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FACULDADES INTEGRADAS SIMONSEN
Fernanda Lancelota Pantoja Tomé da Silva
Matrícula: 201010390
A eterna busca do Ideal em
Florbela Espanca
Rio de Janeiro
2012 /5° semestre
Fernanda Lancelota Pantoja Tomé da Silva
Matrícula: 201010390
A eterna busca do Ideal em Florbela
Espanca
Trabalho apresentado ao Professor
José Augusto Brasil como requisito parcial
para a aprovação na disciplina Trabalho de Conclusão de Curso
Rio de Janeiro
2012 /5° semestre
Primeiro a Deus porque sem ele nada disto seria possível.
Aos meus pais pela batalha incansável, responsáveis por tudo que tenho e
tudo o que sou, verdadeiro sustento para o meu corpo e meu espírito.
AGRADECIMENTOS
Ao querido mestre e orientador José Augusto Brasil pela paciência,
compreensão, carinho e amizade dispensados por todo o percurso acadêmico.
Ao grande mestre Florêncio Pinto da Rosa por ter sido mais que um professor
tornando-se um verdadeiro pai, amigo leal em todos os momentos.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................01
1. PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUESTÃO DO IDEAL
1.1 O idealismo e os poetas.........................................................03
1.2 O ideal em Florbela Espanca.................................................04
2. A BUSCA DE FLORBELA POR UM LUGAR IDEAL NO MUNDO
“O mundo quer-me mal porque ninguém tem asas como eu tenho.”
2.1 Breve biografia.......................................................................08
2.2 Florbela buscando por seu lugar e as detratações da
sociedade portuguesa............................................................11
3. O IDEAL NA ESCRITA
“ Sonho que um verso meu tem claridade para encher todo o mundo!”
3.1 Traços estéticos e influências..............................................14
3.2 Florbela poetisa......................................................................17
4. A BUSCA DESENFREADA PELO AMOR IDEAL
“Eu quero amar, amar pedidamente”
4.1 A importância dos homens na vida de Florbela.................20
4.2 Amor fonte de prazer e de dor .............................................25
5. O NÃO ENCONTRO DO IDEAL
“Acordo do meu sonho e não sou nada”
5.1 Florbela acorda do sonho.....................................................28
CONCLUSÃO................................................................................31
INTRODUÇÃO
Evoco e lembro a linda labareda
A Florbela sem par
Que só depois de morta e entre ranger de dentes
Foi coroada rainha
(MATIAS, 1998, P.232)
Florbela Espanca é uma das personalidades poéticas mais importantes
e fascinantes de todos os tempos da Literatura Portuguesa. Poetisa da virada
do século XX viveu numa das épocas de maior efervescência cultural: O
Período Modernista. Contudo foi dona de uma singularidade a toda prova
escapando das influências do contexto.
É dona de uma obra profundamente individualista inteiramente marcada
por suas experiências pessoais. Surge desta forma, totalmente desvinculada
de preocupações de cunho social ou humanitário. O eu sobressai de forma
soberana na construção de uma poesia viva e bastante peculiar.
Foi refém de sua própria inquietação constante. Seus pensamentos
arrebatadores, sua alma audaciosa e sedutora, eclodiram em versos
confessionais impregnados do mais puro sentimento de mulher idealizadora.
Revelou os mais íntimos segredos do eu lírico feminino na poesia portuguesa.
Presenciamos ao estudar sua obra uma enorme presença de espírito e
uma poesia de rara beleza que em nada é vulgar ou comum. Foi a
perseguidora do ideal acima de todas as coisas. Nada nunca lhe bastou ou
satisfez. Ela própria não cabia em si, transbordava.
E a imensidão que buscava, a insaciabilidade que lhe tomava não
poderia prender-se, tinha de ser continuamente buscada e assim foi.
O presente trabalho vem abordar os processos de conflitos,
inadequações, anseios, insatisfações e buscas incessantes devido as
idealizações de Florbela Espanca em sua vida e obra. Para o nosso trabalho
utilizaremos de sua fortuna crítica disponível e quatro de seus livros de
sonetos: Reliquiae, Livro de Mágoas, Charneca em flor e Livro de Sóror
Saudade.
Dividimos a busca do ideal em Florbela da seguinte forma: a primeira
abordará a própria questão do ideal sendo feitas algumas considerações sobre
o assunto. A segunda tratará da vida pessoal da escritora. A terceira nos levará
a perseguição do ideal na vida literária, e a quarta a mais dolorosa e intensa, a
da busca do ideal que se deu em sua vida amorosa. Finalizaremos num quinto
capitulo que abordará a questão da perda do ideal após esses processos
anteriores onde teremos a nossa conclusão do assunto estudado.
Através de seus versos e de suas citações viajaremos e nos
entregaremos a um palco de intensos sentimentos e emoções que só poucos
são capazes de experimentar nos dias atuais. Sairemos do senso comum e
penetraremos numa dimensão nova para navegar neste espírito insaciável
repleto de sonhos e sensações que viveu numa avidez desenfreada a fim de
encontrar a sua felicidade.
1. PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUESTÃO DO IDEAL
1.1 O idealismo e os poetas
“Recebi o batismo dos poetas/ E assentado sobre as formas incompletas/ Para
sempre fiquei pálido e triste.”
Assim diziam os últimos versos do soneto Tormento do Ideal do poeta
Antero de Quental patrício de Florbela Espanca e uma de suas maiores
influências literárias. Divagava este a respeito da dor causada pela aspiração
ou inspiração de um ideal em contraste com o mundo em que vivia.
Antero nos fala da beleza que não morre: “Conheci a Beleza que não
morre” remetendo ao conceito filosófico da palavra beleza, exprimindo assim
que obteve contato com uma beleza que transcende o físico e o palpável. Esta
seria a perfeição, o mundo imutável não mais sujeito as vicissitudes, as
mudanças e nem as desintegrações de todas as coisas através dos tempos.
Afirma que ficou triste por conhecê-la porque agora a compara as
belezas efêmeras do mundo que habita que com o tempo perdem a cor e não
possuem correspondência com o ideal. Daí a agonia existencial do poeta que
se frustra por encontrar a sua volta somente cópias imperfeitas, reflexos
ilusórios, verdadeiras sombras daquilo a que teve acesso em seu íntimo.
Tocado por essa revelação tornou-se angustiado pelo desejo de possuir
a perfeição que vislumbrou. Sua alma sensível e sedenta da plenitude conclui
que sempre será triste, apático, porque possui dentro de si o quimérico, mas
não consegue alcançá-lo e muito menos despertá-lo na alma das outras
pessoas. Desesperado quer demonstrar e descrever o que sente, mas no
fundo se julga incapaz de conseguir.
Nesse contexto o que dizer de todos os poetas, não seriam estes assim
como Antero, almas capazes de enxergar além das sombras, das “formas
incompletas” entrando em contato com o que consideram ser o perfeito e o
ideal?
Não seria este o principal motivo da agonia existencial que levou a
maioria ao desespero, a insatisfação, a tristeza e a uma busca desenfreada,
porém uma busca em vão perante uma realidade que no fundo sentiam que
não era deles? Seria este o verdadeiro batismo dos poetas, ver além e aquém
e sofrer por não poder viver nessa outra realidade? São estes os
questionamentos que nos faremos agora.
1. 2 O ideal em Florbela
Florbela Espanca assim como seus irmãos na dor sofreu por toda a vida
a aflição inerente a essa busca pela qual as almas mais sensíveis passam. Ela
própria nos diz sobre isto em correspondência:
Às vezes sinto em mim uma elevação de alma, o voo
translúcido duma emoção em que pressinto um pouco do
segredo da suprema e eterna beleza; esqueço a minha
miserável condição humana, e sinto-me nobre e grande como
um morto. (Citações e pensamentos de Florbela Espanca, p.14)
A sede de infinito em Florbela era algo constante. Refletindo esta
agonia de encontrar seu lugar refere-se constantemente a outros planos,
ambientes ideias, outras vidas, tempos ditosos em que possuía uma existência
tranquila e venturosa. Desprendendo sua alma, alcança visões extraordinárias
de seu íntimo - “Se me ponho a cismar em outras eras/ Em que ri e cantei, em
que era querida,/ Parece-me que foi noutras esferas, / Parece-me que foi numa
outra vida... ” ( Lágrimas ocultas, Livro de mágoas).
Florbela é a “filha das regiões imaginárias”, esta além deste mundo, não
pertence a esse lugar. O seu olhar carrega visões fantásticas a que somente
ela tem acesso e vislumbra. Esta sempre a sonhar, imaginar, a sair de um
plano consciente ao encontro de algo maior, numa espécie de êxtase - “Trago
no olhar visões extraordinárias/ De coisas que abracei de olhos fechados…’’
(Pobrezinha, Reliquiae).
É uma “pária”, uma excluída, exilada de seu verdadeiro mundo e
deserdada como os astros que estão a pairar no infinito – “Em mim não trago
nada, como os párias…/ Só tenho os astros, como os deserdados…”
(Pobrezinha Reliquiae).
A dúvida constantemente assombra seu ser, pois não tem a certeza
plena se o que sente é real ou imaginário, permanecendo entre a mentira e a
verdade numa inquietude que gera um verdadeiro tormento - “Não sei se esta
quimera que me assombra,/ É feita de mentira ou de verdade!”. (Nostalgia,
Livro de Mágoas).
Não sabe se estas sensações são fruto da saudade ou de um querer
utópico. É a herdeira de um reino quimérico. Deseja voltar e reencontrar tudo o
que viu, mas não sabe como chegou aqui, nem como retornar para lá. Diz-se
uma sombra numa repetida demonstração de ideias vagas onde o real e o
irreal se misturam e onde nunca existirá definição completa - “Quero voltar!
Não sei por onde vim... / Ah! Não ser mais que a sombra duma sombra / Por
entre tanta sombra igual a mim! “ (Nostalgia, Livro de Mágoas)
Percebemos uma entrega constante ao vago e ao indefinido. Florbela
esta sempre dividida entre a realidade e sonho. A sua alma se revela sedenta
por esses lugares ideais de felicidade plena que ela assegura conhecer. A sua
real libertação se da através de um plano abstrato:
(...) há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante
que eu nem mesma compreendo, pois estou longe de ser uma
pessoa; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa,
violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde
está, que tem saudade… sei lá de quê! (Citações e pensamentos
de Florbela Espanca, p.14)
Florbela vive algo maior, não pode habitar um só corpo, uma só alma, a
limitação fere sua essência. Esta constante exaltação é a vontade de libertar-se
das cadeias estreitas em que julga viver. Vive numa intensa catalisação de
emoções que transbordam continuamente. Habita o fantástico, estende sua
consciência a tal ponto que sente penetrar outros patamares. Pressente estes
lugares perfeitos, mas não pode habitá-los completamente, pois esta presa às
amarras desse mundo. Tem uma saudade e um vazio constante.
No fundo não compreende e não suporta o mundo que em que vive por
este não corresponder aos seus desejos e as suas aspirações grandiosas.
Quanto maiores as imperfeições deste mundo, quanto maior entendimento
destas em contrapartida nascia maiores ideais para ela - “Só é grande e
perfeito o que nos vem/ Do que em nós é Divino e imortal!/ Cega de luz e tonta
de ideal/ Busca em ti a Verdade e em mais ninguém!" (O que alguém disse,
Livro de Sóror Saudade)
Foi com perfeição que descreveu a si própria em correspondência do
ano de 1920:
Dizes contentar-te com pouco; é essa, na realidade, a
suprema sabedoria, mas eu fui sempre a grande revoltada e a
grande ambiciosa que só quer a felicidade quando ela seja
como um turbilhão que dê vertigem e que deslumbre!”(Citações
e pensamentos de Florbela Espanca, p.22)
2. A BUSCA DE FLORBELA POR UM LUGAR IDEAL NO MUNDO
“O mundo quer-me mal porque ninguém tem asas como eu tenho.”
2.1 Breve biografia
Florbela Espanca desde seu nascimento já dava mostras que vinha ao
mundo repleta de singularidades. Nasce a oito de dezembro de 1894, em Vila
Viçosa, Portugal, na alta madrugada do dia de Nossa senhora da Conceição
padroeira do país. Dizem à mãe que a menina é uma flor e esta responde que
assim se chamará Flor Bela.
Tudo parece normal até descobrirmos o fato de que Florbela não fora
gerada de forma comum. Seu pai João Maria Espanca era casado com a jovem
Mariana Inglesa, porém esta era infértil. Valendo-se de sua sagacidade natural
convence a esposa a aceitar a antiga prática medieval de conceber com uma
mulher humilde o filho que deseja para depois trazê-lo para casa e cria-lo.
Mariana aceita a proposta do marido que escolhe a formosa e humilde Antónia
Lobo uma das moças mais cortejadas da vila. Logo a engravida.
Apesar de tudo ocorrer conforme o planejado João Maria Espanca
curiosamente não registra a filha permitindo que esta seja batizada como
Florbela Lobo filha de pai incógnito, coisa que possivelmente possa ter
contribuído para os problemas psicológicos e psíquicos da menina no futuro.
Florbela vai viver na casa do pai sendo criada por ele e Mariana, que
além de madrasta é também madrinha, numa existência sem preocupações
repleta de zelos e mimos.
No ano de 1897, João Maria tem outro filho com Antónia o qual dá o
nome de Apeles. Mais uma vez o processo se repete sendo o menino também
registrado como filho de pai incógnito.
Desde cedo Florbela mostra-se sensível e diferente. Voltada para o
anímico sustenta sentimentos incomuns ao mundo infantil. Exibe uma
permanente amargura e uma intrínseca necessidade de escrever. Queixa-se
ao pai dizendo que as coisas do mundo a ferem e entristecem. Refugia-se na
natureza, na sua charneca alentejana.
Aos oito anos dando mostras de sua precocidade artística escreve o seu
primeiro poema: “A vida e a morte” que data do dia 11 de novembro de 1903.
No dia seguinte, escreve seu primeiro soneto ainda sem titulo que começa com
a frase: ”A bondade o som de Deus”, não nos deixando pistas de com quem
teria aprendido essa forma estética.
Por vontade do pai, homem de espírito avançado, frequenta desde cedo
a escola primária coisa bastante incomum as meninas da época em Portugal.
Assim que começa a escrever passa a assinar Florbela d’Alma da Conceição
Espanca abandonando por completo o sobrenome da mãe biológica.
Continua seus estudos no Liceu de Évora o que não agrada nem mesmo
aos professores do local devido ao acesso da mulher no ensino secundário ser
mal visto na época. Não é uma aluna brilhante, mas em contrapartida, uma
grande devoradora de obras literárias.
Cedo começa também a dar pistas da doença que a atormentaria para o
resto da vida: a neurastenia. Com idade de 11 anos sofre de fadiga e dores de
cabeça constantes o que atrapalhava seus estudos. Aos 13 anos fica órfã da
mãe biológica que morre aos 29 anos vítima de neurose. Aos 14 começa a
apresentar a doença dos pulmões da qual jamais se verá curada.
Apesar da saúde frágil segue seu caminho e é no colégio que conhece o
primeiro marido, Alberto Moutinho, casando-se com a permissão do pai aos 19
anos de idade. O casamento com Moutinho dura poucos anos.
. Casa-se novamente em 1921 com o oficial António Guimarães. Este
casamento se consome ainda mais rápido que o primeiro. O pai e o irmão
cortam relações com Florbela nesta época por considerar seu comportamento
inadequado o que a entristece em profundo.
Ainda casa-se uma terceira vez com seu próprio médico o doutor Mario
Lage, no ano de 1925, retomando assim a relação com a família, mas este
casamento também estará fadado ao insucesso.
Por todo esse tempo não deixou de estudar e manteve uma intensa
atividade literária. Não só escreveu livros, mas também colaborou em revistas,
escreveu artigos, fez diversas traduções e ainda lecionou em casa. Quando
entrou para o curso superior escolheu a cadeira do Direito contrariando o que
todos deduziam que ela fosse seguir: a de Letras.
Por todos os anos de sua vida manteve com o irmão Apeles uma relação
estreita e muito íntima. A morte prematura de Apeles aos 30 anos de idade foi
o principal choque de sua vida e o que precipitou a sua própria morte.
Debilitada, doente, fumando compulsivamente e dependente de
remédios para dormir, Florbela é encontrada morta no dia 8 de dezembro de
1930 junto a frascos de Veronal, um poderoso barbitúrico. Neste dia
completaria 36 anos de idade. Devido às condições em que seu deu sua morte
até hoje é questionada e discutida.
2.2 Florbela buscando por seu lugar e as detratações da sociedade
Portuguesa
Desde pequena Florbela demonstrou um comportamento de altivez que
incomodou a muitos. Recusando-se ao recato e a clausura que a situação de
filha ilegítima exigia na época. Mostrou-se e ostentou principalmente em
vestimentas. Foi a principal modelo de fotografia do seu pai.
Buscou sempre por lugares altos, tinha a sede da conquista. Idealizando
a si própria, considerou-se por toda a vida um ser especial. Desejou outro
papel no mundo recusando o de mulher submissa que o salazarismo
estabelecia naquele tempo. Lutou por tudo o que quis.
Enxergou as outras mulheres como verdadeiros animais por sujeitarem-
se aos caprichos e regras de uma sociedade que considerava ultrapassada e
hipócrita. Em vida desprezou as duas mães por não entender suas fraquezas
de caráter e submissão. Ansiava a independência principalmente com relação
ao casamento. Considerou-se acima das outras mulheres por ser sensitiva.
Nasceu definitivamente fora do seu tempo. De temperamento singular
chocou a muitos. Embaixo da carapaça de altivez sentia-se incompreendida,
inquieta por habitar um mundo que não correspondia as suas altas aspirações,
um mundo no qual não se encaixava - “És ano que não tem primavera.../Ah!
Não seres como as outras raparigas/ ó Princesa Encantada da Quimera!...” (O
que tu és, Livro de Sóror Saudade)
. Sofreu toda uma crítica ferina sendo bastante estigmatizada até mesmo
por outras mulheres que a acusaram de ser somente um modelo de fotografia,
uma coquete frívola e alienada das causas sociais. Manteve-se
constantemente alheia desprezando aqueles que não acompanhavam a sua
grandeza de espírito.
Foi a princesa deslocada, a princesa de asas, que recebeu como
castigou a convivência entre uma plebe que a martirizou e desprezou - “O
mundo quer-me mal porque ninguém/ Tem asas como eu tenho! Porque
Deus/Me fez nascer Princesa entre plebeus/ Numa torre de orgulho e de
desdém ” (Versos de orgulho, Charneca em Flor).
O seu reino é nas alturas o seu olhar carrega as grandezas dos céus. É
uma exaltada, uma cultuadora de si própria – “Mais alto, sim! Mais alto! A
intangível/ Turris Ebúrnea erguida nos espaços,/A rutilante luz dum
impossível!’( Mais alto, Charneca em Flor).
O importante é obsevar que mesmo diante das críticas e barreiras
duma sociedade falocêntrica Florbela se manteve por longo tempo firme em
atitude e postura. Sua vida constituiu uma verdadeira reivindicação, um
verdadeiro clamor.
Apesar de todo amor que dispensou pelos outros, principalmente por
seus amores, é de longe é reconhecido que a maior preocupação de Florbela
foi com ela mesma. Quando apresentava suas crises e questionamentos, seu
narcisismo e altivez chamavam-na de volta e assim se mantinha forte: “A
gargalhada insultante deste mundo responde a infinita serenidade do que fica
para Além e que os olhos míopes não veem.” (Citações e pensamentos de
Florbela Espanca, p. 13).
3. O IDEAL NA ESCRITA
“Sonho que um verso meu tem claridade para encher o mundo!”
3.1 Traços estéticos e influências
Florbela constitui até os dias de hoje tema de diversos debates quanto à
apresentação de traços estéticos predominantes em sua obra. A autores que a
consideram neo-romântica devido ao seu profundo individualismo e
subjetivismo, além de um pessimismo forte que a levaram ao desencanto pelo
amor e pela vida.
É também considerada romântica pela atitude de fuga e deslocamento
que sempre manifestou. Mostrou-se incompreendida e desprezada devido a
sua extremada sensibilidade. Revelou possuir a ideia de superioridade de
destino dos poetas românticos encontrando grandeza no sofrer e julgando-se
assim como eles, ser predestinada a uma sina grandiosa.
A opção pelo soneto decassílabo leva ao reconhecimento de traços de
outro tipo de escola literária: o Parnasianismo. Escolheu o soneto talvez por
pura inconsciência a princípio, porém elegeu-o como principal forma estética
manifestando dessa maneira ser também uma cultora da forma de nódoas
parnasianas. Recebeu influências desde o classicismo de Luís de Camões até
Antero de Quental, mostrando-se uma conservadora e herdando o melhor da
tradição poética portuguesa.
Muitos autores ainda atribuem à escrita de Florbela qualidades
decadentistas-simbolistas estabelecendo um laço de semelhanças com o
contemporâneo Mario de Sá Carneiro onde num lirismo exaltado proliferaram
os claustros, as quimeras, os castelos junto aos céus, as torres de marfins,
numa profusão de cores e elementos cambiantes e sinestésicos. Seus sonetos
constituem-se de uma abundância de sensações que se misturam. A
musicalidade também se encontra presente além de aspectos transcendentais
de evocação de sentimentos e emoções angustiantes predominando alusões.
Quanto a questão do Modernismo vê-se defendida a ideia de que a sua
posição de vanguardismo e de quebra de barreiras e convenções foram a sua
atitude modernista, características que sobressaíram somente na vida
particular. Pouco ou nada apresentou Florbela em sua escrita de elementos
estéticos que poderiam lembrar o grupo Orpheu ou ao Modernismo, período
literário vigente em sua época.
Os versos de Florbela Espanca foram riquíssimos em figuras de
linguagem onde eclodiram metáforas, antíteses, sinestesias e toda uma séria
de tropos que tornavam sua linguagem poética profundamente conotativa,
riquíssima em imagens e expressões. A pontuação excessiva foi outra
constante.
Apresentou dessa forma as mais variadas características e traços de
diversas escolas, principalmente as finisseculares, mas nada que seja definitivo
para classificá-la potencialmente a alguma. Os gêneros literários se
interpenetram criando uma poesia individual e híbrida. Pertence à linhagem
conhecida como “Outros Poetas” ou também é chamada de poeta “Sui
generis”, por ser única em seu gênero.
Na sua busca pela beleza elegerá o decadentista António Nobre como
modelo de perfeição poética. Numa atitude oposta ao seu caráter egotista,
julgou-se muitas vezes incapaz de chegar à altura de seu poeta adorado. É
clara a retomada do neugarretismo de Nobre na poesia de Florbela Espanca
visto a grande quantidade de sonetos referentes à pátria e a cultura
portuguesa. Todo o seu Lusitanismo é exaltado principalmente nos sonetos
relativos às paisagens de seu amado Portugal:
O meu Alentejo
Meio-dia. O sol a prumo cai ardente,
Dourando tudo…ondeiam nos trigais
D´ouro fulvo, de leve…docemente…
As papoulas sangrentas, sensuais…
Andam asas no ar; e raparigas,
Flores desabrochadas em canteiros,
Mostram por entre o ouro das espigas
Os perfis delicados e trigueiros…
Tudo é tranqüilo, e casto, e sonhador…
Olhando esta paisagem que é uma tela
De Deus, eu penso então: onde há pintor,
Onde há artista de saber profundo,
Que possa imaginar coisa mais bela,
Mais delicada e linda neste mundo?!
3.2 Florbela Poetisa
Florbela artista é uma verdadeira derivação da Florbela mulher já que
toda sua obra surge em consequência de suas emoções. Assim como
apresentou uma postura de elevação na vida pessoal demonstrou também na
vida literária esta mesma agonia em alcançar seu lugar e ser reconhecida.
Sua ânsia beirou muitas vezes as raias da arrogância e do
egocentrismo exagerado. Considerou-se a “poetisa eleita” dona de inspiração e
versos perfeitos. Em seus delírios de grandeza parecia querer alcançar os
deuses – “Sonho que sou a poetisa eleita/ Aquela que diz tudo e tudo sabe/
Que tem a inspiração pura e perfeita/ Que reúne num verso a imensidade!”
(Vaidade, Livro de mágoas).
No fundo desejava a adoração, o aplauso, o reconhecimento como
artista mesmo mostrando-se muitas vezes desdenhosa e indiferente. Sempre
lutou ferinamente para ver seus livros publicados e ter seus versos
reconhecidos.
Adora a condição de poetisa considerando-se um ser a parte e
totalmente diferenciada graças ao seu dom. Faz da vocação mais um dos
motivos para sustentar a ideia de seu viver diferenciado.
Acreditava na superioridade de destino dos poetas “Ser poeta é ser mais
alto, é ser maior”. (Ser Poeta, Charneca em Flor). Para Florbela o poeta era
alguém inspirado, elevado, acima dos mortais.
O poeta é aquele que aspira constantemente às belezas supremas e
ideias, mas não consegue alcançá-las – “É ter mil desejos de esplendor / E não
ter sequer o que se deseja.” (Ser Poeta, Charneca em Flor).
Em contradição ao que desejava e acreditava como artista teve em seus
versos alvo para as mais duras condenações daquela sociedade patriarcal.
Sua escrita foi muitas das vezes comparada a de poetisas de salão que
proliferavam no momento. Alguns de seus contemporâneos julgavam seus
versos patéticos, pobres e previsíveis em rimas, verdadeira ladainha de mulher
problemática e frutos da futilidade de um mundo burguês. Outros consideravam
um despautério pelas conotações sexuais, acusando-a de mulher sedutora e
demoníaca.
Seus versos sofriam todo o tipo de alteração quando publicados. Por
vezes perdiam-se até as rimas devido às tamanhas alterações sofridas o que
lhe provocava revolta e desgosto.
A dificuldade de enquadra-la potencialmente a certo tipo de cânone
estético também gerou um grave problema ao seu reconhecimento. É como se
sofresse de uma marginalidade por estar à parte.
Aliado a tudo isto a figura de mito criada em torno da poetisa gerou pós
e contras a sua própria obra. Sua personalidade incomum, e sua vida particular
tumultuada foram ao longo dos anos mais discutidas que sua própria escrita.
Em vida Florbela só viu publicado dois dos seus livros: o Livro de
Mágoas em junho de 1919 e livro de Sóror Saudade em janeiro de 1923. O
restante de sua obra foi reunida em coletâneas entregues ao professor e
grande amigo particular Guido Batelli que as publicou postumamente. Ainda
escreveu contos, uma enorme quantidade de epístolas e um diário o Diário do
Último ano.
Decerto o que se pode ter ao estudar Florbela é a convicção de que ao
contrário do que os detratores daquela sociedade profanaram sua poesia não é
em nada simplória ou imoral. Seus versos constituíram um verdadeiro diário
íntimo de uma mulher que ora mostrava-se sensível e doce, ora ousada e
impetuosa.
Vestiu-se e metaforseou-se de forma teatral como Princesa, Sóror,
Monja, Maria das Quimeras dissimulando sua verdadeira condição na
sociedade e mergulhando em sua escrita.
Apesar de todo furor que Florbela ocasiona até os dias de hoje, é
preciso atentar para o fato de que ela não foi a primeira voz lírica feminina a
chamar a atenção em Portugal. Desde Sóror Mariana Alcoforado a poetisas
como Virginia Victorino, muitas vozes ecoaram, contudo nenhuma que
causasse tamanho impacto como a da poetisa Florbela Espanca. Constitui um
caso de poeta lírico acabado por não apresentar fingimento no seu sentir já que
toda sua obra foi fruto de sua verdadeira emoção.
4. A PROCURA DESENFREADA PELO AMOR IDEAL EM
FLORBELA
“Eu quero amar, amar pedidamente”
4.1 A importância dos homens na vida de Florbela
Estudando a fundo sua vida presenciamos uma forte influência dos
homens a começar pelos de sua família. Encontramos uma semelhança
incrível de temperamento entre Florbela e seu pai João Maria Espanca. Este
parece ter influenciado de forma profunda a personalidade da filha.
João teve um comportamento Don Juanesco, um caráter pioneiro e uma
atitude de quebra de regras. Num Portugal monárquico, era republicano e por
isso perseguido. Viajou pelo mundo em busca de diversas aventuras. Era
empreendedor e autodidata homem totalmente despido de preconceitos.
Viveu suas paixões sem se importar com o que diziam. Ainda casado
manteve duas relações de concubinato. Divorciou-se numa época em que o
divórcio era raro e completamente mal visto casando-se novamente.
Tudo isto nos leva a crer que Florbela em muito reproduziu o
comportamento do pai. É também sabida a adoração desmedida que ela
possuiu por este homem perdoando todos os seus deslizes e defendendo seu
comportamento ferozmente.
Da família surge também o maior de seus sentimentos: o amor por
Apeles Espanca seu irmão. Apeles sempre foi a pessoa mais próxima de Flor,
seu maior confidente e amigo. Numa extrema cumplicidade confessou-lhe
todas as suas amarguras.
A relação era tão forte que chegou a gerar boatos de incesto, mas nada
que foi comprovado até os dias de hoje. Apeles era na verdade aquele com
quem mais se afinava intelectualmente. Era quem lhe dava forças para
continuar toda vez que se questionava ou vacilava.
Florbela vivia em carinhos e cuidados extremados pelo irmão, agia
como uma mãe protegendo seu bem mais precioso - “Tua irmã...teu amor...e
tua amiga/E também toda em flor, a tua filha,/Minha roseira brava que é só
minha!” (Roseira brava, Reliquiae)
A angústia toma conta quando Apeles resolve tirar o curso de aviador.
Era como se já pressentisse a desgraça que se abateria em breve sobre os
Espancas. Em 6 de Junho de 1927 morre Apeles aos 30 anos de idade vítima
da queda do hidroavião que pilotava no rio Tejo. Florbela desespera-se: “(...)
Eu choro o meu maior amor, o meu orgulho, metade da minha alma. (...) É uma
sombra de luto que nunca poderá deixar-nos.’’ (Acerca de Florbela, p.66)
Dilacerada em sua dor veste-se de luto até o fim dos seus dias. Essa é
uma perda da qual jamais se verá curada. Dedica o livro de contos Máscaras
do Destino ao irmão: “Ao meu irmão, ao meu querido morto”.
Na história de Florbela é mais do que necessário dar também destaque
aos homens por quem foi apaixonada. Deve-se muito a eles na produção de
seus mais belos versos.
Ainda jovem sente a fagulha da paixão. O escolhido é Manuel Maria
Matroco jovem que sempre a acompanhava a Biblioteca Pública de Évora -
“Amei um dia... um dia... eu já nem sei!. (...) Há quanto tempo foi que assim
amei... E esse amor foi rir!... Tinha talvez quinze anos, quinze apenas” (Acerca
de Florbela, p. 33)
Já no ano seguinte surge com uma nova paixão que assume
oficialmente. O escolhido é Alberto Moutinho com que já se relacionava ás
escondidas. Ainda no mesmo ano envolve-se com outro rapaz a quem dá nas
cartas o nome de “José”, rompendo com Moutinho por esse motivo.
Apaixonada por José troca correspondência quase que diariamente, mas
a paixão logo se consome, o que a deixa transtornada. Confessa nunca se
refazer dessa perda: “Fizeram-se ruínas todas as minhas ilusões, e, como
todos os corações verdadeiramente sinceros e meigos, despedaçou-se o meu
para sempre.” (Acerca de Florbela pag.36).
Alberto Moutinho a quer de volta e Florbela aceita. Pede ao pai para se
casar o mais rápido possível. O pai a emancipa casando-se assim em
dezembro de 1913 no dia do seu aniversário de 19 anos.
É durante esse casamento que vive o período mais intenso de produção
literária - “É só teu o meu livro; guarda-o bem/ Nele floresce o nosso casto
amor/ Nascido nesse dia em que o destino/ Uniu o teu olhar á minha dor!”
(Acerca de Florbela pág. 38)
A distância da família, as dificuldades econômicas entre outros
problemas desgastam a relação. Engravida de Moutinho, mas sofre um aborto
espontâneo o que precipita o fim da relação. Desentendendo-se com o marido,
abandona a casa e vai para Lisboa matricular-se na faculdade de Direito.
Em 1920 arrebenta um novo amor. Numa festa conhece o oficial
Antonio Guimarães por quem se apaixona perdidamente. Vai morar com este
estando ainda casada com Alberto que quando descobre fica irado e pede
divórcio imediato.
A cumplicidade sexual nesse casamento parece extrema. Florbela esta
em êxtase e volta-se novamente para a poesia – “Minh’ alma de sonhar-te,
anda perdida/ Meus olhos andam cegos de te ver/ Não é sequer a razão do
meu viver/ Pois que tu és já toda minha vida!” (Fanatismo, livro de Sóror
saudade).
Declara-se constantemente ao novo amor, mas António jamais
compreenderá a alma sensível da mulher devido a educação militar e machista
Com o tempo passa a surrar e humilhar a esposa. Em 1922 arrebenta um
escândalo entre António e o médico Mário Lage por ciúmes de Florbela.
Florbela engravida novamente, mas acaba sofrendo seu segundo aborto
o que debilita ainda mais sua saúde fragilizada. Sai de casa para se tratar. É o
fim do segundo casamento.
Fraca, deprimida e cada vez mais doente encontra consolo nos braços
do amigo e médico Mario Lage. Logo se apaixona. António entra com a ação
de divórcio acusando-a de abandono de lar.
Divorciada, casa-se com Mário contra a vontade da família do noivo em
outubro de 1925. Parece reencontrar o sossego nessa relação a princípio, mas
o relacionamento se degrada rapidamente. Descobre verdades sobre o marido
o que abala ainda mais sua saúde que já se encontra num estado deplorável.
Ainda insiste na sua busca apaixonando-se pelo pianista Luis Maria
Cabral, mas não é correspondida desistindo finalmente - “É vão o amor, o ódio,
ou o desdém/ Inútil o desejo e o sentimento.../ Lançar um grande amor aos pés
d’alguém/ O mesmo que lançar flores ao vento!” (A vida, Livro se Sóror
Saudade).
4.2 Amor fonte de prazer e de dor
De todas as suas idealizações a do amor foi possivelmente a que
norteou toda sua breve existência. Viveu quase que exclusivamente dos seus
dramas amorosos. O amor foi sua maior fonte prazer e sua maior tragédia.
Foi ordenada pelo destino a encontrar esse amor ideal e assim
obedeceu. Amar e sentir-se amada tornou-se questão vital, saiu pela vida para
cumprir seu papel numa procura quase insana - “O meu Destino disse-me a
chorar:/ "Pela estrada da Vida vai andando,/ E, aos que vires passar,
interrogando/ Acerca do Amor, que hás-de encontrar." (Em busca do amor,
Livro de Mágoas).
Se estava em busca de um absoluto, esse provavelmente encontrava-se
no amor. Este era a força motriz de seu querer. Esperou o seu príncipe, o
homem ideal que a faria encontrar a plenitude que ansiava e corroia-lhe os
nervos – “Onde está ele o Desejado? O Infante?/ O que há de vir e amar-me
em doida ardência?/ O das horas de mágoa e penitência?/ O Príncipe
Encantado? O Eleito? O Amante?”(Sonho Vago, Charneca em Flor)
Desejava fundir-se no ser amado. Entrega seu corpo e sua alma num
espécie de prazer panteísta. Profundamente sedutora e voluptuosa deseja o
carpe diem erótico, clama ao ser amado essa entrega total – “Meu amor! Meu
amante! Meu amigo!/ Colhe a hora que passa, hora divina,/ Bebe-a dentro de
mim, bebe-a comigo!/” (Passeio no campo, Charneca em Flor)
Usa de toda sua beleza e charme na conquista – “Foi dos meus olhos
garços que um pintor/ Tirou a luz para pintar o vento....” (Conto de fadas,
Charneca em Flor). Quer abandonar-se no ser amado, dar tudo a ele e coloca
suas pretensões no papel. Seus versos foram na certeza a sua arma de
sedução mais poderosa, onde prestou quase que uma vassalagem amorosa –
“Dou-te o que tenho: o astro que dormita,/ O manto dos crepúsculos da tarde,
O sol que é de oiro, a onda que palpita.” (Conto de fadas, Charneca em Flor).
Numa procura indefinida e desenfreada pelo objeto amoroso
decepciona-se constantemente. Este era sempre incompleto o que fazia com
que perdesse o interesse e sofresse sempre uma nova desilusão. Não se
conformando com as imperfeições humanas ansiava um deus, alguém acima
do real. Nenhum homem estaria à altura do que desejava – “O amor dum
homem terra tão pisada,/ Gota de chuva ao vento baloiçada.../ Um homem?-
Quando eu sonho o amor dum Deus!” (Ambiciosa, Charneca em Flor)
Insaciável e incrivelmente donjuanesca perde-se nos excessos que a
levaram a uma verdadeira obsessão amorosa. Procurou nos relacionamentos
frustrados a satisfação que nunca conheceu dedicando-se a homens que
jamais compreenderam seu espírito. Amou-os e desprezou-os na mesma
intensidade.
Apesar de questionar constantemente o casamento e muitas das vezes
tachá-lo como uma prisão e uma violência contra mulher, é preciso lembrar que
se casou por três vezes, talvez querendo provar a si mesma o contrário do que
dizia. No fundo parecia necessitar ter uma família, uma vida normal, um lar
onde pudesse encontrar seu sossego e sua plenitude - “Onde está ela, Amor, a
nossa casa,/ O bem que neste mundo mais invejo?/ O brando ninho aonde o
nosso beijo/ Será mais puro e doce que uma asa?” ( A Nossa Casa, Charneca
em Flor)
Mas o destino de Florbela estava traçado. Sua alma exigente não
encontra quem corresponda as suas altas idealizações amorosas. Dedicou
toda a vida a paixões arrebatadoras e ao esquecimento das mesmas – “Passei
a vida a amar e a esquecer…/ Um sol a apagar-se e outro a acender/ Nas
brumas dos atalhos por onde ando…” (Inconstância, Livro de Sóror Saudade)
Desfazendo-se continuamente seus amores, Florbela se desintegra,
perde o chão, o viço, a vontade de viver. Vira uma flor infelicitada e sem
identidade. Por fim desiste dessa busca a fim de evitar perdas ainda maiores.
Deprimida e desiludida Florbela finalmente desiste do sonho e da embriaguez
do amor –“Beijos de amor! Pra quê?!... Tristes vaidades!/ Sonhos que logo são
realidades/ Que nos deixam a alma como morta!” (Pra que?!, Livro de Mágoas).
5. O NÃO ENCONTRO DO IDEAL
“Acordo do meu sonho e não sou nada”
5.1 Florbela acorda do sonho
Ao longo dos anos Florbela sofrera uma série de revezes que a
abateram em profundo. A princípio egocêntrica e altiva, tornar-se com o tempo
uma mulher tristonha e abatida, isolada e ao mesmo tempo perseguida por
uma sociedade que não compreende o seu sofrimento. Sente-se como que
cumprindo uma pena por existir.
Vive a dolorosa frustração da maternidade por duas vezes deixando
marcas que jamais cicatrizam. O corpo frágil e debilitado por uma série de
enfermidades jamais conseguiria levar uma gravidez adiante.
Sofre a perda de Apeles, seu maior amor, ficando sem leme e sem
direção. Perde a sua muleta espiritual, aquele que a mantinha de pé em todos
os momentos. Depois da morte do irmão começam as tentativas de suicídio.
Tem a sua escrita ridicularizada e rejeitada por muitos críticos o que faz
com que comece a questionar e rever o seu próprio talento que tanto prezava.
Passa a sentir-se incapaz de encontrar o verso puro. Perde a vontade de
escrever para sempre.
Congregado a tudo isto, jamais encontra o amor que tanto procurou
terminando seus infelizes dias no mais profundo vazio sentimental. Julga que
jamais tenha sido amada de verdade – “Procurei o amor que me mentiu/
Pedi à Vida mais do que ela dava./ Eterna sonhadora edificava/ Meu castelo de
luz que me caiu!” (Inconstância, Livro de Sóror Saudade)
Perdendo seus ideais, é tomada de uma insatisfação geral. Já não pode
sustentar suas pretensões e ambições grandiosas – “Sou um verme que um
dia quis ser astro... / Uma estátua truncada de alabastro.../ Uma chaga
sangrenta do Senhor...” ( Minha culpa, Charneca em Flor).
A neurastenia com fortes doses de histerismo instala-se de vez nos
nervos fracos - “Sinto os passos de Dor, essa cadência/ Que é já tortura
infinda, que é demência!/ Que é já vontade doida de gritar!” ( Sem remédio ,
Livro de Mágoas)
A apendicite já impede sua alimentação e a doença dos pulmões a deixa
cada vez mais fraca. Vive a base de remédios para dormir, pois a insônia a
tortura constantemente. Passa a fumar compulsivamente. Florbela vegeta mais
do que vive.
Passa a escrever um diário onde desabafa suas amarguras. Quando
tudo lhe parece negado, passa a negar tudo ao mundo. Premedita seu fim
próximo:
(...) Viverei um terço do que poderia viver porque todas as
pedras me ferem, todos os espinhos me laceram. D. Quixote
sem crenças nem ilusões, batalho constantemente por um ideal
que não existe; e esta constante exaltação, destrambelha-me
os nervos e mata-me. (Acerca de Florbela, p.77)
A insatisfação é geral. Cansada da má sorte deseja à morte, aquela
morte transfiguradora, a única capaz de dar-lhe o esperado alento. Dias antes
de morrer convida a amiga Aurora Jardim para um chá e mostra uma gaveta
onde diz estar o veneno que a fará adormecer para sempre. Há outras amigas
desabafa que dará um presente a si própria no dia do aniversário.
Parece cumprir o que dizia. Florbela é encontrada morta em oito de
dezembro de 1930, dia em que completaria 36 anos de idade. Os fracos de
remédios para dormir encontrados em seu quarto dão pistas de suicídio. Na
versão oficial Florbela morre de “edema pulmonar”.
Suicídio? Talvez. O que se pode ter em mente é que mesmo que o
tenha cometido foi por uma tentativa de antecipar o que logo iria ocorrer, basta
lembrar-se de todas as doenças, da impossibilidade de alimentação entre
tantos outros problemas que Florbela apresentava no fim dos seus dias. Era a
morte a sua real e total libertação para o que desejava – “Deixai entrar a Morte,
a Iluminada,/ A que vem pra mim, pra me levar/ Abri todas as portas par em
par/ Como asas a bater em revoada.” (Deixai entrar a Morte, Reliquiae). E
assim Florbela nos deixa.
CONCLUSÃO
Tentamos ao longo deste trabalho mostrar Florbela Espanca de forma
imparcial desvendando a alma desta poetisa que antes de artista era um ser
humano repleto de defeitos e virtudes.
Foi realmente um ser superior, não por se considerar assim no seu
egotismo inato que a princípio possam dar a impressão de um caráter pedante
aos que poucos lhe conhecem, e sim por ser em verdade uma mulher única e
profundamente especial. Sempre teve uma forte consciência disto por toda vida
apesar do deterioramento que sofreu por sua breve existência.
Florbela assim como tantos outros poetas viveu a buscar e ambicionar
um ideal que pressentia. Exprimiu como ninguém essa procura, esse
interminável desejo e aflição provocados por toda a sorte de decepções e
desilusões à medida que o que parecia finalmente encontrado caía mais uma
vez por terra. Na certeza essa busca foi o que norteou sua vida. Quando perde
essa vontade perde a sede de viver.
Florbela buscou por toda a existência principalmente ao amor,
constituindo-se como seu principal ideal, fonte de vida e verdade, alimento e
chaga que a mantinha viva.
Veio ao mundo com uma missão e um fardo, e com a disposição para
vivê-los de forma intensa jogando-se sem amarras e como desbravadora
conquistando e abandonando o que era conquistado quando isto já não lhe
proporcionava o prazer, o êxtase inicial, a satisfação e completude que tanto
cobiçava.
Foi uma verdadeira flor no canteiro de Portugal, uma flor que se perdeu
por nunca conseguir se encontrar, por nunca alcançar o que era dela, por
habitar uma terra infértil aos seus ideais elevados.
Uma frágil e grandiosa flor que um dia secou em sua charneca, mas que
nem por isso deixou de exalar seu doce perfume e de imprimir sua rara beleza.
Uma flor que na certeza deixou sua raiz fincada para todo o sempre.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SILVA, Paulo Neves da. Citações e Pensamentos de Florbela Espanca. Casa
das Letras. 2011.
PAIVA, José Rodrigues de. Estudos sobre Florbela Espanca. Associação de
estudos Portugueses. 1995.
ESPANCA, Florbela. Sonetos de Florbela Espanca. Ed. Martin Claret. 2002.
MASSAUD, Moisés. A Literatura Portuguesa. Ed. Cultrix. 2008.
JUNQUEIRA, Renata Soares. Florbela Espanca uma Estética da Teatralidade.
Ed. Unesp. 2003.
GUEDES, Rui. Acerca de Florbela Ed. Publicações Dom Quixote. 1986.
FARRA, Maria Lúcia Dal. Afinado Desconcerto. Coleção Vera Cruz. Ed.
Iluminuras. São Paulo. 2002.
ESPANCA, Florbela. A mensageira das violetas: antologia. Seleção e edição
de Sergio Faraco. Porto Alegre: L&PM, 1999. (Pocket).

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  • 1. FACULDADES INTEGRADAS SIMONSEN Fernanda Lancelota Pantoja Tomé da Silva Matrícula: 201010390 A eterna busca do Ideal em Florbela Espanca Rio de Janeiro 2012 /5° semestre
  • 2. Fernanda Lancelota Pantoja Tomé da Silva Matrícula: 201010390 A eterna busca do Ideal em Florbela Espanca Trabalho apresentado ao Professor José Augusto Brasil como requisito parcial para a aprovação na disciplina Trabalho de Conclusão de Curso Rio de Janeiro 2012 /5° semestre
  • 3. Primeiro a Deus porque sem ele nada disto seria possível. Aos meus pais pela batalha incansável, responsáveis por tudo que tenho e tudo o que sou, verdadeiro sustento para o meu corpo e meu espírito.
  • 4. AGRADECIMENTOS Ao querido mestre e orientador José Augusto Brasil pela paciência, compreensão, carinho e amizade dispensados por todo o percurso acadêmico. Ao grande mestre Florêncio Pinto da Rosa por ter sido mais que um professor tornando-se um verdadeiro pai, amigo leal em todos os momentos.
  • 5. SUMÁRIO INTRODUÇÃO................................................................................01 1. PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUESTÃO DO IDEAL 1.1 O idealismo e os poetas.........................................................03 1.2 O ideal em Florbela Espanca.................................................04 2. A BUSCA DE FLORBELA POR UM LUGAR IDEAL NO MUNDO “O mundo quer-me mal porque ninguém tem asas como eu tenho.” 2.1 Breve biografia.......................................................................08 2.2 Florbela buscando por seu lugar e as detratações da sociedade portuguesa............................................................11 3. O IDEAL NA ESCRITA “ Sonho que um verso meu tem claridade para encher todo o mundo!” 3.1 Traços estéticos e influências..............................................14 3.2 Florbela poetisa......................................................................17 4. A BUSCA DESENFREADA PELO AMOR IDEAL “Eu quero amar, amar pedidamente” 4.1 A importância dos homens na vida de Florbela.................20 4.2 Amor fonte de prazer e de dor .............................................25 5. O NÃO ENCONTRO DO IDEAL “Acordo do meu sonho e não sou nada” 5.1 Florbela acorda do sonho.....................................................28 CONCLUSÃO................................................................................31
  • 6. INTRODUÇÃO Evoco e lembro a linda labareda A Florbela sem par Que só depois de morta e entre ranger de dentes Foi coroada rainha (MATIAS, 1998, P.232) Florbela Espanca é uma das personalidades poéticas mais importantes e fascinantes de todos os tempos da Literatura Portuguesa. Poetisa da virada do século XX viveu numa das épocas de maior efervescência cultural: O Período Modernista. Contudo foi dona de uma singularidade a toda prova escapando das influências do contexto. É dona de uma obra profundamente individualista inteiramente marcada por suas experiências pessoais. Surge desta forma, totalmente desvinculada de preocupações de cunho social ou humanitário. O eu sobressai de forma soberana na construção de uma poesia viva e bastante peculiar. Foi refém de sua própria inquietação constante. Seus pensamentos arrebatadores, sua alma audaciosa e sedutora, eclodiram em versos confessionais impregnados do mais puro sentimento de mulher idealizadora. Revelou os mais íntimos segredos do eu lírico feminino na poesia portuguesa. Presenciamos ao estudar sua obra uma enorme presença de espírito e uma poesia de rara beleza que em nada é vulgar ou comum. Foi a perseguidora do ideal acima de todas as coisas. Nada nunca lhe bastou ou satisfez. Ela própria não cabia em si, transbordava.
  • 7. E a imensidão que buscava, a insaciabilidade que lhe tomava não poderia prender-se, tinha de ser continuamente buscada e assim foi. O presente trabalho vem abordar os processos de conflitos, inadequações, anseios, insatisfações e buscas incessantes devido as idealizações de Florbela Espanca em sua vida e obra. Para o nosso trabalho utilizaremos de sua fortuna crítica disponível e quatro de seus livros de sonetos: Reliquiae, Livro de Mágoas, Charneca em flor e Livro de Sóror Saudade. Dividimos a busca do ideal em Florbela da seguinte forma: a primeira abordará a própria questão do ideal sendo feitas algumas considerações sobre o assunto. A segunda tratará da vida pessoal da escritora. A terceira nos levará a perseguição do ideal na vida literária, e a quarta a mais dolorosa e intensa, a da busca do ideal que se deu em sua vida amorosa. Finalizaremos num quinto capitulo que abordará a questão da perda do ideal após esses processos anteriores onde teremos a nossa conclusão do assunto estudado. Através de seus versos e de suas citações viajaremos e nos entregaremos a um palco de intensos sentimentos e emoções que só poucos são capazes de experimentar nos dias atuais. Sairemos do senso comum e penetraremos numa dimensão nova para navegar neste espírito insaciável repleto de sonhos e sensações que viveu numa avidez desenfreada a fim de encontrar a sua felicidade.
  • 8. 1. PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A QUESTÃO DO IDEAL 1.1 O idealismo e os poetas “Recebi o batismo dos poetas/ E assentado sobre as formas incompletas/ Para sempre fiquei pálido e triste.” Assim diziam os últimos versos do soneto Tormento do Ideal do poeta Antero de Quental patrício de Florbela Espanca e uma de suas maiores influências literárias. Divagava este a respeito da dor causada pela aspiração ou inspiração de um ideal em contraste com o mundo em que vivia. Antero nos fala da beleza que não morre: “Conheci a Beleza que não morre” remetendo ao conceito filosófico da palavra beleza, exprimindo assim que obteve contato com uma beleza que transcende o físico e o palpável. Esta seria a perfeição, o mundo imutável não mais sujeito as vicissitudes, as mudanças e nem as desintegrações de todas as coisas através dos tempos. Afirma que ficou triste por conhecê-la porque agora a compara as belezas efêmeras do mundo que habita que com o tempo perdem a cor e não possuem correspondência com o ideal. Daí a agonia existencial do poeta que se frustra por encontrar a sua volta somente cópias imperfeitas, reflexos ilusórios, verdadeiras sombras daquilo a que teve acesso em seu íntimo. Tocado por essa revelação tornou-se angustiado pelo desejo de possuir a perfeição que vislumbrou. Sua alma sensível e sedenta da plenitude conclui
  • 9. que sempre será triste, apático, porque possui dentro de si o quimérico, mas não consegue alcançá-lo e muito menos despertá-lo na alma das outras pessoas. Desesperado quer demonstrar e descrever o que sente, mas no fundo se julga incapaz de conseguir. Nesse contexto o que dizer de todos os poetas, não seriam estes assim como Antero, almas capazes de enxergar além das sombras, das “formas incompletas” entrando em contato com o que consideram ser o perfeito e o ideal? Não seria este o principal motivo da agonia existencial que levou a maioria ao desespero, a insatisfação, a tristeza e a uma busca desenfreada, porém uma busca em vão perante uma realidade que no fundo sentiam que não era deles? Seria este o verdadeiro batismo dos poetas, ver além e aquém e sofrer por não poder viver nessa outra realidade? São estes os questionamentos que nos faremos agora. 1. 2 O ideal em Florbela Florbela Espanca assim como seus irmãos na dor sofreu por toda a vida a aflição inerente a essa busca pela qual as almas mais sensíveis passam. Ela própria nos diz sobre isto em correspondência:
  • 10. Às vezes sinto em mim uma elevação de alma, o voo translúcido duma emoção em que pressinto um pouco do segredo da suprema e eterna beleza; esqueço a minha miserável condição humana, e sinto-me nobre e grande como um morto. (Citações e pensamentos de Florbela Espanca, p.14) A sede de infinito em Florbela era algo constante. Refletindo esta agonia de encontrar seu lugar refere-se constantemente a outros planos, ambientes ideias, outras vidas, tempos ditosos em que possuía uma existência tranquila e venturosa. Desprendendo sua alma, alcança visões extraordinárias de seu íntimo - “Se me ponho a cismar em outras eras/ Em que ri e cantei, em que era querida,/ Parece-me que foi noutras esferas, / Parece-me que foi numa outra vida... ” ( Lágrimas ocultas, Livro de mágoas). Florbela é a “filha das regiões imaginárias”, esta além deste mundo, não pertence a esse lugar. O seu olhar carrega visões fantásticas a que somente ela tem acesso e vislumbra. Esta sempre a sonhar, imaginar, a sair de um plano consciente ao encontro de algo maior, numa espécie de êxtase - “Trago no olhar visões extraordinárias/ De coisas que abracei de olhos fechados…’’ (Pobrezinha, Reliquiae). É uma “pária”, uma excluída, exilada de seu verdadeiro mundo e deserdada como os astros que estão a pairar no infinito – “Em mim não trago nada, como os párias…/ Só tenho os astros, como os deserdados…” (Pobrezinha Reliquiae).
  • 11. A dúvida constantemente assombra seu ser, pois não tem a certeza plena se o que sente é real ou imaginário, permanecendo entre a mentira e a verdade numa inquietude que gera um verdadeiro tormento - “Não sei se esta quimera que me assombra,/ É feita de mentira ou de verdade!”. (Nostalgia, Livro de Mágoas). Não sabe se estas sensações são fruto da saudade ou de um querer utópico. É a herdeira de um reino quimérico. Deseja voltar e reencontrar tudo o que viu, mas não sabe como chegou aqui, nem como retornar para lá. Diz-se uma sombra numa repetida demonstração de ideias vagas onde o real e o irreal se misturam e onde nunca existirá definição completa - “Quero voltar! Não sei por onde vim... / Ah! Não ser mais que a sombra duma sombra / Por entre tanta sombra igual a mim! “ (Nostalgia, Livro de Mágoas) Percebemos uma entrega constante ao vago e ao indefinido. Florbela esta sempre dividida entre a realidade e sonho. A sua alma se revela sedenta por esses lugares ideais de felicidade plena que ela assegura conhecer. A sua real libertação se da através de um plano abstrato: (...) há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que eu nem mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessoa; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que não se sente bem onde está, que tem saudade… sei lá de quê! (Citações e pensamentos de Florbela Espanca, p.14)
  • 12. Florbela vive algo maior, não pode habitar um só corpo, uma só alma, a limitação fere sua essência. Esta constante exaltação é a vontade de libertar-se das cadeias estreitas em que julga viver. Vive numa intensa catalisação de emoções que transbordam continuamente. Habita o fantástico, estende sua consciência a tal ponto que sente penetrar outros patamares. Pressente estes lugares perfeitos, mas não pode habitá-los completamente, pois esta presa às amarras desse mundo. Tem uma saudade e um vazio constante. No fundo não compreende e não suporta o mundo que em que vive por este não corresponder aos seus desejos e as suas aspirações grandiosas. Quanto maiores as imperfeições deste mundo, quanto maior entendimento destas em contrapartida nascia maiores ideais para ela - “Só é grande e perfeito o que nos vem/ Do que em nós é Divino e imortal!/ Cega de luz e tonta de ideal/ Busca em ti a Verdade e em mais ninguém!" (O que alguém disse, Livro de Sóror Saudade) Foi com perfeição que descreveu a si própria em correspondência do ano de 1920: Dizes contentar-te com pouco; é essa, na realidade, a suprema sabedoria, mas eu fui sempre a grande revoltada e a grande ambiciosa que só quer a felicidade quando ela seja como um turbilhão que dê vertigem e que deslumbre!”(Citações e pensamentos de Florbela Espanca, p.22)
  • 13. 2. A BUSCA DE FLORBELA POR UM LUGAR IDEAL NO MUNDO “O mundo quer-me mal porque ninguém tem asas como eu tenho.” 2.1 Breve biografia Florbela Espanca desde seu nascimento já dava mostras que vinha ao mundo repleta de singularidades. Nasce a oito de dezembro de 1894, em Vila Viçosa, Portugal, na alta madrugada do dia de Nossa senhora da Conceição padroeira do país. Dizem à mãe que a menina é uma flor e esta responde que assim se chamará Flor Bela. Tudo parece normal até descobrirmos o fato de que Florbela não fora gerada de forma comum. Seu pai João Maria Espanca era casado com a jovem Mariana Inglesa, porém esta era infértil. Valendo-se de sua sagacidade natural convence a esposa a aceitar a antiga prática medieval de conceber com uma mulher humilde o filho que deseja para depois trazê-lo para casa e cria-lo. Mariana aceita a proposta do marido que escolhe a formosa e humilde Antónia Lobo uma das moças mais cortejadas da vila. Logo a engravida. Apesar de tudo ocorrer conforme o planejado João Maria Espanca curiosamente não registra a filha permitindo que esta seja batizada como Florbela Lobo filha de pai incógnito, coisa que possivelmente possa ter contribuído para os problemas psicológicos e psíquicos da menina no futuro.
  • 14. Florbela vai viver na casa do pai sendo criada por ele e Mariana, que além de madrasta é também madrinha, numa existência sem preocupações repleta de zelos e mimos. No ano de 1897, João Maria tem outro filho com Antónia o qual dá o nome de Apeles. Mais uma vez o processo se repete sendo o menino também registrado como filho de pai incógnito. Desde cedo Florbela mostra-se sensível e diferente. Voltada para o anímico sustenta sentimentos incomuns ao mundo infantil. Exibe uma permanente amargura e uma intrínseca necessidade de escrever. Queixa-se ao pai dizendo que as coisas do mundo a ferem e entristecem. Refugia-se na natureza, na sua charneca alentejana. Aos oito anos dando mostras de sua precocidade artística escreve o seu primeiro poema: “A vida e a morte” que data do dia 11 de novembro de 1903. No dia seguinte, escreve seu primeiro soneto ainda sem titulo que começa com a frase: ”A bondade o som de Deus”, não nos deixando pistas de com quem teria aprendido essa forma estética. Por vontade do pai, homem de espírito avançado, frequenta desde cedo a escola primária coisa bastante incomum as meninas da época em Portugal. Assim que começa a escrever passa a assinar Florbela d’Alma da Conceição Espanca abandonando por completo o sobrenome da mãe biológica.
  • 15. Continua seus estudos no Liceu de Évora o que não agrada nem mesmo aos professores do local devido ao acesso da mulher no ensino secundário ser mal visto na época. Não é uma aluna brilhante, mas em contrapartida, uma grande devoradora de obras literárias. Cedo começa também a dar pistas da doença que a atormentaria para o resto da vida: a neurastenia. Com idade de 11 anos sofre de fadiga e dores de cabeça constantes o que atrapalhava seus estudos. Aos 13 anos fica órfã da mãe biológica que morre aos 29 anos vítima de neurose. Aos 14 começa a apresentar a doença dos pulmões da qual jamais se verá curada. Apesar da saúde frágil segue seu caminho e é no colégio que conhece o primeiro marido, Alberto Moutinho, casando-se com a permissão do pai aos 19 anos de idade. O casamento com Moutinho dura poucos anos. . Casa-se novamente em 1921 com o oficial António Guimarães. Este casamento se consome ainda mais rápido que o primeiro. O pai e o irmão cortam relações com Florbela nesta época por considerar seu comportamento inadequado o que a entristece em profundo. Ainda casa-se uma terceira vez com seu próprio médico o doutor Mario Lage, no ano de 1925, retomando assim a relação com a família, mas este casamento também estará fadado ao insucesso.
  • 16. Por todo esse tempo não deixou de estudar e manteve uma intensa atividade literária. Não só escreveu livros, mas também colaborou em revistas, escreveu artigos, fez diversas traduções e ainda lecionou em casa. Quando entrou para o curso superior escolheu a cadeira do Direito contrariando o que todos deduziam que ela fosse seguir: a de Letras. Por todos os anos de sua vida manteve com o irmão Apeles uma relação estreita e muito íntima. A morte prematura de Apeles aos 30 anos de idade foi o principal choque de sua vida e o que precipitou a sua própria morte. Debilitada, doente, fumando compulsivamente e dependente de remédios para dormir, Florbela é encontrada morta no dia 8 de dezembro de 1930 junto a frascos de Veronal, um poderoso barbitúrico. Neste dia completaria 36 anos de idade. Devido às condições em que seu deu sua morte até hoje é questionada e discutida. 2.2 Florbela buscando por seu lugar e as detratações da sociedade Portuguesa Desde pequena Florbela demonstrou um comportamento de altivez que incomodou a muitos. Recusando-se ao recato e a clausura que a situação de filha ilegítima exigia na época. Mostrou-se e ostentou principalmente em vestimentas. Foi a principal modelo de fotografia do seu pai.
  • 17. Buscou sempre por lugares altos, tinha a sede da conquista. Idealizando a si própria, considerou-se por toda a vida um ser especial. Desejou outro papel no mundo recusando o de mulher submissa que o salazarismo estabelecia naquele tempo. Lutou por tudo o que quis. Enxergou as outras mulheres como verdadeiros animais por sujeitarem- se aos caprichos e regras de uma sociedade que considerava ultrapassada e hipócrita. Em vida desprezou as duas mães por não entender suas fraquezas de caráter e submissão. Ansiava a independência principalmente com relação ao casamento. Considerou-se acima das outras mulheres por ser sensitiva. Nasceu definitivamente fora do seu tempo. De temperamento singular chocou a muitos. Embaixo da carapaça de altivez sentia-se incompreendida, inquieta por habitar um mundo que não correspondia as suas altas aspirações, um mundo no qual não se encaixava - “És ano que não tem primavera.../Ah! Não seres como as outras raparigas/ ó Princesa Encantada da Quimera!...” (O que tu és, Livro de Sóror Saudade) . Sofreu toda uma crítica ferina sendo bastante estigmatizada até mesmo por outras mulheres que a acusaram de ser somente um modelo de fotografia, uma coquete frívola e alienada das causas sociais. Manteve-se constantemente alheia desprezando aqueles que não acompanhavam a sua grandeza de espírito.
  • 18. Foi a princesa deslocada, a princesa de asas, que recebeu como castigou a convivência entre uma plebe que a martirizou e desprezou - “O mundo quer-me mal porque ninguém/ Tem asas como eu tenho! Porque Deus/Me fez nascer Princesa entre plebeus/ Numa torre de orgulho e de desdém ” (Versos de orgulho, Charneca em Flor). O seu reino é nas alturas o seu olhar carrega as grandezas dos céus. É uma exaltada, uma cultuadora de si própria – “Mais alto, sim! Mais alto! A intangível/ Turris Ebúrnea erguida nos espaços,/A rutilante luz dum impossível!’( Mais alto, Charneca em Flor). O importante é obsevar que mesmo diante das críticas e barreiras duma sociedade falocêntrica Florbela se manteve por longo tempo firme em atitude e postura. Sua vida constituiu uma verdadeira reivindicação, um verdadeiro clamor. Apesar de todo amor que dispensou pelos outros, principalmente por seus amores, é de longe é reconhecido que a maior preocupação de Florbela foi com ela mesma. Quando apresentava suas crises e questionamentos, seu narcisismo e altivez chamavam-na de volta e assim se mantinha forte: “A gargalhada insultante deste mundo responde a infinita serenidade do que fica para Além e que os olhos míopes não veem.” (Citações e pensamentos de Florbela Espanca, p. 13).
  • 19. 3. O IDEAL NA ESCRITA “Sonho que um verso meu tem claridade para encher o mundo!” 3.1 Traços estéticos e influências Florbela constitui até os dias de hoje tema de diversos debates quanto à apresentação de traços estéticos predominantes em sua obra. A autores que a consideram neo-romântica devido ao seu profundo individualismo e subjetivismo, além de um pessimismo forte que a levaram ao desencanto pelo amor e pela vida. É também considerada romântica pela atitude de fuga e deslocamento que sempre manifestou. Mostrou-se incompreendida e desprezada devido a sua extremada sensibilidade. Revelou possuir a ideia de superioridade de destino dos poetas românticos encontrando grandeza no sofrer e julgando-se assim como eles, ser predestinada a uma sina grandiosa. A opção pelo soneto decassílabo leva ao reconhecimento de traços de outro tipo de escola literária: o Parnasianismo. Escolheu o soneto talvez por pura inconsciência a princípio, porém elegeu-o como principal forma estética manifestando dessa maneira ser também uma cultora da forma de nódoas parnasianas. Recebeu influências desde o classicismo de Luís de Camões até Antero de Quental, mostrando-se uma conservadora e herdando o melhor da tradição poética portuguesa.
  • 20. Muitos autores ainda atribuem à escrita de Florbela qualidades decadentistas-simbolistas estabelecendo um laço de semelhanças com o contemporâneo Mario de Sá Carneiro onde num lirismo exaltado proliferaram os claustros, as quimeras, os castelos junto aos céus, as torres de marfins, numa profusão de cores e elementos cambiantes e sinestésicos. Seus sonetos constituem-se de uma abundância de sensações que se misturam. A musicalidade também se encontra presente além de aspectos transcendentais de evocação de sentimentos e emoções angustiantes predominando alusões. Quanto a questão do Modernismo vê-se defendida a ideia de que a sua posição de vanguardismo e de quebra de barreiras e convenções foram a sua atitude modernista, características que sobressaíram somente na vida particular. Pouco ou nada apresentou Florbela em sua escrita de elementos estéticos que poderiam lembrar o grupo Orpheu ou ao Modernismo, período literário vigente em sua época. Os versos de Florbela Espanca foram riquíssimos em figuras de linguagem onde eclodiram metáforas, antíteses, sinestesias e toda uma séria de tropos que tornavam sua linguagem poética profundamente conotativa, riquíssima em imagens e expressões. A pontuação excessiva foi outra constante. Apresentou dessa forma as mais variadas características e traços de diversas escolas, principalmente as finisseculares, mas nada que seja definitivo
  • 21. para classificá-la potencialmente a alguma. Os gêneros literários se interpenetram criando uma poesia individual e híbrida. Pertence à linhagem conhecida como “Outros Poetas” ou também é chamada de poeta “Sui generis”, por ser única em seu gênero. Na sua busca pela beleza elegerá o decadentista António Nobre como modelo de perfeição poética. Numa atitude oposta ao seu caráter egotista, julgou-se muitas vezes incapaz de chegar à altura de seu poeta adorado. É clara a retomada do neugarretismo de Nobre na poesia de Florbela Espanca visto a grande quantidade de sonetos referentes à pátria e a cultura portuguesa. Todo o seu Lusitanismo é exaltado principalmente nos sonetos relativos às paisagens de seu amado Portugal: O meu Alentejo Meio-dia. O sol a prumo cai ardente, Dourando tudo…ondeiam nos trigais D´ouro fulvo, de leve…docemente… As papoulas sangrentas, sensuais… Andam asas no ar; e raparigas, Flores desabrochadas em canteiros, Mostram por entre o ouro das espigas Os perfis delicados e trigueiros… Tudo é tranqüilo, e casto, e sonhador… Olhando esta paisagem que é uma tela De Deus, eu penso então: onde há pintor, Onde há artista de saber profundo, Que possa imaginar coisa mais bela, Mais delicada e linda neste mundo?!
  • 22. 3.2 Florbela Poetisa Florbela artista é uma verdadeira derivação da Florbela mulher já que toda sua obra surge em consequência de suas emoções. Assim como apresentou uma postura de elevação na vida pessoal demonstrou também na vida literária esta mesma agonia em alcançar seu lugar e ser reconhecida. Sua ânsia beirou muitas vezes as raias da arrogância e do egocentrismo exagerado. Considerou-se a “poetisa eleita” dona de inspiração e versos perfeitos. Em seus delírios de grandeza parecia querer alcançar os deuses – “Sonho que sou a poetisa eleita/ Aquela que diz tudo e tudo sabe/ Que tem a inspiração pura e perfeita/ Que reúne num verso a imensidade!” (Vaidade, Livro de mágoas). No fundo desejava a adoração, o aplauso, o reconhecimento como artista mesmo mostrando-se muitas vezes desdenhosa e indiferente. Sempre lutou ferinamente para ver seus livros publicados e ter seus versos reconhecidos. Adora a condição de poetisa considerando-se um ser a parte e totalmente diferenciada graças ao seu dom. Faz da vocação mais um dos motivos para sustentar a ideia de seu viver diferenciado. Acreditava na superioridade de destino dos poetas “Ser poeta é ser mais alto, é ser maior”. (Ser Poeta, Charneca em Flor). Para Florbela o poeta era alguém inspirado, elevado, acima dos mortais.
  • 23. O poeta é aquele que aspira constantemente às belezas supremas e ideias, mas não consegue alcançá-las – “É ter mil desejos de esplendor / E não ter sequer o que se deseja.” (Ser Poeta, Charneca em Flor). Em contradição ao que desejava e acreditava como artista teve em seus versos alvo para as mais duras condenações daquela sociedade patriarcal. Sua escrita foi muitas das vezes comparada a de poetisas de salão que proliferavam no momento. Alguns de seus contemporâneos julgavam seus versos patéticos, pobres e previsíveis em rimas, verdadeira ladainha de mulher problemática e frutos da futilidade de um mundo burguês. Outros consideravam um despautério pelas conotações sexuais, acusando-a de mulher sedutora e demoníaca. Seus versos sofriam todo o tipo de alteração quando publicados. Por vezes perdiam-se até as rimas devido às tamanhas alterações sofridas o que lhe provocava revolta e desgosto. A dificuldade de enquadra-la potencialmente a certo tipo de cânone estético também gerou um grave problema ao seu reconhecimento. É como se sofresse de uma marginalidade por estar à parte. Aliado a tudo isto a figura de mito criada em torno da poetisa gerou pós e contras a sua própria obra. Sua personalidade incomum, e sua vida particular tumultuada foram ao longo dos anos mais discutidas que sua própria escrita.
  • 24. Em vida Florbela só viu publicado dois dos seus livros: o Livro de Mágoas em junho de 1919 e livro de Sóror Saudade em janeiro de 1923. O restante de sua obra foi reunida em coletâneas entregues ao professor e grande amigo particular Guido Batelli que as publicou postumamente. Ainda escreveu contos, uma enorme quantidade de epístolas e um diário o Diário do Último ano. Decerto o que se pode ter ao estudar Florbela é a convicção de que ao contrário do que os detratores daquela sociedade profanaram sua poesia não é em nada simplória ou imoral. Seus versos constituíram um verdadeiro diário íntimo de uma mulher que ora mostrava-se sensível e doce, ora ousada e impetuosa. Vestiu-se e metaforseou-se de forma teatral como Princesa, Sóror, Monja, Maria das Quimeras dissimulando sua verdadeira condição na sociedade e mergulhando em sua escrita. Apesar de todo furor que Florbela ocasiona até os dias de hoje, é preciso atentar para o fato de que ela não foi a primeira voz lírica feminina a chamar a atenção em Portugal. Desde Sóror Mariana Alcoforado a poetisas como Virginia Victorino, muitas vozes ecoaram, contudo nenhuma que causasse tamanho impacto como a da poetisa Florbela Espanca. Constitui um caso de poeta lírico acabado por não apresentar fingimento no seu sentir já que toda sua obra foi fruto de sua verdadeira emoção.
  • 25. 4. A PROCURA DESENFREADA PELO AMOR IDEAL EM FLORBELA “Eu quero amar, amar pedidamente” 4.1 A importância dos homens na vida de Florbela Estudando a fundo sua vida presenciamos uma forte influência dos homens a começar pelos de sua família. Encontramos uma semelhança incrível de temperamento entre Florbela e seu pai João Maria Espanca. Este parece ter influenciado de forma profunda a personalidade da filha. João teve um comportamento Don Juanesco, um caráter pioneiro e uma atitude de quebra de regras. Num Portugal monárquico, era republicano e por isso perseguido. Viajou pelo mundo em busca de diversas aventuras. Era empreendedor e autodidata homem totalmente despido de preconceitos. Viveu suas paixões sem se importar com o que diziam. Ainda casado manteve duas relações de concubinato. Divorciou-se numa época em que o divórcio era raro e completamente mal visto casando-se novamente. Tudo isto nos leva a crer que Florbela em muito reproduziu o comportamento do pai. É também sabida a adoração desmedida que ela possuiu por este homem perdoando todos os seus deslizes e defendendo seu comportamento ferozmente.
  • 26. Da família surge também o maior de seus sentimentos: o amor por Apeles Espanca seu irmão. Apeles sempre foi a pessoa mais próxima de Flor, seu maior confidente e amigo. Numa extrema cumplicidade confessou-lhe todas as suas amarguras. A relação era tão forte que chegou a gerar boatos de incesto, mas nada que foi comprovado até os dias de hoje. Apeles era na verdade aquele com quem mais se afinava intelectualmente. Era quem lhe dava forças para continuar toda vez que se questionava ou vacilava. Florbela vivia em carinhos e cuidados extremados pelo irmão, agia como uma mãe protegendo seu bem mais precioso - “Tua irmã...teu amor...e tua amiga/E também toda em flor, a tua filha,/Minha roseira brava que é só minha!” (Roseira brava, Reliquiae) A angústia toma conta quando Apeles resolve tirar o curso de aviador. Era como se já pressentisse a desgraça que se abateria em breve sobre os Espancas. Em 6 de Junho de 1927 morre Apeles aos 30 anos de idade vítima da queda do hidroavião que pilotava no rio Tejo. Florbela desespera-se: “(...) Eu choro o meu maior amor, o meu orgulho, metade da minha alma. (...) É uma sombra de luto que nunca poderá deixar-nos.’’ (Acerca de Florbela, p.66)
  • 27. Dilacerada em sua dor veste-se de luto até o fim dos seus dias. Essa é uma perda da qual jamais se verá curada. Dedica o livro de contos Máscaras do Destino ao irmão: “Ao meu irmão, ao meu querido morto”. Na história de Florbela é mais do que necessário dar também destaque aos homens por quem foi apaixonada. Deve-se muito a eles na produção de seus mais belos versos. Ainda jovem sente a fagulha da paixão. O escolhido é Manuel Maria Matroco jovem que sempre a acompanhava a Biblioteca Pública de Évora - “Amei um dia... um dia... eu já nem sei!. (...) Há quanto tempo foi que assim amei... E esse amor foi rir!... Tinha talvez quinze anos, quinze apenas” (Acerca de Florbela, p. 33) Já no ano seguinte surge com uma nova paixão que assume oficialmente. O escolhido é Alberto Moutinho com que já se relacionava ás escondidas. Ainda no mesmo ano envolve-se com outro rapaz a quem dá nas cartas o nome de “José”, rompendo com Moutinho por esse motivo. Apaixonada por José troca correspondência quase que diariamente, mas a paixão logo se consome, o que a deixa transtornada. Confessa nunca se refazer dessa perda: “Fizeram-se ruínas todas as minhas ilusões, e, como todos os corações verdadeiramente sinceros e meigos, despedaçou-se o meu para sempre.” (Acerca de Florbela pag.36).
  • 28. Alberto Moutinho a quer de volta e Florbela aceita. Pede ao pai para se casar o mais rápido possível. O pai a emancipa casando-se assim em dezembro de 1913 no dia do seu aniversário de 19 anos. É durante esse casamento que vive o período mais intenso de produção literária - “É só teu o meu livro; guarda-o bem/ Nele floresce o nosso casto amor/ Nascido nesse dia em que o destino/ Uniu o teu olhar á minha dor!” (Acerca de Florbela pág. 38) A distância da família, as dificuldades econômicas entre outros problemas desgastam a relação. Engravida de Moutinho, mas sofre um aborto espontâneo o que precipita o fim da relação. Desentendendo-se com o marido, abandona a casa e vai para Lisboa matricular-se na faculdade de Direito. Em 1920 arrebenta um novo amor. Numa festa conhece o oficial Antonio Guimarães por quem se apaixona perdidamente. Vai morar com este estando ainda casada com Alberto que quando descobre fica irado e pede divórcio imediato. A cumplicidade sexual nesse casamento parece extrema. Florbela esta em êxtase e volta-se novamente para a poesia – “Minh’ alma de sonhar-te, anda perdida/ Meus olhos andam cegos de te ver/ Não é sequer a razão do meu viver/ Pois que tu és já toda minha vida!” (Fanatismo, livro de Sóror saudade).
  • 29. Declara-se constantemente ao novo amor, mas António jamais compreenderá a alma sensível da mulher devido a educação militar e machista Com o tempo passa a surrar e humilhar a esposa. Em 1922 arrebenta um escândalo entre António e o médico Mário Lage por ciúmes de Florbela. Florbela engravida novamente, mas acaba sofrendo seu segundo aborto o que debilita ainda mais sua saúde fragilizada. Sai de casa para se tratar. É o fim do segundo casamento. Fraca, deprimida e cada vez mais doente encontra consolo nos braços do amigo e médico Mario Lage. Logo se apaixona. António entra com a ação de divórcio acusando-a de abandono de lar. Divorciada, casa-se com Mário contra a vontade da família do noivo em outubro de 1925. Parece reencontrar o sossego nessa relação a princípio, mas o relacionamento se degrada rapidamente. Descobre verdades sobre o marido o que abala ainda mais sua saúde que já se encontra num estado deplorável. Ainda insiste na sua busca apaixonando-se pelo pianista Luis Maria Cabral, mas não é correspondida desistindo finalmente - “É vão o amor, o ódio, ou o desdém/ Inútil o desejo e o sentimento.../ Lançar um grande amor aos pés d’alguém/ O mesmo que lançar flores ao vento!” (A vida, Livro se Sóror Saudade).
  • 30. 4.2 Amor fonte de prazer e de dor De todas as suas idealizações a do amor foi possivelmente a que norteou toda sua breve existência. Viveu quase que exclusivamente dos seus dramas amorosos. O amor foi sua maior fonte prazer e sua maior tragédia. Foi ordenada pelo destino a encontrar esse amor ideal e assim obedeceu. Amar e sentir-se amada tornou-se questão vital, saiu pela vida para cumprir seu papel numa procura quase insana - “O meu Destino disse-me a chorar:/ "Pela estrada da Vida vai andando,/ E, aos que vires passar, interrogando/ Acerca do Amor, que hás-de encontrar." (Em busca do amor, Livro de Mágoas). Se estava em busca de um absoluto, esse provavelmente encontrava-se no amor. Este era a força motriz de seu querer. Esperou o seu príncipe, o homem ideal que a faria encontrar a plenitude que ansiava e corroia-lhe os nervos – “Onde está ele o Desejado? O Infante?/ O que há de vir e amar-me em doida ardência?/ O das horas de mágoa e penitência?/ O Príncipe Encantado? O Eleito? O Amante?”(Sonho Vago, Charneca em Flor) Desejava fundir-se no ser amado. Entrega seu corpo e sua alma num espécie de prazer panteísta. Profundamente sedutora e voluptuosa deseja o carpe diem erótico, clama ao ser amado essa entrega total – “Meu amor! Meu
  • 31. amante! Meu amigo!/ Colhe a hora que passa, hora divina,/ Bebe-a dentro de mim, bebe-a comigo!/” (Passeio no campo, Charneca em Flor) Usa de toda sua beleza e charme na conquista – “Foi dos meus olhos garços que um pintor/ Tirou a luz para pintar o vento....” (Conto de fadas, Charneca em Flor). Quer abandonar-se no ser amado, dar tudo a ele e coloca suas pretensões no papel. Seus versos foram na certeza a sua arma de sedução mais poderosa, onde prestou quase que uma vassalagem amorosa – “Dou-te o que tenho: o astro que dormita,/ O manto dos crepúsculos da tarde, O sol que é de oiro, a onda que palpita.” (Conto de fadas, Charneca em Flor). Numa procura indefinida e desenfreada pelo objeto amoroso decepciona-se constantemente. Este era sempre incompleto o que fazia com que perdesse o interesse e sofresse sempre uma nova desilusão. Não se conformando com as imperfeições humanas ansiava um deus, alguém acima do real. Nenhum homem estaria à altura do que desejava – “O amor dum homem terra tão pisada,/ Gota de chuva ao vento baloiçada.../ Um homem?- Quando eu sonho o amor dum Deus!” (Ambiciosa, Charneca em Flor) Insaciável e incrivelmente donjuanesca perde-se nos excessos que a levaram a uma verdadeira obsessão amorosa. Procurou nos relacionamentos frustrados a satisfação que nunca conheceu dedicando-se a homens que jamais compreenderam seu espírito. Amou-os e desprezou-os na mesma intensidade.
  • 32. Apesar de questionar constantemente o casamento e muitas das vezes tachá-lo como uma prisão e uma violência contra mulher, é preciso lembrar que se casou por três vezes, talvez querendo provar a si mesma o contrário do que dizia. No fundo parecia necessitar ter uma família, uma vida normal, um lar onde pudesse encontrar seu sossego e sua plenitude - “Onde está ela, Amor, a nossa casa,/ O bem que neste mundo mais invejo?/ O brando ninho aonde o nosso beijo/ Será mais puro e doce que uma asa?” ( A Nossa Casa, Charneca em Flor) Mas o destino de Florbela estava traçado. Sua alma exigente não encontra quem corresponda as suas altas idealizações amorosas. Dedicou toda a vida a paixões arrebatadoras e ao esquecimento das mesmas – “Passei a vida a amar e a esquecer…/ Um sol a apagar-se e outro a acender/ Nas brumas dos atalhos por onde ando…” (Inconstância, Livro de Sóror Saudade) Desfazendo-se continuamente seus amores, Florbela se desintegra, perde o chão, o viço, a vontade de viver. Vira uma flor infelicitada e sem identidade. Por fim desiste dessa busca a fim de evitar perdas ainda maiores. Deprimida e desiludida Florbela finalmente desiste do sonho e da embriaguez do amor –“Beijos de amor! Pra quê?!... Tristes vaidades!/ Sonhos que logo são realidades/ Que nos deixam a alma como morta!” (Pra que?!, Livro de Mágoas).
  • 33. 5. O NÃO ENCONTRO DO IDEAL “Acordo do meu sonho e não sou nada” 5.1 Florbela acorda do sonho Ao longo dos anos Florbela sofrera uma série de revezes que a abateram em profundo. A princípio egocêntrica e altiva, tornar-se com o tempo uma mulher tristonha e abatida, isolada e ao mesmo tempo perseguida por uma sociedade que não compreende o seu sofrimento. Sente-se como que cumprindo uma pena por existir. Vive a dolorosa frustração da maternidade por duas vezes deixando marcas que jamais cicatrizam. O corpo frágil e debilitado por uma série de enfermidades jamais conseguiria levar uma gravidez adiante. Sofre a perda de Apeles, seu maior amor, ficando sem leme e sem direção. Perde a sua muleta espiritual, aquele que a mantinha de pé em todos os momentos. Depois da morte do irmão começam as tentativas de suicídio. Tem a sua escrita ridicularizada e rejeitada por muitos críticos o que faz com que comece a questionar e rever o seu próprio talento que tanto prezava. Passa a sentir-se incapaz de encontrar o verso puro. Perde a vontade de escrever para sempre.
  • 34. Congregado a tudo isto, jamais encontra o amor que tanto procurou terminando seus infelizes dias no mais profundo vazio sentimental. Julga que jamais tenha sido amada de verdade – “Procurei o amor que me mentiu/ Pedi à Vida mais do que ela dava./ Eterna sonhadora edificava/ Meu castelo de luz que me caiu!” (Inconstância, Livro de Sóror Saudade) Perdendo seus ideais, é tomada de uma insatisfação geral. Já não pode sustentar suas pretensões e ambições grandiosas – “Sou um verme que um dia quis ser astro... / Uma estátua truncada de alabastro.../ Uma chaga sangrenta do Senhor...” ( Minha culpa, Charneca em Flor). A neurastenia com fortes doses de histerismo instala-se de vez nos nervos fracos - “Sinto os passos de Dor, essa cadência/ Que é já tortura infinda, que é demência!/ Que é já vontade doida de gritar!” ( Sem remédio , Livro de Mágoas) A apendicite já impede sua alimentação e a doença dos pulmões a deixa cada vez mais fraca. Vive a base de remédios para dormir, pois a insônia a tortura constantemente. Passa a fumar compulsivamente. Florbela vegeta mais do que vive. Passa a escrever um diário onde desabafa suas amarguras. Quando tudo lhe parece negado, passa a negar tudo ao mundo. Premedita seu fim próximo:
  • 35. (...) Viverei um terço do que poderia viver porque todas as pedras me ferem, todos os espinhos me laceram. D. Quixote sem crenças nem ilusões, batalho constantemente por um ideal que não existe; e esta constante exaltação, destrambelha-me os nervos e mata-me. (Acerca de Florbela, p.77) A insatisfação é geral. Cansada da má sorte deseja à morte, aquela morte transfiguradora, a única capaz de dar-lhe o esperado alento. Dias antes de morrer convida a amiga Aurora Jardim para um chá e mostra uma gaveta onde diz estar o veneno que a fará adormecer para sempre. Há outras amigas desabafa que dará um presente a si própria no dia do aniversário. Parece cumprir o que dizia. Florbela é encontrada morta em oito de dezembro de 1930, dia em que completaria 36 anos de idade. Os fracos de remédios para dormir encontrados em seu quarto dão pistas de suicídio. Na versão oficial Florbela morre de “edema pulmonar”. Suicídio? Talvez. O que se pode ter em mente é que mesmo que o tenha cometido foi por uma tentativa de antecipar o que logo iria ocorrer, basta lembrar-se de todas as doenças, da impossibilidade de alimentação entre tantos outros problemas que Florbela apresentava no fim dos seus dias. Era a morte a sua real e total libertação para o que desejava – “Deixai entrar a Morte, a Iluminada,/ A que vem pra mim, pra me levar/ Abri todas as portas par em par/ Como asas a bater em revoada.” (Deixai entrar a Morte, Reliquiae). E assim Florbela nos deixa.
  • 36. CONCLUSÃO Tentamos ao longo deste trabalho mostrar Florbela Espanca de forma imparcial desvendando a alma desta poetisa que antes de artista era um ser humano repleto de defeitos e virtudes. Foi realmente um ser superior, não por se considerar assim no seu egotismo inato que a princípio possam dar a impressão de um caráter pedante aos que poucos lhe conhecem, e sim por ser em verdade uma mulher única e profundamente especial. Sempre teve uma forte consciência disto por toda vida apesar do deterioramento que sofreu por sua breve existência. Florbela assim como tantos outros poetas viveu a buscar e ambicionar um ideal que pressentia. Exprimiu como ninguém essa procura, esse interminável desejo e aflição provocados por toda a sorte de decepções e desilusões à medida que o que parecia finalmente encontrado caía mais uma vez por terra. Na certeza essa busca foi o que norteou sua vida. Quando perde essa vontade perde a sede de viver. Florbela buscou por toda a existência principalmente ao amor, constituindo-se como seu principal ideal, fonte de vida e verdade, alimento e chaga que a mantinha viva.
  • 37. Veio ao mundo com uma missão e um fardo, e com a disposição para vivê-los de forma intensa jogando-se sem amarras e como desbravadora conquistando e abandonando o que era conquistado quando isto já não lhe proporcionava o prazer, o êxtase inicial, a satisfação e completude que tanto cobiçava. Foi uma verdadeira flor no canteiro de Portugal, uma flor que se perdeu por nunca conseguir se encontrar, por nunca alcançar o que era dela, por habitar uma terra infértil aos seus ideais elevados. Uma frágil e grandiosa flor que um dia secou em sua charneca, mas que nem por isso deixou de exalar seu doce perfume e de imprimir sua rara beleza. Uma flor que na certeza deixou sua raiz fincada para todo o sempre.
  • 38. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SILVA, Paulo Neves da. Citações e Pensamentos de Florbela Espanca. Casa das Letras. 2011. PAIVA, José Rodrigues de. Estudos sobre Florbela Espanca. Associação de estudos Portugueses. 1995. ESPANCA, Florbela. Sonetos de Florbela Espanca. Ed. Martin Claret. 2002. MASSAUD, Moisés. A Literatura Portuguesa. Ed. Cultrix. 2008. JUNQUEIRA, Renata Soares. Florbela Espanca uma Estética da Teatralidade. Ed. Unesp. 2003. GUEDES, Rui. Acerca de Florbela Ed. Publicações Dom Quixote. 1986. FARRA, Maria Lúcia Dal. Afinado Desconcerto. Coleção Vera Cruz. Ed. Iluminuras. São Paulo. 2002. ESPANCA, Florbela. A mensageira das violetas: antologia. Seleção e edição de Sergio Faraco. Porto Alegre: L&PM, 1999. (Pocket).