ALKMIM, Tânia Maria. Sociolinguística. Parte I. IN: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Ana Cristina. Introdução à linguística: domínios e fronteiras, v.1, 6ª ed. São Paulo: Cortez, 2006. p.21-47.
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...
Sociolinguística - Tânia Maria Alkmin
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Linguageme sociedadeestãoligadasentresi derlodo inquestionável.Mais
do que isso,podemosafirmar que essarelaçãoé a baseda constituiçãodo ser
humano.A históriada humanidadeé a históriade seresorganizadosem socie-
dadese detentoresde um sistemade comunicaçãooral, ou seja,de uma língua.
Efetivamente,a relaçãoentrelinguageme sociedadenãoé postaem dúvidapor
ninguém,e não deveriaestarausente,portanto,dasreflexõessobreo fenômeno
lingüístico.Por que se fala, então,em Sociolingürística?Ou melhor,por que
existeuma área,dentro da Lingüística,para tratar,especificamente,das rela-
çõesentrelinguageme sociedade- a Sociolingüística?A linguagernnãoseria,
essencialmente,um fenômenode naturezasocial?As respostasa questõescomo
essasnãosãotãoóbvias.Pararespondê-las,é precisoconsiderarrazõesde natu-
rezahistórica,maisprecisamente,o contextosocialmaisamploem quesesituam
aquelesquesededicama pensaro fenômenolingüístico.Assim, inicialmente,é
necessáriolevar em contaque os estudiososdo fenômenolingüístico,corrìo
homensde seutempo,assumiramposturasteóricasem consonânciacom o fazet
2. Ç
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:..rNïtoDUçÁoALrNGÜisïrCA
científicoda tradiçãoculturalem que estavaminseridos.Nessesentido,asteo-
riasdelinguagem,do passadoou atuais,semprerefletemconcepçõesparticula-
resde fenômenolingúísticoe compreensõesdistintasdo papeldestena vida
social.Mais concretamente,em cadaépoca,as teoriaslingüísticasdefinem,a
seumodo,a naturezae aScaracterísticasrelevantesdo fenômenolingüístico.E,
evidentemente,a maneirade descrevê-loe de analisá-lo.
Alguns manuaisde históriada Lingüísticanosoferecemum panoramade
diversasabordagensno estudodo fenômenolingüísticor.Observemos,a título
ilustrativo,algunscomentáriosde CâmaraJr., em História cla Líttgíiística,a
respeitodo IingüistaalemãoAugusto Schleicher,cujostrabalhostiveram forte
impactono séculoXIX:
Schleichernãoeraapenasum lingüistamastambémum estudiosodasciências
naturaisdedicando-seà botânica.Estefatodera-lheumaorientaçãoa favordas
ciênciasdanatuieza.Ademais,deacordocoma filosofiadeHegel,quedominou
o pensamentoalemãodessaépoca,asciênciashumanas,incluindoa história,são
o produtodo livrepensamentodohomeme nãopodemsercolocadassoba int-lu-
ênciadeleisimutáveise geraistaiscomoo fenômenodanatureza.
Ora,Schleicher,comotodosos lingüistasanteíioresa ele' tinhaa ambiçãode
elevaro estudodalinguagemao statLtsdeumaciênciarigorosacomrigorosasleis
dedesenvolvimento2.
É assimque Schleicherse propõea colocara Lingüísticano campo das
ciênciasnaturais,dissociando-ada tradiçãofilológica, vista por ele como um
ramoda História,ciênciahumana.Parao referidolingüistaalemão,o desenvo[-
vimerÌtoda linguagemera comparávelao de uma planta que llasce,crescee
mone segundoleis físicas.A linguagemé vistacomo um organismonaturalao
qual se aplica,portanto,o conceitode evolução,desenvolvidopor Darwin. A
esserespeitocâmara Jr. reÌatao que sesegue:
De acordocomSchleicher,cadalínguaé o produtodaaçãodeum complexode
substânciasnaturaisnocérebroe noaparelhofonador.Estudarumalínguaé,por-
tanto,umaabordagemindiretaa estecomplexode matérias.Destamaneira,foi
elelevadoa adiantarquea diversidadedaslínguasdependedadiversidadedos
cérebroseórgãosfonadoresdoshomens,deacordocomassuasraças.E associou
l. Ver CâmaraJr.,J.M. Hìstóriada Lingiìístü:a.Rio deJaneiro,Vozes,
de la Linguistíque.De Suninera.Sar.r.rure,Paris,PUF, l99l I Wartburg,W.
e nútodosda Ltugüística.SãoPaulo,Difel, 1975.(títulooriginal, 1943)
2. CâmaraJr.,J. M. Op. cit.,p. 50.
1975;Malmberg,B. Histoirc
von & Ulmann,S. Problenn"'
SocloLlNGúÍ5TlcÁ:porleI
a línguaà raçademaneiraindissolúvel.Advogouquea línguaé o critériomais
adequadoparaseprocederà classilicaçãoracialdahumanidader.
A orientaçãobiologizanteque schleicherimprimiu à Lingüísticada sua
épocaafastou,evidentemente,todaconsideraçãode ordem sociale culturalno
tratodo fenômenolingüístico.
A relaçãoentrelinguageme sociedade,reconhecida,masnem sempreas-
sumidacomo determinante,erìcontra-sediretamenteligadaà questãoda deter-
minaçãodo objeto de estudoda Lingüística.Isto é, embora admira-seque a
relaçãolinguagem-sociedadesejaevidentepor si só,é possívelprivilegiaruma
determinadaóptica,e estadecisãorepercutena visãoque se tem clofenômeno
lingüístico,de sua naturezae caracterização.Nessesentido,a Lingüísticado
séculoXX teve um papeldecisivona questãoda consideraçãoda relaçãolin-
guagem-sociedade:é estaque seencaÍregade excluir todaconsideraçãode na-
turezasocial,históricae culturalna observação,descrição,análisee interpreta-
ção do fenômenolingtiístico.Referimo-nos,aqui, à constituiçãoda traclição
estruturalista,iniciadapor Saussureem seuCursocleLingíiísticageral,em 1916.
E Saussurequem definea língua,por oposiçãoà fala,como o objetocentralda
Lingüística.Na visãodo autor,a língua é o sistemasubjacenteà atividadeda
fala, mais concretanìente,é o sistemainvarianteque pode ser abstraídodas
múltiplas variaçõesobserváveisda fala. Da fala, se ocuparáa Estilística,ou,
maisamplamente,a LingüísticaExterna.A Lingüística,propriamentedita,terá
como tarefadescrevero sistemaforma[,a língua.Inaugura-se,assim,a chama-
da abordagemimanenteda língua,que,em termossaussureanos,significaafas-
tar "tudo o que lhe sejaestranhoao organismo,ao seusistema"a.
Interessantemente,parasaussure,a línguaé um fato social,no senticlocle
queé um sistemaconvencionaladquiridopelosindivíduosno convíviosocial.
Mais precisamente,eleapontaa linguagemcom a faculdadenaturalquepcrmi-
te ao homem constituiruma língua.Em conseqüência,a língua se caracteriza
pol'ser"um produtosocialda faculdadeda Ìinguagem"5.
Saussureprivilegiao caráterformal e estruturaldo fenômenolingüístico,
emborareconheçaa importânciade consideraçõesde naturezaetnológica,his-
tóricae política.segundoele, "o estudodos fenômenoslingüísticosexternosé
muito frutífero;mas é falso dizer que sem estesnão seriaDossívelconhecero
3. CâmaraJr.,J. M. Op.cit.,p. 51.
4. Saussure,F. de.cursode Lfugíiístirageral.3. ed.sãopaulo,Cultrix,Ì9g L (títuloorgincl,l9lób)
5. Saussure,F. de.Op.cit.,p.17.
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?4 TNTRODUçÁOÁ LrNGÚiSTrCA
organismolingüísticointerno"6.Saussureinstitucionalizaa distinçãoentreuma
LingúísticaInternaopostaa uma LingüísticaExterna.E essadicotomiaque
dividirá,de maneirapermanente,o campodosestudosiingüísticoscontemporâ-
neos,em que orientaçõesformais se opõem a orientaçõescontextuais,sencio
que estas últimas se encontramfragmentadassob o rótulo das muitas
interdisciplinas:Sociolingüística,Etnolingüística,Psicolingüísticaetc.
A tradiçãode relacionarlinguageme sociedade,ou, mais precisamente,
língua,culturae sociedade,estáinscritana reflexãode váriosautoresdo século
XX. Integradosou nãoà grandecorrenteestruturalista,que ocupouo centroda
cena teórica,particularmente,a partir dos anos 1930,encontramoslingüistas
cujasobrassãoreferênciasobrigatórias,quandosetratade pensara questãodo
social no campo dos estudoslingüísticos.Não caberia,aqui, enumerartodos
essesestudiosos,masuma brevereferênciaa algunsnomes,ligadosao contexto
europeu,impõe-se:Antoine Meillet, Mikhail Bakhtin,Marcel Cohen,Émile
Benvenistee RomanJakobson.
Meillet, aluno de Saussure,filia-se à orientaçãodiacrônicados estudos
lingüísticos,mas, para ele, a históriadas línguasé inseparávelda história da
culturae da sociedade:é essaabordagemquepodemosver em suaobra,sobrea
históriado latim, EsqtLissecl'utteltistoirede la lcutguelatitrc.A propósitodesse
lingüistafrancês,cabedestacarsuavisãodo fenômenolingüístico,bem ilustra-
da por um trechode suaaula inauguralno ColègecleFratrce,em 1906:
Ora,a linguagemé,eminentemente,umfatosocial.Tem-se,freqüentemente,re-
petidoqueaslínguasnãoexistemÍbradossujeitosqueasfalam,e,emconseqüên-
ciadisto,nãohár'azõesparalhesatribuirumaexistênciaautônoma,umserpalti-
cular.Estaé umaconstataçãoóbvia,massemforça,comoa maiorpartedaspro-
posiçõesevidentes.Pois,seareiilidadedeumalínguanãoé algoclesubstancial,
istonãosignificaquenãosejareal.Estarealidadeé,aomesmotempo,lingüística
e socialT.
Bakhtin (1929),com suacríticaradicalà posturasaussureana,trazparao
centroda cenadosestr.rdoslingüísticosa noçãode comunicaçãosocial:
6, Saussure,F. de.Op,cit.,p. 3l.
7. O (extooriginalde MEILLET é o quesesegue:"Or, le langageesténrinementun faitsocial.On a
souvcntlepetéquelesÌanguesn'existentpasen dehorsdessujetsquelesparlent,et queparsuiteon n'est
pasfondéà leut attribucruneexistenceautonome,un êtreproprc.C'estuneconstatalionévidcntc,mais
salìspoÌtée,commela plupartdesproposirionsévidcntes.Carsi la réalitéd'unelanguen'est.pasquelquc
chosede substantiel,eÌlen'en existepasmoins.Cettererlitéestà la fois linguistiqueet socialc".In:
Mcillct, A. Estluissed'wrc lúsíoirede la langualatürc.Pxis, Klincksiek,1977,p. 16.(títulooriginal,
I 928)
SOCIOLINGUISïICÁ;pcrloÍ 25
A verdadeirasubstânciadalínguanãoé constituídapor um sistemaabstratode
formaslingüísticas,nempelaenunciaçãomonológicaisolada,nempeloato
psicofisiológicodesuaprodução,maspelcfenômenosocialdaitúeraçr1overbal
realizadaatravésda,enunciaçãooudasenunciações.A interaçãoverbalconstitui
assima realidadefundamentaldalíneua8.
De uma perspectivadiferenteda de Bakhtin, Jakobson,outro lingüista
russo,explicitasuavisãosobrea relaçãoentrelinguageme contextosocial,em
que a noçãode comunicaçãotem tambémum papelcentral.ParaJakobson,o
princípioda homogeneidadedo código lingüístico,postuladopor Saussure
(1916),e adotadopelaLingüística,"não passade uma ficçãodesconcertante"e,
já que todo indivíduo participade diferentescomunidadeslingüísticase todo
código lingüísticoé "multiforme e compreendeuma hierarquiade subcódigos
diversos,livrementeescolhidospelosujeitofaiante"r0,segundoafunçãodamen-
sagem,do interlocutorao qual sedirige e da relaçãoexistenteentreos falantes
envolvidosna situaçãocomunicativa.
ParaJakobson(1960),o pontode partidaé o processocomunicativoâm-
plo, e isso o leva a ultrapassara óptica estreitade uma análisedo fenômeno
lingüísticoancoradaapenasem suascaracterísticasestruturais.Ao privilegiaro
processocomunicativo,o referidoautorprivilegiatambérnos aspectosfuncio-
nais da linguagem.É o que podemosver com clarezaem seu célebreartigo
Lingüística e poética, em que Jakobson identifica os fatores constitutivos de
todo ato de comunicação verbal: o remetente,a mensageft4o destinatário, o
contexto,o canal e o código. Cada um dessesfatoresdetermina uma diferente
função de linguagem, seguindo-se,então,que "a estruturaverbal de uma men-
sagemdependebasicamentedafunçãopredominante"rt.Assim é que,por exem-
plo, a predominânciado fator remetenteconfiguraa funçãoemotivaou expres-
siva, que exprime "a atitude de quem fala em relaçãoàquiÌo de que estáfalan-
do"r2,e seevidencia,entreoutrosprocedimentos,pelo usode interjeições,pela
alteraçãode duraçãode vogais (por exemplo, em português,graande).
8. Bakhtin,M. Marxisnn eJiLosrfÍada linguagent.5.ed. SãoPaulo,Hucitec,1990,p. 123.(título
original,1929)
9. Jakobson,R. Relaçõesentrea ciôncidda linguageme as outrasriAtu:ìat.Lisboa,Bertrand,1973,
p.29.
10.Ibidem,p. 29.
ll. Jakobson,R. Lingüísticae poética.ln: Lüryuísticae conturúcação.São Paulo,Cultrix, 1970,
p.123.(títulooriginal,1960)
12. Jakobson,R. Linguísticae corttutticaçã.o.SãoPauÌo,Cultrix, p,124
4. rNïRoouçÁoÀLncúisrrcn
Em 1956,o francêsMarcelCohenpublicouPouru.nesociologiedu langage
- republicado,em I'971,com o novo título de Mutériau.xpour rurcsociologie
du langage- em que advogaa necessidadede um diálogo entreas ciências
humanas,afirmando que
'líos
fenômenoslingüísticosse realizamno contexto
variáveldosacontecimentossociais"r3.Mas,aoassumiro postuladosaussureano
de que é preciso separaraspectosinternose aspectosexternosno estudodas
línguas,Cohen assumea questãodas relaçõesentrelinguageme sociedadea
partirda consideraçãode fatoresexternos.Nessesentido,o referidoauroresra-
beleceum repertóriode tópicos de interessepara um estudosociológicoda
linguagem,como,por exemplo,o estudodasrelaçõesentreasdivisõessociaise
asvariedadesde linguagem,que permiteabordartemascomo: a distinçãoentre
variedadesrurais,urbanase declassessociais,osestilosde linguagem(varieda-
desformais e informais), asformas de tratamento,a linguagemde grupos segre-
gados(argão de estudantes,de marginais,de profissionaisetc.).
Finalmente,algunsrápidoscomentáriossobreBenveniste,lingüistafran-
cês, cuja reflexão marcou profundamente a Lingüística francesacontemporâ-
neaem gerale, particularmente,o campoda Análisedo Discursota.Exporemos
aqui apenasalgunscomentáriosque tematizama questãodas relaçõesentre
linguageme sociedade.ParaBenveniste(1963),"é dentroda,e pelalíngua,que
indivíduo e sociedadese determinammutuamente"15,dado que ambos só ga-
nhamexistênciapelalíngua.É que a línguaé a manifestaçãoconcretada facul-
dadehumanada linguagem,isto é, da faculdadehumanade simbolizar.sendo
assim,ó pelo exercícioda linguagem,peia utilizaçãoda língua,que o homem
constróisuarelaçãocom a naturezae com osoutroslromens.Em outrostermos,
"a linguagem sempreserealizadentro de uma língua, de uma estruturalingüís-
tica definida e particular, inseparávelde uma sociedadedefinida e pafticular"16.
Logo, línguae sociedadenão podemserconcebidasuma sema outra.
Particularmente, em "Estrutura da língua e estrutura da sociedacle",
Benveniste(1968) discutea questãoque nos interessaaqui. segundo ele, "a
idéia de procurar entre estasduas entidadesrelaçõesunívocas que fariam
13.O textooriginalde Cohen(1956)é o quesesegue:"Lesphénomèneslinguistiquesserealizent
danslecadrechangeantdesévénementssociaux".In: Cohen,M. Malériauxpour unesrxktlogiedu langage.
Paris,Maspcro,1956,v. 2, p. 30.
14. Cf. particularmenteo famosoartigode Benveniste,"O aparelhoformal claenunciação",in
Benveniste,E., Problenusde lhgiií.tticageral II, Sío Paulo,Cia. EditoraNacional/EDUSp,1989.(título
original,1974;.
l5' Benveniste,E. Proltlenasde Lhgüístk:aGerat..SãoPaulo,Cia. EclitoraNacional/EDUSp,1976.
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1 6 .I b i d e m .o . 3 1 .
SOCIOLINGUISTICATporleI
correspondertal estruturasociala tal estruturalíngüísticaparecetrair uma vi-
sãomuitosimplistadascoisas"rT.Istoporquesociedadee línguasãograndezas
de ordemdistinta,ou melhor,têm organizaçõesestruturaisdiversas.Assim é
que a língua se organizaem unidadesdistintas,que são em número finito,
combináveise hierarquizadas- o que não se observana organizaçãosocial.
Mas, segundoo autor,algumaspropriedadesaproximam língua e sociedade:
sãorealidadesinconscientes,representama natureza,são sempreherdadase
nãopodernserabolidaspelavontadedos homens.Há, no entanto,uma dimen-
sãoprivativada língua,quea colocanum planoespecial:seupodercoercitivo,
quetransformaum agregadode indivíduosem umacomunidade,criandoa pos-
sibilidadedaproduçãoe da subsistênciacoletiva,ParaBenveniste,a questãoda
relaçãoentre línguae sociedadese resolvepelaconsideraçãoda línguacomo
instrumentode análiseda sociedade.Ele afirmaquea línguacontérna socieda-
de e por isto é o interpretanteda sociedade.Essepapelde interpretanteé garan-
tido pelofato de quea línguaé "o instrurnentode comunicaçãoqueé e deveser
comum a todosos membrosda sociedade",possibilitando,assim,"a pr"odução
indefinidade mensagensem variedadesilimitadas"rs.Mais exatamente:"a lín-
guaé necessariamenteo instrumentopróprioparadescrever,paraconceitualìzar,
parainterpretartantoa naturezaquantoa experiência"re.Além disso,a língua
dá forma à sociedadeao exibir o semantismosocial,que consiste,principal-
mente,de designações,de fatosde vocabulário.Particularmente,o vocabulário
se apresentacomo uma fonte importanteparaos estudiososda sociedadee da
cultura,pois retém informaçõessobreasformase asfasesda organizaçãosocial,
sobreos regimespolíticosetc.Essalinha de reflexãoé exemplarmenterepre-
sentadana obra de Benveniste(1969/1970)Vocobuláriodas instituiçõesInclo'
européias.
Finalmente,cabeassinalarumaoutraconsideraçãorelevantedeBenveniste.
Paraele, a línguapermiteque o homem sesituena naturezae na sociedade;o
homem"se situanecessariamenteem umaclasse,sejauma classede autoridade
ou classeda produção"20.Em conseqüência,a língua,sendouma práticahuma-
na,"revelao usopartìcularquegruposou classesde homensfazemldela](...)e
asdifelenciaçõesquedaíresultamno interiorde umalínguacomum"zr.Vemos,
17. Benveniste,E. Problenm.çde Lingiií.tticaCeral II. São Paulo,Cia. EditoraNacional/EDUSP,
1989,p. 95. (títulooriginal,1968)
18.Ibidem,p. 98,
19.Ibidcm,p. 99.
20.Ibidem,p. l0l.
2l . lbidem,p.102.
5. TNTRoDUçAoÀuNoúÍsrrce
assim,queBenvenistearticulaa questãoda relaçãoiínguae sociedadeno plano
geral da construçãodo humanoe, particularmente,no plano dasrelaçõescon-
cretase contingentesestabelecidasna vida social.
O esboçofeito atéaqui podeserreduzidoa uma afirmaçãomuito simples:
a questãoda relaçãoé óbvia e complexaao mesmotempo.Sabemosque é ine-
gável,mas tambémque a passagemdo socialao lingüístico- e do lingüístico
ao social- não é feita com tranqüilidade.Não há consensosobreo modo de
tratare de explicitara questãoda relaçãoentrelinguageme sociedade:o fato é
que o lugar reservadoa essaconsideraçãoconstituium dos grandes"divisores
de águas"no campoda reflexãoda Lingúísticacontemporânea.
2.ASOC|OttNcÜíSrrCA:FIXAçÃODEUMCAMPODEEsÌUDOS
O termo Sociolingüística,relativoa uma áreada Lingüística,fixou-seem
1964.Mais precisamente,surgiu em um congresso,organizadopor William
Bright, naUniversidadeda CalifórniaemLos Angeles(UCLA), do qualpartici-
param vários estudiosos,que se constituíram,posteriormente,em referências
clássicasna tradiçãodos estudosvoltadosparaa questãoda relaçãoentre lin-
guageme sociedade:JohnGumperz,EinarHaugen,Wiliiam Labov,Dell Hymes,
John Fisher,JoséPedroRona.Ao organizare publicar,em 1966,os trabalhos
apresentadosno referido congressosobo título Sociolinguisrics,Bright escreve
o texto introdutório "As dimensõesda Sociolingüística"22,em que define e ca-
racterizaa nova áreade estudo.A propostade Bright paraa Sociolingüísticaé a
de que ela deve "demonstrara covariaçãosistemáticadasvariaçõesiingüística
e social.Ou seja,relacionaras variaçõeslingüísticasobserváveisem uma co-
munidadeàsdiferenciaçõesexistentesna estruturasocialdestamesmasocieda-
de"23.Segundoo referidoautor,o objeto de estudoda Sociolingüísticaé a di-
versidadelingüística.E, como queestabelecendoum roteiro paraatividadesde
pesquisaa seremdesenvolvidasna áreada Sociolingüística,Bright, na mesma
obra,identifica um conjuntode fatoressocialmentedefinidos,com os quaisse
supõeque a diversidadelingüísticaestejarelacionada,como:
a) identidadesocialdo emissorou falante- relevante,por exemplo,no
estudodosdialetosde classessociaise dasdiferençasentrefalasfemi-
ninase masculinas:
22. Ver Bright.W. As dimensõesda Sociolingüística.In
Sot:hlüryliística.Rio de Janeiro,Eldorado,1974.
23. Ibidem,p. 34.
SOCIOLINGUiSTiCÂ:porteI
identidadesocialdo receptorou ouvinte- relevante,por exemplo,no
estudodasformasde tratamento,da babytaLk(fala utilizadapor adul-
tos parasedirigirem aosbebês);
o contextosocial- relevante,por exemplo,no estudodasdiferenças
entre a forma e a funçãodos estilosformal e informal, existentesna
grandemaioriadas línguas;
o julgamentosocialdistintoque os falantesfazemdo próprio compor-
tamentolingüísticoe sobreo dosoutros,istoé, asatitudeslingüísticas.
A propósitodo nascimentoda Sociolingüística,Bachmannet al. (1981)
tecemconsideraçõesinteressantes.Segundoestesautores,o novo campoé o
lugar
ondevãoseencontrarosherdeirosdetradiçõesantigascomoa daantropologia
lingüÍstica- casodeHymes- oudadialectologiasocial- comoLabov- ede
especialistasdaexperimentaçãooudaintervençãosocial:psicólogos,sociólogos,
e mesmoplanificadores2a.
Os referidosautoresobservam,tarnbém,quea Sociolingüísticaseconsti-
tui e floresceno momentoem queo formalismo,representadopelagramáticade
Chornsky25,alcançaenormerepercussão,em rotaparao seupercursovitorioso.
Vemos,assim,que,deum lado,a preocupaçãocom asrelaçõesentrelinguagem
e sociedadetinha raízeshistóricasno contextoacadêmiconofie-ameficano,e
tambémquea oposiçãoentreumaabordagemimanenteda línguaversusa con-
sideraçãodo contextosocialé postacom grandevitalidadeno campodosestu-
dos lingüísticos.De fato, a constituiçãoda Sociolingüísticasefez, cleramente,
a partir da atividadede váriosestudiosose pesquisadoresque deramcontinui-
dadeà tradição,inauguradano começodo séculoXX por F. Boas( 191l) e seus
discípulosmaisconhecidos- EdwardSapir(1921)e BenjaminL. Whorf ( l94l):
a chamadaAntropologiaLingüística.Nessavertente,em quelinguagem,cultu-
ra e sociedadesãoconsideradosfenômenosinseparáveis,lingüistase antropó-
logostrabalhamladoa lado e, mesmo,de modo integlado.Nessesentido,o que
há de novo é a definiçãode uma áreaexplicitamentevoltadaparao tratamento
do fenômenolingüísticono contextosocialno interiorda Lingüística,animada
pelaatuaçãode lingüistase, particularmente,de estudiososformadosem cam-
pos das ciênciassociais.A Sociolingüísticanascemarcadapor uma origem
24. Bachmann,C. et al. Languageet cotrununü:atìortsstriales. P:rrìs,Hatier, 1914,p.11.
25.Remetemoso lcitoraocapítulode"Sintaxe"nestemesmovolume.
b)
c)
d)
Fonseca.M. S. & Ncves,M. F. (orgs.)
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#TNTRODUçAOA LrNGUl5ÌrCA
interclisciplinar.É oportunoassinalarqueo estabelecimentodaSociolingüística,
em 1964,é precedidopelaatuaçãode váriospesquisadores,quebuscavamarti-
culara linguagemcom aspectosde ordemsociale cultural.Destacaremos,aqui.
doisdessespesquisadores.Ern 1962,Hymespublicaum artigoemque propõe
um novo domíniode pesquisa,a Etnografiada Fala,rebatizadamaistardecomo
Etnografia da Comunicação?6.De caráterìnterdisciplinar,buscandoa contri-
buiçãode áreascomo a Etnologia,a Psicologiae a Lingüística,o novo domínio
pretendedescrevere interpretaro comportamentolingüísticono contextocultu-
ral e, deslocandoo enfoquetradicionalsobreo códigolingúístico,procuradefi-
nir as funçõesda linguagema partir da observaçãoda fala e dasregrassociais
própriasa cadacomunidade.Questõescomo Qual o cotnportantentoLingiiístico
acleclttaclopara lrcttrens,mulheres e crianças na conwnicladeX? ou Que nw-
ftrcntossão adecluaclospara o exercícìodafala na conturúdadeY? podem ser
tomadascomo pontode partidaparapesquisasem Etnografiada Comunicação.
Mais tarde,Hymes (1912)publicouum artigode grandeimpacto- "Models of
the interactionof languageand sociallife" - no qual estabeleceos princípios
teóricose metodológicosda Etnografiada Comunicação.
Em 1963,Labov publica seucélebretrabalhosobrea comunidadeda itha
de Martha's Vineyard, no litoral de Massachusetts,em que sublinhao papel
decisivo dos fatoressociaisna explicaçãoda variaçãolingüística,isto é, da
diversidadelingüísticaobservada.Nessetexto,o autorrelacionafatorescomo
idade,sexo,ocupação,origem étnica e atítucleao comportamentolingüístico
manifestodos vineyardenses,mais concretamente,à pronúnciade determina-
dos fones do inglês. Logo em 1964, Labov finaliza sua pesquisasobre a
estratificaçãosocialdo inglêsem New Yolk, em quefixa um modelode descri-
çãoe interpretaçãodo fenômenoÌingüísticono contextosocialdecomunidades
urbanas- conhecidocomo SociolingüísticaVariacionistaou Teoriada Varia-
ção,de grandeimpactona Lingüísticacontemporãnea27. A segundapartedesse
capítulotrataráespecificamentedessavertenteda Sociolingüística.
Assim, o rótulo "sociolingüística",como foi possívelobservar,reuniu e
agregou,no seu início, pesquisadoresmarcadospela formaçãoacadêmicaem
diferentescamposdo sabere marcadostambémpelapreocupaçãocom asimpli-
caçõesteóricase práticasdo fenômenolingüísticona sociedadenorte-america-
26.Hymes,D. Theethnographyof speaking,In;Gladwin,T. & Stutervant,W.C.(orgs.)Antlrroytktgv
and lur.nmnbaltavior.Washington,D.C.,The AnthropologicalSocietyof Washington,l9ó4. (título origi-
nal, Ì962)
2l . Lrbov. W. ThestratiJícationof Ettglishin New Yorkcity.Washrngton,D.C.,Centerfor Applied
Lìnsuistics.l9ó6.
SOCIOLINGUISTICA:porieI
na.Surgem,assim,pesquisasvoltadasparaasminoriaslingüísticas(imigrantes
porto-riquenhos,poloneses,italianosetc.)r8,e paraa quesÌãodo insucessoesco-
Iarde criançasoriundasde grupossociaisdesfavorecidos(negrose imigrantes,
particularmente).Em suma,a realidadediversificada,tantolingüísticacomo
cultural dos EstadosUnidos, torna-seum ponto de reflexão básicopara um
contingentesignificativode estudiosos.A propósito,valelembrarque,também
em 1964,houve um congressoem Bloomington,Indiana,em que lingüistase
cientistassociaisdebateramquestõesrelativasàsrelaçõesinterdisciplinares,ao
campoda dialectologiasocial,à escolarìzaçãodecriançasprovenientesdemeio
socialpobree de origemestrangeira.Trêsobrasreferenciaisforam organizadas
a paftirdostrabalhosapresentadosnessecongresso:Ferguson( I 965) Directiorts
in Sociolinguìstics:reporton a interdisciplìnarysenúner,Lieberson( 1966)(ed.)
Exploratiotts in Sociolinguistics,e Schuy (1964) (ed.) Social dialects artcl
Languagelearníng.
3.ASOCIOLTNGÚiSrtCl,OBJETO,CONCETTOS,PRESSUPOSTOS
Pondode maneirasimplese direta,podemosdizerqueo objetodaSociolin-
güísticaé o estudo da língua falada,observada,descritae analisadaem seu
contextosocial,istoé,em situaçõesreaisde uso.Seupontode partidaé a conu-
nidade lingüística, um conjunto de pessoasque interagem verbalmentee que
compartiihamum conjuntode normascom respeitoaosusoslingüísticos.Em
outraspalavras,uma comunidadede fala secaracterizanãopelo fato de secons-
tituir por pessoasquefalamdo mesmomodo,maspor indivíduosqueserelacio-
nam, por meio de redescornunicativasdiversas,e que orientamseucomporta-
mento verbal por um mesmo conjuntode regras.Tomemos,como exemplo,o
usodo modo imperativoem português.Paraosfalantesdo português,o impera-
tivo denotaordem, exortação,conselho,solicitação,segundoo significadodo
verboe o tom de voz utilizado,como em: "Vai-te embora"l"Ouve esteconse-
lho!"; "Vem cá!"; "Descedaí!". Consideremos,agora,asseguintesobservações
de Cunha& Cintra:
Atenuação.
Por deversociale moral,geralmenteevitamosferira suscetibilidadede nosso
interlocutorcoma rudezadeumaordem.Entreosnumerososmeiosdeouenos
I
'i
28.Ver Fishman.J
tambémFishman,J. A .
d.ontünnr:ein bìtinguals.
A . et al. Lntryuagaktyalty in tlw UtLitedStates.Mouton,The Hague,196ó.Ver
el ^1.Bìlitlsualistttitt tlrc Barrio; tlu nfta.urenwnland des<rìptktttof languagc
Washington,D.C.,Dept.of Health.EducationandWelfare.l9ír8.
7. 32 |NÌRODUçAOÁ LlNGUlSÌlCA
servimosparaenfraquecera noçãode comando,devemosressaitar(além dosjá
estudados),pelasuaeficiência,o empregode fõrmulasde polidezou de civilida-
de, tais como'.por favor, por gentilezo, cligne-sede, tenlw a botrcludeetc.:
- Fale mais alto,por favorl (F. Botelho,X, 177).
-Entrem. porfavor, quenãoocupamlugar- exclamouSeuPio.( A . F. Schmidt,
GB,r65)
- Tenhama bondadedesentare esperarum momento.[= Sentem-see esperem
um momento.l(R.Braga,CCE,272)
E claroquetambérnaquio tom de voz é de umasumaimportância.Qualquer
dessasfrasespode,nãoobstanteasfÓrmulasdecortesiaempregadas,tornar-se
rudee seca,oumesmoinsolente,coma simplesmudançadeentoação?e.
A dependerdo alcancee dosobjetosde um trabalhode naturezasocioiin-
güística,podemosselecionare descrevercornunidadesde falacomo a cidadede
New York ou a cidadedo Rio de Janeiro,de SãoPaulo,de Belém. Ou o povo
iartontânú,que vive no Estadodo Amapá. Ou, ainda,âscomunidadesdos pes-
cadoresdo litoral do Estadodo Rio de Janeiro,da iÌhade Marajó, dosestudan-
tes de Direito, dosrappers etc.
Ao estudarqualquercomunidadelingúística,a constataçãomais imediata
é a existênciade diversidadeou da variação.Istoé,todacomunidadesecaracte-
riza pelo empregode diferentesmodos de falar. A essasdiferentesmaneirasde
falar, a Sociolingüísticareservao nome de variedadeslingiiísticas. O conjunto
de variedadeslingüísticasutiÌizadopor uma comunidadeé chamadorepertório
verbal. Assim é que, a propósitoda cidadede Bruxelas,na Bélgica - país
caracter-izadopelo bilingüismo francês-flamengo(variedade do holandês) -
Fishman aponta:
Os funcionáriosadministrativosdo Governo,em Bruxelas,quesãode origem
flamenga,nemsemprefalamholandêsente sl,mesmoquandotodossabemho-
landèsmuitobeme igualntentebem.Não só háocasiõesem quefalamfrancês
ente si,em vezdeholandês,comotambémháalgumasocasiõesem quefalam
entresi o holandêsstandardenquantoem outrasusamestaou aquelavariedade
regionaldoholandês.De fato,algunsdamesmaformausamdiferentesvariedades
de francês:umavariedadeparticularmentecarregadade termosadministrativos
oficiais,outracorrespondendoaofrancêsnãotécnicofaladonoscírculosdeedu-
caçãosuperiore refinadosdaBélgica,e,aindaoutra,quenãoé apenasum "fran-
cêsmaiscoloquial"maso francêscoloquialdosquesãoflamengos.Em suma,
29.Cunha,C. & Cintra,L
Fronteira,1985.
socloLlNGüÍsÏlcA:porleI
essasdiversasvariedadesdeholandêsedeÍiancêsconstituemo repenóriolingíìís-
ticodecertoscomplexossociaisflamengosemBruxelas3o.
Casoconsideremosuma comunidadecomo a de Salvador,observaremos
queo seurepertóriolingüísticoseconstituide variedadeslingüísticasdistintas,
dadoqueoshabitantesda cidadefalamde mododiferenteem função,porexem-
plo. de sua origem regional,de sua classesocial,de suasocupações,de sua
escolaridadee tambémda situaçãoem queseencontram.Assim é queum falan-
te que pronunciaa palavra"doido" como ['dojd3u] revelasuaproveniênciada
regiãoiuteriorana,assimcomoa pronúnciadapalavra"cozinha"como [cú4'ãe]
indica,alérnda origem social,a suapoucaescolaridade.Um mesmohabitante
de Salvador,segundoa situaçãoem que seencolìtrar,poderáoptarentÍeusaras
expressões"Fiquei retado" ou "Fiquei aborrecido", assimcomo entre "João
convidouele" ou "Joãoo convidou".
Qualquer língua, falada por qualquercomunidade,exibe semprevaria-
ções.Pode-seafirmarmesmoquenenhumalínguaseapresentacomo umaenti-
dadehomogênea.Isso significa dizer que qualquerlín-quaé representadapor um
conjuntode variedades.Concretamente:o quechamamosde "língua portugue-
sa" englobaos diferentesmodosde falar utilizadopelo conjuntode seusfalan-
tesdo Brasil,em Poftugal,em Angola, Moçambique,CaboVerde,Timor etc.
Língua e variaçãosãoinseparáveis:a Socìolingüísticaencaraa diversida-
delingüísticanãocomo um problema,mascomo umaqualidadeconstitutivado
fenômenolingúístico.Nessesentido,qualquertentativade buscarapreender
apenaso invariável,o sistemasubjacente* 56vnlel deoposiçõescomo "iíngua
e fala", ou competênciae perfornrtat'Lce- significa uma reduçãona compreen-
são do fenômeno lingüístico. O aspectoformal e estruturadodo fenômeno
lingüísticoé apenaspartedo fenômenototal.
3.Ì. A vorioçóo lingüísficd:um recorte
Todasaslínguasdo mundosãosemprecontinuaçõeshistóricas.Em outras
palavras,as geraçõessucessivasde indivíduos legam a seusdescendenteso
domíniode uma línguaparticular.As mudançastemporaissãoparteda história
daslínguas.Dois exemplosde mudançahistóricano portuguêssãoilustrativos:
30. Fishman,J. A. A sociologiada linguagem.
Sociolingiií.ttica.Rio de Janeiro,Eldorado,1974,p.28
s
tr:
ï
,,
lÌ
rr
i!
F. L. Novagranútk'a do porlugu1scontemporâneo.Rio de Janeiro,Nova In: Fonseca,M. S. V, & Neves,M. F. (orgs.)
8. 34
1NTRO0UçAOA tlN6U15ÌlCA
a) no portuguêsarcaico(entreos séculosXII e XVI), ocorriam constru-
çõesimpessoaisem quea incleterminaçãodo sujeitoeraindicadapclo
vocábulo
,,homern",coll o meslrosentidoque,atualmenle,usamoso
pronome
,,se".Por exempÌo:"E pode lrornemhyr de Santarema Beia
IBeja] em quatrodias"3r,queconesponde,modenrâmente,a "E pode-
se ir de Santaréma Bejaem quatrodias";
b) a forma de tratamento"VossaSenhoria"é ateStadanosmeadosdo sé-
culo XV como expressãoreservadaao rei. Já no finaì do séculoXVI,
estapercleSeuestatutode realeza,sendoempregadano tratocom arce-
bispos,bispos,duques,marqueses,condes,alémde umagamade altos
funcionárioslcomã, por exemplo,vice-reiou governadorda Ínclia)12.
No planosincrônico,asvariaçõesobservaciasnaslínguassãorelacionáveis
a fatoresdiversos:dentrode uma mesmacomunidadede fala, pessoasde origem
geográfica,de idacle,de sexodiferentesfalamdistintamente.E bom frisar quenão
ãxisienenhumarelaçãodecausalidadeentreo fatode nascerem umadetermina-
da r.egião,serde umaclassesocialdeterminadaetc.,e falar de umacefta maneira.
os falantesadquiremas variedadeslingüísticasprópriasa sua região,a
Suaclassesocialetc.De uma perspectivageral,podemosdescrevet'asvarieda-
cleslingiiísticasa partir de dois parâmetrosbásicos:a variaçãogeográfica(ou
diatópica)e a variaçãosocial(ou diastrática).
A variaçãogeográficaou diatópicaestárelacionadaàsdiferençaslingüís-
ticasdistribuídasno espaçofísico,observáveisentrefalantesdeorigensgeográ-
ficas distintas.Alguns exemPlos:
a) brasileirose poüuguesessedistinguemem váriosaspectosde suafala.
No planolexical,apenasum exemplo:"combóio" em Poftugal,"trem"
no Brasil.No plano fonético:a pronúnciaabertada vogalanteriormé-
dia como em "prémio" ['premju], em contrastecom a pronúnciafechada
no Brasil,
,'prêmio"
['premju]. No planogramatical:derivaçõesdiver-
sasde uma raiz comum, como em ficheiro,paragem,bolseiro,que no
Brasil correspondema fichário, paradae bolsista;a colocaçãode ad-
vérbioscomo em "Lá nãovou" (Portugal)e "Não vou Ìá" (Brasil);3i
31, Dias.A. E. S. Sürra.reltistórìcaporütgtttsa.4.erl.Lisboa,Clássica,1959,p'22.(títulooriginal.
r884)
32. Cintra, L. F. L, Origensdo sistemacleformasde tratamentodo portuguêsactual ln: Sobrcas
".1'ortnasde ilatatneilto"na línguapor[t]Sttera.Lisboa,Horizonte,1972 (títulooriginal'1965)
33.Ver Câmarair., J. M, Línguaseuropéiascleuitramar:o portuguêsdo BrasiÌ.In: Dirpersos.lìio rlc
Janeiro,Fun<.laçãoGetúlioVargas,1975,(títulooriginal,1963).Ver tambémBoléo.M. P. Bresiìeirismo.
Bra:ília, v. 3, pp. 3-42, 1943.
SOCIOUNGUISÌlCA.portcI
b) entrefalantesbrasileirosorigináriosdasregiõesnordeste(incluídaa
Bahia) e sudeste,percebemosdiferençasfonéticas,como, por exem-
plo, a pronúnciade vogaismédiaspretônicas- comoocorrenapala-
vra "melado" _- pronunciadascomo vogaisabertasno nordeste
[me'ladu]e fechadasno sudesteInrc'ladul.Percebemostambémdife-
rençasgramaticais,como.por exenrplo.a preferênciapelaposposição
verbalda negação,colrìoetrÌ"sei não" (nordeste)e "não sei" (ou, "não
sei,não", no sudeste);o usodo artigodefinidoantesde nomespró-
prios cornoerrr"Falei com Joana"(nordeste)e "Falei corÌìa Joana"
(sudeste);
c) no Estadoda Bahia,por exemplo,a origemurbanaou ruralpodeser
evidenciadapelousoda expressão"de primeiro"[di prirnerol.ernlu-
gar de "antigamente","anteriormente".
Tomando-sea comunidadede fala de lírrguaportuguesacomo um todo,
podemo-nosreferir àsvariedadesbrasileira,portuguesa,baiana.curitibana,ru-
ral paulista(ou caipira)etc.
A variaçãosocialou diastrática,por suavez,relaciona-sea um conjunto
de fatoresque têm a ver com a iderrtidadedosfaÌantese tambémcom a or-qrni-
zaçãosocioculturalda comunidadede fala.Nestesentido,podernosapontaros
seguintesfatoresrelacionadosàs variaçõesde naturezasocial:a) classesocial;
b) idade;c) sexo;d) situaçãoou contextosocial.Em relaçãoaostrêsprimeiros
fatores,nos limitalemosa fornecerexemplos,rerneteudo,para um tratamento
variacionistadosfatoresernquestão,à segundapartedestecapítulo.No quediz
respeitoao fator situaçãoou contextosocial,faremosumaexposiçãoum pouco
mais aprofundada.
a) Classesocial:observemosalgunsexemplosindicativosde pertencente
à falade grupossituadosabaixona escalasocìal:
de dupla negação,como em "ninguémnão viu", "eu nem nuÌrÌ
gosto";
- n r ' È c ê n . r r r l e Í r l o m l ' , o ' ' . ' 1 a f l l a -,,.ì gruposcor'Ìsonanters.como em
"brusa"(blusa)c "grobo" (globo);
-_ na Índia,existemascastasbrâmane(superior),nãobrâmane(médie)e
intocável(inferior),quecorrespondemà hierarquiasocialvìgente.Na
áreade Bangalore,a línguaKannadaapfeserìtadadoslelativosa csta
diferenciaçãosocial:a palavra"nome" teÍnasfonnas/hesru/,"hesru",
na variedadecoloquialdos brâmanes,e /yesru/,"yesru", na variedade
nãobrâmane;a expressão"com licença"é realizadacomo /klamisu/,
9. rNÍRoDuçÁoÀ trNoúísrrcr
"k5antisu",na variedadecoloquialdos brâmanese /cemsu/,"cemsu",
na variedadecoloquialdosnãobrâmanes(Bright, i960).
b) Idade:
- o uso de léxico particular,como presenteem certasgírias("maneiro",
"esperto",com o sentidode avaliaçãopositivasobrecoisas,pessoase
situações),denotafaixa etáriajovem;
- uso de pronomeÍrr em situaçõesde interaçãoentre iguais no Rio de
Janeiro,como em "Tu viu só?", tarnbémsugereque os falantessão
jovens;
- a pronúnciafechadada vogal tônica posteriorda palavra"senhora"
[seloce] , em lugarde [sclrrce],é característicadealgunsfalantesmais
velhos.
c) Sexo:
- a duraçãode vogaiscomorecursoexpressivo,comoem "maaravilhoso",
costumaocoÍrerna fala de mulheres(Camacho,1978),assimcomo o
usofreqüentedediminutivos,como"bonitinho","gostosinho","verme-
lhinho";
- na línguaZuã| faladapor um grupoindígenada Américado Norte,os
fones [ty] e lcl faladospor pessoasdo sexofeminino conespondema
Iky] na falamasculina;
- no japonês,parao pronolnedeprimeirapessoaeu, aIémde uma forma
utilizável por todosos falantes,existemas formas"atashi",usadaex-
cÌusivamentepor mulheres,e "boku", própriaaoshomens.
d) Situaçãoou contextosocial:é um fato muito conhecidoque qualquer
pessoamuda suafala, de acordocom o(s)seu(s)interlocutor(es)- se
esteé mais velho ou hierarquicamentesuperior,por exemplo -, se-
gundo o lugar em que seencontra- em um bar,em uma conferência
- e atémesmosegundoo temada conversa- fofoca,assuntocientí-
fico. Ou seja,todo falantevariasuafaÍasegundoa sìtuaçãoem que se
encontra.
Fishman(1972)assimsepronuncia:"umasituaçãoé definidapelaco-
ocorrênciade dois(ou mais)interlocutoresmutuamenterelacionadosde uma
maneiradeterminada,comunicandosobreumdeterminadotópico.numcontex-
soctoLtt,tcüísTtcA,porr"t
to determinado"3r.Uma definíçãodessetipo possibilitadescreveros padrõesde
uma determinadasociedadecom respeitoao uso das variedadeslingüísticas.
Isto é, qual o comportamentolingüísticoadequadoàs situaçõesem que seen-
contramos falantes.Consideremos,por exemplo.a situaçãode uma defesade
tesee a comemoraçãoque sesegueà aprovaçãodestatese,queenvolveasmes-
maspessoas.As diferençasexistentesentreasduassituações- temadascon-
versas,local etc.* podemfazer com que uma sociedadeconsidereadequado
utilizarvariedadeslingüísticasdiferentesou a mesma.Segue-se,então,quecada
gruposocialestabeleceum contínuode situaçõescujospólosextremose opos-
tos sãorepresentadospelafonrrctlidadee irtfornnliclctde.Em nossasociedade,
conferências,entrevistasparaobtençãode emprego,solicitaçãode informação
a um desconhecido,contatoentre vendedorese clientessão,ern geral,vistos
como situaçõesformais. Já situaçõescomo passeatas,mesasredondassobre
esporte,bate-papoem bar, festasde Natal nasempresassão definidascomo
informais.As variedadeslingüísticasutilizadaspelos participantesdas situa-
çõesdevem corresponderàs expectativassociaisconvencionais:o falanteque
nãoatenderàsconvençõespodereceberalgumtipo de "punição",representada,
por exemplo, por um franzft de sobrancelhas.
Há um tipo de interaçãosocialparticularernque urnfalantedecidemudar
de variedadelingüísticasem que tenhaocorridomudançade situação:é o que
Fishman(L972)chamade mudançantetafórica.Um bom exemploé uma con-
versaem que o pai interrogaa filha nos seguintestermos:"Aonde a senhora
pensaque vai?" - em que o usoda forma de tratamento"senhora"estáobvia-
rnentecxrregadode ironia.
Aprende-sea faìar na convivência.Mas, maís do que isso,aprendemos
quandodevemosfalar de um certomodo e quandodevemosfalar de outro.Os
indivíduosque integramuma comunidadeprecisamsaberquandodevemmudar
de uma variedadeparaoutra.SegundoFishman(1,972),os membrosde qual-
quercomunidade"adquiremlentae inconscientementeascotnpetênciasconur-
nicativa e sociolingiiísrica,com respeitoao uso apropriadoda língua"35.Em
termoscollcretos,é possívelafirmar que os falantesaprendemquandopodem
falare quandodevempermanecerem silêncio,sepodemutilizar a forma impe-
rativaparadar uma ordem ou sedevemse valerde uma expressãomodalizada,
como em "saiam daqui,já" ou "por favor, dirijam-seà saída";se é oportuno
34. Fishman,J. A. A sociologiada linguagcm.In: Fonscca,M. S. V. & Ncvcs,Ní. F. (orgs.)
Soriolütgiiístìrc.Rio de Janeiro,Eldorado,1974.p.29. (títulooriginal,1972)
35. lbidem.
10. TNTRoDUçÃoÁ LtNçúísrtcn
dizer"tô fora" ou "nãovai serpossível";ou,ainda,"a gentenãosabia"ou "não
sabíamos",ou ainda"desconhecíamos".
Às variaçõeslingüísticasrelacionadasao contextochamamosde vu'irt-
çõesestíLísticrÍ.rou registros.Nessesentido,osfalantesdiversificamsuafala-
isto é, usam estilosou registrosdistintos- em íunçãodascircunstânciasem
que ocorremsuasinteraçõesverbais.SegundoCamacho,os falantesadequam
suasformasde expressãoàsfinalidadesespecíficasde seuatoenunciativo,sen-
do que tal adequação"decorrede uma seleçãodentreo conjuntode formasque
constituio saberlingüísticoindividual,de um modomaisou menosconscien-
te"36.A seleçãode formasenvolve,naturalmente,um grau maior ou menor de
reflexão,por partedo falante:o uso do estilo formal, em relaçãoao informal,
requeruma atuaçãomais consciente.Assim é queobservamosestilosdistintos
quandoum falanteconversacom um amigo ou colrl vizinhos recém-conheci-
dos,ou com um rnédico,duranteumaconsulta,bemcomo aoescreverum bilhe-
te a um colegade faculdade,uma cartaà seçãode leitoresde utn jomal ou ao
elaborarum relatóriodirigido a um superiorno trabalho.A terminologia pal'ase
referiraosdiferentesestilosde falanãoé nadaptecisa.Utilizamos,muito generi-
camente,expressõescomoestilosforutal, infornnl, coloquial,.faniliar, pessoal.
A noçãode situação- tal como foi definida- tem um alcancerestrito,
reduzindo-se,praticamente,àconsideraçãodacenaem queocorremasinterações
verbais.É,itit e proclutivoentendersituaçãodeumaperspectivamaisabrangente,
a saber,como o contextosocialglobal de uma comunidade,com suasmarcas
históricase culturaispróplias.Pensamosaqui, particularmente,nos contextos
ritualísticose religiososque,tomadoscomo pontode partida,sugeremo estudo
de variedadese usoslirigüísticosespeciais.Assim,por exemplo,o contextodas
tradiçõesreligiosassugereo estudodas linguagensesotéricas,das fórmulas e
invocaçõesplopiciatóriasàs práticasda relaçãocom o mundo do sagtado'O
contexto da ordenaçãojur'ídica,por sua vez, sugereo estudodas variedades
lingüísticasparticularesutilizadaspelostabeliães,advogados,juízes e promo-
toresnosjulgamentos.
No campo dos usosreligiosos,cabecitar o fascinautetrabalhode Michel
Leiris (1948),La larryuesecrèïedes DogortcleScutga,que seocupada língua
iniciáticado povo Dogon que habitauma regiãodo atual Mali (antigo Sudão
Francôs).Sobre a comunidadebrasileira,há um interessanteestudode Maria
36. Camacho,R. A variaçãolingüística.lt'. Subsídiosà propostacurrbular tle líttguaportusutsQ
para o sagundogrzrr.SãoPaLrlo,CENP,Secretariado Estadoda Educação,v. lV, I978,p.| 7.
SOCiOtlNGUISï|CArporleI
IzabelS.Magalhães(1985),Tlrcrezasuttl benzeçrles:healüryspccchactivities
irt Brazil, que focaliza a prática lingüísticade benzedores,a partir de dados
coletadoserncidades-satólitesde Brasília.
W. M. O'Barr & J.F. O'Barr (1976)organizaramum volume,deextremo
interesse- Lrntgu.ageatd politícs- em que analisama questãodasrelações
entrelinguageme o funcionamentodo sistemacieordenaçõeslegaisna Íncliae
na Tanzânia,dois paísesque compartilhamalgumascaracterísticasmarcantes:
sãoex-colôniasinglesas,sociedadesplurilíngüese plecisampensara questão
da relaçãoentrea herançahistóricatradicionale a recente,produzidapelo
colonialismoinglês.
Os parâmetrosda variaçãolingüísticasãodiversos,como se pode inferir
da exposiçãofeita até aqui. Paraefeito de apresentação,isolamosos fatoresa
que a variaçãolingüística,como um todo,estárelacionada.Não podernosdei-
xar de apontar,no entanto,que,na realidadedasrelaçõessociais,os fatoresde
variaçãoseencontramimbricados.No atode interagirverbalmente,um falante
utilizaráa variedadelingüísticarelativaa suaregiãode origem, classesocial,
idade,escolaridade,sexo etc. e segundoa situaçãoem que se encontrâr.Por
exemplo: um brasileiro,nascido em Recife, apresentará,sempre,vogais
pretônicasabertascoltloern [reau] "real", masaindaa dependerde suaescola-
ridade,da origem rural ou urbana,utllizará,o verbo "assuntar" ou "prestar aten-
ção" e, a dependerda situação,dirá "Fui nada"ou "Fui não".
3.2.Asvoriedqdeslingüísticose o estruturosociql
Comojá foi dito,emqualquercomunidadedefala,podemosobservara
coexistênciade umconjuntodevariedadeslingüístìcas.Essacoexistência,en-
tretanto,nãosedánovácuo,masnocontextodasrelaçõessociaisestabelecidas
pelaestruturasociopolíticadecadacomunidade.Narealidadeobjetivadavida
sociai,hásempreumaordenaçãovalorativadasvariedadeslingüísticasemuso,
querefletea hierarquiadosgrupossociais.Istoé, em todasascomunidades
existemvariedadesquesãoconsideradassuperiorese outrasinferiores.Em ou-
traspalavras,comoafirmaGnerre,"umavariedadelingüística'vale'o que'va-
lem' na sociedadeos seusfalantes,istoé, valecomoreflexodo podere da
autoridadequeelestêmnasrelaçõeseconômicase sociais"rT.Constata-se,de
37.Cnerre,M. Lhguagetn,escritae poder.Sr'oPaulo.MartinsFontes,1985,p. 4. (câpítuloI
guagem,podere discrimrnação)
Lin-
11. 40 lNrRoDUçÂoÀLtlcÚÍsrtcr
modo muito evidente, a existênciade variedaclesde prestígio e de varieclatles
rtãoprestigiadasnassociedadesem geral.As sociedadesde tradiçãoocidental
oferecemum casoparticularde variedadeprestigiada:a variedadepaclrão.A
variedadepadrãoé a variedadelingüísticasocialmentemais valorizada,de re-
conhecidoprestígiodentrode umacomunidade,cujousoé,normalmente,reque-
rido em situaçõesde interaçãodeterminadas,deflinidaspelacomunidadecomo
próprias,em funçãoda formalidadeda situação,do assuntotratado,da relação
entreos interlocutoresetc.A questãoda línguapadrãotem umaenoÍrneimpor-
tânciaem sociedadescomo a nossa.Algumas consideraçõesa seurespeitose
impõem.
A variedadepadrãode uma comunidade- tambémchamadanorma culta,
ou línguaculta- nãoé, como o sensocomum fazcrer,a línguapor excelência,
a iíngua original, postaem circulação,da qual os falantesse apropriamcomo
podem ou sãocapazes.O que chamamosde variedadepadrãoé o resultadode
uma atitudesocialantea língua,que setraduz,de um lado,pelaseleçãode um
dos modos de falar entreos váriosexistentesna comunidadee, de outro, pelo
estabelecimentode um conjunto de normas que definem o modo "cometo" de
falar. Tradicionalmente, o melhor modo de falar e as regras do bom uso
correspondemaoshábitoslingüísticosdosgrupossocialmentedominantes.Em
nossassociedadesde tradição ocidental, a variedadepadrão, historicamente,
coincide com a variedadefalada pelasclassessociaisaltas,de determinadas
regiõesgeográficas.Ou melhor, coincide com a variedadelingüísticafalada
pela nobreza,pela burguesia,pelo habitantede núcleosurbanos,que sãocen-
trosdo poder econômicoe do sistemaculturalpredominante.
Fishman(1970)definea padronização,istoé, o estabelecimentoda varie-
dadepadrão,como um tratamentosocialcaracteístico da língua,que se verifi-
ca quandohá diversidadesocialsuficientee necessidadede elaboraçãosimbó-
lica. Em outraspalavras,a definição de uma variedadepadrãorepresentao ideal
da homogeneidadeem meio à realidadeconcretada variaçãolingüística- algo
que,por estaracimado corpo social,representao conjuntode suasdiversidades
e contradições.A variedadealçadaà condiçãode padrãonão detém proprieda-
desintrínsecasque garantemuma qualidade"naturalmente" superioràsdemais
variedades.Na verdade,a padronizaçãoé semprehistoricamentedefinida. Isto
é, cadaépocadeterminao que consideracomo forma padrão:determinadaspro-
núncias,construçõesgramaticaise expressõeslexicais.Segue-se,então,que
certas formas podem ser consideradascomo pertencentesà variedadepadrão
em uma épocae deixar de sê-lo em outra.As línguasmudam incessantemente,e
a definição do "certo", do "agradável" e do "adequado" também. Na prática,
podemosconcordarcom Fishman, o que é padrãopode tornar-senão padrão,e
soclOtlNGÜÍSTICA:porte| 4r
o que é consideradonão padrãopode serestabelecidocomo padrão.A história
da línguaportuguesa,como a de tantasoutras,oferece-nosinumeráveisexem-
plos dessaordem de fatos.Consideremos,a propósito,os seguintesexemplos
do séculoXVI:
- asformas"dereito", "despois","frecha", "frito", "premeìramente",hoje
desabonadas,sãoencontradasno textoda cartade PeroVaz de Cami-
nha.de 1500;
- as formas "frauta", "escuitar","intonce", assimcomo as construções
sintáticasdo tipo "desejade comprar"(com a presençada preposição
cle)e "se esta gente,cuja valia e obra tanto amaste/nãoqueresque
padeçam vitupório" (concordânciado sujeito gente com o verbo
flexionadono plural) - hojeconsideradasincorretas- sãoencontra-
das em Os Lusíadas,de Camões(1572).
como sevô,representaçõesdepronúnciase construçõesgramaticaisates-
tadasem textoslegitimadosnãosãomaisconsideradascomo "bom uso".como
entender,então,queocorrênciasequivalentes,tãovivas em variedadesnãopa-
drõescontemporâneas,como por exemplo"Framengo","ele devede sair,ago-
ra" e "a gentefomos lá", sejamconsideradascomo "erradas","flrutode ignorân-
cia"? A fala das classesaltasmudou e a de outrosgrupossociaisreteveesses
usos:essefoi o "erro".
A avaliaçãosocial das variedadeslingüísticasé um fato observávelem
qualquercomunidadeda fala.Freqüentemente,ouvimosfalarem línguas"sim-
ples", "inferiores", "primitivas". Paraa Lingi.iística,essetipo de afirmaçãoca-
recede qualquerfundamentocientífico.Toda línguaé adequadaà comuniclade
que a utiliza,é um sistemacompÌetoque permitea um povo exprirniro mundo
físicoe simbólicoem que vive. É absolutamenteimprópriodizerquehá línguas
pobresem vocabulário.Não existemtambémsistemasgramaticaisimperfeitos.
seria um contra-sensoimaginarsereshumanoscom uma "meia língua".A falta
de léxicoespecíficoparadescrever,por exemplo,a astronomiana línguade urn
povo correspondeao desinteressepor esteassunto:a sociedadenãotem neces-
sidadede dominar estedado do real. caso a sociedadenecessite,bastafazer
empréstimoslingüísticos:o contatocuIturalcom outrospovos.o conhecimento
de novosconteúdosou a descobertade realidadesatéentãodesconhecidassãoo
motordaelaboraçãode novosconceitose daproduçãode novaspalavras.euanto
ao aspectogramatica[,o estudodasmaisdistintaslínguastem reveladoque ele
seapresentasemprecomo um sistemaorganizadoe coerentede regras.As lín-
guasdiferementresi em numerososaspectos,e essasdiferençascorrespondem
ao patrimônioexpressivoda humanidade.
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12. 42 rNïRoDUçÃoÀ uNcüisrrce
Assimcomonãoexistemlínguas"inferiores",nãoexistemvariedadeslin-
güísticas"inferiores".Como vimos,as línguasnãosãohomogênease a varia-
ção observávelem todaselasé produto de suahistóriae do seupresente.Enr
que se baseiam,então,asavaliaçõessociais?Podemosafirmar,com todatran-
qüilidade,que os julgamentossociaisantea língua- ou melhoras atitudes
sociais- sebaseiamem critériosnão[ingüísticos:sãojulgamentosde natureza
políticae social.Não é casual,portanto,que sejulgue "f,eia"a variedadedos
falantesde origem rural, de classesocial baixa,com pouca escolaridade,de
regiõesculturalmentedesvalorizadas.Por que seconsidera"desagradável"o r
retroflexo,o chamador ccLipira,presenteem realizaçõescomo ['pc4tu] "por-
ta"? Afinal, a mesmaarticulaçãoretroflexaocorreernpalavl'asdo inglêscomo
[kafl "car" (carro),que ninguémsentecomo "feia". Em resumo:julgamos não
a fala, maso falante,e o fazemosem funçãode suainserçãona estruturasocial.
Para a Sociolingüística,a naturezavariávelda língua é um pressuposto
fundamental,que orientae sustentaa observação,a descriçãoe a interpretação
do comportamentolingüístico.As diferençaslingüísticas,observáveisnasco-
munidadesem geral,sãovistascomo um dadoinerenteao fenômenolingüístico.
A não aceitaçãoda diferençaé responsávelpor numerosose nefastosprecon-
ceitossociaise,nesteaspecto,o preconceitolingüísticoteÌÌìum efeitoparticular-
mentenegativo.A sociedadereagedemaneiraparticulârmenteconsensualquan-
do setratade questõeslingüísticas:ficamosunanimementechocadosdianteda
paÌavrainadequada,daconcordânciaverbalnãorealizada,do estiloimpróprioà
situaçãode fala. A intolerâncialingüísticaé um dos comportamentossociais
mais facilmenteobserváveis,sejana mídia,nasrelaçõessociaiscotidianas,nos
espaçosinstìtucionaisetc.A rejeiçãoa certasvariedadeslingüísticas,concreti-
zadana desqualificaçãode pronúncias,de construçõesgramaticaise de usos
vocabulares,é compartilhadasemmaioresconflitospelosnãoespecialistasem
linguagem.O sensocomum operacom a idéia de que existeuma língua - o
bem social à disposiçãode todos- que é adquiridadistintamente,em função
de condiçõesdiversas,pelosfalantes.Na realidade,existesempreum conjunto
de variedadeslingüísticasem circulaçãono meio social.Aprende-sea varieda-
de a que seé exposto,e nãohá nadade erradocom essasvariedades.Os grupos
sociaisdão continuidadeà herançalingüísticarecebida.Nessesentido,é preci-
so ter cìaro que os grupos situadosembaixona escalasocial não adquirem a
línguade modo imperfeito,nãodeturpama língua"comum". A homogeneidade
lingüísticaé um mito, quepodeter conseqüênciasgravesna vida social.Pensar
quea diferençalingüísticaé um mal a sereruadicadojustifica a práticada exclu-
sãoe do bloqueioao acessoa benssociais.Trata-sesemprede impor a cultura
dos grupos detentoresdo poder (ou a eles ligados)aos outros grupos- e a
SOCIOLINGUISTICA:poae| 43
línguaé unrdoscomponentesdo sistemacultural.A existênciade uma varieda-
depadrão,quedeslocatodasasoutrasvariedadeslingúísticase cria um contex-
to de relaçõesassimétrìcasentrefalantesde uma comunidade,é um exemplo
objetivodessaquestão.Cabeaosusuáriosdasvariedadesnão-paclrõesadotara
variedadesocialmenteaceitável- pelomerÌos,em certascircunstâncias,como
ernsituaçãode falapúblicaou duranteurrraentrevistaem uma agênciade em-
prego.Por queaprenderum outromodo de falar?Ondeadquiriresteoutron'ìodo
de falar?A motivaçãoparafalar um outro rnodode falaré sempresocial,e isso
podeserproduzidopelaescola.ou pelaexperiênciasocial.De qualquermanei-
ra,a decisãode falarde um modo distintodaquelequeaprendemosnãosecon-
cretizafacilmente:há sempreum longo caminhoa percorrer,tanto mais longo
quantomais distantese encontrao falantedos padrõeslingüísticose culturais
legitimados.
4.CONSTDERAçótSrrHatS
Marcadapor uma heterogeneidadeoriginal, a Sociolingüísticados anos
1960podeservistacomo o pontode partidadenovascorrel'ltese orientaçõesde
pesquisas,centradasno trato do fenômenolingúísticorelacionadoao contexto
sociale cultural, que se distinguem,de forma mais evidente,pela vinculação
explícitaa algum campodasciênciashumanas.De uma perspectivabem gelal,
podemosapontara Antropologiae a Sociologiacomo áreasrelevantes.Dentre
estascofferìtes,destacaremosapenasalgumas:
- a Sociologiada Linguagem,representadapor J. Fishman;
- a SociolingüísticaInteracional,ligadaao nomede J. Gumperz;
- a DialectologiaSocial, associadaao trabalhode estudiososcomo R.
Shuye P. Trudgil;
- aEtnografiada Comunicação,inseparáveldo nomedeD. Hymes,refe-
rida anteriormente.Caberia,também,uma referência,nestavertente,
aos trabalhosde R. Bauman e J. Sherzer,voltados,particularmente,
paraa questãoda arteverbale da poéticadosgênerosde fala.
Algumas antologias,bastantecitadas,oferecemuma visãoda produçãono
campoda Sociolingüísticae permitemobservara diversidadede ternasestuda-
dos e de abordagenspraticadas,como, por exemplo:Pride,J. B. & Holms, J.
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