A carta denuncia a prisão arbitrária de duas jovens lésbicas em São Paulo por beijarem-se em público durante um culto evangélico. A ABGLT relata vários casos de violência contra mulheres lésbicas no Brasil e critica a omissão do Estado em proteger os direitos da população LGBT e combater a homofobia.
1. Vice – Presidência Lésbica
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE GAYS, LÉSBICAS,
BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS
Carta Aberta da ABGLT à população brasileira sobre prisão arbitraria das
duas jovens lésbicas pela Guarda Municipal de São Sebastião-SP
A Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais é uma rede nacional com 256
organizações afiliadas em todo o território nacional e no Distrito Federal. A ABGLT luta desde 1995 contra toda
forma de opressão e violência às pessoas em razão de sua orientação sexual e identidade de gênero.
Vimos a público denunciar o caso ocorrido em São Sebastião, estado de São Paulo, em que o Deputado Marco
Feliciano (PSC-SP) ordenou a prisão de duas estudantes após elas terem se beijado durante culto evangélico
ministrado pelo parlamentar na avenida da praia de São Sebastião, no litoral paulista.
Disse o Deputado: "Essas duas precisam sair daqui algemadas", sob aplausos de outras pessoas, que
assistiram à cena difamatória produzida por ele contra as duas por meio de sua exposição nos dois telões
instalados no local.
Neste sentido, a ABGLT denuncia a naturalização destas práticas de violência e coerção, que atentam contra a
liberdade e dignidade da pessoas humana no seu direito de expressar de maneira livre a sua diversidade
sexual e de gênero.
Quando estas lésbicas são expostas da maneira como foram as imagens expostas são revertidas em
assimilações e construções de um imaginário social favorável a violência e conivente com a discriminação.
Além disso deve ser questionada a autorização e legitimidade de ordenar tal prisão, bem como os limites de
um Parlamentar que fere direitos já adquiridos e desrespeita a dignidade humana de cidadãs em locais
públicos.
Este caso é mais um exemplo das situações de violência que se fazem presentes no cotidiano das pessoas
LGBT no Brasil. O relatório da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, através do Disque
Direitos Humanos (disque 100), aponta um crescimento da ordem 424,44% no recebimento de denúncias de
violência contra LGBT entre 2011 e 2012 e, ainda assim, não vemos medidas concretas e nem tampouco
preventivas por parte do Estado.
Apenas no início deste ano, foram publicizadas várias ocorrências de agressão contra mulheres Lésbicas e
Bissexuais em situações quotidianas e em locais públicos, aos quais listamos alguns exemplos:
08/01 – Polícia procura jovem Lésbica desaparecida há cerca de uma semana, segundo a família, ela tinha um
relacionamento com uma mulher. Um amigo disse ter ouvido tiros quando falava com a jovem ao telefone. O
ex-marido da namorada da vítima é suspeito de tê-la assassinado. Valparaíso – GO;
09/01 – Garota Lésbica, de 15 anos, é agredida por colegas e dois adultos em uma escola por ter flertado uma
menina. A escola onde aconteceu essa agressão decidiu não se pronunciar. Segundo a mãe da vítima, não é a
primeira vez que a família ataca sua filha e já havia reclamado para a diretoria da escola. Goiânia – GO;
15/02 – Casal de Lésbicas sofre ataque lesbofóbico enquanto iam para o trabalho dentro do Metrô. O agressor
as agride verbalmente e em seguida desfere vários socos em seu rosto. As vítimas preferem não revidar para
não agravar ainda mais a situação e decidem abrir um boletim de ocorrência. São Paulo - SP;
17/02 – Policiais Militares agridem casal de Lésbicas durante atendimento de uma ocorrência e acabam
decepando parte dos dedos de uma delas que permanece internada com hematomas por todo o corpo. Além
disso, as vítimas relatam que os policiais fizeram piadas sobre a orientação sexual do casal. Valparaíso - GO;
Av. Mal. Floriano Peixoto, 366 – Cj. 43 – 80010-130 Curitiba – PR, Brasil
Fone/Fax: (55) 41 3222 3999 E-mail: presidencia@abglt.org.br
2. Vice – Presidência Lésbica
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE GAYS, LÉSBICAS,
BISSEXUAIS, TRAVESTIS E TRANSEXUAIS
18/02 – Uma estudante do curso de Agronomia da Universidade de Brasília tem os braços e pernas
machucados após agressão de um desconhecido. Ele desferiu chutes em seu corpo enquanto a chamava de
“lésbica nojenta”. Quatro dias depois do acontecido a instituição decide abrir uma sindicância para apurar a
autoria da violência. Brasília – DF.
Os direitos fundamentais das mulheres têm sido conquistados com muita dificuldade por feministas de várias
partes do mundo. O Brasil ainda carece de leis específicas que reconheçam os seus direitos e/ou que
criminalizem práticas homofóbicas com recorte de gênero.
A Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) do Governo Federal já assumiu em seu relatório do Pacto
Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, 2011, que uma das dificuldades que esse órgão
possui é a implementação de políticas públicas que atendam à população LGBT, fazendo com que esse
segmento populacional fique carente de atividades e ações que atendam suas demandas.
O Poder Legislativo, o mesmo o qual o Deputado Marco Feliciano faz parte, se mantem na inércia quando se
trata de criminalizar os crimes de ódio homofóbico, estimulados também em ambientes públicos através de
livres pregações discriminatórias e preconceituosas.
Já era inadmissível e revoltante o silêncio do Poder Público, diante de tantos casos de violência contra a
população LGBT. Agora temos que conviver com funcionários públicos prendendo lésbicas, simplesmente por
se beijarem em público. Tememos remontar os tempos do autoritarismo militar, que perseguia as liberdades e
encarcerava as diferenças.
A situação de violência à população LGBT têm tomado proporções cada vez maiores e assustadoras em nosso
país e o que continuamos a ver é uma completa omissão estatal e governamental, frente as respostas
necessárias para superação do nosso grave caso de violência homofóbica.
Aproveitamos mais este caso público para denunciar e convocar todos os parlamentares e aliados/as contra a
possibilidade de REDUÇÃO da previsão orçamentária na PLOA, encaminhada ao Congresso Nacional, onde
dos já irrisórios R$ 1.2 milhões de reais, o Governo pretende destinar apenas R$ 700 mil para política pública
LGBT na Secretaria de Direitos Humanos no ano de 2014.
Em 2013 o Governo Federal lançou um Sistema Nacional LGBT, que visa estruturar uma rede de atendimento
e proteção, com um conjunto de instrumentos e equipamentos de combate a violência homofóbica, que não
terão viabilizados sequer seus custos no Orçamento Federal de 2014 para que possam tornar-se uma política
pública em execução compartilhada com os estados e municípios.
A ABGLT seguirá na perspectiva crítica a qualquer recuo de direitos já adquiridos, na denuncia de toda forma
de violência e discriminação oriunda de qualquer representante dos poderes estatais e na luta por uma
sociedade verdadeiramente democrática, livre e soberana.
Brasil, 17 de setembro de 2013.
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABGLT
Articulação Brasileira de Lésbicas - ABL
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