1. “Grande sertão: veredas” e “Primeiras
Estórias”, de Guimarães Rosa:
os dilemas da modernização
Mariana Figueiró Klafke
Prof. Dr. Homero José Vizeu Araújo
2. 2010/02
As ideias críticas na Literatura Brasileira (Prof. Cristiane
Alves)
Ficção Brasileira Contemporânea (Prof. Homero Araújo)
Grupo de pesquisa “Literatura e nacional-
desenvolvimentismo: tensão na forma literária e
promessas de integração social”
3. “Grande sertão: veredas”, escrito em 1956, e a obra
subsequente de Guimarães Rosa, “Primeiras Estórias”,
de 1962, trazem à tona uma série de dilemas quanto à
modernização do Brasil, expressa na industrialização e
urbanização crescentes, projetada desde a Era Vargas
mas planejada com força no período nacional-
desenvolvimentista, período este em que foram
publicadas as obras supracitadas. Este trabalho intenta
trabalhar pontos de aproximação e afastamento entre
essas duas obras, tendo por cerne a questão da
modernização brasileira e suas conseqüências.
4. A obra de Guimarães Rosa possui uma vasta fortuna
crítica cujos enfoques variam muito, porém, fica evidente
que alguns aspectos da obra de Rosa foram
privilegiados pela fortuna crítica, contando com muito
mais análises, tais como as questões metafísicas,
religiosas e filosóficas. Minha intenção com esse
trabalho é contribuir para a análise da obra rosiana sob
um ponto de vista um pouco menos explorado: a relação
entre forma literária e processo social estudada no
quadro da modernização conservadora brasileira. A
comparação entre os dois livros de Guimarães Rosa
aponta para contrastes que indicam, até certo ponto,
uma alteração de perspectiva entre uma obra e outra, o
que ainda está por ser melhor avaliado pela crítica
literária brasileira.
5. Grande sertão: veredas (1956)
Grande complexidade e hibridização, em termos de gênero
(romance em forma de falso diálogo, linguagem poética, recheado
de pequenos contos e “causos”, história de um indivíduo – Riobaldo
– e de um povo – jagunço) e de temática (a erudição de Rosa
permeia sua obra com referências diversas)
Guimarães Rosa compunha as suas histórias e organizava a sua visão de
mundo tendo por base três tipos de fontes principais: uma empírica, dada
pela vivência direta da região e do país; outra mítica e universal, adquirida
na leitura da literatura clássica e moderna; e outra nacional, apoiada não só
na nossa tradição literária, mas também nos velhos e novos estudos de
interpretação do Brasil, efervescentes em seu tempo (RONCARI, 2004, p.
17).
6. Grande sertão: veredas (1956)
Reflexão de Rosa sobre a modernização brasileira - contradição entre
arcaico e moderno, interiorano e citadino, em uma história que foca
aparentemente o Brasil avesso à modernização oficial, utilizando os termos
de Willi Bolle; PORÉM, esses conflitos surgem mediados pela narração do
jagunço letrado Riobaldo – narrador complexo e contraditório
Riobaldo estava condenado pela contradição de base que o constitui. [...]
livre e dependente; homem de lei e de mando, de contrato e de pacto;
letrado e iletrado – moderno e arcaico [...] (PASTA JR, 1999, p. 63).
Na visão que o narrador nos dá do sertão afloram as novas condições
sociais (a República, o sufrágio, a educação democrática) que se
intercalam com estruturas políticas muito arcaicas (ROSENFIELD, 2006,
p.19).
7. Grande sertão: veredas (1956)
Espécie de luto pela pátria arcaica perdida para a modernização
posterior à década de 30, porém, o contraste entre arcaico e
moderno não aponta conflito, justamente devido à posição
conciliatória do narrador Riobaldo: jagunço letrado no qual
“encontram-se o legado da cultura caboclo sertaneja,
experimentalismo lingüístico e ousadia especulativa e filosófica,
para ficar no mínimo” (ARAÚJO, 2009, p. 2) e que “não pretende
contestar a cultura sertaneja mediante racionalismo cabível, nem
retornar ao mundo jagunço e suas lendas [...] o protagonista busca
uma conciliação de perfil bem brasileiro” (ARAÚJO, 2009, p. 4).
Utopia de um Brasil em que arcaico e moderno se harmonizem –
progresso inocente (expressão de Roberto Schwarz)
8. Grande sertão: veredas (1956)
Pacto com o diabo: cerne do romance -espécie de alegoria de
contrato social, no caso do Brasil falho ou inexistente e, portanto,
substituível por atos mágicos que permitem a ascensão social
(saída conciliatória)
Referências de conciliação entre arcaico e moderno: julgamento de
Zé Bebelo, chegada e posição do interlocutor, “Cidade acaba com o
sertão.”
9. Primeiras Estórias (1962)
Corpo coerente de contos: sistema – temático e estrutural
Luto pela modernização brasileira: promete integração, mas
marginaliza ou sufoca setores sociais, culturas, regiões geográficas
Contos inicial e final: “As margens da alegria” e “Os cimos”
(construção de Brasília)
“A terceira margem do rio”: espécie de provocação em relação à
lógica ocidental moderna (Princípio do Terceiro Excluído - “Ou A é
X ou é Y, e não há terceira possibilidade”)
Personagens: loucos, crianças, mulheres, desvalidos; temas:
intuição, devaneio, “irracionalidade”
10. Primeiras Estórias (1962)
Chave de leitura: conto central, “O espelho” (11º de 21) - contos se
refletem simetricamente
Narrador parece concentrar, em uma caricatura intencional,
diversos matizes da poética rosiana - mistura entre alta cultura e
cultura de almanaque, contato entre interior e cidade e entre cultura
citadina e cultura oral, a estetização do histórico-literário etc.
Impossibilidade de se definir como sujeito no contexto brasileiro de
modernização, no qual inclusive a busca por definir uma identidade
frequentemente é permeada por elementos mágicos e irracionais
11. RELAÇÕES
Kathrin Rosenfield: “Primeiras Estórias” seria uma espécie de
modulação de dois grandes temas de “Grande Sertão: Veredas”
Neste romance, Riobaldo faz, de um lado, a experiência da maldade
originária e do dilaceramento profundo de toda certeza de uma ordem
realizável do mundo. Por outro lado, entretanto, nessa terrível aventura
pelos descaminhos do Demo, Riobaldo parece estar animado por uma
confiança angelical na bondade e no bem [...] (ROSENFIELD, 2006, p.151).
Aparente e superficial heterogeneidade que na verdade esconde e
desvia a atenção da coerência interna de ambas as obras: nos dois
casos, os deslizes e as contingências da vida cotidiana são, mesmo
que a princípio pareça o contrário, parte importante da construção
lógica, temática e formal da obra
12. RELAÇÕES
“Primeiras Estórias” e “Grande Sertão: Veredas” possuem divisão
mediana que sustenta progressão rítmica - reunir figuras centrais
da narração, dirigir a atenção para certos núcleos temáticos
Rosenfield defende que o conto mediano de “Primeiras Estórias”,
“O espelho”, possui a mesma estrutura interna que uma espécie de
“parêntese meta-narrativo” de cerca de quatro páginas mais ou
menos no meio de “Grande Sertão: Veredas”, e a mesma relação
com o restante da obra: há um convite ao leitor para “seguir,
reconstruindo e fazendo compreensíveis, os passos de uma
experiência narrada nessa estória” (ROSENFIELD, 2006, p. 155),
uma falsa situação dialógica em que um sujeito às voltas com
questões metafísicas e de identidade tece um longo monólogo em
busca de se construir frente a um interlocutor culto a quem atribui a
capacidade de julgar os eventos relatados, e uma temática que se
relaciona intimamente e remete às demais partes da obra
13. RELAÇÕES
Os resultados obtidos nestes intermezzos são absolutamente
diversos: em “Grande sertão: veredas” o resultado estético dessa
pausa reflexiva é consistente e bem resolvido; em “O espelho” fica
uma impressão de descompasso em relação ao restante da obra
(único conto de “Primeiras Estórias” com uma situação narrativa
dialógica, e tem tema dissonante em relação ao todo do livro,
narrando uma história sem experiência empírica)
Com seis anos de diferença entre uma publicação e outra,
aparentemente a estrutura social e política expressa na
modernização clarifica-se o suficiente para que Guimarães Rosa
demonstre outra visão da modernização: nas narrações de
“Primeiras Estórias”, já não há lugar para a conciliação entre
arcaico e moderno como havia em “Grande sertão: veredas” – o
resultado obtido em “O espelho”, com um narrador interiorano em
crise de identidade na cidade, demonstra o quão inviável é a
conciliação no cenário brasileiro
14. Referências
ARAÚJO, Homero José Vizeu. A terceira margem sobre a qual se equilibra Riobaldo. (Matéria
enviada para publicação)
BOLLE, Willi. grandesertão.br: O romance de formação do Brasil. São Paulo: Duas Cidades,
2004.
PACHECO, Ana Paula. O lugar do mito: Narrativa e processo social nas Primeiras estórias de
Guimarães Rosa. São Paulo: Nankin, 2006.
PASTA JR., José Antônio. O romance de Rosa: temas do Grande Sertão e do Brasil. Novos
Estudos ,CEBRAP, São Paulo, n. 55, nov. 1999, p. 61-70.
RÓNAI, Paulo. Os vastos espaços. In: ROSA, Guimarães. Primeiras estórias. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2005. p. 19-47.
RONCARI, Luiz. O Brasil de Rosa. São Paulo: Editora UNESP, 2004.
ROSA, Guimarães. Grande sertão: veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
ROSA, Guimarães. Primeiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
ROSENFIELD, Kathrin Holzermayr. Grande sertão: veredas – Roteiro de leitura. São Paulo:
Editora Ática, 1992.
ROSENFIELD, Kathrin Holzermayr. Desenveredando Rosa: A obra de J. G. Rosa e outros
ensaios rosianos. Rio de Janeiro: Top Books, 2006.