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Viegas Fernandes da Costa

COMENTÁRIOS SOBRE
TEATRO
(2010 – 2013)
Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

Ficha Catalográfica
V656c Costa, Viegas Fernandes da
Comentários sobre teatro: (2010 – 2013) / Viegas
Fernandes da Costa – 1. ed. – Blumenau : Edição do autor, 2014.
67 p.

1. Crítica teatral
CDD: 792

2
Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

Ascensão e queda da cidade de Mahagonny
O espetáculo “Ascensão e queda da cidade de Mahagonny” abriu, na
noite de sábado (10/07) a Mostra Universitária Nacional” do 23° Fitub. A
peça foi montada e apresentada pela Cia. Teatral Acidental (Unicamp –
Campinas/SP) sob a direção de Marcelo Lazzarato, a partir de uma
adaptação do texto Mahagonny, de 1927, escrito pelo dramaturgo alemão
Bertold Brecht (1898-1956). Em 1930, Brecht revisou o texto original e,
através de uma parceria com o compositor Kurt Weill, produziu “Ascensão
e queda da cidade de Mahagonny” (“Aufstieg und Fall der Stadt
Mahagonny”). A intenção de Brecht com esse “épico musical”, que narra a
história de três fugitivos encurralados no deserto e ali decidem fundar uma
cidade chamada Mahagonny, arapuca que tem como isca o prazer, era,
entre outras coisas, o de questionar o modelo de ópera até então
estabelecido.
A adaptação da Cia. Teatral Acidental procurou manter o texto e a
ambientação criados por Brecht, porém buscou “atualizar” a peça inserindo
elementos identificados com a cultura pop, como a substituição das
músicas de Weill por melodias dos Beatles, por exemplo. Esta opção
musical nos leva a pensar se o grupo não pretendia situar temporalmente
Mahagonny em um referente moral e cultural ligado à contracultura. Se
“Ascensão e queda...” narra a história de uma utopia onde todos os prazeres
são permitidos, podemos conjecturar na geração que cresceu ouvindo os
Beatles e que na década seguinte viveu o Vietnã e Woodstock. A inserção
da melodia de “Imagine” (Lennon) no repertório reforça a tese. A mesma
geração que mais tarde envelheceu e teceu uma malha moral repressora,
criando filhos de uma “geração perdida” e – por que não dizer? – careta.
Também Mahagonny afunda na repressão, nas leis sem sentido, como
aquela que proíbe arrotar, e morre. No cerne de tudo, a crítica de Brecht – e
3
Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

da Cia. Teatral Acidental – à ideia de que o dinheiro pode comprar a
felicidade; bem como a denúncia do capitalismo.
A montagem que o grupo da Unicamp trouxe para o Fitub empregou
mais de uma dezena de atores, cuja movimentação no palco foi
excepcional. Ricos ainda foram os cenários e os elementos de cena,
constantemente modificados pelos atores. A disposição destes e dos
elementos cênicos muitas vezes construíam imagens de grande apelo
poético e que brincavam com uma iconografia sacralizada pela cultura pósindustrial. Movimentação, humor e a criatividade no uso dos elementos
cênicos foram as grandes virtudes da montagem que, até certa medida,
compensaram as deficiências vocais notadas na apresentação. Por outro
lado, a tentativa de fazer com que cada personagem (e eram muitos) fosse
passível de reconhecimento por parte do público, impediu que os mesmos
fossem verticalizados. Assim, apesar dos esforços de cada ator, os
personagens ficaram exageradamente tipificados, e penso que tal opção fez
com que a peça perdesse profundidade, ao ponto de beirar o panfletário.
Panfletarismo que ficou evidente ao final do espetáculo, momento em que
cada ator cruzou o palco segurando cartazes com advertências que
verbalizavam uma crítica social, já implícita à trama, que melhor estariam
se inerentes à constituição dos personagens e nas sutilezas da narrativa.
Aplaudida entusiasticamente pelo grande público presente ao Teatro
Carlos Gomes, “Ascensão e queda da cidade de Mahagonny” deixou a
impressão,

entretanto,

que

a

adaptação

poderia

ousar

mais,

antropofagizando Brecht para vomitá-lo e, assim, construir um espetáculo
que dialogasse de forma ainda mais contundente com os tempos que
vivemos.
12/07/2010

4
Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

O abajur lilás
Na noite do domingo (11/07) entrou em cena, no palco do “Pequeno
Auditório Willy Sievert, do Teatro Carlos Gomes, o grupo de teatro “Por
que não?, composto por estudantes da Universidade Federal de Santa Maria
(RS). Sob a direção de Felipe Martinez, apresentaram ao público a peça “O
abajur lilás”, escrita por Plínio Marcos em 1969.
O espetáculo conta a história de três prostitutas que vivem sob o jugo
despótico de um cafetão homossexual, dono de um prostíbulo, e seu
capanga, um monossilábico e frio torturador. A montagem original,
realizada pelo grupo “Por que não?”, ocorria no interior de um bar
verdadeiro, e os personagens interagiam com os clientes desse bar. Visando
ampliar as possibilidades de circulação do espetáculo, o grupo resolveu
readaptá-lo para o palco. Entretanto, o “bar” permanece no horizonte da
peça, principalmente nos momentos em que o cafetão dirige a palavra ao
público, intimando-o enquanto frequentador do seu estabelecimento e dos
corpos das prostitutas, bem como na recepção dos espectadores, momento
em que os personagens perambulam entre as poltronas a fim de interagir e
provocar “possíveis clientes”.
O clima inicial criado pelos atores foi, possivelmente, a maior virtude
do espetáculo. A interação com o público criou uma ambientação e uma
expectativa em relação à peça que, ao se apagarem as luzes da plateia,
deixou a todos em suspenso. Entretanto, a forma como os atores lidaram
com o texto de Plínio Marcos e o uso dos elementos de cena, que sobravam
sem uso no palco, geraram certa frustração.
Interpretar Plínio Marcos não é tarefa simples. O realismo cruel e a
complexidade dos personagens exigem do ator não apenas estudo e
preparação cuidadosos, mas também grande nível de entrega. Em Plínio, a
representação não basta. Também o fato de vivermos uma realidade
5
Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

contemporânea de extrema violência urbana, exige que o texto de Plínio
Marcos seja relido e desterritorializado de sua condição original, a fim de
que o público saia do conforto que naturaliza a violência para o desconforto
que o inédito pode ofertar. Ao representarem os personagens de “O abajur
lilás”, os atores não conseguiram construir este inédito. Ao assistirmos a
peça, ficou claro que aqueles personagens eram tão somente isso,
personagens de um texto dramatúrgico. Se a intenção era a de transportar a
plateia para o interior de um bar licencioso, uma whiskeria, e fazê-lo
partícipe do drama vivenciado pelas prostitutas, subjugadas pela força do
verbo, do dinheiro, do uso venal de seus corpos e da brutalidade física, tal
intento não

se concretizou. E a forma estereotipada como

a

homossexualidade do cafetão foi apresentada, incorre na possibilidade de
se reforçar, junto ao público, a perspectiva simplista da diferença. Se as
prostitutas são agentes e pacientes de uma realidade social, econômica e
moral repressora, o cafetão homossexual e seu chacal também o são, e esta
perspectiva podia ter sido melhor explorada.
Por fim, apesar dos problemas, das possibilidades não exercitadas e de
certo pudor por parte dos atores, o espetáculo arrancou do público aplausos
entusiasmados.

13/07/2010

6
Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

Eteocles, Antígona, Polinices y otros hermanos
“Eteocles, Antígona, Polinices y otros hermanos”, dirigida por Farley
Velásquez e apresentada pelos alunos de Teatro da Universidad de
Antioquia (Medellín, Colômbia), abriu a Mostra Universitária IberoAmericana, na tarde de segunda-feira (12/07). Em uma espécie de arena
montada sobre o palco do Grande Auditório Heinz Geyer do Teatro Carlos
Gomes, o grupo Colombiano adaptou textos da tragédia grega escritos por
Sófocles e Ésquilo. Na primeira parte da peça, os atores interpretam a
história dos irmãos Polinice e Etéocles, que lutam entre si até a morte pelo
domínio de Tebas. Após a luta, o rei Creonte proíbe o sepultamento do
corpo de Polinice, considerado traidor. Já na segunda parte, a trama se
desenvolve em torno das irmãs de Polinice e Etéocles, Antígona e Ismênia.
Enquanto Antígona resolve afrontar as leis do Estado sepultando o irmão
proscrito, Ismênia opta por respeitar as leis em temor a estas. Como pano
de fundo a peça apresenta a questão da natureza da justiça e da verdade.
Com aproximadamente duas horas de duração, a montagem
desenvolvida pelos alunos da Universidad de Antioquia apresenta dois
momentos estéticos e de gênero diferentes: o primeiro que chamaremos de
trágico e que apresenta uma estética mais ritualística, e o segundo,
melodramático e palaciano. Essa distinção da peça em dois momentos
talvez tenha prejudicado o desenvolvimento de uma montagem que inicia
com muita força simbólica, porém conclui-se num “arrastar” demasiado
dramático e cansativo. Uma proposta que tivesse optado por manter a linha
condutora ritualística, heroica e quase tribal da primeira parte,
possivelmente teria mantido a suspensão da plateia, mergulhada que estava
nos movimentos, jogos vocais e recursos cênicos adotados no espetáculo.
Como pontos altos da peça podemos destacar o figurino e suas
máscaras hediondas, o cenário, a impressionante qualidade vocal, preparo
7
Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

físico e engajamento dos atores, bem como a sincronicidade nas saídas e
entradas em cena. Em tempos contemporâneos, onde espetáculos precisam
ser montados “a toque de caixa”, é bom vermos um trabalho de preparação
vocal e corporal que exigiu trabalho e estudo intensos. Por outro lado, a
trilha sonora, extremamente repetitiva e pouco original, e a criação de uma
iconografia que já se transformou em clichê, como por exemplo o momento
em que Tirésias surge em cena, no alto de um monte, em meio à névoa e
uma luz baça (lembrando motivos bíblicos que por diversas vezes
afrontaram nossas retinas), frustram o extraordinário impacto que o
espetáculo anunciava.
Ao término do espetáculo, e considerando suas qualidades e
problemas, permaneceu a impressão, entretanto, que “Eteocles, Antígona,
Polinices y outros hermanos” proporcionou uma experiência de fruição
artística memorável.

15/07/2010

8
Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

Canoeiros da alma

Na noite do dia 14/07, sob o frio intenso e úmido que se abateu sobre
o Vale do Itajaí, o “Coletivo Teatro da Alma”, da Universidade Federal de
Uberlândia (MG), apresentou o espetáculo “Canoeiros da alma”, no galpão
da central de veículos da Prefeitura Municipal de Blumenau. O espetáculo
integra a Mostra Universitária Nacional, e a escolha do local da
apresentação já indicava tratar-se de peça pouco convencional.
Com texto de Luis Carlos Leite e direção de Narciso Telles,
“Canoeiros da alma” surgiu das leituras que o coletivo fez do universo das
pessoas que habitam as margens do rio no Vale do Jequitinhonha. Rio que
é sempre diferente, quando diferentes os olhos ou a alma de cada um que
busca suas águas, suas margens e as experiências que se constroem em seu
entorno. O sagrado e o profano, a vida e a morte, a pobreza e a riqueza, o
dito e o não dito, candura e violência são temas que surgem no desenrolar
do espetáculo, que apesar de possuir uma narrativa que o conduz, é
composto por muitas peças que se sobrepõem, muitas vezes de forma
simultânea, convidando o público a ter uma experiência direta e íntima com
os personagens.
“Canoeiros da alma” não é um espetáculo que se assiste, mas do qual
se participa. Não há poltronas, arquibancada ou palco, mas um imenso
pátio mergulhado na penumbra e no qual atores e público se misturam, os
focos de luz indicando pontos de tensão dramática para onde cada
espectador é convidado a dirigir sua atenção e no qual se desvelam tipos e
suas histórias intrínsecas: um grupo jogando cartas, uma procissão, um
oratório, os vendedores ambulantes, o suicida, os noivos, as lavadeiras, a
sensualidade da vida e a violência da morte, velas, gritos, voz e força,
enfim, todo um universo complexo e do qual é impossível se apropriar
enquanto totalidade una. O que se tem é o tumulto da vida real, a azáfama
9
Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

de uma feira, a solidão de multidão, mas que a peça procura problematizar
quando propõe histórias que possuem voz e rosto, histórias de gente
anônima das quais sequer supomos existência. E todos lavam suas roupas, e
todos lavam seus corpos, como se a alma estivessem a lavar.
Sem exageros, um cenário intimista ao qual o público é convidado a
tocar e interagir, e com figurinos, trilha sonora e elementos cênicos que
procuram inserir a todos no contexto simbólico do Vale do Jequitinhonha,
“Canoeiros da alma” impressionou e arrebatou o público.

15/07/2010

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Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

A grande parada

O 23° Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau
apresenta também a Mostra Blumenauense de Teatro, nas dependências da
Fundação Cultural de Blumenau. Na noite do dia 12/07 entrou em cena o
grupo “VísCera Teatro”, com a peça “A grande parada (ou o que ainda
resta dela)”, sob a direção de Pépe Sedrez.. O espetáculo é uma adaptação
do texto “Terror e miséria no Terceiro Reich”, de Bertold Brecht, escrito
em 1938.
“A grande parada” está ambientada na Alemanha nazista da década de
1930, e retrata a miséria e a falta de liberdades civis experimentadas pelo
povo alemão durante a constituição do Estado nazista (o III Reich)
pretendido por Adolf Hitler, notadamente sob a ótica da luta de classes,
onde críticos do regime – e até mesmo pessoas cuja ingenuidade levava-as
a declarar suas insatisfações – eram detidas e barbarizadas pelas forças de
repressão. Tendo como cenário um campo de concentração (imagem de um
campo real, mas também metáfora que aponta para os “campos de
concentração” simbólicos: a casa, a fábrica, a rua; espaços vigiados e
reprimidos, verdadeiros panópticos de um Estado autoritário que a todos
vê, escuta e pune), “A grande parada” mostra que os tentáculos do nazismo
não atingiram apenas judeus, mas todos aqueles que destoavam ou
questionavam o discurso oficial e, em especial, aponta para a perseguição
promovida aos comunistas.
Nessa montagem do “VísCera Teatro” destacam-se cenário, elementos
cênicos, a excepcional maquiagem dos atores, bem como a trilha sonora,
desenvolvida ao vivo por uma das atrizes. O espetáculo fez uso ainda de
recursos audiovisuais, projetando ao fundo da cena imagens de paradas
militares e campos de concentração nazistas. Também a proximidade do
público, disposto sobre o palco numa espécie de arena, contribuiu para
11
Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

aproximar os espectadores dos dramas interpretados pelos atores.
Entretanto, a opção do “VísCera” em montar um espetáculo por demais
zeloso ao texto de Brecht, pareceu-me um problema para a peça. Vale dizer
aqui que o Bertold Brecht da década de 1930 está morto. Não é mais
possível representar uma peça que pretende dizer aquilo que se pretendia na
sua concepção. Tempo e sociedade são outros, tal qual nossos signos de
identificação. É necessário matar Brecht uma segunda vez para representálo no tempo presente. Apesar do subtítulo da peça (“ou o que ainda resta
dela”) indicar para um tempo diferente daquele em que originalmente estão
situados texto, cenário e personagens, a montagem tem dificuldades em
descolar o público das imagens pré-concebidas de uma Alemanha nazista,
dos campos de concentração e dos clichês de uma luta de classes
romântica. Fica a impressão que está a se assistir a uma peça com
preocupações de relato histórico, e não a uma provocação aos tempos
atuais, onde os temas e preocupações de Bertold Brecht ainda se fazem
presentes. Assim, “A grande parada” perde um caráter de ineditismo que
poderia explorar, principalmente se consideramos o contexto social e
cultural do Vale do Itajaí em que a montagem e o grupo “VísCera” estão
inseridos.
Por fim, permanece a questão: o que resta da grande parada? Problema
interessante que a peça poderia provocar com maior contundência.

15/07/2010

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Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

A cena é pública

Com uma proposta de intervenção urbana, na tarde do dia 13/07
apresentou-se o “Grupo de Teatro de Operações”, da UNIRIO (RJ), com o
espetáculo “A cena é pública”, na praça do Teatro Carlos Gomes e seus
entornos.
Considerando a alma taciturna, prussiana, de Blumenau, a proposta do
grupo carioca chamou a atenção pela forma como os atores ocuparam o
espaço da praça e da rua, interferindo no cotidiano das pessoas e tentando
promover uma situação de tumulto, capaz de convocar não apenas o
público já presente ao Festival de Teatro, mas principalmente os
transeuntes tangidos pela rotina, a se mobilizar ao redor das ações
dramáticas.
O espetáculo inicia com uma sátira à atual conjuntura política
brasileira. A cena inicial apresenta um debate entre os principais candidatos
à presidência, coordenado por um Nelson Mandela dessacralizado (o expresidiário, como a todo instante é referido) e por um José Sarney
preocupado em não ser envenenado pelo público. Quanto aos debatedores,
nada têm a dizer, e quando convocados a expor suas propostas e questões,
limitam-se a luta corporal com seu adversário, transformando a ágora em
ringue. Entretanto, a crítica política inerente ao desenrolar da cena não
ultrapassa os limites do senso comum, constituindo-se por demais simplista
e limitando-se a reproduzir clichês já absorvidos em nossa sociedade. Vale
porém destacar a cena da lavanderia, momento em que bandeiras brasileiras
são lavadas no chafariz da praça, e a do enforcamento de José Sarney na
fachada do Teatro Carlos Gomes. Esta última, se por um lado gerou um
impacto visual interessante (não é comum ver-se um corpo balançando
enforcado em um dos principais pontos turísticos da cidade), por outro
13
Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

quedou vazia, afinal, qual o motivo do enforcamento? Da forma como foi
representado, o ato extremo do senador constitui-se como suicídio, e não
como lapidação pública. Também a crítica à sociedade da informação se
fez presente, notadamente quando televisores são destruídos, e houve uma
tentativa de problematização das relações entre público e atores. Da mesma
forma como o público era convidado a se deslocar constantemente em
busca das ações dramáticas, era expulso dos espaços para que estes
pudessem servir de arena aos atores. O espetáculo contou ainda com muita
pirotecnia (inclusive com o uso de motosserra e a queima de fogos de
artifício), movimentação (onde atores ocupam fachadas de prédios públicos
e privados no entorno do “Carlos Gomes”) e uso de efeitos sonoros
impactantes.
Se compreendido enquanto intervenção urbana, “A cena é pública”
teve seus méritos. Conseguiu mobilizar as pessoas e fazer um uso
diferenciado do espaço público (apesar da cena final – uma guerra de água
entre público e atores – , completamente desnecessária e que afastou
muitos daqueles que haviam se aproximado para acompanhar o
espetáculo). Porém, se pretendido enquanto teatro de rua, “A cena é
pública” fracassou completamente. O uso de efeitos visuais e sonoros
impactantes prestou-se a tentar camuflar as deficiências vocais e de
representação dos atores, bem como uma dramaturgia extremamente pobre
e, em muitos momentos, completamente ausente.
Lamentável, diante das possibilidades que o “Grupo de Teatro
Operações” podia ter explorado.

17/07/2010.

14
Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

Paralelas
O espetáculo “Paralelas”, da”SinoS Cia de Teatro”, encerrou a Mostra
Blumenauense do 23° Fitub, na noite do dia 16/07 na Fundação Cultural de
Blumenau. Sob a direção de Victor Hugo Carvalho de Oliveira, “Paralelas”
é uma adaptação do texto “Sobre amores e cigarros”, de Marcelo
Bourscheid.
No palco, a história de uma mulher dividida em duas (interpretada
pelas atrizes Fernanda Raupp e Gisele Bauer – que também assina a
adaptação do texto), casada com um escritor mergulhado em seu
narcisismo literário, leitor de Heidegger e que não percebe as necessidades
humanas de afeto, sexo e cumplicidade da esposa. Para além de uma
reflexão sobre a condição feminina e das frustrações íntimas da
personagem, que renuncia aos seus projetos profissionais e pessoais para
viver o sonho do marido literato e medíocre, a peça consegue discutir
também a valoração da arte na sociedade contemporânea e seu significado
para os sujeitos que se aproximam dela.
O cenário é dividido em duas partes, dando a impressão de se estar
olhando para duas imagens refletidas no espelho; composto apenas por dois
tapetes, duas cadeiras, pilhas de livros e o paletó (que representa o escritor
– ou “poetinha de merda”, como é referido pela personagem), no qual
contracenam as duas atrizes representando facetas de uma mesma mulher,
cada qual em um dos lados do cenário, sem se tocarem. O texto – um
monólogo interpretado a duas vozes – é vertiginoso, intenso, visceral, tal
qual a interpretação das atrizes, que se entregam à personagem com uma
força que impressiona e emociona. A proximidade da plateia, disposta no
entorno da cena, a trama dramática desenrolando-se no centro da “arena”,
assim como a movimentação das atrizes, excepcionalmente sintonizadas
15
Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

entre si, tornam o público íntimo das angústias, desventuras, indecisões e
decisões da personagem.
Com sua estética enxuta, onde todos os elementos de cena têm sua
função, uma trilha sonora com canções de Chico Buarque e a extraordinária
entrega das atrizes aos papéis, “Paralelas” arrebatou o público e foi uma
das melhores peças apresentadas neste 23° Fitub.
17/07/2010

16
Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

O significado do FITUB

Viegas Fernandes da Costa

Encerrado o 23° Festival Internacional de Teatro Universitário de
Blumenau, sob a organização da FURB, é momento de se refletir a respeito
do seu significado, não só para o amadurecimento da arte dramática, mas
também para o desenvolvimento sociocultural da nossa região. Momento
de refletir, ainda, a respeito das suas dificuldades, notadamente as de
financiamento, razão pela qual o FITUB não aconteceu em 2009.
Em primeiro lugar está algo que nos parece óbvio. O Festival atinge
grande público, principalmente se considerarmos a quantidade de pessoas
que assistiu aos 22 espetáculos teatrais apresentados este ano, além das
apresentações musicais, oficinas e debates. Um público variado ao qual se
oportuniza a exibição de peças provindas de diferentes estados brasileiros e
do exterior a preços extremamente acessíveis. Esta razão, por si só, deveria
entusiasmar o poder público a apoiar efetivamente o projeto; entretanto, o
que se percebe é o descaso. Não há, sequer, a inserção do FITUB em nossa
agenda cultural. A Fundação Cultural de Blumenau pouco se importa com
a existência do Festival e se este irá se realizar no próximo ano. Um evento
que capitaliza simbolicamente a cidade, que insere Blumenau no circuito de
teatro universitário brasileiro, que desloca para o Vale do Itajaí centenas de
atores, professores, técnicos e estudantes de todo território nacional e do
exterior, reconhecido por sua qualidade e seriedade, corre o risco de voltar
a não acontecer porque nossa sociedade, nosso poder público e nosso
empresariado é incapaz de perceber sua importância.
Em segundo lugar, o FITUB contribui de forma significativa para o
desenvolvimento profissional de artistas, técnicos e produtores culturais da
nossa região. Tão importante quanto os espetáculos, são os debates,
17
Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

análises, oficinas e intercâmbios que o evento promove, contribuindo para
a constituição de um corpo crítico local que possa não só produzir
espetáculos de qualidade, capazes de circular para além das nossas
fronteiras, gerando renda e trabalho, bem como estimulando o
desenvolvimento de um público local cada vez mais exigente e sedento de
produção artística.
Não reconhecer a importância e as possibilidades que o FITUB
oferece demonstra a incapacidade de promoção e gestão cultural do poder
público e de toda nossa sociedade. É necessário inserir o Festival na agenda
cultural de Blumenau, promovê-lo enquanto opção de atração de um
público diferenciado para a nossa cidade e entendê-lo como um evento cuja
responsabilidade não se restringe à FURB, mas se estende a todos que se
interessam pelo desenvolvimento sustentável e pela qualidade de vida em
nossa região.

19/07/2010

18
Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

Breves considerações a respeito do 23º Fitub.

O inverno este ano soprou o alento aconchegante que apenas um
festival de teatro pode nos dar. Depois de um 2009 onde sentimos sua
clamorosa ausência (a primeira, após sucessivos 22 anos), aconteceu a 23ª
edição do Festival Internacional de Teatro de Blumenau, organizado pela
FURB e ansiosamente aguardado não apenas pela comunidade artística e
pelo já cativo público que assiste aos espetáculos, mas por todos aqueles
que compreendem a importância e o significado dos bens culturais no
desenvolvimento integral e sustentável de uma sociedade. A não realização
do Fitub no ano passado criou, assim, uma expectativa ainda maior para a
edição deste ano. A grande dúvida era saber se o evento realmente
aconteceria e se a Universidade manteria seu caráter anual, respondendo a
uma das reivindicações da classe artística reunida na 4ª Conferência
Municipal de Cultura, que naquela oportunidade manifestou-se contrária à
anunciada bianualidade do Fitub. Incertezas à parte, o evento aconteceu
entre os dias 09 e 17 de julho sob a temática “Quando a voz dá vida ao
texto”, um pouco menor se comparado a edições anteriores, mas mantendo
grande quantidade de público, qualidade nas análises dos espetáculos e
fomentando o intercâmbio artístico e acadêmico entre teatreiros e
estudantes de diferentes estados brasileiros e do exterior. Cortinas fechadas,
queremos agora refletir, na qualidade de espectadores que fomos, sobre o
23° Fitub e tecer algumas considerações a respeito do caráter estratégico do
festival para a FURB e para o desenvolvimento cultural da região.

Financiamento e público.

Apesar das inúmeras dificuldades motivadas pela falta de apoio
financeiro e pela incapacidade do poder público municipal e estadual, bem
19
Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

como do empresariado local, compreender a importância e o significado de
um evento como esse, o Festival Internacional de Teatro Universitário de
Blumenau conta ainda com grande prestígio acadêmico e audiência, esta
última podendo ser medida pela quantidade e variedade de público que
acompanhou os espetáculos. Sessões lotadas e disputa por ingressos já são
rotina para aqueles que se habituaram a acompanhar o Fitub, o que
demonstra o grande interesse da comunidade em acessar bens culturais,
principalmente quando oferecidos a preços populares. Impressionou-me
constatar a grande quantidade de pessoas que compareceram às peças,
ainda que em horários pouco habituais (houve sessões no período da tarde e
à meia-noite), bem como a fidelidade de um público que todas as tardes
participou das análises dos espetáculos. Se considerarmos que na semana
do Fitub os termômetros em Blumenau registraram temperaturas muito
baixas e o clima nos brindou com chuva e grande umidade, a participação
de um público que abriu mão da sua tendência à hibernação para participar
das atividades no Teatro Carlos Gomes e na Fundação Cultural chama
ainda mais atenção.
Quanto ao prestígio acadêmico, este pode ser medido pelo interesse
que o Fitub provoca junto às universidades brasileiras e ibero-americanas.
Segundo informações da organização do evento, inscreveram-se para a
seleção 54 grupos de teatro universitário nacionais (7 selecionados) e 13
grupos internacionais (apenas 3 selecionados). Ouvindo também as
manifestações de diversos atores e professores oriundos de diferentes
lugares, ficou evidente o significado do Fitub para os estudantes de artes
cênicas. Entre estes é praticamente unânime a opinião de que o Fitub
proporciona um espaço privilegiado de exibição da produção teatral
universitária nacional e, principalmente, de troca de experiências por meio
do exercício da análise e da crítica. Neste sentido, o Fitub insere a FURB e
a cidade de Blumenau no cenário artístico e acadêmico nacional,
20
Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

constituindo-se assim enquanto evento estratégico para a Universidade,
para o aprofundamento da qualidade da produção teatral local e até mesmo
para o desenvolvimento de um turismo cultural diferenciado no Vale do
Itajaí, potencial até o momento praticamente ignorado pelo poder público.
As dimensões que o Fitub atingiu, bem como a quantidade de pessoas
que atrai, legitimam a necessidade da sua manutenção, ampliação e
aprimoramento, o que não pode ser feito sem o devido financiamento e sua
inserção na agenda cultural do município e do Estado. Torna-se assim
necessário um esforço em torno da organização e promoção do festival que
reúna, além da FURB, a Fundação Cultural de Blumenau, a Secretaria
Municipal de Turismo, a Secretaria de Desenvolvimento Regional, a
Associação Blumenauense de Teatro, o Conselho Municipal de Cultura,
além de outras entidades da sociedade civil organizada. Em 2008 o Festival
de Teatro deu um passo qualitativo ao assumir o caráter internacional, cabe
agora consolidar este caráter e ampliar sua inserção no cenário artístico e
acadêmico nacional a fim de que suas potencialidades possam ser
plenamente exploradas.

Espetáculos

O 23° Fitub apresentou 22 espetáculos de teatro. Além das peças que
integraram as duas mostras competitivas (Mostra Universitária Nacional e
Mostra Universitária Ibero-Americana), o evento contou ainda com 4
espetáculos convidados, além dos espetáculos do Palco Sobre Rodas e da
Mostra Blumenauense de Teatro. No conjunto das mostras, Blumenau
recebeu grupos do Chile, Colômbia, Argentina, Portugal, São Paulo, Ceará,
Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, além dos grupos
catarinenses e dos seis grupos locais.

21
Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

Ao observarmos os espetáculos das mostras universitárias, é possível
constatar a grande influência que textos e autores canonizados pela crítica
ainda exercem sobre os estudantes de artes cênicas. Bertold Brecht, Nelson
Rodrigues, Plínio Marcos, Sófocles e Ésquilo são alguns destes autores que
recorrentemente têm seus textos encenados nos palcos do Fitub, e que
marcaram presença também nesta edição. A opção por representar textos de
autores cuja qualidade e importância para a história do teatro já está
consolidada não representa, necessariamente, um problema. Entretanto, há
de se considerar o teatro enquanto manifestação artística viva e capaz de
dialogar com o tempo e a sociedade presentes. Textos clássicos têm sua
importância para a história, mas sua representação nos palcos
contemporâneos só faz sentido se atualizados, se capazes de resignificar
nossas

experiências

emergentes.

Diretores

e

atores

necessitam

antropofagizar os clássicos, superar o mito do autor canonizado (como no
caso de Brecht, por exemplo), matá-lo uma segunda vez, para então
produzir um espetáculo que não seja pastiche de si mesmo. O que
presenciamos, entretanto, nesta edição do Fitub, foi o zelo excessivo, o
extremo pudor com que a maioria dos grupos de teatro trataram o texto
original. Talvez o espetáculo que melhor exemplifique o que estamos
dizendo aqui tenha sido a montagem do Centro de Produção Teatral da
Escola de Belas Artes da UFRJ, que encenou “A Serpente”, de Nelson
Rodrigues. Ao se preocuparem em reproduzir fielmente a história trágica
de Guida, que oferece seu marido à irmã para evitar o suicídio desta, os
atores não apresentaram absolutamente nada de novo, tornando o texto,
intenso e repleto de sutilezas, em algo insosso e incapaz de dialogar com a
plateia. Até mesmo “Ascensão e queda da cidade de Mahagonny”, escrita
originalmente por Bertold Brecht em 1927, cuja montagem realizada pela
Cia. Acidental da Unicamp recebeu o prêmio de melhor espetáculo do 23°
Fitub, escorregou para o panfletarismo, na medida em que o discurso que
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Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

funcionava plenamente na sociedade fascista da década de 1930 é incapaz
de ecoar da mesma forma no pós-industrialismo que caracteriza nossa
sociedade ocidental do início do século XXI. O mesmo podemos dizer a
respeito do espetáculo “A grande parada (ou o que resta dela)”, também
uma adaptação de um texto de Brecht, produzida pelo grupo “VisCera
Teatro” e incluída na Mostra Blumenauense. Apesar do subtítulo da peça
(“ou o que ainda resta dela”) indicar para um tempo diferente daquele em
que originalmente estão situados texto, cenário e personagens, a montagem
tem dificuldades em descolar o público das imagens pré-concebidas de uma
Alemanha nazista, dos campos de concentração e dos clichês de uma luta
de classes romântica. Fica a impressão que está a se assistir a uma peça
com preocupações de relato histórico, e não a uma provocação aos tempos
atuais, onde os temas e preocupações de Bertold Brecht ainda se fazem
presentes. Assim, “A grande parada” perde um caráter de ineditismo que
poderia explorar, principalmente se consideramos o contexto social e
cultural do Vale do Itajaí em que a montagem e o grupo “VísCera” se
inserem.
Talvez o ponto alto da Mostra Nacional tenha sido o espetáculo
“Canoeiros da Alma”, de autoria de Luís Carlos Leite e apresentado pelo
“Coletivo Teatro da Margem”, da Univ. Fed. de Uberlândia. O espetáculo
não é daqueles a que se assiste, mas do qual se participa. Não há poltronas,
arquibancada ou palco, mas um imenso pátio mergulhado na penumbra e
no qual atores e público se misturam, os focos de luz indicando pontos de
tensão dramática criados a partir do estudo do universo do Vale do
Jequitinhonha e para onde cada espectador é convidado a dirigir sua
atenção: um grupo jogando cartas, uma procissão, um oratório, os
vendedores ambulantes, o suicida, os noivos, as lavadeiras, a sensualidade
da vida e a violência da morte, velas, gritos, voz e força, enfim, todo um
universo complexo e do qual é impossível se apropriar enquanto totalidade
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Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

una. O que se tem é o tumulto da vida real, a azáfama de uma feira, a
solidão de multidão, mas que a peça procura problematizar quando propõe
histórias que possuem voz e rosto, histórias de gente anônima das quais
sequer supomos existência. Um espetáculo forte e comovente, que contou
com a entrega dos atores e com o reconhecimento do público.
Destaque também para “Hay amor”, do grupo “Os Geraldos” da
Unicamp. Apesar de não ter recebido nenhum prêmio e de não ter ousado
nenhuma linguagem inédita, o espetáculo, com seu humor simples e o uso
de imagens facilmente reconhecidas pelo imaginário do público, agradou a
plateia, arrancando muitas gargalhadas e aplausos. Se “Hay amor” não
apresentou a experimentação que se espera de uma peça universitária, por
outro lado mostrou que um espetáculo que visa tão somente a fruição ainda
é possível.
Quanto aos espetáculos da “Mostra Ibero-Americana”, arrisco-me a
dizer que o destaque tenha sido mesmo o figurino e o cenário de “Eteocles,
Antígona, Polinices y otros hermanos”, da Universidade de Antioquia,
Colômbia, e a preparação vocal dos atores. “Ofelia”, do grupo “Las
Rayadas”, da Argentina, frustrou sob todos os aspectos; e o espetáculo
“Tartarugas e migração”, da Universidade Nova de Lisboa, apesar de
receber o prêmio do público, brindado que foi por imagens de grande apelo
poético, mostrou grandes fragilidades narrativas.

Mostra blumenauense e considerações finais.

Quero concluir ressaltando a importância da Mostra Blumenauense no
contexto do Fitub e a necessidade de se ampliar a sua inserção no festival.
Considerando que o Fitub, este ano, concentrou a maior parte dos seus
espetáculos no Teatro Carlos Gomes, a apresentação das peças da Mostra
Blumenauense na Fundação Cultural de Blumenau deu um caráter marginal
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Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

às peças locais, o que foi motivo de críticas. A inserção dos espetáculos
blumenauenses no mesmo espaço das mostras nacionais e internacionais
possivelmente aprofundaria o intercâmbio entre os grupos e tornaria mais
conhecido o trabalho que vem sendo desenvolvido em nível regional.
Integrar ainda a Associação Blumenauense de Teatro na organização do
Festival e pensar alternativas para que os espetáculos locais possam
também ser analisados criticamente (tal qual o que ocorre com as peças
universitárias), aprofundaria esta inserção e contribuiria para a reflexão a
respeito do fazer artístico local.
Por fim, apontar ainda a importância do Fitub. Um evento que
capitaliza simbolicamente a cidade, inserindo-a no circuito de teatro
universitário brasileiro, deslocando para Blumenau centenas de atores,
professores, técnicos e estudantes do Brasil e do exterior, contribuindo para
o desenvolvimento profissional de artistas, técnicos e produtores culturais e
constituindo um corpo crítico local que possa não só produzir espetáculos
de qualidade, gerando renda e trabalho, bem como estimulando o
desenvolvimento de um público local cada vez mais exigente e sedento de
produção artística. Eis o significado do Fitub e a necessidade da sua
existência.

05/08/2010

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Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

Amálgama

Um homem, e está só. A um canto da arena, na penumbra, este
homem, em silêncio, posta-se de pé e segura nas mãos seus sapatos usados;
sob suas solas, possível é, a memória das terras que já não mais estão.
O homem só move-se lentamente, escoando seu tempo num ritmo
diferente ao da modernidade inaugurada com o aparecimento da
locomotiva. Passo a passo, encontra o local exato para depositar seus
sapatos, cercando assim seu território, suas referências: o par de sapatos, o
casaco, as flores e a cadeira, sobre a qual repousa o vestido vermelho
manchado de esperma. É no interior deste quadrado – sapatos, flores,
cadeira e casaco – circundado pelo público, que se anuncia ao mundo surdo
e cego o vazio de uma vida repleta de memórias impossíveis de troca. Uma
cadeira ou um altar? Que cheiro trescalam flores antigas? Um casaco que
aquece, ou paletó que representa? E esse vestido manchado de um esperma
antigo, ainda cheira um cheiro passível aos sentidos, ou cheira apenas na
lembrança? E o homem só move seu corpo nos limites da sua história,
resumida à necessidade dos instintos que nunca se satisfazem e ao absurdo
da existência. O que resta, enfim, é a repetição. É na repetição que este
homem só se reconhece e se inscreve no mundo, estabelece sua identidade,
ainda que intangível à racionalidade do público. Há momentos em que a
comunicação procura se estabelecer, o homem só aproxima-se de um ou
outro espectador, mas quando tal, não há mais um homem só, tal qual
aquele que grita, que se masturba e se entrega ao gozo mecânico, que se
contorce freneticamente, que liga o aparelho de som e se deixa mergulhado
no ritmo de um mantra, que fala o ininteligível em fonemas que
remotamente lembram o alemão e o italiano (culturas presentes na
construção identitária do Vale do Itajaí, contexto geográfico no qual se
construiu a experiência dramatúrgica de “Amálgama”). Quando o homem
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Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

só se aproxima do público, quando olha em seus olhos, quando quase o
toca, este homem só é tão somente representação; procura arrumar o
cabelo, alinhar suas roupas, sorrir ou sofrer como quem sorri ou sofre para
alguém, não para si. Logo a fraude se anuncia estéril, vazia, e o homem só
retorna ao centro do seu imundo, onde goza, grita, geme, busca, morre e
ressuscita. E quando esse homem só diz que acabou, porque necessita que
acreditemos que acabou para que o possamos abandoná-lo a si mesmo, não
aceitamos sua sentença, e permanecemos, nós plateia, muda, surda e cega,
na espera de um sentido, de um algo a mais que nos territorialize. Porque
afinal, não nos movemos ao teatro para compreender o outro, movemo-nos
ao teatro porque queremos nos encontrar. Mas não há sentido, não há um
algo mais além da repetição. E temos então um homem, e está só. A um
canto da arena, na penumbra, este homem, em silêncio, posta-se de pé e
segura nas mãos seus sapatos usados; sob suas solas, possível é, a memória
das terras que já não mais estão...
“Amálgama” estreou em 2008, e retornou aos palcos da Temporada
Blumenauense de Teatro em 2010. Com direção de Silvio da Luz e texto de
Gregory Haertel, podemos dizer aqui que o espetáculo constitui-se mais
como uma performance do ator Adriano Amaral, e não tanto como
monólogo. Em “Amálgama”, apesar do texto, o que menos importa são as
palavras. É o trabalho de ator, seu domínio sobre o corpo e a forma como
este expressa a angústia e os conflitos do personagem que importam. Não é
o verbo, mas o movimento e a austeridade dos elementos de cena, que
imprimem significado ao espetáculo, associados a uma pesquisa rigorosa
na construção do roteiro e do próprio ator. O resultado é uma atuação
impecável de Amaral e uma dramaturgia que nos remete a Samuel Beckett
e seu universo de vazios e ausências de sentido.
Importante o retorno de “Amálgama” aos palcos, e a certeza da
possibilidade de se radicalizar ainda mais a proposta do espetáculo. Se o
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Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

personagem afirma, em dado momento “Acabou! Vão embora! Preciso que
vocês vão embora para saber que acabou!”, talvez seria interessante deixar
nas mãos do público a decisão de encerrar a peça. Desafio interessante para
os limites físicos do ator e do público, amalgamado na ausência das palmas
e no vazio

02/10/2010.

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Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

Estrangeiros

Edelweiss é uma flor, mas também uma canção. Alguém lembrará que
edelweiss empresta seu nome há muitas outras coisas, e é verdade. Todas,
entretanto, remetem à mesma ideia: a do branco precioso, da pureza.
Edelweiss, a flor, nasce nos Alpes, em ambiente inóspito, tem o formato de
uma estrela e, apesar de ser extremamente branca, retém em sua penugem a
umidade do ambiente, o que lhe dá um tom prateado. Como chegou a estar
próxima da extinção, hoje esta flor é tombada como patrimônio natural nos
países alpinos. Edelweiss, a canção, foi composta em 1959 por Richard
Charles Rodgers e Oscar Hammerstein II para o musical “The sound of
music”, que conta a história da família austríaca von Trapp, emigrados para
os Estados Unidos em 1938. Os von Trapp fugiam do nazismo que se
espalhava pela Europa. A tradução da canção original diz: “Edelweiss/
Toda manhã você me cumprimenta / Pequena e Branca / Clara e Brilhante /
Você parece feliz por me encontrar / Floco de neve / Que você possa
desabrochar e crescer / Desabrochar e crescer pra sempre / Edelweiss /
Edelweiss / Abençoe a minha terra pra sempre.” Não é fácil desabrochar e
crescer em ambiente inóspito, mas edelweiss – a flor – desabrocha e cresce,
e é disso – mas não apenas disso – que trata a peça “Estrangeiros”, cuja
pré-estreia aconteceu no dia 24 de fevereiro, sob a direção de Fábio
Hostert, com texto de Gregory Haertel e a atuação de Daidrê Thomas e
Enzo Monti.
Se começo este comentário pelo avesso, é porque “Edelweiss” – a
canção – dá o tom da peça, sendo sua trilha sonora inicial, porém não só!
Falaria, talvez, que “edelweiss” – o branco precioso – dá mesmo sentido,
consciente ou inconscientemente, ao espetáculo. A flor, a canção e – por
que não? – até mesmo os von Trapp anunciam-se na relação entre Alícia
(Daidrê Thomas), Pablo (Enzo Monti) – é este mesmo seu nome? – e
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Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

Verde, a boneca de pano que acompanha a protagonista. A respeito daquilo
que Verde possa representar, cabe lembrar que “Verde” é também cor. Por
que então chamar de Verde a boneca? Verde é cor complexa, e sabemos
que assinala o fim do inverno e a esperança. Para além, o verde indica
vigor sexual e necessidade de valorização. Ainda, verde é a cor das águas
mortas e pode representar influências nefastas. Verde, percebemos,
constitui-se como um prisma de possibilidades, e todas, sem exceção,
estarão reunidas nesta personagem muda e manipulável que será a boneca
de Alícia.
O palco é italiano, e o cenário, apesar de modesto, é belo e repleto de
significados. A trama se desenrola no interior de uma loja de fantasias,
onde não há objeto sem preço. À venda máscaras, vestidos, quadros,
espelhos e demais objetos cuja relação está no fato de que todos servem à
representação. Alícia é a vendedora, senta-se atrás de uma mesa, no centro
da loja. Às suas costas, uma cortina indica a porta que leva ao quarto no
qual dorme seu pai. Um pai onipresente que se anuncia nos gestos, nas
palavras, nos silêncios e nos temores da personagem, mas cujo rosto e
corpo não vemos. Quem é este pai, afinal? A que pai Alícia presta
subserviência? Suspeitamos, na plateia, não se tratar de um pai de carne e
osso. Este pai que irrompe simbolicamente a cada instante, ao qual a
personagem venera e acusa, está para além de um progenitor biológico.
Este pai, ao qual a personagem acorre em proteção, tem a face da
Instituição. Uma face que só nos é dada a ver por intermédio dos
personagens, tal qual um pai que outrora ditou mandamentos, tal qual um
pai que impõe seu relho ainda nos tempos que correm, e que se não mostra
seu rosto, é porque muitos possui, e não importa; sua face, afinal, é sempre
a mesma fascista face. E Alícia é assim uma ficção que se crê real, uma
edelweiss, pequena e branca, que vive sob a inóspita presença do Pai. Um
corpo virgem de afetos, de toque, que não conhece outra carne, que não
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Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

profere palavrão. Não há, assim, tesão em Alícia. Não há vida em Alícia,
senão no sonho que vive acordada e que nos é dado a conhecer através das
imagens produzidas por Leo Kufner (um dos pontos altos da peça). A
câmera nervosa persegue o sonho de liberdade bucólica de Alícia, que
corre pelos campos, se lança à relva e se balança sob às copas das árvores.
Sonho do qual é arrancada quando adentra a loja o moço estrangeiro de fala
estranha, sedutora, movimentos calculados. Quem é, afinal este
personagem? Qual seu nome real? De onde vem? Ao chegar este
personagem – Pablo? – Alícia se vê arrancada do seu mundo em que,
emudecida, goza do não saber. Pablo - ? – assume seu papel, apropria-se de
Verde para lhe conferir influências nefastas. Se Verde induz esperança, que
fique alertado que nem toda esperança induz ao deleite. A Verde
incorporada por Pablo é dor, é pesadelo. Pablo é o algoz que se encarrega
de uma certa educação à Alícia. Alícia precisa crescer, precisa viver,
precisa aprender. Pablo é assim uma espécie de preceptor imoral, e o fio da
trama nos conduz a reconhecer na história de Alícia uma Cinderela dos
tempos que correm. O que Alícia busca em Pablo é alcançar ser outra, ser
estrangeira de si mesma. Mas tal qual no conto de Cinderela, só se é
possível ser outro por breve momento. Passado o inédito, passamos a ser
nós mesmos. Inevitável sentença!
Há muitas possibilidades apontadas no espetáculo dirigido por Fábio
Hostert, mas há problemas. Como pontos altos aponto a cenografia, a
iluminação, o vídeo de abertura do espetáculo (apesar de excessiva e
desnecessariamente longo) e a atuação de Enzo Monti no momento em que
ordena a Alícia que esta se dispa. A fotografia desta cena em especial é
antológica, uma das mais bonitas que já vi nos palcos blumenauenses.
Também Daidrê Thomas nitidamente apresentou uma grande caminhada
desde sua atuação em “A sede do santo” (2010). Entregou-se a um papel
difícil e apresentou uma boa atuação, apesar do nervosismo. Porém cresceu
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Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

durante a peça, como atriz. Vale dizer que cenas de violência física e moral
não são fáceis de representar, exigem experiência, e tais cenas preenchem
boa parte da trama. Entretanto, a entrega da atriz à personagem pode e deve
melhorar. Mas foi no roteiro, entretanto, que algumas deficiências se
fizeram notar, e de certa forma comprometeram a narrativa e a
verossimilhança. Alícia, apesar de ser esta edelweiss aprisionada no bojo
de uma ordem discursiva, entrega-se muito facilmente aos ditames de
Pablo. Não há “verdade” nesta transição. Alícia precisa ser outra, mas
como se dá isso? Alícia precisa se despir (não só das vestes, mas
principalmente de si mesma. A nudez do corpo de Alícia é apenas o
caminho para o reconhecimento de uma nudez muito mais ampla – como
que se estivesse saindo da caverna de Platão), mas seu despir não
convence. O que vemos é um corpo nu, apenas um corpo nu, o que é uma
pena, porque ao nos chocarmos com a violência da nudez de Alícia,
poderíamos assumir nossa própria nudez, e assim os espelhos pendurados
no cenário fariam ainda mais sentido, porque refletiriam a nós, plateia,
também nús. Por fim, há o fim que não se resolve. Não porque a peça
indicasse uma insolubilidade, mas porque assumir-se outro não se resume a
um “vai tomar no cú!” gritado pela personagem. “Vai tomar no cú” é muito
pouco para uma peça que pode tanto, mas não se realiza plenamente.
“Estrangeiros” é uma proposta interessante, mas que não parece
pronta.

25/02/2011.

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Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

Carla Edilene precisa ser algo além de nada

Carla Edilene (Zanza França) ama seu marido (Leomar Peruzzo), ou
pelo menos acredita amar. Construiu suas referências de amor lendo
romances de banca e acompanhando programas românticos no rádio.
Descobre entretanto que foi traída, e a partir de então a imagem da mulher
(Aline Barth), com que seu homem se deitou, a acompanha e tortura. Carla
Edilene aprendeu em suas leituras baratas e em seus programas de rádio,
que há de se sofrer quando se é traída. Que há de se vingar, também. O
conflito que se estabelece na personalidade de Carla Edilene a partir de
então, diz respeito ao fato de que diante do seu homem arrependido, que
lhe pede perdão e promete amor e fidelidade, a personagem não deve ceder
ao seu desejo de reconciliação, afinal, não é assim que acontece nas
histórias que lê, nos casos que escuta. Não, há um padrão de luto, de
revanche, que precisa ser plenamente experimentado, caso contrário, Carla
Edilene será nada, incapaz de sentir, incapaz de machucar e ser machucada.
Vingar-se do marido que tanto ama é, acima de tudo, afirmar uma
existência, ainda que sob padrões estabelecidos pela mídia barata. E talvez
esta seja a grande sacada de “Amar (e mesmo assim...)”, peça que
inaugurou a Temporada Blumenauense de Teatro de 2011: problematizar
os discursos que impõem aos sujeitos padrões de sentimentos entendidos
como corretos. Em seu íntimo tudo que desejava Carla Edilene era agarrar
seu homem, tomá-lo em seu corpo, mas não podia, não é isso que se espera
de uma mulher romântica. Por isso exigia sofrer para sentir-se digna de si,
digna da imagem que sempre projetou para sua vida.
Com texto de Gregory Haertel e direção de Jean Massaneiro, a
montagem de “Amar (e mesmo assim...)” coube ao grupo “Detalhe”, que
trouxe no elenco, além dos atores já citados, o experiente Roberto Morauer

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Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

no papel de radialista. Morauer assina ainda a assistência de direção do
espetáculo.
A peça não apresenta grandes pretensões. Com uma narrativa linear,
sua linguagem kitsch e tipos estereotipados, “Amar (e mesmo assim...)”
diverte e consegue discutir a iconografia brega do universo romântico.
Destaque para Zanza França, cuja interpretação literalmente estridente (a
personagem da atriz caracteriza-se pela voz aguda, quase histriônica)
conseguiu sustentar a tensão dramática do espetáculo. No conjunto,
entretanto, os atores não pareceram “sintonizados”, o mesmo ocorrendo em
relação à trilha sonora. Também a onipresença voluptuosa da amante
pareceu demasiada em vários momentos, o que contribuiu para que a
atenção do público fosse indevidamente desviada da protagonista para uma
situação coadjuvante. Há, assim, uma espécie de descompasso, que tira o
espectador do transe da peça, devolvendo-o à cadeira fria do auditório.
Pesados os problemas da montagem, entretanto, o espetáculo do grupo
“Detalhe” parece ter cumprido com sua proposta. Divertiu o público,
ironizou o romantismo piegas e discutiu o papel da mídia e da cultura de
massas na construção de subjetividades. E, por fim, um sentimento de
cumplicidade com Carla Edilene. Afinal, o que precisamos nós para sermos
algo além de nada?

20/03/2011

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Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

Rebu

Nas últimas quinta e sexta-feira (24 e 25/03) teve início a temporada
2011 do Palco Giratório do SESC em Blumenau. No palco do Teatro
Carlos Gomes apresentou-se a Companhia Independente de Teatro do Rio
de Janeiro com as peças “Rebu” (palavra que significa desordem, confusão,
briga) e “Cachorro”, ambas de autoria de Jô Bilac e sob a direção de
Vinicius Arneiro.
“Cachorro”, indicada em 2007 para o Prêmio Shell na categoria
melhor direção, apesar de preceder “Rebu” e ter sido a peça que deu início
às atividades da Companhia Independente, foi apresentada na noite de
sexta-feira, com casa cheia e uma plateia com a expectativa inflada pelo
boca a boca do público da noite anterior. Um tragicômico triângulo
amoroso muito bem montado, com iluminação impecável e atores cuja
interpretação competentíssima levaram o público a boas gargalhadas, o que
não foi suficiente para evitar uma certa sensação de frustração perceptível
nos aplausos e nos comentários de corredor ao final da peça. Isto não
significa, porém, que “Cachorro” não tenha cumprido com sua proposta.
Cumpriu, e muito bem! Entretanto, há de se render ao óbvio: “Rebu” é
muito melhor, resultado da trajetória de uma companhia teatral ainda
jovem, mas que mostrou aperfeiçoamento nesta que é sua segunda
montagem. Como ambos os espetáculos apresentam estéticas muito
semelhantes (apesar de “Cachorro” se inspirar no universo de Nelson
Rodrigues e “Rebu” nos folhetins tão comuns na imprensa brasileira da
segunda metade do século XIX), fica praticamente impossível não tecer
comparações entre eles; mas que se registre, não há demérito na frustração
do público que retornou ao teatro na noite de sexta-feira, pelo contrário,
mérito à Companhia Independente que ousou se superar ao montar “Rebu”.

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Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

“Rebu” está ambientado em algum momento do século XIX, e narra a
história de um jovem casal que recebe a visita da irmã do chefe da casa e
seu bode de estimação, que é cego. Esta irmã alega estar adoentada, e por
isso exige que a casa esteja impecavelmente limpa e que nenhuma nesga de
luz do dia lhe alcance o corpo. Bianca, a esposa, praticamente enlouquece
com as exigências da cunhada e com a presença do bode cego no interior
da residência. Há, entre a irmã e o marido, uma relação quase incestuosa e
que submete este último, sempre pusilânime, aos caprichos e à chantagem
emocional da parente. A esposa, entretanto, descobre um grave segredo,
motivo real da visita da cunhada, que usará como moeda de chantagem
para ter de volta a tranquilidade que gozava com o marido antes da chegada
da parente e seu insólito animal de estimação. No geral, a peça tem como
tema a mentira. Com o desenrolar da trama fica claro que cada um dos
personagens carrega consigo sua mentira e seu pecado, e que se movem
como se em um jogo de xadrez, cada passo medido e pensado. A
coreografia do espetáculo contribui para a metáfora do jogo de xadrez, os
personagens alinhando-se em diagonais e em colunas sobre um tablado
quadrado, ao público a expectativa do lance arrebatador, do xeque-mate.
No elenco estão Carolina Pismel (a irmã), Julia Marini (a esposa), Paulo
Verlings (o marido) e Diego Becker (o bode cego), este o grande destaque
da peça.
O bode cego que Diego Becker interpreta não se apresenta estilizado,
mas absolutamente humanizado – humanização que nos provoca a pensar a
respeito do tratamento que muitos dispensam aos seus animais de
estimação, que de tão humanizados chegam a ser violentados em sua
natureza. Vestido de paletó e colete, entretanto, em nenhum momento a
interpretação sutil e precisa de Diego nos faz duvidar de que se trata de um
bode cego. Ao vermos o homem de óculos com suas lentes pequenas,
redondas e escuras, vemos na realidade o insólito personagem imaginado
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Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

por Jô Bilac, e acreditamos nele, tamanha a verossimilhança construída
pela trama e pelo trabalho do ator, que irrompe no palco com um
estrondoso sapateado flamenco. O bode, a propósito, merece outras
reflexões, símbolo importante que significa a peça. Podemos perguntar: por
que um bode? Por que não um cão, um porco ou até mesmo uma serpente?
Um primeiro elemento seria a tradução da palavra tragédia, que em
grego significa, literalmente, “caminho do bode”, isto porque o bode
montanhês precisa calcular muito bem cada passo que dá, a fim de não se
precipitar montanha abaixo. Também numa tragédia (enquanto gênero
dramático) cada movimento em falso pode ter consequências funestas para
os personagens, assim como em “Rebu” (uma tragicomédia), onde uma
palavra descuidada revela culpas e um descuido imprevidente lança nas
mãos de Bianca o segredo da cunhada. Para além, entretanto, o bode de
“Rebu” é cego, elemento importante. O bode, na tradição judaica, expia
culpas. É da prática de se abandonar um bode no deserto, depois de se tocar
sua fronte e assim lançar sobre si todos os pecados de um povo, que surge a
expressão bode expiatório. Para Bianca, a esposa, basta que a cunhada
abandone o bode para que se resolva as desavenças entre elas. Mas como
abandoná-lo, cego, à própria sorte? O bode, justamente porque não
enxerga, não pode ver a maldade inerente a sua dona, por isso o único que
não a julgará e em quem pode confiar. Mas como um bode cego que não
enxerga os seixos traiçoeiros nas trilhas estreitas e sinuosas de uma
montanha, a tragédia em “Rebu” leva seus personagens a movimentos que
acabam por destruí-los. Em toda mitologia o bode é sempre um símbolo
complexo, que tanto pode se associar ao sublime, já que dos animais não
alados é o que mais se aproxima de Deus, como pode estar associado ao
vil, ao instintivo, à figura dos sátiros que habitavam as florestas e
defloravam moças descuidadas. Também a forma como cada personagem
se relaciona com o bode cego reflete a complexidade do símbolo. Se para
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Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

Bianca o bode é animal pavoroso e asqueroso, para seu marido transformase em uma espécie de irmão puro, inocente. É na figura do bode cego, sem
dúvida alguma, que reside o grande trunfo da peça, seja pela interpretação
impecável de Diego Becker, seja pelas possibilidades que, enquanto
símbolo, oferece à trama.
Por fim cumpre destacar o trabalho de corpo desenvolvido pelos
atores, o cenário austero assinado por Daniele Geammal e a iluminação
desenhada por Paulo César Medeiros. Um trabalho completo e irretocável!

26/03/2011.

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Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

Um teatro vivo e propositivo

Ainda que constatada a absurda falta de investimos públicos no
desenvolvimento de atividades artístico-culturais em Blumenau, bem como
a ausência de uma política clara definida para a área, sazonalmente a cidade
é palco de interessantes experiências no campo do Teatro. Experiências que
parecem ter atingido uma certa maturidade no transcorrer desta primeira
década do século XXI, em que se percebe uma diversificação de linguagens
dramatúrgicas, uma maior organização e profissionalização do setor e a
constituição de um público constante para os espetáculos. Realidade
conquistada, fruto portanto de uma história com muitos altos e baixos e que
não se iniciou ontem.
É preciso que destaquemos algumas iniciativas que contribuíram para
que o cenário teatral blumenauense alcançasse o patamar em que se
encontra hoje. Em primeiro lugar, chamar a atenção para o Núcleo de
Teatro Experimental (Nute) do Teatro Carlos Gomes, que teve importante
atuação no cenário artístico-cultural da cidade, notadamente nas décadas de
1980 e 90, seja através dos Jogos de Teatro (onde toda cadeia da produção
teatral – do texto à representação – era estimulada através de competições
que premiavam peças de curta duração, concebidas e montadas em
intervalos de poucas horas), seja através dos cursos de Teatro e da
apresentação das peças produzidas pela escola. Muitos dos atores, diretores
e público que atualmente frequentam o cenário artístico do Vale do Itajaí,
formaram-se nas atividades desenvolvidas a partir do Nute.
Outra importante iniciativa na história do Teatro em nossa região foi a
criação, em 1987, do Festival Universitário de Teatro de Blumenau
(atualmente internacionalizado). O Fitub, como hoje é conhecido, sempre
contribuiu para o intercâmbio de experiências dramatúrgicas entre grupos
universitários do Brasil e exterior. Com sua periodicidade anual (exceção
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Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

para 2009, ano em que o Festival não se realizou por decisão da então
Reitoria da FURB), e sua maratona de peças, debates e atividades
correlatas, o Festival sempre proporcionou um espaço privilegiado de
exibição da produção teatral universitária e, principalmente, de troca de
experiências por meio do exercício da análise e da crítica. Também não há
dúvidas quanto à contribuição do Fitub para a formação de plateias,
elemento central para o desenvolvimento de toda cadeia produtiva que atua
no entorno desta atividade artística. Segundo dados oficiais publicados pela
organização do Festival, em 2010 o público que assistiu às peças totalizou
23 mil espectadores. Este número demonstra o crescimento e importância
deste evento que, em sua primeira edição, reuniu 5 mil espectadores.
Evento que divide sua importância e significado com o Festival Nacional
de Teatro Infantil (Fenatib), promovido pela Fundação Cultural de
Blumenau e que neste ano chega a sua 15ª edição. Fitub e Finatib são as
duas faces de uma importante estratégia de fomento da economia criativa
em nossa região, mas que infelizmente carecem da atenção pública devida.
Ainda assim sobrevivem e são fortemente responsáveis pelo espaço que o
teatro vem ocupando no cenário cultural do Vale do Itajaí.
Também a criação em 2004 do curso superior de Bacharelado em
Artes Cênicas pela Universidade Regional de Blumenau, e do surgimento,
há quinze anos, da Companhia Carona de Teatro (que funciona como
escola de teatro do Teatro Carlos Gomes – ocupando um espaço
anteriormente representado pelo Nute – e como companhia de teatro),
concorreram para a profissionalização de atores e para o exercício da
produção teatral na região. Muitos dos protagonistas que frequentam os
“palcos” blumenauenses são oriundos destas duas escolas de teatro (Furb e
Carona) que, vale lembrar, não são as únicas. A região dispõe ainda de
outros espaços de formação para as artes cênicas, como é o caso do Espaço
Plural, e diversas companhias e grupos de teatro em atividade.
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Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

Quando dissemos, no início deste texto, que o setor das artes cênicas
atingiu um certo nível de maturidade em Blumenau, a afirmação não se
refere exclusivamente ao campo artístico, mas também ao político. Dentre
todos os setores artísticos da cidade, o do teatro é o que apresenta melhor
organização e atuação política. Há, inclusive, uma associação que
representa os interesses do segmento. Criada em 2010, a ABLUTEATRO
reúne diversos grupos da região, e compreende a categoria enquanto classe,
conforme definição que consta do Artigo 1º do seu Estatuto Social: “é uma
associação civil sem fins lucrativos, congregando grupos, artistas,
produtores e trabalhadores culturais da área de Teatro(...)”. Ao entender
os profissionais do Teatro enquanto trabalhadores, a ABLUTEATRO
qualifica o debate artístico local, sempre tão atrelado ao diletantismo,
exigindo que a categoria seja reconhecida e respeitada como mão de obra
qualificada no campo da economia criativa. Cabe a esta associação
contribuir também com a organização da Temporada Blumenauense de
Teatro, que mensalmente estreia montagens desses grupos, apresentadas a
preços populares, e tornando a produção local acessível e reconhecida pelo
público. Desde 2005, ano em que a Temporada foi criada, houve a
consolidação de uma plateia que, paulatinamente, vem se diversificando.
Sabemos, entretanto, que maturidade não significa estar pronto,
tampouco carecer de dificuldades. Se por um lado os grupos
blumenauenses produzem montagens de grande apuro técnico e
sensibilidade artística, por outro lado a Temporada Blumenauense de
Teatro também traz à cena alguns trabalhos dramaturgicamente muito
frágeis. Constatação que está longe de causar estranheza em um processo
de construção; afinal, a maturidade do cenário local está na capacidade de
assumir os riscos do novo, e não quando da tentativa de seguir fórmulas
tradicionais. São justamente as propostas de maior ousadia aquelas que
melhor dialogam com o público e acabam por ultrapassar algumas
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Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

fronteiras, inclusive as geográficas, alcançando públicos de outros
municípios e estados.
Por fim, vale lembrar que dentre as dificuldades que o segmento das
artes cênicas enfrenta em Blumenau, para além da ausência de políticas
culturais como um todo, e da crítica de arte especializada, está a
inexistência de espaços públicos adequados para a exibição das montagens,
haja visto o Teatro Carlos Gomes, único teatro realmente estruturado da
cidade, constituir-se como um espaço privado, e os auditórios da Fundação
Cultural apresentarem uma estrutura decadente e que não atende às
necessidades técnicas mínimas para a apresentação de espetáculos com
formatos mais exigentes. Ainda assim, ressalvadas todas as dificuldades, o
Teatro em Blumenau mantém-se vivo e propositivo, promovendo diálogos
e provocando as estruturas da cidade.
04/07/2011

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Vida
Por que os cães latem? Latem por latir. Latem porque, por via da
dúvida, é melhor latir. Latem para existir. Assim como nós, sempre atentos
a tudo, cheios de nossa racionalidade cartesiana ou de nossa filosofia de
autoajuda, latimos, melhor, nominamos o mundo. O mundo, o que é senão
um emaranhado de verbetes e conceitos que, acreditamos, dão sentido a
tudo? “No princípio fez-se o verbo”, é bíblico. E tantos de nós dedicamos
cada minuto de nossa vida a dar sentido à vida! Mas talvez, sim, talvez, não
seria melhor o perambular distraído? “Distraídos venceremos”, diz uma
frase. De que natureza seria esta vitória?
“Vida”, espetáculo da Companhia Brasileira de Teatro com direção de
Márcio Abreu, inaugurou os palcos do 24° Festival Internacional de Teatro
Universitário de Blumenau propondo uma leitura do universo de Paulo
Leminski. É possível que assim o seja, mas a mim falaram-me mais forte as
vozes de Fernando Pessoa em sua “tabacaria”, e de Beckett com todo seu
teatro do absurdo. Assim como em Beckett de Godot, os personagens
esperam, e esperando ocupam seu tempo. Em meio a uma sala
claustrofóbica, sem janelas e de paredes brancas, quatro personagens
ensaiam para uma banda que festejará o jubileu de uma cidade. O que não
significa coisa alguma. Para além do ensaio, da música que a banda deve
tocar, importam mesmo ao enredo o desfilar do cotidiano de cada um dos
quatro personagens: Rodrigo Ferrarini, cínico, com sua dialética meticulosa
e uma maiêutica ao inverso que fornece resposta a cada pergunta – ainda
que a resposta, aparentemente lógica, lance-nos ao vazio. Rodrigo, na
banda, toca pratos; é sempre aquele que está no compasso errado. Raniere
Gonzales tem muitas tatuagens (sim, ator e personagem, estabelecendo um
diálogo autoficcional); aparentemente tranquilo e observador, transformase radicalmente buscando sua identidade; é o cantor da banda. No
espetáculo, a atuação de Raniere é excepcional, apresentando-nos um ator
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versátil e de muitos recursos. Giovana Soar, moça solitária, dada às práticas
politicamente corretas, que na realidade a oprimem. Emblemática a cena
em que Giovana, ao chorar, é guarnecida de lenços de papel. Ela adora
lenços de papel, embora saiba que deveria preferir os de pano, reutilizáveis.
Seu humor é oscilante, e na banda toca o bumbo. Por fim, Nadja Naira, a
silenciosa, com seu corpo alto e magro. Seu instrumento é a guitarra, que
leva junto ao peito para esconder sua nudez. Nadja, quando vestida da
guitarra, transforma-se em uma mulher mais autoconfiante. É o
entrelaçamento destes quatro personagens (e fica a pergunta: até que ponto
atores e personagens estão realmente separados?) que compõe a trama de
“Vida”.
Difícil é estabelecer limites de gênero para o espetáculo, que oscila
entre o drama e o humor. Multifacetado, autoficcional, intertextual, “Vida”
apresenta muitos méritos, desde o cenário, de grandes proporções (o que
realmente chama a atenção nestes tempos de uma dramaturgia
minimalista), passando pela trilha sonora (assinada por André Abujamra),
pelo texto primoroso e instigante e chegando à atuação excepcional de
Raniere, que literalmente incorpora o personagem (ou seria o inverso).
Entretanto, há talvez um certo excesso na montagem, uma repetição de
situações, que ao final cansam a plateia. Fica a impressão que o espetáculo
poderia alcançar seu desfecho um pouco antes, talvez no momento em que
Raniere, neuroticamente, lança-se pela parede. A cena em questão é forte,
definitiva, repleta de uma radicalidade que, inclusive, torna injustificado o
retorno do personagem à cena.
Por fim, se Paulo Leminski ou Beckett, não importa. “Vida” fala por
si! Diverte e incomoda. Espetáculo que enche os olhos mas, e ao mesmo
tempo tem o mérito de deixar um quê da náusea sartreana. Tem o que dizer,
e diz! Certamente, uma grande peça... porém longa!
10/07/2011
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Trânsito livre entre Arenales, o aniversário da porca e unhas
sujas

O primeiro final de semana do 24° FITUB contou com a apresentação
de cinco espetáculos, quatro deles integrando as mostras universitárias, e
“Amálgama”, que integra a mostra blumenauense. Na Mostra Universitária
Nacional subiram ao palco os Alunos do Projeto de Diplomação da UnB
(DF), com a peça “A porca faz anos”, e a Cia. Seis Acessos da Unicamp
(SP), com o espetáculo de improvisação “Trânsito livre”. Já pela Mostra
Universitária Ibero-Americana subiram ao palco o Grupo Arenales
Cooperativa Teatral do IUNA (Argentina), com a peça “Arenales, um
pueblo bajo el mar”; e a Compañia La Gorda da Universidad Mayor
(Chile), com o espetáculo “Uñas sucias”.
Com bom público, os quatro espetáculos, entretanto, não chegaram a
entusiasmar as plateias, e o destaque ficou mesmo com o grupo argentino,
que apresentou “Arenales” na tarde de sábado. Já a maior frustração pode
ser atribuída ao espetáculo de improvisação “Trânsito livre”, na noite de
domingo. Neste os atores pareciam não estar preparados para a natureza
das perguntas realizadas pelo público –“Que pergunta eu faço?”; “O que
acontece quando as perguntas acabam?”; “O que é pior: pensar e falar, ou
pensar e calar?” – , e sobre as quais deveriam desenvolver os números, o
que resultou em um espetáculo de dança pobre em sentidos e conteúdos,
com um desenvolvimento arrastado e pouca criatividade.
“Arenales, um pueblo bajo el mar”, com texto de Sergio Sebater e Ana
Rodriguez Arana e direção de Sergio Sebater, conta a história de um
povoado costeiro arrasado por um tsunami. Lembrando um pouco a
proposta do filme “Nós que aqui estamos, por vós esperamos”, de Marcelo
Masagão, a peça procura apresentar uma breve biografia das pessoas que
moravam e sonhavam em Arenales, mais de uma dezena de personagens
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que se desdobram sobre o palco, e que desaparecem sob as monstruosas
vagas do mar. A peça tem como mote um monumento que recorda as
vítimas da catástrofe natural. Deste monumento desprendem-se os
personagens para um recuo no passado e na memória, e estes mesmos
personagens – numa mistura de musical e teatro narrativo – desfilam e
narram suas histórias para o público presente ao teatro. Por fim, antes de
retornarem ao frio mármore do monumento, lembram que as tragédias
podem ser naturais, como o tsunami em Arenales, mas também provocadas
pela ação humana, como foi o caso da cruenta ditadura militar argentina,
que sequestrou, torturou e assassinou aproximadamente 30 mil pessoas
(algumas destas foram lançadas vivas ao mar, jogadas de aviões militares),
e levou ao exílio mais de 2 milhões de cidadãos. Assim como o tsunami
que recentemente soubemos destruir o Japão, a ditadura militar argentina
sepultou sob a lápide do mar histórias e sonhos humanos que ainda ecoam
seu horror.
Chama a atenção no espetáculo do grupo argentino toda sua estética
poética, tanto na força da narrativa quanto nos movimentos dos atores. A
figura do monumento humano que se movimenta alternando a tranquilidade
fria do mármore e o horror da morte trágica, é sublime. Também o
desempenho dos músicos em palco é digno de nota. Deixa a desejar,
entretanto, a forma como dramaturgos e diretor exploram as biografias dos
personagens. Talvez por serem muitos, e pequeno o tempo da peça, falta
profundidade naquilo que dizem de si os moradores de Arenales. Por outro
lado, a dramaturgia acerta quando relaciona o tsunami à ditadura militar,
conseguindo universalizar a história prosaica de um pequeno povoado e
seus habitantes anônimos. Assim, “Arenales, um pueblo bajo el mar” está
vivo e dialogando conosco.
Ainda na noite de sábado apresentaram-se, no palco do grande
auditório do Teatro Carlos Gomes, os alunos da Universidade de Brasília
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com o espetáculo “A porca faz anos!”. Com direção de Felícia Johansson e
autoria coletiva do próprio grupo, a comédia propõe-se na lógica do Teatro
de Revista, e mistura música, dança e teatro. Ambientado em Brasília, faz
uma sátira burlesca das instituições e políticos brasileiros, parodiando
discursos e personagens reais e fazendo referências diretas a fatos
contemporâneos noticiados pela imprensa brasileira.
Apesar de ser divertida e apresentar acompanhamento musical e
trabalho vocal excepcionais, e números de dança admiráveis (incluindo-se
uma surpreendente apresentação de dança de rua ), “A porca faz anos!”
decepciona justamente naquilo que deveria ser seu ponto alto: a sátira
política. Exagerando nos estereótipos e simplificando demasiadamente a
realidade política brasileira, a peça acaba por carecer de senso crítico,
caindo no senso-comum e perdendo a oportunidade de apresentar uma
crítica mais inteligente e contundente (o que parecia ser a intenção inicial
do espetáculo). Também a excessiva duração da peça acabou por torná-la
repetitiva e cansativa. Talvez por se tratar de uma dramaturgia construída
coletivamente, mas “A porca faz anos!” parece ser uma pura reunião de
bons números e esquetes que não conseguem, entretanto, atingir um bom
resultado quando reunidas em seu todo.
Por fim, na tarde de sábado, apresentou-se a Compañia La Gorda, do
Chile, com a peça “Uñas sucias”, com texto de Luis Barrales e direção de
Carolina Larenas e Alejandro Bradasic. Com um enredo simples e
dramaturgia enxuta, “Uñas sucias” conta a história de cinco jovens
jogadoras de futebol que integram um pequeno time e almejam chegar à
divisão profissional. Ao ficarem presas no vestiário, as cinco moças
acabam por fazer aparecer seus conflitos, preconceitos e rivalidades. A
peça consiste nos diálogos que as cinco atrizes estabelecem entre si, e o
cenário restringe-se a dois bancos de madeira e uma penteadeira.

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“Uñas sucias”, apesar de margear temas de debate bastante atual,
como a pedofilia e a homossexualidade, não entusiasmou a plateia e teve
poucos momentos realmente interessantes.

11/07/2011

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Um Horácio iconoclasta

Na noite de segunda-feira a X Turma de Artes Cênicas do Centro
Universitário Barão de Mauá de Ribeirão Preto (SP) subiu ao palco do
Auditório Willy Sievert, no Teatro Carlos Gomes, para apresentar o
espetáculo “O Horácio”, adaptado da obra do dramaturgo alemão “Heiner
Müller”. Sob a direção de Carlos Canhameiro, a montagem apresentada no
FITUB impressionou pela entrega e entusiasmo dos atores, bem como pela
leitura iconoclasta – e até mesmo profana – do texto de Müller.
“O Horácio” narra a história da guerra entre as cidades de Roma e
Alba, ao mesmo tempo em que ambas se viam ameçadas pelos etruscos. A
fim de não sofrerem muitas baixas, decide-se que por cada cidade lutará
apenas um soldado, escolhido através da sorte. Por Roma, este será um
Horácio, e por Alba um Curiácio. Ocorre, entretanto, que a irmã do
Horácio é justamente a noiva do Curiácio. Ao vencer o combate e executar
seu oponente, o Horácio retorna a Roma e encontra sua irmã chorando a
morte do noivo, fato que lhe causa grande irritação e o incita a matá-la. As
comemorações em Roma cessam, e o herói Horácio passa também a
assassino, obrigando a cidade a julgá-lo. Vale lembrar que o texto original
remete aos pátrios valores romanos que colocavam o Estado e a família na
condição de instituições sagradas, superiores a qualquer veleidade
individualista, dentre as quais a própria vida do sujeito. Foi pela pátria que
o Horácio lutou, e porque o regozijo pela vitória da pátria deve ser superior
ao luto de uma perda individual, o herói assassina sua própria irmã.
Entretanto, ao assassinar (desnecessariamente) a irmã, o herói afronta a
própria instituição familiar, e por isso deve também ser julgado e punido
(no caso, com a própria vida e com uma dupla memória de si: herói e
assassino). Para além, “O Horácio” aborda também a complexidade
humana, já que em um “homem” habitam muitos homens.
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Na montagem dirigida por Carlos Canhameiro a fábula é mantida, e
narrada pelos atores em três momentos da peça. Ou seja, por três vezes a
história é contada sobre o palco por atores que se alternam na narrativa.
Entretanto, o mise-en-scène e a leitura que diretor e atores fazem da obra
de Heiner Müller, contrapõem os diferentes tempos da narrativa (o tempo
da verossimilhança da fábula, o tempo em que esta foi escrita e o tempo
presente – o da montagem). Pós-dramática, intertextual, abusando das
referências à cultura de massa, a montagem do atores do grupo de Ribeirão
Preto contrapõe o épico ao contemporâneo, ou seja, se por um lado narram
a história original escrita pelo dramaturgo, por outro, quando a
representam, fazem-no através do deboche e do uso de elementos que nos
remetem ao individualismo exacerbado de uma contemporaneidade que
não compreende os valores trágicos. Heroísmo, neste caso, é sobreviver em
meio à selva urbana e pós-industrial, onde fronteiras se diluem e a saudação
da aurora é o “carpe diem”.
Neste contexto, o “Horácio” apresentado no 24° FITUB alcançou o
cômico e o ridículo por meio do trágico (o que não significa demérito,
muito pelo contrário). Abusando dos elementos escatológicos, onde sangue
e corpos são substituídos por vinho, frutas e um frango morto e depenado,
fazendo uso de coro, música ao vivo e signos da cultura pop, e profanando
não apenas símbolos caros ao cristianismo no Brasil (como as pequenas
imagens de Nossa Senhora guardadas como amuleto nas cuecas e calcinhas
durante a batalha), mas o próprio texto original, dessacralizando-o, os
atores do Centro Universitário Barão de Mauá apresentaram uma peça que,
ao mesmo tempo entusiasmou e divertiu o público e foi capaz de dialogar
com seu tempo e espaço. Uma montagem que de certa forma nos remete às
“Dionisíacas” de José Celso Martinez, guardadas evidentemente as
proporções.

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Terminado o espetáculo, restou ainda o cheiro nauseabundo dos vinte
litros de vinho despejados sobre ao palco, mesclado ao de ovos, melancias
e outros víveres mais, como que lembrando os despojos de um campo de
batalha.

14/07/2011

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“Números”
Pela segunda vez consecutiva o grupo “Os Geraldos”, da Unicamp,
vem ao Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau, e pela
segunda vez entusiasma a plateia. Em 2010 trouxe aos palcos do Teatro
Carlos Gomes o espetáculo “Hay amor”, dirigido por Verônica Fabrini.
Apesar da ótima recepção do público que assistiu à comédia “bregaromântica” do grupo de Campinas, “Hay amor” não convenceu os jurados
do FITUB, e acabou sendo a única peça da Mostra Universitária sem levar
nenhuma premiação; fato que para muitos que acompanharam o Festival,
caracterizou-se como uma tremenda injustiça.
Neste ano “Os Geraldos” apresentaram a montagem “Números”, uma
comédia que alude à tradição circense. Com texto de Carolina Delduque e
direção de Roberto Mallet, a peça apresenta uma série de números
circenses encadeados pela atuação do palhaço Cícero (representado pelo
ator Douglas Rodrigues Novais), uma espécie de mestre de cerimônias que
toca Acordeão e participa de alguns esquetes. Cícero, a propósito, é sem
sombra de dúvidas a grande presença da montagem. Versátil, intenso, com
seu sorriso lindo, suas tiradas inteligentes e sua falta de modéstia, encanta,
diverte e transporta o público para o interior do universo representado no
palco. O destaque da sua atuação não ofusca, entretanto, o brilho e a
qualidade dos demais atores/personagens. O “leão do Himalaia”, por
exemplo (uma mistura de carneiro, lhama e ser humano que podia muito
bem ter brotado das páginas de Jorge Luís Borges), com sua atuação
contida, quase minimalista, enternece o público e remete ao lugar do
artista-operário explorado pela arte. Também a contorcionista grávida, com
seus truques baratos apresentados a uma plateia que se deseja enganada; o
palhaço que se atrapalha com a cadeira em uma apresentação com desfecho
previsível, porém encantador; a bailarina com seus movimentos
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desengonçados e sua maquiagem grotesca; a atiradora de facas e sua
temerosa assistente-vítima; todos personagens do universo de uma arte
desvalida em recursos financeiros, porém rica em criatividade e teimosa
por existir e poder dizer. Em seu conjunto, “Números” se constitui como
metáfora do talento humano e da sua capacidade de sobrevivência.
Enfim, o que “Os Geraldos” fazem sobre o palco-picadeiro é mesmo
comovente poesia, que provoca o riso solto, emociona e não descuida da
tradição do conteúdo.

15/07/2011

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“A visita da velha senhora”

Na noite de domingo, sob a direção de Mateus Moscheta, o Grupo
Teatro Universitário de Maringá (TUM), da Universidade Estadual de
Maringá, subiu ao Palco do Grande Auditório Heinz Geyer para apresentar
a peça “Visita da velha senhora”, escrita em 1956 pelo dramaturgo suíço
Friedrich Dürrenmatt (1921-1990). A montagem dos paranaenses participa
da Mostra Universitária Nacional do 25º. Festival Internacional de Teatro
Universitário de Blumenau.
Sob forte influência de Bertold Brecht, do qual Dürrenmatt era
discípulo, “Visita da velha senhora” constitui-se como uma “comédia
trágica”, segundo definição de seu próprio autor, e conta a história da
pequena cidade de Gullen, empobrecida e esquecida pelo resto do mundo.
Sequer os trens param na estação de Gullen, e seus habitantes miseráveis
sobrevivem da sopa distribuída pelo poder público. Certo dia, entretanto,
para espanto de todos, desembarca na estação a senhora Clara Zahanassian,
mulher muito rica e que no passado fora vítima de um julgamento injusto
que a degredara de Gullen, fazendo com que sofresse as penas da vida.
Retornara à cidade para comprar a justiça que não tivera no passado, e
oferta a cada família do lugar uma verdadeira fortuna em dinheiro caso
Alfredo Schill, seu antigo amante e o responsável por seus infortúnios,
fosse morto. A proposta leva então os habitantes de Gullen da miséria
material à miséria moral. Tendo vivenciado a Segunda Guerra Mundial,
Dürrenmatt, diferentemente de Brecht, não acreditava na transformação
social, e sua visão absolutamente pessimista a respeito da natureza humana
pode ser claramente percebida neste texto encenado pelo TUM. “Visita da
velha senhora” já recebeu infinitas montagens no Brasil e no exterior, bem
como exerce grande influência na obra de diversos autores.

A título de

exemplo destas influências podemos citar o romance “Tieta do Agreste”
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(1977), do escritor brasileiro Jorge Amado, e o filme Dogville (2003),
dirigido pelo dinamarquês Lars Von Trier.
O espetáculo apresentado pelo grupo do Paraná manteve-se bastante
fiel ao texto original. Com um cenário austero, a peça destacou-se
principalmente pelo figurino e pela movimentação dos atores, que
modificavam os elementos cênicos a fim de criar as ambientações
sugeridas pela narrativa. Por outro lado, o excesso de nervosismo fez com
que diversos atores se atrapalhassem nas falas, o que acabou prejudicando a
apresentação. Também a iluminação nem sempre esteve adequada. Ainda
assim, os aspectos positivos da peça, sustentada pelo texto brilhante de
Dürrenmatt, tornou possível uma boa percepção do espetáculo por parte do
público. Vale destacar ainda algumas soluções dramatúrgicas encontradas
pela direção para representar determinadas cenas, como a do início do
espetáculo, quando da passagem do trem por Gullen. A solução encontrada
pelo diretor para representar a composição férrea foi capaz de criar uma
estética profundamente poética.
Mesclando humor negro e drama, “Visita da velha senhora”,
apresentada pelo Grupo Teatro Universitário de Maringá, apesar de não
entusiasmar, conseguiu comunicar o espírito do texto de Friedrich
Dürrenmatt, levando o público ao incômodo do reconhecimento com uma
natureza humana vil, hipócrita e egoísta.

Julho de 2012.

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Clown Bar

Sob a direção de José Tonezzi, o Núcleo de Experimentações e
Estudos do Cômico (NEECO) da Universidade Federal da Paraíba subiu ao
palco do Pequeno Auditório Willy Sievert no segundo dia do FITUB para
apresentar ao público a peça “Clown Bar”, um conjunto de esquetes
cômicos que não possuem relação entre si, salvo o fato de estarem
ambientados em um bar.
O cenário é muito simples, apenas uma mesa coberta por uma toalha e
ocupada por uma garrafa de bebida que levava no rótulo o símbolo de algo
venenoso. Neste bar cinco atores clowns revezam-se nas cenas cômicas e
representam diversos tipos: a balconista ordinária, o bêbado esfarrapado, o
playboy, o banhista afetado e esnobe, o pintor ridiculamente travestido à
moda clássica e o monge anão com pés de pato (personagem encantador e
destaque da peça). As cenas apresentam uma série de gags clássicas, e
algumas propõem uma reflexão sobre o fetiche de produtos culturais
propalados pela mídia e consumidos pelo público numa lógica de “fastfood” descartável. Neste sentido, a montagem do grupo da Paraíba
mantém-se contemporânea. Ao fazer uso de clichês e gags clássicas,
desperta o riso, mas também nos leva a questionamentos do tipo: afinal, o
que faz tantos e tantos de nós a “curtir”, por exemplo, uma “dança da
motinha”?
Se, por um lado, “Clown Bar” tinha como principal propósito divertir
e provocar gargalhadas no público, atingiu seu objetivo. Por outro, não
apresentou novidades, e muitas cenas tornaram-se excessivamente longas e
cansativas. Flertando com a malícia e o absurdo, e justamente por
apresentar um universo cômico capaz de ser reconhecido pelo público,
despertou empatia da plateia, mas também fez com que os números se
tornassem por demais previsíveis. Presos aos tipos, os atores acabaram por
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Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

reproduzir estereótipos clássicos sem demonstrar grandes recursos de
interpretação. Exceção feita ao personagem final da peça, um monge anão e
corcunda, com pés de pato e braços cortados, figura grotesca elevada à
graciosidade pela qualidade de interpretação de seu ator.
“Clown Bar”, uma peça divertida, mas que podia ter mostrado mais.

Julho de 2012.

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“Dona Flor e seus dois maridos” em versão iídiche
“Dona Flor e seus dois maridos” subiu ao palco do Grande Auditório
Heinz Geyer como uma das peças mais aguardadas deste 25º FITUB.
Adaptada do romance homônimo de Jorge Amado por Yoav Szutan e Irad
Rubinstein, foi encenada pelos alunos da Yoram Loewenstein Acting
School, de Tel Aviv. Dirigida por Irad Rubinstein, despertou curiosidade
justamente por se tratar de uma montagem israelense de um texto tão
marcadamente baiano, bem como pelo espanto do público ao saber que o
mesmo seria falado em iídiche. Com tantos elementos exóticos somando-se
ao realismo fantástico e à sensualidade do triângulo amoroso criado por
Jorge Amado, não foi difícil prever a casa lotada na noite de sexta-feira, o
que efetivamente aconteceu. Um público curioso e entusiasmado acorreu
ao Teatro Carlos Gomes para aplaudir, de pé, a despeito das dificuldades de
compreender o idioma dos atores e os problemas técnicos com as legendas,
uma montagem primorosa e bastante fiel ao texto original.
Publicado originalmente em 1966, “Dona Flor e seus dois maridos”
conta a história do romance entre Flor e Vadinho, este um vagabundo
mulherengo que vivia metido em cassinos e prostíbulos. Apesar de traída e
explorada por Vadinho, Flor amava seu marido, amante intenso que sempre
foi. Depois que este morreu subitamente em pleno carnaval de Salvador,
Flor envolve-se com um farmacêutico casto e tímido, incapaz de satisfazêla sexualmente. Frustrada, inconscientemente chama por Vadinho, que
imediatamente acorre do além para atender aos apelos da esposa,
provocando uma série de confusões e criando uma espécie de triângulo
amoroso. A Montagem dirigida por Rubinstein mantém a estrutura original
do romance, bem como sua fábula e seus principais personagens, e parece
ter sofrido influência direta do filme homônimo de 1976, dirigido por
Bruno Barreto. Leva para o palco os principais elementos identitários da
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cultura baiana, tão caros a Jorge Amado. O candomblé, a culinária, o
carnaval de rua, o erotismo, bem como a hipocrisia oportunista das elites
baianas, estão perfeitamente retratadas na peça israelense. Vale destacar
ainda a deferência com que o grupo israelense se relacionou com o texto
brasileiro, considerado por eles um clássico de nossa literatura.
Cientes das dificuldades que o idioma poderia representar para uma
plateia brasileira, e preocupados em estabelecer uma empatia direta com o
público, algumas palavras e trechos da peça eram falados em português,
principalmente aquelas capazes de despertar um reconhecimento pátrio.
Não por acaso, a palavra Bahia bailava exaustivamente na boca dos atores,
nativos de um país no qual o sincretismo cultural não é tão intenso quanto
no Brasil, o que soava um pouco estranho. Afinal, esperava-se que a
simples menção ao estado nordestino pudesse despertar na plateia do
FITUB uma simpatia identitária, o que obviamente não aconteceu. A parte
isto, os atores conseguiram envolver o público, despertar o riso e tornar o
espetáculo perfeitamente inteligível e rico.
“Dona Flor e seus dois maridos” trouxe ao palco os ritmos de
Salvador, mesclando muito bem o profano e o sagrado. Terreiro, puteiro,
cassino e cozinha tomavam a cena sem que houvesse a necessidade de um
cenário propriamente dito (salvo a existência de uma pequena mesa com
ingredientes da culinária de Salvador, ao canto esquerdo do palco, não há
outros elementos cenográficos no espetáculo). A dramaturgia aconteceu
principalmente na interpretação dos atores, nos ritmos da percussão
capazes de nos devolver ao estado sagrado do primitivo, na iluminação e no
figurino – este um espetáculo à parte. Muito interessantes e criativas,
também, as soluções encontradas pela direção para responder às
necessidades da narrativa. A roleta do cassino, por exemplo, que tanto
seduzia Vadinho e o levava à perdição, surgia no palco representada por
uma excitante mulher rodando pornograficamente sua saia de cores
59
Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

alternadas (o rubro e o negro), e que engolia, ao final, as fichas do incauto
jogador.
Repleto

de

humor

e

sensualidade,

apresentando

soluções

dramatúrgicas de grande criatividade, e com atores entregues aos tipos que
representavam, “Dona Flor e seus dois maridos”, sob a direção de Irad
Rubinstein, surpreendeu, divertiu e mostrou a universalidade de que é
capaz a obra de Jorge Amado.

Julho de 2012.

60
Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

“Estufa”

O sentido é a ausência de sentidos. Dadaístas já pensavam assim lá no
primeiro quartel do século XX, e outros antes, e outros depois. Se na
urbanidade monstruosa onde bilhões de vidas nascidas para desaparecer,
esbarram-se na incomensurável solidão de multidão, há esta sensação de
crescer sob os limites de uma liberdade controlada, sob um sol que se
anuncia sobre um filtro, qual plantas que crescem sob estufas. Ainda assim,
há a arte que se pretende anúncio daquilo que julga importante; a arte que
se pretende ave, mas rasteja nos limites da técnica e da sacralidade teórica;
o ator que se deixa manipular títere sob as mãos de um diretor/deus. Afinal,
o que dizemos? Afinal, para que dizer? Afinal, o que representa a arte, o
que significa o teatro?
O Coletivo Kerencaferem, da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
trouxe à 25ª. Edição do Festival Internacional de Teatro Universitário de
Blumenau o espetáculo “Estufa”, sob direção de Nina Balbi e texto do
próprio coletivo. Encenado em espaço alternativo (uma sala de aula),
“Estufa” construiu uma ação cênica que tinha como objetivo primeiro
discutir o estilo de vida nas estruturas urbanas contemporâneas, mas que
resultou principalmente em uma espécie de metateatro.
À plateia contorna um cenário que reproduz uma espécie de estufa.
Folhas secas cobrem o chão, e plantas pendem do teto. A atmosfera é
pesada. Um quadrado sombrio e úmido no qual se desenrola a não-trama. A
um dos cantos, uma cadeira na qual um dos personagens (o ancião sábio
protagonizado por um ator jovem que propositalmente não faz qualquer
esforço para parecer idoso) passará sentado por toda peça. Qual sua
função? Não há função.
Sobre

o

chão

de

folhas

secas

os

demais

personagens

interminavelmente armam uma espécie de piquenique. A toalha, a louça, os
61
Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa

talheres. Tudo deve estar exatamente no lugar. Também os próprios
personagens/atores necessitam constantemente reafirmar, afinal, os papeis
que supostamente representam, em uma espécie de trama dentro da nãotrama. Toda esta ordem, entretanto, esbarra na imposição da desordem,
porque esta impera, subterraneamente, e aflora na cena, destruída com
violência. O primitivo se impõe, a dor em todos os sentidos protagoniza.
Ainda se tenta apelar a uma pretensa razão, e uma voz onisciente (o
diretor? Deus? os fatos sociais?) que se anuncia pelo telefone, orienta a
ação para que esta funcione. Mas a ação não funciona, e qualquer tentativa
de ordenamento esbarra no caos. O caos é tudo que passa a existir, interna e
externamente.
“Estufa” apresentou uma ótima ambientação cênica e algumas
interpretações convincentes, e se seu objetivo, enquanto proposta
dramatúrgica, era provocar incômodo e angústia na plateia, conseguiu. Por
outro lado, sua linguagem tornou-se por demais cansativa e hermética,
distanciando o público e resultando em uma espécie de vazio. Talvez tenha
sido justamente esta a intenção da diretora e do grupo; entretanto, cabe
questionarmos qual o lugar de um espetáculo como “Estufa” na cena
contemporânea. Se, por um lado, esforça-se por anunciar a modernidade
absurda que construímos, por outro, esgota-se num experimentalismo já
exaustivamente explorado.
Ao final restou a frustração com a própria peça, e a sensação de que o
teatro morreu.

Julho de 2012.

62
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Comentários sobre teatro

  • 1. Viegas Fernandes da Costa COMENTÁRIOS SOBRE TEATRO (2010 – 2013)
  • 2. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa Ficha Catalográfica V656c Costa, Viegas Fernandes da Comentários sobre teatro: (2010 – 2013) / Viegas Fernandes da Costa – 1. ed. – Blumenau : Edição do autor, 2014. 67 p. 1. Crítica teatral CDD: 792 2
  • 3. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa Ascensão e queda da cidade de Mahagonny O espetáculo “Ascensão e queda da cidade de Mahagonny” abriu, na noite de sábado (10/07) a Mostra Universitária Nacional” do 23° Fitub. A peça foi montada e apresentada pela Cia. Teatral Acidental (Unicamp – Campinas/SP) sob a direção de Marcelo Lazzarato, a partir de uma adaptação do texto Mahagonny, de 1927, escrito pelo dramaturgo alemão Bertold Brecht (1898-1956). Em 1930, Brecht revisou o texto original e, através de uma parceria com o compositor Kurt Weill, produziu “Ascensão e queda da cidade de Mahagonny” (“Aufstieg und Fall der Stadt Mahagonny”). A intenção de Brecht com esse “épico musical”, que narra a história de três fugitivos encurralados no deserto e ali decidem fundar uma cidade chamada Mahagonny, arapuca que tem como isca o prazer, era, entre outras coisas, o de questionar o modelo de ópera até então estabelecido. A adaptação da Cia. Teatral Acidental procurou manter o texto e a ambientação criados por Brecht, porém buscou “atualizar” a peça inserindo elementos identificados com a cultura pop, como a substituição das músicas de Weill por melodias dos Beatles, por exemplo. Esta opção musical nos leva a pensar se o grupo não pretendia situar temporalmente Mahagonny em um referente moral e cultural ligado à contracultura. Se “Ascensão e queda...” narra a história de uma utopia onde todos os prazeres são permitidos, podemos conjecturar na geração que cresceu ouvindo os Beatles e que na década seguinte viveu o Vietnã e Woodstock. A inserção da melodia de “Imagine” (Lennon) no repertório reforça a tese. A mesma geração que mais tarde envelheceu e teceu uma malha moral repressora, criando filhos de uma “geração perdida” e – por que não dizer? – careta. Também Mahagonny afunda na repressão, nas leis sem sentido, como aquela que proíbe arrotar, e morre. No cerne de tudo, a crítica de Brecht – e 3
  • 4. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa da Cia. Teatral Acidental – à ideia de que o dinheiro pode comprar a felicidade; bem como a denúncia do capitalismo. A montagem que o grupo da Unicamp trouxe para o Fitub empregou mais de uma dezena de atores, cuja movimentação no palco foi excepcional. Ricos ainda foram os cenários e os elementos de cena, constantemente modificados pelos atores. A disposição destes e dos elementos cênicos muitas vezes construíam imagens de grande apelo poético e que brincavam com uma iconografia sacralizada pela cultura pósindustrial. Movimentação, humor e a criatividade no uso dos elementos cênicos foram as grandes virtudes da montagem que, até certa medida, compensaram as deficiências vocais notadas na apresentação. Por outro lado, a tentativa de fazer com que cada personagem (e eram muitos) fosse passível de reconhecimento por parte do público, impediu que os mesmos fossem verticalizados. Assim, apesar dos esforços de cada ator, os personagens ficaram exageradamente tipificados, e penso que tal opção fez com que a peça perdesse profundidade, ao ponto de beirar o panfletário. Panfletarismo que ficou evidente ao final do espetáculo, momento em que cada ator cruzou o palco segurando cartazes com advertências que verbalizavam uma crítica social, já implícita à trama, que melhor estariam se inerentes à constituição dos personagens e nas sutilezas da narrativa. Aplaudida entusiasticamente pelo grande público presente ao Teatro Carlos Gomes, “Ascensão e queda da cidade de Mahagonny” deixou a impressão, entretanto, que a adaptação poderia ousar mais, antropofagizando Brecht para vomitá-lo e, assim, construir um espetáculo que dialogasse de forma ainda mais contundente com os tempos que vivemos. 12/07/2010 4
  • 5. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa O abajur lilás Na noite do domingo (11/07) entrou em cena, no palco do “Pequeno Auditório Willy Sievert, do Teatro Carlos Gomes, o grupo de teatro “Por que não?, composto por estudantes da Universidade Federal de Santa Maria (RS). Sob a direção de Felipe Martinez, apresentaram ao público a peça “O abajur lilás”, escrita por Plínio Marcos em 1969. O espetáculo conta a história de três prostitutas que vivem sob o jugo despótico de um cafetão homossexual, dono de um prostíbulo, e seu capanga, um monossilábico e frio torturador. A montagem original, realizada pelo grupo “Por que não?”, ocorria no interior de um bar verdadeiro, e os personagens interagiam com os clientes desse bar. Visando ampliar as possibilidades de circulação do espetáculo, o grupo resolveu readaptá-lo para o palco. Entretanto, o “bar” permanece no horizonte da peça, principalmente nos momentos em que o cafetão dirige a palavra ao público, intimando-o enquanto frequentador do seu estabelecimento e dos corpos das prostitutas, bem como na recepção dos espectadores, momento em que os personagens perambulam entre as poltronas a fim de interagir e provocar “possíveis clientes”. O clima inicial criado pelos atores foi, possivelmente, a maior virtude do espetáculo. A interação com o público criou uma ambientação e uma expectativa em relação à peça que, ao se apagarem as luzes da plateia, deixou a todos em suspenso. Entretanto, a forma como os atores lidaram com o texto de Plínio Marcos e o uso dos elementos de cena, que sobravam sem uso no palco, geraram certa frustração. Interpretar Plínio Marcos não é tarefa simples. O realismo cruel e a complexidade dos personagens exigem do ator não apenas estudo e preparação cuidadosos, mas também grande nível de entrega. Em Plínio, a representação não basta. Também o fato de vivermos uma realidade 5
  • 6. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa contemporânea de extrema violência urbana, exige que o texto de Plínio Marcos seja relido e desterritorializado de sua condição original, a fim de que o público saia do conforto que naturaliza a violência para o desconforto que o inédito pode ofertar. Ao representarem os personagens de “O abajur lilás”, os atores não conseguiram construir este inédito. Ao assistirmos a peça, ficou claro que aqueles personagens eram tão somente isso, personagens de um texto dramatúrgico. Se a intenção era a de transportar a plateia para o interior de um bar licencioso, uma whiskeria, e fazê-lo partícipe do drama vivenciado pelas prostitutas, subjugadas pela força do verbo, do dinheiro, do uso venal de seus corpos e da brutalidade física, tal intento não se concretizou. E a forma estereotipada como a homossexualidade do cafetão foi apresentada, incorre na possibilidade de se reforçar, junto ao público, a perspectiva simplista da diferença. Se as prostitutas são agentes e pacientes de uma realidade social, econômica e moral repressora, o cafetão homossexual e seu chacal também o são, e esta perspectiva podia ter sido melhor explorada. Por fim, apesar dos problemas, das possibilidades não exercitadas e de certo pudor por parte dos atores, o espetáculo arrancou do público aplausos entusiasmados. 13/07/2010 6
  • 7. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa Eteocles, Antígona, Polinices y otros hermanos “Eteocles, Antígona, Polinices y otros hermanos”, dirigida por Farley Velásquez e apresentada pelos alunos de Teatro da Universidad de Antioquia (Medellín, Colômbia), abriu a Mostra Universitária IberoAmericana, na tarde de segunda-feira (12/07). Em uma espécie de arena montada sobre o palco do Grande Auditório Heinz Geyer do Teatro Carlos Gomes, o grupo Colombiano adaptou textos da tragédia grega escritos por Sófocles e Ésquilo. Na primeira parte da peça, os atores interpretam a história dos irmãos Polinice e Etéocles, que lutam entre si até a morte pelo domínio de Tebas. Após a luta, o rei Creonte proíbe o sepultamento do corpo de Polinice, considerado traidor. Já na segunda parte, a trama se desenvolve em torno das irmãs de Polinice e Etéocles, Antígona e Ismênia. Enquanto Antígona resolve afrontar as leis do Estado sepultando o irmão proscrito, Ismênia opta por respeitar as leis em temor a estas. Como pano de fundo a peça apresenta a questão da natureza da justiça e da verdade. Com aproximadamente duas horas de duração, a montagem desenvolvida pelos alunos da Universidad de Antioquia apresenta dois momentos estéticos e de gênero diferentes: o primeiro que chamaremos de trágico e que apresenta uma estética mais ritualística, e o segundo, melodramático e palaciano. Essa distinção da peça em dois momentos talvez tenha prejudicado o desenvolvimento de uma montagem que inicia com muita força simbólica, porém conclui-se num “arrastar” demasiado dramático e cansativo. Uma proposta que tivesse optado por manter a linha condutora ritualística, heroica e quase tribal da primeira parte, possivelmente teria mantido a suspensão da plateia, mergulhada que estava nos movimentos, jogos vocais e recursos cênicos adotados no espetáculo. Como pontos altos da peça podemos destacar o figurino e suas máscaras hediondas, o cenário, a impressionante qualidade vocal, preparo 7
  • 8. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa físico e engajamento dos atores, bem como a sincronicidade nas saídas e entradas em cena. Em tempos contemporâneos, onde espetáculos precisam ser montados “a toque de caixa”, é bom vermos um trabalho de preparação vocal e corporal que exigiu trabalho e estudo intensos. Por outro lado, a trilha sonora, extremamente repetitiva e pouco original, e a criação de uma iconografia que já se transformou em clichê, como por exemplo o momento em que Tirésias surge em cena, no alto de um monte, em meio à névoa e uma luz baça (lembrando motivos bíblicos que por diversas vezes afrontaram nossas retinas), frustram o extraordinário impacto que o espetáculo anunciava. Ao término do espetáculo, e considerando suas qualidades e problemas, permaneceu a impressão, entretanto, que “Eteocles, Antígona, Polinices y outros hermanos” proporcionou uma experiência de fruição artística memorável. 15/07/2010 8
  • 9. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa Canoeiros da alma Na noite do dia 14/07, sob o frio intenso e úmido que se abateu sobre o Vale do Itajaí, o “Coletivo Teatro da Alma”, da Universidade Federal de Uberlândia (MG), apresentou o espetáculo “Canoeiros da alma”, no galpão da central de veículos da Prefeitura Municipal de Blumenau. O espetáculo integra a Mostra Universitária Nacional, e a escolha do local da apresentação já indicava tratar-se de peça pouco convencional. Com texto de Luis Carlos Leite e direção de Narciso Telles, “Canoeiros da alma” surgiu das leituras que o coletivo fez do universo das pessoas que habitam as margens do rio no Vale do Jequitinhonha. Rio que é sempre diferente, quando diferentes os olhos ou a alma de cada um que busca suas águas, suas margens e as experiências que se constroem em seu entorno. O sagrado e o profano, a vida e a morte, a pobreza e a riqueza, o dito e o não dito, candura e violência são temas que surgem no desenrolar do espetáculo, que apesar de possuir uma narrativa que o conduz, é composto por muitas peças que se sobrepõem, muitas vezes de forma simultânea, convidando o público a ter uma experiência direta e íntima com os personagens. “Canoeiros da alma” não é um espetáculo que se assiste, mas do qual se participa. Não há poltronas, arquibancada ou palco, mas um imenso pátio mergulhado na penumbra e no qual atores e público se misturam, os focos de luz indicando pontos de tensão dramática para onde cada espectador é convidado a dirigir sua atenção e no qual se desvelam tipos e suas histórias intrínsecas: um grupo jogando cartas, uma procissão, um oratório, os vendedores ambulantes, o suicida, os noivos, as lavadeiras, a sensualidade da vida e a violência da morte, velas, gritos, voz e força, enfim, todo um universo complexo e do qual é impossível se apropriar enquanto totalidade una. O que se tem é o tumulto da vida real, a azáfama 9
  • 10. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa de uma feira, a solidão de multidão, mas que a peça procura problematizar quando propõe histórias que possuem voz e rosto, histórias de gente anônima das quais sequer supomos existência. E todos lavam suas roupas, e todos lavam seus corpos, como se a alma estivessem a lavar. Sem exageros, um cenário intimista ao qual o público é convidado a tocar e interagir, e com figurinos, trilha sonora e elementos cênicos que procuram inserir a todos no contexto simbólico do Vale do Jequitinhonha, “Canoeiros da alma” impressionou e arrebatou o público. 15/07/2010 10
  • 11. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa A grande parada O 23° Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau apresenta também a Mostra Blumenauense de Teatro, nas dependências da Fundação Cultural de Blumenau. Na noite do dia 12/07 entrou em cena o grupo “VísCera Teatro”, com a peça “A grande parada (ou o que ainda resta dela)”, sob a direção de Pépe Sedrez.. O espetáculo é uma adaptação do texto “Terror e miséria no Terceiro Reich”, de Bertold Brecht, escrito em 1938. “A grande parada” está ambientada na Alemanha nazista da década de 1930, e retrata a miséria e a falta de liberdades civis experimentadas pelo povo alemão durante a constituição do Estado nazista (o III Reich) pretendido por Adolf Hitler, notadamente sob a ótica da luta de classes, onde críticos do regime – e até mesmo pessoas cuja ingenuidade levava-as a declarar suas insatisfações – eram detidas e barbarizadas pelas forças de repressão. Tendo como cenário um campo de concentração (imagem de um campo real, mas também metáfora que aponta para os “campos de concentração” simbólicos: a casa, a fábrica, a rua; espaços vigiados e reprimidos, verdadeiros panópticos de um Estado autoritário que a todos vê, escuta e pune), “A grande parada” mostra que os tentáculos do nazismo não atingiram apenas judeus, mas todos aqueles que destoavam ou questionavam o discurso oficial e, em especial, aponta para a perseguição promovida aos comunistas. Nessa montagem do “VísCera Teatro” destacam-se cenário, elementos cênicos, a excepcional maquiagem dos atores, bem como a trilha sonora, desenvolvida ao vivo por uma das atrizes. O espetáculo fez uso ainda de recursos audiovisuais, projetando ao fundo da cena imagens de paradas militares e campos de concentração nazistas. Também a proximidade do público, disposto sobre o palco numa espécie de arena, contribuiu para 11
  • 12. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa aproximar os espectadores dos dramas interpretados pelos atores. Entretanto, a opção do “VísCera” em montar um espetáculo por demais zeloso ao texto de Brecht, pareceu-me um problema para a peça. Vale dizer aqui que o Bertold Brecht da década de 1930 está morto. Não é mais possível representar uma peça que pretende dizer aquilo que se pretendia na sua concepção. Tempo e sociedade são outros, tal qual nossos signos de identificação. É necessário matar Brecht uma segunda vez para representálo no tempo presente. Apesar do subtítulo da peça (“ou o que ainda resta dela”) indicar para um tempo diferente daquele em que originalmente estão situados texto, cenário e personagens, a montagem tem dificuldades em descolar o público das imagens pré-concebidas de uma Alemanha nazista, dos campos de concentração e dos clichês de uma luta de classes romântica. Fica a impressão que está a se assistir a uma peça com preocupações de relato histórico, e não a uma provocação aos tempos atuais, onde os temas e preocupações de Bertold Brecht ainda se fazem presentes. Assim, “A grande parada” perde um caráter de ineditismo que poderia explorar, principalmente se consideramos o contexto social e cultural do Vale do Itajaí em que a montagem e o grupo “VísCera” estão inseridos. Por fim, permanece a questão: o que resta da grande parada? Problema interessante que a peça poderia provocar com maior contundência. 15/07/2010 12
  • 13. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa A cena é pública Com uma proposta de intervenção urbana, na tarde do dia 13/07 apresentou-se o “Grupo de Teatro de Operações”, da UNIRIO (RJ), com o espetáculo “A cena é pública”, na praça do Teatro Carlos Gomes e seus entornos. Considerando a alma taciturna, prussiana, de Blumenau, a proposta do grupo carioca chamou a atenção pela forma como os atores ocuparam o espaço da praça e da rua, interferindo no cotidiano das pessoas e tentando promover uma situação de tumulto, capaz de convocar não apenas o público já presente ao Festival de Teatro, mas principalmente os transeuntes tangidos pela rotina, a se mobilizar ao redor das ações dramáticas. O espetáculo inicia com uma sátira à atual conjuntura política brasileira. A cena inicial apresenta um debate entre os principais candidatos à presidência, coordenado por um Nelson Mandela dessacralizado (o expresidiário, como a todo instante é referido) e por um José Sarney preocupado em não ser envenenado pelo público. Quanto aos debatedores, nada têm a dizer, e quando convocados a expor suas propostas e questões, limitam-se a luta corporal com seu adversário, transformando a ágora em ringue. Entretanto, a crítica política inerente ao desenrolar da cena não ultrapassa os limites do senso comum, constituindo-se por demais simplista e limitando-se a reproduzir clichês já absorvidos em nossa sociedade. Vale porém destacar a cena da lavanderia, momento em que bandeiras brasileiras são lavadas no chafariz da praça, e a do enforcamento de José Sarney na fachada do Teatro Carlos Gomes. Esta última, se por um lado gerou um impacto visual interessante (não é comum ver-se um corpo balançando enforcado em um dos principais pontos turísticos da cidade), por outro 13
  • 14. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa quedou vazia, afinal, qual o motivo do enforcamento? Da forma como foi representado, o ato extremo do senador constitui-se como suicídio, e não como lapidação pública. Também a crítica à sociedade da informação se fez presente, notadamente quando televisores são destruídos, e houve uma tentativa de problematização das relações entre público e atores. Da mesma forma como o público era convidado a se deslocar constantemente em busca das ações dramáticas, era expulso dos espaços para que estes pudessem servir de arena aos atores. O espetáculo contou ainda com muita pirotecnia (inclusive com o uso de motosserra e a queima de fogos de artifício), movimentação (onde atores ocupam fachadas de prédios públicos e privados no entorno do “Carlos Gomes”) e uso de efeitos sonoros impactantes. Se compreendido enquanto intervenção urbana, “A cena é pública” teve seus méritos. Conseguiu mobilizar as pessoas e fazer um uso diferenciado do espaço público (apesar da cena final – uma guerra de água entre público e atores – , completamente desnecessária e que afastou muitos daqueles que haviam se aproximado para acompanhar o espetáculo). Porém, se pretendido enquanto teatro de rua, “A cena é pública” fracassou completamente. O uso de efeitos visuais e sonoros impactantes prestou-se a tentar camuflar as deficiências vocais e de representação dos atores, bem como uma dramaturgia extremamente pobre e, em muitos momentos, completamente ausente. Lamentável, diante das possibilidades que o “Grupo de Teatro Operações” podia ter explorado. 17/07/2010. 14
  • 15. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa Paralelas O espetáculo “Paralelas”, da”SinoS Cia de Teatro”, encerrou a Mostra Blumenauense do 23° Fitub, na noite do dia 16/07 na Fundação Cultural de Blumenau. Sob a direção de Victor Hugo Carvalho de Oliveira, “Paralelas” é uma adaptação do texto “Sobre amores e cigarros”, de Marcelo Bourscheid. No palco, a história de uma mulher dividida em duas (interpretada pelas atrizes Fernanda Raupp e Gisele Bauer – que também assina a adaptação do texto), casada com um escritor mergulhado em seu narcisismo literário, leitor de Heidegger e que não percebe as necessidades humanas de afeto, sexo e cumplicidade da esposa. Para além de uma reflexão sobre a condição feminina e das frustrações íntimas da personagem, que renuncia aos seus projetos profissionais e pessoais para viver o sonho do marido literato e medíocre, a peça consegue discutir também a valoração da arte na sociedade contemporânea e seu significado para os sujeitos que se aproximam dela. O cenário é dividido em duas partes, dando a impressão de se estar olhando para duas imagens refletidas no espelho; composto apenas por dois tapetes, duas cadeiras, pilhas de livros e o paletó (que representa o escritor – ou “poetinha de merda”, como é referido pela personagem), no qual contracenam as duas atrizes representando facetas de uma mesma mulher, cada qual em um dos lados do cenário, sem se tocarem. O texto – um monólogo interpretado a duas vozes – é vertiginoso, intenso, visceral, tal qual a interpretação das atrizes, que se entregam à personagem com uma força que impressiona e emociona. A proximidade da plateia, disposta no entorno da cena, a trama dramática desenrolando-se no centro da “arena”, assim como a movimentação das atrizes, excepcionalmente sintonizadas 15
  • 16. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa entre si, tornam o público íntimo das angústias, desventuras, indecisões e decisões da personagem. Com sua estética enxuta, onde todos os elementos de cena têm sua função, uma trilha sonora com canções de Chico Buarque e a extraordinária entrega das atrizes aos papéis, “Paralelas” arrebatou o público e foi uma das melhores peças apresentadas neste 23° Fitub. 17/07/2010 16
  • 17. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa O significado do FITUB Viegas Fernandes da Costa Encerrado o 23° Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau, sob a organização da FURB, é momento de se refletir a respeito do seu significado, não só para o amadurecimento da arte dramática, mas também para o desenvolvimento sociocultural da nossa região. Momento de refletir, ainda, a respeito das suas dificuldades, notadamente as de financiamento, razão pela qual o FITUB não aconteceu em 2009. Em primeiro lugar está algo que nos parece óbvio. O Festival atinge grande público, principalmente se considerarmos a quantidade de pessoas que assistiu aos 22 espetáculos teatrais apresentados este ano, além das apresentações musicais, oficinas e debates. Um público variado ao qual se oportuniza a exibição de peças provindas de diferentes estados brasileiros e do exterior a preços extremamente acessíveis. Esta razão, por si só, deveria entusiasmar o poder público a apoiar efetivamente o projeto; entretanto, o que se percebe é o descaso. Não há, sequer, a inserção do FITUB em nossa agenda cultural. A Fundação Cultural de Blumenau pouco se importa com a existência do Festival e se este irá se realizar no próximo ano. Um evento que capitaliza simbolicamente a cidade, que insere Blumenau no circuito de teatro universitário brasileiro, que desloca para o Vale do Itajaí centenas de atores, professores, técnicos e estudantes de todo território nacional e do exterior, reconhecido por sua qualidade e seriedade, corre o risco de voltar a não acontecer porque nossa sociedade, nosso poder público e nosso empresariado é incapaz de perceber sua importância. Em segundo lugar, o FITUB contribui de forma significativa para o desenvolvimento profissional de artistas, técnicos e produtores culturais da nossa região. Tão importante quanto os espetáculos, são os debates, 17
  • 18. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa análises, oficinas e intercâmbios que o evento promove, contribuindo para a constituição de um corpo crítico local que possa não só produzir espetáculos de qualidade, capazes de circular para além das nossas fronteiras, gerando renda e trabalho, bem como estimulando o desenvolvimento de um público local cada vez mais exigente e sedento de produção artística. Não reconhecer a importância e as possibilidades que o FITUB oferece demonstra a incapacidade de promoção e gestão cultural do poder público e de toda nossa sociedade. É necessário inserir o Festival na agenda cultural de Blumenau, promovê-lo enquanto opção de atração de um público diferenciado para a nossa cidade e entendê-lo como um evento cuja responsabilidade não se restringe à FURB, mas se estende a todos que se interessam pelo desenvolvimento sustentável e pela qualidade de vida em nossa região. 19/07/2010 18
  • 19. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa Breves considerações a respeito do 23º Fitub. O inverno este ano soprou o alento aconchegante que apenas um festival de teatro pode nos dar. Depois de um 2009 onde sentimos sua clamorosa ausência (a primeira, após sucessivos 22 anos), aconteceu a 23ª edição do Festival Internacional de Teatro de Blumenau, organizado pela FURB e ansiosamente aguardado não apenas pela comunidade artística e pelo já cativo público que assiste aos espetáculos, mas por todos aqueles que compreendem a importância e o significado dos bens culturais no desenvolvimento integral e sustentável de uma sociedade. A não realização do Fitub no ano passado criou, assim, uma expectativa ainda maior para a edição deste ano. A grande dúvida era saber se o evento realmente aconteceria e se a Universidade manteria seu caráter anual, respondendo a uma das reivindicações da classe artística reunida na 4ª Conferência Municipal de Cultura, que naquela oportunidade manifestou-se contrária à anunciada bianualidade do Fitub. Incertezas à parte, o evento aconteceu entre os dias 09 e 17 de julho sob a temática “Quando a voz dá vida ao texto”, um pouco menor se comparado a edições anteriores, mas mantendo grande quantidade de público, qualidade nas análises dos espetáculos e fomentando o intercâmbio artístico e acadêmico entre teatreiros e estudantes de diferentes estados brasileiros e do exterior. Cortinas fechadas, queremos agora refletir, na qualidade de espectadores que fomos, sobre o 23° Fitub e tecer algumas considerações a respeito do caráter estratégico do festival para a FURB e para o desenvolvimento cultural da região. Financiamento e público. Apesar das inúmeras dificuldades motivadas pela falta de apoio financeiro e pela incapacidade do poder público municipal e estadual, bem 19
  • 20. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa como do empresariado local, compreender a importância e o significado de um evento como esse, o Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau conta ainda com grande prestígio acadêmico e audiência, esta última podendo ser medida pela quantidade e variedade de público que acompanhou os espetáculos. Sessões lotadas e disputa por ingressos já são rotina para aqueles que se habituaram a acompanhar o Fitub, o que demonstra o grande interesse da comunidade em acessar bens culturais, principalmente quando oferecidos a preços populares. Impressionou-me constatar a grande quantidade de pessoas que compareceram às peças, ainda que em horários pouco habituais (houve sessões no período da tarde e à meia-noite), bem como a fidelidade de um público que todas as tardes participou das análises dos espetáculos. Se considerarmos que na semana do Fitub os termômetros em Blumenau registraram temperaturas muito baixas e o clima nos brindou com chuva e grande umidade, a participação de um público que abriu mão da sua tendência à hibernação para participar das atividades no Teatro Carlos Gomes e na Fundação Cultural chama ainda mais atenção. Quanto ao prestígio acadêmico, este pode ser medido pelo interesse que o Fitub provoca junto às universidades brasileiras e ibero-americanas. Segundo informações da organização do evento, inscreveram-se para a seleção 54 grupos de teatro universitário nacionais (7 selecionados) e 13 grupos internacionais (apenas 3 selecionados). Ouvindo também as manifestações de diversos atores e professores oriundos de diferentes lugares, ficou evidente o significado do Fitub para os estudantes de artes cênicas. Entre estes é praticamente unânime a opinião de que o Fitub proporciona um espaço privilegiado de exibição da produção teatral universitária nacional e, principalmente, de troca de experiências por meio do exercício da análise e da crítica. Neste sentido, o Fitub insere a FURB e a cidade de Blumenau no cenário artístico e acadêmico nacional, 20
  • 21. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa constituindo-se assim enquanto evento estratégico para a Universidade, para o aprofundamento da qualidade da produção teatral local e até mesmo para o desenvolvimento de um turismo cultural diferenciado no Vale do Itajaí, potencial até o momento praticamente ignorado pelo poder público. As dimensões que o Fitub atingiu, bem como a quantidade de pessoas que atrai, legitimam a necessidade da sua manutenção, ampliação e aprimoramento, o que não pode ser feito sem o devido financiamento e sua inserção na agenda cultural do município e do Estado. Torna-se assim necessário um esforço em torno da organização e promoção do festival que reúna, além da FURB, a Fundação Cultural de Blumenau, a Secretaria Municipal de Turismo, a Secretaria de Desenvolvimento Regional, a Associação Blumenauense de Teatro, o Conselho Municipal de Cultura, além de outras entidades da sociedade civil organizada. Em 2008 o Festival de Teatro deu um passo qualitativo ao assumir o caráter internacional, cabe agora consolidar este caráter e ampliar sua inserção no cenário artístico e acadêmico nacional a fim de que suas potencialidades possam ser plenamente exploradas. Espetáculos O 23° Fitub apresentou 22 espetáculos de teatro. Além das peças que integraram as duas mostras competitivas (Mostra Universitária Nacional e Mostra Universitária Ibero-Americana), o evento contou ainda com 4 espetáculos convidados, além dos espetáculos do Palco Sobre Rodas e da Mostra Blumenauense de Teatro. No conjunto das mostras, Blumenau recebeu grupos do Chile, Colômbia, Argentina, Portugal, São Paulo, Ceará, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, além dos grupos catarinenses e dos seis grupos locais. 21
  • 22. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa Ao observarmos os espetáculos das mostras universitárias, é possível constatar a grande influência que textos e autores canonizados pela crítica ainda exercem sobre os estudantes de artes cênicas. Bertold Brecht, Nelson Rodrigues, Plínio Marcos, Sófocles e Ésquilo são alguns destes autores que recorrentemente têm seus textos encenados nos palcos do Fitub, e que marcaram presença também nesta edição. A opção por representar textos de autores cuja qualidade e importância para a história do teatro já está consolidada não representa, necessariamente, um problema. Entretanto, há de se considerar o teatro enquanto manifestação artística viva e capaz de dialogar com o tempo e a sociedade presentes. Textos clássicos têm sua importância para a história, mas sua representação nos palcos contemporâneos só faz sentido se atualizados, se capazes de resignificar nossas experiências emergentes. Diretores e atores necessitam antropofagizar os clássicos, superar o mito do autor canonizado (como no caso de Brecht, por exemplo), matá-lo uma segunda vez, para então produzir um espetáculo que não seja pastiche de si mesmo. O que presenciamos, entretanto, nesta edição do Fitub, foi o zelo excessivo, o extremo pudor com que a maioria dos grupos de teatro trataram o texto original. Talvez o espetáculo que melhor exemplifique o que estamos dizendo aqui tenha sido a montagem do Centro de Produção Teatral da Escola de Belas Artes da UFRJ, que encenou “A Serpente”, de Nelson Rodrigues. Ao se preocuparem em reproduzir fielmente a história trágica de Guida, que oferece seu marido à irmã para evitar o suicídio desta, os atores não apresentaram absolutamente nada de novo, tornando o texto, intenso e repleto de sutilezas, em algo insosso e incapaz de dialogar com a plateia. Até mesmo “Ascensão e queda da cidade de Mahagonny”, escrita originalmente por Bertold Brecht em 1927, cuja montagem realizada pela Cia. Acidental da Unicamp recebeu o prêmio de melhor espetáculo do 23° Fitub, escorregou para o panfletarismo, na medida em que o discurso que 22
  • 23. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa funcionava plenamente na sociedade fascista da década de 1930 é incapaz de ecoar da mesma forma no pós-industrialismo que caracteriza nossa sociedade ocidental do início do século XXI. O mesmo podemos dizer a respeito do espetáculo “A grande parada (ou o que resta dela)”, também uma adaptação de um texto de Brecht, produzida pelo grupo “VisCera Teatro” e incluída na Mostra Blumenauense. Apesar do subtítulo da peça (“ou o que ainda resta dela”) indicar para um tempo diferente daquele em que originalmente estão situados texto, cenário e personagens, a montagem tem dificuldades em descolar o público das imagens pré-concebidas de uma Alemanha nazista, dos campos de concentração e dos clichês de uma luta de classes romântica. Fica a impressão que está a se assistir a uma peça com preocupações de relato histórico, e não a uma provocação aos tempos atuais, onde os temas e preocupações de Bertold Brecht ainda se fazem presentes. Assim, “A grande parada” perde um caráter de ineditismo que poderia explorar, principalmente se consideramos o contexto social e cultural do Vale do Itajaí em que a montagem e o grupo “VísCera” se inserem. Talvez o ponto alto da Mostra Nacional tenha sido o espetáculo “Canoeiros da Alma”, de autoria de Luís Carlos Leite e apresentado pelo “Coletivo Teatro da Margem”, da Univ. Fed. de Uberlândia. O espetáculo não é daqueles a que se assiste, mas do qual se participa. Não há poltronas, arquibancada ou palco, mas um imenso pátio mergulhado na penumbra e no qual atores e público se misturam, os focos de luz indicando pontos de tensão dramática criados a partir do estudo do universo do Vale do Jequitinhonha e para onde cada espectador é convidado a dirigir sua atenção: um grupo jogando cartas, uma procissão, um oratório, os vendedores ambulantes, o suicida, os noivos, as lavadeiras, a sensualidade da vida e a violência da morte, velas, gritos, voz e força, enfim, todo um universo complexo e do qual é impossível se apropriar enquanto totalidade 23
  • 24. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa una. O que se tem é o tumulto da vida real, a azáfama de uma feira, a solidão de multidão, mas que a peça procura problematizar quando propõe histórias que possuem voz e rosto, histórias de gente anônima das quais sequer supomos existência. Um espetáculo forte e comovente, que contou com a entrega dos atores e com o reconhecimento do público. Destaque também para “Hay amor”, do grupo “Os Geraldos” da Unicamp. Apesar de não ter recebido nenhum prêmio e de não ter ousado nenhuma linguagem inédita, o espetáculo, com seu humor simples e o uso de imagens facilmente reconhecidas pelo imaginário do público, agradou a plateia, arrancando muitas gargalhadas e aplausos. Se “Hay amor” não apresentou a experimentação que se espera de uma peça universitária, por outro lado mostrou que um espetáculo que visa tão somente a fruição ainda é possível. Quanto aos espetáculos da “Mostra Ibero-Americana”, arrisco-me a dizer que o destaque tenha sido mesmo o figurino e o cenário de “Eteocles, Antígona, Polinices y otros hermanos”, da Universidade de Antioquia, Colômbia, e a preparação vocal dos atores. “Ofelia”, do grupo “Las Rayadas”, da Argentina, frustrou sob todos os aspectos; e o espetáculo “Tartarugas e migração”, da Universidade Nova de Lisboa, apesar de receber o prêmio do público, brindado que foi por imagens de grande apelo poético, mostrou grandes fragilidades narrativas. Mostra blumenauense e considerações finais. Quero concluir ressaltando a importância da Mostra Blumenauense no contexto do Fitub e a necessidade de se ampliar a sua inserção no festival. Considerando que o Fitub, este ano, concentrou a maior parte dos seus espetáculos no Teatro Carlos Gomes, a apresentação das peças da Mostra Blumenauense na Fundação Cultural de Blumenau deu um caráter marginal 24
  • 25. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa às peças locais, o que foi motivo de críticas. A inserção dos espetáculos blumenauenses no mesmo espaço das mostras nacionais e internacionais possivelmente aprofundaria o intercâmbio entre os grupos e tornaria mais conhecido o trabalho que vem sendo desenvolvido em nível regional. Integrar ainda a Associação Blumenauense de Teatro na organização do Festival e pensar alternativas para que os espetáculos locais possam também ser analisados criticamente (tal qual o que ocorre com as peças universitárias), aprofundaria esta inserção e contribuiria para a reflexão a respeito do fazer artístico local. Por fim, apontar ainda a importância do Fitub. Um evento que capitaliza simbolicamente a cidade, inserindo-a no circuito de teatro universitário brasileiro, deslocando para Blumenau centenas de atores, professores, técnicos e estudantes do Brasil e do exterior, contribuindo para o desenvolvimento profissional de artistas, técnicos e produtores culturais e constituindo um corpo crítico local que possa não só produzir espetáculos de qualidade, gerando renda e trabalho, bem como estimulando o desenvolvimento de um público local cada vez mais exigente e sedento de produção artística. Eis o significado do Fitub e a necessidade da sua existência. 05/08/2010 25
  • 26. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa Amálgama Um homem, e está só. A um canto da arena, na penumbra, este homem, em silêncio, posta-se de pé e segura nas mãos seus sapatos usados; sob suas solas, possível é, a memória das terras que já não mais estão. O homem só move-se lentamente, escoando seu tempo num ritmo diferente ao da modernidade inaugurada com o aparecimento da locomotiva. Passo a passo, encontra o local exato para depositar seus sapatos, cercando assim seu território, suas referências: o par de sapatos, o casaco, as flores e a cadeira, sobre a qual repousa o vestido vermelho manchado de esperma. É no interior deste quadrado – sapatos, flores, cadeira e casaco – circundado pelo público, que se anuncia ao mundo surdo e cego o vazio de uma vida repleta de memórias impossíveis de troca. Uma cadeira ou um altar? Que cheiro trescalam flores antigas? Um casaco que aquece, ou paletó que representa? E esse vestido manchado de um esperma antigo, ainda cheira um cheiro passível aos sentidos, ou cheira apenas na lembrança? E o homem só move seu corpo nos limites da sua história, resumida à necessidade dos instintos que nunca se satisfazem e ao absurdo da existência. O que resta, enfim, é a repetição. É na repetição que este homem só se reconhece e se inscreve no mundo, estabelece sua identidade, ainda que intangível à racionalidade do público. Há momentos em que a comunicação procura se estabelecer, o homem só aproxima-se de um ou outro espectador, mas quando tal, não há mais um homem só, tal qual aquele que grita, que se masturba e se entrega ao gozo mecânico, que se contorce freneticamente, que liga o aparelho de som e se deixa mergulhado no ritmo de um mantra, que fala o ininteligível em fonemas que remotamente lembram o alemão e o italiano (culturas presentes na construção identitária do Vale do Itajaí, contexto geográfico no qual se construiu a experiência dramatúrgica de “Amálgama”). Quando o homem 26
  • 27. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa só se aproxima do público, quando olha em seus olhos, quando quase o toca, este homem só é tão somente representação; procura arrumar o cabelo, alinhar suas roupas, sorrir ou sofrer como quem sorri ou sofre para alguém, não para si. Logo a fraude se anuncia estéril, vazia, e o homem só retorna ao centro do seu imundo, onde goza, grita, geme, busca, morre e ressuscita. E quando esse homem só diz que acabou, porque necessita que acreditemos que acabou para que o possamos abandoná-lo a si mesmo, não aceitamos sua sentença, e permanecemos, nós plateia, muda, surda e cega, na espera de um sentido, de um algo a mais que nos territorialize. Porque afinal, não nos movemos ao teatro para compreender o outro, movemo-nos ao teatro porque queremos nos encontrar. Mas não há sentido, não há um algo mais além da repetição. E temos então um homem, e está só. A um canto da arena, na penumbra, este homem, em silêncio, posta-se de pé e segura nas mãos seus sapatos usados; sob suas solas, possível é, a memória das terras que já não mais estão... “Amálgama” estreou em 2008, e retornou aos palcos da Temporada Blumenauense de Teatro em 2010. Com direção de Silvio da Luz e texto de Gregory Haertel, podemos dizer aqui que o espetáculo constitui-se mais como uma performance do ator Adriano Amaral, e não tanto como monólogo. Em “Amálgama”, apesar do texto, o que menos importa são as palavras. É o trabalho de ator, seu domínio sobre o corpo e a forma como este expressa a angústia e os conflitos do personagem que importam. Não é o verbo, mas o movimento e a austeridade dos elementos de cena, que imprimem significado ao espetáculo, associados a uma pesquisa rigorosa na construção do roteiro e do próprio ator. O resultado é uma atuação impecável de Amaral e uma dramaturgia que nos remete a Samuel Beckett e seu universo de vazios e ausências de sentido. Importante o retorno de “Amálgama” aos palcos, e a certeza da possibilidade de se radicalizar ainda mais a proposta do espetáculo. Se o 27
  • 28. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa personagem afirma, em dado momento “Acabou! Vão embora! Preciso que vocês vão embora para saber que acabou!”, talvez seria interessante deixar nas mãos do público a decisão de encerrar a peça. Desafio interessante para os limites físicos do ator e do público, amalgamado na ausência das palmas e no vazio 02/10/2010. 28
  • 29. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa Estrangeiros Edelweiss é uma flor, mas também uma canção. Alguém lembrará que edelweiss empresta seu nome há muitas outras coisas, e é verdade. Todas, entretanto, remetem à mesma ideia: a do branco precioso, da pureza. Edelweiss, a flor, nasce nos Alpes, em ambiente inóspito, tem o formato de uma estrela e, apesar de ser extremamente branca, retém em sua penugem a umidade do ambiente, o que lhe dá um tom prateado. Como chegou a estar próxima da extinção, hoje esta flor é tombada como patrimônio natural nos países alpinos. Edelweiss, a canção, foi composta em 1959 por Richard Charles Rodgers e Oscar Hammerstein II para o musical “The sound of music”, que conta a história da família austríaca von Trapp, emigrados para os Estados Unidos em 1938. Os von Trapp fugiam do nazismo que se espalhava pela Europa. A tradução da canção original diz: “Edelweiss/ Toda manhã você me cumprimenta / Pequena e Branca / Clara e Brilhante / Você parece feliz por me encontrar / Floco de neve / Que você possa desabrochar e crescer / Desabrochar e crescer pra sempre / Edelweiss / Edelweiss / Abençoe a minha terra pra sempre.” Não é fácil desabrochar e crescer em ambiente inóspito, mas edelweiss – a flor – desabrocha e cresce, e é disso – mas não apenas disso – que trata a peça “Estrangeiros”, cuja pré-estreia aconteceu no dia 24 de fevereiro, sob a direção de Fábio Hostert, com texto de Gregory Haertel e a atuação de Daidrê Thomas e Enzo Monti. Se começo este comentário pelo avesso, é porque “Edelweiss” – a canção – dá o tom da peça, sendo sua trilha sonora inicial, porém não só! Falaria, talvez, que “edelweiss” – o branco precioso – dá mesmo sentido, consciente ou inconscientemente, ao espetáculo. A flor, a canção e – por que não? – até mesmo os von Trapp anunciam-se na relação entre Alícia (Daidrê Thomas), Pablo (Enzo Monti) – é este mesmo seu nome? – e 29
  • 30. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa Verde, a boneca de pano que acompanha a protagonista. A respeito daquilo que Verde possa representar, cabe lembrar que “Verde” é também cor. Por que então chamar de Verde a boneca? Verde é cor complexa, e sabemos que assinala o fim do inverno e a esperança. Para além, o verde indica vigor sexual e necessidade de valorização. Ainda, verde é a cor das águas mortas e pode representar influências nefastas. Verde, percebemos, constitui-se como um prisma de possibilidades, e todas, sem exceção, estarão reunidas nesta personagem muda e manipulável que será a boneca de Alícia. O palco é italiano, e o cenário, apesar de modesto, é belo e repleto de significados. A trama se desenrola no interior de uma loja de fantasias, onde não há objeto sem preço. À venda máscaras, vestidos, quadros, espelhos e demais objetos cuja relação está no fato de que todos servem à representação. Alícia é a vendedora, senta-se atrás de uma mesa, no centro da loja. Às suas costas, uma cortina indica a porta que leva ao quarto no qual dorme seu pai. Um pai onipresente que se anuncia nos gestos, nas palavras, nos silêncios e nos temores da personagem, mas cujo rosto e corpo não vemos. Quem é este pai, afinal? A que pai Alícia presta subserviência? Suspeitamos, na plateia, não se tratar de um pai de carne e osso. Este pai que irrompe simbolicamente a cada instante, ao qual a personagem venera e acusa, está para além de um progenitor biológico. Este pai, ao qual a personagem acorre em proteção, tem a face da Instituição. Uma face que só nos é dada a ver por intermédio dos personagens, tal qual um pai que outrora ditou mandamentos, tal qual um pai que impõe seu relho ainda nos tempos que correm, e que se não mostra seu rosto, é porque muitos possui, e não importa; sua face, afinal, é sempre a mesma fascista face. E Alícia é assim uma ficção que se crê real, uma edelweiss, pequena e branca, que vive sob a inóspita presença do Pai. Um corpo virgem de afetos, de toque, que não conhece outra carne, que não 30
  • 31. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa profere palavrão. Não há, assim, tesão em Alícia. Não há vida em Alícia, senão no sonho que vive acordada e que nos é dado a conhecer através das imagens produzidas por Leo Kufner (um dos pontos altos da peça). A câmera nervosa persegue o sonho de liberdade bucólica de Alícia, que corre pelos campos, se lança à relva e se balança sob às copas das árvores. Sonho do qual é arrancada quando adentra a loja o moço estrangeiro de fala estranha, sedutora, movimentos calculados. Quem é, afinal este personagem? Qual seu nome real? De onde vem? Ao chegar este personagem – Pablo? – Alícia se vê arrancada do seu mundo em que, emudecida, goza do não saber. Pablo - ? – assume seu papel, apropria-se de Verde para lhe conferir influências nefastas. Se Verde induz esperança, que fique alertado que nem toda esperança induz ao deleite. A Verde incorporada por Pablo é dor, é pesadelo. Pablo é o algoz que se encarrega de uma certa educação à Alícia. Alícia precisa crescer, precisa viver, precisa aprender. Pablo é assim uma espécie de preceptor imoral, e o fio da trama nos conduz a reconhecer na história de Alícia uma Cinderela dos tempos que correm. O que Alícia busca em Pablo é alcançar ser outra, ser estrangeira de si mesma. Mas tal qual no conto de Cinderela, só se é possível ser outro por breve momento. Passado o inédito, passamos a ser nós mesmos. Inevitável sentença! Há muitas possibilidades apontadas no espetáculo dirigido por Fábio Hostert, mas há problemas. Como pontos altos aponto a cenografia, a iluminação, o vídeo de abertura do espetáculo (apesar de excessiva e desnecessariamente longo) e a atuação de Enzo Monti no momento em que ordena a Alícia que esta se dispa. A fotografia desta cena em especial é antológica, uma das mais bonitas que já vi nos palcos blumenauenses. Também Daidrê Thomas nitidamente apresentou uma grande caminhada desde sua atuação em “A sede do santo” (2010). Entregou-se a um papel difícil e apresentou uma boa atuação, apesar do nervosismo. Porém cresceu 31
  • 32. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa durante a peça, como atriz. Vale dizer que cenas de violência física e moral não são fáceis de representar, exigem experiência, e tais cenas preenchem boa parte da trama. Entretanto, a entrega da atriz à personagem pode e deve melhorar. Mas foi no roteiro, entretanto, que algumas deficiências se fizeram notar, e de certa forma comprometeram a narrativa e a verossimilhança. Alícia, apesar de ser esta edelweiss aprisionada no bojo de uma ordem discursiva, entrega-se muito facilmente aos ditames de Pablo. Não há “verdade” nesta transição. Alícia precisa ser outra, mas como se dá isso? Alícia precisa se despir (não só das vestes, mas principalmente de si mesma. A nudez do corpo de Alícia é apenas o caminho para o reconhecimento de uma nudez muito mais ampla – como que se estivesse saindo da caverna de Platão), mas seu despir não convence. O que vemos é um corpo nu, apenas um corpo nu, o que é uma pena, porque ao nos chocarmos com a violência da nudez de Alícia, poderíamos assumir nossa própria nudez, e assim os espelhos pendurados no cenário fariam ainda mais sentido, porque refletiriam a nós, plateia, também nús. Por fim, há o fim que não se resolve. Não porque a peça indicasse uma insolubilidade, mas porque assumir-se outro não se resume a um “vai tomar no cú!” gritado pela personagem. “Vai tomar no cú” é muito pouco para uma peça que pode tanto, mas não se realiza plenamente. “Estrangeiros” é uma proposta interessante, mas que não parece pronta. 25/02/2011. 32
  • 33. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa Carla Edilene precisa ser algo além de nada Carla Edilene (Zanza França) ama seu marido (Leomar Peruzzo), ou pelo menos acredita amar. Construiu suas referências de amor lendo romances de banca e acompanhando programas românticos no rádio. Descobre entretanto que foi traída, e a partir de então a imagem da mulher (Aline Barth), com que seu homem se deitou, a acompanha e tortura. Carla Edilene aprendeu em suas leituras baratas e em seus programas de rádio, que há de se sofrer quando se é traída. Que há de se vingar, também. O conflito que se estabelece na personalidade de Carla Edilene a partir de então, diz respeito ao fato de que diante do seu homem arrependido, que lhe pede perdão e promete amor e fidelidade, a personagem não deve ceder ao seu desejo de reconciliação, afinal, não é assim que acontece nas histórias que lê, nos casos que escuta. Não, há um padrão de luto, de revanche, que precisa ser plenamente experimentado, caso contrário, Carla Edilene será nada, incapaz de sentir, incapaz de machucar e ser machucada. Vingar-se do marido que tanto ama é, acima de tudo, afirmar uma existência, ainda que sob padrões estabelecidos pela mídia barata. E talvez esta seja a grande sacada de “Amar (e mesmo assim...)”, peça que inaugurou a Temporada Blumenauense de Teatro de 2011: problematizar os discursos que impõem aos sujeitos padrões de sentimentos entendidos como corretos. Em seu íntimo tudo que desejava Carla Edilene era agarrar seu homem, tomá-lo em seu corpo, mas não podia, não é isso que se espera de uma mulher romântica. Por isso exigia sofrer para sentir-se digna de si, digna da imagem que sempre projetou para sua vida. Com texto de Gregory Haertel e direção de Jean Massaneiro, a montagem de “Amar (e mesmo assim...)” coube ao grupo “Detalhe”, que trouxe no elenco, além dos atores já citados, o experiente Roberto Morauer 33
  • 34. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa no papel de radialista. Morauer assina ainda a assistência de direção do espetáculo. A peça não apresenta grandes pretensões. Com uma narrativa linear, sua linguagem kitsch e tipos estereotipados, “Amar (e mesmo assim...)” diverte e consegue discutir a iconografia brega do universo romântico. Destaque para Zanza França, cuja interpretação literalmente estridente (a personagem da atriz caracteriza-se pela voz aguda, quase histriônica) conseguiu sustentar a tensão dramática do espetáculo. No conjunto, entretanto, os atores não pareceram “sintonizados”, o mesmo ocorrendo em relação à trilha sonora. Também a onipresença voluptuosa da amante pareceu demasiada em vários momentos, o que contribuiu para que a atenção do público fosse indevidamente desviada da protagonista para uma situação coadjuvante. Há, assim, uma espécie de descompasso, que tira o espectador do transe da peça, devolvendo-o à cadeira fria do auditório. Pesados os problemas da montagem, entretanto, o espetáculo do grupo “Detalhe” parece ter cumprido com sua proposta. Divertiu o público, ironizou o romantismo piegas e discutiu o papel da mídia e da cultura de massas na construção de subjetividades. E, por fim, um sentimento de cumplicidade com Carla Edilene. Afinal, o que precisamos nós para sermos algo além de nada? 20/03/2011 34
  • 35. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa Rebu Nas últimas quinta e sexta-feira (24 e 25/03) teve início a temporada 2011 do Palco Giratório do SESC em Blumenau. No palco do Teatro Carlos Gomes apresentou-se a Companhia Independente de Teatro do Rio de Janeiro com as peças “Rebu” (palavra que significa desordem, confusão, briga) e “Cachorro”, ambas de autoria de Jô Bilac e sob a direção de Vinicius Arneiro. “Cachorro”, indicada em 2007 para o Prêmio Shell na categoria melhor direção, apesar de preceder “Rebu” e ter sido a peça que deu início às atividades da Companhia Independente, foi apresentada na noite de sexta-feira, com casa cheia e uma plateia com a expectativa inflada pelo boca a boca do público da noite anterior. Um tragicômico triângulo amoroso muito bem montado, com iluminação impecável e atores cuja interpretação competentíssima levaram o público a boas gargalhadas, o que não foi suficiente para evitar uma certa sensação de frustração perceptível nos aplausos e nos comentários de corredor ao final da peça. Isto não significa, porém, que “Cachorro” não tenha cumprido com sua proposta. Cumpriu, e muito bem! Entretanto, há de se render ao óbvio: “Rebu” é muito melhor, resultado da trajetória de uma companhia teatral ainda jovem, mas que mostrou aperfeiçoamento nesta que é sua segunda montagem. Como ambos os espetáculos apresentam estéticas muito semelhantes (apesar de “Cachorro” se inspirar no universo de Nelson Rodrigues e “Rebu” nos folhetins tão comuns na imprensa brasileira da segunda metade do século XIX), fica praticamente impossível não tecer comparações entre eles; mas que se registre, não há demérito na frustração do público que retornou ao teatro na noite de sexta-feira, pelo contrário, mérito à Companhia Independente que ousou se superar ao montar “Rebu”. 35
  • 36. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa “Rebu” está ambientado em algum momento do século XIX, e narra a história de um jovem casal que recebe a visita da irmã do chefe da casa e seu bode de estimação, que é cego. Esta irmã alega estar adoentada, e por isso exige que a casa esteja impecavelmente limpa e que nenhuma nesga de luz do dia lhe alcance o corpo. Bianca, a esposa, praticamente enlouquece com as exigências da cunhada e com a presença do bode cego no interior da residência. Há, entre a irmã e o marido, uma relação quase incestuosa e que submete este último, sempre pusilânime, aos caprichos e à chantagem emocional da parente. A esposa, entretanto, descobre um grave segredo, motivo real da visita da cunhada, que usará como moeda de chantagem para ter de volta a tranquilidade que gozava com o marido antes da chegada da parente e seu insólito animal de estimação. No geral, a peça tem como tema a mentira. Com o desenrolar da trama fica claro que cada um dos personagens carrega consigo sua mentira e seu pecado, e que se movem como se em um jogo de xadrez, cada passo medido e pensado. A coreografia do espetáculo contribui para a metáfora do jogo de xadrez, os personagens alinhando-se em diagonais e em colunas sobre um tablado quadrado, ao público a expectativa do lance arrebatador, do xeque-mate. No elenco estão Carolina Pismel (a irmã), Julia Marini (a esposa), Paulo Verlings (o marido) e Diego Becker (o bode cego), este o grande destaque da peça. O bode cego que Diego Becker interpreta não se apresenta estilizado, mas absolutamente humanizado – humanização que nos provoca a pensar a respeito do tratamento que muitos dispensam aos seus animais de estimação, que de tão humanizados chegam a ser violentados em sua natureza. Vestido de paletó e colete, entretanto, em nenhum momento a interpretação sutil e precisa de Diego nos faz duvidar de que se trata de um bode cego. Ao vermos o homem de óculos com suas lentes pequenas, redondas e escuras, vemos na realidade o insólito personagem imaginado 36
  • 37. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa por Jô Bilac, e acreditamos nele, tamanha a verossimilhança construída pela trama e pelo trabalho do ator, que irrompe no palco com um estrondoso sapateado flamenco. O bode, a propósito, merece outras reflexões, símbolo importante que significa a peça. Podemos perguntar: por que um bode? Por que não um cão, um porco ou até mesmo uma serpente? Um primeiro elemento seria a tradução da palavra tragédia, que em grego significa, literalmente, “caminho do bode”, isto porque o bode montanhês precisa calcular muito bem cada passo que dá, a fim de não se precipitar montanha abaixo. Também numa tragédia (enquanto gênero dramático) cada movimento em falso pode ter consequências funestas para os personagens, assim como em “Rebu” (uma tragicomédia), onde uma palavra descuidada revela culpas e um descuido imprevidente lança nas mãos de Bianca o segredo da cunhada. Para além, entretanto, o bode de “Rebu” é cego, elemento importante. O bode, na tradição judaica, expia culpas. É da prática de se abandonar um bode no deserto, depois de se tocar sua fronte e assim lançar sobre si todos os pecados de um povo, que surge a expressão bode expiatório. Para Bianca, a esposa, basta que a cunhada abandone o bode para que se resolva as desavenças entre elas. Mas como abandoná-lo, cego, à própria sorte? O bode, justamente porque não enxerga, não pode ver a maldade inerente a sua dona, por isso o único que não a julgará e em quem pode confiar. Mas como um bode cego que não enxerga os seixos traiçoeiros nas trilhas estreitas e sinuosas de uma montanha, a tragédia em “Rebu” leva seus personagens a movimentos que acabam por destruí-los. Em toda mitologia o bode é sempre um símbolo complexo, que tanto pode se associar ao sublime, já que dos animais não alados é o que mais se aproxima de Deus, como pode estar associado ao vil, ao instintivo, à figura dos sátiros que habitavam as florestas e defloravam moças descuidadas. Também a forma como cada personagem se relaciona com o bode cego reflete a complexidade do símbolo. Se para 37
  • 38. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa Bianca o bode é animal pavoroso e asqueroso, para seu marido transformase em uma espécie de irmão puro, inocente. É na figura do bode cego, sem dúvida alguma, que reside o grande trunfo da peça, seja pela interpretação impecável de Diego Becker, seja pelas possibilidades que, enquanto símbolo, oferece à trama. Por fim cumpre destacar o trabalho de corpo desenvolvido pelos atores, o cenário austero assinado por Daniele Geammal e a iluminação desenhada por Paulo César Medeiros. Um trabalho completo e irretocável! 26/03/2011. 38
  • 39. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa Um teatro vivo e propositivo Ainda que constatada a absurda falta de investimos públicos no desenvolvimento de atividades artístico-culturais em Blumenau, bem como a ausência de uma política clara definida para a área, sazonalmente a cidade é palco de interessantes experiências no campo do Teatro. Experiências que parecem ter atingido uma certa maturidade no transcorrer desta primeira década do século XXI, em que se percebe uma diversificação de linguagens dramatúrgicas, uma maior organização e profissionalização do setor e a constituição de um público constante para os espetáculos. Realidade conquistada, fruto portanto de uma história com muitos altos e baixos e que não se iniciou ontem. É preciso que destaquemos algumas iniciativas que contribuíram para que o cenário teatral blumenauense alcançasse o patamar em que se encontra hoje. Em primeiro lugar, chamar a atenção para o Núcleo de Teatro Experimental (Nute) do Teatro Carlos Gomes, que teve importante atuação no cenário artístico-cultural da cidade, notadamente nas décadas de 1980 e 90, seja através dos Jogos de Teatro (onde toda cadeia da produção teatral – do texto à representação – era estimulada através de competições que premiavam peças de curta duração, concebidas e montadas em intervalos de poucas horas), seja através dos cursos de Teatro e da apresentação das peças produzidas pela escola. Muitos dos atores, diretores e público que atualmente frequentam o cenário artístico do Vale do Itajaí, formaram-se nas atividades desenvolvidas a partir do Nute. Outra importante iniciativa na história do Teatro em nossa região foi a criação, em 1987, do Festival Universitário de Teatro de Blumenau (atualmente internacionalizado). O Fitub, como hoje é conhecido, sempre contribuiu para o intercâmbio de experiências dramatúrgicas entre grupos universitários do Brasil e exterior. Com sua periodicidade anual (exceção 39
  • 40. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa para 2009, ano em que o Festival não se realizou por decisão da então Reitoria da FURB), e sua maratona de peças, debates e atividades correlatas, o Festival sempre proporcionou um espaço privilegiado de exibição da produção teatral universitária e, principalmente, de troca de experiências por meio do exercício da análise e da crítica. Também não há dúvidas quanto à contribuição do Fitub para a formação de plateias, elemento central para o desenvolvimento de toda cadeia produtiva que atua no entorno desta atividade artística. Segundo dados oficiais publicados pela organização do Festival, em 2010 o público que assistiu às peças totalizou 23 mil espectadores. Este número demonstra o crescimento e importância deste evento que, em sua primeira edição, reuniu 5 mil espectadores. Evento que divide sua importância e significado com o Festival Nacional de Teatro Infantil (Fenatib), promovido pela Fundação Cultural de Blumenau e que neste ano chega a sua 15ª edição. Fitub e Finatib são as duas faces de uma importante estratégia de fomento da economia criativa em nossa região, mas que infelizmente carecem da atenção pública devida. Ainda assim sobrevivem e são fortemente responsáveis pelo espaço que o teatro vem ocupando no cenário cultural do Vale do Itajaí. Também a criação em 2004 do curso superior de Bacharelado em Artes Cênicas pela Universidade Regional de Blumenau, e do surgimento, há quinze anos, da Companhia Carona de Teatro (que funciona como escola de teatro do Teatro Carlos Gomes – ocupando um espaço anteriormente representado pelo Nute – e como companhia de teatro), concorreram para a profissionalização de atores e para o exercício da produção teatral na região. Muitos dos protagonistas que frequentam os “palcos” blumenauenses são oriundos destas duas escolas de teatro (Furb e Carona) que, vale lembrar, não são as únicas. A região dispõe ainda de outros espaços de formação para as artes cênicas, como é o caso do Espaço Plural, e diversas companhias e grupos de teatro em atividade. 40
  • 41. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa Quando dissemos, no início deste texto, que o setor das artes cênicas atingiu um certo nível de maturidade em Blumenau, a afirmação não se refere exclusivamente ao campo artístico, mas também ao político. Dentre todos os setores artísticos da cidade, o do teatro é o que apresenta melhor organização e atuação política. Há, inclusive, uma associação que representa os interesses do segmento. Criada em 2010, a ABLUTEATRO reúne diversos grupos da região, e compreende a categoria enquanto classe, conforme definição que consta do Artigo 1º do seu Estatuto Social: “é uma associação civil sem fins lucrativos, congregando grupos, artistas, produtores e trabalhadores culturais da área de Teatro(...)”. Ao entender os profissionais do Teatro enquanto trabalhadores, a ABLUTEATRO qualifica o debate artístico local, sempre tão atrelado ao diletantismo, exigindo que a categoria seja reconhecida e respeitada como mão de obra qualificada no campo da economia criativa. Cabe a esta associação contribuir também com a organização da Temporada Blumenauense de Teatro, que mensalmente estreia montagens desses grupos, apresentadas a preços populares, e tornando a produção local acessível e reconhecida pelo público. Desde 2005, ano em que a Temporada foi criada, houve a consolidação de uma plateia que, paulatinamente, vem se diversificando. Sabemos, entretanto, que maturidade não significa estar pronto, tampouco carecer de dificuldades. Se por um lado os grupos blumenauenses produzem montagens de grande apuro técnico e sensibilidade artística, por outro lado a Temporada Blumenauense de Teatro também traz à cena alguns trabalhos dramaturgicamente muito frágeis. Constatação que está longe de causar estranheza em um processo de construção; afinal, a maturidade do cenário local está na capacidade de assumir os riscos do novo, e não quando da tentativa de seguir fórmulas tradicionais. São justamente as propostas de maior ousadia aquelas que melhor dialogam com o público e acabam por ultrapassar algumas 41
  • 42. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa fronteiras, inclusive as geográficas, alcançando públicos de outros municípios e estados. Por fim, vale lembrar que dentre as dificuldades que o segmento das artes cênicas enfrenta em Blumenau, para além da ausência de políticas culturais como um todo, e da crítica de arte especializada, está a inexistência de espaços públicos adequados para a exibição das montagens, haja visto o Teatro Carlos Gomes, único teatro realmente estruturado da cidade, constituir-se como um espaço privado, e os auditórios da Fundação Cultural apresentarem uma estrutura decadente e que não atende às necessidades técnicas mínimas para a apresentação de espetáculos com formatos mais exigentes. Ainda assim, ressalvadas todas as dificuldades, o Teatro em Blumenau mantém-se vivo e propositivo, promovendo diálogos e provocando as estruturas da cidade. 04/07/2011 42
  • 43. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa Vida Por que os cães latem? Latem por latir. Latem porque, por via da dúvida, é melhor latir. Latem para existir. Assim como nós, sempre atentos a tudo, cheios de nossa racionalidade cartesiana ou de nossa filosofia de autoajuda, latimos, melhor, nominamos o mundo. O mundo, o que é senão um emaranhado de verbetes e conceitos que, acreditamos, dão sentido a tudo? “No princípio fez-se o verbo”, é bíblico. E tantos de nós dedicamos cada minuto de nossa vida a dar sentido à vida! Mas talvez, sim, talvez, não seria melhor o perambular distraído? “Distraídos venceremos”, diz uma frase. De que natureza seria esta vitória? “Vida”, espetáculo da Companhia Brasileira de Teatro com direção de Márcio Abreu, inaugurou os palcos do 24° Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau propondo uma leitura do universo de Paulo Leminski. É possível que assim o seja, mas a mim falaram-me mais forte as vozes de Fernando Pessoa em sua “tabacaria”, e de Beckett com todo seu teatro do absurdo. Assim como em Beckett de Godot, os personagens esperam, e esperando ocupam seu tempo. Em meio a uma sala claustrofóbica, sem janelas e de paredes brancas, quatro personagens ensaiam para uma banda que festejará o jubileu de uma cidade. O que não significa coisa alguma. Para além do ensaio, da música que a banda deve tocar, importam mesmo ao enredo o desfilar do cotidiano de cada um dos quatro personagens: Rodrigo Ferrarini, cínico, com sua dialética meticulosa e uma maiêutica ao inverso que fornece resposta a cada pergunta – ainda que a resposta, aparentemente lógica, lance-nos ao vazio. Rodrigo, na banda, toca pratos; é sempre aquele que está no compasso errado. Raniere Gonzales tem muitas tatuagens (sim, ator e personagem, estabelecendo um diálogo autoficcional); aparentemente tranquilo e observador, transformase radicalmente buscando sua identidade; é o cantor da banda. No espetáculo, a atuação de Raniere é excepcional, apresentando-nos um ator 43
  • 44. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa versátil e de muitos recursos. Giovana Soar, moça solitária, dada às práticas politicamente corretas, que na realidade a oprimem. Emblemática a cena em que Giovana, ao chorar, é guarnecida de lenços de papel. Ela adora lenços de papel, embora saiba que deveria preferir os de pano, reutilizáveis. Seu humor é oscilante, e na banda toca o bumbo. Por fim, Nadja Naira, a silenciosa, com seu corpo alto e magro. Seu instrumento é a guitarra, que leva junto ao peito para esconder sua nudez. Nadja, quando vestida da guitarra, transforma-se em uma mulher mais autoconfiante. É o entrelaçamento destes quatro personagens (e fica a pergunta: até que ponto atores e personagens estão realmente separados?) que compõe a trama de “Vida”. Difícil é estabelecer limites de gênero para o espetáculo, que oscila entre o drama e o humor. Multifacetado, autoficcional, intertextual, “Vida” apresenta muitos méritos, desde o cenário, de grandes proporções (o que realmente chama a atenção nestes tempos de uma dramaturgia minimalista), passando pela trilha sonora (assinada por André Abujamra), pelo texto primoroso e instigante e chegando à atuação excepcional de Raniere, que literalmente incorpora o personagem (ou seria o inverso). Entretanto, há talvez um certo excesso na montagem, uma repetição de situações, que ao final cansam a plateia. Fica a impressão que o espetáculo poderia alcançar seu desfecho um pouco antes, talvez no momento em que Raniere, neuroticamente, lança-se pela parede. A cena em questão é forte, definitiva, repleta de uma radicalidade que, inclusive, torna injustificado o retorno do personagem à cena. Por fim, se Paulo Leminski ou Beckett, não importa. “Vida” fala por si! Diverte e incomoda. Espetáculo que enche os olhos mas, e ao mesmo tempo tem o mérito de deixar um quê da náusea sartreana. Tem o que dizer, e diz! Certamente, uma grande peça... porém longa! 10/07/2011 44
  • 45. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa Trânsito livre entre Arenales, o aniversário da porca e unhas sujas O primeiro final de semana do 24° FITUB contou com a apresentação de cinco espetáculos, quatro deles integrando as mostras universitárias, e “Amálgama”, que integra a mostra blumenauense. Na Mostra Universitária Nacional subiram ao palco os Alunos do Projeto de Diplomação da UnB (DF), com a peça “A porca faz anos”, e a Cia. Seis Acessos da Unicamp (SP), com o espetáculo de improvisação “Trânsito livre”. Já pela Mostra Universitária Ibero-Americana subiram ao palco o Grupo Arenales Cooperativa Teatral do IUNA (Argentina), com a peça “Arenales, um pueblo bajo el mar”; e a Compañia La Gorda da Universidad Mayor (Chile), com o espetáculo “Uñas sucias”. Com bom público, os quatro espetáculos, entretanto, não chegaram a entusiasmar as plateias, e o destaque ficou mesmo com o grupo argentino, que apresentou “Arenales” na tarde de sábado. Já a maior frustração pode ser atribuída ao espetáculo de improvisação “Trânsito livre”, na noite de domingo. Neste os atores pareciam não estar preparados para a natureza das perguntas realizadas pelo público –“Que pergunta eu faço?”; “O que acontece quando as perguntas acabam?”; “O que é pior: pensar e falar, ou pensar e calar?” – , e sobre as quais deveriam desenvolver os números, o que resultou em um espetáculo de dança pobre em sentidos e conteúdos, com um desenvolvimento arrastado e pouca criatividade. “Arenales, um pueblo bajo el mar”, com texto de Sergio Sebater e Ana Rodriguez Arana e direção de Sergio Sebater, conta a história de um povoado costeiro arrasado por um tsunami. Lembrando um pouco a proposta do filme “Nós que aqui estamos, por vós esperamos”, de Marcelo Masagão, a peça procura apresentar uma breve biografia das pessoas que moravam e sonhavam em Arenales, mais de uma dezena de personagens 45
  • 46. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa que se desdobram sobre o palco, e que desaparecem sob as monstruosas vagas do mar. A peça tem como mote um monumento que recorda as vítimas da catástrofe natural. Deste monumento desprendem-se os personagens para um recuo no passado e na memória, e estes mesmos personagens – numa mistura de musical e teatro narrativo – desfilam e narram suas histórias para o público presente ao teatro. Por fim, antes de retornarem ao frio mármore do monumento, lembram que as tragédias podem ser naturais, como o tsunami em Arenales, mas também provocadas pela ação humana, como foi o caso da cruenta ditadura militar argentina, que sequestrou, torturou e assassinou aproximadamente 30 mil pessoas (algumas destas foram lançadas vivas ao mar, jogadas de aviões militares), e levou ao exílio mais de 2 milhões de cidadãos. Assim como o tsunami que recentemente soubemos destruir o Japão, a ditadura militar argentina sepultou sob a lápide do mar histórias e sonhos humanos que ainda ecoam seu horror. Chama a atenção no espetáculo do grupo argentino toda sua estética poética, tanto na força da narrativa quanto nos movimentos dos atores. A figura do monumento humano que se movimenta alternando a tranquilidade fria do mármore e o horror da morte trágica, é sublime. Também o desempenho dos músicos em palco é digno de nota. Deixa a desejar, entretanto, a forma como dramaturgos e diretor exploram as biografias dos personagens. Talvez por serem muitos, e pequeno o tempo da peça, falta profundidade naquilo que dizem de si os moradores de Arenales. Por outro lado, a dramaturgia acerta quando relaciona o tsunami à ditadura militar, conseguindo universalizar a história prosaica de um pequeno povoado e seus habitantes anônimos. Assim, “Arenales, um pueblo bajo el mar” está vivo e dialogando conosco. Ainda na noite de sábado apresentaram-se, no palco do grande auditório do Teatro Carlos Gomes, os alunos da Universidade de Brasília 46
  • 47. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa com o espetáculo “A porca faz anos!”. Com direção de Felícia Johansson e autoria coletiva do próprio grupo, a comédia propõe-se na lógica do Teatro de Revista, e mistura música, dança e teatro. Ambientado em Brasília, faz uma sátira burlesca das instituições e políticos brasileiros, parodiando discursos e personagens reais e fazendo referências diretas a fatos contemporâneos noticiados pela imprensa brasileira. Apesar de ser divertida e apresentar acompanhamento musical e trabalho vocal excepcionais, e números de dança admiráveis (incluindo-se uma surpreendente apresentação de dança de rua ), “A porca faz anos!” decepciona justamente naquilo que deveria ser seu ponto alto: a sátira política. Exagerando nos estereótipos e simplificando demasiadamente a realidade política brasileira, a peça acaba por carecer de senso crítico, caindo no senso-comum e perdendo a oportunidade de apresentar uma crítica mais inteligente e contundente (o que parecia ser a intenção inicial do espetáculo). Também a excessiva duração da peça acabou por torná-la repetitiva e cansativa. Talvez por se tratar de uma dramaturgia construída coletivamente, mas “A porca faz anos!” parece ser uma pura reunião de bons números e esquetes que não conseguem, entretanto, atingir um bom resultado quando reunidas em seu todo. Por fim, na tarde de sábado, apresentou-se a Compañia La Gorda, do Chile, com a peça “Uñas sucias”, com texto de Luis Barrales e direção de Carolina Larenas e Alejandro Bradasic. Com um enredo simples e dramaturgia enxuta, “Uñas sucias” conta a história de cinco jovens jogadoras de futebol que integram um pequeno time e almejam chegar à divisão profissional. Ao ficarem presas no vestiário, as cinco moças acabam por fazer aparecer seus conflitos, preconceitos e rivalidades. A peça consiste nos diálogos que as cinco atrizes estabelecem entre si, e o cenário restringe-se a dois bancos de madeira e uma penteadeira. 47
  • 48. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa “Uñas sucias”, apesar de margear temas de debate bastante atual, como a pedofilia e a homossexualidade, não entusiasmou a plateia e teve poucos momentos realmente interessantes. 11/07/2011 48
  • 49. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa Um Horácio iconoclasta Na noite de segunda-feira a X Turma de Artes Cênicas do Centro Universitário Barão de Mauá de Ribeirão Preto (SP) subiu ao palco do Auditório Willy Sievert, no Teatro Carlos Gomes, para apresentar o espetáculo “O Horácio”, adaptado da obra do dramaturgo alemão “Heiner Müller”. Sob a direção de Carlos Canhameiro, a montagem apresentada no FITUB impressionou pela entrega e entusiasmo dos atores, bem como pela leitura iconoclasta – e até mesmo profana – do texto de Müller. “O Horácio” narra a história da guerra entre as cidades de Roma e Alba, ao mesmo tempo em que ambas se viam ameçadas pelos etruscos. A fim de não sofrerem muitas baixas, decide-se que por cada cidade lutará apenas um soldado, escolhido através da sorte. Por Roma, este será um Horácio, e por Alba um Curiácio. Ocorre, entretanto, que a irmã do Horácio é justamente a noiva do Curiácio. Ao vencer o combate e executar seu oponente, o Horácio retorna a Roma e encontra sua irmã chorando a morte do noivo, fato que lhe causa grande irritação e o incita a matá-la. As comemorações em Roma cessam, e o herói Horácio passa também a assassino, obrigando a cidade a julgá-lo. Vale lembrar que o texto original remete aos pátrios valores romanos que colocavam o Estado e a família na condição de instituições sagradas, superiores a qualquer veleidade individualista, dentre as quais a própria vida do sujeito. Foi pela pátria que o Horácio lutou, e porque o regozijo pela vitória da pátria deve ser superior ao luto de uma perda individual, o herói assassina sua própria irmã. Entretanto, ao assassinar (desnecessariamente) a irmã, o herói afronta a própria instituição familiar, e por isso deve também ser julgado e punido (no caso, com a própria vida e com uma dupla memória de si: herói e assassino). Para além, “O Horácio” aborda também a complexidade humana, já que em um “homem” habitam muitos homens. 49
  • 50. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa Na montagem dirigida por Carlos Canhameiro a fábula é mantida, e narrada pelos atores em três momentos da peça. Ou seja, por três vezes a história é contada sobre o palco por atores que se alternam na narrativa. Entretanto, o mise-en-scène e a leitura que diretor e atores fazem da obra de Heiner Müller, contrapõem os diferentes tempos da narrativa (o tempo da verossimilhança da fábula, o tempo em que esta foi escrita e o tempo presente – o da montagem). Pós-dramática, intertextual, abusando das referências à cultura de massa, a montagem do atores do grupo de Ribeirão Preto contrapõe o épico ao contemporâneo, ou seja, se por um lado narram a história original escrita pelo dramaturgo, por outro, quando a representam, fazem-no através do deboche e do uso de elementos que nos remetem ao individualismo exacerbado de uma contemporaneidade que não compreende os valores trágicos. Heroísmo, neste caso, é sobreviver em meio à selva urbana e pós-industrial, onde fronteiras se diluem e a saudação da aurora é o “carpe diem”. Neste contexto, o “Horácio” apresentado no 24° FITUB alcançou o cômico e o ridículo por meio do trágico (o que não significa demérito, muito pelo contrário). Abusando dos elementos escatológicos, onde sangue e corpos são substituídos por vinho, frutas e um frango morto e depenado, fazendo uso de coro, música ao vivo e signos da cultura pop, e profanando não apenas símbolos caros ao cristianismo no Brasil (como as pequenas imagens de Nossa Senhora guardadas como amuleto nas cuecas e calcinhas durante a batalha), mas o próprio texto original, dessacralizando-o, os atores do Centro Universitário Barão de Mauá apresentaram uma peça que, ao mesmo tempo entusiasmou e divertiu o público e foi capaz de dialogar com seu tempo e espaço. Uma montagem que de certa forma nos remete às “Dionisíacas” de José Celso Martinez, guardadas evidentemente as proporções. 50
  • 51. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa Terminado o espetáculo, restou ainda o cheiro nauseabundo dos vinte litros de vinho despejados sobre ao palco, mesclado ao de ovos, melancias e outros víveres mais, como que lembrando os despojos de um campo de batalha. 14/07/2011 51
  • 52. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa “Números” Pela segunda vez consecutiva o grupo “Os Geraldos”, da Unicamp, vem ao Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau, e pela segunda vez entusiasma a plateia. Em 2010 trouxe aos palcos do Teatro Carlos Gomes o espetáculo “Hay amor”, dirigido por Verônica Fabrini. Apesar da ótima recepção do público que assistiu à comédia “bregaromântica” do grupo de Campinas, “Hay amor” não convenceu os jurados do FITUB, e acabou sendo a única peça da Mostra Universitária sem levar nenhuma premiação; fato que para muitos que acompanharam o Festival, caracterizou-se como uma tremenda injustiça. Neste ano “Os Geraldos” apresentaram a montagem “Números”, uma comédia que alude à tradição circense. Com texto de Carolina Delduque e direção de Roberto Mallet, a peça apresenta uma série de números circenses encadeados pela atuação do palhaço Cícero (representado pelo ator Douglas Rodrigues Novais), uma espécie de mestre de cerimônias que toca Acordeão e participa de alguns esquetes. Cícero, a propósito, é sem sombra de dúvidas a grande presença da montagem. Versátil, intenso, com seu sorriso lindo, suas tiradas inteligentes e sua falta de modéstia, encanta, diverte e transporta o público para o interior do universo representado no palco. O destaque da sua atuação não ofusca, entretanto, o brilho e a qualidade dos demais atores/personagens. O “leão do Himalaia”, por exemplo (uma mistura de carneiro, lhama e ser humano que podia muito bem ter brotado das páginas de Jorge Luís Borges), com sua atuação contida, quase minimalista, enternece o público e remete ao lugar do artista-operário explorado pela arte. Também a contorcionista grávida, com seus truques baratos apresentados a uma plateia que se deseja enganada; o palhaço que se atrapalha com a cadeira em uma apresentação com desfecho previsível, porém encantador; a bailarina com seus movimentos 52
  • 53. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa desengonçados e sua maquiagem grotesca; a atiradora de facas e sua temerosa assistente-vítima; todos personagens do universo de uma arte desvalida em recursos financeiros, porém rica em criatividade e teimosa por existir e poder dizer. Em seu conjunto, “Números” se constitui como metáfora do talento humano e da sua capacidade de sobrevivência. Enfim, o que “Os Geraldos” fazem sobre o palco-picadeiro é mesmo comovente poesia, que provoca o riso solto, emociona e não descuida da tradição do conteúdo. 15/07/2011 53
  • 54. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa “A visita da velha senhora” Na noite de domingo, sob a direção de Mateus Moscheta, o Grupo Teatro Universitário de Maringá (TUM), da Universidade Estadual de Maringá, subiu ao Palco do Grande Auditório Heinz Geyer para apresentar a peça “Visita da velha senhora”, escrita em 1956 pelo dramaturgo suíço Friedrich Dürrenmatt (1921-1990). A montagem dos paranaenses participa da Mostra Universitária Nacional do 25º. Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau. Sob forte influência de Bertold Brecht, do qual Dürrenmatt era discípulo, “Visita da velha senhora” constitui-se como uma “comédia trágica”, segundo definição de seu próprio autor, e conta a história da pequena cidade de Gullen, empobrecida e esquecida pelo resto do mundo. Sequer os trens param na estação de Gullen, e seus habitantes miseráveis sobrevivem da sopa distribuída pelo poder público. Certo dia, entretanto, para espanto de todos, desembarca na estação a senhora Clara Zahanassian, mulher muito rica e que no passado fora vítima de um julgamento injusto que a degredara de Gullen, fazendo com que sofresse as penas da vida. Retornara à cidade para comprar a justiça que não tivera no passado, e oferta a cada família do lugar uma verdadeira fortuna em dinheiro caso Alfredo Schill, seu antigo amante e o responsável por seus infortúnios, fosse morto. A proposta leva então os habitantes de Gullen da miséria material à miséria moral. Tendo vivenciado a Segunda Guerra Mundial, Dürrenmatt, diferentemente de Brecht, não acreditava na transformação social, e sua visão absolutamente pessimista a respeito da natureza humana pode ser claramente percebida neste texto encenado pelo TUM. “Visita da velha senhora” já recebeu infinitas montagens no Brasil e no exterior, bem como exerce grande influência na obra de diversos autores. A título de exemplo destas influências podemos citar o romance “Tieta do Agreste” 54
  • 55. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa (1977), do escritor brasileiro Jorge Amado, e o filme Dogville (2003), dirigido pelo dinamarquês Lars Von Trier. O espetáculo apresentado pelo grupo do Paraná manteve-se bastante fiel ao texto original. Com um cenário austero, a peça destacou-se principalmente pelo figurino e pela movimentação dos atores, que modificavam os elementos cênicos a fim de criar as ambientações sugeridas pela narrativa. Por outro lado, o excesso de nervosismo fez com que diversos atores se atrapalhassem nas falas, o que acabou prejudicando a apresentação. Também a iluminação nem sempre esteve adequada. Ainda assim, os aspectos positivos da peça, sustentada pelo texto brilhante de Dürrenmatt, tornou possível uma boa percepção do espetáculo por parte do público. Vale destacar ainda algumas soluções dramatúrgicas encontradas pela direção para representar determinadas cenas, como a do início do espetáculo, quando da passagem do trem por Gullen. A solução encontrada pelo diretor para representar a composição férrea foi capaz de criar uma estética profundamente poética. Mesclando humor negro e drama, “Visita da velha senhora”, apresentada pelo Grupo Teatro Universitário de Maringá, apesar de não entusiasmar, conseguiu comunicar o espírito do texto de Friedrich Dürrenmatt, levando o público ao incômodo do reconhecimento com uma natureza humana vil, hipócrita e egoísta. Julho de 2012. 55
  • 56. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa Clown Bar Sob a direção de José Tonezzi, o Núcleo de Experimentações e Estudos do Cômico (NEECO) da Universidade Federal da Paraíba subiu ao palco do Pequeno Auditório Willy Sievert no segundo dia do FITUB para apresentar ao público a peça “Clown Bar”, um conjunto de esquetes cômicos que não possuem relação entre si, salvo o fato de estarem ambientados em um bar. O cenário é muito simples, apenas uma mesa coberta por uma toalha e ocupada por uma garrafa de bebida que levava no rótulo o símbolo de algo venenoso. Neste bar cinco atores clowns revezam-se nas cenas cômicas e representam diversos tipos: a balconista ordinária, o bêbado esfarrapado, o playboy, o banhista afetado e esnobe, o pintor ridiculamente travestido à moda clássica e o monge anão com pés de pato (personagem encantador e destaque da peça). As cenas apresentam uma série de gags clássicas, e algumas propõem uma reflexão sobre o fetiche de produtos culturais propalados pela mídia e consumidos pelo público numa lógica de “fastfood” descartável. Neste sentido, a montagem do grupo da Paraíba mantém-se contemporânea. Ao fazer uso de clichês e gags clássicas, desperta o riso, mas também nos leva a questionamentos do tipo: afinal, o que faz tantos e tantos de nós a “curtir”, por exemplo, uma “dança da motinha”? Se, por um lado, “Clown Bar” tinha como principal propósito divertir e provocar gargalhadas no público, atingiu seu objetivo. Por outro, não apresentou novidades, e muitas cenas tornaram-se excessivamente longas e cansativas. Flertando com a malícia e o absurdo, e justamente por apresentar um universo cômico capaz de ser reconhecido pelo público, despertou empatia da plateia, mas também fez com que os números se tornassem por demais previsíveis. Presos aos tipos, os atores acabaram por 56
  • 57. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa reproduzir estereótipos clássicos sem demonstrar grandes recursos de interpretação. Exceção feita ao personagem final da peça, um monge anão e corcunda, com pés de pato e braços cortados, figura grotesca elevada à graciosidade pela qualidade de interpretação de seu ator. “Clown Bar”, uma peça divertida, mas que podia ter mostrado mais. Julho de 2012. 57
  • 58. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa “Dona Flor e seus dois maridos” em versão iídiche “Dona Flor e seus dois maridos” subiu ao palco do Grande Auditório Heinz Geyer como uma das peças mais aguardadas deste 25º FITUB. Adaptada do romance homônimo de Jorge Amado por Yoav Szutan e Irad Rubinstein, foi encenada pelos alunos da Yoram Loewenstein Acting School, de Tel Aviv. Dirigida por Irad Rubinstein, despertou curiosidade justamente por se tratar de uma montagem israelense de um texto tão marcadamente baiano, bem como pelo espanto do público ao saber que o mesmo seria falado em iídiche. Com tantos elementos exóticos somando-se ao realismo fantástico e à sensualidade do triângulo amoroso criado por Jorge Amado, não foi difícil prever a casa lotada na noite de sexta-feira, o que efetivamente aconteceu. Um público curioso e entusiasmado acorreu ao Teatro Carlos Gomes para aplaudir, de pé, a despeito das dificuldades de compreender o idioma dos atores e os problemas técnicos com as legendas, uma montagem primorosa e bastante fiel ao texto original. Publicado originalmente em 1966, “Dona Flor e seus dois maridos” conta a história do romance entre Flor e Vadinho, este um vagabundo mulherengo que vivia metido em cassinos e prostíbulos. Apesar de traída e explorada por Vadinho, Flor amava seu marido, amante intenso que sempre foi. Depois que este morreu subitamente em pleno carnaval de Salvador, Flor envolve-se com um farmacêutico casto e tímido, incapaz de satisfazêla sexualmente. Frustrada, inconscientemente chama por Vadinho, que imediatamente acorre do além para atender aos apelos da esposa, provocando uma série de confusões e criando uma espécie de triângulo amoroso. A Montagem dirigida por Rubinstein mantém a estrutura original do romance, bem como sua fábula e seus principais personagens, e parece ter sofrido influência direta do filme homônimo de 1976, dirigido por Bruno Barreto. Leva para o palco os principais elementos identitários da 58
  • 59. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa cultura baiana, tão caros a Jorge Amado. O candomblé, a culinária, o carnaval de rua, o erotismo, bem como a hipocrisia oportunista das elites baianas, estão perfeitamente retratadas na peça israelense. Vale destacar ainda a deferência com que o grupo israelense se relacionou com o texto brasileiro, considerado por eles um clássico de nossa literatura. Cientes das dificuldades que o idioma poderia representar para uma plateia brasileira, e preocupados em estabelecer uma empatia direta com o público, algumas palavras e trechos da peça eram falados em português, principalmente aquelas capazes de despertar um reconhecimento pátrio. Não por acaso, a palavra Bahia bailava exaustivamente na boca dos atores, nativos de um país no qual o sincretismo cultural não é tão intenso quanto no Brasil, o que soava um pouco estranho. Afinal, esperava-se que a simples menção ao estado nordestino pudesse despertar na plateia do FITUB uma simpatia identitária, o que obviamente não aconteceu. A parte isto, os atores conseguiram envolver o público, despertar o riso e tornar o espetáculo perfeitamente inteligível e rico. “Dona Flor e seus dois maridos” trouxe ao palco os ritmos de Salvador, mesclando muito bem o profano e o sagrado. Terreiro, puteiro, cassino e cozinha tomavam a cena sem que houvesse a necessidade de um cenário propriamente dito (salvo a existência de uma pequena mesa com ingredientes da culinária de Salvador, ao canto esquerdo do palco, não há outros elementos cenográficos no espetáculo). A dramaturgia aconteceu principalmente na interpretação dos atores, nos ritmos da percussão capazes de nos devolver ao estado sagrado do primitivo, na iluminação e no figurino – este um espetáculo à parte. Muito interessantes e criativas, também, as soluções encontradas pela direção para responder às necessidades da narrativa. A roleta do cassino, por exemplo, que tanto seduzia Vadinho e o levava à perdição, surgia no palco representada por uma excitante mulher rodando pornograficamente sua saia de cores 59
  • 60. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa alternadas (o rubro e o negro), e que engolia, ao final, as fichas do incauto jogador. Repleto de humor e sensualidade, apresentando soluções dramatúrgicas de grande criatividade, e com atores entregues aos tipos que representavam, “Dona Flor e seus dois maridos”, sob a direção de Irad Rubinstein, surpreendeu, divertiu e mostrou a universalidade de que é capaz a obra de Jorge Amado. Julho de 2012. 60
  • 61. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa “Estufa” O sentido é a ausência de sentidos. Dadaístas já pensavam assim lá no primeiro quartel do século XX, e outros antes, e outros depois. Se na urbanidade monstruosa onde bilhões de vidas nascidas para desaparecer, esbarram-se na incomensurável solidão de multidão, há esta sensação de crescer sob os limites de uma liberdade controlada, sob um sol que se anuncia sobre um filtro, qual plantas que crescem sob estufas. Ainda assim, há a arte que se pretende anúncio daquilo que julga importante; a arte que se pretende ave, mas rasteja nos limites da técnica e da sacralidade teórica; o ator que se deixa manipular títere sob as mãos de um diretor/deus. Afinal, o que dizemos? Afinal, para que dizer? Afinal, o que representa a arte, o que significa o teatro? O Coletivo Kerencaferem, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, trouxe à 25ª. Edição do Festival Internacional de Teatro Universitário de Blumenau o espetáculo “Estufa”, sob direção de Nina Balbi e texto do próprio coletivo. Encenado em espaço alternativo (uma sala de aula), “Estufa” construiu uma ação cênica que tinha como objetivo primeiro discutir o estilo de vida nas estruturas urbanas contemporâneas, mas que resultou principalmente em uma espécie de metateatro. À plateia contorna um cenário que reproduz uma espécie de estufa. Folhas secas cobrem o chão, e plantas pendem do teto. A atmosfera é pesada. Um quadrado sombrio e úmido no qual se desenrola a não-trama. A um dos cantos, uma cadeira na qual um dos personagens (o ancião sábio protagonizado por um ator jovem que propositalmente não faz qualquer esforço para parecer idoso) passará sentado por toda peça. Qual sua função? Não há função. Sobre o chão de folhas secas os demais personagens interminavelmente armam uma espécie de piquenique. A toalha, a louça, os 61
  • 62. Comentários sobre teatro - Viegas Fernandes da Costa talheres. Tudo deve estar exatamente no lugar. Também os próprios personagens/atores necessitam constantemente reafirmar, afinal, os papeis que supostamente representam, em uma espécie de trama dentro da nãotrama. Toda esta ordem, entretanto, esbarra na imposição da desordem, porque esta impera, subterraneamente, e aflora na cena, destruída com violência. O primitivo se impõe, a dor em todos os sentidos protagoniza. Ainda se tenta apelar a uma pretensa razão, e uma voz onisciente (o diretor? Deus? os fatos sociais?) que se anuncia pelo telefone, orienta a ação para que esta funcione. Mas a ação não funciona, e qualquer tentativa de ordenamento esbarra no caos. O caos é tudo que passa a existir, interna e externamente. “Estufa” apresentou uma ótima ambientação cênica e algumas interpretações convincentes, e se seu objetivo, enquanto proposta dramatúrgica, era provocar incômodo e angústia na plateia, conseguiu. Por outro lado, sua linguagem tornou-se por demais cansativa e hermética, distanciando o público e resultando em uma espécie de vazio. Talvez tenha sido justamente esta a intenção da diretora e do grupo; entretanto, cabe questionarmos qual o lugar de um espetáculo como “Estufa” na cena contemporânea. Se, por um lado, esforça-se por anunciar a modernidade absurda que construímos, por outro, esgota-se num experimentalismo já exaustivamente explorado. Ao final restou a frustração com a própria peça, e a sensação de que o teatro morreu. Julho de 2012. 62