No passado, o Brasil tinha altas taxas de retenção escolar, com mais da metade dos estudantes repetindo pelo menos um ano. Isso refletia as condições socioeconômicas do país e uma "cultura da reprovação" na qual se acreditava que reter estudantes melhoraria o aprendizado, embora estudos mostrem o contrário. Agora, as escolas tentam adotar uma "filosofia do sucesso" e centrar-se na aprendizagem dos estudantes, não na reprovação.
1. A CULTURA DA REPROVAÇÃO
ESCOLAR
A preocupação de alguns educadores, na eventual extinção do
sistema de ciclos, na progressão continuada, recai, principalmente,
sobre a volta da repetência indiscriminada. Como sabemos, o Brasil
detinha recordes de retenção, entre os maiores, da América Latina.
Dados da Unesco revelaram que tínhamos o maior percentual de
repetência na 1.ª série do 1.º grau (54%), superando a Colômbia
(43,8%), Bolívia (38,4%), Peru (29%), Equador (28,2%) e Paraguai
(27,6%).
O censo educacional de 1996 mostrou que no ensino fundamental,
para cada 100 alunos que entravam na 1.ª série, 44 repetiam algum
ano. A conclusão da 5.ª série era de apenas 56% das crianças que
ingressavam na 1.ª série. No 2.º grau, a repetência atingia 34% dos
alunos da 1.ª série.
Percebemos que a preocupação desses educadores é procedente.
Contudo, a escola de hoje, sobrepujando os métodos tradicionais de
ensino, é capaz de eliminar essa preocupação. Admite a repetência em
última instância, como nos casos de imaturidade, quando a criança
precisa de um tempo maior para compreender conceitos básicos.
Nesse ponto, a repetência pode até ser útil ao desenvolvimento da
criança. Admite ainda a reprovação, quando o aluno não conseguiu
adquirir um currículo mínimo obrigatório, quando, após um determinado
período de estudos, não conseguiu atingir nem mesmo os objetivos
essenciais, as habilidades básicas para que as outras habilidades,
hierarquicamente superiores, possam ocorrer.
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2. O grau de repetência revela o grau de cultura dos diferentes povos,
porque repetência é reflexo da conjuntura socioeconômico-cultural de
um país. No Brasil, além das causas inerentes a essa conjuntura,
permanecia a arraigada cultura da repetência; repetia-se o aluno
supondo melhorar o seu conhecimento. Estudos têm demonstrado que
ocorre justamente o contrário. Com a repetência, o aluno distancia-se
de seu grupo, passa a conviver com colegas mais novos e a sentir-se
deslocado. Há a perda da auto-estima e como conseqüência, no lugar
do reforço da aprendizagem, o que se constata é a apatia, o
desinteresse; ao invés de se desenvolver, estaciona ou regride.
Vê-se, hoje, a repetência como ponto negativo, revelando
deficiência da estrutura pedagógica da escola. Ela ocorre, em grande
escala, quando o aluno foi pouco estimulado, quando o ensino não foi
ajustado ao seu ritmo, ao seu perfil, a seus interesses. A escola não
conseguiu ensinar este aluno a aprender, a transformá-lo em estudante.
A escola não ajustou a realidade do fato pedagógico à realidade do
aluno. Reforço esse tema no próximo assunto: “A Repetência Escolar”
e, principalmente, no capítulo sobre Educação Especial, o item
“Dificuldade de Aprender”.
Compatibilizando-se à metodologia renovadora, a escola passa a
cultivar a filosofia do sucesso, a abraçar a idéia de que ela é um lugar
de inclusão, não de exclusão. A escola passa a centrar seu objetivo na
aprendizagem e não no ensino.
Porém, constatamos, pesarosos, que esses princípios inovadores
não alcançam grande parte das escolas. Entram em choque com suas
condições estruturais e com a formação docente, marcada por forte
estagnação.
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3. Na cultura da repetência, era manifesto o método autocrático da
avaliação, que deixava ao professor uma ampla margem de arbítrio.
Julgava-se o desempenho do aluno em função do que o próprio
professor sabia e que acreditava ter transmitido. Se o aluno assimilara
tudo o que fora ensinado, fazia jus à nota máxima e zero a quem não
aprendera nada. Contudo, o mau uso dos poderes conferidos ao
professor deflagrou uma reação contra a adoção de padrões
apriorísticos de avaliação, que pecavam, principalmente, pela
subjetividade. Com esse critério, poderia ocorrer que tanto um
professor benevolente aprovasse a todos, quanto um professor
rigoroso, prepotente, reprovasse em massa. “Pertencem ao folclore
pedagógico os casos de professores que só atribuíam nota máxima a
quem soubesse tanto quanto, ou até mesmo mais do que eles
próprios”. (R. A. Di Dio)
Ainda hoje, professores há que, continuando presos ao ranço da
escola tradicional, não superaram o sentido da avaliação centrada no
professor, já, há tempos, abolida pela escola. Ainda impactados pela
escola do passado, temem, com a extinção do sistema de ciclos, a volta
massificante da reprovação.
Mas, tudo é uma questão de formação docente. O professor que
não evoluiu não vai empregar um método salutar, nem na progressão
continuada, nem em sistema nenhum. Lutar contra a reprovação é,
hoje, convicção educacional amadurecida. Os passos pedagógicos
apregoados pelo sistema de ciclos, nas mãos de um professor
competente, serão bem empregados, seja neste sistema, seja em outro
qualquer, pois eles não são exclusivos da progressão continuada, mas
aplicáveis a qualquer sistema.
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4. A pedagogia renovadora estende o seu olhar para o sucesso do
aluno, assinala progressos individuais. Coloca o foco da aprendizagem
na originalidade e na unicidade do aluno. Chama a atenção para a
faceta mais importante da avaliação que, em certas circunstâncias,
é o potencial do educando, preconiza que, no ensino fundamental, a
aferição do conhecimento deve ser feita em função das aptidões do
aluno.
“Importa pouco, no ensino fundamental, a posição relativa do aluno
em seu grupo – avaliação normativa – e o grau do desempenho que
atingiu. O que sobreleva, a qualquer outra consideração, é o fato de ter
ele transformado em ato seu potencial. Se as virtualidades do aluno
forem realizadas, ele deve ser promovido”. (R. A. Di Dio)
A escola competente não dá mais lugar à reprovação. Ela se
estruturando pedagogicamente, renovando os seus métodos de ensino,
jamais voltará à cultura da repetência.
Se o sistema de ciclos, na progressão continuada, está provocando
desordem na escola, com falta de espaço para as recuperações, para
as aulas de reforço e com ausências freqüentes, nessas atividades, dos
professores regentes de classe, lançando-se mão de substitutos; se os
professores estão encontrando dificuldades em acompanhar
devidamente o aluno, nesse período maior de tempo que os ciclos
impõem, dificuldade, inclusive, de registros fidedignos dos avanços e
dos recuos dos alunos e se não estão conseguindo obter um resultado
satisfatório do rendimento escolar, por que não o substituir por um outro
regime?
Os ciclos, na progressão continuada, têm sido marcados, ao longo
de sua implantação, por insatisfações generalizadas, de escolas,
professores, pais, com frisante defasagem entre o conteúdo proposto e
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5. o grau de aprendizagem dos alunos, gerando, por si só, uma profecia
auto-realizadora negativa, culminando em nefasto resultado do
processo de ensino-aprendizagem.
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6. o grau de aprendizagem dos alunos, gerando, por si só, uma profecia
auto-realizadora negativa, culminando em nefasto resultado do
processo de ensino-aprendizagem.
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