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Capa
Vem aí o Sistema
São Francisco
Nova técnica de integração lavoura-pecuária validada pela Embrapa
prevê a sobressemeadura de mombaça em lavoura de soja e maior
produção de arrobas por hectares.
Renato Villela,
de Quirinópolis, GO
U
m novo modelo de Integração Lavoura-Pe-
cuária (ILP) começa a despontar no campo.
É o Sistema São Francisco, adotado por pro-
dutores de Quirinópolis, município 270 km ao sul
da capital Goiânia, GO. Seu nome é uma alusão ao
rio que corta a propriedade Fazendinha, do produtor
Heinz Guderian Jacintho da Silva, onde foram feitos
os primeiros plantios. O sistema consiste na sobresse-
meadura de capim sobre soja ou milho, mas com um
diferencial: ao invés de braquiária ruziziensis, “gra-
mínea-rainha” da integração, usa-se mombaça, capim
do gênero Panicum até pouco tempo considerado ina-
dequado para ILP. Experiências isoladas de sobresse-
meadura com essa cultivar já haviam sido feitas no
País, mas em Quirinópolis a técnica se consolidou
dentro de um sistema referendado pela Embrapa, que
será lançado oficialmente neste mês de abril. O gran-
de trunfo do São Francisco está na maior oferta de
forragem para produção de palha visando ao cultivo
agrícola e para consumo do gado na seca, o que pos-
sibilita obter mais arrobas/ha, justamente quando os
animais costumam perder peso.
A ruziziensis é considerada a “gramínea-rainha”
da ILP por apresentar melhor “plantabilidade”, neo-
logismo criado pelos produtores para indicar facili-
dade de semeadura na palha. “Com hábito de cres-
cimento decumbente (prostrado), essa braquiária não
forma touceiras como os capins do gênero Panicum,
facilitando a passagem das máquinas”, explica Ma-
nuel Claudio Motta Macedo, pesquisador da Embra-
pa Gado de Corte. Além disso, sua alta relação fo-
lha/caule propicia uma superfície de contato maior
para aplicação do herbicida dessecante. Gastam-se
em torno de 2 litros do produto para tratar um hecta-
re de ruziziensis, em contraste com 3 a 3,5 litros exi-
gidos pelo mombaça. Entretanto, esse custo maior é
compensado pela farta produção de massa forragei-
ra (30-50% superior à da concorrente) e pela quali-
dade nutricional do capim, que tem maior digestibi-
lidade e teor de proteína bruta do que o ruziziensis
(10%-12%), o que possibilita produzir mais carne por
50 DBO abril 2017
Sobressemeadura feita por avião é usual Já no solo, as sementes são cobertas pelas folhas da cultura.
Fotos:BrenoLobato
abril 2017 DBO 51
hectare. E o problema das touceiras está sendo resol-
vido com manejo adequado.
Até o ano passado, 26 produtores da região já ha-
viam experimentado o Sistema São Francisco, fa-
zendo sobressemeadura de avião ou com plantadeira
específica. Os resultados têm sido monitorados por
pesquisadores do Instituto Federal Goiano (IFGoia-
no) e difundidos entre os produtores pela Emater, com
apoio da prefeitura do município. “A integração soja/
gado é uma alternativa à cana-de-açúcar, cujos con-
tratos são longos e deixam o produtor amarrado”, jus-
tifica o prefeito de Quirinópolis, Gilmar Alves. Outro
entusiasta do sistema é o empresário David Campos
Alves, da empresa goiana Sementes Moeda, que deu
o pontapé inicial para o São Francisco ganhar corpo.
Há dois anos, ele convidou o pesquisador Lourival
Vilela, da Embrapa Cerrados, e mais nove produtores,
para conhecer a inciativa, durante um dia de campo.
Desde então, Vilela acompanha o desenvolvimento
do sistema. Em 2016, o pesquisador fez uma pales-
tra apresentando os fundamentos da técnica para uma
plateia de 200 pessoas, em Quirinópolis.
Por que o mombaça?
A sobressemeadura de soja com mombaça no mu-
nicípio está associada ao histórico agropecuário da
região, que no passado teve suas pastagens forma-
das com colonião (primeiro Panicum introduzido no
Brasil) e hoje é um dos maiores polos de produção
de sementes forrageiras do País, com destaque para o
mombaça. Devido à maior disponibilidade no merca-
do local, é compreensível que essa cultivar tenha sido
usada pelos produtores na ILP, porém não há restri-
ções a variedades do gênero Panicum. “Vamos tes-
tar também o tamani e o massai”, adianta Vilela. A
escolha da soja como principal componente agrícola
do São Francisco foi também uma questão de opor-
tunidade. “Muitos pecuaristas da região já recupera-
vam pastagens com soja, por isso usamos essa cultura
para difundir o sistema”, diz o pesquisador, ressaltan-
do que a técnica também pode ser adotada em lavou-
ras de milho.
A sobressemeadura de capim sobre culturas gra-
níferas é uma estratégia antiga. Tem sido adotada
por integradores há mais de 20 anos, visando à for-
mação de pastagens de aveia/azevém (no Sul), mi-
lheto e ruziziensis (no Centro-Oeste). O mombaça
ficou de fora desse consórcio não somente porque
forma touceiras. As cultivares convencionais de soja
têm ciclo longo (média de 140 dias), sendo planta-
das de meados de outubro (quando São Pedro aju-
da) a início de novembro. Sua colheita prossegue até
março/abril, quando as chuvas no Brasil Central já
estão escasseando. Se a sobressemeadura de braqui-
ária, sabidamente mais rústica, é temerária nessas
condições, muito mais arriscado é lançar sobre a la-
voura sementes de Panicum com pouco volume de
chuvas pela frente. “Por isso, nunca recomendáva-
mos o consórcio soja/mombaça”, diz Vilela.
Isso começou a mudar apenas após a chegada ao
nnn
Raio X do
Sistema São Francisco
Onde surgiu: Quirinópolis
Pioneiro: Heinz Guderian
Quando surgiu: 2011
Componentes: soja e mombaça
Número de adeptos: 26 produtores
Produção de @: 5 a 8/ha
nnn
Quando o capim nasce, a soja já está no ponto de colheita. Com espaço livre para crescer, o mombaça ocupa a área.
GO
Goiânia
Pirenópolis
Renato villela Arquivo Sementes Moeda
Capa
Quando viram pela primeira vez uma
caixa de plantio importada da Alemanha,
de uso individual e ajustada ao corpo na
região peitoral, como uma mochila que se
carrega de frente (e não nas costas), o ir-
requieto pesquisador João K e seu colega
Hélvio Santos Abbadia tiveram um sonho:
adaptá-la a uma motocicleta para facilitar
a sobressemeadura de capim em lavouras
agrícolas para médios e pequenos produ-
tores. Antes, essa operação era possível
(sem provocar danos à lavoura) somente
com avião, em grandes áreas. Do sonho
da dupla nasceu uma semeadora adapta-
da a veículos leves, como motocicletas e
quadriciclos, tecnologia mostrada na edi-
ção de abril de 2013 de DBO, que popu-
larmente convencionou-se chamar de mo-
tossemeadeira. O que o pesquisador não
imaginava era que o amigo José Hajine
Takahashi, diretor de engenharia da Ikeda,
de Marília, SP, que ajudou a materializar
a ideia, fosse levá-la adiante a ponto de
adaptar a caixa de plantio (reservatório
de sementes) aos pulverizadores, tanto
aqueles que são acoplados nos tratores
como nos modelos “gafanhoto”.
“O uso de pulverizadores é muito co-
mum nas lavouras de soja, para controle
de pragas ou dessecação. Então, pensei
que o produtor poderia aproveitar uma
dessas operações para jogar simultanea-
mente a semente de capim na lavoura”,
explica o engenheiro, conhecido como
Zeca. Disponível no mercado há dois
anos, a nova tecnologia de sobresse-
meadura permite distribuir as sementes
de 3 a 10 m de largura, no caso das bra-
quiárias, ou de 3 a 8 m, se forem usadas
sementes de capins do gênero Panicum
(menor tamanho), com dosagens mínimas
de até 5 kg de sementes por hectare. As
caixas, que também podem ser instaladas
na parte frontal do trator, são encontradas
em três dimensões: 40, 60 e 100 litros, que
correspondem respectivamente a 20, 30 e
50 kg, aproximadamente. O acionamen-
to das caixas é automático, por meio de
controle remoto. Uma trava elétrica abre e
fecha o registro das sementes. Também é
possível fazer a regulagem da largura de
trabalho à distância.
52 DBO abril 2017
contra predadores (grilos, formigas, pássaros) e lhe
garantindo a umidade necessária para germinar.
O pesquisador João Kluthcouski (João K), da Em-
brapa Arroz e Feijão, com sede Goiânia, GO, um dos
principais especialistas em integração do País, chama
a atenção para um erro frequente no campo. Muitos
produtores estão fazendo a sobressemeadura tardia-
mente, depois que metade das folhas da soja já se des-
prendeu da planta. O que garantia proteção se trans-
forma em obstáculo. “As folhas formam um tapete, a
semente cai sobre essa cobertura e não entra em con-
tato com a umidade do solo. Daí não germina e o pas-
to fica cheio de falhas”, explica. Adiantar o processo
Caixas adaptadas ao pulverizador
mercado de variedades precoces (ciclo de 100 a 105
dias), desenvolvidas para atender agricultores que
fazem safrinha. A soja de ciclo curto foi o “pulo do
gato” do Sistema São Francisco, pois permitiu anteci-
par a sobressemeadura do capim em 30-40 dias. Com
a possibilidade de formar pasto em janeiro, depen-
dendo da época de plantio da soja, o produtor fica
mais seguro para arriscar. “Essa janela que se abre
no meio do período chuvoso faz toda a diferença, não
apenas para a germinação das sementes, mas também
para garantir o bom desenvolvimento inicial do mom-
baça”, afirma Vilela. O custo da sobressemeadrua do
capim não é tão alto. Neste ano, ficou em R$ 200/ha,
devido ao aumento no preço da semente de momba-
ça, que passou de R$10 para R$ 18/kg, mas, em 2016,
exigiu desembolso de R$ 100/ha. Em contrapartida,
o produtor pode obter no mínimo 5-8@/ha em 80-
150 dias.
Cuidados na sobressemeadura
Para formar um pasto de qualidade usando o Sis-
tema São Francisco, é preciso fazer a sobressemea-
dura no momento certo: quando a soja entra na fase
reprodutiva, estágio em que os grãos estão plenamen-
te desenvolvidos e tem início a formação das vagens.
Na terminologia dos agricultores, é quando a soja co-
meça a “lourar”, ou seja, suas primeiras folhas ama-
relam (senescem) e caem, o que acontece entre 30 e
35 dias antes da colheita, dependendo da variedade.
É fundamental distribuir as sementes de capim nesse
estágio da cultura, para que a maior parte das folhas
se deposite sobre a semente, lhe conferindo proteção
João K (à esq.) com David Alves, da Sementes
Moeda (centro), e Lourival Vilela, da Embrapa
Cerrados: difundindo a ILP.
Sobressemeadura
foi da moto
ao pulverizador
Renatovillela
Renatovillela
abril 2017 DBO 53
também não é recomendável, pois traz riscos para a
cultura agrícola. “O capim cresce e sombreia a soja,
além de atrapalhar a operação de colheita”, diz Vilela.
Também é fundamental consultar as previsões de
tempo, porque, se não chover com regularidade nos
20 dias após o plantio, perde-se o sistema. Segundo
João K, o mombaça exige entre 50 e 200 mm de chu-
va para se estabelecer adequadamente. O sucesso na
formação da pastagem também depende dos cuida-
dos com a lavoura. “Se a soja estiver infestada por
invasoras no momento da sobressemeadura, o capim
será prejudicado”, alerta Vilela. Os dois pesquisado-
res, que acompanharam a reportagem de DBO, usam
uma expressão curiosa para definir esses detalhes nos
tratos culturais: a “tecnologia capricho”. Significa fa-
zer bem feito, no momento adequado. “Do contrário,
será preciso remendar lá na frente. Fica mais difícil e
mais caro”, explica Vilela.
A taxa de semeadura recomendada é de 3 kg de
sementes puras viáveis de mombaça por hectare. Os
produtores que recorrem ao avião têm preferido tra-
balhar com sementes revestidas (incrustadas), pelo
fato de serem mais pesadas, o que lhes confere me-
lhor “efeito balístico”, minimizando o risco de deriva.
Mas um erro grave tem sido cometido. “Na hora de
fazer os cálculos da quantidade de sementes, o pro-
dutor se esquece de levar em conta o peso do re-
vestimento, que é três/quatro vezes maior do
que o das sementes. Quando isso acontece e
se joga semente a menos, o resultado é uma
pastagem mal formada” alerta o pesquisador.
Apesar da grande oferta de aviões agrícolas
na região durante o período de entressafra,
o que popularizou seu uso, muitos produtores
estão deixando de lado as aeronaves e optan-
do por lançar as sementes “em terra”, por meio de
uma caixa de plantio adaptada a pulverizadores (veja
quadro ao lado).
Produção de massa forrageira
Formada a pastagem, é preciso avaliar sua produ-
ção forrageira para calcular adequadamente a lotação.
Como faltam informações nessa área, a pesquisado-
ra e professora Patrícia Soares Epifanio, do IFGoia-
no, unidade de Quirinópolis, e sua colega, Kátia Apa-
recida de Pinho Costa, da unidade de Rio Verde,
decidiram realizar um estudo para avaliar o
comportamento do mombaça em ILP. Patrícia
acompanha de perto cinco fazendas que ado-
taram o Sistema São Francisco e, com auxí-
lio dos alunos, coleta amostras para avaliação
de produtividade forrageira e qualidade nutri-
cional do capim. “Nosso trabalho começa antes
mesmo de os produtores colocarem os animais
no pasto. Medimos a altura da gramínea, avaliamos
a relação folha/colmo e o número de perfilhos. Depois
coletamos as amostras, pesamos e enviamos para nos-
so Laboratório de Forragicultura e Pastagens”, diz ela.
A maioria das fazendas acompanhadas tem registrado
produção de 3 a 5 t/ha.
As análises bromatológicas para verificação do teor
de proteína e digestibilidade são feitas por Kátia e têm
A sobressemeadura é feita quando as
folhas da soja estão amarelando
A colheita dos grãos não prejudica
o estabelecimento do pasto
Valor nutricional do mombaça formada
com o Sistema São Francisco
Parâmetros
FDN1 FDA2 Lignina DIVMS3 PB4
–---------------------- % –-------------------
Mínimo 65,6 38,9 3,9 41,5 7,0
Média 70,2 44,7 5,7 50,0 10,0
Máximo 78,9 55,0 11,6 59,2 13,2
1Fibra em detergente neutra; 2Fibra em Detergente Ácido; 3Digestibilidade in vitro da
matéria seca; 4Proteína Bruta. Fonte: IFGoiano; dados de 2025/2016
Kátia Costa,
do IFGoiano
de Rio Verde,
faz as análises
bromatológicas.
Patrícia
Epitanio,
IFGoiano de
Quirinópolis, faz
as medições
de massa
forrageira.
ArquivoSementesMoeda
Capa
54 DBO abril 2017
confirmado a qualidade desse capim. Nas amostras cole-
tadas em sete fazendas, em 2015/2016, constatou-se, em
média, 10% de proteína bruta e 50% de digestibilidade
na matéria seca. A pesquisadora também está realizando
avaliações a nível experimental, em uma área de 6 ha,
com outros capins, além do mombaça: o tamani, a ruzi-
ziensis e o xaraés, todos introduzidos em sobressemea-
dura sobre lavouras de soja. O experimento possibilita-
rá maior rigor nas coletas, o que nem sempre é possível
nas propriedades, fator crucial para se conseguir dados
fidedignos. Com o experimento, a pesquisadora preten-
de não apenas expandir o São Francisco para além da
região de Quirinópolis, mas mostrar que é possível uti-
lizar outros capins nesse sistema de integração. Segun-
do ela, criou-se um mito de que somente a ruziziensis é
boa para ILP, devido a sua facilidade de dessecação, mas
outras braquiárias, como a paiaguás e a piatã, dão resul-
tados melhores em termos de produção e valor nutricio-
nal, e também são fáceis de dessecar.
Para Vilela, é preciso compreender que as duas
atividades – pecuária e agricultura – devem ser con-
templadas para que a integração funcione de modo
harmônico. Nem sempre isso acontece no campo. “A
pastagem formada nas áreas de integração muitas ve-
zes é a única que o produtor tem para alimentação do
gado na seca; então, ele exagera na lotação e o pasto
fica rapado”, afirma. A consequência vem logo adian-
te, com a falta de palhada para o plantio direto da cul-
tura subsequente. Para evitar problemas, o gado deve
ser colocado no pasto cerca de 40 dias após a colhei-
ta da soja, quando o mombaça está com 70-80 cm de
altura, e pastejar metade da massa forrageira disponí-
vel na área. “É o que temos feito com a braquiária em
outros sistemas”, diz Vilela. Atenção: a retirada dos
animais deve ser feita pelo menos 30 dias antes do
plantio da lavoura, no início das chuvas. “É o tempo
necessário para que o capim rebrote e acumule área
foliar, do contrário o herbicida não age sobre as plan-
tas e a dessecação é prejudicada”, complementa Patrí-
cia. Vale lembrar que as pastagens formadas pelo Sis-
tema São Francisco não precisam ser adubadas, pois
aproveitam o fertilizante residual da soja. n
Pioneirismo e produtividade
A
história do sistema São Francisco começou a
ser escrita no início da década passada, quan-
do o produtor Heinz Guderian Jacintho da
Silva, dono da propriedade Fazendinha, onde passa
o rio que empresta seu nome ao sistema, foi até a
Embrapa Arroz e Feijão, na companhia de um amigo,
ver de perto os modelos de ILP. “Na visita conheci o
João K, que me apresentou os sistemas Barreirão e
Santa Fé, o que despertou meu interesse pela integra-
ção lavoura-pecuária”. Dois anos depois, em 2004,
o produtor, que fazia somente pecuária, aventurou-
-se na agricultura. A primeira experiência já foi com
integração, consorciando milho com feijão-guandu
(Sistema Santa Brígida), para melhorar a fertilidade
do solo. Alguns anos mais tarde, já cultivando soja,
além de milho, Silva partiu para formação de bra-
quiarão e depois ruziziensis, no sistema de plantio
direto, logo após a colheita do grão. “Tive problemas
com a ruziensis por causa do ataque de cigarrinhas.
Além disso, o capim produzia pouco e a lotação era
muito baixa. Então o João K me sugeriu plantar o
Mombaça”, relembra.
Os primeiros plantios foram feitos cobrindo as
sementes, prática que mudou em 2011, quando uma
empresa de aviação agrícola se instalou ao lado da
fazenda, cujo nome está sendo mudado para Vale do
São Francisco. “Eu e o piloto conseguimos regular
a quantidade de sementes no equipamento do avião
e então comecei a fazer a sobressemeadura”, con-
ta o produtor, que testou o tanzânia, mas preferiu o
mombaça. “Ele suporta uma lotação maior”, justifi-
ca. A sobressemeadura é feita na lavoura de milho no
momento em que as espigas começam a endurecer,
“depois do ponto da pamonha”, ensina, e “na soja
quando as folhas das plantas estão lourando”. Por
ocasião desta reportagem, no início de março, Sil-
va, que trabalha com bezerros de recria, estava ro-
tacionando dois lotes na área de mombaça, em sis-
tema de desponte e repasse: 90 animais de cabeceira
iam à frente comendo a ponta do capim e 130 garro-
O pioneiro Heinz Guderian Jacintho da Silva: referência para novatos
Renatovillela
Capa
56 DBO abril 2017
tinhos seguiam atrás, consumindo a porção mediana
do capim. Neste ano, o produtor não plantou soja,
portanto, terá de trabalhar com pastagens de segundo
ano e não de primeiro, como preconiza o Sistema São
Francisco. “Vou sofrer na seca”, prevê.
Como todo pioneiro, Silva enfrentou e venceu di-
ficuldades. Os relatos da sua experiência têm ajudado
os pesquisadores a melhorar a técnica para facilitar a
vida dos novos adeptos. “No início, tive problemas de
entouceramento do capim porque errava na lotação;
colocava menos animais por área. Daí tinha de pas-
sar a roçadeira”, afirma. O problema foi resolvido com
ajustes no manejo (veja quadro à pág. 58). No próxi-
mo ciclo de plantio, Silva pretende dividir a área em
piquetes menores, para reduzir a seletividade de pas-
tejo e garantir o “rebaixamento” mais uniforme do ca-
pim. Outro problema que enfrentou e que tem tirado o
sono de muitos novatos no Sistema São Francisco é o
ataque de lagartas. “As variedades de soja e milho são
transgênicas, resistentes ao ataque de lagartas, mas es-
ses insetos permanecem na área. Depois que o capim
germina, elas descem da cultura granífera e atacam as
folhas do capim”, relata. Segundo Silva, o produtor
precisa ficar atento às pragas presentes na lavoura para
combatê-las e evitar danos ao pasto.
Ganhos expressivos
A possibilidade de ter sempre pasto de primeiro
ano na propriedade é o que mais atrai adeptos para o
Sistema São Francisco. Embora a pesquisa ainda es-
teja avaliando a técnica, os resultados a campo são
animadores, como mostram os dados da Fazenda Ipê,
no município de Quirinópolis. Em 2015, essa proprie-
dade terminou 135 bois em apenas 50 ha de momba-
ça formados com o sistema. Os animais entraram no
piquete pesando 459,2 kg e ganharam 608 g/cab/dia,
atingindo, após 75 dias de engorda, um peso final de
504,8 kg. O ganho no período, portanto, foi de 45,6
kg de peso vivo (PV). Como a taxa de lotação era de
2,7 UA/ha, a fazenda produziu 123 kg/ha ou 4,1 @,
considerando-se um rendimento de carcaça de 50%.
Os animais receberam apenas sal mineral no cocho,
com consumo estimado de 100 g/cab/dia.
“É um ganho expressivo, em condições de pasto,
sem suplementação”, diz o pesquisador Lourival Vi-
lela, da Embrapa Cerrados. Após a saída dos bois, a
área alojou mais 220 garrotes até setembro, quando
o pasto foi dessecado para o cultivo da safra seguin-
te. Um olhar mais apurado sobre o capim ajuda a en-
tender esses números. “Quando o mombaça estava
pronto para ser pastejado, a oferta forrageira, mensu-
rada no dia 10 de maio, era de 4,5 t de matéria seca/
ha, muito boa para essa época do ano”, diz Vilela,
que propõe o seguinte raciocínio para estimar quan-
tos animais a pastagem pode atender. Se um bovino
consome entre 2% e 2,5% do peso vivo, isso signifi-
ca que uma unidade animal (UA), que corresponde a
450 kg, ingere 10 kg de matéria seca (MS)/dia. Con-
siderando-se que apenas 50% da forragem disponível
por hectare seja aproveitada (2.250 kg de MS), o pas-
to pode sustentar 1 UA/ha por 250 dias ou 2,5 UA/ha
por um período de 100 dias.
O sistema é dinâmico e evolui continuamente.
Francisco Quirino Cardoso Neto, herdeiro de José
Quirino (empreendedor que inspirou o nome da ci-
dade de Quirinópolis), administra a holding familiar
Fortaleza Participações, junto com três irmãos e al-
meja diversificar as cultivares usadas no São Francis-
co. “Em minha opinião, o ideal seria estabelecer uma
área com mombaça e outra com braquiárias, como
por exemplo a ruziziensis. Dessa forma, se aprovei-
taria bem o Panicum nos primeiros meses, quando
esse capim tem mais vigor, e, a partir de agosto, épo-
ca em que o mombaça começa a secar, se colocaria o
gado na braquiária”. Para o pesquisador Louviral Vi-
lela, essa pode ser uma excelente estratégia. “A ruzi-
ziensis segura mais a qualidade nutricional no auge
da seca em relação ao Panicum”.
Engordando vacas
O produtor Ricardo Araújo Guimarães, da Fazen-
da Limeira, em Quirinópolis, usa as pastagens for-
mados no Sistema São Francisco para engordar vacas
de descarte. Dono de um plantel de 1.600 matrizes
Nelore, mantidas em uma fazenda no município de
Jataí, GO, Guimarães transfere as fêmeas de engorda
Ricardo Guimarães: pasto na seca para engordar vacas
Produção do mombaça no Sistema São Francisco
Amostragem
Forragem
(kg/ha de MS)
Relação
folha:colmo
Fazenda 1 5.585 2,7
Fazenda 2 2.779 4,8
Fazenda 3 5,1 3,0
Fonte: IFGoiano; dados da safra 2015/2016
58 DBO abril 2017
Capa
Manejo correto evita
entouceiramento
Se você perguntar a um produtor que
desafio ele enfrenta no uso do momba-
ça em ILP é provável que ele mencione
o entouceiramento. Faz sentido. Essa
característica própria dos capins do gê-
nero Panicum pode trazer dois proble-
mas para a cultura agrícola a ser planta-
da posteriormente: a falta de cobertura
morta (palhada) sobre o solo e o enve-
lopamento da semente de soja. No pri-
meiro caso, a máquina de plantio direto
apenas corta a touceira que, lignificada,
não “acama” sobre o solo, deixando-o
descoberto. O envelopamento da se-
mente, por sua vez, acontece quando os
discos do implemento puxam parte da
palhada para dentro do sulco de plan-
tio, o que faz com que a semente caia
em cima da palha ao invés de ser de-
positada sobre o solo, prejudicando sua
germinação. “O resultado é uma lavou-
ra com muitas falhas”, diz Villela. Outro
inconveniente é o estiolamento da soja,
que consiste no prolongamento exces-
sivo do caule em busca de luz solar. É o
que os produtores chamam de “planta
caneluda”. Além de provocar menor ra-
mificação e, consequentemente, menor
produção, o estiolamento deixa a cultu-
ra mais susceptível a tombamento no
caso de eventuais ventanias.
Segundo Lourival Vilela, o entouce-
ramento do mombaça pode ser evitado
ajustando-se a taxa de lotação, de acor-
do com a oferta de forragem. Dividir os
piquetes e, dessa forma, diminuir a sele-
tividade de pastejo, também ajuda bas-
tante. No entanto, o pesquisador não vê
o entouceramento como um problema
frequente no Sistema São Francisco,
porque o capim tem vida curta, é pas-
tejado nos meses de seca e depois des-
secado. “Não tem tempo suficiente para
formar touceiras, nem para suas hastes
engrossarem, ficando lignificadas”, ex-
plica. Por precaução, alguns produto-
res têm optado por aumentar a taxa de
semeadura. É o caso de Ricardo Araú-
jo Guimarães, da Fazenda Limeira, que
joga 4 kg de sementes puras viáveis/ha,
um quilo a mais do que o recomendado.
“Dessa forma, eu adenso mais o mom-
baça e não tenho problema algum de
entouceramento”, garante ele.
para a Limeira em meados de maio/início de junho.
Infelizmente, nessa época, o mombaça, que é planta-
do em sobressemeadura no mês de janeiro, já “pas-
sou” do ponto ideal de pastejo, apresentando menor
valor nutricional, mas Guimarães não tem alternati-
va, porque produz sementes de capim. “Os animais
somente podem entrar no pasto após a colheita dos
cachos da forrageira”, explica.
No ano passado, esse produtor engordou 190 va-
cas em 70 ha. Elas entraram no piquete com 330 kg,
no dia 10 de junho. Ganharam, em média, 1,12 kg/
cab/dia e foram para o gancho com 420 kg, após 80
dias de pastejo. Considerando-se a taxa de lotação de
2,7 UA/ha e o ganho de 90 kg no período, a produção
atingiu 243 kg de PV ou 8,1 @/ha. O número impres-
siona, mas é importante ressaltar que as vacas rece-
beram suplementação no cocho, na proporção de 1
kg/cab/dia. Para o produtor, que debutou na pecuária
há sete anos, o São Francisco tem se mostrado uma
alternativa viável para concorrer com a cultura da ca-
na-de-açúcar, cada vez mais presente na paisagem
da região. “Colho a soja, as sementes de mombaça e
ainda tenho uma safrinha de capim para engordar as
vacas. Desse jeito é possível superar a cana”. Na re-
gião, as usinas pagam 160 t/alqueire para os produto-
res de cana de açúcar, como é o caso de Guimarães.
A despeito do resultado promissor da pecuária,
é preciso estar atento aos prazos da cultura agríco-
la. O responsável por essa parte é seu irmão Eduardo
Araújo Guimarães, que estabelece o dia 20 de setem-
bro como data limite para a retirada das vacas da área
a ser ocupada pela soja. “A agricultura não pode es-
perar”, afirma. A integração lavoura-pecuária come-
çou a fazer parte da rotina da fazenda em 2013, quan-
do os irmãos decidiram retirar algumas áreas da cana
e apostar na dobradinha soja/gado. Das primeiras ve-
zes em que fez a sobressemeadura na soja, Ricardo
usou a ruziziensis, mas depois trocou pelo momba-
ça, que considera mais vantajoso. “A braquiária de-
compõe muito rápido, enquanto esse Panicum, por
ser mais fibroso, deixa mais palhada e, por isso, re-
tém mais umidade no solo. Além disso, consigo co-
locar uma cabeça por hectare a mais, em comparação
com a ruziziensis”, diz. n
Francisco Quirino Neto (segundo à esq.),
com amigos: meta é diversificar capins.
Mombaça tem crescimento cespitoso

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Nova técnica de sobressemeadura de capim em lavouras de soja

  • 1. Capa Vem aí o Sistema São Francisco Nova técnica de integração lavoura-pecuária validada pela Embrapa prevê a sobressemeadura de mombaça em lavoura de soja e maior produção de arrobas por hectares. Renato Villela, de Quirinópolis, GO U m novo modelo de Integração Lavoura-Pe- cuária (ILP) começa a despontar no campo. É o Sistema São Francisco, adotado por pro- dutores de Quirinópolis, município 270 km ao sul da capital Goiânia, GO. Seu nome é uma alusão ao rio que corta a propriedade Fazendinha, do produtor Heinz Guderian Jacintho da Silva, onde foram feitos os primeiros plantios. O sistema consiste na sobresse- meadura de capim sobre soja ou milho, mas com um diferencial: ao invés de braquiária ruziziensis, “gra- mínea-rainha” da integração, usa-se mombaça, capim do gênero Panicum até pouco tempo considerado ina- dequado para ILP. Experiências isoladas de sobresse- meadura com essa cultivar já haviam sido feitas no País, mas em Quirinópolis a técnica se consolidou dentro de um sistema referendado pela Embrapa, que será lançado oficialmente neste mês de abril. O gran- de trunfo do São Francisco está na maior oferta de forragem para produção de palha visando ao cultivo agrícola e para consumo do gado na seca, o que pos- sibilita obter mais arrobas/ha, justamente quando os animais costumam perder peso. A ruziziensis é considerada a “gramínea-rainha” da ILP por apresentar melhor “plantabilidade”, neo- logismo criado pelos produtores para indicar facili- dade de semeadura na palha. “Com hábito de cres- cimento decumbente (prostrado), essa braquiária não forma touceiras como os capins do gênero Panicum, facilitando a passagem das máquinas”, explica Ma- nuel Claudio Motta Macedo, pesquisador da Embra- pa Gado de Corte. Além disso, sua alta relação fo- lha/caule propicia uma superfície de contato maior para aplicação do herbicida dessecante. Gastam-se em torno de 2 litros do produto para tratar um hecta- re de ruziziensis, em contraste com 3 a 3,5 litros exi- gidos pelo mombaça. Entretanto, esse custo maior é compensado pela farta produção de massa forragei- ra (30-50% superior à da concorrente) e pela quali- dade nutricional do capim, que tem maior digestibi- lidade e teor de proteína bruta do que o ruziziensis (10%-12%), o que possibilita produzir mais carne por 50 DBO abril 2017 Sobressemeadura feita por avião é usual Já no solo, as sementes são cobertas pelas folhas da cultura. Fotos:BrenoLobato
  • 2. abril 2017 DBO 51 hectare. E o problema das touceiras está sendo resol- vido com manejo adequado. Até o ano passado, 26 produtores da região já ha- viam experimentado o Sistema São Francisco, fa- zendo sobressemeadura de avião ou com plantadeira específica. Os resultados têm sido monitorados por pesquisadores do Instituto Federal Goiano (IFGoia- no) e difundidos entre os produtores pela Emater, com apoio da prefeitura do município. “A integração soja/ gado é uma alternativa à cana-de-açúcar, cujos con- tratos são longos e deixam o produtor amarrado”, jus- tifica o prefeito de Quirinópolis, Gilmar Alves. Outro entusiasta do sistema é o empresário David Campos Alves, da empresa goiana Sementes Moeda, que deu o pontapé inicial para o São Francisco ganhar corpo. Há dois anos, ele convidou o pesquisador Lourival Vilela, da Embrapa Cerrados, e mais nove produtores, para conhecer a inciativa, durante um dia de campo. Desde então, Vilela acompanha o desenvolvimento do sistema. Em 2016, o pesquisador fez uma pales- tra apresentando os fundamentos da técnica para uma plateia de 200 pessoas, em Quirinópolis. Por que o mombaça? A sobressemeadura de soja com mombaça no mu- nicípio está associada ao histórico agropecuário da região, que no passado teve suas pastagens forma- das com colonião (primeiro Panicum introduzido no Brasil) e hoje é um dos maiores polos de produção de sementes forrageiras do País, com destaque para o mombaça. Devido à maior disponibilidade no merca- do local, é compreensível que essa cultivar tenha sido usada pelos produtores na ILP, porém não há restri- ções a variedades do gênero Panicum. “Vamos tes- tar também o tamani e o massai”, adianta Vilela. A escolha da soja como principal componente agrícola do São Francisco foi também uma questão de opor- tunidade. “Muitos pecuaristas da região já recupera- vam pastagens com soja, por isso usamos essa cultura para difundir o sistema”, diz o pesquisador, ressaltan- do que a técnica também pode ser adotada em lavou- ras de milho. A sobressemeadura de capim sobre culturas gra- níferas é uma estratégia antiga. Tem sido adotada por integradores há mais de 20 anos, visando à for- mação de pastagens de aveia/azevém (no Sul), mi- lheto e ruziziensis (no Centro-Oeste). O mombaça ficou de fora desse consórcio não somente porque forma touceiras. As cultivares convencionais de soja têm ciclo longo (média de 140 dias), sendo planta- das de meados de outubro (quando São Pedro aju- da) a início de novembro. Sua colheita prossegue até março/abril, quando as chuvas no Brasil Central já estão escasseando. Se a sobressemeadura de braqui- ária, sabidamente mais rústica, é temerária nessas condições, muito mais arriscado é lançar sobre a la- voura sementes de Panicum com pouco volume de chuvas pela frente. “Por isso, nunca recomendáva- mos o consórcio soja/mombaça”, diz Vilela. Isso começou a mudar apenas após a chegada ao nnn Raio X do Sistema São Francisco Onde surgiu: Quirinópolis Pioneiro: Heinz Guderian Quando surgiu: 2011 Componentes: soja e mombaça Número de adeptos: 26 produtores Produção de @: 5 a 8/ha nnn Quando o capim nasce, a soja já está no ponto de colheita. Com espaço livre para crescer, o mombaça ocupa a área. GO Goiânia Pirenópolis Renato villela Arquivo Sementes Moeda
  • 3. Capa Quando viram pela primeira vez uma caixa de plantio importada da Alemanha, de uso individual e ajustada ao corpo na região peitoral, como uma mochila que se carrega de frente (e não nas costas), o ir- requieto pesquisador João K e seu colega Hélvio Santos Abbadia tiveram um sonho: adaptá-la a uma motocicleta para facilitar a sobressemeadura de capim em lavouras agrícolas para médios e pequenos produ- tores. Antes, essa operação era possível (sem provocar danos à lavoura) somente com avião, em grandes áreas. Do sonho da dupla nasceu uma semeadora adapta- da a veículos leves, como motocicletas e quadriciclos, tecnologia mostrada na edi- ção de abril de 2013 de DBO, que popu- larmente convencionou-se chamar de mo- tossemeadeira. O que o pesquisador não imaginava era que o amigo José Hajine Takahashi, diretor de engenharia da Ikeda, de Marília, SP, que ajudou a materializar a ideia, fosse levá-la adiante a ponto de adaptar a caixa de plantio (reservatório de sementes) aos pulverizadores, tanto aqueles que são acoplados nos tratores como nos modelos “gafanhoto”. “O uso de pulverizadores é muito co- mum nas lavouras de soja, para controle de pragas ou dessecação. Então, pensei que o produtor poderia aproveitar uma dessas operações para jogar simultanea- mente a semente de capim na lavoura”, explica o engenheiro, conhecido como Zeca. Disponível no mercado há dois anos, a nova tecnologia de sobresse- meadura permite distribuir as sementes de 3 a 10 m de largura, no caso das bra- quiárias, ou de 3 a 8 m, se forem usadas sementes de capins do gênero Panicum (menor tamanho), com dosagens mínimas de até 5 kg de sementes por hectare. As caixas, que também podem ser instaladas na parte frontal do trator, são encontradas em três dimensões: 40, 60 e 100 litros, que correspondem respectivamente a 20, 30 e 50 kg, aproximadamente. O acionamen- to das caixas é automático, por meio de controle remoto. Uma trava elétrica abre e fecha o registro das sementes. Também é possível fazer a regulagem da largura de trabalho à distância. 52 DBO abril 2017 contra predadores (grilos, formigas, pássaros) e lhe garantindo a umidade necessária para germinar. O pesquisador João Kluthcouski (João K), da Em- brapa Arroz e Feijão, com sede Goiânia, GO, um dos principais especialistas em integração do País, chama a atenção para um erro frequente no campo. Muitos produtores estão fazendo a sobressemeadura tardia- mente, depois que metade das folhas da soja já se des- prendeu da planta. O que garantia proteção se trans- forma em obstáculo. “As folhas formam um tapete, a semente cai sobre essa cobertura e não entra em con- tato com a umidade do solo. Daí não germina e o pas- to fica cheio de falhas”, explica. Adiantar o processo Caixas adaptadas ao pulverizador mercado de variedades precoces (ciclo de 100 a 105 dias), desenvolvidas para atender agricultores que fazem safrinha. A soja de ciclo curto foi o “pulo do gato” do Sistema São Francisco, pois permitiu anteci- par a sobressemeadura do capim em 30-40 dias. Com a possibilidade de formar pasto em janeiro, depen- dendo da época de plantio da soja, o produtor fica mais seguro para arriscar. “Essa janela que se abre no meio do período chuvoso faz toda a diferença, não apenas para a germinação das sementes, mas também para garantir o bom desenvolvimento inicial do mom- baça”, afirma Vilela. O custo da sobressemeadrua do capim não é tão alto. Neste ano, ficou em R$ 200/ha, devido ao aumento no preço da semente de momba- ça, que passou de R$10 para R$ 18/kg, mas, em 2016, exigiu desembolso de R$ 100/ha. Em contrapartida, o produtor pode obter no mínimo 5-8@/ha em 80- 150 dias. Cuidados na sobressemeadura Para formar um pasto de qualidade usando o Sis- tema São Francisco, é preciso fazer a sobressemea- dura no momento certo: quando a soja entra na fase reprodutiva, estágio em que os grãos estão plenamen- te desenvolvidos e tem início a formação das vagens. Na terminologia dos agricultores, é quando a soja co- meça a “lourar”, ou seja, suas primeiras folhas ama- relam (senescem) e caem, o que acontece entre 30 e 35 dias antes da colheita, dependendo da variedade. É fundamental distribuir as sementes de capim nesse estágio da cultura, para que a maior parte das folhas se deposite sobre a semente, lhe conferindo proteção João K (à esq.) com David Alves, da Sementes Moeda (centro), e Lourival Vilela, da Embrapa Cerrados: difundindo a ILP. Sobressemeadura foi da moto ao pulverizador Renatovillela Renatovillela
  • 4. abril 2017 DBO 53 também não é recomendável, pois traz riscos para a cultura agrícola. “O capim cresce e sombreia a soja, além de atrapalhar a operação de colheita”, diz Vilela. Também é fundamental consultar as previsões de tempo, porque, se não chover com regularidade nos 20 dias após o plantio, perde-se o sistema. Segundo João K, o mombaça exige entre 50 e 200 mm de chu- va para se estabelecer adequadamente. O sucesso na formação da pastagem também depende dos cuida- dos com a lavoura. “Se a soja estiver infestada por invasoras no momento da sobressemeadura, o capim será prejudicado”, alerta Vilela. Os dois pesquisado- res, que acompanharam a reportagem de DBO, usam uma expressão curiosa para definir esses detalhes nos tratos culturais: a “tecnologia capricho”. Significa fa- zer bem feito, no momento adequado. “Do contrário, será preciso remendar lá na frente. Fica mais difícil e mais caro”, explica Vilela. A taxa de semeadura recomendada é de 3 kg de sementes puras viáveis de mombaça por hectare. Os produtores que recorrem ao avião têm preferido tra- balhar com sementes revestidas (incrustadas), pelo fato de serem mais pesadas, o que lhes confere me- lhor “efeito balístico”, minimizando o risco de deriva. Mas um erro grave tem sido cometido. “Na hora de fazer os cálculos da quantidade de sementes, o pro- dutor se esquece de levar em conta o peso do re- vestimento, que é três/quatro vezes maior do que o das sementes. Quando isso acontece e se joga semente a menos, o resultado é uma pastagem mal formada” alerta o pesquisador. Apesar da grande oferta de aviões agrícolas na região durante o período de entressafra, o que popularizou seu uso, muitos produtores estão deixando de lado as aeronaves e optan- do por lançar as sementes “em terra”, por meio de uma caixa de plantio adaptada a pulverizadores (veja quadro ao lado). Produção de massa forrageira Formada a pastagem, é preciso avaliar sua produ- ção forrageira para calcular adequadamente a lotação. Como faltam informações nessa área, a pesquisado- ra e professora Patrícia Soares Epifanio, do IFGoia- no, unidade de Quirinópolis, e sua colega, Kátia Apa- recida de Pinho Costa, da unidade de Rio Verde, decidiram realizar um estudo para avaliar o comportamento do mombaça em ILP. Patrícia acompanha de perto cinco fazendas que ado- taram o Sistema São Francisco e, com auxí- lio dos alunos, coleta amostras para avaliação de produtividade forrageira e qualidade nutri- cional do capim. “Nosso trabalho começa antes mesmo de os produtores colocarem os animais no pasto. Medimos a altura da gramínea, avaliamos a relação folha/colmo e o número de perfilhos. Depois coletamos as amostras, pesamos e enviamos para nos- so Laboratório de Forragicultura e Pastagens”, diz ela. A maioria das fazendas acompanhadas tem registrado produção de 3 a 5 t/ha. As análises bromatológicas para verificação do teor de proteína e digestibilidade são feitas por Kátia e têm A sobressemeadura é feita quando as folhas da soja estão amarelando A colheita dos grãos não prejudica o estabelecimento do pasto Valor nutricional do mombaça formada com o Sistema São Francisco Parâmetros FDN1 FDA2 Lignina DIVMS3 PB4 –---------------------- % –------------------- Mínimo 65,6 38,9 3,9 41,5 7,0 Média 70,2 44,7 5,7 50,0 10,0 Máximo 78,9 55,0 11,6 59,2 13,2 1Fibra em detergente neutra; 2Fibra em Detergente Ácido; 3Digestibilidade in vitro da matéria seca; 4Proteína Bruta. Fonte: IFGoiano; dados de 2025/2016 Kátia Costa, do IFGoiano de Rio Verde, faz as análises bromatológicas. Patrícia Epitanio, IFGoiano de Quirinópolis, faz as medições de massa forrageira. ArquivoSementesMoeda
  • 5. Capa 54 DBO abril 2017 confirmado a qualidade desse capim. Nas amostras cole- tadas em sete fazendas, em 2015/2016, constatou-se, em média, 10% de proteína bruta e 50% de digestibilidade na matéria seca. A pesquisadora também está realizando avaliações a nível experimental, em uma área de 6 ha, com outros capins, além do mombaça: o tamani, a ruzi- ziensis e o xaraés, todos introduzidos em sobressemea- dura sobre lavouras de soja. O experimento possibilita- rá maior rigor nas coletas, o que nem sempre é possível nas propriedades, fator crucial para se conseguir dados fidedignos. Com o experimento, a pesquisadora preten- de não apenas expandir o São Francisco para além da região de Quirinópolis, mas mostrar que é possível uti- lizar outros capins nesse sistema de integração. Segun- do ela, criou-se um mito de que somente a ruziziensis é boa para ILP, devido a sua facilidade de dessecação, mas outras braquiárias, como a paiaguás e a piatã, dão resul- tados melhores em termos de produção e valor nutricio- nal, e também são fáceis de dessecar. Para Vilela, é preciso compreender que as duas atividades – pecuária e agricultura – devem ser con- templadas para que a integração funcione de modo harmônico. Nem sempre isso acontece no campo. “A pastagem formada nas áreas de integração muitas ve- zes é a única que o produtor tem para alimentação do gado na seca; então, ele exagera na lotação e o pasto fica rapado”, afirma. A consequência vem logo adian- te, com a falta de palhada para o plantio direto da cul- tura subsequente. Para evitar problemas, o gado deve ser colocado no pasto cerca de 40 dias após a colhei- ta da soja, quando o mombaça está com 70-80 cm de altura, e pastejar metade da massa forrageira disponí- vel na área. “É o que temos feito com a braquiária em outros sistemas”, diz Vilela. Atenção: a retirada dos animais deve ser feita pelo menos 30 dias antes do plantio da lavoura, no início das chuvas. “É o tempo necessário para que o capim rebrote e acumule área foliar, do contrário o herbicida não age sobre as plan- tas e a dessecação é prejudicada”, complementa Patrí- cia. Vale lembrar que as pastagens formadas pelo Sis- tema São Francisco não precisam ser adubadas, pois aproveitam o fertilizante residual da soja. n Pioneirismo e produtividade A história do sistema São Francisco começou a ser escrita no início da década passada, quan- do o produtor Heinz Guderian Jacintho da Silva, dono da propriedade Fazendinha, onde passa o rio que empresta seu nome ao sistema, foi até a Embrapa Arroz e Feijão, na companhia de um amigo, ver de perto os modelos de ILP. “Na visita conheci o João K, que me apresentou os sistemas Barreirão e Santa Fé, o que despertou meu interesse pela integra- ção lavoura-pecuária”. Dois anos depois, em 2004, o produtor, que fazia somente pecuária, aventurou- -se na agricultura. A primeira experiência já foi com integração, consorciando milho com feijão-guandu (Sistema Santa Brígida), para melhorar a fertilidade do solo. Alguns anos mais tarde, já cultivando soja, além de milho, Silva partiu para formação de bra- quiarão e depois ruziziensis, no sistema de plantio direto, logo após a colheita do grão. “Tive problemas com a ruziensis por causa do ataque de cigarrinhas. Além disso, o capim produzia pouco e a lotação era muito baixa. Então o João K me sugeriu plantar o Mombaça”, relembra. Os primeiros plantios foram feitos cobrindo as sementes, prática que mudou em 2011, quando uma empresa de aviação agrícola se instalou ao lado da fazenda, cujo nome está sendo mudado para Vale do São Francisco. “Eu e o piloto conseguimos regular a quantidade de sementes no equipamento do avião e então comecei a fazer a sobressemeadura”, con- ta o produtor, que testou o tanzânia, mas preferiu o mombaça. “Ele suporta uma lotação maior”, justifi- ca. A sobressemeadura é feita na lavoura de milho no momento em que as espigas começam a endurecer, “depois do ponto da pamonha”, ensina, e “na soja quando as folhas das plantas estão lourando”. Por ocasião desta reportagem, no início de março, Sil- va, que trabalha com bezerros de recria, estava ro- tacionando dois lotes na área de mombaça, em sis- tema de desponte e repasse: 90 animais de cabeceira iam à frente comendo a ponta do capim e 130 garro- O pioneiro Heinz Guderian Jacintho da Silva: referência para novatos Renatovillela
  • 6. Capa 56 DBO abril 2017 tinhos seguiam atrás, consumindo a porção mediana do capim. Neste ano, o produtor não plantou soja, portanto, terá de trabalhar com pastagens de segundo ano e não de primeiro, como preconiza o Sistema São Francisco. “Vou sofrer na seca”, prevê. Como todo pioneiro, Silva enfrentou e venceu di- ficuldades. Os relatos da sua experiência têm ajudado os pesquisadores a melhorar a técnica para facilitar a vida dos novos adeptos. “No início, tive problemas de entouceramento do capim porque errava na lotação; colocava menos animais por área. Daí tinha de pas- sar a roçadeira”, afirma. O problema foi resolvido com ajustes no manejo (veja quadro à pág. 58). No próxi- mo ciclo de plantio, Silva pretende dividir a área em piquetes menores, para reduzir a seletividade de pas- tejo e garantir o “rebaixamento” mais uniforme do ca- pim. Outro problema que enfrentou e que tem tirado o sono de muitos novatos no Sistema São Francisco é o ataque de lagartas. “As variedades de soja e milho são transgênicas, resistentes ao ataque de lagartas, mas es- ses insetos permanecem na área. Depois que o capim germina, elas descem da cultura granífera e atacam as folhas do capim”, relata. Segundo Silva, o produtor precisa ficar atento às pragas presentes na lavoura para combatê-las e evitar danos ao pasto. Ganhos expressivos A possibilidade de ter sempre pasto de primeiro ano na propriedade é o que mais atrai adeptos para o Sistema São Francisco. Embora a pesquisa ainda es- teja avaliando a técnica, os resultados a campo são animadores, como mostram os dados da Fazenda Ipê, no município de Quirinópolis. Em 2015, essa proprie- dade terminou 135 bois em apenas 50 ha de momba- ça formados com o sistema. Os animais entraram no piquete pesando 459,2 kg e ganharam 608 g/cab/dia, atingindo, após 75 dias de engorda, um peso final de 504,8 kg. O ganho no período, portanto, foi de 45,6 kg de peso vivo (PV). Como a taxa de lotação era de 2,7 UA/ha, a fazenda produziu 123 kg/ha ou 4,1 @, considerando-se um rendimento de carcaça de 50%. Os animais receberam apenas sal mineral no cocho, com consumo estimado de 100 g/cab/dia. “É um ganho expressivo, em condições de pasto, sem suplementação”, diz o pesquisador Lourival Vi- lela, da Embrapa Cerrados. Após a saída dos bois, a área alojou mais 220 garrotes até setembro, quando o pasto foi dessecado para o cultivo da safra seguin- te. Um olhar mais apurado sobre o capim ajuda a en- tender esses números. “Quando o mombaça estava pronto para ser pastejado, a oferta forrageira, mensu- rada no dia 10 de maio, era de 4,5 t de matéria seca/ ha, muito boa para essa época do ano”, diz Vilela, que propõe o seguinte raciocínio para estimar quan- tos animais a pastagem pode atender. Se um bovino consome entre 2% e 2,5% do peso vivo, isso signifi- ca que uma unidade animal (UA), que corresponde a 450 kg, ingere 10 kg de matéria seca (MS)/dia. Con- siderando-se que apenas 50% da forragem disponível por hectare seja aproveitada (2.250 kg de MS), o pas- to pode sustentar 1 UA/ha por 250 dias ou 2,5 UA/ha por um período de 100 dias. O sistema é dinâmico e evolui continuamente. Francisco Quirino Cardoso Neto, herdeiro de José Quirino (empreendedor que inspirou o nome da ci- dade de Quirinópolis), administra a holding familiar Fortaleza Participações, junto com três irmãos e al- meja diversificar as cultivares usadas no São Francis- co. “Em minha opinião, o ideal seria estabelecer uma área com mombaça e outra com braquiárias, como por exemplo a ruziziensis. Dessa forma, se aprovei- taria bem o Panicum nos primeiros meses, quando esse capim tem mais vigor, e, a partir de agosto, épo- ca em que o mombaça começa a secar, se colocaria o gado na braquiária”. Para o pesquisador Louviral Vi- lela, essa pode ser uma excelente estratégia. “A ruzi- ziensis segura mais a qualidade nutricional no auge da seca em relação ao Panicum”. Engordando vacas O produtor Ricardo Araújo Guimarães, da Fazen- da Limeira, em Quirinópolis, usa as pastagens for- mados no Sistema São Francisco para engordar vacas de descarte. Dono de um plantel de 1.600 matrizes Nelore, mantidas em uma fazenda no município de Jataí, GO, Guimarães transfere as fêmeas de engorda Ricardo Guimarães: pasto na seca para engordar vacas Produção do mombaça no Sistema São Francisco Amostragem Forragem (kg/ha de MS) Relação folha:colmo Fazenda 1 5.585 2,7 Fazenda 2 2.779 4,8 Fazenda 3 5,1 3,0 Fonte: IFGoiano; dados da safra 2015/2016
  • 7. 58 DBO abril 2017 Capa Manejo correto evita entouceiramento Se você perguntar a um produtor que desafio ele enfrenta no uso do momba- ça em ILP é provável que ele mencione o entouceiramento. Faz sentido. Essa característica própria dos capins do gê- nero Panicum pode trazer dois proble- mas para a cultura agrícola a ser planta- da posteriormente: a falta de cobertura morta (palhada) sobre o solo e o enve- lopamento da semente de soja. No pri- meiro caso, a máquina de plantio direto apenas corta a touceira que, lignificada, não “acama” sobre o solo, deixando-o descoberto. O envelopamento da se- mente, por sua vez, acontece quando os discos do implemento puxam parte da palhada para dentro do sulco de plan- tio, o que faz com que a semente caia em cima da palha ao invés de ser de- positada sobre o solo, prejudicando sua germinação. “O resultado é uma lavou- ra com muitas falhas”, diz Villela. Outro inconveniente é o estiolamento da soja, que consiste no prolongamento exces- sivo do caule em busca de luz solar. É o que os produtores chamam de “planta caneluda”. Além de provocar menor ra- mificação e, consequentemente, menor produção, o estiolamento deixa a cultu- ra mais susceptível a tombamento no caso de eventuais ventanias. Segundo Lourival Vilela, o entouce- ramento do mombaça pode ser evitado ajustando-se a taxa de lotação, de acor- do com a oferta de forragem. Dividir os piquetes e, dessa forma, diminuir a sele- tividade de pastejo, também ajuda bas- tante. No entanto, o pesquisador não vê o entouceramento como um problema frequente no Sistema São Francisco, porque o capim tem vida curta, é pas- tejado nos meses de seca e depois des- secado. “Não tem tempo suficiente para formar touceiras, nem para suas hastes engrossarem, ficando lignificadas”, ex- plica. Por precaução, alguns produto- res têm optado por aumentar a taxa de semeadura. É o caso de Ricardo Araú- jo Guimarães, da Fazenda Limeira, que joga 4 kg de sementes puras viáveis/ha, um quilo a mais do que o recomendado. “Dessa forma, eu adenso mais o mom- baça e não tenho problema algum de entouceramento”, garante ele. para a Limeira em meados de maio/início de junho. Infelizmente, nessa época, o mombaça, que é planta- do em sobressemeadura no mês de janeiro, já “pas- sou” do ponto ideal de pastejo, apresentando menor valor nutricional, mas Guimarães não tem alternati- va, porque produz sementes de capim. “Os animais somente podem entrar no pasto após a colheita dos cachos da forrageira”, explica. No ano passado, esse produtor engordou 190 va- cas em 70 ha. Elas entraram no piquete com 330 kg, no dia 10 de junho. Ganharam, em média, 1,12 kg/ cab/dia e foram para o gancho com 420 kg, após 80 dias de pastejo. Considerando-se a taxa de lotação de 2,7 UA/ha e o ganho de 90 kg no período, a produção atingiu 243 kg de PV ou 8,1 @/ha. O número impres- siona, mas é importante ressaltar que as vacas rece- beram suplementação no cocho, na proporção de 1 kg/cab/dia. Para o produtor, que debutou na pecuária há sete anos, o São Francisco tem se mostrado uma alternativa viável para concorrer com a cultura da ca- na-de-açúcar, cada vez mais presente na paisagem da região. “Colho a soja, as sementes de mombaça e ainda tenho uma safrinha de capim para engordar as vacas. Desse jeito é possível superar a cana”. Na re- gião, as usinas pagam 160 t/alqueire para os produto- res de cana de açúcar, como é o caso de Guimarães. A despeito do resultado promissor da pecuária, é preciso estar atento aos prazos da cultura agríco- la. O responsável por essa parte é seu irmão Eduardo Araújo Guimarães, que estabelece o dia 20 de setem- bro como data limite para a retirada das vacas da área a ser ocupada pela soja. “A agricultura não pode es- perar”, afirma. A integração lavoura-pecuária come- çou a fazer parte da rotina da fazenda em 2013, quan- do os irmãos decidiram retirar algumas áreas da cana e apostar na dobradinha soja/gado. Das primeiras ve- zes em que fez a sobressemeadura na soja, Ricardo usou a ruziziensis, mas depois trocou pelo momba- ça, que considera mais vantajoso. “A braquiária de- compõe muito rápido, enquanto esse Panicum, por ser mais fibroso, deixa mais palhada e, por isso, re- tém mais umidade no solo. Além disso, consigo co- locar uma cabeça por hectare a mais, em comparação com a ruziziensis”, diz. n Francisco Quirino Neto (segundo à esq.), com amigos: meta é diversificar capins. Mombaça tem crescimento cespitoso