Este documento resume um trabalho apresentado no I Congresso CONSAD de Gestão Pública em Brasília entre 26 e 28 de maio de 2008 sobre o Programa de Estímulo à Inovação em Gestão Pública do Governo do Estado de São Paulo. O trabalho discute a necessidade de repensar a gestão pública diante das mudanças na sociedade pós-industrial e como o programa foi inspirado nos princípios da "cauda longa" e da Web 2.0 para estimular a inovação de forma descentralizada entre servidores públicos.
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Brasília - 26 a 28 de maio de 2008
Painel - Gestão do Conhecimento no Setor Público – Níveis Federal, Estadual
e Municipal
Trabalho - Programa de Estímulo à Inovação em Gestão Pública - A cauda
longa e a gestão pública. Roberto Meizi Agune e José Antônio Carlos
Roberto Meizi Agune
Formado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo com
especialização em Administração e Planejamento Urbano pela Faculdade
Getulio Vargas de São Paulo. Atualmente Coordenador do Grupo de Apoio
Técnico à Inovação da Secretaria de Gestão Pública do Governo do Estado
de São Paulo.
E-mail: ragune@sp.gov.br
José Antônio Carlos
Economista Formado e Pós Graduado pela Faculdade de Economia e
Administração da Universidade de São Paulo. Trabalha no Grupo Técnico de
Apoio à Inovação da Secretaria Estadual de Gestão Pública de São Paulo e
coordena a disciplina “Gestão do Conhecimento no Setor Público”, integrante
do Programa de Desenvolvimento Gerencial do Governo de São Paulo.
E-mail: jcarlos@sp.gov.br
Resumo:
As complexas demandas colocadas para o setor público neste início de século
mais do que nunca colocam em cheque os métodos tradicionalmente utilizados
pelos diversos níveis de governo para enfrentá-las. Por mais que se tente
incrementar os gastos públicos dirigidos para segmentos inquestionavelmente
prioritários, a sensação de que se esta tentando enxugar o gelo, acaba sempre
prevalecendo.
Cresce, por isso, a percepção de que sem mudanças na gestão desses
recursos, os governos vão sempre chegar atrasados.
É nesse quadro que se insere o sistema de estímulo à inovação que está
começando a ser implementado na Secretaria de Gestão Pública de São
Paulo. Ele tem como preocupação central construir um ambiente de troca de
experiências que coloque em contato funcionários públicos distribuídos por
diferentes setores, especializações e locais.
Para não criar mais uma onerosa e lenta instituição pública, este sistema se
inspira nos princípios da “cauda longa” consolidados por Chris Anderson e da
Web 2.0. No primeiro o sistema buscou a evidência da queda continuada e
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irreversível nos custos de processamento, armazenamento e comunicação de
dados, que torna viável colocar em contato pessoas criativas, acostumadas a
trabalhar na adversidade com sólidas experiências de sucesso mas que ficam
circunscritas a uma escola, hospital, etc., sem contaminar o governo como um
todo. Na Web 2.0 o projeto buscou as ferramentas tecnológicas abertas, de
baixo custo, alto desempenho e principalmente a tese da colaboração e da
inteligência coletiva.
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Programa de Estímulo à Inovação em Gestão Pública
Roberto Meizi Agune e José Antônio Carlos
Seja sempre a transformação que você quer ver no mundo
Mohandas Gandhi
Introdução
Uma simples folheada nos jornais ou uma rápida navegada pela Internet
bastam para evidenciar que alguma coisa não vai bem no serviço público. A
cada dia que passa questões como aquecimento global, corrupção, lavagem de
dinheiro, vácuos na legislação, ausência de regulação, morosidade da justiça,
poluição, congestionamento, violência, terrorismo, fome, baixa qualidade do
ensino, endemias de escala mundial, só para citarmos alguns temas, ganham
mais espaço nos diversos tipos de mídia e na agenda dos principais estudiosos
do setor público.
Esse diário desfile de temas, todos de alta complexidade, fortalece a percepção
de que se está criando um abismo entre os tradicionais mecanismos de ação
governamental e os problemas a serem enfrentados. Podemos dizer, usando
uma simbologia emprestada da saúde, que a grande maioria dos remédios
governamentais está com seu prazo de validade vencido, não surtindo, nem de
longe, o efeito desejado. E isto se dá globalmente, em todas as esferas
governo, em todos os níveis de poder.
Não é por acaso, portanto, que a preocupação em reinventar o setor público
venha nos últimos anos ganhando espaço entre políticos - infelizmente ainda
poucos - administradores públicos e acadêmicos, tanto nos países
desenvolvidos como naqueles em desenvolvimento.
Na qualidade de servidores públicos de carreira, com muito anos de dedicação
a programas de modernização do setor público, acreditamos firmemente que o
enfrentamento dos grandes temas propostos aos governos no século XXI,
impõe inovações profundas na gestão, de uma forma geral, e na gestão
pública, em especial. Os novos tempos não admitem que continuemos a
trabalhar como a cem anos atrás. Não é por que somos mestres em usar o
martelo que vamos enxergar para sempre todos os problemas como se fossem
pregos.
I Por que é Preciso Repensar a Gestão Pública?
As grandes organizações públicas e privadas foram concebidas para tratar
problemas típicos de uma era, a industrial, que não mais existe. Vivemos hoje
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em uma sociedade pós industrial com anseios, atitudes, padrões, tecnologias e
velocidade próprias.
A divisão do trabalho concebida brilhantemente por Taylor e a burocracia
irrepreensivelmente talhada por Weber nos permitiram avançar muito no
“modus operandi” e nas estruturas governamentais ao longo do século XX.
Muito do que obtivemos de avanço, devemos a esses dois grandes
pensadores, a quem devemos reverenciar sempre.
Mudanças profundas ocorridas em grande intensidade no último quartel do
século XX fizeram, no entanto, que soluções padronizadas fossem pouco a
pouco perdendo força.
- Que alterações são estas?
A primeira grande mudança foi, sem dúvida, de caráter tecnológico. A partir da
segunda metade da década de 70, uma série sem precedentes de avanços no
campo da microeletrônica propiciou o surgimento dos microcomputadores, da
indústria do software, de uma nova geração de satélites, antenas parabólicas e
redes de transmissão de dados, da telefonia móvel celular, dos pequenos
equipamentos eletrônicos de consumo doméstico e, em 1995, da grande
síntese de todos esses avanços, a Internet, provavelmente a tecnologia que
mais rápida e profundamente alterou processos e comportamentos na face da
terra.
No bojo dessa revolução tecnológica surge a globalização, movimento
econômico que redefine fronteiras, internacionaliza as economias,
desregulamenta atividades e conecta em tempo real os mercados financeiros
espalhados pelo planeta.
Esse mundo plano, onde a mudança torna-se rotina, vai progressivamente
forjando novos paradigmas, hábitos e comportamentos, que marcam o
progressivo descarte de procedimentos que prevaleceram por muitas décadas.
Podemos dizer, em síntese, que estamos saindo de tempos em que as boas
práticas eram quase sempre projeções do passado e entrando em uma época
de forte imprevisibilidade, onde as boas práticas passam a estar associadas a
uma ruptura com o passado.
No primeiro cenário, a disciplina, a pontualidade, a presença física no local de
trabalho, o cumprimento de rotinas rígidas eram credenciais indispensáveis
para o bom funcionário de governo ou de empresa privada. Nesse contexto, é
emblemática a frase de Henry Ford, um dos precursores da utilização dos
princípios de Taylor, quando lamentava que ao contratar um empregado, este
trouxesse consigo sua cabeça. Seria melhor deixá-la em casa.
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No contexto pós industrial, onde a mudança torna-se rotina, novos problemas
parecem brotar a cada instante. Esse quadro demanda servidores capacitados
para lidar com o imprevisto e com o inusitado; aptos para identificar novas
saídas; qualificados para definir novos serviços; vocacionados para liderar
equipes e, principalmente, preparado para inovar o tempo todo. Queremos um
corpo de servidores com novas habilidades, visão transdisciplinar, e
compreensão intersetorial. Queremos um servidor que mais do que bater o
cartão, seja motivado, participativo e criativo. Nesse novo quadro, devemos
lembrar as palavras de Akio Morita, antigo presidente da Sony, ao apontar que
em tempos de mudanças aceleradas não basta a presença física do
funcionário no trabalho, cabe a organização criar um ambiente que o motive
que o estimule a usar a cabeça. E isto, não há contrato de contrato de trabalho
que obrigue, completava ele. O revolucionário “walkman”, pai do “i-pod”, surgiu
da colocação em prática dos ideais desse visionário.
- Por que temos dificuldade de percepção?
Se as mudanças são tão agudas, por que as organizações têm tanta
dificuldade em perceber essas alterações e lidar com o novo contexto?
Segundo nosso julgamento, três motivos centrais explicam essa dificuldade:
a) Embora as mudanças na sociedade atual estejam ocorrendo de forma
bastante rápida, estamos só no começo desse processo. Ainda não
temos uma massa crítica suficiente para decifrarmos e compreendermos
a maioria das alterações em curso, tão pouco possuímos firmeza sobre
os métodos e processos que deveremos utilizar. Sabemos, no entanto,
que os primeiros a perceber e codificar esses sinais têm colhido os
frutos desse pioneirismo. No âmbito privado, esta compreensão tem
levado ao surgimento de um grande número de novas empresas, as
quais rapidamente alcançam posição de destaque no mercado. No
campo governamental, os que saíram na frente têm logrado criar
vantagens competitivas nacionais, regionais e até mesmo locais que
significam, a um só tempo, aumento da riqueza e melhoria na qualidade
de vida.
b) Seres humanos não são máquinas. As pessoas possuem
comportamentos ditados por crenças, valores, medos, fraquezas,
ambições, visões, modelos que não podem ser simplesmente
descartados com uma peça de vestuário que sai de moda. A cabeça dos
homens não muda com a mesma velocidade dos avanços tecnológicos.
A adaptação aos novos tempos passa por processo de aprendizagem
que não atinge a todos da mesma forma. Ainda que existam pessoas
abertas à mudança (early adopters) a maioria dos seres humanos vê
com o novo com desconfiança. O resultado do embate entre inovadores
e conservadores determinará o a velocidade e o grau de inserção de
cada organização na sociedade do conhecimento.
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c) A imensa maioria das organizações é administrada segundo padrões
definidos há mais de cem anos. A organização tradicional está centrada
em hierarquias rígidas e em burocracias pesadas cujo descarte é muito
penoso. Nos governos, em particular, este processo é ainda mais
doloroso dado o extenso conjunto de leis, normas e controles que
perderam efetividade, mas que não podem ser simplesmente
desconsiderados.
- Convite a reflexão e ao descobrimento
O trabalho que apresentamos neste congresso e o sistema que vamos detalhar
na continuidade deste documento não tem a menor pretensão de ser um
manual de inovação, mesmo por que, julgamos que a efetividade dos manuais,
em momentos de mudanças aceleradas, é absolutamente nula.
Antes disso, nosso propósito ao abordar a questão da inovação na gestão
pública é trazer o problema para a agenda de técnicos e políticos, pois
estamos convictos que a sustentação e a consolidação da democracia passa
necessariamente pela transformação de uma administração pública lenta e
obesa, que gasta seu tempo com controles e rotinas que nada mais significam,
por um setor público inteligente e motivado que busque compreender os novos
desafios e, a partir daí oferecer idéias, caminhos e serviços adequados.
Sabemos, também, que não existem soluções milagrosas geradas em
gabinetes refrigerados, por melhor que sejam as intenções de seus mentores.
O sonho de um novo setor público só sairá do papel quando cada servidor for
estimulado a inventá-lo. Nosso sistema de estímulo a inovação mais do que
uma solução tecnológica acabada é um convite ao primeiro passo.
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II A Cauda Longa e o Setor Público
O termo cauda longa foi primeiramente utilizado em uma palestra proferida por
Chris Anderson, físico, jornalista e editor-chefe da revista Wired. Em outubro de
2004, essa expressão cunhou artigo do mesmo autor, publicado na Wired,
tornando-se a matéria mais citada na revista, em todos os tempos. Inspirado na
grande aceitação do trabalho, Chris Anderson coletou novos dados e ampliou
suas pesquisas sobre o tema, atividades que conduziram, em 2006, ao
lançamento do livro “A Cauda Longa – A Nova Dinâmica de Marketing e
Vendas: Como Lucrar com a Fragmentação dos Mercados”, que rapidamente
tornou-se um best-seller e uma obra de referência para o exame de algumas
peculiaridades da economia, neste início do século XXI.
Hoje, o autor mantém um blog “http://www.thelongtail.com”, aberto ao público,
onde podemos encontrar exemplos de aplicações desse conceito nos mais
variados setores da economia.
Este artigo, em particular, procura enfocar o impacto da economia da cauda
longa, no setor público, tomando como base o Governo do Estado de São
Paulo.
- O que é a cauda longa?
Em 1987, o economista Vilfredo Pareto, em estudo sobre a sociedade de sua
época, observou que uma grande parte da riqueza, cerca de 80%, se
encontrava nas mãos de um número bastante reduzido de pessoas, 20%. Nos
anos seguintes, este princípio foi ampliado para outros fenômenos econômicos,
ficando conhecido como método ou curva de Pareto, ou, ainda, regra dos
80/20, aplicada até os nossos dias.
A teoria exposta no livro de Chris Anderson observa, no entanto, que esse
quadro começa a mudar a partir da acentuada queda nos preços do
processamento, armazenamento e distribuição de dados, iniciada no último
quartel do século XX, e reforçada nesses primeiros anos do novo milênio.
Esta nova equação começa a modificar modelos de negócio tradicionais direta
ou indiretamente ligados às tecnologias de informação e comunicação, todos
eles concebidos em um cenário de preços elevados, resultando na alteração no
formato tradicional da curva esboçada por Pareto, tornando-a mais alongada.
Em sua obra, o autor aponta diversos tipos de produtos cuja demanda passa a
seguir esse novo comportamento.
Para fixar melhor esse conceito, vamos analisar um dos exemplos citados por
Chris Anderson, referente ao mercado editorial. Os números levantados e
tratados pelo autor sugerem que a percentagem da receita proveniente de um
pequeno conjunto de títulos que vende muito (topo da curva de demanda) vai
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progressivamente diminuindo, enquanto aumenta a proporção da arrecadação
proveniente da venda de um grande número de títulos cujas vendas individuais
são bastante tímidas (a cauda da curva de demanda). A Figura I, apresentada
na seqüência, permite visualizar melhor essa situação.
FIGURA I
Três causas principais explicam o alongamento da curva de demanda e o
fortalecimento dos mercados de nicho:
a) Democratização das ferramentas de produção. As modernas
tecnologias, potentes e baratas, transformaram indivíduos, até então
simples consumidores, em uma nova camada de produtores que passa
a competir com os profissionais tradicionais.
b) Redução dos custos de consumo, graças a democratização da
distribuição. A Internet torna mais barato alcançar mais pessoas,
aumentando efetivamente a liquidez do mercado na cauda, o que, por
sua vez, se traduz em mais consumo, elevando efetivamente o nível da
linha de vendas e ampliando a área sobre a curva.
c) Ligação entre a oferta e demanda. A criação de novos canais
(mecanismos de busca tipo Google, blogs, vendas-on-line) apresenta os
consumidores a estes novos bens. O resultado final para os clientes é a
redução dos “custos de busca” para encontrar o conteúdo dos nichos.
Após sua divulgação, a adequação da teoria da cauda longa foi ganhando
exemplos em uma série de outros produtos/serviços, indo muito além daqueles
imaginados inicialmente pelo autor. Esse enquadramento ampliado deve-se a
aderência desses produtos/serviços ao princípio do “disponibilize tudo e ajude
a achar”.
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Foi desta maneira que vislumbramos a adesão dos princípios da cauda longa
ao serviço público paulista.
- Aplicando o conceito da cauda longa no serviço público de São Paulo
O Governo de São Paulo possui, hoje, quase setecentos mil servidores,
distribuídos por diferentes secretarias, setores de atividade e localidades.
Deste total, o número de profissionais de governo abrangidos pela rede
executiva interna (Rede Notes), sistema oficial de comunicação interna da
administração oscila, hoje em dia, em torno dos 24 mil.
Ainda que o número de servidores conectados avance a cada exercício,
restrições de ordem financeira e tecnológica impedem que esse crescimento
ocorra de maneira mais acelerada.
Por outro lado, as mudanças ocorridas na economia e a sofisticação dos
problemas a serem enfrentados pelos governos, comentadas anteriormente,
torna imprescindível o estímulo à produção de soluções inovadoras, as quais
dependem, por sua vez, da utilização plena do talento de seus servidores e da
rápida circulação do conhecimento e das experiências de governo testadas em
escolas, hospitais, presídios e outros próprios governamentais espalhados pelo
território paulista, que, mais das vezes, ficam circunscritas ao local onde foram
geradas, por falta de canais para discussão e divulgação.
Objetivando contornar as restrições quanto ao ritmo de expansão da rede
Notes, expostas acima, e ampliar a possibilidade de contato entre os
funcionários de governo, a Secretaria de Gestão Pública de São Paulo está
implementando um sistema de estímulo à inovação, de baixo custo, aberto a
todo o servidor do estado.
Com este ambiente, pretende-se ampliar o espaço para a discussão de novas
idéias, soluções, experiências e serviços, de modo a que as mesmas sejam de
fato apropriadas por toda a administração.
Em termos técnicos, usando o princípio da cauda longa, esta solução significa
estender a curva de Pareto, de modo a passar do padrão tradicional, hoje
praticado pelo governo, no qual a grande maioria das soluções implantadas
provém de um número proporcionalmente muito pequeno de funcionários, para
uma situação que consiga trazer para o governo como um todo, experiências
de sucesso praticadas em nichos.
Na seqüência vamos falar um pouco sobre o funcionamento do sistema.
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III Sistema de Estímulo a Inovação
O sistema de estímulo a inovação no serviço público, que estamos implantando
na Secretaria de Gestão Pública do Estado de São Paulo, constitui um
ambiente de construção coletiva de conhecimento, utilizando novos métodos,
ferramentas, formatos e conteúdos, todos típicos da sociedade pós-industrial,
sobre os quais falaremos mais à frente.
Ele se propõe a abrigar, organizar e veicular documentação e experiências
inovadoras no âmbito serviço público, de modo a facilitar a apropriação destes
elementos, muitas vezes dispersos e pouco divulgados, por toda a
administração.
O sistema não tem a pretensão, é importante mencionar, de criar um super
banco sobre o conhecimento governamental. Não acreditamos que isto possa
existir, pois somos adeptos da idéia de que o conhecimento reside
fundamentalmente na cabeça do servidor. Ao contrário, estamos colocando à
disposição do funcionário um espaço voluntário de trabalho que estimule o
intercâmbio de idéias, a troca de experiências, a transdisciplinaridade, a visão
intersetorial e a aprendizagem continuada.
Também não estamos falando de um projeto clássico, com começo, meio e fim.
Estamos colocando no ar um ambiente de trabalho cujo sucesso não
dependerá de uma pessoa ou grupo de pessoas com poder momentâneo de
comando. Seu êxito, ou seja sua utilidade, será o resultado do cotejo entre os
que ousam avançar contra aqueles que se contentam em ver o tempo passar.
- Métodos
Encontramo-nos, hoje, segundo a oportuna definição do sociólogo espanhol,
Manuel Castells, em uma sociedade estruturada em rede. A cada dia que
passa os profissionais são mais valorizados pela sua capacidade de atuar, de
forma colaborativa, em comunidades vinculadas ao seu campo de interesse e
menos pelo seu curriculum individual. Atento a essa tendência, nosso ambiente
objetiva fomentar a criação de redes de funcionários públicos, distribuídas
segundo temas estratégicos para a administração pública. O sistema identifica
ainda, algumas redes de alcance mundial, consideradas fundamentais para a
compreensão dos caminhos e práticas que tem sido seguidos pelos governos,
neste início de século.
Nosso sistema estimula, também, o registro ágil, descontraído e informal de
boas práticas de governo. As diversas experiências de inovação espalhadas
pela administração só terão alguma chance de serem apropriadas pelo governo
como um todo se forem retratadas pelos próprios participantes dessas ações.
Estruturas muito burocratizadas e centradas em soluções tecnocráticas
cifradas transformam a divulgação das boas experiências em insípidos
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relatórios de rotina, onde a informalidade a emoção envolvida nessas
experiências são sumariamente descartados.
- Ferramentas
A aplicação dos métodos acima não pode ser amparada, já dissemos, por
estruturas caras e rígidas. Dessa forma, nosso sistema está ancorado na
utilização dos princípios da Web 2.0, plataformas abertas que valorizam o
compartilhamento de informações e o estímulo à produção autônoma de
conteúdo,
Essa visão faz com que nosso ambiente seja composto por uma somatória de
ferramentas, tais como: blogs, vídeos, arquivos de áudio - podcasts, janelas
inteligentes com componentes de fácil utilização pelo usuário final - widgets,
fusão de aplicações - mashups, páginas de edição coletiva - wikis, indexadores
coletivos – tags, entre outras, todas, devidamente conectadas e indexadas com
vistas a criar um vasto ambiente para registro ágil e descentralizado dos temas
vinculados ao aprimoramento do serviço público.
- Formatos
Um dos princípios subjacentes ao nosso sistema é a incorporação de
conteúdos de distintos formatos. Esta característica, típica da grande rede
mundial, reforçada pela Web 2.0, permite que além de textos e tabelas,
possamos incorporar ao conjunto de elementos a serem veiculados, formatos
como: gráficos, desenhos, fotos, animações, mapas, registros de áudio e
vídeos.
Esta ampliação da base documental além de abreviar a divulgação de
conteúdo, providência vital nos dias hoje, atribui mais interesse a esses
registros, rompendo a barreira da informação fria, hermética e burocrática que
muitas vezes caracteriza manuais, relatórios e outros relatórios de rotina.
- Conteúdos
Nosso ambiente de estímulo à inovação em gestão pública, como
mencionamos antes, procura alargar o espectro da base de conhecimento
governamental, incorporando a ela elementos, normalmente não contemplados
nos sistemas de rotina, referentes, na maioria dos casos, à informações
estruturadas.
Esse universo, por ser bastante amplo, mereceu um novo corte, o qual definiu
finalmente como foco para nosso sistema a melhoria na prestação de serviços
públicos
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Os conteúdos a serem contemplados, definido este escopo, envolvem,
prioritariamente:
1) Mapeamento da “expertise” governamental, através da montagem das
“páginas amarelas” do serviço público.
2) Registro e divulgação de experiências inovadoras em gestão pública que
conduziram a melhorias ou ampliação no leque de serviços prestados.
3) Consolidação e concentração de notícias nacionais e internacionais
sobre inovação no serviço público.
4) Divulgação de “benchmarks” nacionais e internacionais em serviço
público.
5) Consolidação e concentração de material didático (textos,
apresentações, tutoriais, etc.) e indicações bibliográficas na área de
gestão do conhecimento e inovação em governo.
6) Identificação e “linkagem” com sítios da Internet relevantes para o
escopo do sistema.
7) Disponibilização de “widgets” de interesse para melhoria e ampliação do
leque de serviços prestados, coerentes com as tendências de
convergência digital.
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Conclusão
O ambiente de incentivo ao surgimento de novas soluções em serviço público,
que estamos colocando à disposição do servidor, ele próprio já pode ser
tratado como um exemplo de inovação produzida por funcionários de carreira
que gostam e acreditam no que fazem.
A crença e o gosto surgem de uma visão de administração pública, calcada em
alguns princípios:
1. Transparência. Conhecimento só circula em ambientes do tipo ganha-
ganha. Quando poucos querem usar muitos, a troca de conhecimento se
interrompe e todos perdem. O governo porque se desmoraliza e os
servidores por que se desatualizam e perdem a motivação. A formação
de comunidades aqui incentivadas pressupõe honestidade, cooperação,
e espírito de equipe.
2. Agilidade. O conjunto de problemas que mencionamos no início do texto,
pela sua dinâmica e variedade, só podem ser atacados por estruturas
que forneçam respostas rápidas. Hierarquias rígidas e burocracia
desmedida fazem o governo perder todas as paradas.
3. Cérebro e coração. Os governos foram montados em uma época em
que a força muscular era suficiente para a resolução da maioria das
questões a eles propostas. Hoje, na era do conhecimento, governos
precisam muito mais que isso, eles devem ter cérebro e coração. Sem o
primeiro ele não comanda, sem o segundo, ele não convence.
4. Valorização e integração das pessoas. Por mais tecnologia que
tenhamos, a inteligência governamental, notadamente em sua dimensão
tácita, reside, fundamentalmente, na cabeça do servidor. Assim, é mais
do que nunca necessário que tenhamos um corpo de funcionários
atualizado e qualificado. Atento a essa necessidade, a capacitação em
métodos e ferramentas da web 2.0 tornou-se um dos pilares de nosso
ambiente. Só qualificar, no entanto, não basta. É necessário integrar
talentos. Por isso, o sistema, paralelamente, procurou criar um espaço
de troca, um “Ba”1, na linguagem de Nonaka e Konno2, onde essa
qualidade possa ser socializada, externalizada, combinada com outras
visões de mundo e, finalmente, internalizada como um novo serviço
1 Ba é um espaço compartilhado que serve de base para criação de conhecimento, seja este
individual ou coletivo. Este ambiente pode ser físico (como o escritório), virtual (como o e-mail),
mental (experiências e ideais compartilhados) ou qualquer combinação entre os três.
2 Nonaka, I.; Konno, N. The concept of “Ba”: Building a foundation for knowledge creation.
California Management Review; Spring 1998; Volume , No.3.
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público. Neste “mercado”, o servidor é um co-produtor estratégico,
crescendo e trabalhando em rede, e não um simples e isolado
expectador privilegiado.
5. Transitoriedade. Um ambiente como este estará sempre em construção
(estágio beta), uma vez que com o drástico encurtamento nos ciclos de
vida dos produtos, uma das maiores marcas da sociedade do
conhecimento não, há mais espaço para soluções acabadas. Elas
estarão desatualizadas no dia seguinte.
.
São esses princípios que construíram o sistema de incentivo a inovação que
abordamos neste texto.
Visite-o em http://www.igovsp.net e comece a praticá-los.
15. I Congresso CONSAD de Gestão Pública
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Bibliografia
ANDERSON, Chris. A Cauda Longa. Editora Elsevier. Rio de Janeiro, 2006
CASTELLS, Manuel. A Sociedade Em Rede – A era da informação: economia,
sociedade e cultura; Volume I. Editora Paz e Terra, 1999.
CAVALCANTI, Marcos e NEPOMUCENO, Carlos. O Conhecimento em Rede
– Como Implantar Projetos de Inteligência Coletiva. Editora Elsevier. Rio de
Janeiro, 2007
DAVENPORT, Thomas H. Ecologia da Informação; Porque só a tecnologia
não basta na era da informação. Editora Futura. São Paulo, 1998.
HAMEL, Gary e BREEN, Bill. O Futuro da Administração. Editora Campus,
Rio de Janeiro, 2007
NONAKA, Ikujiro e TAKEUCHI Hirotaka. Criação de Conhecimento na
Empresa. Rio de Janeiro. Editora Campus, 1997.
SUROWIECKI, James. A Sabedoria das Multidões. São Paulo. Editora
Record, 2006