Os britânicos tomaram a decisão de se separarem da União Europeia, o bloco político e econômico que hoje congrega 28 países e ao qual aderiram em 1973. A negociação da ruptura do Reino Unido com a União Europeia deve levar dois anos. A opção por deixar a União Europeia venceu por 51,9% a 48,1%, abalando mercados financeiros e provocando uma onda de choque e incredulidade global. Há o risco de efeito dominó em outros países do bloco, que podem imitar a consulta popular para barganhar vantagem em negociações com a União Europeia, além de impulsionar os movimentos separatistas como o escocês e o catalão.
SOCIAL REVOLUTIONS, THEIR TRIGGERS FACTORS AND CURRENT BRAZIL
União Europeia rumo ao desmantelamento
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UNIÃO EUROPEIA RUMO AO DESMANTELAMENTO?
Fernando Alcoforado*
Os britânicos tomaram a decisão de se separarem da União Europeia, o bloco político e
econômico que hoje congrega 28 países e ao qual aderiram em 1973. A negociação da
ruptura do Reino Unido com a União Europeia deve levar dois anos. A opção por deixar
a União Europeia venceu por 51,9% a 48,1%, abalando mercados financeiros e
provocando uma onda de choque e incredulidade global. Há o risco de efeito dominó
em outros países do bloco, que podem imitar a consulta popular para barganhar
vantagem em negociações com a União Europeia, além de impulsionar os movimentos
separatistas como o escocês e o catalão.
Desde o início do debate no Reino Unido sobre sua permanência ou afastamento da
União Europeia, a questão da imigração sempre teve grande apelo popular. Os que
querem sair do bloco defendem um controle maior da entrada de europeus no Reino
Unido que, segundo eles, sobrecarregam os sistemas carcerário e de saúde, além de
impactar negativamente no mercado de trabalho. Outra questão objeto das discussões
diz respeito à entrada de refugiados na Europa e, em particular, na Grã-Bretanha que
atingiu grandes proporções nos últimos anos, além do risco da entrada de terroristas
entre eles.
É oportuno observar que, em 1948, quando se deu início aos debates sobre a integração
europeia, haviam vários objetivos: 1) evitar que a Europa voltasse a ser palco de uma
nova guerra; 2) fortalecer a economia dos países da Europa Ocidental constituindo um
bloco econômico para se contrapor ao bloco econômico de países socialistas formado
após a 2ª Guerra Mundial e barrar o avanço do comunismo na Europa Ocidental da
mesma forma que a OTAN se contrapunha ao Pacto de Varsóvia no plano militar; e, 3)
fortalecer a economia dos países da Europa Ocidental para evitar que se tornasse
colônia econômica e tecnológica das empresas norte-americanas e japonesas. Não há
dúvidas de que os três objetivos foram atingidos. A Europa deixou de ser palco de
guerras como no passado e houve fortalecimento da economia da União Europeia.
O fortalecimento da economia da Europa Ocidental teve início com o Ato Único
Europeu de 1987 que estabeleceu os passos rumo à constituição de um verdadeiro
mercado unificado em 1992. Ao decidir pela criação da moeda única, “Euro”, e do
Instituto Monetário Europeu, bem como pela harmonização das políticas fiscais dos
países integrantes da União Europeia, o Tratado de Maastricht também conhecido como
Tratado da União Europeia, assinado a 7 de fevereiro de 1992 na cidade holandesa de
Maastricht por dirigentes de 12 nações europeias, estabeleceu o compromisso de
unificação total da economia europeia. A União Europeia (EU) passou a ser
essencialmente organizada como uma rede de estados nacionais que envolve mais a
concentração e o compartilhamento de soberania do que a transferência de soberania
para um nível mais alto.
Diante desses desenvolvimentos, a retórica inicial da União Europeia sobre
“compartilhar a soberania” foi cada vez mais vista pelas populações dos estados
membros como “perder a soberania”. Uma reação nacionalista vem crescendo na
Europa há mais de duas décadas por conta do processo de integração europeia que é
visto como prejudicial aos interesses nacionais. É crescente o número de europeus que
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não estão dispostos a abandonar suas identidades nacionais. Em vários países, suas
populações descobriram que a integração europeia retira o poder dos cidadãos das
nações europeias. Além disso, a integração europeia é vista como algo que não é feita
por eles e sim pelas classes dominantes da Europa e os tecnoburocratas enquistados em
Bruxelas, sede da União Europeia. Isto explica a saída britânica da União Europeia.
A unificação europeia vem gerando resistências porque o processo de integração
econômica coincide com a queda nos padrões de vida, com a expansão do desemprego e
com maior desigualdade social da década de 1990 até o momento atual. Ante a
incapacidade da União Europeia de atender as demandas dos cidadãos europeus pela
elevação do seu nível de renda, a redução do desemprego, a diminuição das
desigualdades sociais e o aumento da participação do cidadão nas decisões no âmbito
supranacional, os cidadãos entrincheiram-se em seus países e cada vez mais lutam para
consolidar suas nações. A expansão do nacionalismo cresce celeremente na União
Europeia pela incapacidade que esta apresenta de administrar e acomodar as demandas
nacionais. No contexto das sociedades democráticas, a Europa só será unificada com
efetividade se os interesses de cada nação e de seus cidadãos forem atendidos.
Partes significativas da população da Europa tendem a afirmar suas nações contra a
União Europeia como ocorreu recentemente com a decisão do povo do Reino Unido em
se afastar do bloco econômico. Neste contexto, cresce, também, o racismo e a
xenofobia. A capacidade de influenciar dos cidadãos nas decisões sobre política
econômica na União Europeia não existe porque não há, praticamente, nenhum canal
efetivo de participação do cidadão nas instituições europeias. Quem decide sobre
política econômica é o Banco Central europeu. Na prática, a integração europeia
aconteceu sem legitimidade democrática. A existência de eleição direta para o
Parlamento Europeu significou um “by-pass” nas classes políticas e parlamentos dos
estados membros. O Parlamento Europeu não desenvolveu a capacidade para obter o
consentimento das populações dos estados membros da União Europeia.
Na medida em que a União Europeia demonstre incapacidade no atendimento das
demandas das populações de cada nação, a saída de países membros do bloco
econômico é uma possibilidade real. Para evitar seu desmantelamento, a União
Europeia precisa promover uma expansão econômica agressiva na zona do Euro, por
meio, inclusive, do abrandamento imediato da política monetária do Banco Central
Europeu, bem como do apoio forte aos países que enfrentam problemas de dívida
pública sem liquidez. Além do sucesso das medidas econômicas na superação da crise
atual, é preciso que a União Europeia seja governada democraticamente pelos cidadãos
europeus para evitar sua dissolução. Finalmente, tem que equacionar e resolver
urgentemente o problema dos refugiados das guerras na Síria, Iraque e Líbia, bem como
do terrorismo no âmbito dos países da União Europeia.
Trata-se, portanto, de um imenso desafio de difícil superação promover o
desenvolvimento da economia de todos os países da União Europeia na conjuntura atual
de crise generalizada do sistema-mundo capitalista. O desafio de superação dos
problemas econômicos soma-se aos problemas humanitários de ajuda aos refugiados e
aos problemas políticos e militares de combate ao terrorismo dentro e fora do território
da União Europeia. Diante da impossibilidade de impedir o fluxo de refugiados para a
Europa devido à inviabilidade de seu retorno aos países de origem, não resta à União
Europeia e aos Estados Unidos a não ser recepcionar a todos que aspiram se afastar das
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áreas de conflito de onde vieram. Os Estados Unidos e a União Europeia que foram
responsáveis pela desorganização e devastação dos países dos refugiados têm o dever
moral de assisti-los e abrigá-los na atual conjuntura. A ONU tem que sair também de
sua passividade e passar a atuar com efetividade para evitar o agravamento desta crise
humanitária. O combate ao terrorismo tem que ocorrer no plano militar nas áreas
dominadas pelo Estado Islâmico, mas deve ser seguido, também, de iniciativas voltadas
para a melhoria das condições de vida dos povos afetados pelos conflitos na Síria,
Iraque e Líbia.
*Fernando Alcoforado, 76, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em
Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor
universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento
regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São
Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo,
1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do
desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de
Barcelona,http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento
(Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos
Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic
and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft &
Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e
Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento
global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes
do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no Brasil-
Energia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015). Possui blog na
Internet (http://fernando.alcoforado.zip.net). E-mail: falcoforado@uol.com.br