O documento discute o princípio da boa-fé objetiva no Direito e sua aplicação ao deputado Sirkis que criticou um projeto de lei sem conferir o texto real. Também analisa interpretações equivocadas de Sirkis sobre os artigos do projeto de lei, demonstrando que a criminalização da homofobia e transfobia é necessária para combater a banalização da violência contra LGBTs.
1. No Direito, o princípio da boa-fé objetiva impõe padrões de conduta às pessoas, ou seja,
determina que as pessoas em geral têm a obrigação de ser diligentes, exigindo determinadas
condutas, conforme o caso concreto. Por exemplo, um comprador de um imóvel não pode dizer
que “não sabia” que ele estava hipotecado porque exige-se das pessoas em geral que olhem a
matrícula do imóvel antes de comprá-los (lógica dos registros públicos). Esse comprador não
teve “má-fé subjetiva” (deliberada/intencional), mas teve “má-fé objetiva”. É o caso do
Deputado Sirkis (PSB-RJ), em seu artigo criticando “o projeto” de lei que visa criminalizar a
homofobia e a transfobia (na verdade, a discriminação por orientação sexual e identidade de
gênero, que abarca também heterossexuais cisgêneros – aqueles que se identificam com o
próprio corpo e, por assim dizer, não são travestis nem transexuais).
Com efeito, Sirkis comenta um texto que sequer tramita ou tramitou no Congresso Nacional.
Foi um texto construído pelo Conselho Nacional LGBT a pedido do Senador Paulo Paim (PT-
RS), mas que sequer chegou a ser por este protocolado e, assim, oficialmente apresentado ao
Congresso Nacional. Como parlamentar, Sirkis tinha a obrigação de ter conferido o texto real
do PLC 122/06, na sua redação atual. Como não o fez, agiu com má-fé objetiva (com extrema
imprudência e/ou negligência, para quem preferir).
Sobre o texto real do PLC 122/06, ele se limita a acrescentar as expressões “orientação
sexual” e “identidade de gênero” na atual Lei de Racismo (Lei 7.716/89) e acrescenta a punição
da repressão à livre expressão da afetividade das pessoas quando isso for permitido às demais
(isso relativamente a todos os critérios da Lei de Racismo). Lei essa que, ao contrário do que
se pensa, não protege apenas pessoas negras, já que criminaliza as discriminações e
manifestações preconceituosas que vitimem pessoas por sua “raça, cor, etnia, religião ou
procedência nacional”. Orientação sexual é expressão que designa a homossexualidade, a
heterossexualidade e a bissexualidade. Identidade de gênero designa a travestilidade e a
transexualidade. Logo, aquilo que o PLC 122/06 faz em sua redação atual, vigente desde
novembro de 2009, é punir a homofobia e a transfobia da mesma forma que pune a negrofobia,
a religiosofobia, a xenofobia e a etnofobia. Veja-se que coisa, religiosos são protegidos pela
atual Lei de Racismo, mas muitos religiosos fundamentalistas (ênfase no adjetivo) são contra
estender tal proteção a pessoas LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais –
proteção que se estenderia a heterossexuais cisgêneros, abarcados que são pelas expressões
orientação sexual e identidade de gênero). Vê-se assim claramente que não são LGBTs que
querem “privilégios”… Fora que a legislação penal atual não criminaliza toda e qualquer
discriminação (o crime de constrangimento ilegal exige violência ,grave ameaça ou redução da
capacidade de resistência, o que torna restrita a sua incidência), nem toda e qualquer “injúria
coletiva” (ofensa a coletividades de pessoas). Só o artigo 20 da atual Lei de Racismo isso faz,
e tais nefastos males a população LGBT mais sofre cotidianamente na atualidade.
2. Analisemos agora as interpretações simplórias de Sirkis sobre os
artigos que comenta (inexistentes no PLC 122/06). Jamais seria crime contratar um
heterossexual no lugar de um homossexual se a decisão não fosse pautada na homofobia.
Somente se provada homofobia (ou transfobia) como motivo para a decisão é que o crime
incidiria (tanto que o deputado não faz crítica similar ao art. 4º da atual Lei de Racismo, que
criminaliza a mesma conduta se cometida por “raça, cor, etnia, religião ou procedência
nacional”). Ofender a saúde de outrem certamente significa praticar alguma ação que
prejudique seu bem-estar corporal, por exemplo, fazendo-a ingerir algo que lhe cause uma
doença ou prejudique seu organismo de alguma forma – algo que também precisaria ser
comprovado no processo para o crime incidir. A Lei Maria da Penha proíbe a pena de cesta
básica, e não se vê o deputado se opor a isso na questão das “penas alternativas” (e nem teria
razão, já que a gravidade do crime demanda por uma punição compatível – e proibição de
pena de “prestações pecuniárias” não inibe outras penas restritivas de direitos ou alternativas,
como prestação de serviços comunitários). Estádios de futebol e locais públicos quaisquer não
são redutos blindados contra a Constituição e a legislação em geral, donde se alguma “injúria
coletiva” de motivação racista for ali perpetrada, deve ser punida pela Lei de Racismo (e o PLC
122 visava incluir homofobia e transfobia em dita lei). Percebe-se, assim, o quão absurdas são
as interpretações críticas de Sirkis aos dispositivos que comenta.
Estamos vivendo situação de verdadeira banalidade do mal homofóbico (e transfóbico), pois
pessoas “normais”, que não são “monstros” na vida cotidiana, se consideram detentoras de um
pseudo “direito” de ofender, agredir, discriminar e mesmo matar LGBTs por sua mera
orientação sexual ou identidade de gênero. Assim, a criminalização da homofobia e da
transfobia é medida absolutamente necessária, como uma das medidas (não a única)
necessárias para combater esse mal – e com a sua equiparação ao atual crime de racismo,
como acima apontado. Trata-se de algo que deve constar em Plano de Governo, pois a
pressão do Executivo sobre sua base aliada é importantíssima em temas polêmicos, como
também deveria ser evidente, por boa-fé objetiva, a um parlamentar…
Paulo Roberto Iotti Vecchiatti é Mestre e Doutorando em Direito Constitucional pela Instituição
Toledo de Ensino/Bauru, bem como membro do GADvS – Grupo de Advogados pela
Diversidade Sexual.
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como-sirkis/#ixzz3YXTqD9Ng
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