1. EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA
INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DA COMARCA DE (juiz a que é dirigida - CPC, art.
282, I)
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO
PAULO, por seu Promotor de Justiça, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência,
com fundamento no artigo 101, §2º do ECA, com a nova redação da Lei 12.010/09, c.c. artigo
798 do Código de Processo Civil, propor a presente
AÇÃO CAUTELAR INOMINADA
COM PEDIDO LIMINAR
em face de (os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência dos
genitores ou detentores da guarda ou tutela da criança/adolescente em situação de risco
– CPC 282,II), para a defesa dos interesses de (qualificar a criança/adolescente em situação
de risco), para fazer cessar danos que vem sendo causados aos seus direitos fundamentais, em
razão dos fatos e fundamentos que passa a expor:
2. I – Da situação de risco:
A requerida x é genitora de y
Outrossim, conforme informações do Conselho Tutelar de ...
(documento incluso), na data de 7 de julho de 2009, o órgão foi acionado pela Pedagoga
Comunitária da Escola Municipal .... que noticiava a realização de visita na residência da
requerida e a constatação de situação de abandono dos adolescentes e crianças residentes no
local, pois foram encontrados sozinhos, sujos, sem camisas e com aparente problema de
saúde, tanto que uma das crianças apresentava inflamação no ouvido.
Na mesma data os Conselheiros foram ao local e encontraram
uma casa sem portão ou porta, fechada apenas por uma cortina presa a madeiras e um
pequeno quadrado para passagem. Adentrando ao imóvel, constataram um forte odor,
ausência de mobílias e fiação exposta, sendo que as crianças estavam tomando banho gelado,
em um banheiro escuro. Na ocasião a requerida estava no local e relatou que o genitor das
crianças é falecido e recebe, a título de pensão, o valor de R$1.790,00 (um mil, setecentos e
noventa reais). Na seqüência, advertiram a requerida ... quanto às condições ali encontradas,
quando então ela se comprometeu a melhorar as condições de higiene e moradia.
Realizada a visita inicial, o Conselho Tutelar acionou o CRAS ...
para que acompanhasse o grupo familiar, mas logo no inicio de setembro p.p, a Assistente
Social do serviço informou que por duas vezes tentou promover visitas ao local, sendo
impedida pela requerida.
Assim sendo, em 11 de setembro p.p., o Conselho Tutelar
promoveu nova visita ao local, desta vez acompanhados pela Assistente Social do CRAS,
quando então, foi permitida a entrada no local, sendo constatada a mesma condição anterior,
com as crianças deitadas no chão, em colchonetes, com sinais de resfriado e escabiose. A
3. requerida foi novamente orientada quanto às condições do local, sendo agendado novo
atendimento no CRAS ....
Entretanto, a requerida não compareceu no atendimento
agendado e em outras duas oportunidades os técnicos do CRAS ... tentaram promover nova
visita ao grupo familiar, não obtendo êxito em razão da ausência da genitora.
Some-se a isso os relatórios elaborados pelas unidades escolares
que atende parte do grupo familiar, onde foram atestadas diversas faltas, ausência de adesão
às orientações e constatação de situação de abandono das crianças.
Assim, diante das noticias apresentadas pelo Conselho Tutelar,
podemos afirmar que as crianças e adolescentes indicados estão em situação de risco, pois
embora o grupo familiar seja beneficiado com pensão deixada pelo genitor, há indícios de que
os valores não estão sendo utilizados em favor dos beneficiários.
Ademais, mesmo que a situação econômica fosse diferente, as
ações promovidas pela rede de serviços não foram suficientes para minorar a situação de
risco, pois a requerida não aderiu às orientações e encaminhamentos.
II – Da família extensa.
O afastamento da convivência familiar e o acolhimento
institucional ou familiar são medidas extremas e excepcionais, razão pela qual, antes de adotá-
las, faz-se necessário a análise da possibilidade de colocação das crianças ou adolescentes
tutelados na família extensa1
.
1
ECA, art. 25, Parágrafo único, com a nova redação da Lei 12.010/09. Entende-se por família extensa ou
ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes
próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. (NR)
4. Entretanto, apesar das diversas diligências promovidas pela rede
de serviços, até o momento não foi possível apurarmos a existência de outros familiares, o que
inviabiliza a colocação das crianças e adolescentes em família extensa.
III – Do Direito:
Em nível de direito material dá supedâneo ao presente
pedido a Lei 8069/90, em especial o art.5º, dispondo que nenhuma criança ou adolescente
será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos
seus direitos fundamentais.
No plano do direito instrumental dá azo à pretensão o
§2º, do art. 101 do ECA, com a nova redação da Lei 12.010/09, que determina a deflagração,
a pedido do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse, de procedimento judicial
contencioso, no qual se garanta aos pais ou ao responsável legal o exercício do contraditório e
da ampla defesa, sendo vedada a adoção do procedimento previsto no art.153 do ECA2
, por
força do disposto no parágrafo único do mesmo artigo3
.
Outrossim, diante da natureza cautelar da medida a ser
postulada, impõe-se a aplicação do procedimento previsto nos arts.796 e 798 do CPC4
.
2
Art. 153. Se a medida judicial a ser adotada não corresponder a procedimento previsto nesta ou em outra lei, a
autoridade judiciária poderá investigar os fatos e ordenar de ofício as providências necessárias, ouvido o
Ministério Público.
3
Art. 153, Parágrafo único - O disposto neste artigo não se aplica para o fim de afastamento da criança ou do
adolescente de sua família de origem e em outros procedimentos necessariamente contenciosos.
4
Art. 796. O procedimento cautelar pode ser instaurado antes ou no curso do processo principal e deste é sempre
dependente.
Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste
Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de
que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.
5. IV - Da lide e seu fundamento:
Nos termos do artigo 801, inciso III, do CPC, o requerente
pleiteará a medida cautelar em petição escrita, que indicará a lide e seu fundamento.
A exigência do artigo 801, III do CPC, refere-se à indicação da
lide principal, para que se tenha idéia da instrumentalidade hipotética e do fumus boni iuris
essenciais ao deferimento da medida.
No caso presente, conforme se depreende da narrativa dos fatos,
a situação do grupo familiar depende da efetiva adesão da requerida às orientações
promovidas pela rede de serviços, possibilitando, assim, o restabelecimento do convívio
familiar.
Outrossim, caso não haja a adesão pretendida, as crianças e
adolescente deverão ser colocadas em família substituta, na forma de guarda, tutela ou
adoção.
Destarte, na hipótese de impossibilidade de restabelecimento da
convivência familiar – situação esta que somente poderá ser aferida após a apresentação de
Plano Individual de Atendimento conclusivo - pretende o Ministério Público, em ação
própria, postular a suspensão ou destituição do poder familiar.
Ressalto, por oportuno, que o prazo previsto no art.806 do CPC5
deverá ser contado da apresentação do Plano Individual de Atendimento Conclusivo, pois
somente após as intervenções necessárias poderemos apreciar o cabimento da medida mais
conveniente aos interesses das crianças e adolescentes.
5
Art. 806. Cabe à parte propor a ação, no prazo de 30 (trinta) dias, contados da data da efetivação da medida
cautelar, quando esta for concedida em procedimento preparatório.
6. V - Do direito ameaçado e o receio de lesão:
Conforme registrado nos itens anteriores, as crianças estão em
situação de risco e a requerida está impedindo a intervenção da rede de serviços, sendo esta a
razão da presente ação.
Assim, para se fazer cessar a situação de risco mencionada e
promover o restabelecimento do convívio familiar ou a colocação em família substituta,
necessário se faz a concessão de medida cautelar que possibilite o afastamento da convivência
familiar.
Portanto, encontram-se presentes os pressupostos da
medida cautelar, quais sejam, o "periculum in mora" e o "fumus boni iuris".
O "periculum in mora" encontra-se na probalidade de
dano às crianças e adolescentes, cujos cuidados estão sendo negligenciados pela requerida.
O "fumus boni iuris" está amparado nos fatos e
fundamentos já apresentados e, especialmente, nas intervenções promovidas pela rede de
serviços visando a cessação da situação de risco e total ausência de adesão por parte da
requerida.
Percebe-se, pois, a presença de "periculum in mora" e
"fumus boni juris", impondo-se o afastamento das crianças e adolescentes do convívio
familiar, como medida instrumental ao futuro restabelecimento ou colocação em família
substituta.
VI - Dos pedidos:
7. Diante do exposto, no intuito de zelar pelo bem-estar das
crianças e adolescentes e também com vistas ao interesse público local, requeiro seja o
presente pedido e os documentos anexos autuados em apenso ao pedido de providências a
ser instaurado para análise da conveniência e necessidade de aplicação de alguma medida de
proteção (art. 101 do E.C.A.), requerendo:
1 – A concessão liminar da medida cautelar, "inaudita altera
parte", determinando-se:
a) o afastamento de (qualificar as crianças/adolescentes em situação de risco) do convívio
familiar com a requerida;
b) seja expedido o devido MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO de (qualificar as
crianças/adolescentes em situação de risco), a ser cumprido no endereço da requerida ou no
endereço onde estiver a criança/adolescente, devendo a diligência ser realizada por Oficial de
Justiça acompanhado do Conselho Tutelar;
c) a aplicação da medida de proteção prevista no artigo 101, VII, do Estatuto da Criança e do
Adolescente (acolhimento institucional), observando-se o disposto no §3º, do art.101, do
ECA6
, autorizando-se, entretanto, a visitação das crianças e adolescentes pela genitora nos
horários e dias estabelecidos pelo abrigo (analisar a conveniência ou não da fixação de
visitas);
6
§ 3º Crianças e adolescentes somente poderão ser encaminhados às instituições que executam programas de
acolhimento institucional, governamentais ou não, por meio de uma Guia de Acolhimento, expedida pela
autoridade judiciária, na qual obrigatoriamente constará, dentre outros:
I - sua identificação e a qualificação completa de seus pais ou de seu responsável, se conhecidos;
II - o endereço de residência dos pais ou o responsável, com pontos de referência;
III - os nomes de parentes ou de terceiros interessados em tê-los sob sua guarda;
IV - os motivos da retirada ou da não reintegração ao convívio familiar.
8. 2 – a citação da requerida para que, no prazo de cinco dias
(CPC, art.802)7
, ofereça a defesa que entender de direito, sob pena de revelia;
3 - a procedência da ação cautelar para o fim de suspender a
convivência familiar até o restabelecimento desta ou sentença final da ação principal de
suspensão ou destituição do poder familiar, a ser proposta no prazo do art.806 do CPC,
contados a partir da apresentação do Plano Individual de Atendimento Conclusivo do caso;
4 – Cumprida a medida liminar pretendida, seja o abrigo
intimado, na pessoa de seu dirigente, a apresentar Plano Individual de Atendimento,
observado o disposto nos §§4º, 5º e 6º, do art.101, do ECA8
, sem prejuízo da resposta ao
questionário apresentado no ANEXO I da presente inicial.
Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em
direito admitidos, especialmente juntada de documentos, perícias, oitiva de testemunhas.
Dá-se à presente o valor de R$ 100,00 (cem reais).
7
Art. 802. O requerido será citado, qualquer que seja o procedimento cautelar, para, no prazo de 5 (cinco) dias,
contestar o pedido, indicando as provas que pretende produzir.
8
ECA, art.101, § 4º Imediatamente após o acolhimento da criança ou do adolescente, a entidade responsável
pelo programa de acolhimento institucional ou familiar elaborará um plano individual de atendimento, visando
a reintegração familiar, ressalvada a existência de ordem escrita e fundamentada em contrário de autoridade
judiciária competente, caso em que também deverá contemplar sua colocação em família substituta, observadas
as regras e princípios desta Lei.
§ 5º O plano individual será elaborado sob a responsabilidade da equipe técnica do respectivo programa
de atendimento e levará em consideração a opinião da criança ou do adolescente e a oitiva dos pais ou do
responsável.
§ 6º Constarão do plano individual, dentre outros:
I - os resultados da avaliação interdisciplinar;
II - os compromissos assumidos pelos pais ou responsável; e
III - a previsão das atividades a serem desenvolvidas com a criança ou com o adolescente acolhido e seus
pais ou responsável, com vista na reintegração familiar ou, caso seja esta vedada por expressa e fundamentada
determinação judicial, as providências a serem tomadas para sua colocação em família substituta, sob direta
supervisão da autoridade judiciária.