Aula em português sobre avaliação de mulheres com queixa de corrimento vaginal e sua abordagem na Atenção Básica de Saúde. Foi apresentada no XXIII Congresso Paulista de Obstetrícia e Ginecologia em São Paulo, 2018
Como abordar o corrimento de repetição na atenção básica
1. COMO ABORDAR O CORRIMENTO
DE REPETIÇÃO NA ATENÇÃO
BÁSICA?
Patricia de Rossi
Conjunto Hospitalar do Mandaqui – SP
2. Cenário: consulta ginecológica na UBS
“Tenho muito corrimento e já usei vários cremes vaginais sem
melhorar”
“Minha calcinha fica manchada de amarelo – é nojento”
“Uso protetor diário porque minha calcinha vive úmida”
“Minha vagina coça e arde direto”
“Já fiz banho de assento com vinagre
mas só piorou”
“Tenho vergonha de ter relação sexual
por causa do cheiro da minha vagina”
“Não aguento mais esse corrimento”
3. Diagnóstico diferencial das vulvovaginites
Diagnóstico Queixa Características do
corrimento
Teste das
aminas
pH
vaginal
Microscopia
Normal Nenhuma Claro, fluido,
esbranquiçado
Negativo 3.8–4.2 Células epiteliais,
lactobacilos
Vaginose
bacteriana
(VB)
Odor fétido
associado ao
coito ou
menstruação
Esbranquiçado ou
cinzento, fluido,
escasso, aderente
às paredes vaginais
Positivo
(odor de
‘peixe
podre’)
> 4.5 Clue cells, raros
lactobacilos /
leucócitos,
morfotipos de
Gardnerella /
Mobiluncus
Candidíase
vulvovaginal
Prurido, ardor,
corrimento
Esbranquiçado,
espesso, com
grumos
Negativo < 4.5 Brotos, hifas,
pseudo-hifas (forma
invasiva)
Tricomoníase Corrimento
espumoso com
odor, disúria,
prurido
Verde-amarelado,
espumoso,
aderente,
abundante
Pode ser
positivo ou
negativo
> 4.5 Tricomonas móveis
(solução salina)
Gynecologic Infection. In: Hoffman BL, Schorge JO, Bradshaw KD, Halvorson LM, Schaffer JI, Corton MM. eds. Williams Gynecology, 3e New York, NY:
McGraw-Hill;. http://accessmedicine.mhmedical.com/content.aspx?bookid=1758§ionid=118166960. Accessed agosto 21, 2018.
4. Qual éo sua hipótese diagnóstica?
Diagnóstico clínico (exame ginecológico)
12. Diagnóstico clínico (exame ginecológico)
Queixa de irritação vulvar. Qual é a sua
hipótese diagnóstica?
• Fisiológico?
• Infeccioso?
• Vaginose bacteriana?
• Candidíase?
• Tricomoníase?
13. Diagnóstico clínico (exame ginecológico)
Queixa de irritação vulvar. Qual é a sua
hipótese diagnóstica?
• Fisiológico?
• Infeccioso?
• Vaginose bacteriana?
• Candidíase?
• Tricomoníase?
14. Diagnóstico clínico (exame ginecológico)
Queixa de irritação vulvar. Qual é a sua
hipótese diagnóstica?
• Fisiológico?
• Infeccioso?
• Vaginose bacteriana?
• Candidíase?
• Tricomoníase?
O exame ginecológico só acerta o
diagnóstico em cerca de 50% dos casos.
Imagine quando é feito por telefone...
Schaaf et al., 1990
17. Nos casos de vaginite recorrente,
sempre se perguntar se...
• Não é fisiológica?
• Não é não-infecciosa?
• Não é devido a uma cervicite?
• Não é causada por um corpo estranho?
• Não é devido a uma reação ao próprio tratamento
utilizado?
• Não faltou tratar o(s) parceiro(s) sexual(ais)?
Corrimento de repetição na atenção básica
18. Tratada várias vezes
com diagnóstico de
‘corrimento
inespecífico’
Paciente 6 anos
pós histerectomia
total abdominal
19. Diagnóstico do corrimento de repetição
• O diagnóstico baseado somente na anamnese e exame físico tem baixa
acurácia para o diagnóstico correto (o quadro clínico frequentemente
não é ‘clássico’ ou ‘típico’)
• Sempre pensar em possíveis diagnósticos diferenciais
• Mucorreia ou variação cíclica da secreção vaginal
• Transudação vaginal fisiológica exacerbada
• Vaginite alérgica
• Vaginose citolítica
• Cervicite (clamídia, gonorreia)
• Vaginite inflamatória descamativa
• Tratamentos múltiplos e não direcionados...
• Não resolvem o problema
• Podem induzir à seleção de cepas resistentes
• Podem ocultar doenças de maior gravidade, como as endocervicites
Grandeimpactopsicológico,
relacionalefinanceiro
Corrimento de repetição na atenção básica
24. É indispensável limpar o excesso de secreção para
visualizar o colo e verificar se não há cervicite
Endocervicite (gonorreia)Endocervicite (clamídia)
Diagnóstico diferencial do corrimento de repetição
25. CANDIDÍASE
VULVOVAGINAL
RECORRENTE
Mais de 75% das mulheres terão pelo menos um episódio de
candidíase vulvovaginal (CVV) ao longo da vida
Destas, 5~10% terão infecções recorrentes
(4 ou mais episódios em 12 meses)
26. Candidíase vulvovaginal
Levedura: forma comensal
(assintomática)
Micélio: forma invasiva
(sintomática)
Infecção
Presente em 20% das mulheres
Candidíase vulvovaginal recorrente
27. Por que algumas mulheres desenvolvem
CVV?
• Fatores de risco
• Níveis estrogênicos (contraceptivos combinados, gravidez)
• Uso de antibióticos
• Diabetes mellitus descompensado
• Imunossupressão (aids, corticosteroides)
• Sexo oral
• Relação sexual (trauma local, sêmen)
• Imunossupressão local da vagina
• Reação alérgica exacerbada – desencadeada por sensibilização à Candida /
componentes de cremes vaginais
• Níveis vaginais elevados de PGE2
• Supressão da imunidade celular (inibição dos linfócitos T)
• Favorece a proliferação dos fungos
• Estimula a transição de levedura para hifa levando à invasão
• Anti-histamínicos e anti-inflamatórios não hormonais podem ser úteis
Candidíase vulvovaginal recorrente
Weissenbacher et al., 2009
28. Candidíase vulvovaginal – classificação
CVV não complicada
(obrigatório ter todas as
características abaixo)
CVV complicada
(qualquer característica)
Episódio isolado
Intensidade leve/moderada
Causada por C. albicans
Paciente imunocompetente
CVV recorrente (4 ou mais
episódios/ano)
Intensidade severa
Espécies não albicans
Hospedeiro
imunocomprometido,
gestação, diabetes
Candidíase vulvovaginal recorrente
29. Candidíase vulvovaginal – classificação
CVV não complicada
(obrigatório ter todas as
características abaixo)
CVV complicada
(qualquer característica)
Episódio isolado
Intensidade leve/moderada
Causada por C. albicans
Paciente imunocompetente
CVV recorrente (4 ou mais
episódios/ano)
Intensidade severa
Espécies não albicans
Hospedeiro
imunocomprometido,
gestação, diabetes
Candidíase vulvovaginal recorrente
30. Tratamento da CVVR
• Compressas frias de chá de camomila
• Solução de bicarbonato de sódio
• Anti-inflamatórios não hormonais
• Anti-histamínicos
• Corticosteroides tópicos de baixa potência em casos selecionados
• Fluconazol 150 mg, três doses com três dias de intervalo
• Cremes vaginais por 7~14 dias (opção na gravidez)
Candidíase vulvovaginal recorrente
Medidasgerais
TratamentodoepisódioagudoporC.albicans
31. Tratamento da CVVR
• C. glabrata geralmente é resistente a fluconazol
• Ácido bórico – óvulos vaginais 600 mg por 2 semanas (formular)
• Nistatina creme vaginal 100.000 UI 14 dias
• C. krusei: não usar fluconazol
• Outras espécies não albicans: fluconazol na dose habitual
• Fluconazol oral 150 mg 1x/semana
• Clotrimazol comprimido vaginal 500 mg 1x/semana
• Clotrimazol creme vaginal 2% 2x/semana
• Ácido bórico óvulos vaginais 600 mg 2x/semana
Candidíase vulvovaginal recorrente
Tratamentosupressivo(6 meses)
TratamentodoepisódioagudoporCandidanãoalbicans
32. VAGINOSE BACTERIANA
DE REPETIÇÃO
Três ou mais episódios de vaginose
bacteriana em um ano
Aproximadamente 30% das pacientes
apresentam recorrência em 3 meses
Mais de 50% têm recorrência no
período de 12 meses
33. Fatores de recorrência da VB
• Persistência da flora polimicrobiana anaeróbia facultativa
sem recolonização pelos lactobacilos
• Micro-organismos resistentes ao metronidazol (Mobiluncus
sp., Atopobium vaginae)
• Manutenção de Gardnerella vaginalis em biofilmes
polimicrobianos aderidos ao epitélio vaginal
Mobiluncus sp.
Biofilme aderido a
células epiteliais
Vaginose bacteriana de repetição
34. Diagnóstico
Critérios de Amsel, 1983 (Sensibilidade 90%, especificidade 70%)
• Apresentar três dos quatro critérios a seguir:
• Corrimento branco-acinzentado, fluido, que recobre as paredes
vaginais
• pH vaginal > 4,5
• Teste das aminas (Whiff) positivo com KOH 10%
• Clue cells à microscopia (aderência bacteriana)
Critérios de Nugent (bacterioscopia do conteúdo vaginal)
• Morfotipos de lactobacilos, Mobiluncus e Gardnerella/Bacteroides
• Contagem por campo de grande aumento pontuação
• Classificação da microbiota em normal (0-3), intermediária (4-6) e
alterada/compatível com VB (7-10)
Vaginose bacteriana de repetição
35. Diagnóstico
Critérios de Amsel, 1983 (Sensibilidade 90%, especificidade 70%)
• Apresentar três dos quatro critérios a seguir:
• Corrimento branco-acinzentado, fluido, que recobre as paredes
vaginais
• pH vaginal > 4,5
• Teste das aminas (Whiff) positivo com KOH 10%
• Clue cells à microscopia (aderência bacteriana)
Critérios de Nugent (bacterioscopia do conteúdo vaginal)
• Morfotipos de lactobacilos, Mobiluncus e Gardnerella/Bacteroides
• Contagem por campo de grande aumento pontuação
• Classificação da microbiota em normal (0-3), intermediária (4-6) e
alterada/compatível com VB (7-10)
Vaginose bacteriana de repetição
36. Diagnóstico
Critérios de Amsel, 1983 (Sensibilidade 90%, especificidade 70%)
• Apresentar três dos quatro critérios a seguir:
• Corrimento branco-acinzentado, fluido, que recobre as paredes
vaginais
• pH vaginal > 4,5
• Teste das aminas (Whiff) positivo com KOH 10%
• Clue cells à microscopia (aderência bacteriana)
Critérios de Nugent (bacterioscopia do conteúdo vaginal)
• Morfotipos de lactobacilos, Mobiluncus e Gardnerella/Bacteroides
• Contagem por campo de grande aumento pontuação
• Classificação da microbiota em normal (0-3), intermediária (4-6) e
alterada/compatível com VB (7-10)
Vaginose bacteriana de repetição
37. Alternativa para diagnóstico: bacterioscopia
da secreção vaginal
• Descrição da quantidade de
lactobacilos, leucócitos, morfotipos/
bactérias compatíveis com
Gardnerella ou Mobiluncus, clue cells
• Cultura geral de secreção vaginal
NÃO deve ser usada no diagnóstico
diferencial de corrimento em
mulheres em idade reprodutiva,
devido à presença da flora
polimicrobiana comensal
Vaginose bacteriana de repetição
38. Tratamento da VB – episódio agudo
Vaginose bacteriana de repetição
Tratamentos de 1ª linha
• Metronidazol oral 500 mg 12/12h 7 dias*
• Metronidazol gel vaginal 1x/dia 5 dias
• Clindamicina creme vaginal 2% 1x/dia 7 dias (não disponível na rede básica)
Tratamentos de 2ª linha
• Clindamicina oral 300 mg 12/12h 7 dias (1ª opção no 1º trimestre- MS)
• Tinidazol 2 g 1x/dia 2d ou 1 g 1x/dia 5 dias (CDC); clindamicina óvulos
(apresentação não disponível no Brasil)
* Ministério da Saúde: gestantes 2º/3º trimestre: 250 mg 8/8h 7 dias
* Mobiluncus: usar clindamicina (50% de resistência ao metronidazol)
Taxa de cura em
um mês: ~80%
39. Tratamento profilático da VB
Vaginose bacteriana de repetição
• Metronidazol gel vaginal 0,75% 2x/semana por 6 meses
• Ácido bórico – óvulo vaginal 600 mg por 21 dias, seguido por
metronidazol gel vaginal 2x/semana por 6 meses
• Metronidazol VO 2g + fluconazol VO 150 mg 1x/mês
Orientações quanto aos fatores de risco/desencadeantes
(usar preservativo, não fazer duchas vaginais)
CDC DST Guidelines, 2015
41. Vaginose citolítica
• Causada por aumento da população de lactobacilos vaginais
• Confundida com candidíase de repetição resistente ao tratamento
• Caracterizada por corrimento espesso branco, prurido, ardência, e piora
dos sintomas antes da menstruação
• Clinicamente, observam-se poucos sinais inflamatórios e pH vaginal entre
3,5 e 4,5
Microscopia característica
• Lactobacilos abundantes
• Citólise: núcleos celulares nus,
fragmentos celulares
• Ausência de patógenos / leucócitos
Vaginose citolítica
Critérios de Cibley e Cibley, 1991
42. Vaginose citolítica – tratamento
• Alcalinização do meio vaginal com solução de
bicarbonato de sódio 2~3x/semana
• Banhos de assento
• Irrigações vaginais (~duchas)
• Começar o tratamento 24~48 horas antes do início
previsto dos sintomas
• Reavaliar caso haja persistência do quadro após 2~3
semanas de tratamento
Vaginose citolítica
44. Vaginite inflamatória descamativa
• Acomete mais mulheres na perimenopausa
• Sem melhora com tratamentos habituais para VV
• Aumento de bactérias aeróbias (Streptococcus A,
S. aureus, E. coli)
• Quadro clínico
• Corrimento amarelado, purulento, abundante
• Queimação e ardor no introito vaginal
• Dispareunia
45. Vaginite inflamatória descamativa (VID)
• Diagnóstico
• pH > 4,5
• Teste das aminas negativo
• Esfregaço vaginal
• Aumento da quantidade de leucócitos
(> 1:1 células epiteliais)
• Ausência de lactobacilos
• Presença de células parabasais >10%
do total
46. Tratamento da VID
Clindamicina creme vaginal 2%
• Usar ao deitar por 2~4 semanas
• Considerar manutenção 2x/semana por 2+ meses
Hidrocortisona
• Óvulos/supositórios vaginais 25mg 2x/dia por 2~4 semanas –
considerar manutenção 3x/semana por 2+ meses
• Creme vaginal 10% - usar um aplicador (5g) ao deitar por 2~4
semanas
Prednisona oral 20 mg/dia por 5-7 dias, diminuindo a dose
gradualmente
Associar
tratamentos
47. Tricomoníase
• Pode ser assintomática em até 50%
• Favorece outras DSTs
• Orientar avaliação e tratamento
dos parceiros sexuais
• Esquemas terapêuticos: só pode
via oral
• Metronidazol 2 g dose única
• Metronidazol 500 mg 12/12h 7 dias
• Tinidazol 2 g dose única
• Secnidazol 2 g dose única
48. Mensagens finais
• O quadro clínico não é suficiente para diagnóstico acurado dos
corrimentos (de repetição ou não)
• Lembrar de diagnósticos diferenciais tais como vaginose citolítica,
vulvovaginite alérgica, vaginite inflamatória descamativa
• Usar a bacterioscopia para auxiliar no diagnóstico
• Na candidíase recorrente:
• Confirmar a etiologia com cultura de fungos – durante o episódio
• Tratamento inicial deve ser com esquemas mais longos
• Usar ácido bórico ou nistatina para C. glabrata
• Prescrever anti-histamínicos e anti-inflamatórios não hormonais para controle
do processo inflamatório