SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 113
Baixar para ler offline
ALESSANDRA FAVERO
1ª edição
SESES
rio de janeiro  2017
LITERATURA
POPULAR REGIONAL
Conselho editorial  roberto paes e luciana varga
Autor do original  alessandra favero
Projeto editorial  roberto paes
Coordenação de produção  luciana varga, paula r. de a. machado e aline karina
rabello
Projeto gráfico  paulo vitor bastos
Diagramação  joão coelho
Revisão linguística  flávia flores
Revisão de conteúdo  luiz carlos de sá campos
Imagem de capa  billion photos | shutterstock.com
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2017.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)
F237l Favero, Alessandra
	 Literatura popular regional. / Alessandra Favero.
	 Rio de Janeiro: SESES, 2017.
	 112 p.: il.
	 ISBN 978-85-5548-435-3
	 1.Literatura. 2. Cultura. 3. Erudito. 4.Popular. 5.Identidade.
	 I. SESES. II. Estácio.
CDD 869.07
Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento
Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário
Prefácio								 5
1.	A Cultura do Povo	 7
Povo	8
Cultura	13
Cultura Popular e Não Popular	 17
Cultura e Identidade Nacional	 22
2.	A Cultura em Movimenrto	 31
Um Pouco da Origem da Literatura Popular	 32
O Teatro Popular	 34
A Literatura e Seus Reflexos na Música Popular 	 37
O Cinema a Serviço da Literatura	 43
A Dança Como Expressão Cultural Popular	 45
A Realidade Social do Artista e a Receptividade do Público	 49
3.	A Literatura Regional	 57
A Literatura Regional ao Longo dos Movimentos: Contexto
Histórico-social	58
A Literatura Regional no Romantismo	 63
Bernardo Guimarães e Franklin Távora	 63
Sintetizando a Literatura Regional Expressa pelos Românticos	 65
A Literatura Regional no Pré-modernismo em Monteiro Lobato	 67
A Literatura Regional no Modernismo	 69
Guimarães Rosa	 70
A Literatura Regional no Pós-modernismo	 74
4.	A Literatura Regional Popular: Tecendo
Considerações	81
O Poder dos Discursos Populares e as Diferentes Esferas Sociais	 82
A Produção de Cultura de Massa nas Transformações Subjetivas
e Coletivas	 88
A Literatura de Cordel	 92
Literatura de Cordel: O Surgimento	 94
Ariano Suassuna	 99
Centros de Estudos Formais	 101
5
Prefácio
Prezados(as) alunos(as),
Nossa disciplina apresenta um olhar atento à pluralidade da cultura e da literatura
popular nacional, pois estamos preocupados com a sua formação literária e cultural;
suas competências de leitura e interação com a cultura popular de uma maneira geral.
Diante dessa preocupação, a compreensão da literatura como atividade artística está
irrefutavelmente vinculada ao estudo empreendido pelas disciplinas que têm como
objeto de estudo o fenômeno literário e, por conseguinte, as obras dele resultantes.
Um discurso pode ser considerado "literatura" a partir de determinadas caracte-
rísticas e valores que o particularizem em relação aos demais tipos de textos, embora
as diversas categorizações acerca da natureza e da finalidade da literatura, sejam elas
visões de pensadores independentes ou à mercê de instituições políticas, não se con-
figurem suficientes para identificar ou definir a literariedade em uma ou em várias
obras de ficção. Desse modo, é importante aliar aos estudos literários informações,
conhecimentos, conceitos e questões linguísticas, históricas, sociológicas etc.
Sabemos que a natureza do discurso literário está fundamentalmente subor-
dinada ao plano diacrônico, isto é, deve transmitir técnica, caracteres, símbolos,
sentido e estilo que o vinculem imediatamente à tradição literária, em uma atitude
do autor diante de sua obra de recriação, aceitação ou ruptura com a linguagem,
que “desgastada” pelo uso, é substituída por novas formas de expressão. Por outro
lado, o artista estabelece novos olhares e soluções para temas universais.
Para tanto, é preciso conhecer os gêneros diversos da expressão artística regio-
nal, como cinema, teatro, música etc., bem como avaliar os discursos, relacionan-
do-os e descrevendo-os segundo os respectivos contextos histórico-sociais a fim de
remover as balizas que restringem a interpretação a termos unicamente subjetivos.
Por fim, passaremos a compreender o fenômeno artístico regional à luz da tradição
literária, arquétipos e estilos, e identificar as características dos movimentos artís-
ticos das regiões brasileiras.
Nesse sentido, a análise das manifestações culturais populares não deve se des-
vincular da história da literatura nem das várias formas de expressão literária, com
a finalidade de não descontextualizar as reflexões sobre literatura popular regional
do âmbito da tradição literária, e no que concerne aos estudos pretendidos, da
tradição literária brasileira.
Bons estudos!
A Cultura do Povo
1
capítulo 1 • 8
Neste primeiro capítulo, daremos início à discussão sobre povo e cultura,
para que possamos conhecer a situação da expressão artística popular atualmente
configurada no Brasil.
Para isso, precisamos entender o conceito de "povo", o que é "popular" e
"não-popular", o problema da identidade nacional, que apesar de tantos contrastes
e riqueza de aspectos culturais está, em geral, associada à espontaneidade do povo,
ao artesão e às classes mais modestas.
Desse modo, iremos ampliar o conhecimento geral, desenvolver o senso crítico
e apreender o conteúdo através das possíveis relações de significado, histórico e
socialmente contextualizado, entre os discursos apresentados.
OBJETIVOS
Nosso objetivo é exercitar o olhar acadêmico sobre as manifestações artístico-literárias
que, a priori, não pertencem à tradição..
Povo
De acordo com o Dicionário Aurélio, povo é o termo que designa não só
os habitantes de determinado país, mas também a classe considerada inferior na
escala social. Por isso, quando resolvemos adentrar o mundo da literatura popular
regional, nosso foco recai sobre as massas, sobre os indivíduos pertencentes a um
setor econômico menos abastado. É justamente o povo que iremos observar, não
só em suas manifestações literárias regionais, mas também em suas manifestações
culturais como um todo, visto que é impossível dissociar cultura, sociedade
e literatura.
A obra modernista “Operários”, de Tarsila do Amaral, exemplifica bem a
formação do povo brasileiro.
capítulo 1 • 9
Figura 1.1  –  “Operários”, de Tarsila do Amaral
CONCEITO
1 Conjunto dos habitantes de uma nação ou de uma localidade.
2 Pequena povoação.
3 Lugarejo.
4 Aglomeração de pessoas.
5 O terceiro estado da Nação Portuguesa.
6 Grande número, quantidade.
7 As nações.
8 povo miúdo: classe inferior da sociedade.
Disponível na https://dicionariodoaurelio.com/povo, acesso em 1-8-2016.
	 O povo forma uma camada da sociedade; é uma comunidade que
compartilha do mesmo passado histórico, da mesma experiência de vida, dos
mesmoscostumesedasmesmastradições,ouseja,compartilhamdamesmacultura.
capítulo 1 • 10
	 Antigamente, o termo povo era utilizado para se referir à população
rural, que vivia no campo e desenvolvia atividades agrícolas. Daí a importância
do resgate da tradição oral cultivada pelos agricultores, camponeses, artesãos, etc.
Isso explica o interesse dos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, que percorreram as
sociedades agrícolas da Alemanha e da Europa como um todo, com a finalidade
de registrar a produção cultural oral que refletia a tradição do povo.
Figura 1.2  –  Jacob e Wilhelm Grimm
É interessante notar que a tradição oral revela um saber do povo que era
transmitido por meio de histórias - em forma de mitos, contos e lendas - cantigas,
celebrações, etc. Por isso, é importante entender como povo e folclore estão
relacionados.
O termo folclore foi criado por Willian John Thoms, arqueólogo inglês, em
1846, da seguinte forma:
capítulo 1 • 11
Figura 1.3  –  ilustração do conceito de folclore
Segundo Vilhena, o termo folclore era usado para indicar o saber tradicional
preservado pela transmissão oral entre os camponeses, com o significado de
“antiguidades populares”, “literatura popular” (1997, p.24).
FOLKLORE
SABER DO POVO
FOLK
POVO
LORE
SABER
capítulo 1 • 12
Figura 1.4  –  transmissão oral das histórias do povo
A busca pelo saber popular existe desde muito antes da criação do termo
folclore. Dentre vários artistas e estudiosos, os românticos se tornaram os
“responsáveis pela fabricação de um popular ingênuo, anônimo, espelho da alma
nacional, [sendo] os folcloristas seus continuadores, buscando no positivismo
emergente um modelo para interpretá-lo.” (VILHENA, 1997, p. 24)
O positivismo é uma corrente filosófica que acompanha o capitalismo e que
ganhou força e se desenvolveu plenamente no século XIX. Seguindo a tendência
iluminista, os estudiosos entendiam que:
(...) o domínio científico da natureza permitia liberdade da escassez,
da necessidade e da arbitrariedade das calamidades naturais. O
desenvolvimento de formas racionais de organização social e de modos
racionais de pensamento prometia a libertação das irracionalidades
do mito, da religião, da superstição, liberação do uso arbitrário do
poder, bem como do lado sombrio da nossa própria natureza humana.
Somente por meio desse projeto poderiam as qualidades universais,
eternas e imutáveis de toda a humanidade ser reveladas. (HARVEY,
1999, p. 23).
capítulo 1 • 13
CONCEITO
Positivismo
1 Sistema filosófico que, banindo a metafísica e o sobrenatural, se funda na consideração
do que é material e evidente.
2 Tendência a encarar a vida unicamente pelo lado prático.
Disponível na https://dicionariodoaurelio.com/positivismo, com acesso em 1-8-2016.
Iluminismo
1 Doutrina de certos movimentos religiosos marginais, baseada na crença de uma
iluminação interior ou em revelações inspiradas diretamente por Deus.
2 Movimento de renovação científica na Itália, no século XVIII.
Disponível na https://dicionariodoaurelio.com/iluminismo, com acesso em 1-8-2016.
Cultura
Quando pensamos em cultura, é normal relacionarmos o termo à produção
artística em geral – literatura, música, dança, arquitetura etc. Porém, a tendência
atual nos leva aos campos da Antropologia, da História e da Sociologia. Como se
vê, o termo cultura está diretamente relacionado ao homem; ao ser humano. Por
isso, podemos afirmar que:
A cultura deve ser compreendida como algo inerente aos seres
humanos. Não há cultura fora dos humanos. O conceito de cultura,
portanto, contrapõe-se a uma existência não cultural, natural, em que
prevalecem os instintos básicos do ser humano como animal. Toda
criação humana material ou não-material, é cultura; onde não há criação
ou intervenção humana, temos somente a natureza e não cultura. Em
decorrência disso, podemos falar em meio ambiente natural e cultural.
(DIAS, 2010, p. 64).
capítulo 1 • 14
Desse modo, passamos a entender a cultura, como destaca Peter Burke (1989,
p. 25), como o modo de vida de uma determinada sociedade: o modo de expres-
são, sua alimentação, suas tradições, etc., que fazem com que viver em socieda-
de tenha sentido. Ou seja, cultura é “um conjunto integral dos ins-trumentos e
bens de consumo, nos códigos constitucionais dos vários grupos da sociedade, nas
ideias e artes, crenças e costumes humanos” (DIAS, 2010, p. 67).
Assim, cultura se refere à:
Produção de fenômenos que contribuem, mediante a representação ou
reelaboração simbólica das estruturas materiais, para a compreensão,
reprodução ou transformação do sistema social, ou seja, a cultura diz
respeito a todas as práticas e instituições dedicadas à administração,
renovação e reestruturação do sentido (CANCLINI, 1983, p. 29)..
Por isso, em nossa sociedade, cultura e folclore estão inter-relacionados como
a expressão do nosso povo brasileiro.
Figura 1.5  –  Folclore
capítulo 1 • 15
Você deve estar se perguntando se a cultura é, necessariamente, uma estrutura
material. Canclini explica que:
Os processos ideais (de representação e reelaboração simbólica)
remetem a estruturas mentais, a operações de reprodução ou
transformação social, a práticas e instituições que, por mais que se
ocupem da cultura, implicam uma certa materialidade. E não só isso:
não existe produção de sentido que não esteja inserida em estruturas
materiais (1983, p. 29)..
A ideia de que a cultura é uma estrutura material tem tudo a ver com a ideia
de que a sociedade interage e se comunica por meio de sistemas simbólicos.
Segundo Bourdieu (2010, p. 10): “enquanto instrumentos de conhecimento e de
comunicação, eles [os sistemas simbólicos] tornam possível o consensus acerca do
sentido do mundo social e con¬tribui para a reprodução da ordem social”.
EXEMPLO
A religião, a língua, a arte, a ciência, as leis do Direito, etc., são sistemas simbólicos.
Para Bordieu,
os grupos sociais, e sobretudo as classes sociais, existem, por assim
dizer duas vezes, e isso acontece antes da intervenção do próprio olhar
científico: existem na objetividade da primeira ordem, aquela que é
registrada por distribuições de propriedades materiais; e existem na
objetividade da segunda ordem, a das classificações contrastadas
e das representações produzidas por agentes com base em um
conhecimento prático dessas distribuições, tais como são expressadas
nos estilos de vida.
Ser a cultura dotada de estruturas materiais e sistemas simbólicos não significa
dizer que seja específica ou limitada, pois, como destaca Chartier (1975, p. 184):
capítulo 1 • 16
é inútil querer identificar a [por exemplo] cultura popular a partir da
distribuição supostamente específica de certos objetos ou modelos
culturais. O que importa, de fato, tanto quanto sua repartição, sempre
mais complexa do que parece, é sua apropriação pelos grupos ou
indivíduos.
A cultura deve ser a representação de várias classes sociais, por isso:
não se pode mais aceitar acriticamente uma sociologia da distribuição
que supõe implicitamente que à hierarquia das classes ou grupos
corresponde uma hierarquia paralela das produções e dos hábitos
culturais (CHARTIER; 1975, p. 184)..
Quando falamos em hierarquia social, pensamos automaticamente em uma
hierarquia baseada em recursos econômicos. Infelizmente, os mais abastados
pertencem às classes A e B, enquanto os menos favorecidos estão nas classe
de C a E.
Figura 1.6  –  Hierarquia social
capítulo 1 • 17
Felizmente, esse pensamento não se aplica ao entendimento da cultura. Em
termos culturais, não há hierarquia, não se aceita uma escala. O que existe é uma
diferença na expressão cultural como um todo, já que “cada época da História
mundial teve o seu reflexo na cultura popular.” (BAKHTIN, 2002, p. 419).
Passemos, então, ao entendimento dos termos utilizados para designar os
diferentes tipos de cultura.
Cultura Popular e Não Popular
A expressão ‘cultura popular’ surge como uma denúncia dos conceitos
culturais em voga que buscam esconder o seu caráter de classe.
Quando se fala em cultura popular, acentua-se a necessidade de pôr
a cultura a serviço do povo, isto é, dos interesses efetivos do país. Em
suma, deixa-se clara a separação entre uma cultura desligada do povo,
não popular, e outra que se volta para ele e, com isso, coloca-se o
problema da responsabilidade social do intelectual, o que o obriga a
uma opção (GULLAR, 1965, p.1).
Embora tenhamos entendido que a cultura não deve seguir uma hierarquia,
é preciso reconhecer que podemos e devemos fazer da cultura uma forma de
expressão de uma classe, o que vai ajudar o país como um todo no reconhecimento
do seu povo. Por isso, costuma-se usar dois termos: cultura popular, que está
diretamente ligada ao povo, e cultura não popular, que se distancia dele.
A cultura popular envolve músicas ou cantigas, danças, crenças, literatura,
costumes, artesanatos, e qualquer outro modo de expressão de um povo,
expressão esta que é conservada pelas diversas gerações e geralmente transmitida
pela oralidade.
Muitas são as formas de cultura popular que são mantidas ao longo do tempo,
como é o caso das cantigas do sul, das histórias do centro-oeste, da literatura de
cordel nordestina, das receitas baianas, das rodas de samba etc. Como se pode
notar, são atividades do dia a dia que são mantidas como tradição e cultura. São
ensinadas em casa pelos pais e avós, e se mantêm vivas e inalteradas.
capítulo 1 • 18
Figura 1.7  –  “Roda de samba”, de Caribé
Já a cultura não popular é a chamada erudita, considerada superior, ensinada
nas escolas e instituições e normalmente apreciada por um público das classes
sociais mais abastadas, já que seu ingresso é restrito a quem possui o necessário
para desfrutar dela. Está presente nos museus que expõem obras de arte de grandes
artistas da humanidade, nas óperas consagradas e nos espetáculos de teatro, aos
quais poucos têm acesso.
Figura 1.8  –  “O Fantasma da Ópera”
capítulo 1 • 19
Temos também a chamada cultura de massa, que é acessível à maior parte da
população, e que não deve ser confundida com a cultura popular. A cultura de massa
não possui valor cultural, pois é veiculada pelos meios de comunicação de massa
como um produto feito pela indústria cultural para ser consumido e descartado.
Figura 1.9  –  Cultura de massa: alienação
No entanto, como destaca Ortiz (2002, p. 24):
Cabe lembrar que nenhuma sociedade, antes do século XX, conheceu
um tipo de instituição semelhante, na qual a organização da cultura
encontra-se em grande parte separada da vida daqueles que a utilizam.
Graças aos meios tecnológicos, os produtos elaborados industrialmente
podem ser difundidos em escala ampliada. A indústria cultural funciona,
portanto, como uma instituição social, competindo diretamente com
outras instituições como família, religião e partidos políticos.
É importante saber que a cultura de massa, funcionando como instituição
social, pode causar alienação a seus consumidores quando o conteúdo é absorvido
sem reflexão. Isso propaga a ideia da diversão e do entretenimento que, mascarado,
serve para tornar o espectador impotente. Apesar da ilusão de ser ele o sujeito ativo
de tudo, na verdade, ele não passa de objeto.
capítulo 1 • 20
Divertir-se significa estar de acordo. A diversão é possível apenas
enquanto se isola e se afasta a totalidade do processo social, enquanto
se renuncia absurdamente desde o início à pretensão inelutável de
toda obra, mesmo da mais insignificante: a de, em sua limitação, refletir
o todo. Divertir-se significa que não devemos pensar, que devemos
esquecer a dor, mesmo onde ela se mostra. É, de fato, fuga, mas não,
como pretende, fuga da realidade perversa, mas sim do último grão
de resistência que a realidade ainda pode ter deixado. A libertação
prometida pelo entretenimento é a do pensamento como negação. A
impudência da pergunta retórica: “Que é que a gente quer?” consiste
em se dirigir às pessoas fingindo tratá-las como sujeitos pensantes,
quando seu fito, na verdade, é o de desabituá-las ao contato com a
subjetividade. (ADORNO, 2002, p. 44-45).
A charge a seguir ilustra bem o nível de alienação de alguns espectadores:
Figura 1.10  –  Cultura de massa: alienação
E você, sabe definir, sinteticamente, cultura, cultura de massa, cultura erudita
e cultura popular?
Não? Então leia o artigo “Cultura de massa, cultura popular e cultura erudita”.
capítulo 1 • 21
ESTUDO DE CASO
Cultura de Massa, Cultura Popular e Cultura Erudita
Cultura, segundo a definição clássica de Edward B. Tylor, considerado o pai do conceito
moderno de cultura, é “aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte,
a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem
como membro da sociedade”.
A cultura de massa é aquela considerada, por uma maioria, sem valor cultural real. Ela é
veiculada nos meios de comunicação de massa e é apreciada pela massa. É preciso entender
que massa não é uma definição de classe social, e sim uma forma de se referir à maioria da
população. Essa cultura é produto da indústria cultural.
A indústria cultural produz conteúdo para ser consumido, sem se prender a técnicas. É
produto do capitalismo e é feita para ser comercializada. Theodoro W. Adorno, filósofo ale-
mão da Escola de Frankfurt, é defensor da ideia de que a cultura de massa é imposta pelos
meios de comunicação de massa à população, que apenas absorve.
Já a cultura erudita é aquela considerada superior, normalmente apreciada por um pú-
blico com maior acúmulo de capital, e seu acesso é restrito a quem possui o necessário para
usufruir dela. A cultura erudita está muitas vezes ligada a museus e obras de arte, óperas e
espetáculos de teatro, cujos preços são elevados. Existem projetos que levam esse tipo de
cultura às massas, oferecendo a preços acessíveis ou gratuitamente, concertos de música
clássica e projetos culturais.
Como o acesso a esse tipo de cultura é restrito a um grupo pequeno, ela é associada
ao poder econômico e é considerada superior. Essa consideração pode se tornar preconcei-
tuosa e desmerecer as outras formas de cultura. O erudito é tudo aquilo que demanda muito
estudo, mas não se deve pensar que uma expressão cultural popular como o hip-hop, por
exemplo, é inferior a uma sinfonia clássica.
A cultura popular é qualquer estilo musical e de dança, crença, literatura, costumes, ar-
tesanato e outras formas de expressão transmitidas por um povo, ao longo de gerações e,
geralmente, de forma oral. Por exemplo, a literatura de cordel dos nordestinos e a culinária do
povo baiano, são algumas das formas de cultura popular que resistem ao tempo.
Essa cultura não é produzida mediante muitos estudos, mas é aprendida de forma sim-
ples, em casa, com a convivência no meio. Ela está ligada à tradição e não é ensinada nas
escolas. A cultura popular é extremamente contemporânea, pois resiste ao tempo e raramen-
te se modifica.
capítulo 1 • 22
Essa cultura vem do povo; não é imposta por uma indústria cultural ou por uma elite. Por
exemplo, o carnaval é uma festa da cultura popular brasileira. O frevo é uma dança brasileira,
mas é muito mais expressiva no norte do país. Ela representa a diferença de cada povo, do
micro ao macro.
Fonte: https://goo.gl/CqHrKy.
Acesso em 10-08-2016.
Cultura e Identidade Nacional
Foi só no final do século XIX que os intelectuais brasileiros iniciaram seus
estudos sobre folclore. Diferentemente dos intelectuais de outros países, os
brasileiros se preocupavam com a questão da construção de uma identidade
nacional.
Daí a pergunta: Quem somos nós? O que queremos?
Essa pergunta chega até os dias de hoje. Ainda no século XXI, estamos preocupados
com a construção da nossa identidade nacional.
Ante essa questão, é preciso reconhecer que nosso país é formado por três raças:
a branca, a negra e a indígena. Desse modo, nossa identidade nacional é fruto da
miscigenação. É só a partir desse reconhecimento que teremos condições de refletir
e entender como cultura popular e identidade nacional estão inter-relacionadas.
O escritor Gilberto Freire, em “Casa Grande & Senzala”, narra a formação da
identidade nacional brasileira a partir da miscigenação. Vale a pena conhecer essa
obra, que marca o surgimento da nação brasileira a partir de três raças. Portanto,
PERGUNTA
capítulo 1 • 23
“Casa-Grande & Senzala” (1933) analisa, nas palavras do próprio
autor, "uma sociedade agrária na estrutura, escravocrata na técnica
de exploração econômica, híbrida de índio - e mais tarde negro - na
composição". Trata-se da primeira obra a reconhecer a contribuição
decisiva do negro para a formação da sociedade brasileira, tarefa
empreendida priorizando-se os fatores econômicos e sociais, em
detrimento dos de clima e raça (...)
Disponível na https://goo.gl/isF4CH.
Acesso em 3-8-2016..
Gilberto de Mello Freyre (Recife PE 1900 - idem 1987). Sociólogo, ensaísta, desenhista,
poeta e romancista. Filho do professor e juiz Alfredo Freyre e de Francisca de Mello Freyre,
estuda, desde o jardim de infância, no Colégio Americano Gilreath, onde enfrenta dificulda-
des no processo de alfabetização. Tem aulas particulares de pintura, desenvolvendo desde
muito cedo a habilidade nessa área. Aos 14 anos, participa da sociedade literária do colégio,
atuando como redator-chefe do jornal “O Lábaro”, editado pelos alunos, no qual publica seus
primeiros artigos. Tendo concluído o curso de bacharel em Ciências e Letras no Gilreath em
1917, segue, no ano seguinte, para os Estados Unidos. Forma-se bacharel em Artes pela
Universidade de Baylor e ingressa na pós-graduação da Faculdade de Ciências Políticas
da Universidade de Colúmbia, em Nova York, obtendo o grau de mestre em 1922. Em uma
viagem pela Europa, convive com artistas brasileiros como Tarsila do Amaral (1886 - 1973)
e Victor Brecheret (1894 - 1955). Retorna ao Brasil em 1923, quando passa a colaborar no
“Diário de Pernambuco”. Organiza, em 1925, o livro que comemora o centenário da fundação
do jornal, “Livro do Nordeste”, no qual é publicado pela primeira vez o poema “Evocação do
Recife”, composto, a seu pedido, por Manuel Bandeira (1886 - 1968), de quem se torna
amigo. Nessa mesma época, aproxima-se de José Lins do Rego (1901 - 1957), e o incita
a escrever romances em vez de artigos políticos. Após trabalhar durante três anos com o
governador de Pernambuco, Estácio Coimbra, o acompanha em seu exílio, conhecendo par-
te do continente africano e permanecendo em Lisboa. A viagem é decisiva, conforme seu
próprio relato, para a redação de “Casa-Grande & Senzala”, obra publicada em 1933 e que
inova na análise da formação da sociedade brasileira. O projeto tem continuidade em dois
outros livros: “Sobrados e Mucambos”, de 1936, e “Ordem e Progresso”, de 1959. Em 1942,
é preso após denunciar, em um artigo, atividades nazistas e racistas no Brasil, e é liberado
AUTOR
capítulo 1 • 24
no dia seguinte. Eleito deputado federal em 1946, participa da Assembleia Constituinte,
permanecendo na casa por apenas um mandato. Além de colaborar em diversos periódicos,
como “O Estado de S. Paulo”, “Correio da Manhã” e o argentino “La Nación”, viaja pelo Brasil
e pelo exterior proferindo conferências, e é congratulado por instituições diversas, como as
universidades Sorbonne, na França, Coimbra, em Portugal, Sussex, na Inglaterra, e Münster,
na Alemanha. Escreve ensaios e também poemas, como “Bahia de Todos os Santos e de
Quase Todos os Pecados”, publicado em “Talvez Poesia”, de 1962, considerado por Bandeira
como "um dos mais saborosos do ciclo das cidades brasileiras"; e obras de ficção, como
“Dona Sinhá e o Filho Padre”, de 1964. Morre em sua cidade natal, após submeter-se a uma
série de cirurgias, em 1987.
Disponível na http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa1785/gilberto-freyre.
Acesso em 3-8-2016.
Por Freire destacar e reconhecer a contribuição decisiva do negro para a
formação da sociedade brasileira, pode-se pensar que o negro sempre foi respeitado
e consagrado na nossa nação. Ledo engano, pois, como salienta Ortiz:
O mestiço, enquanto produto do cruzamento entre raças desiguais,
encerra, (...) os defeitos e taras transmitidos pela herança biológica.
A apatia, a imprevidência, o desequilíbrio moral, e intelectual, a
inconsistência, seriam dessa forma qualidades naturais do elemento
brasileiro. A mestiçagem simbólica traduz, assim, a realidade
inferiorizada do elemento mestiço concreto. Dentro dessa perspectiva
a miscigenação moral, intelectual e racial do povo brasileiro só pode
existir enquanto possibilidade. O ideal nacional é na verdade uma
utopia a ser realizada no futuro, ou seja, no processo de branqueamento
da sociedade brasileira. É na cadeia da evolução social que poderão
ser eliminados os estigmas das ‘raças inferiores’, o que politicamente
coloca a construção de um Estado nacional como meta e não como
realidade presente (ORTIZ,1994, p. 21)..
Hoje, nos parece um contrassenso pensar na ideia de branqueamento do
povo brasileiro, tomando como exemplo nossos irmãos alemães, que cometeram
tantas atrocidades com a humanidade, matando milhões de judeus por serem
considerados inferiores, já que a raça ariana era a considerada “pura”. Mas essa
ideia não morreu. Há, ainda nos dias de hoje, muita gente preconceituosa, que
considera a própria raça superior, seja ela branca, negra ou oriental.
capítulo 1 • 25
Um ponto extremamente importante em “Casa Grande e Senzala”, é que
Gilberto Freyre transforma a negatividade do mestiço em
positividade, o que permite completar definitivamente os contornos
de uma identidade que há muito vinha sendo desenhada. Só que
as condições sociais eram agora diferentes, a sociedade brasileira
já não mais se encontrava no num período de transição, os rumos
do desenvolvimento eram claros e até um novo Estado procurava
orientar essas mudanças. O mito das três raças torna-se então
plausível e pode se atualizar como ritual. A ideologia da mestiçagem,
que estava aprisionada nas ambiguidades das teorias racistas, ao
serem reelaboradas, pode difundir-se socialmente e se tornar senso
comum, ritualmente celebrado nas relações do cotidiano, ou nos
grandes eventos como carnaval e o futebol. O que era mestiço torna-
se nacional (ORTIZ,1994, p. 41).
Desse modo, o negro é reconhecido como fator importante na formação da
sociedade brasileira, e o mestiço passa a ser sinônimo da nossa identidade cultural,
representando o país de modo grandioso, como pudemos acompanhar na festa de
abertura das Olimpíadas Rio 2016.
Figura 1.11  –  A chegada dos negros ao Brasil
capítulo 1 • 26
CONEXÃO
“Casa Grande e Senzala”, documentário produzido por Nelson Pereira dos Santos a partir
da obra de Gilberto Freyre. Disponível em https://goo.gl/puhdCH.
Acesso em 12-8-2016.
LEITURA
Que tal indicar a leitura de “Casa Grande & Senzala” em quadrinhos aos seus alunos?
Figura 1.12  –  “Casa Grande & Senzala”, de Gilberto Freire
capítulo 1 • 27
ATIVIDADE
1.	 Reflita sobre o excerto da obra “Cultura brasileira e identidade nacional”, de Renato
Ortiz (São Paulo: Brasiliense, 1994.):
A indústria cultural adquire, portanto, a possibilidade de equacionar
uma identidade nacional, mas reinterpretando-a em termos
mercadológicos; a ideia de ‘nação integrada’ passa a representar a
interligação dos consumidores potenciais espalhados pelo território
nacional. Nesse sentido se pode afirmar que o nacional se identifica
ao mercado; à correspondência que se fazia anteriormente, cultura
nacional-popular, substitui-se uma outra, cultura mercado-consumo
(ORTIZ,1994, p. 165).
2.	 Reflita sobre o excerto da obra de Néstor Garcia Canclini, “As culturas populares no
capitalismo” (São Paulo: Brasiliense, 1983):
O que vê o turista: enfeite para comprar e decorar seu apartamento,
cerimônias "selvagens", evidências de que sua sociedade é
superior, símbolos de viagens exóticas a lugares remotos, portanto,
do seu poder aquisitivo. A cultura é tratada de modo semelhante
à natureza: um espetáculo. As praias ensolaradas e as danças
indígenas são vistas de maneira igual. O passado se mistura com
o presente, as pessoas significam o mesmo que as pedras: uma
cerimônia do dia dos mortos e uma pirâmide maia são cenários a
serem fotografados (CANCLINI, 1983, p. 11).
REFLEXÃO
A relação entre cultura e a construção da identidade nacional é um assunto que tem ocu-
pado muitos estudiosos. Será que a cultura determina a identidade nacional, ou é esta que gera
aquela? É importante pensar na cultura do vir a ser, pois, de acordo com Hall (2003, p. 43):
capítulo 1 • 28
A cultura é uma produção. Tem sua matéria-prima, seus recursos,
seu “trabalho produtivo”. Depende de um conhecimento da tradição
enquanto “o mesmo em mutação” e de um conjunto efetivo de
genealogias. Mas o que esse “desvio através de seus passados” faz é
nos capacitar, através da cultura, a nos produzir a nós mesmos de novo,
como novos tipos de sujeitos. Portanto, não é uma questão do que
as tradições fazem de nós, mas daquilo que nós fazemos das nossas
tradições. Paradoxalmente, nossas identidades culturais, em qualquer
forma acabada, estão à nossa frente. Estamos sempre em processo de
formação cultural. A cultura não é uma questão de ontologia, de ser,
mas de se tornar.
Como se vê, a ideia de Hall gira em torno do “tornar-se” e não do “ser”. Não importa mais
o que somos nem o que fomos, e sim aquilo que podemos nos tornar a partir da tomada de
decisões quanto às nossas tradições. Não é preciso perpetuar o passado, mas transformar o
futuro a partir do que somos.
LEITURA
CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São
Paulo: EDUSP, 2003.
CHARTIER, Roger. Cultura popular: revisitando um conceito historiográfico In: Estudos históricos,
Vol. 08, n°16. Rio de Janeiro, 1995.
IMAGENS DO CAPÍTULO
Imagem 1.1 - http://novaescola.org.br/img/arte/178-Muitas-historias01.jpg
Imagem 1.2 - http://www.bbaw.de/en/research/dwb/synopsis/bild
Imagem 1.3 - http://www.terraconsciente.com.br/wp-content/uploads/2013/03/contar-historias.jpg
Imagem 1.4 - http://1.bp.blogspot.com/-byr_p9dtASg/UDbzdQd_13I/AAAAAAAAA88/jHNcjunXEsk/
s1600/Folclore-+festa+do+povo.png
Imagem 1.5 - http://static.blastingnews.com/media/photogallery/2015/8/1/main/classe-social-
brasil-extraido-de-www-google-com_380369.jpg
Imagem 1.6 - http://www.carnaxe.com.br/axelook/quadros/arquivos/carybe_rodadesamba.htm
Imagem 1.7 - http://img.saraivaconteudo.com.br/Clipart/images/teatro_06_fantasma.jpg
Imagem 1.8 - http://kmtvfilosofia.blogspot.com.br/2014/10/lazer-alienado.html
capítulo 1 • 29
Imagem 1.9 - https://i.ytimg.com/vi/ymR6egkH2YA/hqdefault.jpg
Imagem 1.10 - http://imagens1.ne10.uol.com.br/blogsne10/social1/uploads/2016/08/rio2-1.jpg
Imagem 1.11 - http://www.onordeste.com/administrador/personalidades/
imagemPersonalidade/35c042ae35c32bf1b3484ba6eb419b14757.jpg
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADORNO, Theodor. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na idade média e no renascimento: o contexto de François
Rabelais. São Paulo: Annablume/Hucitec, 2002.
BOURDIEU, Pierre. Capital simbólico e classes sociais. In: Novos Estudos Cebrap, 96, jul. 2013
BURKE, Peter. Cultura popular na idade moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
CANCLINI, Néstor Garcia. As culturas populares no capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1983.
CHARTIER, Roger. Cultura popular: revisitando um conceito historiográfico In: Estudos históricos, Vol.
08, n°16. Rio de Janeiro, 1995.
DIAS, Reinaldo. Introdução à Sociologia. São Paulo: Pearson, 2010.
GULLAR, Ferreira. Cultura posta em questão. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1965.
HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2003.
HARVEY, D. Condição pós-moderna. 8a ed. São Paulo: Loyola, 1999.
ORTIZ, Renato. Cultura popular: românticos e folcloristas. São Paulo: Olho d’água, 1992.
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1994.
ORTIZ, Renato. As ciências sociais e a cultura. In: Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 14(1):
19-32, maio de 2002.
VILHENA, L.R. Projeto e missão: o movimento folclórico brasileiro 1947-1964. Rio de Janeiro:
Funarte, 1997.
capítulo 1 • 30
A Cultura em
Movimenrto
2
capítulo 2 • 32
Atentos à pluralidade da cultura e da literatura popular nacional, nossa
preocupação, ao elaborar este capítulo, foi voltada para nossa formação literária
e cultural.
Para isso, é importante expandir nossas competências de leitura e interação
com a cultura popular de uma maneira geral, pois é nessa nova leitura, pautada em
um olhar mais amplo e atento, que poderemos obter a compreensão da literatura
como atividade artística, apreendida não só como fenômeno literário, mas também
histórico-social, que dialoga com outras obras artísticas daí resultantes.
Diante desse contexto, entendemos que as manifestações culturais populares se
vinculam à história da literatura e às várias formas de expressão literárias, resultando
em obras teatrais, música, filmes, danças e quaisquer outros movimentos culturais
representativos da cultura popular brasileira como um todo.
Nosso objetivo é difundir o conhecimento sobre a realidade popular brasileira com foco
na literatura; conhecer e analisar a forma e o conteúdo das obras, em uma visão ampla
do universo artístico brasileiro, através dos vários tipos de linguagem, como cinema, teatro,
música, dança, folclore, etc.
Um Pouco da Origem da Literatura Popular
Relembrando meus tempos de doutorado, época em que pesquisava no Rio
de Janeiro e em Cabo Frio sobre Antônio Teixeira Gonçalves e Souza, recorro às
minhas anotações de uma palestra, proferida pela Dra. Regina Meirelles, sobre
literatura popular. Peço perdão ao leitor por não fornecer mais detalhes sobre a
palestra. Apenas lembro que ocorreu por volta de 2000.
Quando se fala em literatura popular, vêm à nossa mente as histórias
tradicionais; as narrativas de épocas antigas. Histórias que a tradição popular
conserva ao longo dos tempos, como aquelas conservadas pelos irmãos Grimm,
da tradição de contar histórias. Histórias estas que nos levam de volta:
•	 aos romances de cavalaria, em que o cavaleiro é solitário e vive no
mundo em busca de justiça;
OBJETIVOS
capítulo 2 • 33
•	 às novelas de amor, em que o amor não pode se concretizar por briga
entre famílias, classes sociais diferentes, ou vilania, e
•	 às narrativas de batalhas homéricas, viagens ou descobertas além mar,
como “Ilíada”, “Odisseia” e “Os lusíadas”, respectivamente.
É comum às narrativas dessas histórias serem interligadas ou permeadas de
poesia, como se pode notar na leitura de “Ilíada”, “Odisseia” e “Os lusíadas”, que
são narrativas escritas em verso.
As poesias também podem descrever ou narrar fatos que interessam ao povo.
Por que se utiliza a poesia no campo da literatura popular? Simples, porque a
poesia ajuda na memorização devido à estrutura em verso e ao sistema de rima
e repetição.
A cultura popular, assim como a poesia, não se restringe a uma classe social,
mas está presente em todos os momentos da vida de um povo, embora seja
encarada como elemento de oposição à cultura considerada oficial, erudita.
Em sua origem, a literatura popular estava ligada aos poetas e músicos que
perambulavam pelas aldeias e acabavam por se tornar verdadeiros cronistas ao
registrarem os acontecimentos do cotidiano em forma de romances ou epopeias de
aventuras. Dentre esses cronistas andarilhos, encontram-se trovadores, menestréis
e jograis, e é por esse motivo que as produções da literatura popular são poéticas.
Aqui, a cultura popular brasileira está ligada aos vários tipos de poesia popular,
como os romances ou xácaras, que são poesias dialogadas muito comuns no
nordeste. Um exemplo disso é “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna.
xá·ca·ra (espanhol jácara) substantivo feminino
[Literatura] Espécie de romance ou seguidilha popular, em verso.
"xácara", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://
www.priberam.pt/dlpo/x%C3%A1cara [consultado em 24-08-2016].
CONCEITO
capítulo 2 • 34
Temos também a cantoria ou poesia repentista, como é mais conhecida, que
trata de um combate musical entre dois repentistas. Outro ponto a relembrar
é a parlenda, versão popular muito usada nas escolas por ser ritmada e fácil de
memorizar e contar.
Pelo pouco que contamos até agora, já deu para perceber que a literatura
popular não é uma arte isolada, mas caminha junto de outras formas culturais,
como teatro, cinema, música, etc. Que tal percorrermos um pouco mais desses
espaços artísticos e observarmos a cultura em movimento?
O Teatro Popular
O teatro popular ganha destaque e força a partir da criação do Teatro Popular
do Nordeste, que tem como finalidade proporcionar ao público – especialmente
às camadas menos favorecidas da sociedade - um teatro profissional com
qualidade artística.
Entre os fundadores do Teatro Popular do Nordeste, estão dramaturgos,
atores, autores e músicos, como Hermilo Borba Filho, Ariano Suassuna, Gastão
de Holanda, José de Moraes Pinho, Capiba, José Cavalcanti Borges, Leda Alves e
Aldomar Conrado.
Eles estavam unidos por um mesmo ideal, como podemos verificar no trecho
do “Manifesto de lançamento do Teatro Popular do Nordeste”:
Acreditamos que a arte (...) deve ser comprometida, isto é, deve manter
um fecundo intercâmbio com a realidade, ser porta-voz da coletividade
e do indivíduo, em consonância com o espírito profundo de nosso povo..
O Teatro Popular do Nordeste é marcado por três fases:
1ª fase: peças focadas em temas e mitos da cultura nordestina;
2ª fase: peças focadas nas encenações teatrais naturais do nordestino;
3ª fase: entende-se que o teatro popular não precisa necessariamente ficar
preso como elemento regional.
Na segunda fase, destacam-se as manifestações em torno do bumba meu boi e
do mamulengo. Para saber mais sobre o mamulengo, leia o artigo “Mamulengo: o
teatro de bonecos popular no Brasil”, cujo excerto está citado ao final deste tópico.
capítulo 2 • 35
CONCEITO
A dança folclórica do bumba meu boi é um dos traços culturais mais marcantes da
cultura brasileira, principalmente na região nordeste. A dança surgiu no século XVIII, como
forma de crítica à situação social dos negros e índios. O bumba meu boi combina elementos
de comédia, drama, sátira e tragédia, tentando demonstrar a fragilidade do homem e a força
bruta de um boi.
Disponível na http://brasilescola.uol.com.br/folclore/bumbameuboi.htm.
Acesso em 15-9-2016.
Na terceira fase, obras clássicas da literatura ocidental são encenadas pelo
teatro popular, uma vez que tais obras são capazes de penetrar o inconsciente
popular, por revelarem elementos comuns à humanidade como um todo.
É nessa fase que surge o maior desafio para os envolvidos com o teatro popular:
como encenar as grandes obras literárias, já que a arte popular nordestina era
caracterizada pelo improviso?
Vejamos alguns autores e peças relacionadas ao teatro popular:
•	 “A Pena e a Lei”, e “A Caseira e a Catarina”, de Ariano Suassuna
•	 “A Pena e a Lei” se mantém atual porque analisa questões sociais
como trabalho, exigências de trabalhadores, presença de empresas
estrangeiras no país, fome e prostituição.
•	 “A Caseira e a Catarina” é uma peça que trata da situação da
esposa legítima e a da amante.
•	 “A Bomba da Paz”, de Hermilo Borba Filho: farsa política com
caricatura dos representantes dos setores mais reacionários da sociedade.
•	 “O Santo Inquérito", de Dias Gomes: a protagonista pode ser analisada
como uma Joana D’Arc nordestina. Incriminada por praticar o judaísmo e
certas imoralidades, foi condenada à fogueira da Inquisição.
•	 “Auto do Salão do Automóvel”, de Osman Lins: texto experimental,
narrado em terceira pessoa, que reflete sobre a urbanização mal planejada e
suas consequências no futuro.
O teatro popular continua vivo e funciona como motivador de uma nova
consciência, caminhando em direção a novas formas de informação, diálogo e
engajamento nos movimentos culturais populares.
capítulo 2 • 36
LEITURA
“Mamulengo: o teatro de bonecos popular no Brasil”
Fernando Augusto Gonçalves Santos
Grupo Mamulengo Só-Riso (PE)
Praticado no mundo todo, o teatro de bonecos assumiu fisionomias e espíritos dramáticos
diferenciados, dependendo da localização geográfica de cada uma de suas manifestações.
Isso se deve às próprias injunções de tradição cultural, costumes, e formação social,
econômica e política.
Em alguns estados do nordeste do Brasil, existe uma forma de teatro de bonecos
praticada por artistas do povo, que se denomina mamulengo. O mamulengo é um teatro
de características inteiramente populares, onde os atores são bonecos que falam, dançam,
brigam e, quase sempre, morrem.
Como em tantas outras manifestações artísticas da cultura popular nordestina, o
mamulengo revela de modo singular a rica expressividade do dia a dia do povo da região.
Através dos bonecos, o povo se identifica com suas alegrias e suas tristezas, com seus
temores e sua capacidade de fé, com seus tipos matreiros e seus elementos repressores,
com o esmagamento de seus direitos e sua ânsia por liberdade.
O mamulengo tem um extraordinário poder de síntese e revelação estética dos anseios
mais ardentes do povo nordestino, não obstante a precariedade de seus recursos disponíveis,
sejam técnicos, estéticos ou de escolaridade.
(...) o mamulengo baseia-se na improvisação livre do ator (mamulengueiro).
Conquanto tenha um roteiro básico para a história, que não é escrita, os diálogos são
criados no momento do espetáculo, de acordo com as circunstâncias e com a reação do
público. Não podendo existir sem a música nem a dança, o mamulengo exige do público
uma participação constante e ativa, que permita completar o que os bonecos muitas
vezes apenas sugerem. Requer-se, portanto, uma imensa interação boneco/plateia, que
não se faz difícil por conta do incrível poder de improvisação e da capacidade imaginativa
que caracteriza os mamulengueiros. Por isso, sendo um teatro do improviso, depende
visceralmente da assistência do público, que alimenta, ignora ou castra a vertente de
criação que sai do mestre, passa para o boneco e atinge o público. Ao reagir, a assistência
fornece a inspiração necessária ao processo de criação improvisada que constitui o
espetáculo, formando um ciclo contínuo que envolve a todos: titireteiro, títeres e público.
O espetáculo do mamulengo, seja urbano ou rural, é destinado a um público
específico. O mamulengo não satisfaz às necessidades teatrais ou mesmo emocionais
do público intelectual e burguês que habitualmente frequenta nossos teatros. Quando
capítulo 2 • 37
muito, esse público assiste a uma função por curiosidade, por atitude exótica ou pelo
aspecto folclórico. Fica bastante claro que seu público é o povo; as camadas inferiores
da sociedade; a gentalha; a rafameia; o Zé-povinho. O mamulengueiro sabe falar a
esse povo, retratando os mais diferentes aspectos de suas vidas, transfigurando suas
alegrias e dores.
Frequentemente, o mamulengo é de uma contundência admirável, motivado por
uma inspiração fascinante que lhe permite alterar o equilíbrio do mundo e as relações
de poder, insurgindo-se contra o maniqueísmo da vida e criando outro mundo que ele
próprio governa; uma situação poético-dramática que incorpora o público. Arranca
personagens e temas de um mundo ao qual está sujeito, é submisso e pelo qual é
explorado, e os transpõe, em uma transfiguração muito própria, para um mundo onde
sua voz, anseios e vontades são ouvidos. Isso tudo tem a intenção maior de provocar o
riso que, gerando a folgança, o alívio e o divertimento, atua como elemento catártico e de
grande comunicabilidade.
O mamulengo é um fenômeno vivo, dinâmico, e em constante processo de mutação e de
transformação. (...)
Disponível em hthttps://goo.gl/NWUCmW
Acesso em 15-9-2016.
A Literatura e Seus Reflexos na Música Popular
Música e literatura têm em comum o atributo e a generosidade de fazer
com que o próprio ouvinte e o próprio leitor construam em suas mentes
o universo induzido pela mestria dos escritores e dos compositores.
É somente no ato da audição e no da leitura que as obras, nos dois
casos, realmente se realizam - e cada indivíduo compõe esse universo
ao seu modo, conforme suas experiências e vivências pessoais. Eis a
magia tão própria dessas duas artes. (...) (AJZENBERG, 2015, orelha
da revista).
capítulo 2 • 38
Quando pensamos na relação entre literatura e música, vem à cabeça a
bossa nova dos anos 1950, que transforma poesia em canção ou vice-versa, ou o
tropicalismo dos anos 1970, preocupado com a situação política do país.
A Tropicália foi um movimento musical do final da década de 1960, do qual
participaram músicos como Tom Zé, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa,
entre outros. Podemos afirmar que há certo sincretismo entre música e literatura,
uma vez que o tropicalismo colaborou para que a literatura assumisse uma visão
de bom emprego de qualquer estética literária, sem interferência de preconceitos,
e tendo como característica principal a mistura de ideias e estéticas que juntavam
assuntos urbanos e modernos a elementos folclóricos e populares.
Como afirma Alfredo Werney:
A literatura acadêmica e a música popular, ao que nos parece, nunca
estiveram tão sintonizadas e afinadas, em outros países, como estão
no Brasil. A estreita ligação entre a poesia da canção e a poesia dos
livros fez do Brasil um espaço de ricas experiências da relação palavra/
música. Esta complexa ligação certamente não veio dos dias de hoje.
(...) No prelúdio da nossa literatura (e também da literatura universal),
já se faz presente a música, o que se gera uma arte híbrida – que não
é tão-somente literatura, nem tão-somente música.
(Disponível em https://goo.gl/XfsM1O.
Acesso em 15-9-2016)
Muitos são os exemplos de artistas que casam música e literatura. Vejamos:
Vinícius de Moraes, em parceria com Tom Jobim, levou a música brasileira
para o mundo com “Garota de Ipanema”. Em uma inventividade modernista,
ele brinca com a composição poética, fazendo com que a linguagem caminhe aos
passos da garota que anda pelas areias de Ipanema.
(...) o autor brasileiro que fez a grande travessia da poesia canônica
para a canção popular foi Vinicius de Moraes. Pode-se dizer que sua
contribuição ao cancioneiro nacional foi mais determinante do que
ao universo poético propriamente dito. Ao convidar Tom Jobim para
compor a trilha do musical Orfeu da Conceição, o “poetinha” acabou
se tornando um dos pais da Bossa Nova. O movimento mudaria para
sempre os rumos da canção popular, influenciando músicos em vários
países. (...) (SANTOS, 2015)
capítulo 2 • 39
Chico Buarque usa a música para retratar o sonho de Iracema, sinônimo da
mulher brasileira, de mudar de vida, deixando seu país rumo à América (EUA).
Ele transforma um fato corriqueiro em motivo para cantar poeticamente nos
moldes do modernismo.
Iracema voou
Chico Buarque/1998
Iracema voou
Para a América
Leva roupa de lã
E anda lépida
Vê um filme de quando em vez
Não domina o idioma inglês
Lava chão numa casa de chá
Tem saído ao luar
Com um mímico
Ambiciona estudar
Canto lírico
Não dá mole pra polícia
Se puder, vai ficando por lá
Tem saudade do Ceará
Mas não muita
Uns dias, afoita
Me liga a cobrar:
-- É Iracema da América
1998 © - Marola Edições Musicais Ltda.
Disponível em http://www.chicobuarque.com.br/letras/iracema_98.htm.
Acesso em 15-9-2016.
capítulo 2 • 40
A música de Chico Buarque também dialoga com a obra de João Cabral
de Melo Neto, “Morte E Vida Severina”, retratando o sertão, a fome e a morte
no nordeste:
Esta cova em que estás, com palmos medida
É a conta menor que tiraste em vida
É de bom tamanho, nem largo, nem fundo
É a parte que te cabe deste latifúndio
Não é cova grande, é cova medida
É a terra que querias ver dividida
É uma cova grande pra teu pouco defunto
Mas estarás mais ancho que estavas no mundo
É uma cova grande pra teu defunto parco
Porém mais que no mundo, te sentirás largo
É uma cova grande pra tua carne pouca
Mas a terra dada nao se abre a boca
É a conta menor que tiraste em vida
É a parte que te cabe deste latifúndio
(É a terra que querias ver dividida)
Estarás mais ancho que estavas no mundo
Mas a terra dada nao se abre a boca
Disponível em https://goo.gl/Wzqnml.
Acesso em 15-9-2016.
capítulo 2 • 41
Cabe aqui o depoimento de José Domingos de Brito (2015):
Meu interesse em especular as relações da literatura com a música se
deu a partir da declaração (e reiteração) de João Cabral de Melo Neto,
dizendo que não gosta de música. Abriu uma exceção apenas para
o flamenco, que conheceu em Sevilha, enquanto diplomata; e para o
frevo, devido à sua origem pernambucana. Fiquei matutando: como é
possível o autor de um poema como “Morte e vida severina”, musicado
pelo Chico Buarque, não gostar de música?
A conversão de literatura em música ou vice-versa é possível porque:
As relações entre a música e a literatura são tão antigas quanto essas
duas formas de expressão artística. Desde a Antiguidade o texto
literário adapta-se à música, bem como a música adapta-se ao texto
literário, mais precisamente, ao poema. (ASSIS BRASIL, 2015)
Pode-se notar isso, por exemplo, no poema “Rosa de Hiroshima”, de Vinícius
de Moraes, na voz de Ney Matogrosso:
Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
capítulo 2 • 42
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.
Disponível em https://goo.gl/uYKUgw.
Acesso em 15-9-2015.
MULTIMÍDIA
Ouça a música “Rosa de Hiroshima”, poema de Vinícius de Moraes, na voz de Ney Mato-
grosso. Disponível em https://goo.gl/IoTSA5.
Acesso em 15-9-2015.
	
	 A respeito da interpretação do poema/música acima, podemos pensar em
termos do devaneio poético de Caetano (2015):
Na música não há uma rosa. Há dissonâncias, pausas, assonâncias,
intervalos, dominantes, repousos, marchas, forças, tons, modos, clímax,
inquietações, paz, conflitos, soluções... tudo isso abrindo mão das
palavras, recorrendo a significantes, portanto, quase que cem por cento
sob poder do receptor. Não que uma precise da outra. Antes diria eu:
são casos em que uma quis a outra. É bem diferente. Não se trata da
área da necessidade, senão, sim, da área do querer, do bem-querer.
LEITURA
As letras na pauta
Jorge Fernando dos Santos
Música e literatura sempre andaram juntas, desde a antiguidade. O ritmo é parte
integrante da escrita, mesmo quando não se trata de texto poético. Enquanto isso, ao longo
da História, a poesia se fez presente na ópera, nos jograis e na canção popular, cobrindo de
redondilhas os acordes musicais.
capítulo 2 • 43
Isso talvez explique o envolvimento de escritores com a música e de músicos com a
literatura. (...)
O fenômeno é universal, mas é no Brasil que ele toma dimensões qualitativa e quantita-
tivamente admiráveis. Basta lembrar os poetas populares do Nordeste, dedicados à tradição
do cordel e do coco de embolada. Patativa do Assaré, por exemplo, fez poemas e canções,
tendo seus versos também musicados e interpretados por outros artistas.
Um dos primeiros a investigar a cultura musical brasileira foi o modernista Mário de
Andrade. Influenciado por esse trabalho, ele compôs o clássico caipira “Viola Quebrada”, em
parceria com Ary Kerney. Manuel Bandeira teve versos musicados por Villa-Lobos e, mais
tarde, por Tom Jobim. Ferreira Gullar fez parcerias com Fagner, Milton Nascimento e Pauli-
nho da Viola, além de incluir no “Poema Sujo” uma letra para “O Trenzinho do Caipira”, de Vil-
la-Lobos. Drummond e Henriqueta Lisboa também tiveram poemas musicados por diversos
compositores. Fernando Sabino era baterista nas horas vagas. (...)
Disponível em https://goo.gl/mfa8WV.
Acesso em 15-9-2015.
O Cinema a Serviço da Literatura
A relação entre literatura e cinema é antiga. Cinema e literatura participam da
mesma empreitada: trazer a ilusão, o devaneio e a magia da história ao receptor.
A linguagem já abriu porta à magia: desde o momento em que toda
a coisa chama imediatamente ao espírito a palavra que a designa,
a palavra chama no mesmo instante a imagem mental da coisa que
evoca, conferindo-lhe mesmo que seja ausente, a presença (MORIN,
1973, p.98).
Literatura e cinema são artes diferentes, com linguagens distintas, mas
complementares, pois “O cinema torna não só compreensível o teatro, a
poesia e a música, como também o teatro interior do espírito: sonhos,
imaginação, representações: o tal minúsculo cinema que existe na nossa
cabeça” (MORIN, 1970, p. 243).
Podemos pensar que o maior diretor e criador de um filme somos nós mesmos,
com nossa capacidade imaginativa. Por isso, na opinião de Jorge Furtado (2004), é
comum que uma pessoa “se decepcione quando vê as imagens criadas pelo cineasta
e diga: gostei mais do livro”.
capítulo 2 • 44
No entanto, devemos entender que o filme é uma adaptação da obra literária
e, por isso, se torna outra obra, que depende do ponto de vista do roteirista ao
querer destacar certas cenas e diálogos em detrimento de outros.
É claro que o filme, mesmo sendo uma nova obra, precisa manter um ponto
de convergência com a obra literária. Dito isso, “a adaptação deve dialogar não só
com o texto original, mas também com seu contexto, atualizando o livro, mesmo
quando o objetivo é a identificação com os valores neles expressos” (XAVIER,
2003, p. 62).
Preocupados em manter a fidelidade ao texto literário, “há cineastas que se
esforçam por uma equivalência integral do texto literário e tentam não se inspirar
no livro, mas adaptá-lo ou traduzi-lo para a tela” (BAZIN, 1999, p. 93). Porém, o
filme não precisa ser cópia fiel do livro. Desse modo, para ser uma boa adaptação,
o filme deve ser capaz de “restituir o essencial do texto e do espírito” (BAZIN,
1991, p. 96).
Veja alguns livros que abordam a realidade regional e que viraram filmes:
•  	 “Vidas secas”, romance de Graciliano Ramos;
Figura 1.1  –  “Vidas secas”, o filme
•  	 “A hora e a vez de Augusto Matraga”, de Guimarães Rosa;
•  	 “O menino de engenho”, de José Lins do Rego;
•  	 “O Pagador de Promessas”, de Dias Gomes;
•  	 “Memórias do Cárcere”, de Graciliano Ramos;
capítulo 2 • 45
•  	 “Tenda dos Milagres”, de Jorge Amado;
•  	 “O auto da compadecida”, de Ariano Suassuna.
Figura 1.2  –  “O auto da compadecida”, o filme
A Dança Como Expressão Cultural Popular
Todos os países do mundo, raças, grupos humanos, famílias, classes
profissionais, possuem um patrimônio de tradições que se transmite
oralmente e é defendido e conservado pelo costume. Esse patrimônio
é milenar e contemporâneo. Cresce com os sentimentos diários desde
que se integre nos hábitos grupais, domésticos e nacionais (Cascudo,
2002, p. xvi).
É comum citarmos a região nordeste, com suas manifestações folclóricas e
populares, como um dos principais elementos formadores da riqueza cultural de
nosso país. Além da literatura nordestina, que tem dado grande aporte para o
capítulo 2 • 46
panorama literário brasileiro, temos a dança, que tem tudo a ver com a nossa
formação em várias partes do território brasileiro, pois a dança é:
(...) das classes populares, "dança de gente" (...) e retrata, sim, um
tempo que não mais existe, porém, é tradição oral e deixa as suas
marcas nas gerações e na memória. Não tem caráter pedagógico,
mas é uma educação visual, política, estética, moral e filosófica. Não é
empobrecida pelo didatismo.
Eram ensinadas dançando e cantando, os mais antigos detinham a
honra de inserir na roda os mais novos e na hora determinada como
certa. Não eram danças infantis, mas poderiam assistir e aprender
assim, com a imitação e a brincadeira (Figueiredo, 2007, p. 26).
Que tal conhecermos um pouco sobre as danças do Brasil?
O xaxado é dançado ao som de uma música acompanhada por sanfona,
zabumba e triângulo. O xaxado surgiu como uma forma de afronta à polícia. É
dançado com rifles pelo grupo de Lampião, e não com companheiras. Já o baião
é dançado em pares, com homem e mulher colados, ao som do acordeom. Luiz
Gonzaga é o maior representante do baião.
CURIOSIDADE
Quer saber mais sobre Luiz Gonzaga? Que tal ler a obra “Rei do Baião - do Nordeste Para
o Mundo”, de Arievaldo Viana, que conta a vida do músico em forma de literatura de cordel?
Na Bahia, o samba de roda é dançado em roda, com música, canto e palmas.
Os instrumentos musicais mais utilizados são chocalho, pandeiro, viola, atabaque
e berimbau.
Em Pernambuco, temos o frevo e o maracatu. Este mistura elementos culturais
afro-brasileiros, indígenas e europeus (simbolizados por personagens históricos), é
dançado ao som de tambores, caixas, taróis e ganzás, e apresenta enfoque religioso.
Já o frevo representa o carnaval pernambucano, em que os foliões usam um
pequeno guarda-chuva colorido e misturam passos de dança com malabarismo.
De acordo com Bakhtin (1987, p. 189-190), o carnaval representa a cultura
popular como um todo e, por isso:
capítulo 2 • 47
Enquanto fenômeno perfeitamente determinado, o carnaval sobreviveu
até os nossos dias, (...). Conhece-se muito bem a história do carnaval,
descrita muitas vezes no decorrer dos séculos. Recentemente, nos
séculos XVIII e XIX, o carnaval conservava ainda alguns dos seus traços
particulares de festa popular de forma nítida, embora empobrecida.
O carnaval revela-nos o elemento mais antigo da festa popular, e
pode-se afirmar sem risco de erro que é o fragmento mais bem
conservado desse mundo tão imenso quanto rico. Isso autoriza-nos a
utilizar o adjetivo "carnavalesco" numa acepção ampliada, designando
não apenas as formas do carnaval no sentido estrito e preciso do
termo, mas ainda toda a vida rica e variada da festa popular (...).
No Ceará, o maneiro-pau é dançado com passos em rodas, e com pedaços de
pau nas mãos, como se fossem duelar.
Mas não é só do nordeste que vêm a literatura e a cultura popular. O fandango,
por exemplo, chegou à região sul do Brasil por volta de 1750, com os colonizadores
portugueses, e é composto por passos, música – acompanhada por violas, rabeca,
acordeão e pandeiro - e canto. Os folgadores e as folgadeiras vestem roupas típicas
da região e dançam, com sensualidade, valsa e bailado, mas sem se tocar.
Figura 1.3  –  fandango
Na região centro-oeste, temos o samba, que chegou aqui com os negros, e era
dançado apenas nas senzalas. Com o passar do tempo, o Rio de Janeiro ajudou a
difundir esse ritmo pelo Brasil.
capítulo 2 • 48
Nas regiões centro-oeste, sul e sudeste, especificamente em São Paulo, Paraná,
Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, a catira, também conhecida como cateretê, é
dançada com batidas de pés e palmas. A catira representa a cultura caipira, e pode
ser relacionada ao Jeca Tatu, personagem de Monteiro Lobato imortalizado na
atuação de Mazzaropi, por exemplo.
MULTIMÍDIA
Para conhecer a figura do Jeca Tatu e a catira, dentre as tradições populares, assista ao
filme “Tapete Vermelho”, ao longo do qual o espectador é apresentado a histórias e tradições
populares, como o feitiço da cobra que suga leite de mulher parida, a dança da catira, bem
como as habilidades de Zulmira como rezadeira.
Disponível em http://www.educacaopublica.rj.gov.br/cultura/cinema_teatro/0048.html
Acesso em 15-9-2015.
Por fim, a quadrilha e o bumba meu boi são dançados nas mais variadas
regiões do país. A quadrilha é a dança da festa junina, onde os participantes
vestem roupagens típicas da tradição caipira. O bumba meu boi é considerado um
dos maiores símbolos folclóricos do Brasil e conta a lenda de um boi que pereceu
e ressuscitou, depois de ter sua língua cortada para agradar às vontades de uma
gestante. O bumba meu boi mistura dança, música e teatro.
Figura 1.4  –  Bumba meu boi
Como podemos observar, a dança faz parte das festas populares. Ela dialoga
com músicas, encenações teatrais, e formas literárias, atribuindo à cultura popular
capítulo 2 • 49
uma imagem pública que representa o povo brasileiro dentro e fora de nosso país.
Nesse sentido, fazer teatro, música, poesia ou qualquer outra
modalidade de arte é construir, com cacos e fragmentos, um espelho
onde transparece, com as suas roupagens identificadoras particulares
e concretas, o que é mais abstrato e geral num grupo humano, ou
seja, a sua organização, que é condição e modo de sua participação na
produção da sociedade. Esse é, a meu ver, o sentido mais profundo da
cultura, "popular" ou "outra". (ARANTES,1981, p. 78).
A Realidade Social do Artista e a Receptividade do Público
Acerca da realidade social do artista e da receptividade do público, podemos
fazer várias considerações pontuais.
No campo da dramaturgia, os integrantes do teatro popular foram felizes em
suas empreitadas durante certo tempo, recebendo contribuições para a realização
dos espetáculos, que tinham a casa cheia. Com a chegada do regime militar, a
situação foi piorando. Os incentivos já não apareciam com tanta frequência, o
público começou a rarear até que, com a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-
5), as atividades teatrais começaram a desaparecer devido à perseguição política e
às disputas entre grupos de esquerda e de direita.
O público se interessava pelo teatro popular porque, nas palavras de Borba
Filho em texto escrito devido à estreia do espetáculo “O inspetor”, na sede do
Teatro Popular do Nordeste:
(...) atores não agirão como médiuns de sessões espíritas, deixando-
se tomar pelo personagem. Não. Eles brincarão (no sentido do jogo
medieval e dos folguedos populares), criticarão permanentemente
o personagem, criarão o processo de afastamento e desinibirão o
público..
capítulo 2 • 50
No campo da música:
Cabe ainda pontuar (...) a importância da audição e da leitura na
composição do sentido da obra, seja musical, seja literária. Quanto à
música, o "texto" se torna em grande parte dependente do executor
ou intérprete. Além do mais, o receptor ou ouvinte haverá de contribuir
para dar sentido à obra, na medida em que a absorve no vasto campo
da memória auditiva, com suas emoções, afetividades e domínio crítico.
O mesmo se dirá da obra literária perante a leitura, na medida em que
o leitor, ao cabo de seu processo emocional e intelectivo, passa a ser o
intérprete e juiz do trabalho. A leitura traz consigo a presentificação do
texto, seja este antigo ou novo, pois atravessa os depósitos cognitivos,
emocionais e críticos acumulados na memória do leitor. É perante esse
tribunal ou cenário afetivo que a obra se desnuda, transbordante de
significados. Ao engenho da escrita, acrescente-se o poder da leitura,
nem sempre simétrica às intenções do autor. (ASSIS BRASIL, 2015).
Passando para o cinema, gostaríamos de exemplificar a questão da realidade
social do artista e da receptividade do público, comentando sobre o filme “Cidade
de Deus”, baseado na obra homônima de Paulo Lins.
“Cidade de Deus” conta uma história baseada em fatos reais, e é considerado por
alguns críticos um romance realista-naturalista. No entanto, gostaríamos de destacar
um viés regionalista na obra de Paulo Lins, na medida em que o autor apresenta a
diversidade cultural presente em tal comunidade. Além disso, Lins se utiliza de uma
linguagem rica e diferenciada, fruto de um intenso trabalho de pesquisa linguística,
para mostrar que a comunidade se comunica de uma forma muito diferente do que
o resto da sociedade. Na obra, todas as variantes linguísticas e características dos
falantes são preservadas, revelando suas particularidades.
Paulo Lins também mostra o lado cultural da Cidade de Deus, comunidade
formada, em sua maioria, por negros adeptos dos cultos religiosos afro-brasileiros,
como o candomblé e a umbanda. Além disso, São Jorge, um dos santos mais fortes
do sincretismo com o catolicismo, aparece como sinônimo de força para muitas das
personagens.
O autor também apresenta as festas celebradas ao som do samba, sem esquecer
o carnaval, e o comportamento das personagens nos clubes e bailes da favela. Outro
capítulo 2 • 51
elemento que contribui para expressar a diversidade cultural da Cidade de Deus é a
culinária, que é produto de uma série de tradições regionais d e todo o país.
Paulo Lins foi morador de “Cidade de Deus”. Talvez por isso, o filme tenha
conseguido captar e refletir o painel de vidas diferentes e situações cotidianas que
o livro traz, embora não tenha aberto espaço para a densidade social e psicológica
que aparece marcadamente no texto literário.
O que mais me chamou a atenção em “Cidade de Deus” foi, primeiro,
a extrema vivacidade da linguagem popular, dentro da monotonia
tenebrosa das barbaridades, que é um ritmo da maior verdade. Depois,
a mistura muito moderna e esteticamente desconfortável dos registros:
a montagem meio crua de sensacionalismo jornalístico, caderneta de
campo do antropólogo, terminologia técnica dos marginais, grossura
policial, efusão lírica, filme de ação da Metro etc. E sobretudo o ponto
de vista narrativo, interno ao mundo dos bandidos, embora sem
adesão, que arma um problema inédito. Há ainda o conhecimento
pormenorizado, sistematizado e refletido de um universo de relações,
próximo da investigação científica, algo que poucos romances
brasileiros têm. Enfim, é um mix poderoso, representativo, que
desmanchou a distância e a aura pitoresca de um mundo que é nosso.
É um acontecimento (SANTOS; MOURA, 2004, Online).
O filme foi sucesso de público e ganhou espaço entre os críticos, tendo sido
considerado uma obra-prima entre os filmes de guerra e ação. É interessante notar
que o filme fomentou inúmeras discussões acerca da pobreza no Brasil, fazendo
com que a Cidade de Deus se tornasse cartão-postal e ícone da cultura popular,
por espelhar o mundo das favelas brasileiras.
Noqueconcerneadança,éprecisolembrarqueelaestádiretamenterelacionada
à festa, marcando celebrações e resgatando elementos típicos da tradição oral, em
forma de cantigas, repentes e poesias, e caminhando para um universo paralelo, pois
capítulo 2 • 52
(...) nos dias festivos, as portas da casa abrem-se de par em par aos
convidados (no limite, a todos, ao mundo inteiro); nos dias de festa,
tudo se distribui em profusão (alimentos, vestimentas, decoração dos
cômodos), os desejos de felicidade de toda espécie subsistem ainda
(mas perderam quase totalmente o seu valor ambivalente), da mesma
forma que os votos, os jogos e os disfarces, o riso alegre, os gracejos,
as danças, etc. A festa é isenta de todo sentido utilitário (é repouso,
uma trégua, etc.). É a festa que, libertando de todo utilitarismo, de
toda finalidade prática, fornece o meio de entrar temporariamente
num universo utópico. É preciso não reduzir a festa a um conteúdo
determinadoelimitado(porexemplo,àcelebraçãodeumacontecimento
histórico), pois na realidade ela transgride automaticamente esses
limites. É preciso também não arrancar a festa à vida do corpo da terra,
da natureza, do cosmos (Bakhtin, 1987, p. 241).
É importante lembrar que tudo o que tratamos neste capítulo se refere à
cultura popular, e isso significa que é uma produção artística produzida pelo povo
e para o povo, refletindo as mais diversas realidades e situações sociais, com vistas
à expressão de um modo de ser ou de pensar, com vistas a reforçar as tradições e
expressões de determinados grupos ou tentar alterar a situação social vigente.
Por isso, a cultura popular deve ser entendida a partir de dois modelos
sugeridos por Chartier:
O primeiro, no intuito de abolir toda forma de etnocentrismo cultural,
concebe a cultura popular como um sistema simbólico coerente e
autônomo, que funciona segundo uma lógica absolutamente alheia e
irredutível à da cultura letrada. O segundo, preocupado em lembrar
a existência das relações de dominação que organizam o mundo
social, percebe a cultura popular em suas dependências e carências
em relação à cultura dos dominantes. Temos, então, de um lado, uma
cultura popular que constitui um mundo à parte, encerrado em si
mesmo, independente, e, de outro, uma cultura popular inteiramente
definida pela sua distância da legitimidade cultural da qual ela é
privada. (CHARTIER, 1995, p.179).
Desse modo, a realidade social do artista interfere na produção na medida em
que pode funcionar como um reforço dela, ou como tentativa de mudança.
Muitos artistas passam por várias situações desconcertantes até serem efetivamente
reconhecidos como parte importante da construção da História do nosso país,
capítulo 2 • 53
passando por censura ou exílio, por exemplo. Outros artistas permanecem no
anonimato, vendo suas obras se manterem vivas pela manifestação cultural de
dançarinos, artistas e cantores, também anônimos. Quanto à recepção, é bom
saber que muito do que abordamos neste capítulo ainda é praticado com gosto
por nosso povo brasileiro.
ATIVIDADE
01.	 O termo “cultura popular” caracteriza a cultura de uma classe social específica?
02.	 Qual é o objetivo do teatro popular?
03.	 Por que o mamulengo pode ser considerado uma forma de “terapia” social?
04.	 Explique a relação entre a música e a literatura.
05.	 Em que ponto literatura e cinema se assemelham?
REFLEXÃO
Como se pode verificar, a literatura é a arte mais popular; a mãe de todas as artes; a
mestra de outras artes com as quais dialoga, como o teatro, o cinema e a música.
Em relação a esta última arte, Luiz Tatit revela que a música:
(...) é organismo que ludibria os observadores por jamais se apresentar
com o mesmo aspecto. Por isso, a canção brasileira converteu-se
em território livre, muito frequentado por artistas híbridos que não se
consideravam nem músicos, nem poetas, nem cantores, mas um pouco
de tudo isso e mais alguma coisa. (TATIT, 2004, p.12).
capítulo 2 • 54
LEITURA
LUYTEN, Joseph. O que é Literatura popular. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1983.
IMAGENS DO CAPÍTULO
Imagem 2.1 - http://br.web.img3.acsta.net/medias/nmedia/18/97/64/43/20541364.jpg
Imagem 2.2 - https://upload.wikimedia.org/wikipedia/pt/b/bf/O_auto_da_compadecida.jpg
Imagem 2.3 - http://www.wikidanca.net/wiki/images/6/62/Fandango5.jpg
Imagem 2.4 - http://wikidanca.net/wiki/images/c/ce/Boi1.jpg
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARANTES, Antonio Augusto. O que é cultura popular. São Paulo: Brasiliense, 1981.
AJZENBERG, Bernardo. A obra. In: BRITO, José Domingos de. (org.) Mistérios da criação literária,
vol.6 Literatura e Música: depoimentos célebres e bibliografia. Disponível em http://www.tirodeletra.
com.br/curiosidades/Vol.6-LiteraturaeMusica.htm , acesso em 15-9-2016.
ASSIS BRASIL, Luiz Antonio de. Música e Literatura. In: BRITO, José Domingos de. (org.) Mistérios da
criação literária, vol. 6 Literatura e Música: depoimentos célebres e bibliografia. Disponível em http://
www.tirodeletra.com.br/curiosidades/Vol.6-LiteraturaeMusica.htm , acesso em 15-9-2016.
BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na idade média e no renascimento. São Paulo: Hucitec, 1987.
BAZIN, Andre. O cinema. São Paulo: Brasiliense, 1991.
______. Por um cinema impuro. São Paulo: Brasiliense, 1999.
BRITO, José Domingos de. Mistérios da criação literária In: BRITO, José Domingos de. (org.)
Mistérios da criação literária, vol. 6 Literatura e Música: depoimentos célebres e bibliografia. Disponível
em http://www.tirodeletra.com.br/curiosidades/Vol.6-LiteraturaeMusica.htm , acesso em 15-9-2016.
CAETANO, Marcelo Moraes. Música, alma da literatura. In: BRITO, José Domingos de. (org.) Mistérios
da criação literária, vol. 6 Literatura e Música: depoimentos célebres e bibliografia. Disponível em
http://www.tirodeletra.com.br/curiosidades/Vol.6-LiteraturaeMusica.htm , acesso em 15-9-2016.
CASCUDO, Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 11. ed. São Paulo: Global, 2002.
FIGUEIREDO, Valéria Maria Chaves de. Gente em cena: fragmentos e memórias da dança em Goiás.
2007. 80 p. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 2007.
capítulo 2 • 55
FURTADO, Jorge. A adaptação literária para o cinema e televisão. 10ª Jornada Nacional de
Literatura, Passo Fundo, RS, agosto de 2003.
LUCAS, Fábio. Literatura e Música. In: BRITO, José Domingos de. (org.) Mistérios da criação literária,
vol. 6 Literatura e Música: depoimentos célebres e bibliografia. Disponível em http://www.tirodeletra.
com.br/curiosidades/Vol.6-LiteraturaeMusica.htm , acesso em 15-9-2016.
MAURÍCIO, Ivan et al (orgs). Manifesto de lançamento do Teatro Popular do Nordeste In: Hermilo vivo
- vida e obra de Hermilo Borba Filho. Recife: Comunicarte, 1981.
MORIN, Edgar; VASCONCELLOS, Antônio Pedro. O cinema ou o homem imaginário: ensaio de
antropologia. Lisboa: Moraes, 1970.
_____. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. São Paulo: Forense Universitária, 1967.
_____. O Paradigma Perdido: A Natureza Humana. Seuil: Publicações Europa-América LDA, 1973.
SANTOS, Jorge Fernando dos. As letras na pauta. In: BRITO, José Domingos de. (org.) Mistérios da
criação literária, vol. 6 Literatura e Música: depoimentos célebres e bibliografia. Disponível em http://
www.tirodeletra.com.br/curiosidades/Vol.6-LiteraturaeMusica.htm , acesso em 15-9-2016.
SANTOS, Luiz Henrique Lopes dos; MOURA, Mariluce. Um crítico na periferia do capitalismo.
Universia, Abril de 2003. Disponível em: http://www.universiabrasil.net/html/materia/ materia_dggi.html
Acesso em 30 julho 2006.
TATIT, Luiz. O século da canção. Cotia: Ateliê Editorial, 2004.
XAVIER, Ismail (Org.). A experiência do cinema: antologia. Rio de Janeiro: Graal, 1983.
capítulo 2 • 56
A Literatura
Regional
3
capítulo 3 • 58
Neste capítulo, iremos além do estudo de obras, pois nosso enfoque recai sobre
os movimentos representativos da literatura regional ao logo da nossa História.
Para realizarmos nosso intento, também se faz necessário explorar o contexto
social e histórico que marca os movimentos estéticos literários aqui abordados.
O material que nos ajudará a compor o capitulo sobre a literatura regional
brasileira inclui o conjunto de obras escritas por Antonio Candido, crítico literário.
OBJETIVOS
Neste capítulo, temos como finalidade unir os seguintes objetivos:
•	 Realizar a leitura de textos representativos da literatura regional, complementada
pela apreciação de gêneros diversos da expressão artística;
•	 Sintetizar os discursos de Antonio Candido a respeito do regionalismo brasileiro,
relacionando-os e descrevendo-os segundo os respectivos contextos histórico-sociais;
•	 Compreender o fenômeno artístico regional à luz da tradição literária.
Para atingirmos nossa finalidade, podemos enfocar a literatura regional a partir do tema
abordado, da região de produção, ou do momento de publicação. Para uma abordagem
mais didática, melhor se faz o estudo da literatura popular regional enfocando movimentos
representativos de cada momento da História brasileira.
A Literatura Regional ao Longo dos Movimentos: Contexto
Histórico-social
Literatura regional ou regionalismo é uma tendência literária que busca,
além da universalização do regional, a revalorização da linguagem como marca
de expressão máxima da diversidade de nosso país, como nordestinos e sertanejos,
mediante o foco que se dá às expressões do povo, bem como o destaque para suas
singularidades.
O regionalismo, que pode ser entendido como sinônimo de cultura popular,
surgiu graças à interação contínua entre pessoas de regiões diferentes e à
necessidade do ser humano de se enquadrar no ambiente que o cerca. A Sociologia
e a Etnologia, que estudam a cultura popular, não têm como objetivo fazer juízo
capítulo 3 • 59
de valor, mas identificar as manifestações permanentes e coerentes dentro de uma
nação ou comunidade. (Disponível em https://www.significados.com.br/cultura-
popular/. Acesso em 10-92016.)
Os estudos sobre folclore e cultura popular brasileira como elementos possíveis
para se compreender a formação de uma identidade nacional tiveram início em
meados do século XIX.
A história do regionalismo e da cultura popular no Brasil passa por várias
temáticas, de acordo com as fases de nossa História, bem como das regiões de
nossos artistas.
Estamos tão acostumados a pensar em experiências comuns
através dos filtros alienantes proporcionados pelas diferenças de
nacionalidade e raça, que com frequência encaramos a particularidade
dessas histórias como simples exotismo. Um processo social está
acontecendo, numa sociedade à primeira vista estranha, e é isso que
importa. Mas, à medida que vamos adquirindo uma perspectiva com
base na longa história da literatura do campo e da cidade, vemos o
quanto, em lugares e épocas diferentes, há um unificador numa
história que, em última análise, deve ser encarada como comum a
todos. (WILLIAMS, 1989, p.386)
Os temas mais frequentes são:
•  Índio
•  Negro
•  Sertanejo
•  Caipira
•  Jagunço
•  Povo brasileiro como um todo
Dentre os temas brasileiros destacados, os mais pertinentes à literatura regional
eram os que parecessem mais exóticos ao habitante urbano. Por isso, a literatura
contava com:
capítulo 3 • 60
(...) primitivos habitantes, em estado de isolamento ou na fase dos
contatos com o branco; habitantes rústicos, mais ou menos isolados
da influência europeia direta. Daí as duas direções: indianismo,
regionalismo. O problema referido é o da expressão literária adequada
a cada uma delas (CANDIDO, 1997, v. 2, p. 102-103).
O índio foi um tema do regionalismo expresso por José de Alencar e Gonçalves
Dias, ambos dedicados a mostrar como era a vida na região das tribos e as
peculiaridades desse nosso elemento formador, tudo perfeitamente alinhado à
literatura brasileira.
Quanto à matéria, o romance brasileiro nasceu regionalista e de
costumes; ou melhor, pendeu desde cedo para a descrição dos
tipos humanos e formas de vida social nas cidades e nos campos.
O romance histórico se enquadrou aqui nesta mesma orientação; o
romance indianista constitui desenvolvimento à parte do ponto de
vista da evolução do gênero, (...) como a certas necessidades (...),
poéticas e históricas, de estabelecer um passado heroico e lendário
para a nossa civilização, a que os românticos desejavam, numa
utopia retrospectiva, dar tanto quanto possível traços autóctones
(CANDIDO, 1997, v. 2, p. 101).
Ferreira Gullar salienta que o escritor pode e deve assumir uma postura crítica
em face da realidade brasileira, por isso:
A expressão ‘cultura popular’ surge como uma denúncia dos conceitos
culturais em voga que buscam esconder o seu caráter de classe.
Quando se fala em cultura popular, acentua-se a necessidade de pôr
a cultura a serviço do povo, isto é, dos interesses efetivos do país. Em
suma, deixa-se clara a separação entre uma cultura desligada do povo,
não-popular, e outra que se volta para ele e, com isso, coloca-se o
problema da responsabilidade social do intelectual, o que o obriga a
uma opção (GULLAR, 1965, p.1).
capítulo 3 • 61
Retomando os movimentos artísticos literários, podemos entender que a
literatura regional sempre foi importante para a formação da literatura brasileira. O
Arcadismo e o Romantismo já eram compostos de regionalismo, e o Modernismo
de 1922 retoma o regionalismo como um momento de renovação cultural
determinante para a arte brasileira.
O regionalismo, como o conhecemos, é uma das respostas a essa
tensão, desde o início, no Romantismo, até os dias de hoje, quando
o vasto horizonte de possibilidades temáticas e expressivas, oriundo
da prolífica diversidade e da extrema desigualdade econômica que
recorta o Brasil em regiões, ainda alimenta a imaginação criadora.
(PELLEGRINI, 2008, p.119)
No início, podemos pensar na literatura regional como tendo o intuito de
favorecer à “integração de grandes massas da nossa população à vida moderna”
(CANDIDO, 2004, p. 41), sendo essa vida fruto das grandes revoluções. Mas,
em um primeiro momento, a vida do homem rural era tida como “motivo de arte
– motivo, por que não dizê-lo, de sabor quase exótico para o leitor das capitais”
(CANDIDO, 2004, p. 41).
No entanto, para o crítico Antonio Candido:
Talvez se possa dizer que os romancistas da geração dos anos 1930,
de certo modo, inauguraram o romance brasileiro, porque tentaram
resolver a grande contradição que caracteriza a nossa cultura, a saber,
a oposição entre as estruturas civilizadas do litoral e as camadas
humanas que povoam o interior – entendendo-se por litoral e interior
menos as regiões geograficamente correspondentes do que os tipos
de existência, os padrões de cultura comumente subentendidos em
tais designações (CANDIDO, 2004, p. 41).
A década de 1950 inaugura outro ciclo econômico e político, fruto da produção
de propriedades agrícolas (cafeeira, sucroalcooleira ou tabagista, por exemplo). Há
a estabilização da burguesia nacional, e os intelectuais progressistas politicamente
engajados intentam uma união, visando acabar com o atraso de nosso país, bem
como criar novas formas de desenvolvimento em todos os campos. Desse modo, a
arte poderia funcionar como um instrumento de mudança.
capítulo 3 • 62
A década de 1960 é marcada pelo surgimento do Centro Popular de Cultura
– CPC. Para seus integrantes, há uma distinção entre as várias maneiras de se
encarar a cultura popular:
•	 a arte popular alienada, sinônimo de folclore;
•	 a arte popular produzida por profissionais e especialistas para o público
da cidade grande;
•	 a arte popular revolucionária, produzida com o intuito de formar a
consciência social dos indivíduos menos abastados.
É nessa última forma de entender a cultura popular que se encaixam os
integrantes do Centro Popular de Cultura, pois eles entendiam que:
o complexo dos modos de vida, dos usos dos costumes, das estruturas
e organizações familiares e sociais, das crenças do espírito, dos
conhecimentos e das concepções dos valores que se encontram em
cada agregado social: em palavras mais simples e mais breves, toda
atividade do homem entendido como ser dotado de razão (SATRIANI,
1986, p. 41).
Já segundo Renato Ortiz, depois de 1964, surge um mercado de bens
simbólicos que faz com que o entendimento do que é nacional, popular, e/ou
identidade nacional se modifique, já que:
a indústria cultural adquire, portanto, a possibilidade de equacionar
uma identidade nacional, mas reinterpretando-a em termos
mercadológicos; a ideia de ‘nação integrada’ passa a representar a
interligação dos consumidores potenciais espalhados pelo território
nacional. Nesse sentido se pode afirmar que o nacional se identifica
ao mercado; à correspondência que se fazia anteriormente, cultura
nacional-popular, substitui-se uma outra, cultura mercado-consumo.
(ORTIZ,1994, p.165)
Passemos, agora, ao estudo dos autores e obras de acordo com cada período da
nossa literatura regional. As abordagens serão realizadas em maior ou menor grau,
de acordo com a importância dos elementos a ressaltar.
capítulo 3 • 63
A Literatura Regional no Romantismo
Nesta primeira fase da literatura regional, encontram-se José de Alencar,
Bernardo Guimarães, Visconde de Taunay e Franklin Távora, que:
De acordo com a explicação de Antonio Candido, registrada por Fisher,
autores como José de Alencar e Bernardo Guimarães têm:
(...) tomaram a região como quadro natural e social em que se
passavam atos e sentimentos sobre os quais incidia a atenção do
ficcionista. É notório que livros como “O Sertanejo”, “O Garimpeiro”,
“Inocência”, “Lourenço”, são construídos em torno de um problema
humano, individual ou social, e que, a despeito de todo o pitoresco,
os personagens existem independentemente das peculiaridades
regionais. Mesmo a inabilidade técnica ou a visão elementar de um
batedor de estradas, como Bernardo Guimarães, não abafam esta
humanidade da narrativa (CANDIDO, 1997, v. 2, p. 192).
O ânimo de integração [que] pode ser verificado na maneira de escrever: ambos
praticavam uma escrita ajustada à norma culta, com o mínimo indispensável
de modismos regionais, o que aproximava o homem rural do homem urbano,
mostrando a unidade sob a diferença (FISCHER, 2005, p. 33).
Bernardo Guimarães e Franklin Távora
Figura 1.1  –  Bernardo Guimarães
capítulo 3 • 64
Bernardo Guimarães conseguiu compor um bom romance com:
o senso regionalista dos costumes e da paisagem; a hipertrofia
romântica e esquemática dos sentimentos; a presença tangível da
carne – aparecem harmoniosamente entrosados no melhor de seus
livros, “O Seminarista”, que ainda hoje podemos ler com atenção e
proveito (CANDIDO, 1997, v. 2, p. 216).
Como se pode notar, Candido perfilha em Bernardo Guimarães a imagem de
um autor consciente das características da vida campestre, uma vez que:
(...) os romances deste juiz, Bernardo Joaquim da Silva Guimarães,
parecem boa prosa da roça, cadenciada pelo fumo de rolo que vai
caindo no côncavo da mão ou pela marcha das bestas de viagem,
sem outro ritmo além do que lhes imprime a disposição de narrar
sadiamente, com simplicidade, o fruto de uma pitoresca experiência
humana e artística (CANDIDO, 1997, v. 2, p. 212).
Já Franklin Távora criou uma literatura regionalista singular cuja finalidade
era demonstrar que a região nordeste tinha poder intelectual e político, carecendo
o reconhecimento.
O seu regionalismo parece fundar-se em três elementos, que ainda
hoje constituem, em proporções variáveis, a principal argamassa
do regionalismo literário do nordeste. Primeiro o senso da terra, da
paisagem que condiciona tão estreitamente a vida de toda a região
(...). Em seguida, o que se poderia chamar patriotismo regional,
orgulhoso (...) do velho patriarcado açucareiro, das rebeliões nativistas.
Finalmente, a disposição polêmica de reivindicar a preeminência do
norte, reputado mais brasileiro, “onde abundam os elementos para a
formação de uma literatura propriamente brasileira, filha da terra. (...)”
(CANDIDO, 1997, v. 2, p. 268)..
Távora quis retratar aquilo que conhecia, tornando a literatura uma forma de
vivência, e pode-se afirmar que:
capítulo 3 • 65
a virtude maior de Távora foi sentir a importância literária de um
levantamento regional; sentir como a ficção é beneficiada pelo contato
de uma realidade concretamente demarcada no espaço e no tempo,
que serviria de limite e em certos casos, no Romantismo, de corretivo
à fantasia. Ora, para ele este contato se funda na experiência direta da
paisagem, que o romancista deve conhecer e descrever precisamente
(CANDIDO, 1997, v. 2, p. 269).
Por causa de seu intento e realização:
Távora foi o primeiro “romancista do Nordeste”, no sentido em que
ainda hoje entendemos a expressão; e deste modo abriu caminho a
uma linhagem ilustre, culminada pela geração de 1930 (...) (CANDIDO,
1997, v. 2, p. 268).
Sintetizando a Literatura Regional Expressa pelos Românticos
(...) três graus na matéria romanesca, determinados pelo espaço em
que se desenvolve a narrativa: cidade, campo, selva; ou, por outra, vida
urbana, vida rural, vida primitiva. (...) E é esse caráter de exploração
e levantamento (...) que dá à ficção romântica importância capital
como tomada de consciência da realidade brasileira no plano da
arte: verdadeira consecução do ideal de nacionalismo literário (...)
(CANDIDO, 1997, v. 2, p. 101).
capítulo 3 • 66
Lidar com uma literatura de cunho regional não era fácil, pois:
no caso do regionalismo, a língua e os costumes descritos eram
próximos dos da cidade, apresentando um difícil problema de
estilização; de respeito a uma realidade que não se podia fantasiar tão
livremente quanto a do índio e que (...) dependia do esforço criador dos
escritores daqui. A obtenção de verossimilhança era, neste caso, mais
difícil, pois o original estava ao alcance do leitor. Daí a ambiguidade
que desde o início marcou o nosso regionalismo, e que, levando o
escritor a oscilar entre a fantasia e a fidelidade ao observado, acabou
paradoxalmente por tornar artificial o gênero baseado na realidade
mais geral e de certo modo mais própria do país (CANDIDO, 1997, v.
2, p. 103).
O regionalismo foi, por conseguinte, crucial para o Romantismo chegar ao
ideal da autonomia literária e adquirir certa independência cultural. Antonio
Candido ressalta a qualidade do regionalismo romântico em relação ao
regionalismo pré-modernista:
O regionalismo dos românticos, ao contrário, distinguindo a qualidade
respectiva do homem e da paisagem, constitui, na sua linha-tronco,
uma das melhores direções de nossa evolução literária, vindo, através
de Domingos Olímpio, ramificar-se no moderno romance, sobretudo
no galho nordestino, onde vemos a região condicionar a vida sem
sobrepor-se aos seus problemas específicos. Por isso, o regionalismo
– o verdadeiro e fecundo – que aparece nesta fase com Bernardo
Guimarães, teve a importância que lhe reconhecemos (...). No Brasil,
(...) foi e é um instrumento de descoberta (CANDIDO, 1997, v. 2, p.
192-193).
No entanto, é imperativo diferenciar o regionalismo expresso pelos artistas
românticos do regionalismo caracterizado como literatura sertaneja, que traduz a
cultura caipira, expresso por autores como Monteiro Lobato.
capítulo 3 • 67
A Literatura Regional no Pré-modernismo em Monteiro Lobato
Monteiro Lobato se inclui entre os escritores do pré-modernismo devido ao
seu regionalismo, que denuncia os contrastes, mazelas e desigualdades da sociedade
oligárquica brasileira da Primeira República.
Figura 1.2  –  Monteiro Lobato
AUTOR
Monteiro Lobato nasceu em Taubaté, no interior de São Paulo, no ano de 1882.
Formou-se em Direito e atuou como promotor público até se tornar fazendeiro, após receber
uma herança deixada pelo avô. Foi durante este período que Lobato passou a publicar seus
primeiros contos em jornais e revistas, posteriormente reunidos em “Urupês”.
Foi também editor, editando livros no Brasil, e foi o grande responsável por uma série de
renovações nos livros didáticos e infantis. Muitos de seus personagens giram em torno do
universo caipira, como Jeca Tatu e os integrantes de “O Sítio do Pica-Pau Amarelo”, que até
hoje encanta crianças e adultos.
No ano de 1948, morre este grande contista, ensaísta e tradutor, que tanto contribuiu
para a nossa literatura.
	
Lobato nos revela uma face do Brasil rural ao retratar a vida na região do
Vale do Paraíba, no interior do estado de São Paulo. Tendo vivido no início
do século XX, suas personagens, bem como o discurso lobatiano, ganham tons
capítulo 3 • 68
cômicos, compassivos, ou caricaturais e patéticos. Sua literatura popular enfatiza
os costumes, as pessoas e o declínio da economia cafeeira.
Segundo Candido, o homem caipira ganha representação com o personagem
JecaTatu, de Monteiro Lobato, uma espécie de caricatura de um caipira desnutrido,
indolente e humilde.
Tendo conseguido elaborar formas de equilíbrio ecológico e social,
o caipira se apegou a elas como expressão de sua própria razão de
ser, enquanto tipo de cultura e sociabilidade. Daí o atraso que (...)
criou tantos estereótipos, fixados sinteticamente de maneira injusta,
brilhante e caricatural, já no século XX, no Jeca Tatu de Monteiro
Lobato (CANDIDO, 2001, p. 107).
Sabemos que a caricatura é um excesso de alguma característica, cômica
ou não, mas o fato relevante é que foi o lado afetuoso, sensível e extremamente
humano do Jeca Tatu que fez da obra de Monteiro Lobato um sucesso. Apesar
disso, precisamos refletir a respeito de outros pontos da citação, já que o atraso das
formas de estabilização social do caipira cooperou para a criação de “estereótipos
fixados sinteticamente de maneira injusta, brilhante e caricatural” (CANDIDO,
2001, p. 107) na literatura de Monteiro Lobato.
Pensando assim, o caipira parece distante de outras culturas, como se não
fosse capaz de dialogar com elas. Talvez esse seja o motivo de ser a cultura caipira
tão original e independente, o que possibilita uma abordagem caricatural que,
embora interessante, nos parece preconceituosa e injusta, como se o caipira fosse
algo meramente exótico, ou simplesmente pitoresco.
O atraso de que tratamos é também de ordem econômica, porque o caipira:
(...) vive em franco desequilíbrio econômico, em face dos recursos que
a técnica moderna possibilita. Antes, o atraso técnico e a economia de
subsistênciacondicionavam,emSãoPaulo,umasociedadeglobalmuito
mais homogênea, não havendo discrepâncias essenciais de cultura
entre o campo e a cidade. O desenvolvimento da economia baseada
na exportação dos gêneros tropicais acentuou a diferenciação dos
níveis econômicos, que foram aos poucos gerando fortes distinções
de classe e cultura. Quando esse processo avultou, o caipira ficou
humanamente separado do homem da cidade, vivendo cada um o seu
tipo de vida (CANDIDO, 2001, p. 279).
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional
Literatura Popular Regional

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Plano de curso 9 ano
Plano de curso 9 anoPlano de curso 9 ano
Plano de curso 9 anoJaiza Nobre
 
Plano de aula crônica
Plano de aula crônicaPlano de aula crônica
Plano de aula crônicaLucianaProf
 
Oficina de Gêneros Textuais em sala de aula
Oficina de Gêneros Textuais em sala de aulaOficina de Gêneros Textuais em sala de aula
Oficina de Gêneros Textuais em sala de aulaJosilene Borges
 
Documento de Identidade - Teorias do Currículo
Documento de Identidade - Teorias do CurrículoDocumento de Identidade - Teorias do Currículo
Documento de Identidade - Teorias do CurrículoRenata Aquino
 
Ementa Ensino Médio
Ementa Ensino MédioEmenta Ensino Médio
Ementa Ensino MédioCamilaClivati
 
PROJETO LEITURA E ESCRITA 2012
PROJETO LEITURA E ESCRITA 2012PROJETO LEITURA E ESCRITA 2012
PROJETO LEITURA E ESCRITA 2012Ðouglas Rocha
 
Plano de ensino português corrigido
Plano de ensino português corrigidoPlano de ensino português corrigido
Plano de ensino português corrigidosimonclark
 
Artigo de Opinião
Artigo de OpiniãoArtigo de Opinião
Artigo de OpiniãoKleber Brito
 
Resumo critico-2012
Resumo critico-2012Resumo critico-2012
Resumo critico-2012guuuhsousaa
 
Como elaborar uma resenha
Como elaborar uma resenhaComo elaborar uma resenha
Como elaborar uma resenhaVirginia Fortes
 
Métodos de Ensino - Texto de Libâneo (1994)
Métodos de Ensino - Texto de Libâneo (1994)Métodos de Ensino - Texto de Libâneo (1994)
Métodos de Ensino - Texto de Libâneo (1994)Mario Amorim
 
Modelo de plano de aula
Modelo de plano de aulaModelo de plano de aula
Modelo de plano de aulaDenise
 
Plano de aula slideshare
Plano de aula slidesharePlano de aula slideshare
Plano de aula slideshareMadalena Ramos
 
Orientações para projeto de pesquisa
Orientações para projeto de pesquisaOrientações para projeto de pesquisa
Orientações para projeto de pesquisaCRIS TORRES
 
LÍNGUA PORTUGUESA | 2ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LGG201)/ (GO-EMLGG201A)
LÍNGUA PORTUGUESA | 2ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LGG201)/ (GO-EMLGG201A)LÍNGUA PORTUGUESA | 2ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LGG201)/ (GO-EMLGG201A)
LÍNGUA PORTUGUESA | 2ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LGG201)/ (GO-EMLGG201A)GernciadeProduodeMat
 

Mais procurados (20)

Plano de curso 9 ano
Plano de curso 9 anoPlano de curso 9 ano
Plano de curso 9 ano
 
Plano de aula crônica
Plano de aula crônicaPlano de aula crônica
Plano de aula crônica
 
Resenha critica
Resenha criticaResenha critica
Resenha critica
 
Oficina de Gêneros Textuais em sala de aula
Oficina de Gêneros Textuais em sala de aulaOficina de Gêneros Textuais em sala de aula
Oficina de Gêneros Textuais em sala de aula
 
Documento de Identidade - Teorias do Currículo
Documento de Identidade - Teorias do CurrículoDocumento de Identidade - Teorias do Currículo
Documento de Identidade - Teorias do Currículo
 
Ementa Ensino Médio
Ementa Ensino MédioEmenta Ensino Médio
Ementa Ensino Médio
 
O curriculo
O curriculoO curriculo
O curriculo
 
PROJETO LEITURA E ESCRITA 2012
PROJETO LEITURA E ESCRITA 2012PROJETO LEITURA E ESCRITA 2012
PROJETO LEITURA E ESCRITA 2012
 
Plano de ensino português corrigido
Plano de ensino português corrigidoPlano de ensino português corrigido
Plano de ensino português corrigido
 
Artigo de Opinião
Artigo de OpiniãoArtigo de Opinião
Artigo de Opinião
 
Resumo critico-2012
Resumo critico-2012Resumo critico-2012
Resumo critico-2012
 
Como elaborar uma resenha
Como elaborar uma resenhaComo elaborar uma resenha
Como elaborar uma resenha
 
Interdisciplinaridade
InterdisciplinaridadeInterdisciplinaridade
Interdisciplinaridade
 
Métodos de Ensino - Texto de Libâneo (1994)
Métodos de Ensino - Texto de Libâneo (1994)Métodos de Ensino - Texto de Libâneo (1994)
Métodos de Ensino - Texto de Libâneo (1994)
 
Etapas de um projeto de pesquisa
Etapas de um projeto de pesquisaEtapas de um projeto de pesquisa
Etapas de um projeto de pesquisa
 
Modelo de plano de aula
Modelo de plano de aulaModelo de plano de aula
Modelo de plano de aula
 
Plano de aula slideshare
Plano de aula slidesharePlano de aula slideshare
Plano de aula slideshare
 
Folclore lendas e adivinhas
Folclore lendas e adivinhasFolclore lendas e adivinhas
Folclore lendas e adivinhas
 
Orientações para projeto de pesquisa
Orientações para projeto de pesquisaOrientações para projeto de pesquisa
Orientações para projeto de pesquisa
 
LÍNGUA PORTUGUESA | 2ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LGG201)/ (GO-EMLGG201A)
LÍNGUA PORTUGUESA | 2ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LGG201)/ (GO-EMLGG201A)LÍNGUA PORTUGUESA | 2ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LGG201)/ (GO-EMLGG201A)
LÍNGUA PORTUGUESA | 2ª SÉRIE | HABILIDADE DA BNCC - (EM13LGG201)/ (GO-EMLGG201A)
 

Semelhante a Literatura Popular Regional

Entre a fé e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990 ...
Entre a fé  e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990  ...Entre a fé  e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990  ...
Entre a fé e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990 ...UNEB
 
Cordel: Uma proposta para o ensino de História
Cordel: Uma proposta para o ensino de HistóriaCordel: Uma proposta para o ensino de História
Cordel: Uma proposta para o ensino de HistóriaEmerson Mathias
 
Conceito de cultura
Conceito de culturaConceito de cultura
Conceito de culturalicasoler
 
Entre praticas e_representacoes_os_folhetins_nos_anos_sessenta
Entre praticas e_representacoes_os_folhetins_nos_anos_sessentaEntre praticas e_representacoes_os_folhetins_nos_anos_sessenta
Entre praticas e_representacoes_os_folhetins_nos_anos_sessentaSilvana Oliveira
 
da cultura popular a cultura negra
da cultura popular a cultura negrada cultura popular a cultura negra
da cultura popular a cultura negraAlex Sandro
 
Movimento armorial x_tropicalismo_dilema
Movimento armorial x_tropicalismo_dilemaMovimento armorial x_tropicalismo_dilema
Movimento armorial x_tropicalismo_dilemamarciasmendonca
 
Pronto de leandro gomes de barros a rodolfo coelho
Pronto de leandro gomes de barros a rodolfo coelhoPronto de leandro gomes de barros a rodolfo coelho
Pronto de leandro gomes de barros a rodolfo coelhoatodeler
 
SI sobre cultura popular tradicional e música folclórica
SI sobre cultura popular tradicional e música folclóricaSI sobre cultura popular tradicional e música folclórica
SI sobre cultura popular tradicional e música folclóricaritabonadio
 
Si sobre cultura popular tradicional e música folclórica
Si sobre cultura popular tradicional e música folclóricaSi sobre cultura popular tradicional e música folclórica
Si sobre cultura popular tradicional e música folclóricaritabonadio
 
Cultura popular uma reflexão necessária
Cultura popular uma reflexão necessáriaCultura popular uma reflexão necessária
Cultura popular uma reflexão necessáriaHENRIQUE GOMES DE LIMA
 
Seminário Fluxos, Fronteiras, Hibridos.ppt
Seminário Fluxos, Fronteiras, Hibridos.pptSeminário Fluxos, Fronteiras, Hibridos.ppt
Seminário Fluxos, Fronteiras, Hibridos.pptssuser9cb078
 
Cultura e Humanização
Cultura e HumanizaçãoCultura e Humanização
Cultura e HumanizaçãoWendell Santos
 
1.ª Fase do Modernismo Brasileira - Contexto histórico, autores e obras.
1.ª Fase do Modernismo Brasileira - Contexto histórico, autores e obras.1.ª Fase do Modernismo Brasileira - Contexto histórico, autores e obras.
1.ª Fase do Modernismo Brasileira - Contexto histórico, autores e obras.MrPitobaldo
 
Material 7 - Cultura e Antropologia.pptx
Material 7 -  Cultura e Antropologia.pptxMaterial 7 -  Cultura e Antropologia.pptx
Material 7 - Cultura e Antropologia.pptxWillianVieira54
 

Semelhante a Literatura Popular Regional (20)

Entre a fé e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990 ...
Entre a fé  e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990  ...Entre a fé  e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990  ...
Entre a fé e a folia festas de reis realizadas em conceição do coité (1990 ...
 
Cordel: Uma proposta para o ensino de História
Cordel: Uma proposta para o ensino de HistóriaCordel: Uma proposta para o ensino de História
Cordel: Uma proposta para o ensino de História
 
Conceito de cultura
Conceito de culturaConceito de cultura
Conceito de cultura
 
Entre praticas e_representacoes_os_folhetins_nos_anos_sessenta
Entre praticas e_representacoes_os_folhetins_nos_anos_sessentaEntre praticas e_representacoes_os_folhetins_nos_anos_sessenta
Entre praticas e_representacoes_os_folhetins_nos_anos_sessenta
 
da cultura popular a cultura negra
da cultura popular a cultura negrada cultura popular a cultura negra
da cultura popular a cultura negra
 
Movimento armorial x_tropicalismo_dilema
Movimento armorial x_tropicalismo_dilemaMovimento armorial x_tropicalismo_dilema
Movimento armorial x_tropicalismo_dilema
 
Pronto de leandro gomes de barros a rodolfo coelho
Pronto de leandro gomes de barros a rodolfo coelhoPronto de leandro gomes de barros a rodolfo coelho
Pronto de leandro gomes de barros a rodolfo coelho
 
SI sobre cultura popular tradicional e música folclórica
SI sobre cultura popular tradicional e música folclóricaSI sobre cultura popular tradicional e música folclórica
SI sobre cultura popular tradicional e música folclórica
 
Si sobre cultura popular tradicional e música folclórica
Si sobre cultura popular tradicional e música folclóricaSi sobre cultura popular tradicional e música folclórica
Si sobre cultura popular tradicional e música folclórica
 
Cultura popular uma reflexão necessária
Cultura popular uma reflexão necessáriaCultura popular uma reflexão necessária
Cultura popular uma reflexão necessária
 
Seminário Fluxos, Fronteiras, Hibridos.ppt
Seminário Fluxos, Fronteiras, Hibridos.pptSeminário Fluxos, Fronteiras, Hibridos.ppt
Seminário Fluxos, Fronteiras, Hibridos.ppt
 
História cultural seminário[1]
História cultural seminário[1]História cultural seminário[1]
História cultural seminário[1]
 
2-2020 art Cult pop.pdf
2-2020 art Cult pop.pdf2-2020 art Cult pop.pdf
2-2020 art Cult pop.pdf
 
Cul pop tradicao art.pdf
Cul pop tradicao art.pdfCul pop tradicao art.pdf
Cul pop tradicao art.pdf
 
1º bimestre
1º bimestre1º bimestre
1º bimestre
 
Cultura e Humanização
Cultura e HumanizaçãoCultura e Humanização
Cultura e Humanização
 
Nova história cultural
Nova história culturalNova história cultural
Nova história cultural
 
1.ª Fase do Modernismo Brasileira - Contexto histórico, autores e obras.
1.ª Fase do Modernismo Brasileira - Contexto histórico, autores e obras.1.ª Fase do Modernismo Brasileira - Contexto histórico, autores e obras.
1.ª Fase do Modernismo Brasileira - Contexto histórico, autores e obras.
 
Material 7 - Cultura e Antropologia.pptx
Material 7 -  Cultura e Antropologia.pptxMaterial 7 -  Cultura e Antropologia.pptx
Material 7 - Cultura e Antropologia.pptx
 
TC - Estudos Culturais
TC - Estudos CulturaisTC - Estudos Culturais
TC - Estudos Culturais
 

Último

Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.
Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.
Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.Vitor Mineiro
 
PLANOS E EIXOS DO CORPO HUMANO.educacao física pptx
PLANOS E EIXOS DO CORPO HUMANO.educacao física pptxPLANOS E EIXOS DO CORPO HUMANO.educacao física pptx
PLANOS E EIXOS DO CORPO HUMANO.educacao física pptxSamiraMiresVieiradeM
 
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptxSlides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -
DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -
DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -Aline Santana
 
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptxAULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptxLaurindo6
 
CIÊNCIAS HUMANAS - ENSINO MÉDIO. 2024 2 bimestre
CIÊNCIAS HUMANAS - ENSINO MÉDIO. 2024 2 bimestreCIÊNCIAS HUMANAS - ENSINO MÉDIO. 2024 2 bimestre
CIÊNCIAS HUMANAS - ENSINO MÉDIO. 2024 2 bimestreElianeElika
 
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxPedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxleandropereira983288
 
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdf
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdfPortfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdf
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdfjanainadfsilva
 
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdf
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdfo ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdf
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdfCamillaBrito19
 
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riquezaRotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riquezaronaldojacademico
 
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...azulassessoria9
 
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)Mary Alvarenga
 
VARIEDADES LINGUÍSTICAS - 1. pptx
VARIEDADES        LINGUÍSTICAS - 1. pptxVARIEDADES        LINGUÍSTICAS - 1. pptx
VARIEDADES LINGUÍSTICAS - 1. pptxMarlene Cunhada
 
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdf
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdfÁcidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdf
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdfJonathasAureliano1
 
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptx
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptxSlide língua portuguesa português 8 ano.pptx
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptxssuserf54fa01
 
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...licinioBorges
 
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de..."É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...Rosalina Simão Nunes
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...azulassessoria9
 
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptxAD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptxkarinedarozabatista
 
historia Europa Medieval_7ºano_slides_aula12.ppt
historia Europa Medieval_7ºano_slides_aula12.ppthistoria Europa Medieval_7ºano_slides_aula12.ppt
historia Europa Medieval_7ºano_slides_aula12.pptErnandesLinhares1
 

Último (20)

Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.
Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.
Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.
 
PLANOS E EIXOS DO CORPO HUMANO.educacao física pptx
PLANOS E EIXOS DO CORPO HUMANO.educacao física pptxPLANOS E EIXOS DO CORPO HUMANO.educacao física pptx
PLANOS E EIXOS DO CORPO HUMANO.educacao física pptx
 
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptxSlides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
Slides Lição 04, Central Gospel, O Tribunal De Cristo, 1Tr24.pptx
 
DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -
DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -
DESAFIO LITERÁRIO - 2024 - EASB/ÁRVORE -
 
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptxAULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
AULA SOBRE AMERICA LATINA E ANGLO SAXONICA.pptx
 
CIÊNCIAS HUMANAS - ENSINO MÉDIO. 2024 2 bimestre
CIÊNCIAS HUMANAS - ENSINO MÉDIO. 2024 2 bimestreCIÊNCIAS HUMANAS - ENSINO MÉDIO. 2024 2 bimestre
CIÊNCIAS HUMANAS - ENSINO MÉDIO. 2024 2 bimestre
 
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptxPedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
Pedologia- Geografia - Geologia - aula_01.pptx
 
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdf
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdfPortfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdf
Portfolio_Trilha_Meio_Ambiente_e_Sociedade.pdf
 
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdf
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdfo ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdf
o ciclo do contato Jorge Ponciano Ribeiro.pdf
 
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riquezaRotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
Rotas Transaarianas como o desrto prouz riqueza
 
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...Considere a seguinte situação fictícia:  Durante uma reunião de equipe em uma...
Considere a seguinte situação fictícia: Durante uma reunião de equipe em uma...
 
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
 
VARIEDADES LINGUÍSTICAS - 1. pptx
VARIEDADES        LINGUÍSTICAS - 1. pptxVARIEDADES        LINGUÍSTICAS - 1. pptx
VARIEDADES LINGUÍSTICAS - 1. pptx
 
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdf
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdfÁcidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdf
Ácidos Nucleicos - DNA e RNA (Material Genético).pdf
 
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptx
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptxSlide língua portuguesa português 8 ano.pptx
Slide língua portuguesa português 8 ano.pptx
 
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...
11oC_-_Mural_de_Portugues_4m35.pptxTrabalho do Ensino Profissional turma do 1...
 
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de..."É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...
"É melhor praticar para a nota" - Como avaliar comportamentos em contextos de...
 
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
PROVA - ESTUDO CONTEMPORÂNEO E TRANSVERSAL: LEITURA DE IMAGENS, GRÁFICOS E MA...
 
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptxAD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
AD2 DIDÁTICA.KARINEROZA.SHAYANNE.BINC.ROBERTA.pptx
 
historia Europa Medieval_7ºano_slides_aula12.ppt
historia Europa Medieval_7ºano_slides_aula12.ppthistoria Europa Medieval_7ºano_slides_aula12.ppt
historia Europa Medieval_7ºano_slides_aula12.ppt
 

Literatura Popular Regional

  • 1.
  • 2. ALESSANDRA FAVERO 1ª edição SESES rio de janeiro  2017 LITERATURA POPULAR REGIONAL
  • 3. Conselho editorial  roberto paes e luciana varga Autor do original  alessandra favero Projeto editorial  roberto paes Coordenação de produção  luciana varga, paula r. de a. machado e aline karina rabello Projeto gráfico  paulo vitor bastos Diagramação  joão coelho Revisão linguística  flávia flores Revisão de conteúdo  luiz carlos de sá campos Imagem de capa  billion photos | shutterstock.com Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2017. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) F237l Favero, Alessandra Literatura popular regional. / Alessandra Favero. Rio de Janeiro: SESES, 2017. 112 p.: il. ISBN 978-85-5548-435-3 1.Literatura. 2. Cultura. 3. Erudito. 4.Popular. 5.Identidade. I. SESES. II. Estácio. CDD 869.07 Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
  • 4. Sumário Prefácio 5 1. A Cultura do Povo 7 Povo 8 Cultura 13 Cultura Popular e Não Popular 17 Cultura e Identidade Nacional 22 2. A Cultura em Movimenrto 31 Um Pouco da Origem da Literatura Popular 32 O Teatro Popular 34 A Literatura e Seus Reflexos na Música Popular 37 O Cinema a Serviço da Literatura 43 A Dança Como Expressão Cultural Popular 45 A Realidade Social do Artista e a Receptividade do Público 49 3. A Literatura Regional 57 A Literatura Regional ao Longo dos Movimentos: Contexto Histórico-social 58 A Literatura Regional no Romantismo 63 Bernardo Guimarães e Franklin Távora 63 Sintetizando a Literatura Regional Expressa pelos Românticos 65 A Literatura Regional no Pré-modernismo em Monteiro Lobato 67 A Literatura Regional no Modernismo 69 Guimarães Rosa 70 A Literatura Regional no Pós-modernismo 74
  • 5. 4. A Literatura Regional Popular: Tecendo Considerações 81 O Poder dos Discursos Populares e as Diferentes Esferas Sociais 82 A Produção de Cultura de Massa nas Transformações Subjetivas e Coletivas 88 A Literatura de Cordel 92 Literatura de Cordel: O Surgimento 94 Ariano Suassuna 99 Centros de Estudos Formais 101
  • 6. 5 Prefácio Prezados(as) alunos(as), Nossa disciplina apresenta um olhar atento à pluralidade da cultura e da literatura popular nacional, pois estamos preocupados com a sua formação literária e cultural; suas competências de leitura e interação com a cultura popular de uma maneira geral. Diante dessa preocupação, a compreensão da literatura como atividade artística está irrefutavelmente vinculada ao estudo empreendido pelas disciplinas que têm como objeto de estudo o fenômeno literário e, por conseguinte, as obras dele resultantes. Um discurso pode ser considerado "literatura" a partir de determinadas caracte- rísticas e valores que o particularizem em relação aos demais tipos de textos, embora as diversas categorizações acerca da natureza e da finalidade da literatura, sejam elas visões de pensadores independentes ou à mercê de instituições políticas, não se con- figurem suficientes para identificar ou definir a literariedade em uma ou em várias obras de ficção. Desse modo, é importante aliar aos estudos literários informações, conhecimentos, conceitos e questões linguísticas, históricas, sociológicas etc. Sabemos que a natureza do discurso literário está fundamentalmente subor- dinada ao plano diacrônico, isto é, deve transmitir técnica, caracteres, símbolos, sentido e estilo que o vinculem imediatamente à tradição literária, em uma atitude do autor diante de sua obra de recriação, aceitação ou ruptura com a linguagem, que “desgastada” pelo uso, é substituída por novas formas de expressão. Por outro lado, o artista estabelece novos olhares e soluções para temas universais. Para tanto, é preciso conhecer os gêneros diversos da expressão artística regio- nal, como cinema, teatro, música etc., bem como avaliar os discursos, relacionan- do-os e descrevendo-os segundo os respectivos contextos histórico-sociais a fim de remover as balizas que restringem a interpretação a termos unicamente subjetivos. Por fim, passaremos a compreender o fenômeno artístico regional à luz da tradição literária, arquétipos e estilos, e identificar as características dos movimentos artís- ticos das regiões brasileiras. Nesse sentido, a análise das manifestações culturais populares não deve se des- vincular da história da literatura nem das várias formas de expressão literária, com a finalidade de não descontextualizar as reflexões sobre literatura popular regional do âmbito da tradição literária, e no que concerne aos estudos pretendidos, da tradição literária brasileira. Bons estudos!
  • 7.
  • 8. A Cultura do Povo 1
  • 9. capítulo 1 • 8 Neste primeiro capítulo, daremos início à discussão sobre povo e cultura, para que possamos conhecer a situação da expressão artística popular atualmente configurada no Brasil. Para isso, precisamos entender o conceito de "povo", o que é "popular" e "não-popular", o problema da identidade nacional, que apesar de tantos contrastes e riqueza de aspectos culturais está, em geral, associada à espontaneidade do povo, ao artesão e às classes mais modestas. Desse modo, iremos ampliar o conhecimento geral, desenvolver o senso crítico e apreender o conteúdo através das possíveis relações de significado, histórico e socialmente contextualizado, entre os discursos apresentados. OBJETIVOS Nosso objetivo é exercitar o olhar acadêmico sobre as manifestações artístico-literárias que, a priori, não pertencem à tradição.. Povo De acordo com o Dicionário Aurélio, povo é o termo que designa não só os habitantes de determinado país, mas também a classe considerada inferior na escala social. Por isso, quando resolvemos adentrar o mundo da literatura popular regional, nosso foco recai sobre as massas, sobre os indivíduos pertencentes a um setor econômico menos abastado. É justamente o povo que iremos observar, não só em suas manifestações literárias regionais, mas também em suas manifestações culturais como um todo, visto que é impossível dissociar cultura, sociedade e literatura. A obra modernista “Operários”, de Tarsila do Amaral, exemplifica bem a formação do povo brasileiro.
  • 10. capítulo 1 • 9 Figura 1.1  –  “Operários”, de Tarsila do Amaral CONCEITO 1 Conjunto dos habitantes de uma nação ou de uma localidade. 2 Pequena povoação. 3 Lugarejo. 4 Aglomeração de pessoas. 5 O terceiro estado da Nação Portuguesa. 6 Grande número, quantidade. 7 As nações. 8 povo miúdo: classe inferior da sociedade. Disponível na https://dicionariodoaurelio.com/povo, acesso em 1-8-2016. O povo forma uma camada da sociedade; é uma comunidade que compartilha do mesmo passado histórico, da mesma experiência de vida, dos mesmoscostumesedasmesmastradições,ouseja,compartilhamdamesmacultura.
  • 11. capítulo 1 • 10 Antigamente, o termo povo era utilizado para se referir à população rural, que vivia no campo e desenvolvia atividades agrícolas. Daí a importância do resgate da tradição oral cultivada pelos agricultores, camponeses, artesãos, etc. Isso explica o interesse dos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm, que percorreram as sociedades agrícolas da Alemanha e da Europa como um todo, com a finalidade de registrar a produção cultural oral que refletia a tradição do povo. Figura 1.2  –  Jacob e Wilhelm Grimm É interessante notar que a tradição oral revela um saber do povo que era transmitido por meio de histórias - em forma de mitos, contos e lendas - cantigas, celebrações, etc. Por isso, é importante entender como povo e folclore estão relacionados. O termo folclore foi criado por Willian John Thoms, arqueólogo inglês, em 1846, da seguinte forma:
  • 12. capítulo 1 • 11 Figura 1.3  –  ilustração do conceito de folclore Segundo Vilhena, o termo folclore era usado para indicar o saber tradicional preservado pela transmissão oral entre os camponeses, com o significado de “antiguidades populares”, “literatura popular” (1997, p.24). FOLKLORE SABER DO POVO FOLK POVO LORE SABER
  • 13. capítulo 1 • 12 Figura 1.4  –  transmissão oral das histórias do povo A busca pelo saber popular existe desde muito antes da criação do termo folclore. Dentre vários artistas e estudiosos, os românticos se tornaram os “responsáveis pela fabricação de um popular ingênuo, anônimo, espelho da alma nacional, [sendo] os folcloristas seus continuadores, buscando no positivismo emergente um modelo para interpretá-lo.” (VILHENA, 1997, p. 24) O positivismo é uma corrente filosófica que acompanha o capitalismo e que ganhou força e se desenvolveu plenamente no século XIX. Seguindo a tendência iluminista, os estudiosos entendiam que: (...) o domínio científico da natureza permitia liberdade da escassez, da necessidade e da arbitrariedade das calamidades naturais. O desenvolvimento de formas racionais de organização social e de modos racionais de pensamento prometia a libertação das irracionalidades do mito, da religião, da superstição, liberação do uso arbitrário do poder, bem como do lado sombrio da nossa própria natureza humana. Somente por meio desse projeto poderiam as qualidades universais, eternas e imutáveis de toda a humanidade ser reveladas. (HARVEY, 1999, p. 23).
  • 14. capítulo 1 • 13 CONCEITO Positivismo 1 Sistema filosófico que, banindo a metafísica e o sobrenatural, se funda na consideração do que é material e evidente. 2 Tendência a encarar a vida unicamente pelo lado prático. Disponível na https://dicionariodoaurelio.com/positivismo, com acesso em 1-8-2016. Iluminismo 1 Doutrina de certos movimentos religiosos marginais, baseada na crença de uma iluminação interior ou em revelações inspiradas diretamente por Deus. 2 Movimento de renovação científica na Itália, no século XVIII. Disponível na https://dicionariodoaurelio.com/iluminismo, com acesso em 1-8-2016. Cultura Quando pensamos em cultura, é normal relacionarmos o termo à produção artística em geral – literatura, música, dança, arquitetura etc. Porém, a tendência atual nos leva aos campos da Antropologia, da História e da Sociologia. Como se vê, o termo cultura está diretamente relacionado ao homem; ao ser humano. Por isso, podemos afirmar que: A cultura deve ser compreendida como algo inerente aos seres humanos. Não há cultura fora dos humanos. O conceito de cultura, portanto, contrapõe-se a uma existência não cultural, natural, em que prevalecem os instintos básicos do ser humano como animal. Toda criação humana material ou não-material, é cultura; onde não há criação ou intervenção humana, temos somente a natureza e não cultura. Em decorrência disso, podemos falar em meio ambiente natural e cultural. (DIAS, 2010, p. 64).
  • 15. capítulo 1 • 14 Desse modo, passamos a entender a cultura, como destaca Peter Burke (1989, p. 25), como o modo de vida de uma determinada sociedade: o modo de expres- são, sua alimentação, suas tradições, etc., que fazem com que viver em socieda- de tenha sentido. Ou seja, cultura é “um conjunto integral dos ins-trumentos e bens de consumo, nos códigos constitucionais dos vários grupos da sociedade, nas ideias e artes, crenças e costumes humanos” (DIAS, 2010, p. 67). Assim, cultura se refere à: Produção de fenômenos que contribuem, mediante a representação ou reelaboração simbólica das estruturas materiais, para a compreensão, reprodução ou transformação do sistema social, ou seja, a cultura diz respeito a todas as práticas e instituições dedicadas à administração, renovação e reestruturação do sentido (CANCLINI, 1983, p. 29).. Por isso, em nossa sociedade, cultura e folclore estão inter-relacionados como a expressão do nosso povo brasileiro. Figura 1.5  –  Folclore
  • 16. capítulo 1 • 15 Você deve estar se perguntando se a cultura é, necessariamente, uma estrutura material. Canclini explica que: Os processos ideais (de representação e reelaboração simbólica) remetem a estruturas mentais, a operações de reprodução ou transformação social, a práticas e instituições que, por mais que se ocupem da cultura, implicam uma certa materialidade. E não só isso: não existe produção de sentido que não esteja inserida em estruturas materiais (1983, p. 29).. A ideia de que a cultura é uma estrutura material tem tudo a ver com a ideia de que a sociedade interage e se comunica por meio de sistemas simbólicos. Segundo Bourdieu (2010, p. 10): “enquanto instrumentos de conhecimento e de comunicação, eles [os sistemas simbólicos] tornam possível o consensus acerca do sentido do mundo social e con¬tribui para a reprodução da ordem social”. EXEMPLO A religião, a língua, a arte, a ciência, as leis do Direito, etc., são sistemas simbólicos. Para Bordieu, os grupos sociais, e sobretudo as classes sociais, existem, por assim dizer duas vezes, e isso acontece antes da intervenção do próprio olhar científico: existem na objetividade da primeira ordem, aquela que é registrada por distribuições de propriedades materiais; e existem na objetividade da segunda ordem, a das classificações contrastadas e das representações produzidas por agentes com base em um conhecimento prático dessas distribuições, tais como são expressadas nos estilos de vida. Ser a cultura dotada de estruturas materiais e sistemas simbólicos não significa dizer que seja específica ou limitada, pois, como destaca Chartier (1975, p. 184):
  • 17. capítulo 1 • 16 é inútil querer identificar a [por exemplo] cultura popular a partir da distribuição supostamente específica de certos objetos ou modelos culturais. O que importa, de fato, tanto quanto sua repartição, sempre mais complexa do que parece, é sua apropriação pelos grupos ou indivíduos. A cultura deve ser a representação de várias classes sociais, por isso: não se pode mais aceitar acriticamente uma sociologia da distribuição que supõe implicitamente que à hierarquia das classes ou grupos corresponde uma hierarquia paralela das produções e dos hábitos culturais (CHARTIER; 1975, p. 184).. Quando falamos em hierarquia social, pensamos automaticamente em uma hierarquia baseada em recursos econômicos. Infelizmente, os mais abastados pertencem às classes A e B, enquanto os menos favorecidos estão nas classe de C a E. Figura 1.6  –  Hierarquia social
  • 18. capítulo 1 • 17 Felizmente, esse pensamento não se aplica ao entendimento da cultura. Em termos culturais, não há hierarquia, não se aceita uma escala. O que existe é uma diferença na expressão cultural como um todo, já que “cada época da História mundial teve o seu reflexo na cultura popular.” (BAKHTIN, 2002, p. 419). Passemos, então, ao entendimento dos termos utilizados para designar os diferentes tipos de cultura. Cultura Popular e Não Popular A expressão ‘cultura popular’ surge como uma denúncia dos conceitos culturais em voga que buscam esconder o seu caráter de classe. Quando se fala em cultura popular, acentua-se a necessidade de pôr a cultura a serviço do povo, isto é, dos interesses efetivos do país. Em suma, deixa-se clara a separação entre uma cultura desligada do povo, não popular, e outra que se volta para ele e, com isso, coloca-se o problema da responsabilidade social do intelectual, o que o obriga a uma opção (GULLAR, 1965, p.1). Embora tenhamos entendido que a cultura não deve seguir uma hierarquia, é preciso reconhecer que podemos e devemos fazer da cultura uma forma de expressão de uma classe, o que vai ajudar o país como um todo no reconhecimento do seu povo. Por isso, costuma-se usar dois termos: cultura popular, que está diretamente ligada ao povo, e cultura não popular, que se distancia dele. A cultura popular envolve músicas ou cantigas, danças, crenças, literatura, costumes, artesanatos, e qualquer outro modo de expressão de um povo, expressão esta que é conservada pelas diversas gerações e geralmente transmitida pela oralidade. Muitas são as formas de cultura popular que são mantidas ao longo do tempo, como é o caso das cantigas do sul, das histórias do centro-oeste, da literatura de cordel nordestina, das receitas baianas, das rodas de samba etc. Como se pode notar, são atividades do dia a dia que são mantidas como tradição e cultura. São ensinadas em casa pelos pais e avós, e se mantêm vivas e inalteradas.
  • 19. capítulo 1 • 18 Figura 1.7  –  “Roda de samba”, de Caribé Já a cultura não popular é a chamada erudita, considerada superior, ensinada nas escolas e instituições e normalmente apreciada por um público das classes sociais mais abastadas, já que seu ingresso é restrito a quem possui o necessário para desfrutar dela. Está presente nos museus que expõem obras de arte de grandes artistas da humanidade, nas óperas consagradas e nos espetáculos de teatro, aos quais poucos têm acesso. Figura 1.8  –  “O Fantasma da Ópera”
  • 20. capítulo 1 • 19 Temos também a chamada cultura de massa, que é acessível à maior parte da população, e que não deve ser confundida com a cultura popular. A cultura de massa não possui valor cultural, pois é veiculada pelos meios de comunicação de massa como um produto feito pela indústria cultural para ser consumido e descartado. Figura 1.9  –  Cultura de massa: alienação No entanto, como destaca Ortiz (2002, p. 24): Cabe lembrar que nenhuma sociedade, antes do século XX, conheceu um tipo de instituição semelhante, na qual a organização da cultura encontra-se em grande parte separada da vida daqueles que a utilizam. Graças aos meios tecnológicos, os produtos elaborados industrialmente podem ser difundidos em escala ampliada. A indústria cultural funciona, portanto, como uma instituição social, competindo diretamente com outras instituições como família, religião e partidos políticos. É importante saber que a cultura de massa, funcionando como instituição social, pode causar alienação a seus consumidores quando o conteúdo é absorvido sem reflexão. Isso propaga a ideia da diversão e do entretenimento que, mascarado, serve para tornar o espectador impotente. Apesar da ilusão de ser ele o sujeito ativo de tudo, na verdade, ele não passa de objeto.
  • 21. capítulo 1 • 20 Divertir-se significa estar de acordo. A diversão é possível apenas enquanto se isola e se afasta a totalidade do processo social, enquanto se renuncia absurdamente desde o início à pretensão inelutável de toda obra, mesmo da mais insignificante: a de, em sua limitação, refletir o todo. Divertir-se significa que não devemos pensar, que devemos esquecer a dor, mesmo onde ela se mostra. É, de fato, fuga, mas não, como pretende, fuga da realidade perversa, mas sim do último grão de resistência que a realidade ainda pode ter deixado. A libertação prometida pelo entretenimento é a do pensamento como negação. A impudência da pergunta retórica: “Que é que a gente quer?” consiste em se dirigir às pessoas fingindo tratá-las como sujeitos pensantes, quando seu fito, na verdade, é o de desabituá-las ao contato com a subjetividade. (ADORNO, 2002, p. 44-45). A charge a seguir ilustra bem o nível de alienação de alguns espectadores: Figura 1.10  –  Cultura de massa: alienação E você, sabe definir, sinteticamente, cultura, cultura de massa, cultura erudita e cultura popular? Não? Então leia o artigo “Cultura de massa, cultura popular e cultura erudita”.
  • 22. capítulo 1 • 21 ESTUDO DE CASO Cultura de Massa, Cultura Popular e Cultura Erudita Cultura, segundo a definição clássica de Edward B. Tylor, considerado o pai do conceito moderno de cultura, é “aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. A cultura de massa é aquela considerada, por uma maioria, sem valor cultural real. Ela é veiculada nos meios de comunicação de massa e é apreciada pela massa. É preciso entender que massa não é uma definição de classe social, e sim uma forma de se referir à maioria da população. Essa cultura é produto da indústria cultural. A indústria cultural produz conteúdo para ser consumido, sem se prender a técnicas. É produto do capitalismo e é feita para ser comercializada. Theodoro W. Adorno, filósofo ale- mão da Escola de Frankfurt, é defensor da ideia de que a cultura de massa é imposta pelos meios de comunicação de massa à população, que apenas absorve. Já a cultura erudita é aquela considerada superior, normalmente apreciada por um pú- blico com maior acúmulo de capital, e seu acesso é restrito a quem possui o necessário para usufruir dela. A cultura erudita está muitas vezes ligada a museus e obras de arte, óperas e espetáculos de teatro, cujos preços são elevados. Existem projetos que levam esse tipo de cultura às massas, oferecendo a preços acessíveis ou gratuitamente, concertos de música clássica e projetos culturais. Como o acesso a esse tipo de cultura é restrito a um grupo pequeno, ela é associada ao poder econômico e é considerada superior. Essa consideração pode se tornar preconcei- tuosa e desmerecer as outras formas de cultura. O erudito é tudo aquilo que demanda muito estudo, mas não se deve pensar que uma expressão cultural popular como o hip-hop, por exemplo, é inferior a uma sinfonia clássica. A cultura popular é qualquer estilo musical e de dança, crença, literatura, costumes, ar- tesanato e outras formas de expressão transmitidas por um povo, ao longo de gerações e, geralmente, de forma oral. Por exemplo, a literatura de cordel dos nordestinos e a culinária do povo baiano, são algumas das formas de cultura popular que resistem ao tempo. Essa cultura não é produzida mediante muitos estudos, mas é aprendida de forma sim- ples, em casa, com a convivência no meio. Ela está ligada à tradição e não é ensinada nas escolas. A cultura popular é extremamente contemporânea, pois resiste ao tempo e raramen- te se modifica.
  • 23. capítulo 1 • 22 Essa cultura vem do povo; não é imposta por uma indústria cultural ou por uma elite. Por exemplo, o carnaval é uma festa da cultura popular brasileira. O frevo é uma dança brasileira, mas é muito mais expressiva no norte do país. Ela representa a diferença de cada povo, do micro ao macro. Fonte: https://goo.gl/CqHrKy. Acesso em 10-08-2016. Cultura e Identidade Nacional Foi só no final do século XIX que os intelectuais brasileiros iniciaram seus estudos sobre folclore. Diferentemente dos intelectuais de outros países, os brasileiros se preocupavam com a questão da construção de uma identidade nacional. Daí a pergunta: Quem somos nós? O que queremos? Essa pergunta chega até os dias de hoje. Ainda no século XXI, estamos preocupados com a construção da nossa identidade nacional. Ante essa questão, é preciso reconhecer que nosso país é formado por três raças: a branca, a negra e a indígena. Desse modo, nossa identidade nacional é fruto da miscigenação. É só a partir desse reconhecimento que teremos condições de refletir e entender como cultura popular e identidade nacional estão inter-relacionadas. O escritor Gilberto Freire, em “Casa Grande & Senzala”, narra a formação da identidade nacional brasileira a partir da miscigenação. Vale a pena conhecer essa obra, que marca o surgimento da nação brasileira a partir de três raças. Portanto, PERGUNTA
  • 24. capítulo 1 • 23 “Casa-Grande & Senzala” (1933) analisa, nas palavras do próprio autor, "uma sociedade agrária na estrutura, escravocrata na técnica de exploração econômica, híbrida de índio - e mais tarde negro - na composição". Trata-se da primeira obra a reconhecer a contribuição decisiva do negro para a formação da sociedade brasileira, tarefa empreendida priorizando-se os fatores econômicos e sociais, em detrimento dos de clima e raça (...) Disponível na https://goo.gl/isF4CH. Acesso em 3-8-2016.. Gilberto de Mello Freyre (Recife PE 1900 - idem 1987). Sociólogo, ensaísta, desenhista, poeta e romancista. Filho do professor e juiz Alfredo Freyre e de Francisca de Mello Freyre, estuda, desde o jardim de infância, no Colégio Americano Gilreath, onde enfrenta dificulda- des no processo de alfabetização. Tem aulas particulares de pintura, desenvolvendo desde muito cedo a habilidade nessa área. Aos 14 anos, participa da sociedade literária do colégio, atuando como redator-chefe do jornal “O Lábaro”, editado pelos alunos, no qual publica seus primeiros artigos. Tendo concluído o curso de bacharel em Ciências e Letras no Gilreath em 1917, segue, no ano seguinte, para os Estados Unidos. Forma-se bacharel em Artes pela Universidade de Baylor e ingressa na pós-graduação da Faculdade de Ciências Políticas da Universidade de Colúmbia, em Nova York, obtendo o grau de mestre em 1922. Em uma viagem pela Europa, convive com artistas brasileiros como Tarsila do Amaral (1886 - 1973) e Victor Brecheret (1894 - 1955). Retorna ao Brasil em 1923, quando passa a colaborar no “Diário de Pernambuco”. Organiza, em 1925, o livro que comemora o centenário da fundação do jornal, “Livro do Nordeste”, no qual é publicado pela primeira vez o poema “Evocação do Recife”, composto, a seu pedido, por Manuel Bandeira (1886 - 1968), de quem se torna amigo. Nessa mesma época, aproxima-se de José Lins do Rego (1901 - 1957), e o incita a escrever romances em vez de artigos políticos. Após trabalhar durante três anos com o governador de Pernambuco, Estácio Coimbra, o acompanha em seu exílio, conhecendo par- te do continente africano e permanecendo em Lisboa. A viagem é decisiva, conforme seu próprio relato, para a redação de “Casa-Grande & Senzala”, obra publicada em 1933 e que inova na análise da formação da sociedade brasileira. O projeto tem continuidade em dois outros livros: “Sobrados e Mucambos”, de 1936, e “Ordem e Progresso”, de 1959. Em 1942, é preso após denunciar, em um artigo, atividades nazistas e racistas no Brasil, e é liberado AUTOR
  • 25. capítulo 1 • 24 no dia seguinte. Eleito deputado federal em 1946, participa da Assembleia Constituinte, permanecendo na casa por apenas um mandato. Além de colaborar em diversos periódicos, como “O Estado de S. Paulo”, “Correio da Manhã” e o argentino “La Nación”, viaja pelo Brasil e pelo exterior proferindo conferências, e é congratulado por instituições diversas, como as universidades Sorbonne, na França, Coimbra, em Portugal, Sussex, na Inglaterra, e Münster, na Alemanha. Escreve ensaios e também poemas, como “Bahia de Todos os Santos e de Quase Todos os Pecados”, publicado em “Talvez Poesia”, de 1962, considerado por Bandeira como "um dos mais saborosos do ciclo das cidades brasileiras"; e obras de ficção, como “Dona Sinhá e o Filho Padre”, de 1964. Morre em sua cidade natal, após submeter-se a uma série de cirurgias, em 1987. Disponível na http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa1785/gilberto-freyre. Acesso em 3-8-2016. Por Freire destacar e reconhecer a contribuição decisiva do negro para a formação da sociedade brasileira, pode-se pensar que o negro sempre foi respeitado e consagrado na nossa nação. Ledo engano, pois, como salienta Ortiz: O mestiço, enquanto produto do cruzamento entre raças desiguais, encerra, (...) os defeitos e taras transmitidos pela herança biológica. A apatia, a imprevidência, o desequilíbrio moral, e intelectual, a inconsistência, seriam dessa forma qualidades naturais do elemento brasileiro. A mestiçagem simbólica traduz, assim, a realidade inferiorizada do elemento mestiço concreto. Dentro dessa perspectiva a miscigenação moral, intelectual e racial do povo brasileiro só pode existir enquanto possibilidade. O ideal nacional é na verdade uma utopia a ser realizada no futuro, ou seja, no processo de branqueamento da sociedade brasileira. É na cadeia da evolução social que poderão ser eliminados os estigmas das ‘raças inferiores’, o que politicamente coloca a construção de um Estado nacional como meta e não como realidade presente (ORTIZ,1994, p. 21).. Hoje, nos parece um contrassenso pensar na ideia de branqueamento do povo brasileiro, tomando como exemplo nossos irmãos alemães, que cometeram tantas atrocidades com a humanidade, matando milhões de judeus por serem considerados inferiores, já que a raça ariana era a considerada “pura”. Mas essa ideia não morreu. Há, ainda nos dias de hoje, muita gente preconceituosa, que considera a própria raça superior, seja ela branca, negra ou oriental.
  • 26. capítulo 1 • 25 Um ponto extremamente importante em “Casa Grande e Senzala”, é que Gilberto Freyre transforma a negatividade do mestiço em positividade, o que permite completar definitivamente os contornos de uma identidade que há muito vinha sendo desenhada. Só que as condições sociais eram agora diferentes, a sociedade brasileira já não mais se encontrava no num período de transição, os rumos do desenvolvimento eram claros e até um novo Estado procurava orientar essas mudanças. O mito das três raças torna-se então plausível e pode se atualizar como ritual. A ideologia da mestiçagem, que estava aprisionada nas ambiguidades das teorias racistas, ao serem reelaboradas, pode difundir-se socialmente e se tornar senso comum, ritualmente celebrado nas relações do cotidiano, ou nos grandes eventos como carnaval e o futebol. O que era mestiço torna- se nacional (ORTIZ,1994, p. 41). Desse modo, o negro é reconhecido como fator importante na formação da sociedade brasileira, e o mestiço passa a ser sinônimo da nossa identidade cultural, representando o país de modo grandioso, como pudemos acompanhar na festa de abertura das Olimpíadas Rio 2016. Figura 1.11  –  A chegada dos negros ao Brasil
  • 27. capítulo 1 • 26 CONEXÃO “Casa Grande e Senzala”, documentário produzido por Nelson Pereira dos Santos a partir da obra de Gilberto Freyre. Disponível em https://goo.gl/puhdCH. Acesso em 12-8-2016. LEITURA Que tal indicar a leitura de “Casa Grande & Senzala” em quadrinhos aos seus alunos? Figura 1.12  –  “Casa Grande & Senzala”, de Gilberto Freire
  • 28. capítulo 1 • 27 ATIVIDADE 1. Reflita sobre o excerto da obra “Cultura brasileira e identidade nacional”, de Renato Ortiz (São Paulo: Brasiliense, 1994.): A indústria cultural adquire, portanto, a possibilidade de equacionar uma identidade nacional, mas reinterpretando-a em termos mercadológicos; a ideia de ‘nação integrada’ passa a representar a interligação dos consumidores potenciais espalhados pelo território nacional. Nesse sentido se pode afirmar que o nacional se identifica ao mercado; à correspondência que se fazia anteriormente, cultura nacional-popular, substitui-se uma outra, cultura mercado-consumo (ORTIZ,1994, p. 165). 2. Reflita sobre o excerto da obra de Néstor Garcia Canclini, “As culturas populares no capitalismo” (São Paulo: Brasiliense, 1983): O que vê o turista: enfeite para comprar e decorar seu apartamento, cerimônias "selvagens", evidências de que sua sociedade é superior, símbolos de viagens exóticas a lugares remotos, portanto, do seu poder aquisitivo. A cultura é tratada de modo semelhante à natureza: um espetáculo. As praias ensolaradas e as danças indígenas são vistas de maneira igual. O passado se mistura com o presente, as pessoas significam o mesmo que as pedras: uma cerimônia do dia dos mortos e uma pirâmide maia são cenários a serem fotografados (CANCLINI, 1983, p. 11). REFLEXÃO A relação entre cultura e a construção da identidade nacional é um assunto que tem ocu- pado muitos estudiosos. Será que a cultura determina a identidade nacional, ou é esta que gera aquela? É importante pensar na cultura do vir a ser, pois, de acordo com Hall (2003, p. 43):
  • 29. capítulo 1 • 28 A cultura é uma produção. Tem sua matéria-prima, seus recursos, seu “trabalho produtivo”. Depende de um conhecimento da tradição enquanto “o mesmo em mutação” e de um conjunto efetivo de genealogias. Mas o que esse “desvio através de seus passados” faz é nos capacitar, através da cultura, a nos produzir a nós mesmos de novo, como novos tipos de sujeitos. Portanto, não é uma questão do que as tradições fazem de nós, mas daquilo que nós fazemos das nossas tradições. Paradoxalmente, nossas identidades culturais, em qualquer forma acabada, estão à nossa frente. Estamos sempre em processo de formação cultural. A cultura não é uma questão de ontologia, de ser, mas de se tornar. Como se vê, a ideia de Hall gira em torno do “tornar-se” e não do “ser”. Não importa mais o que somos nem o que fomos, e sim aquilo que podemos nos tornar a partir da tomada de decisões quanto às nossas tradições. Não é preciso perpetuar o passado, mas transformar o futuro a partir do que somos. LEITURA CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP, 2003. CHARTIER, Roger. Cultura popular: revisitando um conceito historiográfico In: Estudos históricos, Vol. 08, n°16. Rio de Janeiro, 1995. IMAGENS DO CAPÍTULO Imagem 1.1 - http://novaescola.org.br/img/arte/178-Muitas-historias01.jpg Imagem 1.2 - http://www.bbaw.de/en/research/dwb/synopsis/bild Imagem 1.3 - http://www.terraconsciente.com.br/wp-content/uploads/2013/03/contar-historias.jpg Imagem 1.4 - http://1.bp.blogspot.com/-byr_p9dtASg/UDbzdQd_13I/AAAAAAAAA88/jHNcjunXEsk/ s1600/Folclore-+festa+do+povo.png Imagem 1.5 - http://static.blastingnews.com/media/photogallery/2015/8/1/main/classe-social- brasil-extraido-de-www-google-com_380369.jpg Imagem 1.6 - http://www.carnaxe.com.br/axelook/quadros/arquivos/carybe_rodadesamba.htm Imagem 1.7 - http://img.saraivaconteudo.com.br/Clipart/images/teatro_06_fantasma.jpg Imagem 1.8 - http://kmtvfilosofia.blogspot.com.br/2014/10/lazer-alienado.html
  • 30. capítulo 1 • 29 Imagem 1.9 - https://i.ytimg.com/vi/ymR6egkH2YA/hqdefault.jpg Imagem 1.10 - http://imagens1.ne10.uol.com.br/blogsne10/social1/uploads/2016/08/rio2-1.jpg Imagem 1.11 - http://www.onordeste.com/administrador/personalidades/ imagemPersonalidade/35c042ae35c32bf1b3484ba6eb419b14757.jpg REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADORNO, Theodor. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002. BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na idade média e no renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo: Annablume/Hucitec, 2002. BOURDIEU, Pierre. Capital simbólico e classes sociais. In: Novos Estudos Cebrap, 96, jul. 2013 BURKE, Peter. Cultura popular na idade moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. CANCLINI, Néstor Garcia. As culturas populares no capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 1983. CHARTIER, Roger. Cultura popular: revisitando um conceito historiográfico In: Estudos históricos, Vol. 08, n°16. Rio de Janeiro, 1995. DIAS, Reinaldo. Introdução à Sociologia. São Paulo: Pearson, 2010. GULLAR, Ferreira. Cultura posta em questão. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1965. HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2003. HARVEY, D. Condição pós-moderna. 8a ed. São Paulo: Loyola, 1999. ORTIZ, Renato. Cultura popular: românticos e folcloristas. São Paulo: Olho d’água, 1992. ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1994. ORTIZ, Renato. As ciências sociais e a cultura. In: Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 14(1): 19-32, maio de 2002. VILHENA, L.R. Projeto e missão: o movimento folclórico brasileiro 1947-1964. Rio de Janeiro: Funarte, 1997.
  • 33. capítulo 2 • 32 Atentos à pluralidade da cultura e da literatura popular nacional, nossa preocupação, ao elaborar este capítulo, foi voltada para nossa formação literária e cultural. Para isso, é importante expandir nossas competências de leitura e interação com a cultura popular de uma maneira geral, pois é nessa nova leitura, pautada em um olhar mais amplo e atento, que poderemos obter a compreensão da literatura como atividade artística, apreendida não só como fenômeno literário, mas também histórico-social, que dialoga com outras obras artísticas daí resultantes. Diante desse contexto, entendemos que as manifestações culturais populares se vinculam à história da literatura e às várias formas de expressão literárias, resultando em obras teatrais, música, filmes, danças e quaisquer outros movimentos culturais representativos da cultura popular brasileira como um todo. Nosso objetivo é difundir o conhecimento sobre a realidade popular brasileira com foco na literatura; conhecer e analisar a forma e o conteúdo das obras, em uma visão ampla do universo artístico brasileiro, através dos vários tipos de linguagem, como cinema, teatro, música, dança, folclore, etc. Um Pouco da Origem da Literatura Popular Relembrando meus tempos de doutorado, época em que pesquisava no Rio de Janeiro e em Cabo Frio sobre Antônio Teixeira Gonçalves e Souza, recorro às minhas anotações de uma palestra, proferida pela Dra. Regina Meirelles, sobre literatura popular. Peço perdão ao leitor por não fornecer mais detalhes sobre a palestra. Apenas lembro que ocorreu por volta de 2000. Quando se fala em literatura popular, vêm à nossa mente as histórias tradicionais; as narrativas de épocas antigas. Histórias que a tradição popular conserva ao longo dos tempos, como aquelas conservadas pelos irmãos Grimm, da tradição de contar histórias. Histórias estas que nos levam de volta: • aos romances de cavalaria, em que o cavaleiro é solitário e vive no mundo em busca de justiça; OBJETIVOS
  • 34. capítulo 2 • 33 • às novelas de amor, em que o amor não pode se concretizar por briga entre famílias, classes sociais diferentes, ou vilania, e • às narrativas de batalhas homéricas, viagens ou descobertas além mar, como “Ilíada”, “Odisseia” e “Os lusíadas”, respectivamente. É comum às narrativas dessas histórias serem interligadas ou permeadas de poesia, como se pode notar na leitura de “Ilíada”, “Odisseia” e “Os lusíadas”, que são narrativas escritas em verso. As poesias também podem descrever ou narrar fatos que interessam ao povo. Por que se utiliza a poesia no campo da literatura popular? Simples, porque a poesia ajuda na memorização devido à estrutura em verso e ao sistema de rima e repetição. A cultura popular, assim como a poesia, não se restringe a uma classe social, mas está presente em todos os momentos da vida de um povo, embora seja encarada como elemento de oposição à cultura considerada oficial, erudita. Em sua origem, a literatura popular estava ligada aos poetas e músicos que perambulavam pelas aldeias e acabavam por se tornar verdadeiros cronistas ao registrarem os acontecimentos do cotidiano em forma de romances ou epopeias de aventuras. Dentre esses cronistas andarilhos, encontram-se trovadores, menestréis e jograis, e é por esse motivo que as produções da literatura popular são poéticas. Aqui, a cultura popular brasileira está ligada aos vários tipos de poesia popular, como os romances ou xácaras, que são poesias dialogadas muito comuns no nordeste. Um exemplo disso é “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna. xá·ca·ra (espanhol jácara) substantivo feminino [Literatura] Espécie de romance ou seguidilha popular, em verso. "xácara", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https:// www.priberam.pt/dlpo/x%C3%A1cara [consultado em 24-08-2016]. CONCEITO
  • 35. capítulo 2 • 34 Temos também a cantoria ou poesia repentista, como é mais conhecida, que trata de um combate musical entre dois repentistas. Outro ponto a relembrar é a parlenda, versão popular muito usada nas escolas por ser ritmada e fácil de memorizar e contar. Pelo pouco que contamos até agora, já deu para perceber que a literatura popular não é uma arte isolada, mas caminha junto de outras formas culturais, como teatro, cinema, música, etc. Que tal percorrermos um pouco mais desses espaços artísticos e observarmos a cultura em movimento? O Teatro Popular O teatro popular ganha destaque e força a partir da criação do Teatro Popular do Nordeste, que tem como finalidade proporcionar ao público – especialmente às camadas menos favorecidas da sociedade - um teatro profissional com qualidade artística. Entre os fundadores do Teatro Popular do Nordeste, estão dramaturgos, atores, autores e músicos, como Hermilo Borba Filho, Ariano Suassuna, Gastão de Holanda, José de Moraes Pinho, Capiba, José Cavalcanti Borges, Leda Alves e Aldomar Conrado. Eles estavam unidos por um mesmo ideal, como podemos verificar no trecho do “Manifesto de lançamento do Teatro Popular do Nordeste”: Acreditamos que a arte (...) deve ser comprometida, isto é, deve manter um fecundo intercâmbio com a realidade, ser porta-voz da coletividade e do indivíduo, em consonância com o espírito profundo de nosso povo.. O Teatro Popular do Nordeste é marcado por três fases: 1ª fase: peças focadas em temas e mitos da cultura nordestina; 2ª fase: peças focadas nas encenações teatrais naturais do nordestino; 3ª fase: entende-se que o teatro popular não precisa necessariamente ficar preso como elemento regional. Na segunda fase, destacam-se as manifestações em torno do bumba meu boi e do mamulengo. Para saber mais sobre o mamulengo, leia o artigo “Mamulengo: o teatro de bonecos popular no Brasil”, cujo excerto está citado ao final deste tópico.
  • 36. capítulo 2 • 35 CONCEITO A dança folclórica do bumba meu boi é um dos traços culturais mais marcantes da cultura brasileira, principalmente na região nordeste. A dança surgiu no século XVIII, como forma de crítica à situação social dos negros e índios. O bumba meu boi combina elementos de comédia, drama, sátira e tragédia, tentando demonstrar a fragilidade do homem e a força bruta de um boi. Disponível na http://brasilescola.uol.com.br/folclore/bumbameuboi.htm. Acesso em 15-9-2016. Na terceira fase, obras clássicas da literatura ocidental são encenadas pelo teatro popular, uma vez que tais obras são capazes de penetrar o inconsciente popular, por revelarem elementos comuns à humanidade como um todo. É nessa fase que surge o maior desafio para os envolvidos com o teatro popular: como encenar as grandes obras literárias, já que a arte popular nordestina era caracterizada pelo improviso? Vejamos alguns autores e peças relacionadas ao teatro popular: • “A Pena e a Lei”, e “A Caseira e a Catarina”, de Ariano Suassuna • “A Pena e a Lei” se mantém atual porque analisa questões sociais como trabalho, exigências de trabalhadores, presença de empresas estrangeiras no país, fome e prostituição. • “A Caseira e a Catarina” é uma peça que trata da situação da esposa legítima e a da amante. • “A Bomba da Paz”, de Hermilo Borba Filho: farsa política com caricatura dos representantes dos setores mais reacionários da sociedade. • “O Santo Inquérito", de Dias Gomes: a protagonista pode ser analisada como uma Joana D’Arc nordestina. Incriminada por praticar o judaísmo e certas imoralidades, foi condenada à fogueira da Inquisição. • “Auto do Salão do Automóvel”, de Osman Lins: texto experimental, narrado em terceira pessoa, que reflete sobre a urbanização mal planejada e suas consequências no futuro. O teatro popular continua vivo e funciona como motivador de uma nova consciência, caminhando em direção a novas formas de informação, diálogo e engajamento nos movimentos culturais populares.
  • 37. capítulo 2 • 36 LEITURA “Mamulengo: o teatro de bonecos popular no Brasil” Fernando Augusto Gonçalves Santos Grupo Mamulengo Só-Riso (PE) Praticado no mundo todo, o teatro de bonecos assumiu fisionomias e espíritos dramáticos diferenciados, dependendo da localização geográfica de cada uma de suas manifestações. Isso se deve às próprias injunções de tradição cultural, costumes, e formação social, econômica e política. Em alguns estados do nordeste do Brasil, existe uma forma de teatro de bonecos praticada por artistas do povo, que se denomina mamulengo. O mamulengo é um teatro de características inteiramente populares, onde os atores são bonecos que falam, dançam, brigam e, quase sempre, morrem. Como em tantas outras manifestações artísticas da cultura popular nordestina, o mamulengo revela de modo singular a rica expressividade do dia a dia do povo da região. Através dos bonecos, o povo se identifica com suas alegrias e suas tristezas, com seus temores e sua capacidade de fé, com seus tipos matreiros e seus elementos repressores, com o esmagamento de seus direitos e sua ânsia por liberdade. O mamulengo tem um extraordinário poder de síntese e revelação estética dos anseios mais ardentes do povo nordestino, não obstante a precariedade de seus recursos disponíveis, sejam técnicos, estéticos ou de escolaridade. (...) o mamulengo baseia-se na improvisação livre do ator (mamulengueiro). Conquanto tenha um roteiro básico para a história, que não é escrita, os diálogos são criados no momento do espetáculo, de acordo com as circunstâncias e com a reação do público. Não podendo existir sem a música nem a dança, o mamulengo exige do público uma participação constante e ativa, que permita completar o que os bonecos muitas vezes apenas sugerem. Requer-se, portanto, uma imensa interação boneco/plateia, que não se faz difícil por conta do incrível poder de improvisação e da capacidade imaginativa que caracteriza os mamulengueiros. Por isso, sendo um teatro do improviso, depende visceralmente da assistência do público, que alimenta, ignora ou castra a vertente de criação que sai do mestre, passa para o boneco e atinge o público. Ao reagir, a assistência fornece a inspiração necessária ao processo de criação improvisada que constitui o espetáculo, formando um ciclo contínuo que envolve a todos: titireteiro, títeres e público. O espetáculo do mamulengo, seja urbano ou rural, é destinado a um público específico. O mamulengo não satisfaz às necessidades teatrais ou mesmo emocionais do público intelectual e burguês que habitualmente frequenta nossos teatros. Quando
  • 38. capítulo 2 • 37 muito, esse público assiste a uma função por curiosidade, por atitude exótica ou pelo aspecto folclórico. Fica bastante claro que seu público é o povo; as camadas inferiores da sociedade; a gentalha; a rafameia; o Zé-povinho. O mamulengueiro sabe falar a esse povo, retratando os mais diferentes aspectos de suas vidas, transfigurando suas alegrias e dores. Frequentemente, o mamulengo é de uma contundência admirável, motivado por uma inspiração fascinante que lhe permite alterar o equilíbrio do mundo e as relações de poder, insurgindo-se contra o maniqueísmo da vida e criando outro mundo que ele próprio governa; uma situação poético-dramática que incorpora o público. Arranca personagens e temas de um mundo ao qual está sujeito, é submisso e pelo qual é explorado, e os transpõe, em uma transfiguração muito própria, para um mundo onde sua voz, anseios e vontades são ouvidos. Isso tudo tem a intenção maior de provocar o riso que, gerando a folgança, o alívio e o divertimento, atua como elemento catártico e de grande comunicabilidade. O mamulengo é um fenômeno vivo, dinâmico, e em constante processo de mutação e de transformação. (...) Disponível em hthttps://goo.gl/NWUCmW Acesso em 15-9-2016. A Literatura e Seus Reflexos na Música Popular Música e literatura têm em comum o atributo e a generosidade de fazer com que o próprio ouvinte e o próprio leitor construam em suas mentes o universo induzido pela mestria dos escritores e dos compositores. É somente no ato da audição e no da leitura que as obras, nos dois casos, realmente se realizam - e cada indivíduo compõe esse universo ao seu modo, conforme suas experiências e vivências pessoais. Eis a magia tão própria dessas duas artes. (...) (AJZENBERG, 2015, orelha da revista).
  • 39. capítulo 2 • 38 Quando pensamos na relação entre literatura e música, vem à cabeça a bossa nova dos anos 1950, que transforma poesia em canção ou vice-versa, ou o tropicalismo dos anos 1970, preocupado com a situação política do país. A Tropicália foi um movimento musical do final da década de 1960, do qual participaram músicos como Tom Zé, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, entre outros. Podemos afirmar que há certo sincretismo entre música e literatura, uma vez que o tropicalismo colaborou para que a literatura assumisse uma visão de bom emprego de qualquer estética literária, sem interferência de preconceitos, e tendo como característica principal a mistura de ideias e estéticas que juntavam assuntos urbanos e modernos a elementos folclóricos e populares. Como afirma Alfredo Werney: A literatura acadêmica e a música popular, ao que nos parece, nunca estiveram tão sintonizadas e afinadas, em outros países, como estão no Brasil. A estreita ligação entre a poesia da canção e a poesia dos livros fez do Brasil um espaço de ricas experiências da relação palavra/ música. Esta complexa ligação certamente não veio dos dias de hoje. (...) No prelúdio da nossa literatura (e também da literatura universal), já se faz presente a música, o que se gera uma arte híbrida – que não é tão-somente literatura, nem tão-somente música. (Disponível em https://goo.gl/XfsM1O. Acesso em 15-9-2016) Muitos são os exemplos de artistas que casam música e literatura. Vejamos: Vinícius de Moraes, em parceria com Tom Jobim, levou a música brasileira para o mundo com “Garota de Ipanema”. Em uma inventividade modernista, ele brinca com a composição poética, fazendo com que a linguagem caminhe aos passos da garota que anda pelas areias de Ipanema. (...) o autor brasileiro que fez a grande travessia da poesia canônica para a canção popular foi Vinicius de Moraes. Pode-se dizer que sua contribuição ao cancioneiro nacional foi mais determinante do que ao universo poético propriamente dito. Ao convidar Tom Jobim para compor a trilha do musical Orfeu da Conceição, o “poetinha” acabou se tornando um dos pais da Bossa Nova. O movimento mudaria para sempre os rumos da canção popular, influenciando músicos em vários países. (...) (SANTOS, 2015)
  • 40. capítulo 2 • 39 Chico Buarque usa a música para retratar o sonho de Iracema, sinônimo da mulher brasileira, de mudar de vida, deixando seu país rumo à América (EUA). Ele transforma um fato corriqueiro em motivo para cantar poeticamente nos moldes do modernismo. Iracema voou Chico Buarque/1998 Iracema voou Para a América Leva roupa de lã E anda lépida Vê um filme de quando em vez Não domina o idioma inglês Lava chão numa casa de chá Tem saído ao luar Com um mímico Ambiciona estudar Canto lírico Não dá mole pra polícia Se puder, vai ficando por lá Tem saudade do Ceará Mas não muita Uns dias, afoita Me liga a cobrar: -- É Iracema da América 1998 © - Marola Edições Musicais Ltda. Disponível em http://www.chicobuarque.com.br/letras/iracema_98.htm. Acesso em 15-9-2016.
  • 41. capítulo 2 • 40 A música de Chico Buarque também dialoga com a obra de João Cabral de Melo Neto, “Morte E Vida Severina”, retratando o sertão, a fome e a morte no nordeste: Esta cova em que estás, com palmos medida É a conta menor que tiraste em vida É de bom tamanho, nem largo, nem fundo É a parte que te cabe deste latifúndio Não é cova grande, é cova medida É a terra que querias ver dividida É uma cova grande pra teu pouco defunto Mas estarás mais ancho que estavas no mundo É uma cova grande pra teu defunto parco Porém mais que no mundo, te sentirás largo É uma cova grande pra tua carne pouca Mas a terra dada nao se abre a boca É a conta menor que tiraste em vida É a parte que te cabe deste latifúndio (É a terra que querias ver dividida) Estarás mais ancho que estavas no mundo Mas a terra dada nao se abre a boca Disponível em https://goo.gl/Wzqnml. Acesso em 15-9-2016.
  • 42. capítulo 2 • 41 Cabe aqui o depoimento de José Domingos de Brito (2015): Meu interesse em especular as relações da literatura com a música se deu a partir da declaração (e reiteração) de João Cabral de Melo Neto, dizendo que não gosta de música. Abriu uma exceção apenas para o flamenco, que conheceu em Sevilha, enquanto diplomata; e para o frevo, devido à sua origem pernambucana. Fiquei matutando: como é possível o autor de um poema como “Morte e vida severina”, musicado pelo Chico Buarque, não gostar de música? A conversão de literatura em música ou vice-versa é possível porque: As relações entre a música e a literatura são tão antigas quanto essas duas formas de expressão artística. Desde a Antiguidade o texto literário adapta-se à música, bem como a música adapta-se ao texto literário, mais precisamente, ao poema. (ASSIS BRASIL, 2015) Pode-se notar isso, por exemplo, no poema “Rosa de Hiroshima”, de Vinícius de Moraes, na voz de Ney Matogrosso: Pensem nas crianças Mudas telepáticas Pensem nas meninas Cegas inexatas Pensem nas mulheres Rotas alteradas Pensem nas feridas Como rosas cálidas Mas oh não se esqueçam Da rosa da rosa Da rosa de Hiroxima A rosa hereditária A rosa radioativa Estúpida e inválida A rosa com cirrose
  • 43. capítulo 2 • 42 A antirrosa atômica Sem cor sem perfume Sem rosa sem nada. Disponível em https://goo.gl/uYKUgw. Acesso em 15-9-2015. MULTIMÍDIA Ouça a música “Rosa de Hiroshima”, poema de Vinícius de Moraes, na voz de Ney Mato- grosso. Disponível em https://goo.gl/IoTSA5. Acesso em 15-9-2015. A respeito da interpretação do poema/música acima, podemos pensar em termos do devaneio poético de Caetano (2015): Na música não há uma rosa. Há dissonâncias, pausas, assonâncias, intervalos, dominantes, repousos, marchas, forças, tons, modos, clímax, inquietações, paz, conflitos, soluções... tudo isso abrindo mão das palavras, recorrendo a significantes, portanto, quase que cem por cento sob poder do receptor. Não que uma precise da outra. Antes diria eu: são casos em que uma quis a outra. É bem diferente. Não se trata da área da necessidade, senão, sim, da área do querer, do bem-querer. LEITURA As letras na pauta Jorge Fernando dos Santos Música e literatura sempre andaram juntas, desde a antiguidade. O ritmo é parte integrante da escrita, mesmo quando não se trata de texto poético. Enquanto isso, ao longo da História, a poesia se fez presente na ópera, nos jograis e na canção popular, cobrindo de redondilhas os acordes musicais.
  • 44. capítulo 2 • 43 Isso talvez explique o envolvimento de escritores com a música e de músicos com a literatura. (...) O fenômeno é universal, mas é no Brasil que ele toma dimensões qualitativa e quantita- tivamente admiráveis. Basta lembrar os poetas populares do Nordeste, dedicados à tradição do cordel e do coco de embolada. Patativa do Assaré, por exemplo, fez poemas e canções, tendo seus versos também musicados e interpretados por outros artistas. Um dos primeiros a investigar a cultura musical brasileira foi o modernista Mário de Andrade. Influenciado por esse trabalho, ele compôs o clássico caipira “Viola Quebrada”, em parceria com Ary Kerney. Manuel Bandeira teve versos musicados por Villa-Lobos e, mais tarde, por Tom Jobim. Ferreira Gullar fez parcerias com Fagner, Milton Nascimento e Pauli- nho da Viola, além de incluir no “Poema Sujo” uma letra para “O Trenzinho do Caipira”, de Vil- la-Lobos. Drummond e Henriqueta Lisboa também tiveram poemas musicados por diversos compositores. Fernando Sabino era baterista nas horas vagas. (...) Disponível em https://goo.gl/mfa8WV. Acesso em 15-9-2015. O Cinema a Serviço da Literatura A relação entre literatura e cinema é antiga. Cinema e literatura participam da mesma empreitada: trazer a ilusão, o devaneio e a magia da história ao receptor. A linguagem já abriu porta à magia: desde o momento em que toda a coisa chama imediatamente ao espírito a palavra que a designa, a palavra chama no mesmo instante a imagem mental da coisa que evoca, conferindo-lhe mesmo que seja ausente, a presença (MORIN, 1973, p.98). Literatura e cinema são artes diferentes, com linguagens distintas, mas complementares, pois “O cinema torna não só compreensível o teatro, a poesia e a música, como também o teatro interior do espírito: sonhos, imaginação, representações: o tal minúsculo cinema que existe na nossa cabeça” (MORIN, 1970, p. 243). Podemos pensar que o maior diretor e criador de um filme somos nós mesmos, com nossa capacidade imaginativa. Por isso, na opinião de Jorge Furtado (2004), é comum que uma pessoa “se decepcione quando vê as imagens criadas pelo cineasta e diga: gostei mais do livro”.
  • 45. capítulo 2 • 44 No entanto, devemos entender que o filme é uma adaptação da obra literária e, por isso, se torna outra obra, que depende do ponto de vista do roteirista ao querer destacar certas cenas e diálogos em detrimento de outros. É claro que o filme, mesmo sendo uma nova obra, precisa manter um ponto de convergência com a obra literária. Dito isso, “a adaptação deve dialogar não só com o texto original, mas também com seu contexto, atualizando o livro, mesmo quando o objetivo é a identificação com os valores neles expressos” (XAVIER, 2003, p. 62). Preocupados em manter a fidelidade ao texto literário, “há cineastas que se esforçam por uma equivalência integral do texto literário e tentam não se inspirar no livro, mas adaptá-lo ou traduzi-lo para a tela” (BAZIN, 1999, p. 93). Porém, o filme não precisa ser cópia fiel do livro. Desse modo, para ser uma boa adaptação, o filme deve ser capaz de “restituir o essencial do texto e do espírito” (BAZIN, 1991, p. 96). Veja alguns livros que abordam a realidade regional e que viraram filmes: •  “Vidas secas”, romance de Graciliano Ramos; Figura 1.1  –  “Vidas secas”, o filme •  “A hora e a vez de Augusto Matraga”, de Guimarães Rosa; •  “O menino de engenho”, de José Lins do Rego; •  “O Pagador de Promessas”, de Dias Gomes; •  “Memórias do Cárcere”, de Graciliano Ramos;
  • 46. capítulo 2 • 45 •  “Tenda dos Milagres”, de Jorge Amado; •  “O auto da compadecida”, de Ariano Suassuna. Figura 1.2  –  “O auto da compadecida”, o filme A Dança Como Expressão Cultural Popular Todos os países do mundo, raças, grupos humanos, famílias, classes profissionais, possuem um patrimônio de tradições que se transmite oralmente e é defendido e conservado pelo costume. Esse patrimônio é milenar e contemporâneo. Cresce com os sentimentos diários desde que se integre nos hábitos grupais, domésticos e nacionais (Cascudo, 2002, p. xvi). É comum citarmos a região nordeste, com suas manifestações folclóricas e populares, como um dos principais elementos formadores da riqueza cultural de nosso país. Além da literatura nordestina, que tem dado grande aporte para o
  • 47. capítulo 2 • 46 panorama literário brasileiro, temos a dança, que tem tudo a ver com a nossa formação em várias partes do território brasileiro, pois a dança é: (...) das classes populares, "dança de gente" (...) e retrata, sim, um tempo que não mais existe, porém, é tradição oral e deixa as suas marcas nas gerações e na memória. Não tem caráter pedagógico, mas é uma educação visual, política, estética, moral e filosófica. Não é empobrecida pelo didatismo. Eram ensinadas dançando e cantando, os mais antigos detinham a honra de inserir na roda os mais novos e na hora determinada como certa. Não eram danças infantis, mas poderiam assistir e aprender assim, com a imitação e a brincadeira (Figueiredo, 2007, p. 26). Que tal conhecermos um pouco sobre as danças do Brasil? O xaxado é dançado ao som de uma música acompanhada por sanfona, zabumba e triângulo. O xaxado surgiu como uma forma de afronta à polícia. É dançado com rifles pelo grupo de Lampião, e não com companheiras. Já o baião é dançado em pares, com homem e mulher colados, ao som do acordeom. Luiz Gonzaga é o maior representante do baião. CURIOSIDADE Quer saber mais sobre Luiz Gonzaga? Que tal ler a obra “Rei do Baião - do Nordeste Para o Mundo”, de Arievaldo Viana, que conta a vida do músico em forma de literatura de cordel? Na Bahia, o samba de roda é dançado em roda, com música, canto e palmas. Os instrumentos musicais mais utilizados são chocalho, pandeiro, viola, atabaque e berimbau. Em Pernambuco, temos o frevo e o maracatu. Este mistura elementos culturais afro-brasileiros, indígenas e europeus (simbolizados por personagens históricos), é dançado ao som de tambores, caixas, taróis e ganzás, e apresenta enfoque religioso. Já o frevo representa o carnaval pernambucano, em que os foliões usam um pequeno guarda-chuva colorido e misturam passos de dança com malabarismo. De acordo com Bakhtin (1987, p. 189-190), o carnaval representa a cultura popular como um todo e, por isso:
  • 48. capítulo 2 • 47 Enquanto fenômeno perfeitamente determinado, o carnaval sobreviveu até os nossos dias, (...). Conhece-se muito bem a história do carnaval, descrita muitas vezes no decorrer dos séculos. Recentemente, nos séculos XVIII e XIX, o carnaval conservava ainda alguns dos seus traços particulares de festa popular de forma nítida, embora empobrecida. O carnaval revela-nos o elemento mais antigo da festa popular, e pode-se afirmar sem risco de erro que é o fragmento mais bem conservado desse mundo tão imenso quanto rico. Isso autoriza-nos a utilizar o adjetivo "carnavalesco" numa acepção ampliada, designando não apenas as formas do carnaval no sentido estrito e preciso do termo, mas ainda toda a vida rica e variada da festa popular (...). No Ceará, o maneiro-pau é dançado com passos em rodas, e com pedaços de pau nas mãos, como se fossem duelar. Mas não é só do nordeste que vêm a literatura e a cultura popular. O fandango, por exemplo, chegou à região sul do Brasil por volta de 1750, com os colonizadores portugueses, e é composto por passos, música – acompanhada por violas, rabeca, acordeão e pandeiro - e canto. Os folgadores e as folgadeiras vestem roupas típicas da região e dançam, com sensualidade, valsa e bailado, mas sem se tocar. Figura 1.3  –  fandango Na região centro-oeste, temos o samba, que chegou aqui com os negros, e era dançado apenas nas senzalas. Com o passar do tempo, o Rio de Janeiro ajudou a difundir esse ritmo pelo Brasil.
  • 49. capítulo 2 • 48 Nas regiões centro-oeste, sul e sudeste, especificamente em São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, a catira, também conhecida como cateretê, é dançada com batidas de pés e palmas. A catira representa a cultura caipira, e pode ser relacionada ao Jeca Tatu, personagem de Monteiro Lobato imortalizado na atuação de Mazzaropi, por exemplo. MULTIMÍDIA Para conhecer a figura do Jeca Tatu e a catira, dentre as tradições populares, assista ao filme “Tapete Vermelho”, ao longo do qual o espectador é apresentado a histórias e tradições populares, como o feitiço da cobra que suga leite de mulher parida, a dança da catira, bem como as habilidades de Zulmira como rezadeira. Disponível em http://www.educacaopublica.rj.gov.br/cultura/cinema_teatro/0048.html Acesso em 15-9-2015. Por fim, a quadrilha e o bumba meu boi são dançados nas mais variadas regiões do país. A quadrilha é a dança da festa junina, onde os participantes vestem roupagens típicas da tradição caipira. O bumba meu boi é considerado um dos maiores símbolos folclóricos do Brasil e conta a lenda de um boi que pereceu e ressuscitou, depois de ter sua língua cortada para agradar às vontades de uma gestante. O bumba meu boi mistura dança, música e teatro. Figura 1.4  –  Bumba meu boi Como podemos observar, a dança faz parte das festas populares. Ela dialoga com músicas, encenações teatrais, e formas literárias, atribuindo à cultura popular
  • 50. capítulo 2 • 49 uma imagem pública que representa o povo brasileiro dentro e fora de nosso país. Nesse sentido, fazer teatro, música, poesia ou qualquer outra modalidade de arte é construir, com cacos e fragmentos, um espelho onde transparece, com as suas roupagens identificadoras particulares e concretas, o que é mais abstrato e geral num grupo humano, ou seja, a sua organização, que é condição e modo de sua participação na produção da sociedade. Esse é, a meu ver, o sentido mais profundo da cultura, "popular" ou "outra". (ARANTES,1981, p. 78). A Realidade Social do Artista e a Receptividade do Público Acerca da realidade social do artista e da receptividade do público, podemos fazer várias considerações pontuais. No campo da dramaturgia, os integrantes do teatro popular foram felizes em suas empreitadas durante certo tempo, recebendo contribuições para a realização dos espetáculos, que tinham a casa cheia. Com a chegada do regime militar, a situação foi piorando. Os incentivos já não apareciam com tanta frequência, o público começou a rarear até que, com a decretação do Ato Institucional nº 5 (AI- 5), as atividades teatrais começaram a desaparecer devido à perseguição política e às disputas entre grupos de esquerda e de direita. O público se interessava pelo teatro popular porque, nas palavras de Borba Filho em texto escrito devido à estreia do espetáculo “O inspetor”, na sede do Teatro Popular do Nordeste: (...) atores não agirão como médiuns de sessões espíritas, deixando- se tomar pelo personagem. Não. Eles brincarão (no sentido do jogo medieval e dos folguedos populares), criticarão permanentemente o personagem, criarão o processo de afastamento e desinibirão o público..
  • 51. capítulo 2 • 50 No campo da música: Cabe ainda pontuar (...) a importância da audição e da leitura na composição do sentido da obra, seja musical, seja literária. Quanto à música, o "texto" se torna em grande parte dependente do executor ou intérprete. Além do mais, o receptor ou ouvinte haverá de contribuir para dar sentido à obra, na medida em que a absorve no vasto campo da memória auditiva, com suas emoções, afetividades e domínio crítico. O mesmo se dirá da obra literária perante a leitura, na medida em que o leitor, ao cabo de seu processo emocional e intelectivo, passa a ser o intérprete e juiz do trabalho. A leitura traz consigo a presentificação do texto, seja este antigo ou novo, pois atravessa os depósitos cognitivos, emocionais e críticos acumulados na memória do leitor. É perante esse tribunal ou cenário afetivo que a obra se desnuda, transbordante de significados. Ao engenho da escrita, acrescente-se o poder da leitura, nem sempre simétrica às intenções do autor. (ASSIS BRASIL, 2015). Passando para o cinema, gostaríamos de exemplificar a questão da realidade social do artista e da receptividade do público, comentando sobre o filme “Cidade de Deus”, baseado na obra homônima de Paulo Lins. “Cidade de Deus” conta uma história baseada em fatos reais, e é considerado por alguns críticos um romance realista-naturalista. No entanto, gostaríamos de destacar um viés regionalista na obra de Paulo Lins, na medida em que o autor apresenta a diversidade cultural presente em tal comunidade. Além disso, Lins se utiliza de uma linguagem rica e diferenciada, fruto de um intenso trabalho de pesquisa linguística, para mostrar que a comunidade se comunica de uma forma muito diferente do que o resto da sociedade. Na obra, todas as variantes linguísticas e características dos falantes são preservadas, revelando suas particularidades. Paulo Lins também mostra o lado cultural da Cidade de Deus, comunidade formada, em sua maioria, por negros adeptos dos cultos religiosos afro-brasileiros, como o candomblé e a umbanda. Além disso, São Jorge, um dos santos mais fortes do sincretismo com o catolicismo, aparece como sinônimo de força para muitas das personagens. O autor também apresenta as festas celebradas ao som do samba, sem esquecer o carnaval, e o comportamento das personagens nos clubes e bailes da favela. Outro
  • 52. capítulo 2 • 51 elemento que contribui para expressar a diversidade cultural da Cidade de Deus é a culinária, que é produto de uma série de tradições regionais d e todo o país. Paulo Lins foi morador de “Cidade de Deus”. Talvez por isso, o filme tenha conseguido captar e refletir o painel de vidas diferentes e situações cotidianas que o livro traz, embora não tenha aberto espaço para a densidade social e psicológica que aparece marcadamente no texto literário. O que mais me chamou a atenção em “Cidade de Deus” foi, primeiro, a extrema vivacidade da linguagem popular, dentro da monotonia tenebrosa das barbaridades, que é um ritmo da maior verdade. Depois, a mistura muito moderna e esteticamente desconfortável dos registros: a montagem meio crua de sensacionalismo jornalístico, caderneta de campo do antropólogo, terminologia técnica dos marginais, grossura policial, efusão lírica, filme de ação da Metro etc. E sobretudo o ponto de vista narrativo, interno ao mundo dos bandidos, embora sem adesão, que arma um problema inédito. Há ainda o conhecimento pormenorizado, sistematizado e refletido de um universo de relações, próximo da investigação científica, algo que poucos romances brasileiros têm. Enfim, é um mix poderoso, representativo, que desmanchou a distância e a aura pitoresca de um mundo que é nosso. É um acontecimento (SANTOS; MOURA, 2004, Online). O filme foi sucesso de público e ganhou espaço entre os críticos, tendo sido considerado uma obra-prima entre os filmes de guerra e ação. É interessante notar que o filme fomentou inúmeras discussões acerca da pobreza no Brasil, fazendo com que a Cidade de Deus se tornasse cartão-postal e ícone da cultura popular, por espelhar o mundo das favelas brasileiras. Noqueconcerneadança,éprecisolembrarqueelaestádiretamenterelacionada à festa, marcando celebrações e resgatando elementos típicos da tradição oral, em forma de cantigas, repentes e poesias, e caminhando para um universo paralelo, pois
  • 53. capítulo 2 • 52 (...) nos dias festivos, as portas da casa abrem-se de par em par aos convidados (no limite, a todos, ao mundo inteiro); nos dias de festa, tudo se distribui em profusão (alimentos, vestimentas, decoração dos cômodos), os desejos de felicidade de toda espécie subsistem ainda (mas perderam quase totalmente o seu valor ambivalente), da mesma forma que os votos, os jogos e os disfarces, o riso alegre, os gracejos, as danças, etc. A festa é isenta de todo sentido utilitário (é repouso, uma trégua, etc.). É a festa que, libertando de todo utilitarismo, de toda finalidade prática, fornece o meio de entrar temporariamente num universo utópico. É preciso não reduzir a festa a um conteúdo determinadoelimitado(porexemplo,àcelebraçãodeumacontecimento histórico), pois na realidade ela transgride automaticamente esses limites. É preciso também não arrancar a festa à vida do corpo da terra, da natureza, do cosmos (Bakhtin, 1987, p. 241). É importante lembrar que tudo o que tratamos neste capítulo se refere à cultura popular, e isso significa que é uma produção artística produzida pelo povo e para o povo, refletindo as mais diversas realidades e situações sociais, com vistas à expressão de um modo de ser ou de pensar, com vistas a reforçar as tradições e expressões de determinados grupos ou tentar alterar a situação social vigente. Por isso, a cultura popular deve ser entendida a partir de dois modelos sugeridos por Chartier: O primeiro, no intuito de abolir toda forma de etnocentrismo cultural, concebe a cultura popular como um sistema simbólico coerente e autônomo, que funciona segundo uma lógica absolutamente alheia e irredutível à da cultura letrada. O segundo, preocupado em lembrar a existência das relações de dominação que organizam o mundo social, percebe a cultura popular em suas dependências e carências em relação à cultura dos dominantes. Temos, então, de um lado, uma cultura popular que constitui um mundo à parte, encerrado em si mesmo, independente, e, de outro, uma cultura popular inteiramente definida pela sua distância da legitimidade cultural da qual ela é privada. (CHARTIER, 1995, p.179). Desse modo, a realidade social do artista interfere na produção na medida em que pode funcionar como um reforço dela, ou como tentativa de mudança. Muitos artistas passam por várias situações desconcertantes até serem efetivamente reconhecidos como parte importante da construção da História do nosso país,
  • 54. capítulo 2 • 53 passando por censura ou exílio, por exemplo. Outros artistas permanecem no anonimato, vendo suas obras se manterem vivas pela manifestação cultural de dançarinos, artistas e cantores, também anônimos. Quanto à recepção, é bom saber que muito do que abordamos neste capítulo ainda é praticado com gosto por nosso povo brasileiro. ATIVIDADE 01. O termo “cultura popular” caracteriza a cultura de uma classe social específica? 02. Qual é o objetivo do teatro popular? 03. Por que o mamulengo pode ser considerado uma forma de “terapia” social? 04. Explique a relação entre a música e a literatura. 05. Em que ponto literatura e cinema se assemelham? REFLEXÃO Como se pode verificar, a literatura é a arte mais popular; a mãe de todas as artes; a mestra de outras artes com as quais dialoga, como o teatro, o cinema e a música. Em relação a esta última arte, Luiz Tatit revela que a música: (...) é organismo que ludibria os observadores por jamais se apresentar com o mesmo aspecto. Por isso, a canção brasileira converteu-se em território livre, muito frequentado por artistas híbridos que não se consideravam nem músicos, nem poetas, nem cantores, mas um pouco de tudo isso e mais alguma coisa. (TATIT, 2004, p.12).
  • 55. capítulo 2 • 54 LEITURA LUYTEN, Joseph. O que é Literatura popular. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1983. IMAGENS DO CAPÍTULO Imagem 2.1 - http://br.web.img3.acsta.net/medias/nmedia/18/97/64/43/20541364.jpg Imagem 2.2 - https://upload.wikimedia.org/wikipedia/pt/b/bf/O_auto_da_compadecida.jpg Imagem 2.3 - http://www.wikidanca.net/wiki/images/6/62/Fandango5.jpg Imagem 2.4 - http://wikidanca.net/wiki/images/c/ce/Boi1.jpg REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANTES, Antonio Augusto. O que é cultura popular. São Paulo: Brasiliense, 1981. AJZENBERG, Bernardo. A obra. In: BRITO, José Domingos de. (org.) Mistérios da criação literária, vol.6 Literatura e Música: depoimentos célebres e bibliografia. Disponível em http://www.tirodeletra. com.br/curiosidades/Vol.6-LiteraturaeMusica.htm , acesso em 15-9-2016. ASSIS BRASIL, Luiz Antonio de. Música e Literatura. In: BRITO, José Domingos de. (org.) Mistérios da criação literária, vol. 6 Literatura e Música: depoimentos célebres e bibliografia. Disponível em http:// www.tirodeletra.com.br/curiosidades/Vol.6-LiteraturaeMusica.htm , acesso em 15-9-2016. BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na idade média e no renascimento. São Paulo: Hucitec, 1987. BAZIN, Andre. O cinema. São Paulo: Brasiliense, 1991. ______. Por um cinema impuro. São Paulo: Brasiliense, 1999. BRITO, José Domingos de. Mistérios da criação literária In: BRITO, José Domingos de. (org.) Mistérios da criação literária, vol. 6 Literatura e Música: depoimentos célebres e bibliografia. Disponível em http://www.tirodeletra.com.br/curiosidades/Vol.6-LiteraturaeMusica.htm , acesso em 15-9-2016. CAETANO, Marcelo Moraes. Música, alma da literatura. In: BRITO, José Domingos de. (org.) Mistérios da criação literária, vol. 6 Literatura e Música: depoimentos célebres e bibliografia. Disponível em http://www.tirodeletra.com.br/curiosidades/Vol.6-LiteraturaeMusica.htm , acesso em 15-9-2016. CASCUDO, Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 11. ed. São Paulo: Global, 2002. FIGUEIREDO, Valéria Maria Chaves de. Gente em cena: fragmentos e memórias da dança em Goiás. 2007. 80 p. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007.
  • 56. capítulo 2 • 55 FURTADO, Jorge. A adaptação literária para o cinema e televisão. 10ª Jornada Nacional de Literatura, Passo Fundo, RS, agosto de 2003. LUCAS, Fábio. Literatura e Música. In: BRITO, José Domingos de. (org.) Mistérios da criação literária, vol. 6 Literatura e Música: depoimentos célebres e bibliografia. Disponível em http://www.tirodeletra. com.br/curiosidades/Vol.6-LiteraturaeMusica.htm , acesso em 15-9-2016. MAURÍCIO, Ivan et al (orgs). Manifesto de lançamento do Teatro Popular do Nordeste In: Hermilo vivo - vida e obra de Hermilo Borba Filho. Recife: Comunicarte, 1981. MORIN, Edgar; VASCONCELLOS, Antônio Pedro. O cinema ou o homem imaginário: ensaio de antropologia. Lisboa: Moraes, 1970. _____. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. São Paulo: Forense Universitária, 1967. _____. O Paradigma Perdido: A Natureza Humana. Seuil: Publicações Europa-América LDA, 1973. SANTOS, Jorge Fernando dos. As letras na pauta. In: BRITO, José Domingos de. (org.) Mistérios da criação literária, vol. 6 Literatura e Música: depoimentos célebres e bibliografia. Disponível em http:// www.tirodeletra.com.br/curiosidades/Vol.6-LiteraturaeMusica.htm , acesso em 15-9-2016. SANTOS, Luiz Henrique Lopes dos; MOURA, Mariluce. Um crítico na periferia do capitalismo. Universia, Abril de 2003. Disponível em: http://www.universiabrasil.net/html/materia/ materia_dggi.html Acesso em 30 julho 2006. TATIT, Luiz. O século da canção. Cotia: Ateliê Editorial, 2004. XAVIER, Ismail (Org.). A experiência do cinema: antologia. Rio de Janeiro: Graal, 1983.
  • 59. capítulo 3 • 58 Neste capítulo, iremos além do estudo de obras, pois nosso enfoque recai sobre os movimentos representativos da literatura regional ao logo da nossa História. Para realizarmos nosso intento, também se faz necessário explorar o contexto social e histórico que marca os movimentos estéticos literários aqui abordados. O material que nos ajudará a compor o capitulo sobre a literatura regional brasileira inclui o conjunto de obras escritas por Antonio Candido, crítico literário. OBJETIVOS Neste capítulo, temos como finalidade unir os seguintes objetivos: • Realizar a leitura de textos representativos da literatura regional, complementada pela apreciação de gêneros diversos da expressão artística; • Sintetizar os discursos de Antonio Candido a respeito do regionalismo brasileiro, relacionando-os e descrevendo-os segundo os respectivos contextos histórico-sociais; • Compreender o fenômeno artístico regional à luz da tradição literária. Para atingirmos nossa finalidade, podemos enfocar a literatura regional a partir do tema abordado, da região de produção, ou do momento de publicação. Para uma abordagem mais didática, melhor se faz o estudo da literatura popular regional enfocando movimentos representativos de cada momento da História brasileira. A Literatura Regional ao Longo dos Movimentos: Contexto Histórico-social Literatura regional ou regionalismo é uma tendência literária que busca, além da universalização do regional, a revalorização da linguagem como marca de expressão máxima da diversidade de nosso país, como nordestinos e sertanejos, mediante o foco que se dá às expressões do povo, bem como o destaque para suas singularidades. O regionalismo, que pode ser entendido como sinônimo de cultura popular, surgiu graças à interação contínua entre pessoas de regiões diferentes e à necessidade do ser humano de se enquadrar no ambiente que o cerca. A Sociologia e a Etnologia, que estudam a cultura popular, não têm como objetivo fazer juízo
  • 60. capítulo 3 • 59 de valor, mas identificar as manifestações permanentes e coerentes dentro de uma nação ou comunidade. (Disponível em https://www.significados.com.br/cultura- popular/. Acesso em 10-92016.) Os estudos sobre folclore e cultura popular brasileira como elementos possíveis para se compreender a formação de uma identidade nacional tiveram início em meados do século XIX. A história do regionalismo e da cultura popular no Brasil passa por várias temáticas, de acordo com as fases de nossa História, bem como das regiões de nossos artistas. Estamos tão acostumados a pensar em experiências comuns através dos filtros alienantes proporcionados pelas diferenças de nacionalidade e raça, que com frequência encaramos a particularidade dessas histórias como simples exotismo. Um processo social está acontecendo, numa sociedade à primeira vista estranha, e é isso que importa. Mas, à medida que vamos adquirindo uma perspectiva com base na longa história da literatura do campo e da cidade, vemos o quanto, em lugares e épocas diferentes, há um unificador numa história que, em última análise, deve ser encarada como comum a todos. (WILLIAMS, 1989, p.386) Os temas mais frequentes são: •  Índio •  Negro •  Sertanejo •  Caipira •  Jagunço •  Povo brasileiro como um todo Dentre os temas brasileiros destacados, os mais pertinentes à literatura regional eram os que parecessem mais exóticos ao habitante urbano. Por isso, a literatura contava com:
  • 61. capítulo 3 • 60 (...) primitivos habitantes, em estado de isolamento ou na fase dos contatos com o branco; habitantes rústicos, mais ou menos isolados da influência europeia direta. Daí as duas direções: indianismo, regionalismo. O problema referido é o da expressão literária adequada a cada uma delas (CANDIDO, 1997, v. 2, p. 102-103). O índio foi um tema do regionalismo expresso por José de Alencar e Gonçalves Dias, ambos dedicados a mostrar como era a vida na região das tribos e as peculiaridades desse nosso elemento formador, tudo perfeitamente alinhado à literatura brasileira. Quanto à matéria, o romance brasileiro nasceu regionalista e de costumes; ou melhor, pendeu desde cedo para a descrição dos tipos humanos e formas de vida social nas cidades e nos campos. O romance histórico se enquadrou aqui nesta mesma orientação; o romance indianista constitui desenvolvimento à parte do ponto de vista da evolução do gênero, (...) como a certas necessidades (...), poéticas e históricas, de estabelecer um passado heroico e lendário para a nossa civilização, a que os românticos desejavam, numa utopia retrospectiva, dar tanto quanto possível traços autóctones (CANDIDO, 1997, v. 2, p. 101). Ferreira Gullar salienta que o escritor pode e deve assumir uma postura crítica em face da realidade brasileira, por isso: A expressão ‘cultura popular’ surge como uma denúncia dos conceitos culturais em voga que buscam esconder o seu caráter de classe. Quando se fala em cultura popular, acentua-se a necessidade de pôr a cultura a serviço do povo, isto é, dos interesses efetivos do país. Em suma, deixa-se clara a separação entre uma cultura desligada do povo, não-popular, e outra que se volta para ele e, com isso, coloca-se o problema da responsabilidade social do intelectual, o que o obriga a uma opção (GULLAR, 1965, p.1).
  • 62. capítulo 3 • 61 Retomando os movimentos artísticos literários, podemos entender que a literatura regional sempre foi importante para a formação da literatura brasileira. O Arcadismo e o Romantismo já eram compostos de regionalismo, e o Modernismo de 1922 retoma o regionalismo como um momento de renovação cultural determinante para a arte brasileira. O regionalismo, como o conhecemos, é uma das respostas a essa tensão, desde o início, no Romantismo, até os dias de hoje, quando o vasto horizonte de possibilidades temáticas e expressivas, oriundo da prolífica diversidade e da extrema desigualdade econômica que recorta o Brasil em regiões, ainda alimenta a imaginação criadora. (PELLEGRINI, 2008, p.119) No início, podemos pensar na literatura regional como tendo o intuito de favorecer à “integração de grandes massas da nossa população à vida moderna” (CANDIDO, 2004, p. 41), sendo essa vida fruto das grandes revoluções. Mas, em um primeiro momento, a vida do homem rural era tida como “motivo de arte – motivo, por que não dizê-lo, de sabor quase exótico para o leitor das capitais” (CANDIDO, 2004, p. 41). No entanto, para o crítico Antonio Candido: Talvez se possa dizer que os romancistas da geração dos anos 1930, de certo modo, inauguraram o romance brasileiro, porque tentaram resolver a grande contradição que caracteriza a nossa cultura, a saber, a oposição entre as estruturas civilizadas do litoral e as camadas humanas que povoam o interior – entendendo-se por litoral e interior menos as regiões geograficamente correspondentes do que os tipos de existência, os padrões de cultura comumente subentendidos em tais designações (CANDIDO, 2004, p. 41). A década de 1950 inaugura outro ciclo econômico e político, fruto da produção de propriedades agrícolas (cafeeira, sucroalcooleira ou tabagista, por exemplo). Há a estabilização da burguesia nacional, e os intelectuais progressistas politicamente engajados intentam uma união, visando acabar com o atraso de nosso país, bem como criar novas formas de desenvolvimento em todos os campos. Desse modo, a arte poderia funcionar como um instrumento de mudança.
  • 63. capítulo 3 • 62 A década de 1960 é marcada pelo surgimento do Centro Popular de Cultura – CPC. Para seus integrantes, há uma distinção entre as várias maneiras de se encarar a cultura popular: • a arte popular alienada, sinônimo de folclore; • a arte popular produzida por profissionais e especialistas para o público da cidade grande; • a arte popular revolucionária, produzida com o intuito de formar a consciência social dos indivíduos menos abastados. É nessa última forma de entender a cultura popular que se encaixam os integrantes do Centro Popular de Cultura, pois eles entendiam que: o complexo dos modos de vida, dos usos dos costumes, das estruturas e organizações familiares e sociais, das crenças do espírito, dos conhecimentos e das concepções dos valores que se encontram em cada agregado social: em palavras mais simples e mais breves, toda atividade do homem entendido como ser dotado de razão (SATRIANI, 1986, p. 41). Já segundo Renato Ortiz, depois de 1964, surge um mercado de bens simbólicos que faz com que o entendimento do que é nacional, popular, e/ou identidade nacional se modifique, já que: a indústria cultural adquire, portanto, a possibilidade de equacionar uma identidade nacional, mas reinterpretando-a em termos mercadológicos; a ideia de ‘nação integrada’ passa a representar a interligação dos consumidores potenciais espalhados pelo território nacional. Nesse sentido se pode afirmar que o nacional se identifica ao mercado; à correspondência que se fazia anteriormente, cultura nacional-popular, substitui-se uma outra, cultura mercado-consumo. (ORTIZ,1994, p.165) Passemos, agora, ao estudo dos autores e obras de acordo com cada período da nossa literatura regional. As abordagens serão realizadas em maior ou menor grau, de acordo com a importância dos elementos a ressaltar.
  • 64. capítulo 3 • 63 A Literatura Regional no Romantismo Nesta primeira fase da literatura regional, encontram-se José de Alencar, Bernardo Guimarães, Visconde de Taunay e Franklin Távora, que: De acordo com a explicação de Antonio Candido, registrada por Fisher, autores como José de Alencar e Bernardo Guimarães têm: (...) tomaram a região como quadro natural e social em que se passavam atos e sentimentos sobre os quais incidia a atenção do ficcionista. É notório que livros como “O Sertanejo”, “O Garimpeiro”, “Inocência”, “Lourenço”, são construídos em torno de um problema humano, individual ou social, e que, a despeito de todo o pitoresco, os personagens existem independentemente das peculiaridades regionais. Mesmo a inabilidade técnica ou a visão elementar de um batedor de estradas, como Bernardo Guimarães, não abafam esta humanidade da narrativa (CANDIDO, 1997, v. 2, p. 192). O ânimo de integração [que] pode ser verificado na maneira de escrever: ambos praticavam uma escrita ajustada à norma culta, com o mínimo indispensável de modismos regionais, o que aproximava o homem rural do homem urbano, mostrando a unidade sob a diferença (FISCHER, 2005, p. 33). Bernardo Guimarães e Franklin Távora Figura 1.1  –  Bernardo Guimarães
  • 65. capítulo 3 • 64 Bernardo Guimarães conseguiu compor um bom romance com: o senso regionalista dos costumes e da paisagem; a hipertrofia romântica e esquemática dos sentimentos; a presença tangível da carne – aparecem harmoniosamente entrosados no melhor de seus livros, “O Seminarista”, que ainda hoje podemos ler com atenção e proveito (CANDIDO, 1997, v. 2, p. 216). Como se pode notar, Candido perfilha em Bernardo Guimarães a imagem de um autor consciente das características da vida campestre, uma vez que: (...) os romances deste juiz, Bernardo Joaquim da Silva Guimarães, parecem boa prosa da roça, cadenciada pelo fumo de rolo que vai caindo no côncavo da mão ou pela marcha das bestas de viagem, sem outro ritmo além do que lhes imprime a disposição de narrar sadiamente, com simplicidade, o fruto de uma pitoresca experiência humana e artística (CANDIDO, 1997, v. 2, p. 212). Já Franklin Távora criou uma literatura regionalista singular cuja finalidade era demonstrar que a região nordeste tinha poder intelectual e político, carecendo o reconhecimento. O seu regionalismo parece fundar-se em três elementos, que ainda hoje constituem, em proporções variáveis, a principal argamassa do regionalismo literário do nordeste. Primeiro o senso da terra, da paisagem que condiciona tão estreitamente a vida de toda a região (...). Em seguida, o que se poderia chamar patriotismo regional, orgulhoso (...) do velho patriarcado açucareiro, das rebeliões nativistas. Finalmente, a disposição polêmica de reivindicar a preeminência do norte, reputado mais brasileiro, “onde abundam os elementos para a formação de uma literatura propriamente brasileira, filha da terra. (...)” (CANDIDO, 1997, v. 2, p. 268).. Távora quis retratar aquilo que conhecia, tornando a literatura uma forma de vivência, e pode-se afirmar que:
  • 66. capítulo 3 • 65 a virtude maior de Távora foi sentir a importância literária de um levantamento regional; sentir como a ficção é beneficiada pelo contato de uma realidade concretamente demarcada no espaço e no tempo, que serviria de limite e em certos casos, no Romantismo, de corretivo à fantasia. Ora, para ele este contato se funda na experiência direta da paisagem, que o romancista deve conhecer e descrever precisamente (CANDIDO, 1997, v. 2, p. 269). Por causa de seu intento e realização: Távora foi o primeiro “romancista do Nordeste”, no sentido em que ainda hoje entendemos a expressão; e deste modo abriu caminho a uma linhagem ilustre, culminada pela geração de 1930 (...) (CANDIDO, 1997, v. 2, p. 268). Sintetizando a Literatura Regional Expressa pelos Românticos (...) três graus na matéria romanesca, determinados pelo espaço em que se desenvolve a narrativa: cidade, campo, selva; ou, por outra, vida urbana, vida rural, vida primitiva. (...) E é esse caráter de exploração e levantamento (...) que dá à ficção romântica importância capital como tomada de consciência da realidade brasileira no plano da arte: verdadeira consecução do ideal de nacionalismo literário (...) (CANDIDO, 1997, v. 2, p. 101).
  • 67. capítulo 3 • 66 Lidar com uma literatura de cunho regional não era fácil, pois: no caso do regionalismo, a língua e os costumes descritos eram próximos dos da cidade, apresentando um difícil problema de estilização; de respeito a uma realidade que não se podia fantasiar tão livremente quanto a do índio e que (...) dependia do esforço criador dos escritores daqui. A obtenção de verossimilhança era, neste caso, mais difícil, pois o original estava ao alcance do leitor. Daí a ambiguidade que desde o início marcou o nosso regionalismo, e que, levando o escritor a oscilar entre a fantasia e a fidelidade ao observado, acabou paradoxalmente por tornar artificial o gênero baseado na realidade mais geral e de certo modo mais própria do país (CANDIDO, 1997, v. 2, p. 103). O regionalismo foi, por conseguinte, crucial para o Romantismo chegar ao ideal da autonomia literária e adquirir certa independência cultural. Antonio Candido ressalta a qualidade do regionalismo romântico em relação ao regionalismo pré-modernista: O regionalismo dos românticos, ao contrário, distinguindo a qualidade respectiva do homem e da paisagem, constitui, na sua linha-tronco, uma das melhores direções de nossa evolução literária, vindo, através de Domingos Olímpio, ramificar-se no moderno romance, sobretudo no galho nordestino, onde vemos a região condicionar a vida sem sobrepor-se aos seus problemas específicos. Por isso, o regionalismo – o verdadeiro e fecundo – que aparece nesta fase com Bernardo Guimarães, teve a importância que lhe reconhecemos (...). No Brasil, (...) foi e é um instrumento de descoberta (CANDIDO, 1997, v. 2, p. 192-193). No entanto, é imperativo diferenciar o regionalismo expresso pelos artistas românticos do regionalismo caracterizado como literatura sertaneja, que traduz a cultura caipira, expresso por autores como Monteiro Lobato.
  • 68. capítulo 3 • 67 A Literatura Regional no Pré-modernismo em Monteiro Lobato Monteiro Lobato se inclui entre os escritores do pré-modernismo devido ao seu regionalismo, que denuncia os contrastes, mazelas e desigualdades da sociedade oligárquica brasileira da Primeira República. Figura 1.2  –  Monteiro Lobato AUTOR Monteiro Lobato nasceu em Taubaté, no interior de São Paulo, no ano de 1882. Formou-se em Direito e atuou como promotor público até se tornar fazendeiro, após receber uma herança deixada pelo avô. Foi durante este período que Lobato passou a publicar seus primeiros contos em jornais e revistas, posteriormente reunidos em “Urupês”. Foi também editor, editando livros no Brasil, e foi o grande responsável por uma série de renovações nos livros didáticos e infantis. Muitos de seus personagens giram em torno do universo caipira, como Jeca Tatu e os integrantes de “O Sítio do Pica-Pau Amarelo”, que até hoje encanta crianças e adultos. No ano de 1948, morre este grande contista, ensaísta e tradutor, que tanto contribuiu para a nossa literatura. Lobato nos revela uma face do Brasil rural ao retratar a vida na região do Vale do Paraíba, no interior do estado de São Paulo. Tendo vivido no início do século XX, suas personagens, bem como o discurso lobatiano, ganham tons
  • 69. capítulo 3 • 68 cômicos, compassivos, ou caricaturais e patéticos. Sua literatura popular enfatiza os costumes, as pessoas e o declínio da economia cafeeira. Segundo Candido, o homem caipira ganha representação com o personagem JecaTatu, de Monteiro Lobato, uma espécie de caricatura de um caipira desnutrido, indolente e humilde. Tendo conseguido elaborar formas de equilíbrio ecológico e social, o caipira se apegou a elas como expressão de sua própria razão de ser, enquanto tipo de cultura e sociabilidade. Daí o atraso que (...) criou tantos estereótipos, fixados sinteticamente de maneira injusta, brilhante e caricatural, já no século XX, no Jeca Tatu de Monteiro Lobato (CANDIDO, 2001, p. 107). Sabemos que a caricatura é um excesso de alguma característica, cômica ou não, mas o fato relevante é que foi o lado afetuoso, sensível e extremamente humano do Jeca Tatu que fez da obra de Monteiro Lobato um sucesso. Apesar disso, precisamos refletir a respeito de outros pontos da citação, já que o atraso das formas de estabilização social do caipira cooperou para a criação de “estereótipos fixados sinteticamente de maneira injusta, brilhante e caricatural” (CANDIDO, 2001, p. 107) na literatura de Monteiro Lobato. Pensando assim, o caipira parece distante de outras culturas, como se não fosse capaz de dialogar com elas. Talvez esse seja o motivo de ser a cultura caipira tão original e independente, o que possibilita uma abordagem caricatural que, embora interessante, nos parece preconceituosa e injusta, como se o caipira fosse algo meramente exótico, ou simplesmente pitoresco. O atraso de que tratamos é também de ordem econômica, porque o caipira: (...) vive em franco desequilíbrio econômico, em face dos recursos que a técnica moderna possibilita. Antes, o atraso técnico e a economia de subsistênciacondicionavam,emSãoPaulo,umasociedadeglobalmuito mais homogênea, não havendo discrepâncias essenciais de cultura entre o campo e a cidade. O desenvolvimento da economia baseada na exportação dos gêneros tropicais acentuou a diferenciação dos níveis econômicos, que foram aos poucos gerando fortes distinções de classe e cultura. Quando esse processo avultou, o caipira ficou humanamente separado do homem da cidade, vivendo cada um o seu tipo de vida (CANDIDO, 2001, p. 279).