2. Algumas pinturas...
Algumas poesias...
Nem sempre as mais
famosas, mas todas de
respeitados autores,
numa mistura de
épocas e estilos...
Sempre belas...
Sempre atuais...
Temas que nos
fazem pensar...
3. Vinícius de Moraes
Vicente de Carvalho
Fernando Pessoa
Olavo Bilac
Carlos Drummond de Andrade
Raul de Leoni
Cecília Meireles
J.G. de Araujo Jorge
Clarice Lispector
Chico Buarque de Holanda
Francisco Otaviano
Mário Quintana
4. SONETO DA FIDELIDADE
Vinícius de Moraes
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure!
5. VELHO TEMA
Vicente de Carvalho
Só a leve esperança, em toda a vida,
Disfarça a pena de viver, mais nada;
Nem é mais a existência, resumida,
Que uma grande esperança malograda
O eterno sonho da alma desterrada,
Sonho que a traz ansiosa e embevecida,
É uma hora feliz, sempre adiada
E que não chega nunca em toda a
vida.
Essa felicidade que supomos,
Árvore milagrosa que sonhamos
Toda arreada de dourados pomos,
Existe, sim mas nós não a alcançamos
Porque está sempre apenas onde a pomos
E nunca a pomos onde nós estamos.
6. Não sei quantas almas tenho
Fernando Pessoa
Não sei quantas almas tenho.
Sou minha própria paisagem,
Cada momento mudei.
Assisto à minha passagem,
Continuamente me estranho.
Diverso, móbil e só,
Nunca me vi nem achei.
Não sei sentir-me onde estou.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Por isso, alheio, vou lendo
Quem vê é só o que vê,
Como páginas, meu ser.
Quem sente não é quem é,
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Atento ao que sou e vejo, Noto à margem do que li
Torno-me eles e não eu. O que julguei que senti.
Cada meu sonho ou desejo Releio e digo: “Fui eu?”
É do que nasce e não meu. Deus sabe, porque o escreveu.
LUÍS BADOSA
Fernando Pessoa
7. O amor, quando se revela...
Fernando Pessoa
Ah, mas se ela adivinhasse,
O amor, quando se revela, Se pudesse ouvir o olhar,
Não se sabe revelar. E se um olhar lhe bastasse
Sabe bem olhar p'ra ela, Pra saber que a estão a amar!
Mas não lhe sabe falar. Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!
Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente Mas se isto puder contar-lhe
Cala: parece esquecer O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...
LUÍS BADOSA
Fernando Pessoa
8. VELHAS ÁRVORES
Olavo Bilac
Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores novas, mais amigas:
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas...
O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres de fomes e fadigas;
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.
Não choremos, amigo, a mocidade!
Envelheçamos rindo! Envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem;
Na glória da alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!
9. QUADRILHA
Carlos Drummond de Andrade
João amava Teresa
que amava Raimundo
que amava Maria
que amava Joaquim
que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para o Estados Unidos,
Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre,
Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se
e Lili casou com J. Pinto
Fernandes
que não tinha entrado na história.
10. UNIDADE
Raul de Leoni
Deitando os olhos sobre a perspectiva
Das cousas, surpreendo em cada qual
Uma simples imagem fugitiva
Da infinita harmonia universal
Uma revelação vaga e parcial
De tudo existe em cada coisa viva:
Na corrente do Bem ou na do Mal
Tudo tem uma vida evocativa.
Nada é inútil; dos homens aos insetos
Vão-se estendendo todos os aspectos
Que a idéia da existência pode ter;
E o que deslumbra o olhar é perceber
Em todos esses seres incompletos
A completa noção de um mesmo ser...
11. RETRATO
Cecília Meireles
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?
12. E O RESTO É SILÊNCIO... E então ficamos os dois em silêncio, tão quietos
J.G. de Araujo Jorge
como dois pássaros na sombra, recolhidos
ao mesmo ninho,
como dois caminhos na noite, dois caminhos
que se juntam
num mesmo caminho...
Já não ouso... já não coras...
E o silêncio é tão nosso, e a quietude tamanha
que qualquer palavra bateria estranha
como um viajante, altas horas...
Nada há mais a dizer, depois que as próprias mãos
silenciaram seus carinhos...
Estamos um no outro
como se estivéssemos sozinhos...
13. CLARICE LISPECTOR
Precisão
O que me tranqüiliza é que tudo o que
existe, existe com uma precisão
absoluta. O que for do tamanho de uma
cabeça de alfinete não transborda nem
uma fração de milímetro além do
tamanho de uma cabeça de alfinete.
Tudo o que existe é de uma grande
exatidão. Pena é que a maior parte do
que existe com essa exatidão nos é
tecnicamente invisível. O bom é que a
verdade chega a nós como um sentido
secreto das coisas. Nós terminamos
adivinhando, confusos, a perfeição.
14. Gente Humilde - Chico Buarque
Tem certos dias em que eu penso em minha gente
E sinto assim todo o meu peito se apertar
Porque parece que acontece de repente
Como um desejo de eu viver sem me notar
Igual a como quando eu passo num subúrbio
Eu muito bem vindo de trem de algum lugar
E aí me dá como uma inveja dessa gente
Que vai em frente sem nem ter com quem contar
São casas simples com cadeiras na calçada
E na fachada escrito em cima que é um lar
E aí me dá uma tristeza no meu peito
Pela varanda flores tristes e baldias
Feito um despeito de eu não ter como lutar
Como a alegria que não tem onde encostar
E eu que não creio, peço a Deus por minha gente
É gente humilde, que vontade de chorar
15. ILUSÕES DA VIDA
Francisco Otaviano
Quem passou pela vida em branca nuvem
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu:
Foi espectro de homem, não foi homem,
Só passou pela vida, não viveu.
16. AH! OS RELÓGIOS
Mário Quintana
Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...
Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.
Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.
E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...
17. MADRIGAL MELANCÓLICA
Manuel Bandeira
O que eu adoro em ti
Não é tua beleza
A beleza é em nós que existe
A beleza é um conceito
E a beleza é triste DI
Não é triste em si CAVALCANTI
Mas pelo que há nela
De fragilidade e incerteza Perfis
O que eu adoro em ti
Não é a tua inteligência
Mas é o espírito sutil
Tão ágil e tão luminoso O que eu adoro em ti
Ave solta no céu matinal da montanha Não é a mãe que já perdi
Nem é tua ciência E nem meu pai
Do coração dos homens e das coisas O que eu adoro em tua natureza
O que eu adoro em ti Não é o profundo instinto matinal
Não é a tua graça musical Em teu flanco aberto como uma ferida
Sucessiva e renovada a cada momento Nem a tua pureza. Nem a tua impureza
Graça aérea como teu próprio momento O que adoro em ti lastima-me e consola-me
Graça que perturba e que satisfaz O que eu adoro em ti é A VIDA !!!
18. FELICIDADE
Guilherme de Almeida
Ela veio bater à minha porta
e falou-me a sorrir, subindo a escada:
“Bom dia, árvore velha e desfolhada”
e eu respondi: “Bom dia, folha
morta”
Entrou: e nunca mais me disse nada...
Até que um dia (quando pouco importa!)
houve canções na ramaria torta
e houve bandos de noivos pela estrada...
Então chamou-me e disse:“Vou-me embora!
Sou a felicidade! Vive agora
da lembrança do muito que te fiz”
E foi assim que em plena primavera,
só quando ela partiu contou quem era...
E nunca mais eu me senti feliz!
19. Descobrimento
Mário de Andrade
Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De supetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando pra mim.
Não vê que me lembrei que lá no Norte, meu Deus!
muito longe de mim
Na escuridão ativa da noite que caiu
Um homem pálido magro
de cabelo escorrendo nos olhos,
Depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.
Esse homem é brasileiro que nem eu.
20. ÚLTIMO FANTASMA
Castro Alves
Quem és tu, quem és tu, vulto gracioso,
Que te elevas da noite na orvalhada?
Tens a face na sombra mergulhada...
Sobre as névoas te libras vaporoso...
Baixas do céu num vôo harmonioso!...
Quem és tu, bela e branca desposada?
Da laranjeira em flor a flor nevada
Cerca-te a fonte, ó ser misterioso!...
Onde vimos nós?... És doutra esfera?
És o ser que eu busquei do sul ao norte...
Por quem meu peito em sonhos desespera?...
Quem és tu? Quem és tu? _ És minha sorte!
És talvez o ideal que est´alma espera!
És a glória talvez! Talvez a morte!...
21. NÃO SEI... Cora Coralina
Não sei... se a vida é curta ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos tem sentido,
se não tocamos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo,
é o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela não seja nem curta,
nem longa demais, mas que seja intensa,
verdadeira, pura...Enquanto durar.