1) O governo brasileiro propôs mudanças no ensino médio, incluindo aumento da carga horária, flexibilização do currículo e inserção do ensino técnico. 2) No entanto, há críticas às mudanças como a possível redução de matérias obrigatórias e limitação das opções de escolha dos alunos. 3) O sistema educacional brasileiro como um todo precisa de uma revolução para melhorar os resultados dos alunos, especialmente no ensino básico.
Reforma do ensino médio brasileiro é necessária mas incompleta
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A REVOLUÇÃO NECESSÁRIA AO SISTEMA DE EDUCAÇÃO DO BRASIL
Fernando Alcoforado*
O Ministério da Educação anunciou recentemente uma série de mudanças no ensino
médio brasileiro para entrar em funcionamento no país a partir de 2018. As principais
medidas propostas pelo Ministério da Educação de mudança no ensino médio do Brasil
são as seguintes: 1) flexibilização do currículo escolar; 2) ampliação da carga horária
dos alunos de 800 para até 1.400 horas anuais; 3) inserção do ensino técnico no ensino
médio; 4) o aluno de escola pública deixaria de ter a obrigação de fazer cursos de Artes
e Educação Física; 5) cai a obrigatoriedade do ensino de Espanhol no currículo; 6) deixa
de ser obrigatório o ensino de Sociologia e Filosofia. A mudança proposta pelo governo
Michel Temer teria por objetivo reduzir a evasão escolar e preparar os jovens para o
mercado de trabalho. As mudanças valeriam para escolas públicas e particulares.
Com essa mudança a obrigação atual de estudar 13 disciplinas durante três anos cairia
para o prazo de um ano e meio. Depois, disso, os jovens escolhem os conhecimentos
específicos de cinco áreas: ciências humanas, ciências da natureza, linguagens,
matemática e formação técnica profissional. Essas mudanças propostas pelo governo
Temer ganharam força recentemente depois que o Brasil registrou uma estagnação no
Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (IDEB) desde 2011 e o alarmante
número de evasão escolar que atinge 1,7 milhão de jovens entre 15 e 17 anos que nem
estudam nem trabalham. Todas as mudanças dependerão ainda dos governos estaduais,
que terão a autonomia em definir seus currículos.
Um ponto questionável na proposta de mudanças no ensino médio do Brasil reside no
fato de que as escolas não serão obrigadas a oferecer todas as cinco áreas acima
descritas de formação. Na prática, isso vai limitar as possibilidades de escolha dos
alunos. As mudanças podem resultar, também, em demissões de professores já que
algumas disciplinas como educação física, espanhol, artes, filosofia e sociologia serão
opcionais no novo modelo. Um dos pontos mais polêmicos é tirar a obrigatoriedade
sobre certas matérias, como, por exemplo, tirar Educação Física, Artes, Filosofia e
Sociologia do currículo obrigatório fazendo com que o ensino médio seja mais técnico.
É questionável o fato de as mudanças propostas no ensino médio não considerarem a
valorização de professores ou emprego de tecnologia (computadores) em salas de aula a
exemplo das nações mais desenvolvidas.
A mudança proposta pelo governo de excluir Filosofia e Sociologia é lamentável porque
todos nós sabemos que um dos problemas cruciais da juventude brasileira é a
deficiência na sua formação de cidadão. Filosofia deve ser utilizada na discussão sobre a
ética na política, por exemplo. Sociologia é fundamental para os jovens adquirirem o
conhecimento de como se produzem pobreza e riqueza numa sociedade capitalista.
Junto com Artes e Educação Física, Filosofia e Sociologia são disciplinas que importam
para a vida das pessoas. A solução inteligente para o ensino médio não é a de reduzir o
número de disciplinas obrigatórias, mas a de adotar o ensino transdisciplinar como faz a
Finlândia que aboliu a divisão do conteúdo escolar apenas em disciplinas. A reforma do
ensino médio do governo que propõe o aumento da carga horária e o reforço da
formação técnica profissional são merecedores de aplausos, mas o governo não deixa
claro de onde tiraria recursos para completar essa grade curricular, principalmente no
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momento atual em que propõe o congelamento do gasto público nos próximos 20 anos
com a PEC 241.
É, também, lamentável que a mudança proposta pelo governo Michel Temer não tenha
sido o resultado de um amplo debate com o Congresso Nacional ou com a sociedade
brasileira. O projeto do governo não parte de discussões, não parte de escuta nem da
comunidade escolar e nem acadêmica. É um projeto frágil que vai esbarrar em
resistências do próprio corpo docente e da sociedade brasileira como já está ocorrendo.
O governo federal afirma que está com pressa para alterar a situação de falência do
ensino médio do país pelo fato de o jovem de hoje ter menos conhecimento de
matemática e português do que o do fim da década de 1990, termos 1,7 milhão de
jovens entre 15 e 25 anos que não estudam e nem trabalham e só 18% dos jovens
ingressam no ensino superior.
É questionável pretender solucionar os problemas do ensino médio sem promover
mudanças também na educação básica como um todo (educação infantil, ensino
fundamental e ensino médio). A reforma deveria ser feita, portanto, nas etapas
anteriores do ensino médio que apresentam imensas fragilidades. O Ensino Médio não é
o gargalo da educação. O gargalo está em todo o sistema de educação do País que
requer uma revolução total. É preciso observar que os alunos saem do Ensino
Fundamental muito velhos por causa da repetência de ano, e normalmente com a
proficiência, especialmente em leitura e matemática, muito baixa. Ao chegarem ao
Ensino Médio, os alunos não conseguem ir adiante e desistem. No ranking do ensino
médio atrelado a programas de educação profissional, o Brasil vai mal. É o terceiro país
com menos alunos nessa modalidade, perdendo apenas para Irlanda e Arábia Saudita.
Cerca de 9% dos jovens de 15 a 19 anos matriculados no ensino médio frequentam o
ensino profissionalizante no país, enquanto a média da OCDE é de 40%. Os jovens de
15 a 29 anos que não estudam nem trabalham, conhecidos como “nem-nem”, somam
pouco mais de 20% no Brasil, acima da média da OCDE, de 16%.
É questionável, também, o fato de o governo federal não promover a reforma da
educação do Brasil como um todo, incluindo o ensino superior, que impede o
desenvolvimento do País por apresentar grandes fragilidades. A Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) apresentou o índice de
desenvolvimento da Educação de 128 países. O Brasil aparece na incômoda 88ª posição,
perto de Honduras (87ª), Equador (81ª) e Bolívia (79ª) - e longe dos nossos vizinhos
Argentina (38ª), Uruguai (39ª) e Chile (51ª). O fato de o governo brasileiro alocar mais
dinheiro público nas universidades do que no ensino fundamental e médio é uma
distorção que tende a reforçar as fragilidades da educação básica. Ainda na repartição
dos recursos, as verbas destinadas ao ensino médio superam as do ensino fundamental e
os efeitos disso aparecem nos números do IBGE. Enquanto que a população na escola
com 10 anos ou mais é de 94,6%, ou quase universal, a quantidade de pessoas fora da
escola entre 4 e 7 anos é grande (- 31%), ou 4,1 milhões de pessoas.
As fragilidades do ensino fundamental e médio no Brasil são evidenciadas pelos
resultados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) que busca medir o
conhecimento e a habilidade em leitura, matemática e ciências de estudantes com 15
anos de idade tanto de países industrializados membros da OCDE como de países
parceiros. Por sua vez, as debilidades do ensino superior no Brasil são demonstradas
pelo ranking das universidades em todo o mundo realizado pelo THE (Times Higher
Education) que avalia o desempenho dos estudantes universitários e a produção acadêmica
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nas áreas de engenharia e tecnologia, artes e humanidades, ciências da vida, saúde, física e
ciências sociais e considera ainda pesquisa, transferência de conhecimento e perspectiva
internacional, além do ambiente de ensino.
De acordo com dados do PISA, em 2012, o Brasil ficou com a 55ª posição do ranking
de 65 países em leitura. Em ciências, o Brasil obteve o 59° lugar do ranking.
Matemática foi a única disciplina em que os estudantes brasileiros do ensino
fundamental e médio apresentaram avanço no desempenho, ainda que pequeno. A
melhora não foi suficiente para que o país avançasse no ranking e o Brasil caiu para a
58ª posição em matemática. As fragilidades do sistema de ensino no Brasil acontecem
também no ensino superior. As universidades brasileiras também estão mal avaliadas no
ranking universitário internacional do THE (Times Higher Education), o principal da
atualidade. USP e Unicamp, por exemplo, nossas melhores universidades, decaíram no
ranking. A USP, única do Brasil que figurava entre as 200 melhores do mundo, passou
de 158º lugar em 2012 para o grupo de 226º a 250º. A Unicamp também caiu e passou
de 251º a 275º (em 2012) para 301º a 350º.
As fragilidades do ensino superior no Brasil acontecem, entre outros fatores, devido às
fraquezas existentes no ensino fundamental e médio que não prepara os estudantes com
capacitação suficiente para frequentarem os cursos universitários. Esta é a principal
razão pela qual ocorre grande evasão de alunos em vários cursos oferecidos pela
Universidade brasileira. No ensino da engenharia no Brasil, dos 150 mil alunos
admitidos nos exames de admissão ao curso, apenas 32 mil são diplomados. Além de
lidar com alunos despreparados oriundos do ensino médio, a Universidade pública lida
com a carência de recursos que limita sua atuação e, sobretudo, devido à falta de um
consistente plano nacional de educação. Fazendo analogia do ensino superior com a
construção de um edifício e da educação básica com o alicerce ou fundação do edifício,
pode-se afirmar que o edifício só terá condições de alcançar maiores alturas se possuir
um robusto alicerce que lhe dê sustentação, enquanto o ensino superior só terá grande
desenvolvimento se a educação básica for bem estruturada e lhe dê sustentação. Para
erguer um edifício, é preciso primeiro fazer o alicerce. Para o aluno ter sucesso no
ensino superior, é preciso que tenha uma educação básica de qualidade.
Como ocorre nos melhores sistemas de educação do mundo, o governo deveria priorizar
a educação básica e, só quando esta se tornar universal, deveria destinar recursos para o
ensino superior. É preciso ressaltar que o pilar que sustenta a educação diz respeito à
seleção e formação de professores de ponta, com reconhecimento profissional e boas
condições de trabalho como ocorre nos melhores sistemas de educação do mundo. Na
Finlândia, por exemplo, onde se pratica a melhor educação no mundo, a carreira do
magistério atrai a elite dos estudantes. Os melhores alunos viram professores na
Finlândia. Enquanto isto, no Brasil, ocorre o “apagão de professores” sendo cada vez
menor a quantidade de estudantes que procuram cursos de licenciatura.
Consequentemente, o Brasil tem formado cada vez menos docentes.
Os docentes brasileiros sentem “alta necessidade” de se qualificar para lidar com alunos
especiais (62,5%). É também elevada a quantidade de professores (27,5%) que se
ressentem de treinamento para usar recursos de tecnologia em sala de aula. Pouco mais
de 6% reclamam de qualificação na própria área de ensino. Alcançar a qualidade não é
uma tarefa fácil. Requer tempo e ações integradas, da formação de professores à
infraestrutura, da questão salarial à gestão escolar. A Educação é basicamente salário.
Em qualquer lugar do mundo, cerca de 80% do que se gasta é com salário de
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professores e dos outros profissionais da educação. Com mais recursos, é possível atrair
melhores profissionais.
A estratégia mais adequada para o fortalecimento do sistema de educação no Brasil
seria, portanto, o de oferecer uma base sólida de conhecimentos aos alunos na educação
básica a fim de prepará-los para adentrar o ensino superior que deveria apresentar duas
vertentes: 1) as Universidades para uma formação mais voltada para a pesquisa; e, 2) os
Institutos Politécnicos voltados para uma formação mais orientada para a prática, tendo
como objetivo formar profissionais capazes de responder aos novos desafios do
mercado de trabalho. Esta é a estratégia adotada pela Finlândia que possui 20
universidades e 33 institutos politécnicos onde se pratica a melhor educação no mundo.
Lá existem dez universidades multidisciplinares, três universidades de tecnologia, três
escolas de economia e gestão e quatro academias de arte. Na Finlândia, existem 33
Institutos Politécnicos, sendo a maior parte deles instituições multidisciplinares e de
caráter regional, que dão particular atenção aos contactos com a indústria e comércio
locais.
A catastrófica situação em que se encontra o sistema de ensino no Brasil demonstrada
pelo PISA e THE está a exigir que se realize uma verdadeira revolução na educação. A
construção de um futuro radioso para o Brasil depende, em grande medida, do que seja
feito no campo da educação. A educação é o fator chave para o progresso do Brasil.
Urge a eclosão de uma revolução nos métodos ou na pedagogia do ensino fundamental e
médio no Brasil levando em conta a experiência bem sucedida de países como a
Finlândia, Coreia do Sul e Japão, entre outros, bem como os ensinamentos de Anisio
Teixeira, Paulo Freire e Edgar Morin. Ao revolucionar os métodos de ensino seriam
criadas as condições para multiplicarmos o número de educandos no Brasil capacitados
a interpretar a realidade em que vivem e transformar o Brasil e o mundo. O Brasil está
muito distante de atender o que estabelece os melhores sistemas de educação do mundo.
O Brasil precisa dar um salto de qualidade em educação.
Para dar este salto de qualidade, é preciso investir prioritariamente em educação no
Brasil. No ranking de Desenvolvimento da Educação uma questão é inevitável: um
maior investimento é necessário para melhorar a aprendizagem do aluno. O Brasil está
nas últimas posições quando o assunto é o valor investido anualmente por aluno. Em
2012, foram investidos US$ 3.441 por estudante da rede pública brasileira, do ensino
básico ao superior, montante que corresponde a 37% da média dos 34 países que
compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
que é de US$ 9.317. No topo da lista está Luxemburgo (US$ 21.998) e Suíça (US$
15.859). Atrás do Brasil, apenas México (US$ 3.233), Turquia (US$ 3.072), Colômbia
(US$ 2.898) e Indonésia (US$ 1.809). De acordo com pesquisa internacional, valor
gasto por aluno no Brasil é o 2º mais baixo entre todos os países mapeados. O ensino
superior brasileiro recebe 3,4 vezes mais recursos do que os anos iniciais do ensino
fundamental. Na média da OCDE, esse investimento é 1,8 vezes maior. O Governo
Federal é um ente federado que participa pouco do investimento na educação no Brasil.
Segundo o INEP, em 2012, a cada R$ 1 investido em educação, os municípios
colocaram R$ 0,42, os Estados despenderam R$ 0,40 e a União investiu apenas R$ 0,18.
O governo federal investe pouco em educação porque 45% do orçamento da União está
comprometido com o pagamento dos juros e amortização da dívida pública. PEC 241/55
comprometerá ainda mais os gastos públicos com educação, saúde, etc. no futuro.
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*Fernando Alcoforado, 76, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor
universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento
regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo,
1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do
desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de
Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento
(Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos
Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the
Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller
Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe
Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e
combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011),
Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012),
Energia no Mundo e no Brasil- Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV,
Curitiba, 2015) e As Grandes Revoluções Científicas, Econômicas e Sociais que Mudaram o Mundo
(Editora CRV, Curitiba, 2016). Possui blog na Internet (http://fernando.alcoforado.zip.net). E-mail:
falcoforado@uol.com.br.