O teatro épico no Brasil: teatro e política nos anos 1960
2. INTRODUÇÃO
O termo “teatro épico” remete imediatamente a Bertolt Brecht.
Embora os gêneros não sejam estanques e elementos épicos
existam em diferentes momentos da história do teatro, o teatro
épico enquanto linguagem cênica específica se encontra mais
bem acabado (teórica e cenicamente) em seu trabalho. Grosso
modo, o teatro épico apresenta uma série de técnicas narrativas
que propiciam o distanciamento e a análise crítica da situação
apresentada no palco, diante da qual se espera que o espectador
se posicione.
3. JUSTIFICATIVA
Com o marco dos 50 anos do Golpe de 1964, a experiência
histórica da ditadura civil-militar tem estado em pauta com
muita força. É necessário aprofundar essa discussão no campo
da cultura: construir memória social sobre um dos períodos mais
sombrios de nossa história envolve estudar atentamente seus
efeitos nos diversos campos da produção cultural brasileira. Esta
pesquisa se insere neste contexto, buscando retomar as
experiências mais fortes com o teatro brechtiano no Brasil neste
momento de grande efervescência política.
4. OBJETIVO
Este breve estudo faz parte do percurso da minha
dissertação, que versa sobre teatro e política nos anos 1960,
focando na atuação do Teatro de Arena após o Golpe de
1964, momento no qual muitas experiências têm clara
influência do teatro épico de Brecht. O objetivo central desta
pesquisa é reconstruir o cenário no qual o teatro de
inspiração brechtiana se instala no Brasil, buscando
compreender que problemas surgem na adaptação a este
contexto específico.
5. METODOLOGIA
Leitura crítica e cotejo de textos de Rosenfeld
(1985), Szondi (2001) e Costa (1996), além de
peças centrais do período, visando debater
em que termos o teatro brechtiano se
desenvolve nos palcos brasileiros no período
supracitado.
6. ROSENFELD
* Debate sobre os gêneros épico, lírico e dramático.
“A maneira pela qual é comunicado o mundo imaginário pressupõe certa atitude
em face deste mundo, ou, contrariamente, a atitude exprime-se em certa maneira
de comunicar” (ROSENFELD, 1985, p. 17).
Épica: desdobramento em sujeito (narrador) e objeto (mundo narrado)
Lírica: sujeito absoluto
Dramática: o mundo se apresenta como autônomo
* Percurso que evidencia os imbricamentos que historicamente se deram entre
gêneros.
7. ROSENFELD
* Os gêneros revelam diferentes posições e olhares, mas é preciso levar
em conta variações empíricas e influências de tendências históricas.
Rosenfeld desenvolve uma retomada da presença de elementos épicos no
teatro através da história, e os dramaturgos e diretores analisados
coincidem muito com o percurso feito por Szondi (2001), mas enquanto a
obra de Szondi se baliza pela discussão de um problema, e estabelece
marcos muito bem delimitadas sobre o que é drama, Rosenfeld se propõe
a discutir teoria dos gêneros e debater o percurso do épico no dramático,
tendo como ponto de chegada o teatro de Brecht (que para Szondi é um
tópico entre outros).
8. SZONDI
* Problema norteador: crise da forma dramática (cujo centro é a gradativa separação
de sujeito e objeto), procurando apontar os processos sociais que se ligam a esta crise.
* Noção de que o drama moderno, em confronto com sua pureza dialógica modelar (o
diálogo é o fundamento do drama enquanto gênero), vive uma crise (da qual
monólogos, mudez, objetivação e reificação são sintomas visíveis) que testemunha
uma condição de “vida danificada”, em uma fórmula adorniana.
* Delimitação do conceito de drama como um conceito histórico: drama tal qual se
desenvolveu na Inglaterra elisabetana, na França no século XVII e no classicismo
alemão, a partir do Renascimento, período no qual, com a supressão do prólogo, do
coro e do epílogo, o diálogo se torna absoluto na textura dramática. Nestes termos, o
drama está posto como uma impossibilidade “atual” (no período analisado, 1880-
1950).
9. SZONDI
Nos tempos modernos, de dominação da natureza, Brecht desenvolve um
teatro que retrata a cisão das relações intersubjetivas e problematiza
essas relações, bem como a forma dramática em si mesma. As
modificações efetuadas na transição de uma forma dramática de teatro
para uma forma épica de teatro substituem “a passagem recíproca de
sujeito e objeto, essencialmente dramática, pela contraposição desses
termos, que é essencialmente épica” (SZONDI, 2001, p. 135). Brecht busca
a entronização do elemento científico em seus trabalhos, de forma a
analisar a cena.
10. COSTA
* Anos 1950 e 1960: peças de Brecht começam a ser montadas e o dramaturgo passa a ser
parte de debates orgânicos de grupos brasileiros, sendo suas técnicas e teorias objeto de
estudo e incorporação. Trata-se de um momento de grande disposição de experimentação
estética e em um cenário marcado pela reflexão constante sobre a relação entre o teatro e o
conturbado contexto social que então se vivia.
Eles não usam black-tie (1958): assunto épico (greve) e apresenta interessantes problemas.
* Experiências desenvolvidas após o Golpe de 1964: Show Opinião e o Arena conta Zumbi -
“dramaturgia na contramão” (sem sinal de debater e incorporar o revés sofrido pelas forças
progressistas do país, estes espetáculos lidam com o Golpe como se fosse um obstáculo
passageiro).
“Em 1964 as experiências culturais até aqui referidas colidiram com um violento obstáculo e,
pelas características de seu ímpeto, seguiram em frente no vácuo” (COSTA, 1996, p. 101).
11. COSTA
Arena conta Zumbi (1965): musical ambicioso, início do Sistema Coringa, de forte inspiração brechtiana.
Os dramaturgos optam por apresentar a linhagem dos chefes de Palmares de forma trágica e os brancos
com recursos do teatro moderno, o que gera certo desequilíbrio - os antagonistas é que são tratados em
chave mais complexa, interessante e inovadora.
Arena conta Tiradentes (1967): sistema coringa se define. O assunto, assim como em Zumbi, é uma
rebelião fracassada (apresentada em analogia com o pré-64). Há uma cisão de ponto de vista realizada
através da contraposição de duas funções fixas, coringa e protagonista, viabilizando dois movimentos -
fazer crítica e apresentar um modelo positivo. Mistura entre dramático e épico, utilizando Stanislavski e
Brecht.
O rei da vela (1967): Para Costa, a posição intelectual e política que o Oficina ocupa se desmascara
encenando uma peça em que um social-democrata arma um golpe para derrubar um “comunista” e tomar
seu lugar no meio burguês, na qual se estabelece uma forma de humor e riso que identifica-se aos
vencedores e tripudia os vencidos. No caso do Oficina as teorias brechtianas vêm em conjunto com
questões colocadas pelo teatro de Artaud - choque grande de referências, já que suas teorias se
distanciam em pontos fundamentais, a começar pelo fato de que Brecht é um dramaturgo racionalista.
12. CONCLUSÕES PARCIAIS
No Brasil a assimilação das teorias de Brecht se deu de
forma um tanto atribulada e atravessada por relações
estéticas, políticas e ideológicas com outros dramaturgos
e teóricos que levaram a montagens ambíguas. Porém,
seguindo um raciocínio crítico de boa linha adorniana, os
desacertos na forma do que se estabeleceu como o
melhor do teatro brasileiro dos anos 1960 dão
testemunho de fissuras históricas concretas.
13. CONCLUSÕES PARCIAIS
A tentativa de desenvolver no país um teatro de inspiração
épica em um contexto histórico radicalmente diferente do
que Brecht viveu para desenvolver sua teoria e prática rendeu
frutos passíveis de muitas críticas, mas sintomáticos dos
desenvolvimentos possíveis de uma forma de grande alcance
crítico em um período ditatorial, no qual o público, parte
essencial na produção de um teatro politicamente engajado,
está limitado, e a conjuntura histórica não fornece
experiências presentes comunicáveis plenamente por esta
forma.
14. REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Walter. “Que é o teatro épico? Um estudo sobre Brecht”. In: Magia e técnica,
arte e política: Ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo: Editora Brasiliense,
1985.
BRECHT, Bertolt. Estudos sobre teatro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.
COSTA, Iná Camargo. A hora do teatro épico no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
ROSENFELD, Anatol. O teatro épico. São Paulo: Editora Perspectiva, 1985.
SCHWARZ, Roberto. “Cultura e Política, 1964-1969: alguns esquemas”. In: O pai de família e
outros estudos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.
SZONDI, Peter. Teoria do drama moderno (1880 – 1950). São Paulo: Cosac & Naify Edições,
2001.