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J. KRISHNAMURTI
O DESPERTAR DA
SENSIBILIDADE
UNIVERSALISMO
O Despertar da
Sensibilidade
Editora oficial das obras de Jiddu Krishnamurti em nosso idioma, regozija-se a
Instituição Cultural Krishnamurti em apresentar a terceira edição deste livro,
intitulado em português O Despertar da Sensibilidade, tradução das palestras
proferidas por Krishnamurti em inglês, na Índia, no ano de 1964.
Constitui ele mais um brado de alerta desse pensador para que todos vejamos
que o mundo se está incendiando e que o homem é o responsável por este
terrível incêndio. E que só compreendendo as causas que o levaram a tal
situação, só com a esclarecida colaboração de cada um, poderá ser extinta a
destruidora chama.
Para tanto, o primeiro passo a dar é cada indivíduo tornar-se cônscio dessa
responsabilidade, e não negá-la, isso que secularmente vem fazendo, como se
não fora ele parte da humanidade. Sem dúvida, faliram os meios usados para
conter a avassalante onda de desordem, conclusão e violência dos dias atuais,
onda que se intensifica à medida que progride a tecnologia e recrudesce a
batalha pela subsistência. Perdem os entes humanos, gradativamente, a
confiança naqueles que se propõem guiá-los, sobretudo nas instituições
fundadas com o fim de orientá-los, porquanto elas já não ostentam a virtude e o
poder iluminante de sua fonte original. Deformaram-se através do cultivo do
verbalismo religioso e da propagação de seus vazios mandamentos, tornando-
se, assim, de todo inúteis. A verdade é que nos fugiu o senso dos lídimos valores
e agora nos achamos desnorteados, sem vislumbrarmos alguma coisa
grandiosa, inspiradora, capaz de nos descortinar um novo e promissor horizonte.
Destarte, o estado espiritual do homem é eletivamente caótico, pois ele se sente
como que desamparado, sem rumo certo, sem entusiasmo e ânimo criador, não
atinando com os verdadeiros motivos de seu desalento e desencanto, sua
interna vacuidade.
Hoje, a preocupação dominante é toda ela de ordem material e sensitiva: anseio
de ganho fácil e culto erótico, desenvolvendo-se paralelamente a esperteza, o
ardil, o indiferentismo; mas o desprendimento, a benevolência, o altruísmo,
atributos dos seres interiormente livres, poucos os manifestam. Daí o
egocentrismo generalizado, que separa as criaturas e suscita entre elas o
desamor.
Lendo com atenção a presente obra, refletindo sobre os seus conceitos, talvez
encontremos a salvadora orientação.
Que se impõe, na crise contemporânea, radical mutação na consciência do
homem, muitos o reconhecem, mas raríssimos chegam a alcançá-la. Presos
como estamos aos velhos padrões do hábito e do vício, da imitação ou
dependência, ainda não vimos o quanto importa a libertação.
Neste trabalho, demonstra-nos Krishnamurti a urgente necessidade de nos
transformarmos e aponta a base dessa transformação — a mente do indivíduo.
Sendo ela, bloqueada que está, a causadora de nossos problemas, incluído o
econômico, impende nos tornemos cônscios das condições em que vivemos —
luta intérmina com os nossos infortúnios, reveses e aflições, e que deveras nos
compreendamos, porque esta compreensão própria nos modificará e nos faz
superá-los. Não há, com efeito, outra solução.
Na terra, somos nós os forjadores do destino. Nada nos surge por acaso, nem
por influências externas, súplica aos deuses, nem ainda por auxílio de mestres,
instrutores ditos religiosos, monges ou “gurus”. Ninguém, coisa nenhuma deste
universo nos erguerá. Nele estamos sós. Assim, de nós mesmos é que temos
de extrair a energia libertadora, a luz que nos orientará. Esta luz é o
“autoconhecimento”, exercido a cada instante de nossa vida. Ele nos fará ver
como realmente somos e extinguirá as nossas amarguras.
Sumário
PRIMEIRA PARTE: MADRASTA
1 — A Deterioração do Homem
2 — A Liberdade
3 — O Medo
4 — Paixão sem Motivo e o Desejo
5 — O Tempo, o Sofrimento e a Morte
6 — A Meditação
7 — A Mente Religiosa
SEGUNDA PARTE: BOMBAIM
1 — O Problema do Viver
2 — A Natureza do Conflito
3 — A Liberdade Total
4 — Um Fato Real
5 — O Fim do Sofrimento
6 — O Significado da Meditação
7 — A Religião, o Indivíduo e a Transformação
PRIMEIRA PARTE
MADRASTA
1
A Deterioração do Homem
Penso que deveria ser de sumo interesse para a maioria de nós observar a
deterioração que está solapando o caráter, a estabilidade, a natureza do homem.
Essa deterioração se faz notar em todos os níveis de atividade. Neste país,
principalmente, ela é muito visível — este país que sempre se supôs muito
religioso, por tradição, por herança, e pela constante repetição de certas frases
e idéias religiosas. Pode-se observar que, aqui, a deterioração é muito mais
profunda, mais generalizada e, aparentemente, muito poucos se preocupam com
ela. Os que se preocupam tratam de ressuscitar o passado, de volver às velhas
e venerandas tradições, costumes, hábitos e atitudes de pensamento, aos
antigos valores. Ou, ainda, buscam uma solução social ou econômica. Como
quer que seja, é bem evidente que os que levam a vida a sério, ou se refugiam
no passado, em suas velhas idéias visionárias, ou tratam de cultivar um novo
conceito, uma nova fórmula, social ou religiosamente.
Vendo-se o que se está passando no mundo, e principalmente neste país,
parece-me que o que se faz necessário é uma revolução total na consciência. E
não será possível tal revolução, se permanecermos insensatamente apegados
a crenças, idéias e conceitos. Não encontraremos saída de nossa confusão,
angústia, conflito, pela constante repetição do Gita, do Upanishads e demais
livros sagrados; isso poderá levar à hipocrisia, a uma vida de insinceridade, de
interminável pregação moral, porém nunca a enfrentar realidades. O que nos
cumpre fazer é, segundo me parece, tornar-nos cônscios das condições de
nossa existência diária, de nossos infortúnios, nossas angústias, nossa confusão
e conflito, e tratar de compreendê-los tão profundamente que possamos lançar
uma base adequada, para começar. Não há outra solução. Temos de enfrentar-
nos assim como somos e não como deveríamos ser, segundo um certo padrão
ou ideal. Temos de ver realmente o que somos e, daí, iniciar a transformação
radical.
Direis: “Que efeito ou valor pode ter uma transformação individual? Como poderá
isso alterar o curso da existência humana? Que pode um só indivíduo fazer?” —
Esta me parece uma pergunta errônea, porque não existe tal coisa —
consciência individual; só há consciência, da qual somos uma parte. Um
indivíduo pode segregar-se, cercar-se dentro de um determinado espaço
chamado “Eu”. Mas esse Eu está relacionado com o todo, esse Eu não é
separado. E, com a transformação dessa seção especial, dessa determinada
parte, podemos influir na totalidade da consciência. Considero muito importante
compreender que não estamos falando de salvação individual ou reforma
individual, porém, sim, da necessidade de estarmos conscientes da parte em
relação com o todo. Desse percebimento nascerá uma ação que atingirá o todo.
Quando se considera o que está ocorrendo no mundo, onde a mente dos seres
humanos se tornou mecânica, rotineira, onde os seres humanos estão
separados em nacionalidades e grupos, divididos pela tecnologia — além das
divisões religiosas em hinduístas, muçulmanos, cristãos, etc. — torna-se
necessária, a meu ver, uma ação de caráter totalmente diferente. Devemos
descobrir, sem dúvida, uma fonte diferente, uma diferente maneira de vida que
não esteja em contradição com o nosso viver de cada dia, e ao mesmo tempo
promover uma profunda compreensão religiosa da vida.
Para mim, o importante não é apenas a imediata “resposta” aos diferentes
“desafios” — resposta que deve ser adequada — mas também resposta que seja
produto de uma vida profundamente religiosa. Entendo por “vida religiosa”, não
uma vida ritualista, de ajustamento a determinado padrão, porém a vida religiosa
resultante da autocompreensão. Porque, sem o conhecimento de nós mesmos
— o que realmente somos, por mais desonestos, falsos, astutos, hipócritas e
ignóbeis que sejamos — não temos base para nenhuma ação ou pensamento
religioso.
Parece-me, pois, que todo aquele que esteja real e profundamente interessado,
não só na situação mundial, mas também em descobrir a verdade, em descobrir
se alguma coisa existe além dos limites da mente — deve tratar de compreender
totalmente a si próprio. E tal será nosso único empenho no decorrer destas
palestras. Porque aí é que está a fonte, o manancial de nosso pensamento, de
nosso ser e de nossa ação. Se não há autoconhecimento, se não há
compreensão do Eu — não do “Eu superior”, do Eu com “E” maiúsculo — porém
do “eu” ordinário, do homem que frequenta diariamente o escritório, que é
apaixonado, irascível, violento, cruel, hipócrita, acomodatício — se não há essa
compreensão total, completa, de todo o nosso ser, nesse caso toda ação, todo
pensamento, toda idéia só conduzirá a mais confusão e mais angústia.
E parece-me que temos em mãos uma imensa tarefa, tarefa que exige
seriedade. Por esta palavra, entendo a capacidade de prosseguir até o fim na
busca da Verdade ou numa pesquisa qualquer. Por não sermos
verdadeiramente sérios, somos muito superficiais, fáceis de distrair e de
satisfazer. Mas, para investigar profundamente em si próprio, o indivíduo tem de
ser sério em extremo, e conservar-se nesse estado de seriedade. E isso requer
energia; ninguém pode ser sério se não tem energia. Não deve essa energia ser
esporádica, acidental, porém uma energia constante, capaz de observar um fato
tal como é, e capaz de seguir esse fato até o fim — uma energia espantosa, tanto
mental como corporal.
E, para se ter energia, não deve haver conflito, já que o conflito é o principal fator
de deterioração. Somos pessoas que foram educadas para viver em conflito.
Toda a nossa vida é conflito, dentro e fora de nós — com o próximo, com nós
mesmos, e em nossas relações. Tudo o que tocamos, tanto psicológica como
ideologicamente, gera conflito. E o conflito é o maior fator de deterioração.
Ora, a meu ver, a compreensão desse conflito, compreensão não parcial, porém
total, é a mais importante tarefa da mente humana. Porque só com a completa
terminação do conflito podem terminar todas as ilusões; só então tem a mente a
possibilidade de penetrar fundo, na investigação da Verdade, no investigar se
algo existe além do tempo. E só essa mente é capaz de descobrir o que é o amor
e de descobrir o estado mental criador, porque tudo o mais, em qualquer forma
que seja, é pura especulação. A mente religiosa não especula; move-se tão-
somente, de fato para fato. E não é possível o fato quando há conflito ou tensão
de qualquer espécie.
Assim, creio que nosso problema principal resulta de termos perdido
completamente a religião, o espírito religioso. Podeis ter templos, frequentar o
templo, usar vestes sagradas, cultivar todas as demais futilidades desse gênero;
mas não sois pessoas verdadeiramente religiosas. E o problema do mundo não
pode ser resolvido em nenhum outro nível, exceto o religioso.
A vida verdadeiramente religiosa é aquela que vivemos com compreensão do
conflito e libertados do conflito.
Nosso principal interesse, por conseguinte, é este: a compreensão do conflito,
interior e exterior. Estes dois (“interior” e “exterior”) não são coisas separadas. O
mundo não está separado de vós e de mim; vós sois o mundo e o mundo é vós.
Isto não é uma teoria; se observardes bem, vereis que é um fato real. Estais
condicionados pela sociedade em que viveis — sociedade comunista, socialista,
capitalista ou de outra espécie. Sois considerado como um indivíduo nascido
neste país, educado de acordo com uma certa tradição, crendo ou não crendo
em Deus. Sois moldados pela sociedade, pelas circunstâncias. Vossas crenças,
vossa conduta, vossa maneira de pensar, tudo é resultado de vosso
condicionamento pela sociedade em que viveis. Este é um fato óbvio, irrefutável.
Mas, separamos o mundo como coisa diferente de nós, porque o mundo é forte
demais, com todas as suas pressões, tensões e conflitos, com suas inumeráveis
exigências e as condições da existência. E dele nos retraímos para dentro de
nós mesmos, refugiando-nos em nossas crenças, nossas esperanças, temores,
conceitos especulativos. Por isso, há separação entre nós e o mundo. Mas, se
observardes, vereis que o mundo não difere de nós — é como a maré, que flui e
reflui. Se não compreenderdes o mundo exterior, não compreendereis o interior.
E, para compreendê-lo, deveis observá-lo — não de um dado ponto de vista,
porém da mesma maneira como um cientista observa. O cientista só observa em
seu laboratório, mas nós, entes humanos, devemos observar o mundo cada dia,
em nossas relações, em nossas atividades. E, como disse, para
compreendermos toda esta existência complexa, tormentosa, desesperante —
existência sem amor e sem beleza — temos de compreender o conflito.
Surge o conflito, decerto, quando há contradição — contradição de diferentes
desejos, diferentes exigências, tanto conscientes como inconscientes. Mas, em
geral, estamos conscientes desses conflitos. E, se estamos conscientes, não
temos solução para eles; por isso, tratamos de distanciar-nos deles, buscando
refúgio na religião, no trabalho social ou em entretenimentos vários, tais como ir
ao templo, ir ao cinema, ou beber. E só há possibilidade de se resolverem esses
conflitos quando a mente é capaz de compreender a si própria.
Vou agora examinar esta questão do conflito. Para compreender o conflito,
tendes de observar a vós mesmo. E a observação exige desvelo. Desvelo
significa compreensão, afeição: como quando se cuida de uma criança, em que
não há repúdio ou condenação. Cuidar de uma criança é observá-la, sem
condená-la, sem compará-la. Observá-la com infinita afeição, imensa
compreensão; estuda-la em todos os seus movimentos, em todas as fases de
seu desenvolvimento, em suas travessuras, suas lágrimas, seus risos. O
observar, pois, exige desvelo. Esse é o primeiro requisito da auto-observação;
por conseguinte, nunca deve haver um momento de condenação, de justificação
ou comparação, porém sempre a observação pura e simples de tudo o que está
ocorrendo, a cada momento do dia, quer a pessoa se ache no escritório, ou
viajando num ônibus, quer conversando com alguém, etc. Cada um deve
observar a si próprio tão completamente, com tão infinito desvelo, que daí resulte
a precisão, uma precisão absoluta, e não apenas idéias vagas, ação ineficaz.
Como disse, para observardes a vós mesmo, exige-se atenção completa. Uma
mente que está atenta, cônscia de si própria no justo momento em que está a
observar-se, está aprendendo a respeito de si mesma. Aprender é coisa toda
diferente de acumular conhecimentos. Acho que isso deve ser compreendido
muito cuidadosamente. A maioria de nós acumula conhecimentos. Da infância
até à morte, estamos sempre registrando; nossa mente se tornou uma espécie
de fita de gravação, na qual tudo se vai registrando. De acordo com tal registro,
nós atuamos, pensamos, reagimos; e a esse registro vamos acrescentando
coisas e mais coisas, todos os dias, consciente ou inconscientemente.
Guardamos toda experiência, toda informação, todo incidente, toda lembrança.
E a isto chamamos experimentar, aprender. Mas isto, em absoluto, não é
aprender; aprender é coisa de todo diferente. No momento em que se começa a
acumular, deixa-se de aprender. Pois só a mente que está fresca, que é nova,
só a mente que observa com atenção, aprende.
Penso que devemos perceber a diferença entre estas duas coisas. O
conhecimento técnico é acumulativo. A ele vai-se acrescentando mais e mais, e
é com base nesse conhecimento que atuamos. Se sois engenheiro, se sois
físico, tratais de acumular a maior soma possível de conhecimentos para
trabalhar com base nesse conhecimento acumulado. E, por essa razão, nunca
há liberdade. É sempre um agir de acordo com o que se aprendeu, consoante o
que se adquiriu. No nível do conhecimento técnico, tal ação, tal memória, tal
processo acumulativo é absolutamente necessário. Mas nós estamos falando de
coisa inteiramente diferente, ou seja que o observar com atenção não implica
processo aditivo. Porque, se ficamos meramente adicionando, adquirindo, então,
no minuto seguinte de nossa observação, observamos com base no que temos
acumulado e, por conseguinte, já não estamos observando. Compreendei isso,
por favor.
É importantíssimo compreender que, quando a mente está sempre acumulando,
acrescentando algo a si própria e de tal base observando, então tudo o que ela
observa recebe o colorido do que antes foi aprendido, do conhecimento prévio.
Essa mente, por conseguinte, é incapaz de compreender um fato novo. E a vida
é sempre nova; o viver é algo totalmente novo, a cada minuto do dia. Mas,
perdemos esse frescor, esse extraordinário sentimento de vitalidade, de beleza,
de imensidão, porque vamos sempre ao encontro da vida com nosso
conhecimento acumulado e, consequentemente, nunca estamos aprendendo,
porém apenas adicionando mais alguma coisa às já existentes; com base nesse
adicionamento, observamos as coisas, na esperança de aprender.
Assim, a mente que é séria, que está bem consciente da situação mundial,
percebe que o mundo se acha num estado de angustiosa confusão. Nota-se um
constante declínio em todas as nações; só uns poucos são capazes de funcionar
inteligentemente, em liberdade talvez; os demais se limitam a imitar — são
pobres imitações dos computadores, sua ação é ineficaz. A dor, a angústia, a
ansiedade, o desespero é que são fatos, e não vossas crenças, vossas
esperanças, vossos deuses; o fato do desespero, da ansiedade, da
extraordinária persistência do sofrimento, sofrimento sem fim; a crescente
animosidade e brutalidade — eis o mundo a que pertenceis. E a função da mente
verdadeiramente séria é compreender e transcender esse mundo. A mente séria
deve observá-lo. Isto é, deveis observar a vós mesmos, porque vós sois o
mundo; porque há em vós angústia, sofrimento, solidão, desespero, ansiedade,
medo, porque sois impelido pela ambição, a avidez, a inveja — sois esse mundo.
Não sois o que pensais ser — que sois Deus, etc. Isto é só absurda especulação.
Tendes de partir dos fatos e tendes de aprender a respeito de vós mesmo.
Há, pois, diferença entre aprender e acumular conhecimento. O aprender é
infinito, não há fim no aprender a respeito de si mesmo. E, por conseguinte, a
mente que não está acumulando, porém aprendendo, é capaz de observar seus
conflitos, suas tensões, suas dores e secretos desejos e temores. Se assim
fizerdes, não acidentalmente, porém todos os dias, todos os minutos — e isso é
possível — se vos mantiverdes em constante observação, vereis que adquirireis
uma energia extraordinária. Porque então a autocontradição estará sendo
compreendida.
Com a palavra “compreender” não me refiro a algo intelectual. A mente que está
fragmentada nunca compreenderá nada. Quando digo que “compreendo uma
certa coisa intelectualmente”, o que realmente estou dizendo é que ouço a
palavra e compreendo a palavra; isso nada tem que ver com a compreensão.
Compreensão implica não só o aspecto semântico, isto é, o sentido da palavra,
mas também a apreensão do inteiro conteúdo dessa palavra e de seu significado
conforme se aplica a nós mesmos. A compreensão, pois, não é uma simples
questão de “cerebração” (mentation) 1 mera operação intelectual. Só podeis
compreender alguma coisa quando lhe aplicais vossa mente, vosso corpo,
vossos sentidos, vossos olhos, vossos ouvidos, tudo. E dessa compreensão
resulta a ação total, e não ação fragmentária, contraditória.
1. Cf. Dic. Jayme Seguier — “Cerebração: neol. Atividade intelectual”.
Nessas condições, o que interessa — principalmente àqueles que são deveras
sérios — é compreender. E a vida exige seriedade, pois não se pode viver neste
mundo levianamente. Não podeis estar interessado apenas em vossas próprias
aflições, vossos próprios divertimentos, vossos próprios temores. Sois uma parte
do mundo e deveis compreender a vós mesmo e ao mundo. Essa compreensão
exige extraordinária seriedade, e isto constitui imensa tarefa. E quando sois
sério, deveis levar essa compreensão ao extremo, até perceberdes tudo o que a
existência implica.
E, também, o conflito é algo que temos de compreender — compreender, e não
dominar. Não tenteis negá-lo, não tenteis fugir dele, porém tratai de compreendê-
lo, de ver todo o seu significado, de perceber as várias contradições, na palavra,
no pensamento, na ação. Em geral, vivemos vidas duplas, ou triplas, ou
múltiplas! Funcionamos fragmentariamente, nosso existir é fragmentário;
desejamos ser mundanos; desejamos ter todos os confortos que nos são
devidos. O conforto, obviamente, é necessário; mas com esse conforto vem a
exigência de segurança. Não só desejamos estar seguros em nossos empregos
— reação natural e sã — mas também desejamos estar seguros
psicologicamente, interiormente.
É possível, em algum tempo, estar-se em segurança psicológica, — isto é,
estarmos psicologicamente seguros em nossas relações e psicologicamente
seguros em relação àquilo com que estamos identificados? A segurança exterior
é evidentemente necessária. Exteriormente, é absolutamente necessário termos
morada, um lar, emprego; mas não nos contentamos com isso. Queremos estar
em segurança psicologicamente, interiormente; e aí começam as nossas
tribulações. Nunca indagamos se existe realmente segurança interior;
entretanto, dizemos que precisamos de estar em segurança interiormente, e
nasce assim a ilusão. A partir desse momento, começa a desenrolar-se uma
série de conflitos, de conflitos intermináveis.
Cumpre-nos, pois, descobrir a verdade em relação a essa formidável questão da
segurança psicológica — sem procurarmos saber o que outro qualquer diz.
Psicologicamente, vemo-nos inseguros; por essa razão criamos deuses, deuses
que se tornam nossa segurança permanente! Isso gera conflitos. Compreendeis
o que entendemos por “conflito”? Entendemos: a contradição; a ação
fragmentária; os pensamentos que se chocam; os desejos conflitantes entre si;
as exigências contraditórias; as pressões do mundo e a exigência interior de
viver em paz com o mundo; a aspiração a encontrar algo além da existência
diária, monótona, estúpida; o ver-nos presos na engrenagem da existência diária
e desesperadora; o nunca termos uma solução para nosso desespero; a
angústia imensa, não apenas pessoal, mas também a angústia do mundo, e
nunca encontrarmos uma saída dessa angústia. Eis todos os fatores que geram
a contradição — dos quais podemos estar conscientes ou não. Onde a mente se
acha em contradição, tem de haver conflito.
E, sem dúvida, a mente que se encontra em conflito não pode ir adiante; poderá
prosseguir na ilusão, mas não é capaz de avançar para descobrir se algo existe
além do tempo, além da medida humana. Por certo, esta é a função da religião.
A função da mente religiosa é descobrir o verdadeiro. E a verdade não pode ser
encontrada num templo ou num livro, por mais venerando que seja. Vós tendes
de descobri-la por vossos próprios meios. Não podeis comprá-la com lágrimas,
com orações, com repetições, com rituais; por esse caminho se vai ao absurdo,
à ilusão, à insânia.
A mente séria, por conseguinte, deve estar cônscia desse conflito. Com “estar
cônscio” quero dizer, observar, escutar. Escutar é uma arte. Com efeito, é uma
arte extraordinária o escutar um som. Não sei se já escutastes um som — o som
de um pássaro pousado numa árvore, ou o distante buzinar de um carro. Pelo
escutar — não pelo julgar, pelo identificar tal som com determinada ave ou
determinado carro ou determinado rádio da casa mais próxima, porém pelo
simples escutar, vereis — se assim souberdes escutar — como vos tornareis
extraordinariamente sensível. A mente se torna sobremodo alertada quando
escutamos simplesmente — isto é, não interpretando o que ouvimos, não
tentando traduzi-lo, não o identificando com o que já conhecemos — pois isso
nos impede de escutar. Mas, se escutardes simplesmente — escutardes vossos
pensamentos, vossas exigências, o desespero de vossa existência, não
tentando interpretar, traduzir nada, não tentando fazer alguma coisa em relação
ao que se escuta — vereis que vossa mente se tornará sobremodo lúcida.
E só a mente muito lúcida, a mente sã, racional, lógica, em que não há conflito,
consciente ou inconsciente — só essa mente pode prosseguir até descobrir, por
si própria, se existe uma Realidade. Só essa mente é religiosa. E só essa mente
pode resolver os problemas do mundo. Os problemas do mundo são inumeráveis
e se estão multiplicando. E se não fordes capaz de resolvê-los lógica,
equilibrada, sãmente, com vosso espírito de todo livre de conflito, estareis
apenas criando mais confusão, mais angústias para o mundo e para vós mesmo.
A primeira coisa, por conseguinte, que nos cumpre fazer é observar com
atenção, todas as murmurações, todos os temores, ilusões, desesperos de
nosso próprio ser. E vereis então, por vós mesmos — e para isso não se
necessita de provas, nem de gurus, nem de livros sagrados — se a Realidade
existe. E encontrareis, então, um extraordinário sentimento de libertação do
sofrimento. Aí existe a claridade, a beleza e aquela coisa que está faltando hoje
à mente humana: o amor, a afeição.
Madrasta, 12 de janeiro de 1964.
2
A Liberdade
Para se compreender totalmente uma coisa — trivial ou importante —
precisamos dispensar-lhe atenção completa, desembaraçada e livre. De outro
modo, não é possível compreender nada, e principalmente as coisas que exigem
cuidadoso estudo e íntimo conhecimento. Para se prestar atenção, necessita-se
de liberdade; do contrário, não é possível a atenção. Não podeis entregar-vos
inteiramente a uma dada coisa, se não estais livre. E para se compreender essa
coisa extraordinária — a um tempo simples e complexa — que se chama a
Verdade, temos de dar-lhe aquela atenção desimpedida. E, como disse, a
liberdade é essencial. Porque a Verdade não pertence a nenhuma religião,
nenhum sistema; nem pode ser encontrada em livro algum. Não podemos
aprendê-la de outro, nem a ela ser levados por outro. Temos de compreendê-la
completamente, entregar-nos a ela. Assim, para chegarmos à Verdade devemos
estar livres, desembaraçados e num estado em que a mente compreendeu a si
própria e, por conseguinte, se libertou de todas as ilusões.
A liberdade — o ser livre — se está tornando mais e mais difícil. À proporção que
a sociedade se torna mais complexa e a industrialização mais ampla, mais
profunda e organizada, menos liberdade há para o homem. Como se pode
observar, quando o Estado se torna todo-poderoso e assume o controle do bem-
estar social, os seus cuidados para com os cidadãos se tornam tão completos,
que cada vez há menos liberdade exterior. Exteriormente, o indivíduo se torna
escravo da sociedade, fica sob a opressão da sociedade; nesta opressão da
existência organizada já não há existência tribal, porém, tão-só, o controle
industrializado, organizado, centralizado. Exteriormente, há cada vez menos
liberdade. Onde o progresso é maior, menor é a liberdade. Isto é um fato óbvio,
observável em toda sociedade que se torna mais complexa, mais organizada.
Dessarte, exteriormente temos a opressão pelo con trole, a moldagem da mente
do indivíduo — tecnicamente, industrialmente. Vendo-se tão constrangido,
exteriormente, o indivíduo tem a natural tendência a entrincheirar-se —
interiormente, psicologicamente — cada vez mais em determinado padrão de
existência. Isto também é um fato óbvio. Assim, aquele que é suficientemente
sério para investigar se de fato existe a Realidade, descobrir o que é a Verdade
— a verdade não construída pelo homem, com seu medo e seu desespero; a
verdade que não é uma tradição, uma repetição, um instrumento de propaganda
— necessita da liberdade completa. Exteriormente poderá não existir liberdade;
mas, interiormente, deve haver absoluta liberdade.
E a compreensão dessa questão da liberdade é dificílima. Não sei se a tendes
considerado. E, mesmo que a tenhais considerado, sabeis o que significa ser
livre? Por “liberdade” não entendo a libertação teórica, ideal — esta é por demais
abstrata, remota; pode não ter realidade alguma: pode ser uma invenção de
algum espírito imerso no desespero, no medo, na agonia, que construiu
verbalmente um certo padrão, na esperança de alcançar um certo estado verbal
e não uma coisa real. Não estamos falando da liberdade como abstração, porém
como realidade; falamos da liberdade que deve existir cada dia, interiormente, e
na qual, psicologicamente, não há sujeição a coisa alguma. Isso é possível?
Como teoria, como idéia, é possível, talvez. Mas aqui não nos interessam idéias
nem teorias, nem esperanças religiosas de ordem especulativa; só nos
interessam fatos.
É possível uma mente achar-se, psicológica, interiormente, de todo livre?
Exteriormente, podeis ir para vosso emprego todos os dias, pertencer a uma
certa classe de indivíduos, a determinada sociedade, etc. — como é inevitável,
pois é absolutamente necessário ganhar o próprio sustento. Mas, deverão as
pressões e tensões do condicionamento externo, do ajustamento externo a
determinado padrão ou determinada sociedade, governar-nos a psique, todo o
processo de nosso pensar? E existe, realmente, completa liberdade psicológica?
Pois, sem liberdade, sem absoluta liberdade psicológica, nenhuma possibilidade
existe de se descobrir a Realidade, de descobrir o que é Deus, se tal entidade
existe. A liberdade é uma necessidade absoluta, mas a maioria de nós não
deseja ser livre: esta é a primeira coisa que cumpre reconhecer.
Ora, é possível estar psicologicamente livre, de modo que o indivíduo possa
descobrir por si mesmo o que é a Verdade? Porque, no mesmo processo da
compreensão ou no mesmo ato da compreensão da verdade, ficamos
habilitados a ajudar nosso semelhante; de outro modo, não podemos ajudá-lo;
de outro modo, cria-se mais confusão, mais aflições para o homem — o que
também é um fato óbvio, como o demonstram os atuais acontecimentos.
A verdade que nos é manifestada por outro, descrita por outro, ensinada por
outro — por mais sábio e inteligente que seja — não é a Verdade. A vós mesmo
compete achá-la, compreendê-la. Retiro a palavra “achar”; a verdade não pode
ser achada, não podemos pôr-nos a caminho com o propósito deliberado,
consciente, de achá-la. Temos de encontrar-nos com a Verdade no escuro,
insabidamente. Mas isso não acontecerá se, interiormente, nossa mente, nossa
psique não estiver completa e totalmente livre.
Para descobrir qualquer coisa, mesmo no campo científico, a mente deve estar
livre. Deve estar desimpedida, para poder ver o que é novo. Mas, em geral,
desafortunadamente, nossa mente não é fresca, não é nova, inocente — para
ver, observar, compreender. Estamos repletos de experiências, não só das
experiências recentemente acumuladas (com “recentemente”, quero dizer nos
últimos cinquenta, sessenta ou cem anos), mas também da experiência humana,
imemorial. Tudo isso — que constitui nosso conhecimento, consciente ou
inconsciente — nos põe em confusão; o conhecimento consciente é o que
adquirimos pela educação, no mundo moderno, em nossos tempos.
Agora, é importante que, ouvindo estas palestras, estejais também escutando.
Penso que há diferença entre escutar e ouvir. Podeis ouvir palavras e interpretá-
las, dando-lhes vosso próprio significado ou o significado conforme um certo
dicionário — e permanecer no nível da pura comunicação verbal. E quando ouvis
palavras dessa maneira, intelectualmente, há concordância ou discordância.
Atentai um pouquinho nisto que estou dizendo. Não estamos permutando
opiniões. Não estamos investigando dialeticamente a verdade contida em
opiniões. Estamos investigando, tentando compreender a Verdade — não a
verdade de opiniões, a verdade do que foi dito por outros. Se escutais — que é
coisa muito diferente de ouvir — não há concordância nem discordância. Estais
escutando a fim de descobrir o que é verdadeiro e o que é falso; e isso não
depende de vosso julgamento ou de vossa opinião, ou de vosso conhecimento,
ou de vosso condicionamento.
Tendes, pois, de escutar, se tendes intentos sérios. Se desejais apenas entreter-
vos com coisas sérias, proporcionar-vos um passatempo intelectual, está certo
também. Mas, se desejais ser verdadeiramente sérios, sentir a ânsia de
descobrir o que é Verdade, tendes de escutar. O ato de escutar não implica
concordância ou discordância. E essa é que é a beleza do escutar. Compreende-
se, então, totalmente. Se escutardes aquele corvo, vereis que estais escutando
de maneira tão completa, que não ficareis comparando, que não ficareis
interpretando o som como som produzido por um corvo. Estareis escutando
puramente o som, sem interpretação, sem identificação e, por conseguinte, sem
comparação. É esse o ato de escutar.
Ora, se nos estamos comunicando por meio de palavras — e só por esse meio
podemos fazê-lo — deveis não apenas ouvir a palavra — isto é, a natureza e o
significado da palavra — mas também escutar sem concordar nem discordar,
sem comparar, sem interpretar; deveis, com efeito, prestar toda a atenção.
Vereis, então, por vós mesmo, imediatamente, o pleno significado de tudo o que
a palavra “liberdade” implica. Pode-se compreendê-lo instantaneamente. A
compreensão, o ato de compreender é imediato, não importa se ocorre amanhã,
se hoje. O estado de compreensão é atemporal; não é processo gradativo,
processo de acumulação.
Não estamos, pois, apenas em comunicação verbal entre nós, mas estamos
também escutando uns aos outros. Estais escutando a vós mesmo, ao mesmo
tempo que estais ouvindo o orador. O que o orador está dizendo não vos diz
respeito, mas o que estais escutando vos diz respeito; vede, por favor, que não
me estou fazendo sutil. Porque é o ouvinte, vós, que tem de descobrir o que é a
Verdade; é o ouvinte que tem de compreender toda a estrutura, toda a anatomia,
as profundezas e a plenitude da liberdade. O orador está apenas fazendo uma
comunicação verbal. E se vos limitais a ouvir suas palavras e dizeis: “Essa é
vossa opinião”, “Esta é minha opinião”, “Concordo”, “Discordo”, “Foi o que
Sankhara ou Buda disse” — então nós dois não estamos em comunhão.
Estamos unicamente nos entretendo com opiniões — pelo menos vós estais.
Devemos, pois, ver com clareza, desde o começo, que não estamos apenas
ouvindo a comunicação verbal — a palavra, o significado da palavra, a natureza
da palavra — mas também escutando.
Tendes, assim, uma dupla tarefa: ouvir as palavras, e escutar. Naturalmente, a
palavra que ouvis tem certa significação, evoca certas respostas, certas
lembranças, certas reações. E deveis, também, ao mesmo tempo, escutar sem
reação, sem opinião, sem julgamento, sem comparação. Vossa tarefa, por
conseguinte, é muito maior que a do orador, e não o contrário, como costuma
acontecer: o orador faz todo o trabalho e ficamos apenas a ouvi-lo, concordando
ou discordando e, depois, lá nos vamos, muito animados, muito satisfeitos,
intelectualmente estimulados. Tal estado nenhuma valia tem; o mesmo resultado
se obtém indo a um cinema.
Mas, quando um homem é verdadeiramente sério, sua seriedade exige atenção
total, atenção que tudo penetra, de lado a lado. Esse homem deve conhecer a
arte de escutar. Se vós a conheceis, não é necessário dizer-vos mais nada.
Porque, então, escutareis a voz do corvo, do pássaro, o cicio da brisa entre as
folhas; e escutareis também, dentro em vós mesmo, os murmúrios de vossa
mente, de vosso coração, e as mensagens procedentes do inconsciente. Achais-
vos então num estado de penetrante e intensa escuta e, por conseguinte, já não
vos estais entretendo com opiniões.
Por conseguinte, se sois verdadeiramente sérios, assim escutareis, pois é dessa
maneira que deveis escutar. Porque, como disse, é necessária absoluta
liberdade para a compreensão da Verdade. Sem essa compreensão, a vida se
torna muito superficial, vazia; o indivíduo se torna um mero autômato. E no ato
de compreender o que é verdadeiro — isto é, no ato de escutar — a vida
recomeça, numa forma nova.
Nossa mente não é nova. Nossa mente já viveu milênios. Por favor, não me
venhais com a reencarnação; se o fizerdes, não estais escutando. Empregando
a palavra “milênios”, não me estou referindo apenas a vós, porém ao homem.
Sois o resultado da existência milenar do homem. Sois uma consciência
vastíssima, mas vos apropriastes de apenas uma parte dela e esta parte
cercastes de uma muralha, a confinastes, e agora dizeis: “Esta é minha
individualidade”. E dizendo “milênios”, não me estou referindo a essa clausura,
esse cercado de arame farpado que, geralmente falando, é cada um de nós.
Refiro-me àquele estado de consciência que é imenso, dilatado, que teve
milhares de experiências e se acha debaixo da crosta, da carga, do peso da
tradição, do saber, de toda espécie de esperança, de medo, desespero,
ansiedade, agonia, avidez, ambição — não apenas a ambição dos que estão
enclausurados, mas também a ambição do homem. Nossa mente, pois, está
embotada do passado. Este é outro fato psicológico; não se trata de vossa
opinião contra a minha.
Deste modo, com essa mente, essa psique que muito “experimentou”, que
conserva todas as cicatrizes, todas as lembranças, todos os movimentos do
pensamento, como memória — com essa mente vamos ao encontro da vida. Ou
com ela quereis chegar-vos àquilo que desejais descobrir: a Verdade.
Naturalmente, não o podeis. Como em relação a outra coisa qualquer,
necessitais, para isso, de uma mente nova. Para olhardes uma flor, ainda que a
tenhais visto todos os dias nos últimos dez anos — para a olhardes de maneira
nova, como se a estivésseis vendo pela primeira vez na vida, necessitais de uma
mente nova — mente fresca, inocente, sobremodo alertada. Do contrário, não
podeis ver; só podeis ver vossas lembranças, projetadas naquela flor. Por favor,
compreendei isto.
Uma vez tenhais compreendido o ato de ver como ato de escutar, tereis
aprendido algo de maravilhoso em vossa vida, algo que nunca mais vos deixará.
Mas, nossa mente tanto se gastou, tanto se embotou, por influência da
sociedade, das circunstâncias, de nossos temores e desesperos, de tantas
brutalidades, insultos, opressões — que se tornou uma coisa mecânica, obtusa,
embrutecida, pesadona. Com essa mente queremos compreender; não
podemos, é claro.
A questão, por conseguinte, é esta: Pode-se ficar livre de tudo aquilo? Se não,
nem a flor sereis capaz de ver. Não sei se, ao erguer-vos do leito, de manhã,
vedes o Cruzeiro do Sul, o céu estrelado. Se já tendes contemplado o céu — do
que duvido — talvez tenhais visto as estrelas, lhes conheçais os nomes e as
posições. E, depois de as terdes visto durante alguns anos, dias ou semanas, já
não sabeis vê-las, porém apenas dizer: “Lá está Júpiter, lá está Marte”, etc. Mas,
despertar pela madrugada, abrir a janela ou sair à rua para ver as estrelas como
coisas novas, com olhos desenevoados, com uma mente desobstruída — só
assim se pode compreender a beleza, a profundeza, o silêncio existente entre
vós e aquilo. Só então sois capaz de ver. E para o serdes, precisais estar livre;
não podeis vir com toda a vossa carga de experiência, para olhar.
Temos assim a questão: É possível nos livrarmos do conhecimento?
Conhecimento é o que se vai acumulando, de contínuo, do passado. Toda
experiência que tendes é logo traduzida, guardada, registrada; e com esse
registro vamos ao encontro da próxima experiência. Por conseguinte, jamais
compreendeis uma experiência; ficais apenas traduzindo cada desafio em
conformidade com a reação do passado e, dessa maneira, estais reforçando o
registro. Isto é o que se passa no cérebro eletrônico, no computador. Mas, nós
somos apenas pobres imitações desse maravilhoso instrumento mecânico
chamado “computador”. É possível sermos livres? De outro modo, não se pode
descobrir o que é a Verdade; podeis falar incessantemente a respeito dela, como
os políticos citam o Gita. Cabe-vos, pois, investigar. Mas, essa investigação não
é verbal; é o estado mental de escuta.
O conhecimento se torna nossa autoridade — autoridade, na forma de tradição,
de experiência, de coisas lidas, aprendidas, e a autoridade imposta por aqueles
que dizem que sabem. No momento em que um homem diz que sabe, não sabe!
A Verdade não é cognoscível. Ela tem de ser percebida a cada instante, como a
beleza da árvore, do céu, do poente. O conhecimento, como vimos, se torna a
autoridade que nos guia e molda e nos dá coragem, forças para prosseguir.
Tende a bondade de prestar atenção a tudo isso, porque temos de compreender
a anatomia da autoridade — a autoridade do governo, a autoridade da Lei, a
autoridade do policial, a autoridade psicológica constituída por nossas
experiências e pelas tradições que nos foram transmitidas, consciente ou
inconscientemente; tudo isso se torna nosso guia, torna-se um sinal de
advertência que nos indica o que se deve fazer e o que se não deve fazer. Tudo
isso se encontra nos domínios da memória. E esta constitui, efetivamente, o que
somos. Nossa mente é o resultado de milhares de experiências, com suas
lembranças, suas “arranhaduras”, resultado das tradições transmitidas pela
sociedade, pela religião, e das tradições educativas. Com essa mente tão repleta
de memória tentamos compreender o que não pode ser compreendido por meio
da memória. Portanto, devemos livrar-nos da autoridade.
Não sei se compreendeis o significado da palavra “autoridade”. O significado da
palavra, em si, é “o originador”, “aquele que cria algo novo”. 1 Considerai vossa
própria religião. Não sei se sois verdadeiramente religioso — provavelmente não
sois. Costumais ir ao templo, engrolar um amontoado de palavras, repetir certas
frases, e a isso chamais “ser religioso”. Ora, que peso extraordinário de tradição
os chamados guias espirituais e “santos” 2 vos implantaram na mente — o Gita,
o Upanishads, Sankara e outros intérpretes do Gita! Os interpretadores,
estribados no Gita, interpretam e vós seguis interpretando. E considerais uma
coisa extraordinária essa interpretação, e a quem sabe interpretar chamais “um
homem religioso”. Mas, essa pessoa está condicionada pelos seus próprios
temores; adora uma pedra esculpida pela mão ou pela mente! Essa tradição vos
é inculcada através de uma propaganda milenar — e não por propaganda
recentemente criada; vós a aceitais; ela vos molda o pensar.
1. Latim auctoritas, derivado de auctor: o que produz, o que faz nascer, autor.
2. Santos: são assim chamados, na Índia, os membros de certos grupos religiosos. (Cf. “Webster
Collegiate”) (N. do T.).
Assim, se desejais ser livre, tendes de varrer tudo isso — varrer os Sankaras, os
Budas, todos os livros e instrutores religiosos — para serdes vós mesmo, para
serdes capaz de descobrir. De outro modo, jamais conhecereis a extraordinária
beleza e o significado da Verdade, jamais conhecereis o Amor.
Assim, podeis vós, que fostes moldados por Sankara, por tantos “santos”, pelos
templos, varrê-los todos de vossa mente? Vós tendes de apagá-los da mente.
Tendes de ficar completamente sós, desajudados, sem desesperar e sem nada
temer; só então sereis capazes de descobrir. Para serdes capazes de apagá-
los, de negá-los totalmente — não apenas dizer, negativamente, “Larguemo-los”,
porém negá-los totalmente, deveis compreender toda a anatomia e estrutura,
toda a essência da autoridade; deveis compreender o homem que busca a
autoridade. Não podeis arrebatar a autoridade ao homem que a deseja, porque
ela é seu único consolo, seu pão de cada dia — como também o é do político,
do sacerdote, do filósofo. Mas, se desejais compreender essa coisa
extraordinária chamada Verdade, não deveis aceitar autoridade de espécie
alguma. Porque só a mente que está fresca, inocente, que é jovem e vibrante,
pode compreender tais coisas, e não aquela que está sendo impelida, moldada,
debilitada, sujeitada pelo passado. Ou uma coisa ou outra. Ou dizeis: “Não é
possível ficar-se livre do passado, do conhecimento, da autoridade que a mente
busca, em sua pobreza, em seu desespero e de cujo arrimo necessita. A mente
não pode em tempo algum ficar livre da autoridade, do passado, das coisas que
aprendeu, adquiriu, acumulou”. Ou, ainda, dizeis que a mente pode ficar livre do
passado. Mas, vós tendes de investigar, descobrir; não podeis simplesmente
dizer que ela pode ser livre ou não pode ser livre; isso significa apenas entreter
uma opinião absolutamente sem valor — deixai isso a cargo dos filósofos. Se
quereis descobrir, deveis investigar se aquilo é possível ou não; não podeis
simplesmente admiti-lo ou negá-lo.
Tendes, pois, de aprender o significado do conhecimento e da autoridade.
Quando se aprende, não há contradição, porque então se está aprendendo. Mas,
quando se está meramente adquirindo conhecimento, nesse caso há
contradição. Por favor, procurai perceber isso. Se estais meramente acumulando
conhecimento, vos vereis em conflito, porque a coisa sobre a qual estais
adquirindo conhecimentos é uma coisa viva, móvel, mutável e, por conseguinte,
entre o que ides acumulando e a realidade, apresenta-se uma contradição. Mas,
se estais aprendendo o significado dessa coisa, não há contradição nenhuma;
consequentemente, não há conflito. Por conseguinte, a mente que está
aprendendo está-se enriquecendo de energia, porque não se acha num estado
de conflito. Mas, quando a mente só se interessa em acumular, adicionar, ou
seja em olhar, observar, com base em seu conhecimento, então há contradição;
há então conflito e, portanto, dissipação de energia.
Dessarte, o homem que aprende não tem conflito; mas o homem que meramente
acumula conhecimentos, a fim de viver em conformidade com determinado
padrão estabelecido por ele próprio ou pela sociedade em que vive, ou por uma
certa personalidade religiosa — não importa qual seja — esse homem se acha
em contradição e, por conseguinte, em conflito.
E, como disse outro dia, o conflito é a própria essência da desintegração. O
conflito não surge apenas do passado, mas também em relação com o presente.
Surge também quando tendes ideais — “que deveis ser isto” ou “que deveis
achar-vos em tal e tal estado”; quando entretendes idéias “esplêndidas”,
“nobilitantes”. Muito importa compreender a natureza de um ideal. O ideal não é
a realidade. Uma idéia, projetada da mente que se acha em conflito, torna-se o
ideal, de acordo com o qual essa mente deverá viver; por conseguinte, a mente
fica em conflito, em contradição. Mas, a mente que está escutando um fato, não
um ideal — essa mente não se acha em conflito e, por conseguinte, se está
movendo de fato para fato. Essa mente se encontra num estado de energia. Sem
essa energia não podeis ir muito longe. Mas estais dissipando vossa energia em
contradições, na luta para vos tornardes isto e não aquilo.
Cumpre-vos, pois, observar, cumpre-vos escutar, cumpre-vos ver o fato — o que
é — e com ele ficar-vos. E isso é dificílimo.
Evidentemente, nunca refletistes sobre estas coisas ou provavelmente elas não
vos vêm natural e espontaneamente, assim como as chuvas descem do céu.
Estais, talvez, ouvindo-as pela primeira vez ou já lestes algo a respeito delas.
Como este orador tem falado tantas vezes sobre elas, direis, porventura: “Ei-lo
de volta, com suas velhas falas”. Mas, se estais escutando, se estais cônscio
das intenções do orador, vereis o fato, isto é, que tudo o que tendes é
conhecimento, e ficareis com esse fato. O fato é que sois, completamente, o
passado em relação com o presente; o passado poderá ser modificado, alterado,
mas vos estareis sempre movendo e existindo no passado.
Ora, que entendemos por “viver com um fato”? Entendemos: não aceitá-lo, não
rejeitá-lo, porém escutá-lo; escutar todos os sutis movimentos, insinuações e
sugestões, e perguntas e respostas que ele determina; não negá-lo, porque isso
não é possível — se o fizerdes, podeis ir parar num hospício. Eis, com efeito, o
que significa observar o fato e “viver com ele”.
Ora, quando viveis com alguma pessoa ou coisa — com vossa esposa, com
vossos filhos, com uma árvore, com vossa idéia — ou ficais tão acostumado com
ela que ela deixa de existir, ou viveis com ela, tudo observando. No momento
em que vos acostumais com uma coisa, vos tornais insensível. Se eu me
acostumo com esta árvore, 3 torno-me insensível a ela. Se fico insensível à
árvore, fico insensível ao que é sórdido, insensível às pessoas; fico insensível a
tudo. Mas, estar atento a alguma coisa não significa acostumar-se com ela, não
significa acostumar-se com o que é sórdido, imundo, acostumar-se com a
família, a esposa, os filhos. O não nos acostumarmos com uma coisa exige
grande soma de atenção e, por conseguinte, de energia. Espero que estejais
seguindo minhas palavras.
3. Krishnamurti está discursando ao ar livre. (N. do T.)
Por conseguinte, a mente que deseja compreender o que é verdadeiro tem de
compreender, não idealmente, o inteiro significado do que é liberdade. Liberdade
não significa a libertação que se alcança num certo mundo celestial, porém, sim,
a liberdade em seu sentido usual; a liberdade que consiste em estar livre do
ciúme, do apego, da ambição, da competição — que representa o mais: “Preciso
tornar-me melhor”, “Sou isto e preciso tornar-me aquilo”. Mas, quando vos
observais como sois, não há então tornar-vos diferente do que sois; ocorre então
uma imediata transformação de o que é.
Assim, a mente que deseja ir muito longe deve começar com o que está muito
perto. Mas não podeis ir muito longe se tratais apenas de verbalizar a respeito
de algo que o homem criou e a que chamou Verdade ou Deus. Deveis começar
com o que está muito perto, para lançardes a base adequada. E, mesmo para
lançar essa base, necessita-se de liberdade. Assentai, pois, a base na liberdade
e em plena liberdade; assim, já não será uma base: será um movimento, e não
uma coisa estática.
Só quando a mente compreendeu a indescritível natureza do conhecimento, da
liberdade e do aprender, pode o conflito cessar; só então poderá tornar-se
perfeitamente lúcida e precisa. Já se não verá embrenhada em opiniões e juízos;
achar-se-á num estado de atenção e, por conseguinte, num estado de energia
integral e de aprender — que não significa “aprender a respeito de quê?” — Só
a mente tranquila é capaz de aprender; e o importante não é “a respeito de quê”
a mente aprende, senão o estado de aprender, o estado de silêncio em que ela
está aprendendo.
Madrasta, 15 de janeiro de 1964.
3
O Medo
Desejo falar nesta tarde a respeito do medo. É necessário examiná-lo
profundamente e não cuidar apenas de achar algum remédio superficial, ou
algum conceito ou ideal, aplicável como meio de se ficar livre do medo, pois isso
jamais será possível. Desejo não apenas examiná-lo verbalmente, mas também
ultrapassar a palavra e indagar não verbalmente se há alguma possibilidade de
ficarmos totalmente livres do medo, tanto do medo biológico e fisiológico, como
do medo psicológico.
Para a maioria de nós, a palavra tem papel muito importante. Somos escravos
da palavra. Nosso pensar é verbal, e sem palavras dificilmente pensamos. Há
talvez uma maneira não verbal de pensar; mas, para se compreender o pensar
não verbal, temos de ficar livres da palavra, do símbolo, do pensamento verbal.
Entretanto, para quase todos nós, a palavra, o símbolo, tem extraordinária
influência em nossa vida. Pois a mente é escrava das palavras — palavras como
“hindu”, “hinduísta”, “brâmane”, etc. E, para entrarmos profundamente nesta
questão do medo, temos não só de compreender o significado das palavras, mas
também, se possível, de libertar a mente da palavra, a fim de podermos
compreender profundamente o significado do medo.
Para a investigação profunda, torna-se necessário o senso de humildade — mas
não como virtude. A humildade não é virtude, é um estado de ser: ou sois
humildes ou não sois. Ela não pode ser adquirida, nem cultivada; não podeis ser
vaidoso e cobrir vossa vaidade com uma capa de humildade — como procura
fazer a maioria de nós. Vamos aprender a respeito do medo. E para
aprendermos a respeito do medo, sua extraordinária importância em nossa vida,
sua escuridão e seus perigos, temos de investigá-lo. Por conseguinte, é
indispensável aquele estado de humildade destemerosa, humildade não
premiada e não buscada.
Para quase todos nós, virtude é meramente uma coisa que cultivamos como
meio de resistência às exigências de nossos desejos e também às exigências
de uma certa sociedade, a que por acaso pertencemos. Mas a virtude é algo que
não está contido na esfera do tempo. Não pode ser acumulada, não pode ser
cultivada. Ela é, por exemplo, “ser bom” e, não, “tornar-se bom”. Estas duas
coisas são completamente diferentes. Florescer na bondade é muito diferente de
tornar-se bom. Tornar-se bom é um meio de conquistar uma recompensa, evitar
uma punição, ou de levantar uma resistência; nisso, não há florescimento.
Da mesma maneira, deve haver humildade como estado imediato, e não como
um estado que se adquire. Só aquele estado pode abarcar as coisas,
compreendê-las, aprender. Pois — principalmente em se tratando de matéria
não técnica — só há aprender, e não ser ensinado e adquirir conhecimentos.
Pode-se adquirir informações, conhecimentos, em relação à Matemática. Mas,
em relação ao medo, o necessário é aprender — não de livros, nem com estudos
psicológicos, porém, sim, pela observação de si mesmo pelo próprio indivíduo.
E não é possível aprender quando não há humildade. Assim, cada um tem de
ser ao mesmo tempo seu próprio mestre e discípulo, e este discípulo é a mente
que está aprendendo. A pessoa cuja mente está aprendendo não é um discípulo
submisso, sempre pronto a aceitar e a seguir. Aquele que se submete, que
segue, não está buscando a verdade; está, simplesmente, a ajustar-se a um
padrão de bom comportamento, do qual espera, como recompensa final, o
conhecimento daquilo que se chama Verdade.
A humildade, pois, é um estado mental em que não existe temor. A humildade é
coisa diferente do respeito. Podeis respeitar a outrem; e, porque sois respeitador,
nunca há desrespeito. Mas, vós respeitais o Governador, o Primeiro-Ministro, e
dais pontapés em vosso serviçal; e, aí, há desrespeito. A humildade, pois, em
nada se relaciona com o respeito; é um atributo da mente. E só a mente que tem
humildade é capaz de aprender. Por conseguinte, só a humildade pode seguir
com precisão cada movimento do pensamento. Porque (com ela) a mente se
acha num estado de aprender, num estado de atenção — não de concentração.
Apreciaremos a atenção e a concentração noutra oportunidade, quando falarmos
sobre a meditação.
Nesta tarde, estamos considerando o medo. Estamos investigando se alguma
possibilidade existe de nos tornarmos — não verbalmente, não teoricamente,
não idealmente, porém de fato — livres do medo, profunda, fundamental,
radicalmente livres. Não sei se a vós mesmos já fizestes esta pergunta;
provavelmente nunca a fizestes. Admitimos o medo, o medo psicológico, como
coisa inevitável e, por conseguinte, tentamos reprimi-lo ou fugir dele. Mas,
quando indagardes se é de algum modo possível ficar-se completa e totalmente
livre do medo, descobrireis, por vós mesmo, algo extraordinário, ou seja um
estado em que a mente não só tem humildade, mas também a propriedade de
existir, toda inteira, num estado de inocência. Sobre isso vamos falar nesta tarde.
Estamos considerando o medo — e não uma dada espécie de medo. Há várias
espécies de medo, interna e externamente, dentro e fora de nós. Fora, há muitos
perigos. O medo denota um certo perigo — o perigo de perdermos um emprego,
o perigo de morrermos, de sofrermos algum desastre; o medo de não
alcançarmos uma certa posição, de não nos preenchermos, de faltar-nos
dinheiro; medo da pobreza, do desconforto, da doença, da dor. Para a dor física
é relativamente fácil encontrarmos alguma solução ou remédio — recorrendo ao
médico ou conformando-nos com ela. Pode uma pessoa conformar-se com um
certo mal físico, se está cônscia e certa de que não lhe irá deformar a mente,
causar-lhe amarguras e ansiedades, e se sua mente se mantiver vigilante sobre
si mesma, a fim de não criar nem temer algum mal futuro. Tudo isso é fácil de
atender de maneira mais ou menos inteligente, com relativo equilíbrio e
compreensão. Mas, estamos considerando o medo psicológico, muito mais
complexo e que exige intensa investigação e atenção. Porque é fácil perceber
que, quando há medo psicológico, de qualquer espécie ou forma que seja, esse
medo deforma-nos o percebimento.
E, como disse outro dia, não estais aqui meramente escutando, ouvindo
palavras; estais escutando e ouvindo ao mesmo tempo. O orador está apenas
se servindo de palavras para comunicar-se convosco. A natureza da palavra e a
compreensão da palavra dependem de ambas as partes — de vós e de mim.
Mas a arte de escutar é toda vossa. Se apenas escutais as palavras e não tratais
de ir diretamente aonde elas indicam, ficais detido na audição da palavra, sem ir
mais longe. E, como disse, nós estamos aprendendo. Para aprender, necessita-
se de humildade; e, para aprender, é preciso escutar, é preciso ouvir. Ouvir,
escutar, penetrar — tudo isso exige atenção, sem nenhuma resistência. Isto é,
ouvis o som da buzina daquele carro, ouvis a voz do corvo, ouvis barulhos de
tosse; mas ao mesmo tempo estais tão atento que ouvis a palavra, compreendeis
intelectualmente o seu significado através dos ouvidos, do sistema nervoso, etc.;
e há, também, o estado de aprender. Só então a mente pode aprofundar-se
nesta questão do medo.
Todos sentimos medo, de vária espécie, psicologicamente. A maioria de nós o
tem aceito constrangidamente, por não haver outro remédio. Conhecemos várias
formas de medo: medo da morte; medo da opinião pública; medo de não termos,
interiormente, possibilidade de bom êxito, de ganho, de alcançar nosso objetivo,
de preencher-nos em alguma coisa; medo das consequências de não nos
ajustarmos; também o medo em nós implantado por um ideal. Tende a bondade
de prestar um pouco de atenção a isto: quase todos nós somos idealistas um
tanto simples — “simples”, no sentido de “pouco refletidos”. Somos conformistas,
só sabemos dizer Sim, nunca Não.
Estamos a ajustar-nos e somos também impelidos pela sociedade a ajustar-nos,
a imitar, a aquiescer.
É isso o que está acontecendo atualmente neste país. Todos vós,
ideologicamente, fostes não-violentos. Aceitastes essa idéia talvez só
verbalmente, e não efetivamente. Como quer que seja, a pregastes e
incessantemente explanastes a sua moral. Os “santos”, os políticos e todos os
que desejam ter êxito na política têm pregado essa mesma coisa pelo mundo
todo, dela se servindo, em começo, como instrumento político, como meio de
ação. Vós a aceitastes e a seguistes por anos a fio, como um ideal. De repente,
sobrevém um acidente e todos, com igual ardor, vos tornais militaristas. E
ninguém nada objeta a essa extraordinária contradição. Toda uma geração que
aceitara a não-violência está agora sendo educada para apoiar a violência!
Percebeis a importância desse estado em que a mente aceita, com igual
facilidade, coisas contraditórias? Por certo, essa mente que aceitou ideais pode
ser impelida como qualquer rebanho de animais. Mas a mente que tem
compreensão do medo, essa não tem ideais; por conseguinte, não se deixa
manobrar por nenhuma propaganda, nenhum político, nenhum livro, nenhum
instrutor, nem pela sociedade. Essa mente que não se deixa governar, não
procura harmonizar-se com nenhum padrão de ideais, está enfrentando cada
minuto de cada ação e de cada pensamento, compreendendo cada movimento
do pensamento e sentindo o real, o fato, o que é — muito mais significativo do
que o que deveria ser.
O que deveria ser é o ideal; por conseguinte, é coisa inexistente, ilusória, sem
nenhuma significação. Mas o que é, o real, é de imensa significação; só este
pode ser transformado, e não o que deveria ser. Assim, com uma compreensão
completa dos ideais, podereis varrê-los todos. E ficareis, dessarte, com uma
carga de menos — mas isso não significa que vos tornareis algo diferente. Ao
varrerdes os ideais, vos vedes, com efeito, frente a frente com o fato — o que é
— o fato de que sois violento. E sabeis então como enfrentá-lo. Mas, se ficais
todas as horas empenhado em tornar-vos não-violento e em ostentar-vos como
tal, e hipnotizando-vos, estais num estado de ilusão. E tais indivíduos, em geral,
são neuróticos. Mas o homem que está todo atento a si próprio não tem ideais;
move-se de fato para fato — o fato psicológico referente a si próprio — o que é.
Foi assim afastado um dos fatores do medo. Compreendei, por favor, o
extraordinário significado disso. No momento em que estais livre de ideais — os
quais são inexistentes, sem realidade — estais defronte de o que é. Isto é, se
sois violento e vos tornais consciente de vós mesmo como entidade violenta,
sabeis então como proceder a esse respeito; e não há hipocrisia, não há
dissimulação, não há pôr uma máscara de não-violência, ardendo em rancor
interiormente! Assim, se compreenderdes isto, não verbalmente, porém de fato,
estareis livre dessa extraordinária contradição referente ao que deveria ser e ao
que é. E tereis afastado de um golpe essa contradição e, por conseguinte,
estareis apto a enfrentar, em seu todo, o problema do ajustamento. Não há então
ajustamento, porém apenas compreensão do fato da violência.
Nossa sociedade está baseada na violência — violência que é competição, cada
qual só interessado em si próprio e a isolar-se dos demais. Podeis dizer “Ama o
teu próximo”; isto é excelente. Mas não se pode ser ambicioso ao mesmo tempo.
Esses dois — o amor e a ambição — não podem coexistir; mas, em vosso
emprego, estais competindo por uma posição melhor, uma função melhor, mais
dinheiro... conheceis bem a história!
Deveis, pois, compreender esse processo dos ideais: como “projetamos” ideais
a fim de fugirmos ao fato, e como os ideais promovem ajustamento, contradição,
conflito e, por conseguinte, engendram o medo. Tendes de compreender toda
essa estrutura dos ideais. Não se pode compreender apenas intelectualmente.
Compreensão intelectual é coisa inexistente. Quando dizeis “compreendo
intelectualmente”, estais dizendo que compreendeis o significado da palavra.
Mas, compreensão significa compreender totalmente, com vossa mente, verbal,
emocional, intelectualmente, com todo o vosso ser; essa compreensão é
completa e instantânea. Se assim compreenderdes — em relação aos ideais, ao
ajustamento, à contradição — tereis afastado um dos principais fatores do medo.
Por favor, enquanto o orador fala, penetrai em vós mesmo; não fiqueis
simplesmente ouvindo palavras, para depois vos mostrardes de acordo e
dizerdes: “Que mais tendes para dizer?”. O que direi em seguida, o que está
para vir, ainda não sei o que será; e o que está para vir vos será igualmente difícil
se vós próprio não vos investigardes. Nós estamos andando, viajando juntos,
aliviando nossa mente de um dos principais fatores do medo.
Consideremos agora a questão da disciplina, que significa exercitar-nos,
psicologicamente, para harmonizar-nos com determinado padrão, seja o
chamado padrão religioso, seja o padrão moral de uma dada sociedade.
Disciplina significa, com efeito, verbalmente, “aprender”. Não sei se já refletistes
sobre a disciplina, se já tentastes disciplinar-vos praticamente — não
teoricamente, porém praticamente — para verdes se sois capaz de disciplinar-
vos e que resultados isso dá. Se já o tentastes, tereis visto que há resistência —
resistência a um dado desejo ou um dado impulso ou ânsia; resistência ou
repressão que significa controle. Toda repressão, toda resistência, todo controle
é contrário ao aprender. Se aprendo a respeito de alguma coisa, a respeito da
cólera, por exemplo, não só fico consciente de estar encolerizado, mas também
observo a causa, o fator dessa cólera, que é a correspondente reação. Examino-
a, compreendendo-a. Nesse processo de compreensão não há resistência, não
há necessidade de controle, porque dessa compreensão nasce uma diferente
espécie de disciplina, que é o ato de aprender.
Não sei se me estais seguindo. O de que necessitamos é uma mente livre, e não
uma mente disciplinada (disciplinada, na acepção comum do termo), uma mente
exercitada para ajustar-se a determinado padrão. A mente disciplinada é mente
morta; é rotineira, estreita, vulgar, pequenina; nunca é livre. E só a mente livre
pode compreender, ir além, fazer uma viagem infinita em seu próprio interior.
Assim, a mente que está tão-só a disciplinar-se — que significa resistir, controlar
— nenhuma possibilidade tem de compreender a natureza do medo. Tentamos
descobrir a causa do medo. Dizemos: “Sinto medo por tal causa”. Consideramos
muito importante achar a causa do medo; mas isso de modo nenhum é
importante. Pensamos que, compreendendo a causa, ficaremos livres do medo.
Se observardes bem, vereis que, ainda que conheçais sua causa, o medo
continuará existente. Assim, a mera pesquisa psicológica da causa do medo não
nos liberta do medo. Este é um dos fatores.
Mas, há o fator real, que exige grande soma de compreensão. Vou considerar
agora esse fator. Em todos nós existe o observador, o pensador, e o pensamento
— dois estados separados; um deles é o pensador, o observador, o
experimentador, e o outro a coisa experimentada, o pensamento. Esses dois
estados, no concernente à maioria de nós, são separados; há uma enorme
separação entre eles. Tende a bondade de observar; não vos limiteis a aceitar
ou a rejeitar o que se está dizendo. Observai-vos; deixai que o orador seja
apenas um espelho em que vos estais mirando, de modo que vejais a realidade
e não aquilo que desejais ver.
Há separação entre o pensador e o pensamento. E apresenta-se, assim, a
questão: como lançar uma ponte entre o pensador e o pensamento? O
pensamento cria a idéia, que é pensamento racionalizado; ou um grande número
de pensamentos racionalizados é reunido para constituir uma idéia, um conceito,
uma conclusão. Há o pensador e há o conceito que ele formulou por meio do
pensamento e que se torna o padrão. O pensador, por conseguinte, separa de
si o conceito. E por isso há conflito entre o pensador e o pensamento, uma vez
que o pensador está sempre procurando corrigir, alterar, modificar o
pensamento, ou dar-lhe continuidade.
Ora, é real essa separação? Vemos que existe tal divisão; mas existe realmente
um pensador separado do pensamento? Se não estais pensando, onde está o
pensador? Escutai, por favor. Não estou formulando uma pergunta retórica, para
responderdes, para concordardes ou discordardes. Se a vós fazeis esta
pergunta, como agora a estais fazendo, tereis de averiguar se, quando não há
nenhum pensamento, existe algum centro de onde emana o pensar. Só há
pensamento, e o pensamento cria o pensador por várias razões psicológicas —
porque deseja segurança, um meio de ter novas experiências, um centro de onde
atuar, etc. etc.
Há, pois, esta divisão entre o pensador e o pensamento e, por conseguinte, há
conflito. Enquanto existir tal divisão, haverá necessariamente medo. O pensador
procura então controlar o medo, dominá-lo; tenta resistir ao medo, livrar-se dele.
Por conseguinte, está sempre a considerá-lo como coisa separada dele próprio
e, por esta razão, nunca se liberta do medo. Temos aqui, outrossim, uma das
causas principais da continuidade do medo. Enquanto há divisão entre
observador e coisa observada, há contradição, separação: o medo lá, ele cá. E
observando o medo, o observador deseja livrar-se dele; por conseguinte, tenta
todos os métodos de libertar-se do medo.
Se não há pensador, porém apenas o estado de medo — o estado de medo, e
não a entidade que sente medo — é possível então compreender o medo,
examiná-lo. É o que agora farei rapidamente.
Que é realmente o medo — o medo psicológico? É um estado em que,
psicologicamente, se está consciente de um perigo: o perigo de perder a esposa,
de perder um emprego etc. Psicologicamente, que é esse medo? É o tempo,
sem dúvida. Se não houvesse o tempo, não haveria medo. Por isso que posso
pensar numa certa coisa — pensar no perigo, pensar em perder o emprego,
pensar na morte, pensar no intervalo entre a realidade atual e o que poderá
acontecer — esse lapso de tempo constitui a causa do medo. Se não houvesse
tempo, se não houvesse amanhã, correspondente ao pensamento “Que irá
acontecer amanhã?”, se a mente se ocupasse tão-só com o real estado de medo,
que aconteceria então? Há o tempo cronológico, marcado pelo relógio. Mas, se
não há tempo psicológico — não só o tempo referente ao amanhã, mas também
o tempo referente ao dia de ontem — isto é, se o pensamento não se ocupa com
o que irá acontecer amanhã ou não volta ao que já aconteceu, para relacioná-lo
com o presente — vemo-nos então, não em presença do medo, porém apenas
em presença de um estado.
Se vos tendes observado, sabeis o que realmente ocorre quando sentis medo,
quando existe perigo psicológico? Suponhamos, por exemplo, que tenho medo
que se descubra o que eu sou. Se isso se descobrisse, eu poderia perder minha
reputação, minha posição, etc. Assim sendo, cubro-me com uma máscara. E
atrás dessa máscara há sempre ansiedade, sentimento de culpa, o sentimento
da necessidade de estar sempre atento, para nunca tirar a máscara e deixar ver
o que atrás dela se esconde. Esse é o meu estado real. O que vedes é a
máscara, e não o meu estado; mas o que se esconde atrás da máscara é o meu
verdadeiro estado, que me inspira medo. Pois bem. Que está ocorrendo? Não
estais suficientemente interessado em minha pessoa para arrancar-me a
máscara e olhar. Porque tendes também vossas próprias máscaras — muitas
delas — isso não vos interessa. Mas, eu estou pensando que podeis olhar. Esse
“podeis” refere-se ao futuro; e o passado representa algo que pratiquei e que
podeis descobrir. Estou todo enredado no tempo; e nesse tempo — que pode
ser uma fração de segundo, ou um dia, ou dez anos — nesse tempo está o
pensamento enredado. O pensamento o criou — o pensamento de poderdes
olhar o que se oculta atrás de minha máscara. É, pois, o pensamento que cria o
medo, e o medo existe por causa do tempo. Não há fugir disso, não há dizer:
“Não terei medo do tempo”. Tendes de compreender esse sutilíssimo processo.
Outrossim, se investigardes suficientemente esta questão, descobrireis também
que, realmente, verdadeiramente, nunca experimentais esse estado de medo.
Não é o mesmo estado de quem se vê, fisicamente, na borda de um precipício
ou frente a frente com um réptil venenoso. O sentimento de medo é então
imediato, e requer uma reação imediata. Mas a maioria de nós provavelmente
nunca olhou face a face o estado de medo, porque só o atingimos através de
palavras, e são estas que geram o medo. Tomemos, por exemplo, a palavra
“morte”. Não vou falar a respeito da morte; deste assunto trataremos noutra
reunião. Estou-me referindo a palavras como “Deus”, “morte”, “comunismo” etc.
A palavra representa um papel de extraordinária importância em nossa vida. A
palavra “morte” evoca toda sorte de imagens e temores: a palavra ou o símbolo,
ou coisa que vistes na rua — o transporte de um defunto, que é um símbolo. A
palavra, como vemos, gera o medo.
Tratai, pois, de compreender o que está implicado nesse extraordinário processo
do medo: palavra, tempo, ideal, disciplina, ajustamento, e essa separação entre
experimentador e coisa experimentada. Vereis que tudo isso está implicado
quando começardes a investigar o medo; e tendes de compreendê-lo totalmente,
e não por fragmentos. E, se chegastes até aí, tendes de descer muito mais fundo
ainda, pois precisais investigar de modo completo a questão do consciente e do
inconsciente.
A maioria de nós vive na superfície. Todas as nossas atividades, toda a nossa
rotina, todas as nossas sensações se acham na superfície. Nunca penetramos,
nunca sondamos as profundezas de nossa consciência, a fim de compreendê-
las. E, para compreender, deve a mente superficial, que está sempre ativa,
quietar-se completamente.
A mente precisa libertar-se totalmente do medo, porque, se há qualquer sombra
de medo, em qualquer nível inexplorado, oculto, da consciência, esse medo
projetará uma ilusão obscurante. A mente que deveras deseja compreender o
que é verdadeiro, real — o extraordinário estado da mente que compreende essa
coisa chamada Verdade — não deve ter, psicologicamente, medo de espécie
alguma. Há o medo instintivo: quando vos encontrais com uma serpente, saltais
para longe dela — o que é perfeitamente natural. Esse medo é necessário; se
não existe, o indivíduo é neurótico. Trata-se da reação normal de uma mente sã.
Mas, estamos falando sobre o medo psicológico, que é um estado neurótico. A
mente que deseje deveras compreender, que deseje empreender uma viagem
de exploração e profunda compreensão dessa coisa extraordinária que se
chama Realidade — onde não há medida, tempo, ilusão, imaginação — deve
estar completamente livre do medo. Essa mente, por conseguinte, nunca estará
vivendo no passado nem no futuro. Mas não vos apresseis a interpretá-la como
uma coisa que está vivendo no presente, na maneira como o entendem certos
filósofos de grande fama, filósofos desiludidos, que preconizam viver
completamente no presente, aceitar tudo — o bom, o mau, o indiferente — no
presente, nele viver e dele tirar o melhor proveito possível. Não é necessário citar
o nome dessa filosofia a que estou aludindo. Já disse o suficiente a seu respeito;
sabemos o que ela é.
Deste modo, a mente que está bem consciente de tudo o que se relaciona com
o medo não se interessa pelo passado; mas, quando o passado se apresenta,
sabe o que tem de fazer, sem dele se servir como um degrau para o futuro. Essa
mente, por conseguinte, está vivendo no presente ativo e, portanto, compreende
cada movimento de pensamento, de sentimento, de medo, logo que se
manifesta. Muito há que aprender. Não há fim ao aprender. Por conseguinte, não
há, nele, medo, desespero, ansiedade. Deveis entranhar-vos disso
completamente, para que nunca vos vejais envolvido nas coisas que foram feitas
no passado ou que serão feitas no futuro, envolvido no tempo como pensamento.
Só a mente que se esgotou de todo desse medo, pode estar vazia. Nesse estado
de vazio, pode-se compreender o que é supremo, o que não tem nome.
Madrasta, 19 de janeiro de 1964.
4
Paixão sem Motivo
e o Desejo
A meu ver, um dos principais problemas que cada um de nós tem de enfrentar é
nossa absoluta falta de intensidade de sentimento. Há em nós uma certa
intensidade emocional, um excitamento continuamente mantido, no tocante a
nossas atividades — o que se deve fazer e o que se não deve fazer. Mostramos
um certo entusiasmo em relação a coisas que, em verdade, nenhuma
importância tem. Mas, segundo me parece há falta de paixão — não por
determinado fim que desejamos realizar, determinado objetivo que almejamos
alcançar. Refiro-me à consciência de um sentimento intenso, forte.
Somos em geral espíritos muito superficiais, espíritos medíocres, estreitos,
fixados numa fútil rotina, onde funcionamos sem atrito, mas se sobrevém algum
acidente vemo-nos num estado de perturbação e, posteriormente, recomeçamos
noutra rotina. O espírito superficial é incapaz de enfrentar problemas. Tem
problemas inumeráveis, todo o problema da existência. Mas, invariavelmente,
traduz esse problema imensamente significativo, que é o problema da vida,
segundo seu superficial, estreito, limitado entendimento e procura desviar a
caudalosa corrente da vida para seus estreitos, insignificantes canais. Eis o que
agora se nos depara, e talvez sempre. Mas, na atualidade, o desafio é muito
mais sério e exige uma reação igualmente intensa, igualmente forte, igualmente
viva.
Essa paixão não é coisa que se pode cultivar facilmente, tomando-se uma certa
droga, entrando-se num estado hipnótico a respeito de certos ideais, etc. Ela
vem naturalmente — tem de vir. Estou empregando deliberadamente a palavra
“paixão”. Porque em geral só empregamos essa palavra em relação ao sexo ou
em relação a um sofrimento intenso de que desejamos livrar-nos. Mas estou
empregando a palavra “paixão” para exprimir um estado de espírito, um estado
de ser, um estado de nossa íntima essência — se tal coisa existe — que sente
intensamente, que é sensível no mais alto grau — igualmente sensível à
imundície, à sordidez, à pobreza e às enormes fortunas e corrupção, à beleza
de uma árvore, de um pássaro, à corrente d’água e ao lago que espelha o céu
crepuscular. É necessário sentir tudo isso intensamente, fortemente. Porque,
sem paixão, a vida se torna vazia, superficial e sem muita significação. Se não
sois capaz de ver a beleza de uma árvore e de amar essa árvore, sentir-lhe
intensa afeição, não estais vivo. Emprego as palavras “não estais vivo”
deliberadamente, porque, neste país, a religião parece achar-se inteiramente
divorciada da beleza.
Quando não se é sensível a essa extraordinária beleza da vida, à beleza de um
rosto, às linhas de um edifício, à forma de uma árvore, ao vôo de uma ave, e à
canção matinal; quando não se está consciente de tudo isso, não se sente tudo
isso com toda a intensidade, então, evidentemente, a vida, que é cooperação e
relação, nada significa; está-se então funcionando mecanicamente. É sobre isto
que desejo falar nesta tarde.
Aquela paixão não é devoção, não é sentimentalidade; nada tem em comum com
a sensação. Se a paixão tem algum motivo, ou se é inspirada por algum motivo,
ou se é paixão por alguma coisa, ela se torna prazer e dor. Vede isso, por favor;
não desejo entrar em minúcias a este respeito, pois preciso prosseguir no exame
desta questão. Se a paixão é despertada sexualmente, ou se tem algum fim em
vista, se tem causa, há então, nesta suposta paixão, frustração, dor, exigência
da continuação de um prazer e, portanto, o medo de não poder conservá-lo, a
preocupação de evitar a dor. Assim, a paixão que tem motivo, que é excitada,
essa paixão invariavelmente acaba em desespero, dor, frustração, ansiedade.
Estamos falando sobre a paixão que não tem motivo — e esta é coisa muito
diferente. Se existe ou não, é a vós que compete descobrir. Mas, sabemos que
a paixão que é estimulada termina em desespero, em ansiedade, em dor, ou na
exigência de uma dada forma de prazer. Nisso há conflito, há contradição, há
exigência constante. Referimo-nos à paixão em que não há motivo. Tal paixão
existe. Ela não se relaciona com nenhum ganho ou perda pessoal, nenhuma das
pequeninas exigências de um dado prazer ou de um meio de evitar a dor. Se
não tendes essa paixão, não sereis capaz de cooperação; e cooperação é vida,
relação. Tal cooperação não é em prol de nenhuma idéia; cooperais, não porque
a isso sejais impelido pelo Estado, não pelo desejo de ser recompensado ou de
evitar punição, não porque seja preciso trabalhar por um certo ideal econômico,
uma certa utopia; cooperais, mas não no sentido de trabalhar em comum por um
certo ideal. Tudo isso, para nós, não são coisas conducentes à cooperação.
Estamos falando sobre o espírito de cooperação. Se não cooperamos, não pode
haver estado de relação. A vida exige que vós e eu cooperemos, façamos coisas
juntos, trabalhemos juntos, sintamos juntos, vivamos juntos, vejamos juntos. E
esse “sentimento de união” deve ser simultâneo, ter a mesma intensidade e estar
no mesmo nível; do contrário, não há “união”. E se observamos melhor este
mundo bastante triste e destrutivo, vemos que a mente se está tornando
mecânica, rotineira, e está sendo mantida, tecnologicamente, num estreito canal.
Por conseguinte, o estado de intensidade, a capacidade de sentir intensamente
a respeito de alguma coisa, vai desaparecendo gradualmente. E, se não sois
capaz de sentir intensamente, é bem óbvio que vossa mente está insensibilizada,
embotada, temerosa, etc.
Assim, pois, a paixão a que nos referimos é um estado de ser. É um estado
verdadeiramente extraordinário, como vereis, se nele penetrardes; um estado
sem mancha de sofrimento, sem autocompaixão, sem sentimento de temor. E
para o compreendermos, devemos compreender o desejo. Principalmente os
que foram educados na base das idéias e sanções religiosas de uma dada
sociedade, na qual a chamada religião tem função preponderante — pensam
que, para “realizar” aquilo a que chamam Deus, deve a mente estar isenta do
desejo; pensam que a ausência de desejo, o não ter desejo é um dos requisitos
importantes, principais. Conheceis provavelmente todos os livros que tratam
dessa matéria, todos os slokas, etc. Temos logrado extinguir nossas paixões,
exceto a um respeito: sexualmente. Temos sabido dominar o desejo. A
sociedade, a religião, a vida em comum — de tudo isso fizemos uma coisa sem
vitalidade, devido à nossa idéia de que, quando um homem, um ser ou entidade
humana, tem fortes sentimentos, muito aproximados de um desejo intenso, não
há possibilidade de compreender aquilo a que se costuma chamar “Deus”.
Que mal há no desejo? Todos vós o tendes, o sentis muito intensamente ou
brandamente, de maneira vaga. Que há de mal nele? Porque concordamos tão
facilmente que é necessário subjugar, destruir, desviar, reprimir o desejo?
Porque, evidentemente, o desejo ocasiona conflito — o desejo de riqueza,
posição, fama, etc. E o alcançar a fama, o adquirir posses, o sentir muito
intensamente, implica conflito, perturbação; e nós não desejamos ser
perturbados. É isso, precisamente, o que todos desejamos, essencialmente,
profundamente: não ser perturbados. Mas, quando nos vemos perturbados,
tratamos de procurar uma saída dessa situação, a fim de nos estabilizarmos num
estado confortante, onde nada nos possa perturbar.
O desejo, pois, constitui, para nós, uma perturbação. Prestai, por favor, atenção
a isto. Trata-se de fatos psicológicos; não é questão de aceitar ou rejeitar,
concordar ou discordar. São fatos, e não invenções minhas. O desejo, pois,
torna-se uma coisa que é necessário controlar, reprimir; e, por conseguinte,
todos os nossos esforços são empenhados neste sentido: custe o que custar,
não devemos deixar-nos perturbar, e todo fator de perturbação deve ser
reprimido, sublimado, posto de lado.
Vede, por favor — como já dissemos há dias e como vimos repetindo em cada
palestra — que o importante não é ficar ouvindo palavras, porém escutar
verdadeiramente. Há grande beleza no escutar. Esta tarde, vimos pela janela um
pássaro, um alcião. Tinha longo bico, penas lustrosas, de cor intensamente azul.
Cantava, e outra ave da mesma espécie, outro alcião, respondia, à distância.
Ficar apenas escutando, sem dizer “Aquilo é um alcião”, “Como é belo!”, “Como
é feio!”, “Porque não para de grasnar aquele corvo?” — não sei se alguma vez
já escutastes num tal estado de espírito. Escutar, quando nada há de lucrar,
escutar sem propósitos utilitários, sem nada se estar ganhando, sem se estar
evitando alguma coisa! Ou presenciar o poente, aquele esplendor vespertino,
aquela Vênus brilhante, aquele retalho de Lua nova — olhar, apenas, e sentir
intensamente!
Se escutardes dessa maneira deleitável, descansadamente, sem tensão, então
esse próprio ato de escutar é um verdadeiro milagre. Milagre porque, naquela
ação, naquele momento, está contido todo o ato de escutar, compreender, ver;
foram demolidas todas as muralhas e há espaço entre vós e o mundo e aquilo
que estais escutando. Desse espaço necessitais para observar, ver, escutar;
quanto mais amplo e profundo ele for, tanto mais beleza e profundidade haverá.
Algo de natureza diferente vem à existência quando há esse espaço entre vós e
aquilo que estais escutando.
Não me estou fazendo poético, sentimental ou romântico. Mas, nós não sabemos
escutar — escutar simplesmente — escutar nossa esposa, nosso marido, que é
implicante, briguento, irascível ou arrogante. Quando se escuta simplesmente,
compreende-se muita coisa; os céus se nos abrem largamente. Fazei-o, de vez
em quando! Não tenteis apenas — fazei-o! — e descobrireis algo por vós
mesmo.
Espero que estejais escutando dessa maneira. Porque estamos falando de algo
que transcende a mera palavra. A palavra não é a coisa. A palavra “paixão” não
é paixão. Sentir isso, deixar-se entranhar disso, sem volição, sem diretiva, sem
finalidade; escutar essa coisa chamada “desejo”, escutar nossos próprios
desejos — e temos tantos deles, fracos ou intensos — quando assim fizerdes,
compreendereis o enorme mal que praticais quando reprimis o desejo, quando
o desviais, quando com ele desejais preencher-vos, quando desejais fazer algo
em relação a ele, quando tendes uma opinião a seu respeito.
A maioria das pessoas perdeu esta paixão. Provavelmente a sentimos outrora,
na juventude... tornar-nos ricos, alcançar fama e viver uma vida burguesa ou
respeitável... talvez um vago murmúrio de paixão. E a sociedade, que sois vós,
sufoca esse sentimento, e o indivíduo é compelido a ajustar-se a vós, que estais
morto, que sois respeitável, sem uma centelha de paixão; dessarte, o indivíduo
se torna uma parte de vós e perde para sempre aquela paixão.
Para compreender, em sua inteireza, o problema do desejo, temos de
compreender o esforço. Porque, desde o momento em que entramos na escola
até à morte, vivemos num esforço perpétuo; nossa mente, nossa psique, é um
campo de batalha. Nunca se encontra um momento de quietude, de desafogo,
de liberdade; estamos sempre batalhando, pelejando, abrindo caminho,
ajuntando, evitando, acumulando; eis nossa vida! Não estou descrevendo uma
coisa inexistente. Nossa vida é luta constante. Não sei se já notastes que,
quando nenhum esforço fazemos — o que não significa estagnar-se, pôr-se a
dormir — quando todo o nosso ser está tranquilo, pode-se ver as coisas com
muita clareza e penetração, com vitalidade, energia, paixão.
E fazemos esforço porque somos impelidos por dois ou mais desejos contrários.
Estamos sempre enfrentando um desejo com outro desejo, o desejo de ter e o
desejo de não ter — e assim é de fato! Mas, se tendes um só desejo, não há
então problema nenhum. Tratais de levá-lo a cabo impiedosamente, lógica ou
ilogicamente, e com todas as respectivas consequências — dor, prazer. Mas,
como em geral somos um pouco civilizados — não civilizados demais — temos
aqueles desejos contrários e, assim, há sempre batalha.
Há a sanção religiosa que nos manda viver sem desejo — o padrão, o ideal
estabelecido por este ou aquele instrutor, este ou aquele guru, mediante
incessante repetição. Há aquele padrão implantado em nossa consciência,
através de séculos de propaganda, que se chama religião. E há também o
desejo, nosso desejo instintivo, em face das exigências, pressões e tensões da
vida cotidiana. Há, pois, contradição entre o padrão religioso e o desejo. E tendes
de excluir um e aceitar o outro, ou negar o outro e continuar com o que já tendes;
tudo isso implica esforço.
Para mim, todo ato de volição, isto é, todo ato de desejo — e o desejo é uma
reação — acarreta necessariamente esforço e contradição, e isso, por
conseguinte, significa que a mente se vê fragmentada, dividida entre desejos
inumeráveis. Por exemplo, vedes uma certa coisa, um carro, um belo carro;
tomais conhecimento dele por meio dos sentidos; e vem-vos então o desejo de
possuí-lo. Mas, qualquer que seja a forma que o desejo assume, tendes sempre
possibilidade de observar, por vós mesmo, como o desejo nasce. Ao nascer em
vós qualquer desejo, apresenta-se também o desejo tradicional, profundamente
arraigado em todos nós, de reprimir esse desejo. Mas, quando um desejo se
apresenta, deveis tomar conhecimento dele, compreendê-lo, escutar todos os
seus murmúrios — escutá-lo! Não deveis negá-lo, nem reprimi-lo, nem afastá-lo
para o lado, nem fugir dele. Não podemos fugir de nossos desejos.
Todos os “santos” e todos os iogues são impelidos pelo desejo, dilacerados pelo
desejo. Porque se cobrem com uma tanga e de cinzas, julgam viver vida muito
simples. Nem por sombras! Interiormente, estão em ebulição; e disso podem
estar conscientes ou inconscientes; não sabem o que fazer. E, assim, tornam a
vida deles próprios e sua convivência com seus “santos” uma coisa feia, brutal,
virulenta, odienta. Porque, quando não se compreende o desejo, cria-se
inimizade e antagonismo. Pode-se pregar interminavelmente a fraternidade, e
isso nada significará se não compreendermos essa coisa tão simples chamada
desejo. Se negais o desejo, se dizeis: “Tive uma experiência com esse desejo e
não devo continuar a mantê-lo” — nesse caso estais apenas comparando o
desejo com algo que já tivestes e que se tornou memória — uma lembrança
controladora do desejo. Vede-vos de novo empenhado em batalha.
Mas, ao nascer cada desejo — ainda que da coisa mais simples — deveis
observar sua vinda, sua vida, seu florescimento, seus ganhos de nova vitalidade.
E se não o reprimis, se não o comparais, se não o refreia a memória daquela
passada experiência, e se podeis observá-lo com aquele espaço de que falamos,
vereis que esse desejo se irá transformando em intensidade de sentimento, sem
objetivo — num sentimento. Mas, para a maioria de nós, a vontade é necessária,
ou pelo menos pensamos que o é. A vontade é uma corda tecida de muitos
desejos. E, no momento em que tendes a vontade de fazer ou a vontade de
negar, vos achais num estado de resistência. Por conseguinte, de novo vos
vedes em estado de conflito.
Estamos falando a respeito da mente amadurecida, que compreendeu o conflito.
A mente que compreendeu o conflito, que compreendeu toda a questão do
desejo com todos os seus problemas, está amadurecida, e só ela pode
compreender o que é real, o que é verdadeiro. Nenhuma outra, tampouco a
mente que reprimiu o desejo, pode compreender o que é real. Porque, para
compreenderdes o verdadeiro, necessitais de paixão. A paixão é uma
extraordinária força motora, não estimulada, não acionada pelo desejo. É uma
chama, sem a qual nenhuma transformação é possível no mundo, porque o
mundo está cheio de problemas.
E já que sois uma parte do mundo, estais cheios de problemas: discórdias
conjugais; brutalidades; o problema da fome, neste país, no Oriente, em toda a
Ásia; os problemas da guerra; essa coisa chamada “paz”; o problema da
cooperação. Há problemas, problemas e não tendes possibilidade de evitá-los.
Eles existem a cada minuto; consciente ou inconscientemente, vos estão sempre
assaltando a mente. E, ou tratais de compreendê-los, ao tornar-vos conscientes
deles — isto é, os solucionais imediatamente — ou os transportais para o dia
seguinte. O deixá-los para o dia seguinte é que é o verdadeiro problema, e não
o encontrar ou não encontrar solução para nossos problemas. Porque, adiando-
os, tornais a mente embotada, estúpida; dais tempo ao problema para enraizar-
se na mente. Por conseguinte, submeteis a uma contínua tensão as células
cerebrais, fatigando-as. Um cérebro cansado não tem possibilidade de
compreender. Necessitamos de uma mente fresca, cada dia. Portanto, temos de
compreender os problemas, em vez de adiá-los.
E, para se compreender um problema, o primeiro requisito é este: não dizer
“Preciso resolvê-lo, preciso encontrar solução para ele, preciso achar uma saída;
como encontrar a solução correta?”; não se atormentar com o problema como
um cachorro com um osso. E é só isso o que fazeis; e quanto mais vos
atormentais, tanto mais sério vos julgais! Mas, observai, por favor, a vossa
mente, a vossa vida, e não o que o orador está dizendo. E, para resolver
problemas — resolvê-los, e não adiá-los — tendes de olhá-los; tendes de ser
suficientemente sensíveis para poderdes observar as implicações, o significado,
a natureza íntima de um problema. Isso significa que deveis escutá-lo — escutar-
lhe todos os sussurros, seu pleno significado, não apenas verbalmente, mas ver,
sentir, tocar o problema, com vossos olhos, vosso nariz, vossos ouvidos, todo o
vosso ser. Isso significa não se deixar enredar na palavra que designa o
problema. Não sei se compreendeis que a palavra não é o problema. A palavra
“árvore” não é a árvore. Mas, para a maioria de nós, a palavra é importante, e
não a coisa que está atrás da palavra; o símbolo tem muito mais significado do
que o fato.
A mente, pois, tem de estar desperta, viva, vigilante, escutando cada problema.
O problema existe, e não podeis negá-lo. Todo problema significa a reação a um
dado desafio, e essa reação ou é total, completa, ou inadequada. A reação
inadequada ao desafio cria o problema. Não estais desperto a todas as horas,
não podeis estar vigilante, sensível nas vinte e quatro horas do dia; por
conseguinte, vossas reações são inadequadas e criam os problemas; e então
não tratais de enfrentar o problema imediatamente. Enfrentar de modo completo
o problema — o pensamento, o sentimento — imediato, não significa tentar
resolvê-lo, fugir dele, compará-lo, não significa dizer “Esta é a maneira de
resolvê-lo”... e todos os demais murmúrios e estúpidas idéias com que a mente,
o cérebro, se ocupa, na esperança de compreender o problema. Atender o
problema de maneira completa é escutá-lo, ser-lhe sensível. E não podeis ser
sensível ao problema se estais fugindo dele, se o estais recalcando, se tendes
para ele alguma solução.
Começamos, pois, a ver que a mente deve ser vigilante e sensível. Estou
empregando a palavra “mente” para designar o “intercâmbio” 1 entre o cérebro e
a coisa que controla o cérebro; pois a mente não consta apenas de nervos e
células cerebrais, mas também daquilo que é ao mesmo tempo transcendente e
constituído de células — a coisa total. A mente que a maioria de nós possui está
sobrecarregada de problemas, aos quais todos os dias acrescentamos novos
problemas. Dessa maneira, todo o nosso ser se torna embotado e perdemos
toda a sensibilidade. E quando não somos sensíveis, fazemos esforço. Vede,
por favor, o círculo vicioso em que estamos aprisionados.
1. No original: interplay — ação reciproca, influência recíproca. (N. do T.)
Dessarte, a compreensão do desejo é necessária. Tendes de compreender o
desejo e não viver sem desejo. Se matais o desejo, ficais paralisado. Se olhais
o pôr do Sol à vossa frente, esse próprio ato de olhar constitui um deleite, se sois
sensível. Isso também é desejo — o deleite. E não podeis ver o poente e com
ele deleitar-vos, se não sois sensível. Se, vendo um homem rico passar em seu
luxuoso carro, não podeis deleitar-vos com isso — não porque desejeis um carro
igual, mas porque simplesmente vos deleita ver um homem conduzindo um belo
carro; ou se, vendo um pobre ente humano, sujo, andrajoso, inculto,
desesperado, não sois capaz de infinita piedade, afeição, amor — não sois
sensível. Como podeis encontrar a realidade, se não tendes essa sensibilidade,
esse sentimento?
Tendes, pois, de compreender o desejo. E para se compreenderem todos os
murmúrios do desejo, necessitais de espaço e, portanto, não tenteis preenchê-
lo com vossos pensamentos ou lembranças, ou procurando um meio de realizar
ou de destruir o desejo. Dessa compreensão nasce o amor. Em geral, não temos
amor, não sabemos o que ele significa. Conhecemos o prazer, conhecemos a
dor. Conhecemos a inconsistência do prazer e, provavelmente, a continuidade
da dor. E conhecemos o prazer sexual, e o prazer de alcançar a fama, o prestígio,
e o prazer de exercermos extraordinário domínio sobre o corpo, como o exercem
os ascetas (e têm o cuidado de divulgar por escrito). Conhecemos todos esses
prazeres. Falamos interminavelmente a respeito do amor; mas não sabemos o
que ele significa, porque não compreendemos o desejo, que é o começo do
amor.
Sem o amor não há moral; o que há é ajustamento a algum padrão, social ou
supostamente religioso. Sem o amor, não há virtude. O amor é algo de
espontâneo, de real, de vivo. E a virtude não é coisa que se pode criar mediante
exercício constante; é algo de espontâneo, como o amor. A virtude não é uma
memória segundo a qual funcionais como ente humano virtuoso. Se não tendes
amor, não sois virtuoso. Podeis frequentar o templo, ter uma vida familiar
altamente respeitável, observar todas as moralidades sociais, mas virtuoso não
sois. Vosso coração é estéril, vazio, sombrio, estúpido, por não terdes
compreendido o desejo. Por conseguinte, a vida se vos torna um perene campo
de batalha, e o esforço só termina com a morte. Só termina com a morte, porque
é só o esforço que conheceis.
Assim, para compreender o desejo é preciso compreender, escutar cada
murmúrio da mente e do coração, cada alteração do pensamento e do
sentimento; é preciso observar o desejo, tornar-se sensível a ele, vivo para ele.
Não podeis tornar-vos vivo para o desejo, se o condenais ou se o comparais.
Deveis estar solicitamente atento ao desejo, porque ele vos dará uma
compreensão imensa. E dessa compreensão provém a sensibilidade. Sois então
sensível, não apenas fisicamente sensível à beleza, à sordidez, às estrelas, ao
sorriso ou às lágrimas, mas sensível também a todos os murmúrios, todos os
sussurros que vos povoam a mente — vossas secretas esperanças e temores.
E desse escutar, desse vigiar, vem a paixão, aquela paixão aliada do amor. Só
esse estado é que pode cooperar. E só esse estado que é capaz de cooperar,
sabe quando não se deve cooperar. Por conseguinte, em virtude dessa profunda
compreensão e vigilância, a mente se torna eficiente, lúcida, cheia de vitalidade
e de vigor; e só essa mente pode viajar para muito longe.
Madrasta, 22 de janeiro de 1964.
O despertar da consciência individual e coletiva
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O despertar da consciência individual e coletiva

  • 1. J. KRISHNAMURTI O DESPERTAR DA SENSIBILIDADE UNIVERSALISMO
  • 2. O Despertar da Sensibilidade Editora oficial das obras de Jiddu Krishnamurti em nosso idioma, regozija-se a Instituição Cultural Krishnamurti em apresentar a terceira edição deste livro, intitulado em português O Despertar da Sensibilidade, tradução das palestras proferidas por Krishnamurti em inglês, na Índia, no ano de 1964. Constitui ele mais um brado de alerta desse pensador para que todos vejamos que o mundo se está incendiando e que o homem é o responsável por este terrível incêndio. E que só compreendendo as causas que o levaram a tal situação, só com a esclarecida colaboração de cada um, poderá ser extinta a destruidora chama. Para tanto, o primeiro passo a dar é cada indivíduo tornar-se cônscio dessa responsabilidade, e não negá-la, isso que secularmente vem fazendo, como se não fora ele parte da humanidade. Sem dúvida, faliram os meios usados para conter a avassalante onda de desordem, conclusão e violência dos dias atuais, onda que se intensifica à medida que progride a tecnologia e recrudesce a batalha pela subsistência. Perdem os entes humanos, gradativamente, a confiança naqueles que se propõem guiá-los, sobretudo nas instituições fundadas com o fim de orientá-los, porquanto elas já não ostentam a virtude e o poder iluminante de sua fonte original. Deformaram-se através do cultivo do verbalismo religioso e da propagação de seus vazios mandamentos, tornando- se, assim, de todo inúteis. A verdade é que nos fugiu o senso dos lídimos valores e agora nos achamos desnorteados, sem vislumbrarmos alguma coisa grandiosa, inspiradora, capaz de nos descortinar um novo e promissor horizonte. Destarte, o estado espiritual do homem é eletivamente caótico, pois ele se sente como que desamparado, sem rumo certo, sem entusiasmo e ânimo criador, não atinando com os verdadeiros motivos de seu desalento e desencanto, sua interna vacuidade. Hoje, a preocupação dominante é toda ela de ordem material e sensitiva: anseio de ganho fácil e culto erótico, desenvolvendo-se paralelamente a esperteza, o ardil, o indiferentismo; mas o desprendimento, a benevolência, o altruísmo, atributos dos seres interiormente livres, poucos os manifestam. Daí o
  • 3. egocentrismo generalizado, que separa as criaturas e suscita entre elas o desamor. Lendo com atenção a presente obra, refletindo sobre os seus conceitos, talvez encontremos a salvadora orientação. Que se impõe, na crise contemporânea, radical mutação na consciência do homem, muitos o reconhecem, mas raríssimos chegam a alcançá-la. Presos como estamos aos velhos padrões do hábito e do vício, da imitação ou dependência, ainda não vimos o quanto importa a libertação. Neste trabalho, demonstra-nos Krishnamurti a urgente necessidade de nos transformarmos e aponta a base dessa transformação — a mente do indivíduo. Sendo ela, bloqueada que está, a causadora de nossos problemas, incluído o econômico, impende nos tornemos cônscios das condições em que vivemos — luta intérmina com os nossos infortúnios, reveses e aflições, e que deveras nos compreendamos, porque esta compreensão própria nos modificará e nos faz superá-los. Não há, com efeito, outra solução. Na terra, somos nós os forjadores do destino. Nada nos surge por acaso, nem por influências externas, súplica aos deuses, nem ainda por auxílio de mestres, instrutores ditos religiosos, monges ou “gurus”. Ninguém, coisa nenhuma deste universo nos erguerá. Nele estamos sós. Assim, de nós mesmos é que temos de extrair a energia libertadora, a luz que nos orientará. Esta luz é o “autoconhecimento”, exercido a cada instante de nossa vida. Ele nos fará ver como realmente somos e extinguirá as nossas amarguras.
  • 4. Sumário PRIMEIRA PARTE: MADRASTA 1 — A Deterioração do Homem 2 — A Liberdade 3 — O Medo 4 — Paixão sem Motivo e o Desejo 5 — O Tempo, o Sofrimento e a Morte 6 — A Meditação 7 — A Mente Religiosa SEGUNDA PARTE: BOMBAIM 1 — O Problema do Viver 2 — A Natureza do Conflito 3 — A Liberdade Total 4 — Um Fato Real 5 — O Fim do Sofrimento 6 — O Significado da Meditação 7 — A Religião, o Indivíduo e a Transformação
  • 6. 1 A Deterioração do Homem Penso que deveria ser de sumo interesse para a maioria de nós observar a deterioração que está solapando o caráter, a estabilidade, a natureza do homem. Essa deterioração se faz notar em todos os níveis de atividade. Neste país, principalmente, ela é muito visível — este país que sempre se supôs muito religioso, por tradição, por herança, e pela constante repetição de certas frases e idéias religiosas. Pode-se observar que, aqui, a deterioração é muito mais profunda, mais generalizada e, aparentemente, muito poucos se preocupam com ela. Os que se preocupam tratam de ressuscitar o passado, de volver às velhas e venerandas tradições, costumes, hábitos e atitudes de pensamento, aos antigos valores. Ou, ainda, buscam uma solução social ou econômica. Como quer que seja, é bem evidente que os que levam a vida a sério, ou se refugiam no passado, em suas velhas idéias visionárias, ou tratam de cultivar um novo conceito, uma nova fórmula, social ou religiosamente. Vendo-se o que se está passando no mundo, e principalmente neste país, parece-me que o que se faz necessário é uma revolução total na consciência. E não será possível tal revolução, se permanecermos insensatamente apegados a crenças, idéias e conceitos. Não encontraremos saída de nossa confusão, angústia, conflito, pela constante repetição do Gita, do Upanishads e demais livros sagrados; isso poderá levar à hipocrisia, a uma vida de insinceridade, de interminável pregação moral, porém nunca a enfrentar realidades. O que nos cumpre fazer é, segundo me parece, tornar-nos cônscios das condições de nossa existência diária, de nossos infortúnios, nossas angústias, nossa confusão e conflito, e tratar de compreendê-los tão profundamente que possamos lançar uma base adequada, para começar. Não há outra solução. Temos de enfrentar- nos assim como somos e não como deveríamos ser, segundo um certo padrão ou ideal. Temos de ver realmente o que somos e, daí, iniciar a transformação radical. Direis: “Que efeito ou valor pode ter uma transformação individual? Como poderá isso alterar o curso da existência humana? Que pode um só indivíduo fazer?” — Esta me parece uma pergunta errônea, porque não existe tal coisa — consciência individual; só há consciência, da qual somos uma parte. Um indivíduo pode segregar-se, cercar-se dentro de um determinado espaço
  • 7. chamado “Eu”. Mas esse Eu está relacionado com o todo, esse Eu não é separado. E, com a transformação dessa seção especial, dessa determinada parte, podemos influir na totalidade da consciência. Considero muito importante compreender que não estamos falando de salvação individual ou reforma individual, porém, sim, da necessidade de estarmos conscientes da parte em relação com o todo. Desse percebimento nascerá uma ação que atingirá o todo. Quando se considera o que está ocorrendo no mundo, onde a mente dos seres humanos se tornou mecânica, rotineira, onde os seres humanos estão separados em nacionalidades e grupos, divididos pela tecnologia — além das divisões religiosas em hinduístas, muçulmanos, cristãos, etc. — torna-se necessária, a meu ver, uma ação de caráter totalmente diferente. Devemos descobrir, sem dúvida, uma fonte diferente, uma diferente maneira de vida que não esteja em contradição com o nosso viver de cada dia, e ao mesmo tempo promover uma profunda compreensão religiosa da vida. Para mim, o importante não é apenas a imediata “resposta” aos diferentes “desafios” — resposta que deve ser adequada — mas também resposta que seja produto de uma vida profundamente religiosa. Entendo por “vida religiosa”, não uma vida ritualista, de ajustamento a determinado padrão, porém a vida religiosa resultante da autocompreensão. Porque, sem o conhecimento de nós mesmos — o que realmente somos, por mais desonestos, falsos, astutos, hipócritas e ignóbeis que sejamos — não temos base para nenhuma ação ou pensamento religioso. Parece-me, pois, que todo aquele que esteja real e profundamente interessado, não só na situação mundial, mas também em descobrir a verdade, em descobrir se alguma coisa existe além dos limites da mente — deve tratar de compreender totalmente a si próprio. E tal será nosso único empenho no decorrer destas palestras. Porque aí é que está a fonte, o manancial de nosso pensamento, de nosso ser e de nossa ação. Se não há autoconhecimento, se não há compreensão do Eu — não do “Eu superior”, do Eu com “E” maiúsculo — porém do “eu” ordinário, do homem que frequenta diariamente o escritório, que é apaixonado, irascível, violento, cruel, hipócrita, acomodatício — se não há essa compreensão total, completa, de todo o nosso ser, nesse caso toda ação, todo pensamento, toda idéia só conduzirá a mais confusão e mais angústia. E parece-me que temos em mãos uma imensa tarefa, tarefa que exige seriedade. Por esta palavra, entendo a capacidade de prosseguir até o fim na busca da Verdade ou numa pesquisa qualquer. Por não sermos verdadeiramente sérios, somos muito superficiais, fáceis de distrair e de satisfazer. Mas, para investigar profundamente em si próprio, o indivíduo tem de ser sério em extremo, e conservar-se nesse estado de seriedade. E isso requer energia; ninguém pode ser sério se não tem energia. Não deve essa energia ser esporádica, acidental, porém uma energia constante, capaz de observar um fato
  • 8. tal como é, e capaz de seguir esse fato até o fim — uma energia espantosa, tanto mental como corporal. E, para se ter energia, não deve haver conflito, já que o conflito é o principal fator de deterioração. Somos pessoas que foram educadas para viver em conflito. Toda a nossa vida é conflito, dentro e fora de nós — com o próximo, com nós mesmos, e em nossas relações. Tudo o que tocamos, tanto psicológica como ideologicamente, gera conflito. E o conflito é o maior fator de deterioração. Ora, a meu ver, a compreensão desse conflito, compreensão não parcial, porém total, é a mais importante tarefa da mente humana. Porque só com a completa terminação do conflito podem terminar todas as ilusões; só então tem a mente a possibilidade de penetrar fundo, na investigação da Verdade, no investigar se algo existe além do tempo. E só essa mente é capaz de descobrir o que é o amor e de descobrir o estado mental criador, porque tudo o mais, em qualquer forma que seja, é pura especulação. A mente religiosa não especula; move-se tão- somente, de fato para fato. E não é possível o fato quando há conflito ou tensão de qualquer espécie. Assim, creio que nosso problema principal resulta de termos perdido completamente a religião, o espírito religioso. Podeis ter templos, frequentar o templo, usar vestes sagradas, cultivar todas as demais futilidades desse gênero; mas não sois pessoas verdadeiramente religiosas. E o problema do mundo não pode ser resolvido em nenhum outro nível, exceto o religioso. A vida verdadeiramente religiosa é aquela que vivemos com compreensão do conflito e libertados do conflito. Nosso principal interesse, por conseguinte, é este: a compreensão do conflito, interior e exterior. Estes dois (“interior” e “exterior”) não são coisas separadas. O mundo não está separado de vós e de mim; vós sois o mundo e o mundo é vós. Isto não é uma teoria; se observardes bem, vereis que é um fato real. Estais condicionados pela sociedade em que viveis — sociedade comunista, socialista, capitalista ou de outra espécie. Sois considerado como um indivíduo nascido neste país, educado de acordo com uma certa tradição, crendo ou não crendo em Deus. Sois moldados pela sociedade, pelas circunstâncias. Vossas crenças, vossa conduta, vossa maneira de pensar, tudo é resultado de vosso condicionamento pela sociedade em que viveis. Este é um fato óbvio, irrefutável. Mas, separamos o mundo como coisa diferente de nós, porque o mundo é forte demais, com todas as suas pressões, tensões e conflitos, com suas inumeráveis exigências e as condições da existência. E dele nos retraímos para dentro de nós mesmos, refugiando-nos em nossas crenças, nossas esperanças, temores, conceitos especulativos. Por isso, há separação entre nós e o mundo. Mas, se observardes, vereis que o mundo não difere de nós — é como a maré, que flui e reflui. Se não compreenderdes o mundo exterior, não compreendereis o interior. E, para compreendê-lo, deveis observá-lo — não de um dado ponto de vista,
  • 9. porém da mesma maneira como um cientista observa. O cientista só observa em seu laboratório, mas nós, entes humanos, devemos observar o mundo cada dia, em nossas relações, em nossas atividades. E, como disse, para compreendermos toda esta existência complexa, tormentosa, desesperante — existência sem amor e sem beleza — temos de compreender o conflito. Surge o conflito, decerto, quando há contradição — contradição de diferentes desejos, diferentes exigências, tanto conscientes como inconscientes. Mas, em geral, estamos conscientes desses conflitos. E, se estamos conscientes, não temos solução para eles; por isso, tratamos de distanciar-nos deles, buscando refúgio na religião, no trabalho social ou em entretenimentos vários, tais como ir ao templo, ir ao cinema, ou beber. E só há possibilidade de se resolverem esses conflitos quando a mente é capaz de compreender a si própria. Vou agora examinar esta questão do conflito. Para compreender o conflito, tendes de observar a vós mesmo. E a observação exige desvelo. Desvelo significa compreensão, afeição: como quando se cuida de uma criança, em que não há repúdio ou condenação. Cuidar de uma criança é observá-la, sem condená-la, sem compará-la. Observá-la com infinita afeição, imensa compreensão; estuda-la em todos os seus movimentos, em todas as fases de seu desenvolvimento, em suas travessuras, suas lágrimas, seus risos. O observar, pois, exige desvelo. Esse é o primeiro requisito da auto-observação; por conseguinte, nunca deve haver um momento de condenação, de justificação ou comparação, porém sempre a observação pura e simples de tudo o que está ocorrendo, a cada momento do dia, quer a pessoa se ache no escritório, ou viajando num ônibus, quer conversando com alguém, etc. Cada um deve observar a si próprio tão completamente, com tão infinito desvelo, que daí resulte a precisão, uma precisão absoluta, e não apenas idéias vagas, ação ineficaz. Como disse, para observardes a vós mesmo, exige-se atenção completa. Uma mente que está atenta, cônscia de si própria no justo momento em que está a observar-se, está aprendendo a respeito de si mesma. Aprender é coisa toda diferente de acumular conhecimentos. Acho que isso deve ser compreendido muito cuidadosamente. A maioria de nós acumula conhecimentos. Da infância até à morte, estamos sempre registrando; nossa mente se tornou uma espécie de fita de gravação, na qual tudo se vai registrando. De acordo com tal registro, nós atuamos, pensamos, reagimos; e a esse registro vamos acrescentando coisas e mais coisas, todos os dias, consciente ou inconscientemente. Guardamos toda experiência, toda informação, todo incidente, toda lembrança. E a isto chamamos experimentar, aprender. Mas isto, em absoluto, não é aprender; aprender é coisa de todo diferente. No momento em que se começa a acumular, deixa-se de aprender. Pois só a mente que está fresca, que é nova, só a mente que observa com atenção, aprende.
  • 10. Penso que devemos perceber a diferença entre estas duas coisas. O conhecimento técnico é acumulativo. A ele vai-se acrescentando mais e mais, e é com base nesse conhecimento que atuamos. Se sois engenheiro, se sois físico, tratais de acumular a maior soma possível de conhecimentos para trabalhar com base nesse conhecimento acumulado. E, por essa razão, nunca há liberdade. É sempre um agir de acordo com o que se aprendeu, consoante o que se adquiriu. No nível do conhecimento técnico, tal ação, tal memória, tal processo acumulativo é absolutamente necessário. Mas nós estamos falando de coisa inteiramente diferente, ou seja que o observar com atenção não implica processo aditivo. Porque, se ficamos meramente adicionando, adquirindo, então, no minuto seguinte de nossa observação, observamos com base no que temos acumulado e, por conseguinte, já não estamos observando. Compreendei isso, por favor. É importantíssimo compreender que, quando a mente está sempre acumulando, acrescentando algo a si própria e de tal base observando, então tudo o que ela observa recebe o colorido do que antes foi aprendido, do conhecimento prévio. Essa mente, por conseguinte, é incapaz de compreender um fato novo. E a vida é sempre nova; o viver é algo totalmente novo, a cada minuto do dia. Mas, perdemos esse frescor, esse extraordinário sentimento de vitalidade, de beleza, de imensidão, porque vamos sempre ao encontro da vida com nosso conhecimento acumulado e, consequentemente, nunca estamos aprendendo, porém apenas adicionando mais alguma coisa às já existentes; com base nesse adicionamento, observamos as coisas, na esperança de aprender. Assim, a mente que é séria, que está bem consciente da situação mundial, percebe que o mundo se acha num estado de angustiosa confusão. Nota-se um constante declínio em todas as nações; só uns poucos são capazes de funcionar inteligentemente, em liberdade talvez; os demais se limitam a imitar — são pobres imitações dos computadores, sua ação é ineficaz. A dor, a angústia, a ansiedade, o desespero é que são fatos, e não vossas crenças, vossas esperanças, vossos deuses; o fato do desespero, da ansiedade, da extraordinária persistência do sofrimento, sofrimento sem fim; a crescente animosidade e brutalidade — eis o mundo a que pertenceis. E a função da mente verdadeiramente séria é compreender e transcender esse mundo. A mente séria deve observá-lo. Isto é, deveis observar a vós mesmos, porque vós sois o mundo; porque há em vós angústia, sofrimento, solidão, desespero, ansiedade, medo, porque sois impelido pela ambição, a avidez, a inveja — sois esse mundo. Não sois o que pensais ser — que sois Deus, etc. Isto é só absurda especulação. Tendes de partir dos fatos e tendes de aprender a respeito de vós mesmo. Há, pois, diferença entre aprender e acumular conhecimento. O aprender é infinito, não há fim no aprender a respeito de si mesmo. E, por conseguinte, a mente que não está acumulando, porém aprendendo, é capaz de observar seus conflitos, suas tensões, suas dores e secretos desejos e temores. Se assim
  • 11. fizerdes, não acidentalmente, porém todos os dias, todos os minutos — e isso é possível — se vos mantiverdes em constante observação, vereis que adquirireis uma energia extraordinária. Porque então a autocontradição estará sendo compreendida. Com a palavra “compreender” não me refiro a algo intelectual. A mente que está fragmentada nunca compreenderá nada. Quando digo que “compreendo uma certa coisa intelectualmente”, o que realmente estou dizendo é que ouço a palavra e compreendo a palavra; isso nada tem que ver com a compreensão. Compreensão implica não só o aspecto semântico, isto é, o sentido da palavra, mas também a apreensão do inteiro conteúdo dessa palavra e de seu significado conforme se aplica a nós mesmos. A compreensão, pois, não é uma simples questão de “cerebração” (mentation) 1 mera operação intelectual. Só podeis compreender alguma coisa quando lhe aplicais vossa mente, vosso corpo, vossos sentidos, vossos olhos, vossos ouvidos, tudo. E dessa compreensão resulta a ação total, e não ação fragmentária, contraditória. 1. Cf. Dic. Jayme Seguier — “Cerebração: neol. Atividade intelectual”. Nessas condições, o que interessa — principalmente àqueles que são deveras sérios — é compreender. E a vida exige seriedade, pois não se pode viver neste mundo levianamente. Não podeis estar interessado apenas em vossas próprias aflições, vossos próprios divertimentos, vossos próprios temores. Sois uma parte do mundo e deveis compreender a vós mesmo e ao mundo. Essa compreensão exige extraordinária seriedade, e isto constitui imensa tarefa. E quando sois sério, deveis levar essa compreensão ao extremo, até perceberdes tudo o que a existência implica. E, também, o conflito é algo que temos de compreender — compreender, e não dominar. Não tenteis negá-lo, não tenteis fugir dele, porém tratai de compreendê- lo, de ver todo o seu significado, de perceber as várias contradições, na palavra, no pensamento, na ação. Em geral, vivemos vidas duplas, ou triplas, ou múltiplas! Funcionamos fragmentariamente, nosso existir é fragmentário; desejamos ser mundanos; desejamos ter todos os confortos que nos são devidos. O conforto, obviamente, é necessário; mas com esse conforto vem a exigência de segurança. Não só desejamos estar seguros em nossos empregos — reação natural e sã — mas também desejamos estar seguros psicologicamente, interiormente. É possível, em algum tempo, estar-se em segurança psicológica, — isto é, estarmos psicologicamente seguros em nossas relações e psicologicamente seguros em relação àquilo com que estamos identificados? A segurança exterior é evidentemente necessária. Exteriormente, é absolutamente necessário termos morada, um lar, emprego; mas não nos contentamos com isso. Queremos estar em segurança psicologicamente, interiormente; e aí começam as nossas tribulações. Nunca indagamos se existe realmente segurança interior;
  • 12. entretanto, dizemos que precisamos de estar em segurança interiormente, e nasce assim a ilusão. A partir desse momento, começa a desenrolar-se uma série de conflitos, de conflitos intermináveis. Cumpre-nos, pois, descobrir a verdade em relação a essa formidável questão da segurança psicológica — sem procurarmos saber o que outro qualquer diz. Psicologicamente, vemo-nos inseguros; por essa razão criamos deuses, deuses que se tornam nossa segurança permanente! Isso gera conflitos. Compreendeis o que entendemos por “conflito”? Entendemos: a contradição; a ação fragmentária; os pensamentos que se chocam; os desejos conflitantes entre si; as exigências contraditórias; as pressões do mundo e a exigência interior de viver em paz com o mundo; a aspiração a encontrar algo além da existência diária, monótona, estúpida; o ver-nos presos na engrenagem da existência diária e desesperadora; o nunca termos uma solução para nosso desespero; a angústia imensa, não apenas pessoal, mas também a angústia do mundo, e nunca encontrarmos uma saída dessa angústia. Eis todos os fatores que geram a contradição — dos quais podemos estar conscientes ou não. Onde a mente se acha em contradição, tem de haver conflito. E, sem dúvida, a mente que se encontra em conflito não pode ir adiante; poderá prosseguir na ilusão, mas não é capaz de avançar para descobrir se algo existe além do tempo, além da medida humana. Por certo, esta é a função da religião. A função da mente religiosa é descobrir o verdadeiro. E a verdade não pode ser encontrada num templo ou num livro, por mais venerando que seja. Vós tendes de descobri-la por vossos próprios meios. Não podeis comprá-la com lágrimas, com orações, com repetições, com rituais; por esse caminho se vai ao absurdo, à ilusão, à insânia. A mente séria, por conseguinte, deve estar cônscia desse conflito. Com “estar cônscio” quero dizer, observar, escutar. Escutar é uma arte. Com efeito, é uma arte extraordinária o escutar um som. Não sei se já escutastes um som — o som de um pássaro pousado numa árvore, ou o distante buzinar de um carro. Pelo escutar — não pelo julgar, pelo identificar tal som com determinada ave ou determinado carro ou determinado rádio da casa mais próxima, porém pelo simples escutar, vereis — se assim souberdes escutar — como vos tornareis extraordinariamente sensível. A mente se torna sobremodo alertada quando escutamos simplesmente — isto é, não interpretando o que ouvimos, não tentando traduzi-lo, não o identificando com o que já conhecemos — pois isso nos impede de escutar. Mas, se escutardes simplesmente — escutardes vossos pensamentos, vossas exigências, o desespero de vossa existência, não tentando interpretar, traduzir nada, não tentando fazer alguma coisa em relação ao que se escuta — vereis que vossa mente se tornará sobremodo lúcida. E só a mente muito lúcida, a mente sã, racional, lógica, em que não há conflito, consciente ou inconsciente — só essa mente pode prosseguir até descobrir, por
  • 13. si própria, se existe uma Realidade. Só essa mente é religiosa. E só essa mente pode resolver os problemas do mundo. Os problemas do mundo são inumeráveis e se estão multiplicando. E se não fordes capaz de resolvê-los lógica, equilibrada, sãmente, com vosso espírito de todo livre de conflito, estareis apenas criando mais confusão, mais angústias para o mundo e para vós mesmo. A primeira coisa, por conseguinte, que nos cumpre fazer é observar com atenção, todas as murmurações, todos os temores, ilusões, desesperos de nosso próprio ser. E vereis então, por vós mesmos — e para isso não se necessita de provas, nem de gurus, nem de livros sagrados — se a Realidade existe. E encontrareis, então, um extraordinário sentimento de libertação do sofrimento. Aí existe a claridade, a beleza e aquela coisa que está faltando hoje à mente humana: o amor, a afeição. Madrasta, 12 de janeiro de 1964.
  • 14. 2 A Liberdade Para se compreender totalmente uma coisa — trivial ou importante — precisamos dispensar-lhe atenção completa, desembaraçada e livre. De outro modo, não é possível compreender nada, e principalmente as coisas que exigem cuidadoso estudo e íntimo conhecimento. Para se prestar atenção, necessita-se de liberdade; do contrário, não é possível a atenção. Não podeis entregar-vos inteiramente a uma dada coisa, se não estais livre. E para se compreender essa coisa extraordinária — a um tempo simples e complexa — que se chama a Verdade, temos de dar-lhe aquela atenção desimpedida. E, como disse, a liberdade é essencial. Porque a Verdade não pertence a nenhuma religião, nenhum sistema; nem pode ser encontrada em livro algum. Não podemos aprendê-la de outro, nem a ela ser levados por outro. Temos de compreendê-la completamente, entregar-nos a ela. Assim, para chegarmos à Verdade devemos estar livres, desembaraçados e num estado em que a mente compreendeu a si própria e, por conseguinte, se libertou de todas as ilusões. A liberdade — o ser livre — se está tornando mais e mais difícil. À proporção que a sociedade se torna mais complexa e a industrialização mais ampla, mais profunda e organizada, menos liberdade há para o homem. Como se pode observar, quando o Estado se torna todo-poderoso e assume o controle do bem- estar social, os seus cuidados para com os cidadãos se tornam tão completos, que cada vez há menos liberdade exterior. Exteriormente, o indivíduo se torna escravo da sociedade, fica sob a opressão da sociedade; nesta opressão da existência organizada já não há existência tribal, porém, tão-só, o controle industrializado, organizado, centralizado. Exteriormente, há cada vez menos liberdade. Onde o progresso é maior, menor é a liberdade. Isto é um fato óbvio, observável em toda sociedade que se torna mais complexa, mais organizada. Dessarte, exteriormente temos a opressão pelo con trole, a moldagem da mente do indivíduo — tecnicamente, industrialmente. Vendo-se tão constrangido, exteriormente, o indivíduo tem a natural tendência a entrincheirar-se — interiormente, psicologicamente — cada vez mais em determinado padrão de existência. Isto também é um fato óbvio. Assim, aquele que é suficientemente sério para investigar se de fato existe a Realidade, descobrir o que é a Verdade — a verdade não construída pelo homem, com seu medo e seu desespero; a
  • 15. verdade que não é uma tradição, uma repetição, um instrumento de propaganda — necessita da liberdade completa. Exteriormente poderá não existir liberdade; mas, interiormente, deve haver absoluta liberdade. E a compreensão dessa questão da liberdade é dificílima. Não sei se a tendes considerado. E, mesmo que a tenhais considerado, sabeis o que significa ser livre? Por “liberdade” não entendo a libertação teórica, ideal — esta é por demais abstrata, remota; pode não ter realidade alguma: pode ser uma invenção de algum espírito imerso no desespero, no medo, na agonia, que construiu verbalmente um certo padrão, na esperança de alcançar um certo estado verbal e não uma coisa real. Não estamos falando da liberdade como abstração, porém como realidade; falamos da liberdade que deve existir cada dia, interiormente, e na qual, psicologicamente, não há sujeição a coisa alguma. Isso é possível? Como teoria, como idéia, é possível, talvez. Mas aqui não nos interessam idéias nem teorias, nem esperanças religiosas de ordem especulativa; só nos interessam fatos. É possível uma mente achar-se, psicológica, interiormente, de todo livre? Exteriormente, podeis ir para vosso emprego todos os dias, pertencer a uma certa classe de indivíduos, a determinada sociedade, etc. — como é inevitável, pois é absolutamente necessário ganhar o próprio sustento. Mas, deverão as pressões e tensões do condicionamento externo, do ajustamento externo a determinado padrão ou determinada sociedade, governar-nos a psique, todo o processo de nosso pensar? E existe, realmente, completa liberdade psicológica? Pois, sem liberdade, sem absoluta liberdade psicológica, nenhuma possibilidade existe de se descobrir a Realidade, de descobrir o que é Deus, se tal entidade existe. A liberdade é uma necessidade absoluta, mas a maioria de nós não deseja ser livre: esta é a primeira coisa que cumpre reconhecer. Ora, é possível estar psicologicamente livre, de modo que o indivíduo possa descobrir por si mesmo o que é a Verdade? Porque, no mesmo processo da compreensão ou no mesmo ato da compreensão da verdade, ficamos habilitados a ajudar nosso semelhante; de outro modo, não podemos ajudá-lo; de outro modo, cria-se mais confusão, mais aflições para o homem — o que também é um fato óbvio, como o demonstram os atuais acontecimentos. A verdade que nos é manifestada por outro, descrita por outro, ensinada por outro — por mais sábio e inteligente que seja — não é a Verdade. A vós mesmo compete achá-la, compreendê-la. Retiro a palavra “achar”; a verdade não pode ser achada, não podemos pôr-nos a caminho com o propósito deliberado, consciente, de achá-la. Temos de encontrar-nos com a Verdade no escuro, insabidamente. Mas isso não acontecerá se, interiormente, nossa mente, nossa psique não estiver completa e totalmente livre. Para descobrir qualquer coisa, mesmo no campo científico, a mente deve estar livre. Deve estar desimpedida, para poder ver o que é novo. Mas, em geral,
  • 16. desafortunadamente, nossa mente não é fresca, não é nova, inocente — para ver, observar, compreender. Estamos repletos de experiências, não só das experiências recentemente acumuladas (com “recentemente”, quero dizer nos últimos cinquenta, sessenta ou cem anos), mas também da experiência humana, imemorial. Tudo isso — que constitui nosso conhecimento, consciente ou inconsciente — nos põe em confusão; o conhecimento consciente é o que adquirimos pela educação, no mundo moderno, em nossos tempos. Agora, é importante que, ouvindo estas palestras, estejais também escutando. Penso que há diferença entre escutar e ouvir. Podeis ouvir palavras e interpretá- las, dando-lhes vosso próprio significado ou o significado conforme um certo dicionário — e permanecer no nível da pura comunicação verbal. E quando ouvis palavras dessa maneira, intelectualmente, há concordância ou discordância. Atentai um pouquinho nisto que estou dizendo. Não estamos permutando opiniões. Não estamos investigando dialeticamente a verdade contida em opiniões. Estamos investigando, tentando compreender a Verdade — não a verdade de opiniões, a verdade do que foi dito por outros. Se escutais — que é coisa muito diferente de ouvir — não há concordância nem discordância. Estais escutando a fim de descobrir o que é verdadeiro e o que é falso; e isso não depende de vosso julgamento ou de vossa opinião, ou de vosso conhecimento, ou de vosso condicionamento. Tendes, pois, de escutar, se tendes intentos sérios. Se desejais apenas entreter- vos com coisas sérias, proporcionar-vos um passatempo intelectual, está certo também. Mas, se desejais ser verdadeiramente sérios, sentir a ânsia de descobrir o que é Verdade, tendes de escutar. O ato de escutar não implica concordância ou discordância. E essa é que é a beleza do escutar. Compreende- se, então, totalmente. Se escutardes aquele corvo, vereis que estais escutando de maneira tão completa, que não ficareis comparando, que não ficareis interpretando o som como som produzido por um corvo. Estareis escutando puramente o som, sem interpretação, sem identificação e, por conseguinte, sem comparação. É esse o ato de escutar. Ora, se nos estamos comunicando por meio de palavras — e só por esse meio podemos fazê-lo — deveis não apenas ouvir a palavra — isto é, a natureza e o significado da palavra — mas também escutar sem concordar nem discordar, sem comparar, sem interpretar; deveis, com efeito, prestar toda a atenção. Vereis, então, por vós mesmo, imediatamente, o pleno significado de tudo o que a palavra “liberdade” implica. Pode-se compreendê-lo instantaneamente. A compreensão, o ato de compreender é imediato, não importa se ocorre amanhã, se hoje. O estado de compreensão é atemporal; não é processo gradativo, processo de acumulação. Não estamos, pois, apenas em comunicação verbal entre nós, mas estamos também escutando uns aos outros. Estais escutando a vós mesmo, ao mesmo
  • 17. tempo que estais ouvindo o orador. O que o orador está dizendo não vos diz respeito, mas o que estais escutando vos diz respeito; vede, por favor, que não me estou fazendo sutil. Porque é o ouvinte, vós, que tem de descobrir o que é a Verdade; é o ouvinte que tem de compreender toda a estrutura, toda a anatomia, as profundezas e a plenitude da liberdade. O orador está apenas fazendo uma comunicação verbal. E se vos limitais a ouvir suas palavras e dizeis: “Essa é vossa opinião”, “Esta é minha opinião”, “Concordo”, “Discordo”, “Foi o que Sankhara ou Buda disse” — então nós dois não estamos em comunhão. Estamos unicamente nos entretendo com opiniões — pelo menos vós estais. Devemos, pois, ver com clareza, desde o começo, que não estamos apenas ouvindo a comunicação verbal — a palavra, o significado da palavra, a natureza da palavra — mas também escutando. Tendes, assim, uma dupla tarefa: ouvir as palavras, e escutar. Naturalmente, a palavra que ouvis tem certa significação, evoca certas respostas, certas lembranças, certas reações. E deveis, também, ao mesmo tempo, escutar sem reação, sem opinião, sem julgamento, sem comparação. Vossa tarefa, por conseguinte, é muito maior que a do orador, e não o contrário, como costuma acontecer: o orador faz todo o trabalho e ficamos apenas a ouvi-lo, concordando ou discordando e, depois, lá nos vamos, muito animados, muito satisfeitos, intelectualmente estimulados. Tal estado nenhuma valia tem; o mesmo resultado se obtém indo a um cinema. Mas, quando um homem é verdadeiramente sério, sua seriedade exige atenção total, atenção que tudo penetra, de lado a lado. Esse homem deve conhecer a arte de escutar. Se vós a conheceis, não é necessário dizer-vos mais nada. Porque, então, escutareis a voz do corvo, do pássaro, o cicio da brisa entre as folhas; e escutareis também, dentro em vós mesmo, os murmúrios de vossa mente, de vosso coração, e as mensagens procedentes do inconsciente. Achais- vos então num estado de penetrante e intensa escuta e, por conseguinte, já não vos estais entretendo com opiniões. Por conseguinte, se sois verdadeiramente sérios, assim escutareis, pois é dessa maneira que deveis escutar. Porque, como disse, é necessária absoluta liberdade para a compreensão da Verdade. Sem essa compreensão, a vida se torna muito superficial, vazia; o indivíduo se torna um mero autômato. E no ato de compreender o que é verdadeiro — isto é, no ato de escutar — a vida recomeça, numa forma nova. Nossa mente não é nova. Nossa mente já viveu milênios. Por favor, não me venhais com a reencarnação; se o fizerdes, não estais escutando. Empregando a palavra “milênios”, não me estou referindo apenas a vós, porém ao homem. Sois o resultado da existência milenar do homem. Sois uma consciência vastíssima, mas vos apropriastes de apenas uma parte dela e esta parte cercastes de uma muralha, a confinastes, e agora dizeis: “Esta é minha
  • 18. individualidade”. E dizendo “milênios”, não me estou referindo a essa clausura, esse cercado de arame farpado que, geralmente falando, é cada um de nós. Refiro-me àquele estado de consciência que é imenso, dilatado, que teve milhares de experiências e se acha debaixo da crosta, da carga, do peso da tradição, do saber, de toda espécie de esperança, de medo, desespero, ansiedade, agonia, avidez, ambição — não apenas a ambição dos que estão enclausurados, mas também a ambição do homem. Nossa mente, pois, está embotada do passado. Este é outro fato psicológico; não se trata de vossa opinião contra a minha. Deste modo, com essa mente, essa psique que muito “experimentou”, que conserva todas as cicatrizes, todas as lembranças, todos os movimentos do pensamento, como memória — com essa mente vamos ao encontro da vida. Ou com ela quereis chegar-vos àquilo que desejais descobrir: a Verdade. Naturalmente, não o podeis. Como em relação a outra coisa qualquer, necessitais, para isso, de uma mente nova. Para olhardes uma flor, ainda que a tenhais visto todos os dias nos últimos dez anos — para a olhardes de maneira nova, como se a estivésseis vendo pela primeira vez na vida, necessitais de uma mente nova — mente fresca, inocente, sobremodo alertada. Do contrário, não podeis ver; só podeis ver vossas lembranças, projetadas naquela flor. Por favor, compreendei isto. Uma vez tenhais compreendido o ato de ver como ato de escutar, tereis aprendido algo de maravilhoso em vossa vida, algo que nunca mais vos deixará. Mas, nossa mente tanto se gastou, tanto se embotou, por influência da sociedade, das circunstâncias, de nossos temores e desesperos, de tantas brutalidades, insultos, opressões — que se tornou uma coisa mecânica, obtusa, embrutecida, pesadona. Com essa mente queremos compreender; não podemos, é claro. A questão, por conseguinte, é esta: Pode-se ficar livre de tudo aquilo? Se não, nem a flor sereis capaz de ver. Não sei se, ao erguer-vos do leito, de manhã, vedes o Cruzeiro do Sul, o céu estrelado. Se já tendes contemplado o céu — do que duvido — talvez tenhais visto as estrelas, lhes conheçais os nomes e as posições. E, depois de as terdes visto durante alguns anos, dias ou semanas, já não sabeis vê-las, porém apenas dizer: “Lá está Júpiter, lá está Marte”, etc. Mas, despertar pela madrugada, abrir a janela ou sair à rua para ver as estrelas como coisas novas, com olhos desenevoados, com uma mente desobstruída — só assim se pode compreender a beleza, a profundeza, o silêncio existente entre vós e aquilo. Só então sois capaz de ver. E para o serdes, precisais estar livre; não podeis vir com toda a vossa carga de experiência, para olhar. Temos assim a questão: É possível nos livrarmos do conhecimento? Conhecimento é o que se vai acumulando, de contínuo, do passado. Toda experiência que tendes é logo traduzida, guardada, registrada; e com esse
  • 19. registro vamos ao encontro da próxima experiência. Por conseguinte, jamais compreendeis uma experiência; ficais apenas traduzindo cada desafio em conformidade com a reação do passado e, dessa maneira, estais reforçando o registro. Isto é o que se passa no cérebro eletrônico, no computador. Mas, nós somos apenas pobres imitações desse maravilhoso instrumento mecânico chamado “computador”. É possível sermos livres? De outro modo, não se pode descobrir o que é a Verdade; podeis falar incessantemente a respeito dela, como os políticos citam o Gita. Cabe-vos, pois, investigar. Mas, essa investigação não é verbal; é o estado mental de escuta. O conhecimento se torna nossa autoridade — autoridade, na forma de tradição, de experiência, de coisas lidas, aprendidas, e a autoridade imposta por aqueles que dizem que sabem. No momento em que um homem diz que sabe, não sabe! A Verdade não é cognoscível. Ela tem de ser percebida a cada instante, como a beleza da árvore, do céu, do poente. O conhecimento, como vimos, se torna a autoridade que nos guia e molda e nos dá coragem, forças para prosseguir. Tende a bondade de prestar atenção a tudo isso, porque temos de compreender a anatomia da autoridade — a autoridade do governo, a autoridade da Lei, a autoridade do policial, a autoridade psicológica constituída por nossas experiências e pelas tradições que nos foram transmitidas, consciente ou inconscientemente; tudo isso se torna nosso guia, torna-se um sinal de advertência que nos indica o que se deve fazer e o que se não deve fazer. Tudo isso se encontra nos domínios da memória. E esta constitui, efetivamente, o que somos. Nossa mente é o resultado de milhares de experiências, com suas lembranças, suas “arranhaduras”, resultado das tradições transmitidas pela sociedade, pela religião, e das tradições educativas. Com essa mente tão repleta de memória tentamos compreender o que não pode ser compreendido por meio da memória. Portanto, devemos livrar-nos da autoridade. Não sei se compreendeis o significado da palavra “autoridade”. O significado da palavra, em si, é “o originador”, “aquele que cria algo novo”. 1 Considerai vossa própria religião. Não sei se sois verdadeiramente religioso — provavelmente não sois. Costumais ir ao templo, engrolar um amontoado de palavras, repetir certas frases, e a isso chamais “ser religioso”. Ora, que peso extraordinário de tradição os chamados guias espirituais e “santos” 2 vos implantaram na mente — o Gita, o Upanishads, Sankara e outros intérpretes do Gita! Os interpretadores, estribados no Gita, interpretam e vós seguis interpretando. E considerais uma coisa extraordinária essa interpretação, e a quem sabe interpretar chamais “um homem religioso”. Mas, essa pessoa está condicionada pelos seus próprios temores; adora uma pedra esculpida pela mão ou pela mente! Essa tradição vos é inculcada através de uma propaganda milenar — e não por propaganda recentemente criada; vós a aceitais; ela vos molda o pensar. 1. Latim auctoritas, derivado de auctor: o que produz, o que faz nascer, autor.
  • 20. 2. Santos: são assim chamados, na Índia, os membros de certos grupos religiosos. (Cf. “Webster Collegiate”) (N. do T.). Assim, se desejais ser livre, tendes de varrer tudo isso — varrer os Sankaras, os Budas, todos os livros e instrutores religiosos — para serdes vós mesmo, para serdes capaz de descobrir. De outro modo, jamais conhecereis a extraordinária beleza e o significado da Verdade, jamais conhecereis o Amor. Assim, podeis vós, que fostes moldados por Sankara, por tantos “santos”, pelos templos, varrê-los todos de vossa mente? Vós tendes de apagá-los da mente. Tendes de ficar completamente sós, desajudados, sem desesperar e sem nada temer; só então sereis capazes de descobrir. Para serdes capazes de apagá- los, de negá-los totalmente — não apenas dizer, negativamente, “Larguemo-los”, porém negá-los totalmente, deveis compreender toda a anatomia e estrutura, toda a essência da autoridade; deveis compreender o homem que busca a autoridade. Não podeis arrebatar a autoridade ao homem que a deseja, porque ela é seu único consolo, seu pão de cada dia — como também o é do político, do sacerdote, do filósofo. Mas, se desejais compreender essa coisa extraordinária chamada Verdade, não deveis aceitar autoridade de espécie alguma. Porque só a mente que está fresca, inocente, que é jovem e vibrante, pode compreender tais coisas, e não aquela que está sendo impelida, moldada, debilitada, sujeitada pelo passado. Ou uma coisa ou outra. Ou dizeis: “Não é possível ficar-se livre do passado, do conhecimento, da autoridade que a mente busca, em sua pobreza, em seu desespero e de cujo arrimo necessita. A mente não pode em tempo algum ficar livre da autoridade, do passado, das coisas que aprendeu, adquiriu, acumulou”. Ou, ainda, dizeis que a mente pode ficar livre do passado. Mas, vós tendes de investigar, descobrir; não podeis simplesmente dizer que ela pode ser livre ou não pode ser livre; isso significa apenas entreter uma opinião absolutamente sem valor — deixai isso a cargo dos filósofos. Se quereis descobrir, deveis investigar se aquilo é possível ou não; não podeis simplesmente admiti-lo ou negá-lo. Tendes, pois, de aprender o significado do conhecimento e da autoridade. Quando se aprende, não há contradição, porque então se está aprendendo. Mas, quando se está meramente adquirindo conhecimento, nesse caso há contradição. Por favor, procurai perceber isso. Se estais meramente acumulando conhecimento, vos vereis em conflito, porque a coisa sobre a qual estais adquirindo conhecimentos é uma coisa viva, móvel, mutável e, por conseguinte, entre o que ides acumulando e a realidade, apresenta-se uma contradição. Mas, se estais aprendendo o significado dessa coisa, não há contradição nenhuma; consequentemente, não há conflito. Por conseguinte, a mente que está aprendendo está-se enriquecendo de energia, porque não se acha num estado de conflito. Mas, quando a mente só se interessa em acumular, adicionar, ou seja em olhar, observar, com base em seu conhecimento, então há contradição; há então conflito e, portanto, dissipação de energia.
  • 21. Dessarte, o homem que aprende não tem conflito; mas o homem que meramente acumula conhecimentos, a fim de viver em conformidade com determinado padrão estabelecido por ele próprio ou pela sociedade em que vive, ou por uma certa personalidade religiosa — não importa qual seja — esse homem se acha em contradição e, por conseguinte, em conflito. E, como disse outro dia, o conflito é a própria essência da desintegração. O conflito não surge apenas do passado, mas também em relação com o presente. Surge também quando tendes ideais — “que deveis ser isto” ou “que deveis achar-vos em tal e tal estado”; quando entretendes idéias “esplêndidas”, “nobilitantes”. Muito importa compreender a natureza de um ideal. O ideal não é a realidade. Uma idéia, projetada da mente que se acha em conflito, torna-se o ideal, de acordo com o qual essa mente deverá viver; por conseguinte, a mente fica em conflito, em contradição. Mas, a mente que está escutando um fato, não um ideal — essa mente não se acha em conflito e, por conseguinte, se está movendo de fato para fato. Essa mente se encontra num estado de energia. Sem essa energia não podeis ir muito longe. Mas estais dissipando vossa energia em contradições, na luta para vos tornardes isto e não aquilo. Cumpre-vos, pois, observar, cumpre-vos escutar, cumpre-vos ver o fato — o que é — e com ele ficar-vos. E isso é dificílimo. Evidentemente, nunca refletistes sobre estas coisas ou provavelmente elas não vos vêm natural e espontaneamente, assim como as chuvas descem do céu. Estais, talvez, ouvindo-as pela primeira vez ou já lestes algo a respeito delas. Como este orador tem falado tantas vezes sobre elas, direis, porventura: “Ei-lo de volta, com suas velhas falas”. Mas, se estais escutando, se estais cônscio das intenções do orador, vereis o fato, isto é, que tudo o que tendes é conhecimento, e ficareis com esse fato. O fato é que sois, completamente, o passado em relação com o presente; o passado poderá ser modificado, alterado, mas vos estareis sempre movendo e existindo no passado. Ora, que entendemos por “viver com um fato”? Entendemos: não aceitá-lo, não rejeitá-lo, porém escutá-lo; escutar todos os sutis movimentos, insinuações e sugestões, e perguntas e respostas que ele determina; não negá-lo, porque isso não é possível — se o fizerdes, podeis ir parar num hospício. Eis, com efeito, o que significa observar o fato e “viver com ele”. Ora, quando viveis com alguma pessoa ou coisa — com vossa esposa, com vossos filhos, com uma árvore, com vossa idéia — ou ficais tão acostumado com ela que ela deixa de existir, ou viveis com ela, tudo observando. No momento em que vos acostumais com uma coisa, vos tornais insensível. Se eu me acostumo com esta árvore, 3 torno-me insensível a ela. Se fico insensível à árvore, fico insensível ao que é sórdido, insensível às pessoas; fico insensível a tudo. Mas, estar atento a alguma coisa não significa acostumar-se com ela, não significa acostumar-se com o que é sórdido, imundo, acostumar-se com a
  • 22. família, a esposa, os filhos. O não nos acostumarmos com uma coisa exige grande soma de atenção e, por conseguinte, de energia. Espero que estejais seguindo minhas palavras. 3. Krishnamurti está discursando ao ar livre. (N. do T.) Por conseguinte, a mente que deseja compreender o que é verdadeiro tem de compreender, não idealmente, o inteiro significado do que é liberdade. Liberdade não significa a libertação que se alcança num certo mundo celestial, porém, sim, a liberdade em seu sentido usual; a liberdade que consiste em estar livre do ciúme, do apego, da ambição, da competição — que representa o mais: “Preciso tornar-me melhor”, “Sou isto e preciso tornar-me aquilo”. Mas, quando vos observais como sois, não há então tornar-vos diferente do que sois; ocorre então uma imediata transformação de o que é. Assim, a mente que deseja ir muito longe deve começar com o que está muito perto. Mas não podeis ir muito longe se tratais apenas de verbalizar a respeito de algo que o homem criou e a que chamou Verdade ou Deus. Deveis começar com o que está muito perto, para lançardes a base adequada. E, mesmo para lançar essa base, necessita-se de liberdade. Assentai, pois, a base na liberdade e em plena liberdade; assim, já não será uma base: será um movimento, e não uma coisa estática. Só quando a mente compreendeu a indescritível natureza do conhecimento, da liberdade e do aprender, pode o conflito cessar; só então poderá tornar-se perfeitamente lúcida e precisa. Já se não verá embrenhada em opiniões e juízos; achar-se-á num estado de atenção e, por conseguinte, num estado de energia integral e de aprender — que não significa “aprender a respeito de quê?” — Só a mente tranquila é capaz de aprender; e o importante não é “a respeito de quê” a mente aprende, senão o estado de aprender, o estado de silêncio em que ela está aprendendo. Madrasta, 15 de janeiro de 1964.
  • 23. 3 O Medo Desejo falar nesta tarde a respeito do medo. É necessário examiná-lo profundamente e não cuidar apenas de achar algum remédio superficial, ou algum conceito ou ideal, aplicável como meio de se ficar livre do medo, pois isso jamais será possível. Desejo não apenas examiná-lo verbalmente, mas também ultrapassar a palavra e indagar não verbalmente se há alguma possibilidade de ficarmos totalmente livres do medo, tanto do medo biológico e fisiológico, como do medo psicológico. Para a maioria de nós, a palavra tem papel muito importante. Somos escravos da palavra. Nosso pensar é verbal, e sem palavras dificilmente pensamos. Há talvez uma maneira não verbal de pensar; mas, para se compreender o pensar não verbal, temos de ficar livres da palavra, do símbolo, do pensamento verbal. Entretanto, para quase todos nós, a palavra, o símbolo, tem extraordinária influência em nossa vida. Pois a mente é escrava das palavras — palavras como “hindu”, “hinduísta”, “brâmane”, etc. E, para entrarmos profundamente nesta questão do medo, temos não só de compreender o significado das palavras, mas também, se possível, de libertar a mente da palavra, a fim de podermos compreender profundamente o significado do medo. Para a investigação profunda, torna-se necessário o senso de humildade — mas não como virtude. A humildade não é virtude, é um estado de ser: ou sois humildes ou não sois. Ela não pode ser adquirida, nem cultivada; não podeis ser vaidoso e cobrir vossa vaidade com uma capa de humildade — como procura fazer a maioria de nós. Vamos aprender a respeito do medo. E para aprendermos a respeito do medo, sua extraordinária importância em nossa vida, sua escuridão e seus perigos, temos de investigá-lo. Por conseguinte, é indispensável aquele estado de humildade destemerosa, humildade não premiada e não buscada. Para quase todos nós, virtude é meramente uma coisa que cultivamos como meio de resistência às exigências de nossos desejos e também às exigências de uma certa sociedade, a que por acaso pertencemos. Mas a virtude é algo que não está contido na esfera do tempo. Não pode ser acumulada, não pode ser cultivada. Ela é, por exemplo, “ser bom” e, não, “tornar-se bom”. Estas duas
  • 24. coisas são completamente diferentes. Florescer na bondade é muito diferente de tornar-se bom. Tornar-se bom é um meio de conquistar uma recompensa, evitar uma punição, ou de levantar uma resistência; nisso, não há florescimento. Da mesma maneira, deve haver humildade como estado imediato, e não como um estado que se adquire. Só aquele estado pode abarcar as coisas, compreendê-las, aprender. Pois — principalmente em se tratando de matéria não técnica — só há aprender, e não ser ensinado e adquirir conhecimentos. Pode-se adquirir informações, conhecimentos, em relação à Matemática. Mas, em relação ao medo, o necessário é aprender — não de livros, nem com estudos psicológicos, porém, sim, pela observação de si mesmo pelo próprio indivíduo. E não é possível aprender quando não há humildade. Assim, cada um tem de ser ao mesmo tempo seu próprio mestre e discípulo, e este discípulo é a mente que está aprendendo. A pessoa cuja mente está aprendendo não é um discípulo submisso, sempre pronto a aceitar e a seguir. Aquele que se submete, que segue, não está buscando a verdade; está, simplesmente, a ajustar-se a um padrão de bom comportamento, do qual espera, como recompensa final, o conhecimento daquilo que se chama Verdade. A humildade, pois, é um estado mental em que não existe temor. A humildade é coisa diferente do respeito. Podeis respeitar a outrem; e, porque sois respeitador, nunca há desrespeito. Mas, vós respeitais o Governador, o Primeiro-Ministro, e dais pontapés em vosso serviçal; e, aí, há desrespeito. A humildade, pois, em nada se relaciona com o respeito; é um atributo da mente. E só a mente que tem humildade é capaz de aprender. Por conseguinte, só a humildade pode seguir com precisão cada movimento do pensamento. Porque (com ela) a mente se acha num estado de aprender, num estado de atenção — não de concentração. Apreciaremos a atenção e a concentração noutra oportunidade, quando falarmos sobre a meditação. Nesta tarde, estamos considerando o medo. Estamos investigando se alguma possibilidade existe de nos tornarmos — não verbalmente, não teoricamente, não idealmente, porém de fato — livres do medo, profunda, fundamental, radicalmente livres. Não sei se a vós mesmos já fizestes esta pergunta; provavelmente nunca a fizestes. Admitimos o medo, o medo psicológico, como coisa inevitável e, por conseguinte, tentamos reprimi-lo ou fugir dele. Mas, quando indagardes se é de algum modo possível ficar-se completa e totalmente livre do medo, descobrireis, por vós mesmo, algo extraordinário, ou seja um estado em que a mente não só tem humildade, mas também a propriedade de existir, toda inteira, num estado de inocência. Sobre isso vamos falar nesta tarde. Estamos considerando o medo — e não uma dada espécie de medo. Há várias espécies de medo, interna e externamente, dentro e fora de nós. Fora, há muitos perigos. O medo denota um certo perigo — o perigo de perdermos um emprego, o perigo de morrermos, de sofrermos algum desastre; o medo de não
  • 25. alcançarmos uma certa posição, de não nos preenchermos, de faltar-nos dinheiro; medo da pobreza, do desconforto, da doença, da dor. Para a dor física é relativamente fácil encontrarmos alguma solução ou remédio — recorrendo ao médico ou conformando-nos com ela. Pode uma pessoa conformar-se com um certo mal físico, se está cônscia e certa de que não lhe irá deformar a mente, causar-lhe amarguras e ansiedades, e se sua mente se mantiver vigilante sobre si mesma, a fim de não criar nem temer algum mal futuro. Tudo isso é fácil de atender de maneira mais ou menos inteligente, com relativo equilíbrio e compreensão. Mas, estamos considerando o medo psicológico, muito mais complexo e que exige intensa investigação e atenção. Porque é fácil perceber que, quando há medo psicológico, de qualquer espécie ou forma que seja, esse medo deforma-nos o percebimento. E, como disse outro dia, não estais aqui meramente escutando, ouvindo palavras; estais escutando e ouvindo ao mesmo tempo. O orador está apenas se servindo de palavras para comunicar-se convosco. A natureza da palavra e a compreensão da palavra dependem de ambas as partes — de vós e de mim. Mas a arte de escutar é toda vossa. Se apenas escutais as palavras e não tratais de ir diretamente aonde elas indicam, ficais detido na audição da palavra, sem ir mais longe. E, como disse, nós estamos aprendendo. Para aprender, necessita- se de humildade; e, para aprender, é preciso escutar, é preciso ouvir. Ouvir, escutar, penetrar — tudo isso exige atenção, sem nenhuma resistência. Isto é, ouvis o som da buzina daquele carro, ouvis a voz do corvo, ouvis barulhos de tosse; mas ao mesmo tempo estais tão atento que ouvis a palavra, compreendeis intelectualmente o seu significado através dos ouvidos, do sistema nervoso, etc.; e há, também, o estado de aprender. Só então a mente pode aprofundar-se nesta questão do medo. Todos sentimos medo, de vária espécie, psicologicamente. A maioria de nós o tem aceito constrangidamente, por não haver outro remédio. Conhecemos várias formas de medo: medo da morte; medo da opinião pública; medo de não termos, interiormente, possibilidade de bom êxito, de ganho, de alcançar nosso objetivo, de preencher-nos em alguma coisa; medo das consequências de não nos ajustarmos; também o medo em nós implantado por um ideal. Tende a bondade de prestar um pouco de atenção a isto: quase todos nós somos idealistas um tanto simples — “simples”, no sentido de “pouco refletidos”. Somos conformistas, só sabemos dizer Sim, nunca Não. Estamos a ajustar-nos e somos também impelidos pela sociedade a ajustar-nos, a imitar, a aquiescer. É isso o que está acontecendo atualmente neste país. Todos vós, ideologicamente, fostes não-violentos. Aceitastes essa idéia talvez só verbalmente, e não efetivamente. Como quer que seja, a pregastes e incessantemente explanastes a sua moral. Os “santos”, os políticos e todos os
  • 26. que desejam ter êxito na política têm pregado essa mesma coisa pelo mundo todo, dela se servindo, em começo, como instrumento político, como meio de ação. Vós a aceitastes e a seguistes por anos a fio, como um ideal. De repente, sobrevém um acidente e todos, com igual ardor, vos tornais militaristas. E ninguém nada objeta a essa extraordinária contradição. Toda uma geração que aceitara a não-violência está agora sendo educada para apoiar a violência! Percebeis a importância desse estado em que a mente aceita, com igual facilidade, coisas contraditórias? Por certo, essa mente que aceitou ideais pode ser impelida como qualquer rebanho de animais. Mas a mente que tem compreensão do medo, essa não tem ideais; por conseguinte, não se deixa manobrar por nenhuma propaganda, nenhum político, nenhum livro, nenhum instrutor, nem pela sociedade. Essa mente que não se deixa governar, não procura harmonizar-se com nenhum padrão de ideais, está enfrentando cada minuto de cada ação e de cada pensamento, compreendendo cada movimento do pensamento e sentindo o real, o fato, o que é — muito mais significativo do que o que deveria ser. O que deveria ser é o ideal; por conseguinte, é coisa inexistente, ilusória, sem nenhuma significação. Mas o que é, o real, é de imensa significação; só este pode ser transformado, e não o que deveria ser. Assim, com uma compreensão completa dos ideais, podereis varrê-los todos. E ficareis, dessarte, com uma carga de menos — mas isso não significa que vos tornareis algo diferente. Ao varrerdes os ideais, vos vedes, com efeito, frente a frente com o fato — o que é — o fato de que sois violento. E sabeis então como enfrentá-lo. Mas, se ficais todas as horas empenhado em tornar-vos não-violento e em ostentar-vos como tal, e hipnotizando-vos, estais num estado de ilusão. E tais indivíduos, em geral, são neuróticos. Mas o homem que está todo atento a si próprio não tem ideais; move-se de fato para fato — o fato psicológico referente a si próprio — o que é. Foi assim afastado um dos fatores do medo. Compreendei, por favor, o extraordinário significado disso. No momento em que estais livre de ideais — os quais são inexistentes, sem realidade — estais defronte de o que é. Isto é, se sois violento e vos tornais consciente de vós mesmo como entidade violenta, sabeis então como proceder a esse respeito; e não há hipocrisia, não há dissimulação, não há pôr uma máscara de não-violência, ardendo em rancor interiormente! Assim, se compreenderdes isto, não verbalmente, porém de fato, estareis livre dessa extraordinária contradição referente ao que deveria ser e ao que é. E tereis afastado de um golpe essa contradição e, por conseguinte, estareis apto a enfrentar, em seu todo, o problema do ajustamento. Não há então ajustamento, porém apenas compreensão do fato da violência. Nossa sociedade está baseada na violência — violência que é competição, cada qual só interessado em si próprio e a isolar-se dos demais. Podeis dizer “Ama o teu próximo”; isto é excelente. Mas não se pode ser ambicioso ao mesmo tempo.
  • 27. Esses dois — o amor e a ambição — não podem coexistir; mas, em vosso emprego, estais competindo por uma posição melhor, uma função melhor, mais dinheiro... conheceis bem a história! Deveis, pois, compreender esse processo dos ideais: como “projetamos” ideais a fim de fugirmos ao fato, e como os ideais promovem ajustamento, contradição, conflito e, por conseguinte, engendram o medo. Tendes de compreender toda essa estrutura dos ideais. Não se pode compreender apenas intelectualmente. Compreensão intelectual é coisa inexistente. Quando dizeis “compreendo intelectualmente”, estais dizendo que compreendeis o significado da palavra. Mas, compreensão significa compreender totalmente, com vossa mente, verbal, emocional, intelectualmente, com todo o vosso ser; essa compreensão é completa e instantânea. Se assim compreenderdes — em relação aos ideais, ao ajustamento, à contradição — tereis afastado um dos principais fatores do medo. Por favor, enquanto o orador fala, penetrai em vós mesmo; não fiqueis simplesmente ouvindo palavras, para depois vos mostrardes de acordo e dizerdes: “Que mais tendes para dizer?”. O que direi em seguida, o que está para vir, ainda não sei o que será; e o que está para vir vos será igualmente difícil se vós próprio não vos investigardes. Nós estamos andando, viajando juntos, aliviando nossa mente de um dos principais fatores do medo. Consideremos agora a questão da disciplina, que significa exercitar-nos, psicologicamente, para harmonizar-nos com determinado padrão, seja o chamado padrão religioso, seja o padrão moral de uma dada sociedade. Disciplina significa, com efeito, verbalmente, “aprender”. Não sei se já refletistes sobre a disciplina, se já tentastes disciplinar-vos praticamente — não teoricamente, porém praticamente — para verdes se sois capaz de disciplinar- vos e que resultados isso dá. Se já o tentastes, tereis visto que há resistência — resistência a um dado desejo ou um dado impulso ou ânsia; resistência ou repressão que significa controle. Toda repressão, toda resistência, todo controle é contrário ao aprender. Se aprendo a respeito de alguma coisa, a respeito da cólera, por exemplo, não só fico consciente de estar encolerizado, mas também observo a causa, o fator dessa cólera, que é a correspondente reação. Examino- a, compreendendo-a. Nesse processo de compreensão não há resistência, não há necessidade de controle, porque dessa compreensão nasce uma diferente espécie de disciplina, que é o ato de aprender. Não sei se me estais seguindo. O de que necessitamos é uma mente livre, e não uma mente disciplinada (disciplinada, na acepção comum do termo), uma mente exercitada para ajustar-se a determinado padrão. A mente disciplinada é mente morta; é rotineira, estreita, vulgar, pequenina; nunca é livre. E só a mente livre pode compreender, ir além, fazer uma viagem infinita em seu próprio interior. Assim, a mente que está tão-só a disciplinar-se — que significa resistir, controlar — nenhuma possibilidade tem de compreender a natureza do medo. Tentamos
  • 28. descobrir a causa do medo. Dizemos: “Sinto medo por tal causa”. Consideramos muito importante achar a causa do medo; mas isso de modo nenhum é importante. Pensamos que, compreendendo a causa, ficaremos livres do medo. Se observardes bem, vereis que, ainda que conheçais sua causa, o medo continuará existente. Assim, a mera pesquisa psicológica da causa do medo não nos liberta do medo. Este é um dos fatores. Mas, há o fator real, que exige grande soma de compreensão. Vou considerar agora esse fator. Em todos nós existe o observador, o pensador, e o pensamento — dois estados separados; um deles é o pensador, o observador, o experimentador, e o outro a coisa experimentada, o pensamento. Esses dois estados, no concernente à maioria de nós, são separados; há uma enorme separação entre eles. Tende a bondade de observar; não vos limiteis a aceitar ou a rejeitar o que se está dizendo. Observai-vos; deixai que o orador seja apenas um espelho em que vos estais mirando, de modo que vejais a realidade e não aquilo que desejais ver. Há separação entre o pensador e o pensamento. E apresenta-se, assim, a questão: como lançar uma ponte entre o pensador e o pensamento? O pensamento cria a idéia, que é pensamento racionalizado; ou um grande número de pensamentos racionalizados é reunido para constituir uma idéia, um conceito, uma conclusão. Há o pensador e há o conceito que ele formulou por meio do pensamento e que se torna o padrão. O pensador, por conseguinte, separa de si o conceito. E por isso há conflito entre o pensador e o pensamento, uma vez que o pensador está sempre procurando corrigir, alterar, modificar o pensamento, ou dar-lhe continuidade. Ora, é real essa separação? Vemos que existe tal divisão; mas existe realmente um pensador separado do pensamento? Se não estais pensando, onde está o pensador? Escutai, por favor. Não estou formulando uma pergunta retórica, para responderdes, para concordardes ou discordardes. Se a vós fazeis esta pergunta, como agora a estais fazendo, tereis de averiguar se, quando não há nenhum pensamento, existe algum centro de onde emana o pensar. Só há pensamento, e o pensamento cria o pensador por várias razões psicológicas — porque deseja segurança, um meio de ter novas experiências, um centro de onde atuar, etc. etc. Há, pois, esta divisão entre o pensador e o pensamento e, por conseguinte, há conflito. Enquanto existir tal divisão, haverá necessariamente medo. O pensador procura então controlar o medo, dominá-lo; tenta resistir ao medo, livrar-se dele. Por conseguinte, está sempre a considerá-lo como coisa separada dele próprio e, por esta razão, nunca se liberta do medo. Temos aqui, outrossim, uma das causas principais da continuidade do medo. Enquanto há divisão entre observador e coisa observada, há contradição, separação: o medo lá, ele cá. E
  • 29. observando o medo, o observador deseja livrar-se dele; por conseguinte, tenta todos os métodos de libertar-se do medo. Se não há pensador, porém apenas o estado de medo — o estado de medo, e não a entidade que sente medo — é possível então compreender o medo, examiná-lo. É o que agora farei rapidamente. Que é realmente o medo — o medo psicológico? É um estado em que, psicologicamente, se está consciente de um perigo: o perigo de perder a esposa, de perder um emprego etc. Psicologicamente, que é esse medo? É o tempo, sem dúvida. Se não houvesse o tempo, não haveria medo. Por isso que posso pensar numa certa coisa — pensar no perigo, pensar em perder o emprego, pensar na morte, pensar no intervalo entre a realidade atual e o que poderá acontecer — esse lapso de tempo constitui a causa do medo. Se não houvesse tempo, se não houvesse amanhã, correspondente ao pensamento “Que irá acontecer amanhã?”, se a mente se ocupasse tão-só com o real estado de medo, que aconteceria então? Há o tempo cronológico, marcado pelo relógio. Mas, se não há tempo psicológico — não só o tempo referente ao amanhã, mas também o tempo referente ao dia de ontem — isto é, se o pensamento não se ocupa com o que irá acontecer amanhã ou não volta ao que já aconteceu, para relacioná-lo com o presente — vemo-nos então, não em presença do medo, porém apenas em presença de um estado. Se vos tendes observado, sabeis o que realmente ocorre quando sentis medo, quando existe perigo psicológico? Suponhamos, por exemplo, que tenho medo que se descubra o que eu sou. Se isso se descobrisse, eu poderia perder minha reputação, minha posição, etc. Assim sendo, cubro-me com uma máscara. E atrás dessa máscara há sempre ansiedade, sentimento de culpa, o sentimento da necessidade de estar sempre atento, para nunca tirar a máscara e deixar ver o que atrás dela se esconde. Esse é o meu estado real. O que vedes é a máscara, e não o meu estado; mas o que se esconde atrás da máscara é o meu verdadeiro estado, que me inspira medo. Pois bem. Que está ocorrendo? Não estais suficientemente interessado em minha pessoa para arrancar-me a máscara e olhar. Porque tendes também vossas próprias máscaras — muitas delas — isso não vos interessa. Mas, eu estou pensando que podeis olhar. Esse “podeis” refere-se ao futuro; e o passado representa algo que pratiquei e que podeis descobrir. Estou todo enredado no tempo; e nesse tempo — que pode ser uma fração de segundo, ou um dia, ou dez anos — nesse tempo está o pensamento enredado. O pensamento o criou — o pensamento de poderdes olhar o que se oculta atrás de minha máscara. É, pois, o pensamento que cria o medo, e o medo existe por causa do tempo. Não há fugir disso, não há dizer: “Não terei medo do tempo”. Tendes de compreender esse sutilíssimo processo. Outrossim, se investigardes suficientemente esta questão, descobrireis também que, realmente, verdadeiramente, nunca experimentais esse estado de medo.
  • 30. Não é o mesmo estado de quem se vê, fisicamente, na borda de um precipício ou frente a frente com um réptil venenoso. O sentimento de medo é então imediato, e requer uma reação imediata. Mas a maioria de nós provavelmente nunca olhou face a face o estado de medo, porque só o atingimos através de palavras, e são estas que geram o medo. Tomemos, por exemplo, a palavra “morte”. Não vou falar a respeito da morte; deste assunto trataremos noutra reunião. Estou-me referindo a palavras como “Deus”, “morte”, “comunismo” etc. A palavra representa um papel de extraordinária importância em nossa vida. A palavra “morte” evoca toda sorte de imagens e temores: a palavra ou o símbolo, ou coisa que vistes na rua — o transporte de um defunto, que é um símbolo. A palavra, como vemos, gera o medo. Tratai, pois, de compreender o que está implicado nesse extraordinário processo do medo: palavra, tempo, ideal, disciplina, ajustamento, e essa separação entre experimentador e coisa experimentada. Vereis que tudo isso está implicado quando começardes a investigar o medo; e tendes de compreendê-lo totalmente, e não por fragmentos. E, se chegastes até aí, tendes de descer muito mais fundo ainda, pois precisais investigar de modo completo a questão do consciente e do inconsciente. A maioria de nós vive na superfície. Todas as nossas atividades, toda a nossa rotina, todas as nossas sensações se acham na superfície. Nunca penetramos, nunca sondamos as profundezas de nossa consciência, a fim de compreendê- las. E, para compreender, deve a mente superficial, que está sempre ativa, quietar-se completamente. A mente precisa libertar-se totalmente do medo, porque, se há qualquer sombra de medo, em qualquer nível inexplorado, oculto, da consciência, esse medo projetará uma ilusão obscurante. A mente que deveras deseja compreender o que é verdadeiro, real — o extraordinário estado da mente que compreende essa coisa chamada Verdade — não deve ter, psicologicamente, medo de espécie alguma. Há o medo instintivo: quando vos encontrais com uma serpente, saltais para longe dela — o que é perfeitamente natural. Esse medo é necessário; se não existe, o indivíduo é neurótico. Trata-se da reação normal de uma mente sã. Mas, estamos falando sobre o medo psicológico, que é um estado neurótico. A mente que deseje deveras compreender, que deseje empreender uma viagem de exploração e profunda compreensão dessa coisa extraordinária que se chama Realidade — onde não há medida, tempo, ilusão, imaginação — deve estar completamente livre do medo. Essa mente, por conseguinte, nunca estará vivendo no passado nem no futuro. Mas não vos apresseis a interpretá-la como uma coisa que está vivendo no presente, na maneira como o entendem certos filósofos de grande fama, filósofos desiludidos, que preconizam viver completamente no presente, aceitar tudo — o bom, o mau, o indiferente — no presente, nele viver e dele tirar o melhor proveito possível. Não é necessário citar
  • 31. o nome dessa filosofia a que estou aludindo. Já disse o suficiente a seu respeito; sabemos o que ela é. Deste modo, a mente que está bem consciente de tudo o que se relaciona com o medo não se interessa pelo passado; mas, quando o passado se apresenta, sabe o que tem de fazer, sem dele se servir como um degrau para o futuro. Essa mente, por conseguinte, está vivendo no presente ativo e, portanto, compreende cada movimento de pensamento, de sentimento, de medo, logo que se manifesta. Muito há que aprender. Não há fim ao aprender. Por conseguinte, não há, nele, medo, desespero, ansiedade. Deveis entranhar-vos disso completamente, para que nunca vos vejais envolvido nas coisas que foram feitas no passado ou que serão feitas no futuro, envolvido no tempo como pensamento. Só a mente que se esgotou de todo desse medo, pode estar vazia. Nesse estado de vazio, pode-se compreender o que é supremo, o que não tem nome. Madrasta, 19 de janeiro de 1964.
  • 32. 4 Paixão sem Motivo e o Desejo A meu ver, um dos principais problemas que cada um de nós tem de enfrentar é nossa absoluta falta de intensidade de sentimento. Há em nós uma certa intensidade emocional, um excitamento continuamente mantido, no tocante a nossas atividades — o que se deve fazer e o que se não deve fazer. Mostramos um certo entusiasmo em relação a coisas que, em verdade, nenhuma importância tem. Mas, segundo me parece há falta de paixão — não por determinado fim que desejamos realizar, determinado objetivo que almejamos alcançar. Refiro-me à consciência de um sentimento intenso, forte. Somos em geral espíritos muito superficiais, espíritos medíocres, estreitos, fixados numa fútil rotina, onde funcionamos sem atrito, mas se sobrevém algum acidente vemo-nos num estado de perturbação e, posteriormente, recomeçamos noutra rotina. O espírito superficial é incapaz de enfrentar problemas. Tem problemas inumeráveis, todo o problema da existência. Mas, invariavelmente, traduz esse problema imensamente significativo, que é o problema da vida, segundo seu superficial, estreito, limitado entendimento e procura desviar a caudalosa corrente da vida para seus estreitos, insignificantes canais. Eis o que agora se nos depara, e talvez sempre. Mas, na atualidade, o desafio é muito mais sério e exige uma reação igualmente intensa, igualmente forte, igualmente viva. Essa paixão não é coisa que se pode cultivar facilmente, tomando-se uma certa droga, entrando-se num estado hipnótico a respeito de certos ideais, etc. Ela vem naturalmente — tem de vir. Estou empregando deliberadamente a palavra “paixão”. Porque em geral só empregamos essa palavra em relação ao sexo ou em relação a um sofrimento intenso de que desejamos livrar-nos. Mas estou empregando a palavra “paixão” para exprimir um estado de espírito, um estado de ser, um estado de nossa íntima essência — se tal coisa existe — que sente intensamente, que é sensível no mais alto grau — igualmente sensível à imundície, à sordidez, à pobreza e às enormes fortunas e corrupção, à beleza de uma árvore, de um pássaro, à corrente d’água e ao lago que espelha o céu crepuscular. É necessário sentir tudo isso intensamente, fortemente. Porque,
  • 33. sem paixão, a vida se torna vazia, superficial e sem muita significação. Se não sois capaz de ver a beleza de uma árvore e de amar essa árvore, sentir-lhe intensa afeição, não estais vivo. Emprego as palavras “não estais vivo” deliberadamente, porque, neste país, a religião parece achar-se inteiramente divorciada da beleza. Quando não se é sensível a essa extraordinária beleza da vida, à beleza de um rosto, às linhas de um edifício, à forma de uma árvore, ao vôo de uma ave, e à canção matinal; quando não se está consciente de tudo isso, não se sente tudo isso com toda a intensidade, então, evidentemente, a vida, que é cooperação e relação, nada significa; está-se então funcionando mecanicamente. É sobre isto que desejo falar nesta tarde. Aquela paixão não é devoção, não é sentimentalidade; nada tem em comum com a sensação. Se a paixão tem algum motivo, ou se é inspirada por algum motivo, ou se é paixão por alguma coisa, ela se torna prazer e dor. Vede isso, por favor; não desejo entrar em minúcias a este respeito, pois preciso prosseguir no exame desta questão. Se a paixão é despertada sexualmente, ou se tem algum fim em vista, se tem causa, há então, nesta suposta paixão, frustração, dor, exigência da continuação de um prazer e, portanto, o medo de não poder conservá-lo, a preocupação de evitar a dor. Assim, a paixão que tem motivo, que é excitada, essa paixão invariavelmente acaba em desespero, dor, frustração, ansiedade. Estamos falando sobre a paixão que não tem motivo — e esta é coisa muito diferente. Se existe ou não, é a vós que compete descobrir. Mas, sabemos que a paixão que é estimulada termina em desespero, em ansiedade, em dor, ou na exigência de uma dada forma de prazer. Nisso há conflito, há contradição, há exigência constante. Referimo-nos à paixão em que não há motivo. Tal paixão existe. Ela não se relaciona com nenhum ganho ou perda pessoal, nenhuma das pequeninas exigências de um dado prazer ou de um meio de evitar a dor. Se não tendes essa paixão, não sereis capaz de cooperação; e cooperação é vida, relação. Tal cooperação não é em prol de nenhuma idéia; cooperais, não porque a isso sejais impelido pelo Estado, não pelo desejo de ser recompensado ou de evitar punição, não porque seja preciso trabalhar por um certo ideal econômico, uma certa utopia; cooperais, mas não no sentido de trabalhar em comum por um certo ideal. Tudo isso, para nós, não são coisas conducentes à cooperação. Estamos falando sobre o espírito de cooperação. Se não cooperamos, não pode haver estado de relação. A vida exige que vós e eu cooperemos, façamos coisas juntos, trabalhemos juntos, sintamos juntos, vivamos juntos, vejamos juntos. E esse “sentimento de união” deve ser simultâneo, ter a mesma intensidade e estar no mesmo nível; do contrário, não há “união”. E se observamos melhor este mundo bastante triste e destrutivo, vemos que a mente se está tornando mecânica, rotineira, e está sendo mantida, tecnologicamente, num estreito canal. Por conseguinte, o estado de intensidade, a capacidade de sentir intensamente
  • 34. a respeito de alguma coisa, vai desaparecendo gradualmente. E, se não sois capaz de sentir intensamente, é bem óbvio que vossa mente está insensibilizada, embotada, temerosa, etc. Assim, pois, a paixão a que nos referimos é um estado de ser. É um estado verdadeiramente extraordinário, como vereis, se nele penetrardes; um estado sem mancha de sofrimento, sem autocompaixão, sem sentimento de temor. E para o compreendermos, devemos compreender o desejo. Principalmente os que foram educados na base das idéias e sanções religiosas de uma dada sociedade, na qual a chamada religião tem função preponderante — pensam que, para “realizar” aquilo a que chamam Deus, deve a mente estar isenta do desejo; pensam que a ausência de desejo, o não ter desejo é um dos requisitos importantes, principais. Conheceis provavelmente todos os livros que tratam dessa matéria, todos os slokas, etc. Temos logrado extinguir nossas paixões, exceto a um respeito: sexualmente. Temos sabido dominar o desejo. A sociedade, a religião, a vida em comum — de tudo isso fizemos uma coisa sem vitalidade, devido à nossa idéia de que, quando um homem, um ser ou entidade humana, tem fortes sentimentos, muito aproximados de um desejo intenso, não há possibilidade de compreender aquilo a que se costuma chamar “Deus”. Que mal há no desejo? Todos vós o tendes, o sentis muito intensamente ou brandamente, de maneira vaga. Que há de mal nele? Porque concordamos tão facilmente que é necessário subjugar, destruir, desviar, reprimir o desejo? Porque, evidentemente, o desejo ocasiona conflito — o desejo de riqueza, posição, fama, etc. E o alcançar a fama, o adquirir posses, o sentir muito intensamente, implica conflito, perturbação; e nós não desejamos ser perturbados. É isso, precisamente, o que todos desejamos, essencialmente, profundamente: não ser perturbados. Mas, quando nos vemos perturbados, tratamos de procurar uma saída dessa situação, a fim de nos estabilizarmos num estado confortante, onde nada nos possa perturbar. O desejo, pois, constitui, para nós, uma perturbação. Prestai, por favor, atenção a isto. Trata-se de fatos psicológicos; não é questão de aceitar ou rejeitar, concordar ou discordar. São fatos, e não invenções minhas. O desejo, pois, torna-se uma coisa que é necessário controlar, reprimir; e, por conseguinte, todos os nossos esforços são empenhados neste sentido: custe o que custar, não devemos deixar-nos perturbar, e todo fator de perturbação deve ser reprimido, sublimado, posto de lado. Vede, por favor — como já dissemos há dias e como vimos repetindo em cada palestra — que o importante não é ficar ouvindo palavras, porém escutar verdadeiramente. Há grande beleza no escutar. Esta tarde, vimos pela janela um pássaro, um alcião. Tinha longo bico, penas lustrosas, de cor intensamente azul. Cantava, e outra ave da mesma espécie, outro alcião, respondia, à distância. Ficar apenas escutando, sem dizer “Aquilo é um alcião”, “Como é belo!”, “Como
  • 35. é feio!”, “Porque não para de grasnar aquele corvo?” — não sei se alguma vez já escutastes num tal estado de espírito. Escutar, quando nada há de lucrar, escutar sem propósitos utilitários, sem nada se estar ganhando, sem se estar evitando alguma coisa! Ou presenciar o poente, aquele esplendor vespertino, aquela Vênus brilhante, aquele retalho de Lua nova — olhar, apenas, e sentir intensamente! Se escutardes dessa maneira deleitável, descansadamente, sem tensão, então esse próprio ato de escutar é um verdadeiro milagre. Milagre porque, naquela ação, naquele momento, está contido todo o ato de escutar, compreender, ver; foram demolidas todas as muralhas e há espaço entre vós e o mundo e aquilo que estais escutando. Desse espaço necessitais para observar, ver, escutar; quanto mais amplo e profundo ele for, tanto mais beleza e profundidade haverá. Algo de natureza diferente vem à existência quando há esse espaço entre vós e aquilo que estais escutando. Não me estou fazendo poético, sentimental ou romântico. Mas, nós não sabemos escutar — escutar simplesmente — escutar nossa esposa, nosso marido, que é implicante, briguento, irascível ou arrogante. Quando se escuta simplesmente, compreende-se muita coisa; os céus se nos abrem largamente. Fazei-o, de vez em quando! Não tenteis apenas — fazei-o! — e descobrireis algo por vós mesmo. Espero que estejais escutando dessa maneira. Porque estamos falando de algo que transcende a mera palavra. A palavra não é a coisa. A palavra “paixão” não é paixão. Sentir isso, deixar-se entranhar disso, sem volição, sem diretiva, sem finalidade; escutar essa coisa chamada “desejo”, escutar nossos próprios desejos — e temos tantos deles, fracos ou intensos — quando assim fizerdes, compreendereis o enorme mal que praticais quando reprimis o desejo, quando o desviais, quando com ele desejais preencher-vos, quando desejais fazer algo em relação a ele, quando tendes uma opinião a seu respeito. A maioria das pessoas perdeu esta paixão. Provavelmente a sentimos outrora, na juventude... tornar-nos ricos, alcançar fama e viver uma vida burguesa ou respeitável... talvez um vago murmúrio de paixão. E a sociedade, que sois vós, sufoca esse sentimento, e o indivíduo é compelido a ajustar-se a vós, que estais morto, que sois respeitável, sem uma centelha de paixão; dessarte, o indivíduo se torna uma parte de vós e perde para sempre aquela paixão. Para compreender, em sua inteireza, o problema do desejo, temos de compreender o esforço. Porque, desde o momento em que entramos na escola até à morte, vivemos num esforço perpétuo; nossa mente, nossa psique, é um campo de batalha. Nunca se encontra um momento de quietude, de desafogo, de liberdade; estamos sempre batalhando, pelejando, abrindo caminho, ajuntando, evitando, acumulando; eis nossa vida! Não estou descrevendo uma coisa inexistente. Nossa vida é luta constante. Não sei se já notastes que,
  • 36. quando nenhum esforço fazemos — o que não significa estagnar-se, pôr-se a dormir — quando todo o nosso ser está tranquilo, pode-se ver as coisas com muita clareza e penetração, com vitalidade, energia, paixão. E fazemos esforço porque somos impelidos por dois ou mais desejos contrários. Estamos sempre enfrentando um desejo com outro desejo, o desejo de ter e o desejo de não ter — e assim é de fato! Mas, se tendes um só desejo, não há então problema nenhum. Tratais de levá-lo a cabo impiedosamente, lógica ou ilogicamente, e com todas as respectivas consequências — dor, prazer. Mas, como em geral somos um pouco civilizados — não civilizados demais — temos aqueles desejos contrários e, assim, há sempre batalha. Há a sanção religiosa que nos manda viver sem desejo — o padrão, o ideal estabelecido por este ou aquele instrutor, este ou aquele guru, mediante incessante repetição. Há aquele padrão implantado em nossa consciência, através de séculos de propaganda, que se chama religião. E há também o desejo, nosso desejo instintivo, em face das exigências, pressões e tensões da vida cotidiana. Há, pois, contradição entre o padrão religioso e o desejo. E tendes de excluir um e aceitar o outro, ou negar o outro e continuar com o que já tendes; tudo isso implica esforço. Para mim, todo ato de volição, isto é, todo ato de desejo — e o desejo é uma reação — acarreta necessariamente esforço e contradição, e isso, por conseguinte, significa que a mente se vê fragmentada, dividida entre desejos inumeráveis. Por exemplo, vedes uma certa coisa, um carro, um belo carro; tomais conhecimento dele por meio dos sentidos; e vem-vos então o desejo de possuí-lo. Mas, qualquer que seja a forma que o desejo assume, tendes sempre possibilidade de observar, por vós mesmo, como o desejo nasce. Ao nascer em vós qualquer desejo, apresenta-se também o desejo tradicional, profundamente arraigado em todos nós, de reprimir esse desejo. Mas, quando um desejo se apresenta, deveis tomar conhecimento dele, compreendê-lo, escutar todos os seus murmúrios — escutá-lo! Não deveis negá-lo, nem reprimi-lo, nem afastá-lo para o lado, nem fugir dele. Não podemos fugir de nossos desejos. Todos os “santos” e todos os iogues são impelidos pelo desejo, dilacerados pelo desejo. Porque se cobrem com uma tanga e de cinzas, julgam viver vida muito simples. Nem por sombras! Interiormente, estão em ebulição; e disso podem estar conscientes ou inconscientes; não sabem o que fazer. E, assim, tornam a vida deles próprios e sua convivência com seus “santos” uma coisa feia, brutal, virulenta, odienta. Porque, quando não se compreende o desejo, cria-se inimizade e antagonismo. Pode-se pregar interminavelmente a fraternidade, e isso nada significará se não compreendermos essa coisa tão simples chamada desejo. Se negais o desejo, se dizeis: “Tive uma experiência com esse desejo e não devo continuar a mantê-lo” — nesse caso estais apenas comparando o
  • 37. desejo com algo que já tivestes e que se tornou memória — uma lembrança controladora do desejo. Vede-vos de novo empenhado em batalha. Mas, ao nascer cada desejo — ainda que da coisa mais simples — deveis observar sua vinda, sua vida, seu florescimento, seus ganhos de nova vitalidade. E se não o reprimis, se não o comparais, se não o refreia a memória daquela passada experiência, e se podeis observá-lo com aquele espaço de que falamos, vereis que esse desejo se irá transformando em intensidade de sentimento, sem objetivo — num sentimento. Mas, para a maioria de nós, a vontade é necessária, ou pelo menos pensamos que o é. A vontade é uma corda tecida de muitos desejos. E, no momento em que tendes a vontade de fazer ou a vontade de negar, vos achais num estado de resistência. Por conseguinte, de novo vos vedes em estado de conflito. Estamos falando a respeito da mente amadurecida, que compreendeu o conflito. A mente que compreendeu o conflito, que compreendeu toda a questão do desejo com todos os seus problemas, está amadurecida, e só ela pode compreender o que é real, o que é verdadeiro. Nenhuma outra, tampouco a mente que reprimiu o desejo, pode compreender o que é real. Porque, para compreenderdes o verdadeiro, necessitais de paixão. A paixão é uma extraordinária força motora, não estimulada, não acionada pelo desejo. É uma chama, sem a qual nenhuma transformação é possível no mundo, porque o mundo está cheio de problemas. E já que sois uma parte do mundo, estais cheios de problemas: discórdias conjugais; brutalidades; o problema da fome, neste país, no Oriente, em toda a Ásia; os problemas da guerra; essa coisa chamada “paz”; o problema da cooperação. Há problemas, problemas e não tendes possibilidade de evitá-los. Eles existem a cada minuto; consciente ou inconscientemente, vos estão sempre assaltando a mente. E, ou tratais de compreendê-los, ao tornar-vos conscientes deles — isto é, os solucionais imediatamente — ou os transportais para o dia seguinte. O deixá-los para o dia seguinte é que é o verdadeiro problema, e não o encontrar ou não encontrar solução para nossos problemas. Porque, adiando- os, tornais a mente embotada, estúpida; dais tempo ao problema para enraizar- se na mente. Por conseguinte, submeteis a uma contínua tensão as células cerebrais, fatigando-as. Um cérebro cansado não tem possibilidade de compreender. Necessitamos de uma mente fresca, cada dia. Portanto, temos de compreender os problemas, em vez de adiá-los. E, para se compreender um problema, o primeiro requisito é este: não dizer “Preciso resolvê-lo, preciso encontrar solução para ele, preciso achar uma saída; como encontrar a solução correta?”; não se atormentar com o problema como um cachorro com um osso. E é só isso o que fazeis; e quanto mais vos atormentais, tanto mais sério vos julgais! Mas, observai, por favor, a vossa mente, a vossa vida, e não o que o orador está dizendo. E, para resolver
  • 38. problemas — resolvê-los, e não adiá-los — tendes de olhá-los; tendes de ser suficientemente sensíveis para poderdes observar as implicações, o significado, a natureza íntima de um problema. Isso significa que deveis escutá-lo — escutar- lhe todos os sussurros, seu pleno significado, não apenas verbalmente, mas ver, sentir, tocar o problema, com vossos olhos, vosso nariz, vossos ouvidos, todo o vosso ser. Isso significa não se deixar enredar na palavra que designa o problema. Não sei se compreendeis que a palavra não é o problema. A palavra “árvore” não é a árvore. Mas, para a maioria de nós, a palavra é importante, e não a coisa que está atrás da palavra; o símbolo tem muito mais significado do que o fato. A mente, pois, tem de estar desperta, viva, vigilante, escutando cada problema. O problema existe, e não podeis negá-lo. Todo problema significa a reação a um dado desafio, e essa reação ou é total, completa, ou inadequada. A reação inadequada ao desafio cria o problema. Não estais desperto a todas as horas, não podeis estar vigilante, sensível nas vinte e quatro horas do dia; por conseguinte, vossas reações são inadequadas e criam os problemas; e então não tratais de enfrentar o problema imediatamente. Enfrentar de modo completo o problema — o pensamento, o sentimento — imediato, não significa tentar resolvê-lo, fugir dele, compará-lo, não significa dizer “Esta é a maneira de resolvê-lo”... e todos os demais murmúrios e estúpidas idéias com que a mente, o cérebro, se ocupa, na esperança de compreender o problema. Atender o problema de maneira completa é escutá-lo, ser-lhe sensível. E não podeis ser sensível ao problema se estais fugindo dele, se o estais recalcando, se tendes para ele alguma solução. Começamos, pois, a ver que a mente deve ser vigilante e sensível. Estou empregando a palavra “mente” para designar o “intercâmbio” 1 entre o cérebro e a coisa que controla o cérebro; pois a mente não consta apenas de nervos e células cerebrais, mas também daquilo que é ao mesmo tempo transcendente e constituído de células — a coisa total. A mente que a maioria de nós possui está sobrecarregada de problemas, aos quais todos os dias acrescentamos novos problemas. Dessa maneira, todo o nosso ser se torna embotado e perdemos toda a sensibilidade. E quando não somos sensíveis, fazemos esforço. Vede, por favor, o círculo vicioso em que estamos aprisionados. 1. No original: interplay — ação reciproca, influência recíproca. (N. do T.) Dessarte, a compreensão do desejo é necessária. Tendes de compreender o desejo e não viver sem desejo. Se matais o desejo, ficais paralisado. Se olhais o pôr do Sol à vossa frente, esse próprio ato de olhar constitui um deleite, se sois sensível. Isso também é desejo — o deleite. E não podeis ver o poente e com ele deleitar-vos, se não sois sensível. Se, vendo um homem rico passar em seu luxuoso carro, não podeis deleitar-vos com isso — não porque desejeis um carro igual, mas porque simplesmente vos deleita ver um homem conduzindo um belo
  • 39. carro; ou se, vendo um pobre ente humano, sujo, andrajoso, inculto, desesperado, não sois capaz de infinita piedade, afeição, amor — não sois sensível. Como podeis encontrar a realidade, se não tendes essa sensibilidade, esse sentimento? Tendes, pois, de compreender o desejo. E para se compreenderem todos os murmúrios do desejo, necessitais de espaço e, portanto, não tenteis preenchê- lo com vossos pensamentos ou lembranças, ou procurando um meio de realizar ou de destruir o desejo. Dessa compreensão nasce o amor. Em geral, não temos amor, não sabemos o que ele significa. Conhecemos o prazer, conhecemos a dor. Conhecemos a inconsistência do prazer e, provavelmente, a continuidade da dor. E conhecemos o prazer sexual, e o prazer de alcançar a fama, o prestígio, e o prazer de exercermos extraordinário domínio sobre o corpo, como o exercem os ascetas (e têm o cuidado de divulgar por escrito). Conhecemos todos esses prazeres. Falamos interminavelmente a respeito do amor; mas não sabemos o que ele significa, porque não compreendemos o desejo, que é o começo do amor. Sem o amor não há moral; o que há é ajustamento a algum padrão, social ou supostamente religioso. Sem o amor, não há virtude. O amor é algo de espontâneo, de real, de vivo. E a virtude não é coisa que se pode criar mediante exercício constante; é algo de espontâneo, como o amor. A virtude não é uma memória segundo a qual funcionais como ente humano virtuoso. Se não tendes amor, não sois virtuoso. Podeis frequentar o templo, ter uma vida familiar altamente respeitável, observar todas as moralidades sociais, mas virtuoso não sois. Vosso coração é estéril, vazio, sombrio, estúpido, por não terdes compreendido o desejo. Por conseguinte, a vida se vos torna um perene campo de batalha, e o esforço só termina com a morte. Só termina com a morte, porque é só o esforço que conheceis. Assim, para compreender o desejo é preciso compreender, escutar cada murmúrio da mente e do coração, cada alteração do pensamento e do sentimento; é preciso observar o desejo, tornar-se sensível a ele, vivo para ele. Não podeis tornar-vos vivo para o desejo, se o condenais ou se o comparais. Deveis estar solicitamente atento ao desejo, porque ele vos dará uma compreensão imensa. E dessa compreensão provém a sensibilidade. Sois então sensível, não apenas fisicamente sensível à beleza, à sordidez, às estrelas, ao sorriso ou às lágrimas, mas sensível também a todos os murmúrios, todos os sussurros que vos povoam a mente — vossas secretas esperanças e temores. E desse escutar, desse vigiar, vem a paixão, aquela paixão aliada do amor. Só esse estado é que pode cooperar. E só esse estado que é capaz de cooperar, sabe quando não se deve cooperar. Por conseguinte, em virtude dessa profunda compreensão e vigilância, a mente se torna eficiente, lúcida, cheia de vitalidade e de vigor; e só essa mente pode viajar para muito longe.
  • 40. Madrasta, 22 de janeiro de 1964.