em rede nacional configuram um discurso de ódio, não condizente cem as funções constitucionais da Comunicação Social. No site ‘Verdade Gospel’15, indicado pelo réu Silas Malafaia em sua defesa, este conclama seus fieis a enviarem e-mail ao. Procurador da Republica signatário e ao Ministro da Educação, incluindo o endereço de e-mail de ambos. No vídeo-resposta, presente no mesmo sitio, também ha o pedido do Mu para que envie e-mail a Procuradora Federal dos Direitos do. Cidadão. Em razão disso, centenas, de e-mails e correspondências foram recebidos, com o texto sugerido pelo referido réu, o que demonstra sua influencia sobre seus espectadores. Da mesma forma que seus seguidores atenderam prontamente o seu apelo para o envio de tais e-mails, o que poderá acontecer se eles decidirem, literalmente, ‘entrar de pau’ ou ‘baixar o porrete’ em homossexuais? Assim, diante dos fatos e da negligência da Radio e Televisão Bandeirantes Ltda. e da omissão da União em evitar a divulgação de conteúdo homofóbico em rede nacional, não existe outra alternativa senão socorrer- se ao Poder Judiciário a fim de impedir que tais comentários voltem a ocorrer e, ainda, alcançar a retratação e a devida proteção legal aos cidadãos lesados, para que tenham seus direitos fundamentais efetivamente garantidos. [...] O réu Silas Lima Malafaia, em programa veiculado pela Radio e Televisão Bandeirantes Ltda., utiliza as gírias ‘entrar de pau’ e ‘baixar o porrete’ em relação a alguns homossexuais, indeterminados, que participaram da Parada Gay em São Paulo, por não concordar com uma manifestação destes relacionada a símbolos religiosos da Igreja Católica. Sua manifestação tem claro contendo homofóbico, por incitar a violência em relação aos homossexuais, desrespeitando seus direitos fundamentais baseados na dignidade da pessoa humana. Mais do que expressar uma opinião, as palavras do réu configuram um discurso de ódio, não condizente com as funções constitucionais da Comunicação Social, previstas nos artigos 220 e 221 da Constituição Federal: [...] Ainda que haja a liberdade de culto e a liberdade de expressão, também previstas na Constituição Federal, a manifestação do pensamento não pode ser utilizada como justificativa para ofensa de direitos fundamentais alheios. E isso que dispõe a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica), ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992: [...] O Supremo Tribunal Federal já tratou sobre o tema na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 187. Destacamos trecho do voto do Relator, Ministro Celso de Mello: ‘É certo que o direito a livre expressão do pensamento não se reveste de caráter absoluto, pois sofre limitações de natureza ética e de caráter jurídico. É por tal razão que a incitação ao ódio público contra qualquer pessoa, povo ou grupo social não está protegida pela cláusula constitucional que assegura a liberdade de expressão. Cabe relembrar, neste ponto, a própria Convenção Americana sobre Direitos. Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), cujo Art. 13, § exclui, do âmbito de proteção da liberdade de manifestação do pensamento, ‘toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação discriminatória, a hostilidade, ao crime ou a violência’. 15 “Disponível em: http://www.verdadegospel.com/pr-malafaia-responde-ao-movimento-gay-que-quer-tirar-seuprograma-de-tv- do-ar/. Acesso em 08/02/2012” (nota do original).
  • 19. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 19 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br (Destaque nosso). Citamos também outra memorável do Supremo Tribunal Federal a respeito dos limites da Liberdade de Expressão: ‘[...] 13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito a livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de contado imoral que implicam ilicitude penal. 14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem 'ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo § 2°, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o ‘direito a incitação ao racismo’, dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. [...]’ [STF, HC n.º 82.424/RS] [...] Como líder religioso, o réu Silas Lima Malafaia e formador de opiniões e moderador de costumes. Ainda que sua crença não coadune com a prática homossexual, incitar a violência ou o desrespeito a homossexuais extrapola seus direitos de livre expressão, constituindo pratica violadora dos direitos fundamentais dignidade, a honra e mesmo a segurança desses cidadãos. Por isso a importância da retratação de seus comentários homofóbicos diante de seus telespectadores, bem como da abstenção do réu Silas Lima Malafaia de continuar veiculando mensagens que incitem a violência contra homossexuais, atentando contra sua dignidade e seus direitos fundamentais. (grifos nossos) Como visto, um Procurador de Justiça Federal entendeu a manifestação do Querelante como apta a incitar à violência contra homossexuais, o que demonstra, ainda mais, o quão compreensível é a compreensão do Querelado no mesmo sentido. Ainda que a decisão final daquele processo venha a concluir que não teria havido incitação à violência ou discurso de ódio em geral (e o processo pende de julgamento de apelação, logo, ele está longe de terminar, já que passível de chegar ao Supremo Tribunal Federal ou, no mínimo, ao Superior Tribunal de Justiça para a devida valoração jurídica dos fatos em questão), é incontestável que é possível compreender a fala extremamente irritada/exasperada/colérica do Querelante como uma incitação à violência e um discurso de ódio, o que significa que agiu o Querelado dentro do seu exercício regular de direito de denúncia de fatos que lhe pareceram (e ainda lhe parecem) ilícitos (e a sentença de improcedência não pode ser usada para lhe calar, visto que pende de apelação e, de qualquer forma, desde que sempre se diga o resultado da ação judicial, é direito de todos discordar de decisões judiciais, mesmo transitadas em julgado). Cabe lembrar aqui a afirmação do Superior Tribunal de Justiça segundo a qual “Para a configuração do crime de difamação é mister a existência de dolo específico (animus difamandi), consistente no desejo de macular a honra do ofendido” (STJ, APn 603/PR, DJe de 14.10.2011), donde, considerando que o animus do Querelado, enquanto representante da ABGLT, foi o de solicitar ao Ministério Público Federal que analisasse o eventual cabimento de alguma pena/ação contra o Querelante, não se tem por configurado o crime de difamação e, por identidade de razões, também o de injúria.
  • 20. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 20 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br Ora, não pode o Querelante querer, ele, proibir outras pessoas de criticarem a sua fala e de a denunciarem ao Ministério Público para que ele avalie a situação e decida se cabe ou não alguma ação contra ele... não pode ele querer que outras pessoas calem a boca, como pretendeu em seu vídeo relativamente a cantores gospel e pastores que têm uma posição teológica distinta da sua... tal mostra, data venia, a conveniente incoerência da postura do Querelante já que, a todo momento, diz (inclusive no citado vídeo) que tem o direito de crítica, mas quando é criticado, quer calar a boca de quem o critica, não havendo como interpretar de outra forma sua ação contra o Querelado pela denúncia que ele fez... Enfim, em razão da contextualização fática supra (aqui devidamente prequestionada), tem-se que o Querelado agiu dentro de seu exercício regular de direito de denúncia e, assim, não pode ser tido como incorrendo nos crimes de injúria e difamação, ante o célebre princípio geral de Direito segundo o qual aquele que exerce o próprio direito não prejudica ninguém (ou, ao menos, pondere-se, não pode ser processado por exercer legitimamente o seu direito). 3.2. Do direito subjetivo do Querelado e de quem quer que seja considerar o Querelante como homofóbico – além do mais enquanto (então) representante de associação defensora dos direitos da minoria LGBT. Alega o Querelante que há militantes gays que, indevidamente, o estariam colocando como adversário do Movimento LGBT. Primeiramente, cabe destacar o estranhamento de o Querelante se mostrar surpreso por ser visto como adversário do Movimento LGBT quando ele mesmo se declarou inimigo público n.º 1 do Movimento Gay brasileiro, consoante comprova matéria publicada pela Folha de São Paulo no dia 19 de dezembro de 2011, senão vejamos: Mas é Malafaia quem chama mais atenção, com seus ataques verbais dirigidos a uma ampla série de inimigos, que incluem líderes do movimento pelos direitos gays no Brasil, defensores do direito ao aborto e da descriminalização da maconha. ‘Sou o inimigo público número 1 do movimento gay no Brasil’, disse Malafaia no mês passado em Fortaleza, nordeste do Brasil, onde ele passou a liderar uma de suas autodenominadas ‘cruzadas’, um show que mistura escrituras e canções para 200 mil pessoas.16 (grifo nosso) Sem falar na declaração por ele fornecida à Revista Época, segundo a qual o Querelante se considera a maior barreira contra a criminalização da homofobia (em suas palavras: “Hoje, sou a maior barreira que existe para aprovarem a lei que criminaliza a homofobia”17). 16 Cf. http://www1.folha.uol.com.br/fsp/newyorktimes/15720-pastor-polemico-faz-sucesso-no-brasil.shtml (último acesso em 31.07.2013). 17 Cf. http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI259012-15223,00.html (ultimo acesso em 31.07.2013).
  • 21. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 21 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br Por outro lado, Excelências, como se vê no próprio vídeo supra transcrito, o Querelante se manifesta de forma enfática e enfurecida contra o Projeto de Lei que visa criminalizar a discriminação e as ofensas por orientação sexual e por identidade de gênero (PLC 122/06), afirmando que referido projeto estaria a pretender criar uma “lei de privilégios” (sic), uma “lei da mordaça” e outros impropérios do gênero quando a singela leitura do referido projeto, no Substitutivo da Senadora Fátima Cleide (que é o que se encontra em tramitação desde 2009)18, se limita a incluir as expressões orientação sexual19 e identidade de gênero20 na atual Lei de Racismo (Lei 18 O advogado signatário [Paulo Iotti] lembra-se bem do surgimento, ou pelo menos difusão, da falácia da “mordaça gay” [valendo a pena contextualizar a discussão]. Ocorreu no final de 2006, quando aprovado, na Câmara dos Deputados, o então Projeto de Lei (PL) n.º 5.003/2001, projeto de lei que criminaliza a discriminação e as ofensas por orientação sexual e por identidade de gênero, o qual, quando chegou ao Senado Federal, recebeu a denominação de Projeto de Lei da Câmara (PLC) n.º 122/06. A polêmica surgiu em razão da redação original do PLC 122/06 não se limitar a acrescentar “orientação sexual” e “identidade de gênero” na atual Lei de Racismo (Lei Federa n.º 7.716/89), mas acrescentar outros tipos penais, entre os quais um §5º ao artigo 20 da Lei de Racismo. Referido artigo 20 aduz que “Praticar, induzir ou incitar o preconceito e a discriminação por raça, cor, etnia, procedência nacional ou religião” constitui crime; a redação original do PLC n.º 122/06 visava acrescentar um §5º a tal dispositivo, que aduziria que “O disposto neste artigo envolve a prática de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica”, o que fez com que alguns passassem a se indagar sobre o que seria um “constrangimento filosófico” e, assim, com isso, surgiu a falácia da “mordaça gay” (sic) e da “ditadura gayzista” (sic), por tais pessoas entenderem que o Movimento LGBT estaria a supostamente querer “calar” aqueles que “discordam da homossexualidade”, de sorte a supostamente violar a liberdade de expressão. Pois bem. Muito embora este patrono já tenha defendido em sua dissertação de mestrado, em trecho disponibilizado em http://www.plc122.com.br/entenda-plc122/#axzz2aaqSWoaR (último acesso em 31.07.2013), que aqui se reitera, no qual, parafraseando a célebre máxima de Carlos Maximiliano (segundo a qual o Direito deve ser interpretado de forma inteligente a fim de que a lei não resulte em absurdo), que uma interpretação minimamente inteligente/razoável de dito dispositivo legal de forma sistêmica com os direitos fundamentais à liberdade de expressão, de consciência e crença faria com que ele não incidisse em manifestações que, embora críticas (e das quais se discordasse), fossem respeitosas e não formuladas com animus injuriandi ou na forma de discursos de ódio e incitações ao preconceito, à discriminação e à violência em geral (um padre dizer a uma pessoa homossexual que pede sua opinião que a homossexualidade, na opinião dele, seria um “pecado” e, assim, “contrária à vontade de Deus” não constitui crime hoje nem constituiria com a redação original e muito menos a atual do PLC n.º 122/06; mas um padre que, no mesmo contexto, chamasse tal pessoa homossexual de “sodomita sujo” e/ou incitasse outros ao preconceito contra ela por conta de sua homossexualidade ele estaria, aí sim, cometendo um ato criminoso com base no PLC n.º 122/06; é apenas um exemplo, já que é impossível falar abstrata e universalmente sobre o tema, sendo necessário analisar cada manifestação de cada caso concreto). [Muito embora isso, o texto que está tramitando agora é o Substitutivo de Fátima Cleide, que retirou este artigo e diversos outros, limitando-se a incluir as expressões “orientação sexual” e “identidade de gênero”, explicitadas nas duas notas seguintes, na atual Lei de Racismo, o que quer dizer que aquilo que será crime se cometido contra alguém por sua cor, etnia, procedência nacional ou religião, critérios da atual Lei de Racismo, será crime se cometido em razão da orientação sexual e identidade de gênero da vítima. Nada mais. Aliás, quem quer “privilégios” são religiosos que se opõem a tal criminalização, já que a discriminação e as ofensas contra eles constituem crime de racismo/injúria racial hoje, sendo que claramente não querem que as mesmas situações gerem crime se cometidas contra pessoas LGBT, ou seja, contra pessoas por sua orientação sexual ou identidade de gênero. Sem falar que há muitos opositores do projeto que falam como se não existisse o Substitutivo de Fátima Cleide e como se o Movimento LGBT organizado não estivesse defendendo unicamente este Substitutivo em seus pleitos – defende-se o Substitutivo de Fátima Cleide justamente por não se querer “privilégio” nenhum ou “mordaça” nenhuma, mas apenas a igual proteção penal relativamente aos outros critérios de discriminação constantes da Lei de Racismo, para que não haja hierarquização de opressões, no sentido de se considerar uma opressão “mais/menos grave” do que as outras, que é o que ocorre quando se pune uma de forma mais grave/branda relativamente à punição das demais]. 19 “A orientação sexual refere-se ao sexo que atrai a pessoa de forma erótico-afetiva, definindo-a como homossexual, heterossexual ou bissexual. Tal expressão se refere ao sexo biológico ao qual o sentimento erótico-afetivo da pessoa está direcionado. Trata-se da atração erótico-afetiva que se sente por pessoas do mesmo sexo (homossexualidade), pessoas de sexo diverso (heterossexualidade) ou de ambos os sexos (bissexualidade). Portanto, atualmente, a homossexualidade caracteriza-se pelo amor romântico-conjugal entre pessoas do mesmo sexo; a heterossexualidade pelo amor romântico-conjugal entre pessoas de sexo diverso; e a bissexualidade pelo amor romântico-conjugal entre pessoas de ambos os sexos. Logo, o que distingue homo, hétero e bissexualidade é o objeto de desejo erótico- afetivo, respectivamente, pessoas do mesmo sexo, pessoas de sexo diverso e pessoas de ambos os sexos. Esclareça-
  • 22. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 22 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br se: quando falo em atração erótico-afetiva, não estou querendo dizer que todo envolvimento sexual se dá com estes dois elementos – há uma infinidade de relacionamentos sexuais que não são pautados pelo afeto romântico da definição, mas não é esse o foco aqui pretendido. A intenção foi destacar que o homossexual só consegue sentir atração, tanto erótica quanto romântico-afetiva, por pessoa do mesmo sexo, que o heterossexual só consegue sentir atração, tanto erótica quanto romântico-afetiva, por pessoa do sexo oposto e que o bissexual consegue sentir atração, erótica e afetiva, por pessoas de ambos os sexos – o que não significa que a mera atração erótica (sexual) não surja nestas pessoas por outras (as quais, portanto, podem perfeitamente sentir atração meramente erótica/sexual por outras, sem sentiram atração afetiva/romântica por elas). É de se refutar, aqui, o argumento por vezes utilizado no sentido de que a expressão orientação sexual abarcaria também a pedofilia/pederastia, ou seja, o desejo sexual por menores de idade. Trata-se de argumento que desafia a inteligência e beira a má-fé, argumento este normalmente esgrimido por religiosos fundamentalistas que condenam, a priori, a homossexualidade e buscam, a todo instante, “argumentos” para tentar justificar seu preconceito homofóbico. Com efeito, a pedofilia é uma prática sexual específica que independe da orientação sexual. A expressão orientação sexual envolve o sexo biológico que constitui o objeto do sentimento erótico-afetivo das pessoas, independentemente da idade, ao passo que a pedofilia é uma prática sexual específica que não está relacionada à orientação sexual (pode ser praticada por homo, hétero ou bissexuais), praticada entre um adulto e uma criança, prática esta moralmente condenada ao longo dos últimos séculos (embora largamente difundida no passado, a partir da puberdade das pessoas). Logo, prática sexual não se confunde com orientação sexual. Um mínimo de bom-senso leva a tal constatação. Aponte-se, ainda, que a orientação sexual independe de “opção” da pessoa, pois a realidade empírica já demonstrou que um ato de vontade é incapaz de alterar a orientação sexual de alguém, sendo assim tecnicamente incorreta a expressão opção sexual. Ainda que a ciência médica não saiba definir o que forma a sexualidade, aduzindo tratarem-se de fatores biopsicossociais, ponto pacífico na seara científica séria é aquele segundo o qual a pessoa não escolhe ser homo, hétero ou bissexual, simplesmente descobre-se de uma forma ou de outra. O que pode ocorrer é a pessoa reprimir sua verdadeira orientação sexual (normalmente, homossexuais e bissexuais) para exteriorizar uma outra (a heterossexual) por conta do preconceito social que teme sofrer se assumir sua verdadeira orientação sexual. Contudo, neste caso, não temos uma “mudança” de orientação sexual, mas mera repressão da verdadeira orientação sexual da pessoa, em que se pode concluir que “opção” há, apenas, na exteriorização ou não de sua orientação sexual, mas não na definição dela. Por fim, a orientação sexual não é passível de “ensino”, de aprendizado nem nada do gênero, como a inacreditável interpretação literal do termo “orientação” faz algumas pessoas pensar. Isso resta igualmente comprovado pelas inúmeras pesquisas psicossociais que já demonstraram que a criação de um menor por um casal homoafetivo não aumenta a possibilidade de ele “se tornar” homossexual – mesmo porque a orientação sexual não se escolhe nem se ensina, apenas se descobre” (VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do Casamento Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos, 2ª Edição, São Paulo: Editora Método, 2012, pp. 84-86. Notas de rodapé omitidas). 20 “A identidade de gênero constitui-se no entendimento que a pessoa tem relativamente ao gênero do qual faz parte. Transexual é a pessoa na qual há dissociação entre o seu sexo biológico e sua identidade de gênero (ou seja, entre seu sexo físico e seu sexo psíquico). Usando-se uma expressão já consagrada neste campo, é a pessoa que tem convicção de que nasceu no corpo errado. É o caso do homem que se entende como mulher e da mulher que se entende como homem. Daí se percebe a clara distinção entre homossexuais e transexuais: enquanto os segundos não se identificam com seu sexo biológico, os primeiros identificam-se com ele e, apesar disso, possuem sentimento erótico-afetivo direcionado a pessoas do mesmo sexo”; “O termo gênero significa o conjunto de características atribuídas às pessoas por conta de seu sexo biológico. Ou seja, a partir da presunção de que determinadas atitudes e posturas seriam inerentes ao homem ou à mulher (essencialismo), criaram-se os conceitos de masculinidade e feminilidade para designar as atitudes que se espera/exige de homens (masculinidade) e de mulheres (feminilidade) – basicamente, como forma de se estabelecer o predomínio dos homens sobre as mulheres, com a atribuição de características de autonomia, liderança, racionalidade, agressividade, competitividade, objetividade e não expressão das emoções ao masculino e características de hipersensibilidade emocional, passividade, subjetividade e criação/educação dos filhos ao feminino. Em suma, o masculino define-se em negação ao feminino (pois, segundo as normas de gênero que perduram até hoje, masculino e feminino seriam categorias antagônicas, diametralmente opostas entre si). Como se vê, neste campo, tem-se presentes as ideologias de gênero, “que nos ensinam o comportamento adequado, esperado e recompensado pelos outros, moldam nossas personalidades para conformá- las às normas sociais e reprimem ou punem comportamentos a elas não conformes” e que nos são transmitidas desde o nosso nascimento. Embora não seja o escopo deste trabalho realizar as profundas digressões sociológicas inerentes ao tema já amplamente explorado pelos estudos sociológicos (principalmente feministas), cabe lembrar que a literatura já demonstrou que os conceitos de masculinidade e feminilidade são relativos (construtivismo), variáveis conforme cada sociedade e dependentes dos valores a elas inerentes, em que resta refutada qualquer cientificidade de argumentos que diga que determinadas atitudes éticas e/ou morais sejam inerentes ao sexo biológico” (VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do Casamento Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos, 2ª Edição, São Paulo: Editora Método, 2012, pp. 87-89. Notas de rodapé omitidas).
  • 23. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 23 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br Federal n.º 7.716/89), o que significa única e exclusivamente que tudo aquilo que é crime se cometido em razão de cor, etnia, procedência nacional e religião (critérios da atual Lei de Racismo) passará a ser crime contra pessoas LGBT. Assim, a despeito da polêmica gerada por um dispositivo específico da redação original do projeto, o mesmo lá não se encontra, mas o Querelante fala do projeto como se tal dispositivo ainda estivesse no projeto em tramitação... Tal situação cria uma situação de embate argumentativo, com militantes LGBT criticando as falas do Querelante e apontando o que vislumbram como falhas de seu discurso e, assim, criticam o Querelante por conta de suas manifestações. Excelências, isso tem um nome: liberdade de expressão, na sua acepção mais clássica, do mercado de ideias, para que a melhor prevaleça, ressalvados os casos de injúrias (ofensas) a indivíduos ou coletividades, discursos de ódio e incitações à violência. Ou seja, sendo a liberdade o direito de se fazer o que se quiser desde que não se prejudiquem terceiros (e assim o é desde a célebre Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão pós-Revolução Francesa), tem-se que a liberdade de expressão de opinião e crítica não abarca ofensas a indivíduos ou coletividades, incitações ao preconceito e à discriminação e discursos de ódio em geral, já que tais discursos efetivamente prejudicam suas vítimas. Por oportuno, cite-se as decisões do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (caso Vejdeland e outros v. Suécia)21, da Suprema Corte do México (Revisión n.º 2802/2012)22, da Suprema Corte do Canadá [caso Saskatchewan (Human Rights Commission) v. Whatcott, 2013 SCC 11]23 e da Corte Criminal de Istambul (caso Kaos GL v. Yeni Akit)24, as quais afirmaram que 21 Segundo o qual a discriminação por orientação sexual é tão séria/grave quanto a discriminação por “raça, origem e cor”, donde, acrescentamos, merece a mesma punição criminal – cf. item 55 da decisão. Para a íntegra da mesma, vide http://cmiskp.echr.coe.int/tkp197/view.asp?action=html&documentId=900340&portal=hbkm&source=externalby docnumber&table=F69A27FD8FB86142BF01C1166DEA398649 (acesso em 29/04/12). 22 Cf. http://www2.scjn.gob.mx/red2/comunicados/comunicado.asp?id=2549 (ultimo acesso em 31.07.2013), segundo a qual “a Primeira Sala determinou que as expressões homofóbicas, isto é, o discurso consistente em inferir que a homossexualidade não é uma opção sexual válida, mas uma condição de inferioridade, constituem manifestações discriminatórias, e isso apesar de emitidas em um sentido burlesco, já que mediante as mesmas se incita, promove e justifica a intolerância contra a homossexualidade. Por isso, as manifestações homofóbicas são uma categoria de discursos de ódio, os quais se identificam por provocar ou fomentar o desprezo [rechazo] contra um grupo social. A problemática social de tais discursos decorre de que, mediante as expressões de menosprezo e insulto que contêm, os mesmos geram sentimentos sociais de hostilidade contra pessoas ou grupos. Por isso, a Primeira Sala determinou que as expressões empregadas no caso concreto, consistentes nas palavras ‘bichonas’ [‘maricones’] e ‘punhal’ [‘puñal’], foram ofensivas, pois embora sejam expressões fortemente arraigadas na linguagem da sociedade mexicana, o certo é que as práticas que realizam amaioria dos integrantes da sociedade não podem convalidar violações a direitos fundamentais. Adicionalmente, a Primeira Sala resolveu que ditas expressões foram impertinentes, pois seu emprego não era necessário para a finalidade de disputa que se estava levando a cabo, relativa à crítica mútia entre dois jornalistas [periodistas] da cidade de Puebla. Por isso, determinou-se que as expressões ‘bichona’ e ‘punhal’, tal e como foram empregadas no presente caso, não se encontravam protegidas pela Constituição. Cabe assinalar que a Primeira Sala não ignora que certas expressões que, em abstrato, poderiam caracterizar um discurso homofóbico, podem validamente ser empregadas em estudos de índole científica ou em obras de natureza artística, sem que por tal motivo se caracterizem como discursos de ódio [sin que por tal motivo impliquen la actualización de discursos del odio]”. 23 Cf. http://scc.lexum.org/decisia-scc-csc/scc-csc/scc-csc/en/item/12876/index.do (último acesso em 31.07.2013). 24 Cf. http://www.lgbtqnation.com/2013/07/landmark-turkish-court-ruling-anti-gay-language-is-not-freedom-of- speech/ (último acesso em 31.07.2013), segundo a qual “Dentro do escopo da notícia de que esta reclamou, um grupo de orientação sexual diferente é claramente humilhado e insultado. Portanto a decisão de não processar não é válida quando uma ação pública deveria ser tomada”, ao passo que “A corte ainda afirmou que esse tipo de discurso não está dentro da proteção da liberdade de expressão ou de imprensa. A corte decidiu que o jornal deve ser processado por violar o artigo 216 do Código Penal Turco, que proíbe o insulto de grupos sociais” (tradução livre). Isso porque os réus do processo classificaram um
  • 24. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 24 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br discursos homofóbicos não estão protegidos pelo direito fundamental à liberdade de expressão, no sentido de que ofensas, menosprezos e incitações ao preconceito, ao ódio e/ou à discriminação não se encontram no âmbito de proteção da liberdade de expressão, sendo paradigmática a decisão canadense por isto aplicar também a um religioso em razão do discurso deste, embora invocando a Bíblia, ter sido entendido como discurso de ódio dado seu tom inegavelmente ofensivo e de menosprezo a homossexuais em geral, como supostamente ameaçadores do ambiente das escolas públicas (pelo uso de dois flyers: “Mantenha a Homossexualidade fora das Escolas Públicas de Saskatoon” e “Sodomitas nas nossas Escolas Públicas”, respectivamente). Ora, não pode o Querelante querer impedir outras pessoas de considerarem-no como homofóbico, por exemplo, pois homofobia não se limita a violência física ou ofensas diretas, caracterizando a homofobia por toda e qualquer conduta ou ideologia que pregue que homossexuais e bissexuais não seriam tão dignos quanto heterossexuais, ao passo que a transfobia se caracteriza como a conduta ou ideologia que prega que travestis, transexuais e transgêneros em geral não seriam tão dignas quanto heterossexuais cisgêneros, ou seja, pessoas que se identificam com seu corpo e o gênero a ele socialmente atribuído (cisgêneros) e que, ainda, sintam atração erótico-afetiva por pessoas de sexo oposto (heterossexuais). Não é outra a compreensão de Daniel Borrillo25, para quem “A homofobia é um preconceito e uma ignorância que consiste em crer na supremacia da heterossexualidade”. Segundo o autor26: A homofobia é a atitude de hostilidade contra as/os homossexuais; portanto, homens ou mulheres. [...] Do mesmo modo que a xenofobia ou o antissemitismo, a homofobia é uma manifestação arbitrária que consiste em designar o outro como contrário, inferior ou anormal; por sua diferença irredutível, ele é posicionado à distância, fora do universo comum dos humanos. [...] Confinado no papel de marginal ou excêntrico, o homossexual é apontado pela norma social como bizarro ou extravagante. [...] À semelhança do negro, do judeu ou de qualquer estrangeiro, o homossexual é sempre o outro, o diferente, aquele com quem é impensável qualquer identificação. [...] No âmago desse tratamento discriminatório, a homofobia desempenha um papel importante na medida em que ela é uma forma de inferiorização, consequência direta da hierarquização das sexualidades, além de conferir um status superior à heterossexualidade, situando-a no plano do natural, do que é evidente. [...] A diferença homo/hétero não é só constatada, mas serve, sobretudo, para ordenar um regime das sexualidades em que os comportamentos heterossexuais são os únicos que merecem a qualificação de modelo social e de referência para qualquer outra sexualidade. Assim, nessa ordem sexual, o sexo biológico (macho/fêmea) determina um material preparado pelo grupo LGBT que moveu a ação para ajudar professores a aprenderem sobre diferentes sexualidades e combater a homofobia como “uma tentativa de um grupo de ‘pervertidos’ e ‘desviantes’ de corromper crianças e fazê-las considerar como normal o seu comportamento ‘herético’” (sic). 25 BORRILLO, Daniel. Homofobia. História e crítica de um preconceito, Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira, 1a Edição, Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2000, p. 106. G.n. 26 BORRILLO, Op. Cit., pp. 13-14, 15-16, 22 e 31-32. G.n.
  • 25. VECCHIATTI SOCIEDADE DE ADVOGADOS 25 Rua João Cachoeira, n.º 488, cj. 101, Itaim Bibi, São Paulo/SP, CEP 04535-001. E-mail: pauloriv71@aasp.org.br desejo sexual unívoco (hétero), assim como um comportamento social específico (masculino/feminino). Sexismo e homofobia aparecem, portanto, como componentes necessários do regime binário das sexualidades27. [...] A homofobia torna-se, assim, a guardiã das fronteiras tanto sexuais (hétero/homo), quanto de gênero (masculino/feminino). Eis porque os homossexuais deixaram de ser as únicas vítimas da violência homofóbica, que acaba visando, igualmente, todos aqueles eu não aderem à ordem clássica dos gêneros: travestis, transexuais, bissexuais, mulheres heterossexuais dotadas de forte personalidade, homens heterossexuais delicados ou que manifestam grande sensibilidade... [...] A heterossexualidade aparece, assim, como o padrão para avaliar todas as outras sexualidades. Essa qualidade normativa – e o ideal que ela encarna – é constitutiva de uma forma específica de dominação, chamada HETEROSSEXISMO, que se define como a crença na existência de uma hierarquia das sexualidades, em que a heterossexualidade ocupa a posição superior. Todas as outras formas de sexualidade são consideradas, na melhor das hipóteses, incompletas, acidentais e perversas; e, na pior, patológicas, criminosas, imorais e destruidoras da civilização. [...] Ora, se existem reações virulentas contra os gays e as lésbicas, a homofobia cotidiana assume, sobretudo, a forma de uma violência do tipo simbólico (Bourdieu, 1998) [...] atitudes cognitivas de cunho negativo para com a homossexualidade nos planos social, moral, jurídico e/ou antropológico. O termo ‘homofobia’ designa, assim, dois aspectos diferentes da mesma realidade: a dimensão pessoal, de natureza afetiva, que se manifesta pela rejeição dos homossexuais; e a dimensão cultural, de natureza cognitiva, em que o objeto da rejeição não é o homossexual enquanto indivíduo, mas a homossexualidade como fenômeno psicológico e social. [...] Ora, o heterossexismo diferencialista é, também, uma forma de homofobia – certamente mais sutil, mas não enos eficaz –, porque, ao rejeitar a discriminação de homossexuais, tem como corolário uma forma eufemística de segregacionismo. Em nome da diferença, a derrogação parcial do princípio de igualdade e a criação de um regime de exceção para gays e lésbicas foram propostas, na França, tanto por personalidades políticas quanto por intelectuais considerados, até então, progressistas (Borrillo; Fassin; Iacub, 1999). No mesmo sentido, segundo Marco Aurélio Máximo Prado e Rogério Diniz Junqueira28: O termo homofobia tem sido comumente empregado em referência a um conjunto de emoções negativas (aversão, desprezo, ódio, desconfiança, desconforto ou medo) em relação aos ‘homossexuais’. No entanto, entende-lo assim implica limitar a compreensão 27 “É assim que a homofobia geral permite denunciar os desvios e deslizes do masculino em direção ao feminino e vice-versa, de tal modo que se opera uma reatualização constante nos indivíduos ao lembrar-lhes sua filiação ao ‘gênero correto’. Segundo parece, qualquer suspeita de homossexualidade é sentida como uma traição suscetível de questionar a identidade mais profunda do ser. Desde o berço, as cores azul e rosa marcam os territórios dessa summa divisio que, de maneira implacável, fixa o indivíduo seja à masculinidade, seja à femininilidade. E quando se profere o insulto ‘veado’ (‘pédé’), denuncia-se quase sempre um não respeito pelos atributos masculinos ‘naturais’ sem que exista uma referência particular à verdadeira orientação sexual da pessoa. Ou quando se trata alguém como homossexual (homem ou mulher), denuncia-se sua condição de traidor(a) e desertor(a) do gênero ao qual ele ou ela pertence ‘naturalmente’. [...] Essa ordem sexual, ou seja, o sexismo, implica tanto a subordinação do feminino ao masculino quanto a hierarquização das sexualidades, fundamento da homofobia” (BORRILO, Op. Cit., pp. 26-27 e 30) 28 PRADO, Marco Aurélio Máximo e JUNQUEIRA, Rogério Diniz. Homofobia, hierarquização e humilhação social. In: VENTURI, Gustavo e BOKANY, Vilma. Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil, 1ª Ed., São Paulo: Ed. Perseu Abramo, 2011, pp. 57 e 60. G.n.