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DERMEVAL SAVIANI
EDUCAÇÃO: DO SENSO COMUM
À CONSCIÊNCIA FILOSÓFICA
COLEÇÃO EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA
11ª Edição
- 1996 -
EDITORA AUTORES ASSOCIADOS
Este trabalho reúne estudos redigidos em diferentes oportunidades, obedecendo, porém, a um mesmo propósito:
elevar a prática educativa desenvolvida pêlos educadores brasileiros do nível do senso comum ao nível da consciência
filosófica.
A introdução indica o ponto de convergência do conjunto dos estudos que compõem a obra. Os primeiros textos
constituem estudos introdutórios à Filosofia da Educação. Um segundo conjunto de textos refere-se, no geral, a
"aspectos organizacionais do trabalho pedagógico na área da educação". Por último, são apresentados, em ordem
cronológica, alguns estudos sobre a educação brasileira.
O livro constitui um útil instrumento ao ensino das diferentes disciplinas pedagógicas, em especial das cadeiras
de Introdução à Educação e Estrutura e Funcionamento do Ensino, podendo também ser incluído na programação do
primeiro período letivo da disciplina Filosofia da Educação.
DERMEVAL SAVIANI (1944), natural de Santo António de Posse - SR cursou o primário no Grupo Escolar de
Vila Invernada, São Paulo - SP (1951 a 1954) e os cursos ginasial e colegial nos Seminários de Cuiabá - MT e Campo
Grande - MS ( 955 a 1961). Iniciou os estudos filosóficos no Seminário Central de Aparecida do Norte -SP (|962).
Formou-se em Filosofia pela PUC/SP (1966). Em 1971 doutorou-se em Filosofia da Educação pela PUC/SP e em 1986
obteve o título de livre-docente em Historiada Educação na UNICAMP De 1967 a 1970 lecionou Filosofia, História,
História da Arte e História e Filosofia da Educação nos cursos colegial e normal. Desde 967 é professor do ensino
superior. Atualmente, é professor titular do departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação
da UNICAMP.
SUMÁRIO
PREFÁCIO
INTRODUÇÃO, 1
CAPÍTULO 1
A FILOSOFIA NA FORMAÇÃO DO EDUCADOR, 9
CAPÍTULO 2
FUNÇÃO DO ENSINO DE FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 25
CAPÍTULO 3
VALORES E OBJETIVOS NA EDUCAÇÃO, 35
CAPÍTULO 4
VALORES EM SUPERVISÃO PEDAGÓGICA: ABORDAGEM FILOSÓFICA, 41
CAPÍTULO 5
PARA UMA PEDAGOGIA COERENTE E EFICAZ, 47
CAPÍTULO 6
CONTRIBUIÇÃO A UMA DEFINIÇÃO DO CURSO DE PEDAGOGIA, 53
CAPITULO 7
SUBSÍDIOS PARA FUNDAMENTAÇÃO DA ESTRUTURA CURRICULAR DA PUC-SP, 63
CAPÍTULO 8
PARTICIPAÇÃO DA UNIVERSIDADE NO DESENVOLVIMENTO NACIONAL:
À UNIVERSIDADE E A PROBLEMÁTICA DA EDUCAÇÃO E CULTURA, 69
CAPÍTULO 9
O PROBLEMA DA PESQUISA NA PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, 87
CAPÍTULO 10
UMA CONCEPÇÃO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO, 95
CAPÍTULO 11
DOUTORAMENTO EM EDUCAÇÃO: A EXPERIÊNCIA DA PUC-SP, 101
CAPÍTULO 12
SUBSÍDIOS PARA o EQUACIONAMENTO DO PROBLEMA DO LIVRO
DIDÁTICO EM FACE DA LEI Nº 5692/71, 107
CAPÍTULO 13
ESTRUTURALISMO E EDUCAÇÃO BRASILEIRA, 117
CAPÍTULO 14
EDUCAÇÃO BRASILEIRA: PROBLEMAS, 131
CAPÍTULO 15
ANÁLISE CRÍTICA DA ORGANIZAÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA
ATRAVÉS DAS LEIS N""5.540/68 E 5.692/71, 145
CAPÍTULO 16
FUNÇÕES DE PRESERVAÇÃO E DE DEFORMAÇÃO DO CONGRESSO
NACIONAL NA LEGISLAÇÃO DO ENSINO: UM ESTUDO DE POLÍTICA
EDUCACIONAL, 171
CAPÍTULO 17
EDUCAÇÃO BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA:
OBSTÁCULOS,IMPASSES E SUPERAÇÃO, 175
CAPÍTULO 18
PAPEL DO DIRETOR DE ESCOLA NUMA SOCIEDADE EM CRISE, 207
CAPÍTULO 19
A ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL NO ATUAL CONTEXTO BRASILEIRO, 211
BIBLIOGRAFIA CITADA, 243
PREFÁCIO À 11ª EDIÇÃO
A primeira edição deste livro foi posta em circulação em 1980. Naquela ocasião redigi um esclarecimento sobre
a ordenação dos textos que compõem esta obra nos seguintes termos:
Em primeiro lugar foram reunidos os estudos que tratam da questão educacional em geral, constituindo um conjunto que
poderíamos chamar de "ensaios introdutórios à filosofia da educação".
Um segundo conjunto de textos reúne documentos de trabalho elaborados pelo autor como exigência das funções
que vem desempenhando em organismos educacionais. Referem-se, no geral, a "aspectos organizacionais do trabalho
pedagógico na área de educação". Constitui, de certo modo, exceção a esta regra o estudo denominado "Participação da
universidade no desenvolvimento nacional: a universidade e a problemática da educação e cultura", uma vez que, mais
do que a preocupação com aspectos organizacionais, procurou-se, aí, levantar uma discussão teórica sobre o problema
da universidade. Foi incluído, entretanto, nesse segundo grupo, já que foi escrito como documento de trabalho
apresentado e discutido na XXVI11 Reunião Plenária do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras.
Por último, são apresentados, em ordem cronológica, alguns estudos sobre a educação brasileira. O texto
denominado "Funções de preservação e de deformação do Congresso Nacional na legislação do ensino" registra, de
forma resumida, observações decorrentes de uma pesquisa mais vasta empreendida pelo autor A decisão de publicá-lo
decorreu da consideração de que nele se enunciam, esquematicamente, algumas teses suscetíveis de inspirar
interessantes pesquisas no campo da política educacional brasileira.
Esgotada a primeira edição, registrei as seguintes considerações no prefácio à segunda edição:
Deixando de lado as apreciações positivas, que constituíram a quase totalidade dos comentários que chegaram ao meu
conhecimento, aproveito o pequeno espaço deste prefácio para me referir a duas interpretações, a meu ver equivocadas,
de dois leitores: a primeira diz respeito a uma suposta leitura de Gramsci; a segunda, ao problema do método ou da
lógica. Ambas chegaram ao meu conhecimento informalmente. Se as tomo em consideração, é simplesmente porque
elas me oferecem o pretexto para um esclarecimento que eventualmente possa ser de interesse de um número maior de
leitores.
No primeiro caso trata-se de uma interpretação que incide sobre o texto introdutório, que recebeu o mesmo título do
livro, tomando-o isoladamente e considerando-o como sendo uma leitura de Gramsci. A esse respeito cumpre esclarecer
que de forma alguma se pretendeu, naquele texto, apresentar uma leitura de Gramsci. O objetivo do texto era muito
simples e despretensioso. Pretendia tão-somente justificar o título dado ao conjunto de ensaios reunidos nesta obra. Se
foram feitas diversas citações de Gramsci, isto ocorreu simplesmente porque a temática concernente à relação entre
senso comum e filosofia é constante e central no pensamento gramsciano. E, ainda que eu tenha me preocupado com
essa problemática, independentemente da influência do vigoroso pensador italiano, não senti necessidade de o
proclamar, preferindo, ao contrário, realçar a relevância do tema, pondo em evidencia que tais preocupações já estavam
fortemente presentes num autor hoje considerado clássico.
Ademais, os leitores familiarizados com os meus trabalhos sabem que não é a erudição, isto é, a dissecação dos
discursos anteriormente produzidos, a sua marca distintiva. Não que eu despreze a erudição; ao contrário, cultivo-a.
Subordino-a, porém, ao objetivo de dar conta das questões concretas postas pela prática histórica. Entendo, pois, que a
erudição não é o objetivo do discurso filosófico, mas um instrumento que possibilita a esse discurso constituir-se como
filosófico. Daí a minha resistência aos chamados estudos monográficos centrados na obra de determinado pensador. No
entanto, no caso específico de Gramsci, a partir dos estudos sistemáticos e relativamente exaustivos que fiz sobre a obra
do pensador italiano, penso estar em condição de efetuar uma leitura, talvez original, de sua obra, organizando-a em
torno da questão da superação do senso comum em direção à elaboração filosófica. Seria, em suma, uma leitura que
tomaria como fio condutor o visceral antielitismo que atravessa de ponta a ponta a produção intelectual do autor em
referência. Entretanto, não foi isso o que pretendi fazer no texto em pauta. Não se trata, pois, aí, de uma leitura de
Gramsci.
Quanto à questão do método e da lógica, observo apenas que, ao afirmar: "não se elabora uma concepção sem
método; e não se atinge a coerência sem lógica", eu estava, é óbvio, me referindo à questão da elaboração de uma
concepção de mundo adequada aos interesses populares, como já havia deixado claro nas considerações anteriores. Não
se tratava, pois, de elaborar, aí, a referida concepção e, sim, de indicar a exigência lógico-metodológica para essa
elaboração. Assim como Marx, no texto denominado "Método da economia política", não elaborou o materialismo
histórico (a crítica da economia política), mas se preocupou em indicar o caminho (o método) para essa elaboração,
assim também, guardadas as devidas proporções, tal foi a minha preocupação no texto que serviu de introdução ao livro.
Igualmente é uma leitura ingénua concluir que eu, ao mencionar o exemplo do modo como trabalhei uma questão
específica com os alunos em sala de aula, estivesse acreditando que a abordagem dialética da educação pudesse se
esgotar no interior da sala de aula e na relação interindividual. Com aquela ilustração eu me propunha ao mesmo tempo
a utilizar um recurso didático que facilitasse ao leitor a compreensão da contradição como categoria lógica e, além disso,
evidenciar que, se pretendemos assumir a postura dialética, devemos assumi-la permanentemente; logo, também no
interior da sala de aula.
A rapidez com que se esgotou a primeira edição manteve-se nas subseqüentes ) que se evidencia pelo fato de que
a última edição (a décima) se encontra esgotada p/já há alguns meses. Essa regularidade evidencia que o interesse pela
presente obra Continua vivo, mantendo-se, em conseqüência, a atualidade dos estudos nela incluídos neste livro,
portanto, continua sendo um instrumento útil ao ensino das diferentes disciplinas pedagógicas, em geral, e, em especial,
das cadeiras de Introdução à Educação e Estrutura e Funcionamento do Ensino podendo, também, ser incluído na
programação do primeiro período letivo da disciplina Filosofia da Educação.
Hoje, ao ensejo desta 11ª edição, as duas leituras equivocadas às quais me referi no prefacio à 2ª edição já caíram
no esquecimento. Em contrapartida, a acolhida dos leitores constitui um estímulo para que eu prossiga na tarefa de
esclarecimento de nossa inteligência a fim de tornar mais eficaz a dura luta que travamos para garantir o direito a uma
educação de qualidade à população brasileira em seu conjunto.
Campinas, fevereiro de 1994. Dermeval Saviani
INTRODUÇÃO
Os textos reunidos neste volume foram escritos em diferentes oportunidades, não tendo sido pensados como
capítulos de um mesmo livro. A maior parte deles foi escrita com finalidade didática, isto é, foram redigidos para
servirem de instrumentos às aulas por mim ministradas ou constituem transcrições de palestras por mim proferidas. É
ainda a finalidade didática a principal razão que me levou a ceder às insistentes sugestões para que esses trabalhos
fossem reunidos num livro ficando, assim, à disposição dos professores para sua utilização. Relutei durante mais de dois
anos a acatar a idéia de tal publicação. Isto porque pensava que o seu uso estava estreitamente vinculado ao autor que os
ampliava e lhes dava dimensões muito precisas e concretas na atividade em sala de aula; pensava também que, enquanto
instrumento de trabalho, o material produzido dependia diretamente de seu autor e não se tinha garantias de que o
mesmo material, utilizado por aqueles que não o produziram, poderia gerar os resultados promissores então obtidos. Isto
- é bom esclarecer - não por limitações dos professores que viessem a utilizá-lo, mas por limitações do próprio material
que eu julgava não suficientemente elaborado para ser dado a público.
Entretanto, o fato concreto é que tal material já escapou de meu controle, tendo sido amplamente utilizado por
ex-alunos e colegas como instrumento de trabalho em sala de aula. Assim, vem sendo reproduzido a cada ano de forma
precária através de mimeógrafos (ou outros meios) para uso particular dos professores. Alguns dos textos foram
publicados em revistas que, uma vez esgotadas, provocaram também
1 ▲
o recurso ao mimeógrafo. A precariedade dessa reprodução tem levado os professores a me solicitar a publicação desse
material, o que faço, finalmente, editando o presente livro.
Já que os diferentes ensaios aqui incluídos não foram escritos como partes de um mesmo livro, eles guardam
certa independência entre si, apresentando, em conseqüência, algumas inevitáveis e compreensíveis reiterações. Tais
reiterações, dada a finalidade didática da obra, revestem-se de conotação positiva, uma vez que, como afirma Gramsci,
"a repetição é o meio didático mais eficaz para agir sobre a mentalidade popular".(1)
Apesar da independência referida no parágrafo anterior, os textos não deixam de formar um conjunto unitário,
uma vez que foram elaborados com um propósito comum: elevar a prática educativa desenvolvida pêlos educadores
brasileiros do nível do senso comum ao nível da consciência filosófica. Eis porque o presente volume recebe o título de
"Educação: do senso comum à consciência filosófica".
O título supra exige algumas observações complementares.
Passar do senso comum à consciência filosófica significa passar de uma concepção fragmentária, incoerente,
desarticulada, implícita, degradada, mecânica, passiva e simplista a uma concepção unitária, coerente, articulada,
explícita, original, intencional, ativa e cultivada.(2)
Ora, as notas distintivas do senso comum acima enunciadas são intrínsecas à mentalidade popular; entendido o
povo como "o conjunto das classes subalternas e instrumentais de toda forma de sociedade até agora existente".(3) Em
contrapartida, as características da consciência filosófica constituem expressão de hegemonia. Com efeito, a concepção
de mundo hegemônica é exatamente aquela que, mercê de sua expressão universalizada e seu alto grau de elaboração,
logrou obter o consenso das diferentes camadas que integram a sociedade, vale dizer, logrou converter-se em senso
comum. É nesta forma, isto é, de modo difuso, que a concepção
1. GRAMSCI, A. O Materialismo Histórico, p. 20.
2. O leitor terá percebido que senso comum e consciência filosófica foram caracterizados por conceitos mutuamente
contrapostos, de modo que se podem dispor os seguintes pares antinômicos: fragmentário/unitário, incoerente - coerente,
desarticulado/articulado, implícito/ explícito, degradado/original, mecânico/intencional, passivo/ativo,
simplista/cultivado. (Ver, a respeito, A.M. Cirese, "Conceptions du monde, philosophie spontanée, folklore", in
Dialectiques, n. 4-5, pp. 83-100.)
3. GRAMSCI, A. - Letteratura e V/to Nazionale, p. 268.
2 ▲
dominante (hegemônica) atua sobre a mentalidade popular articulando-a em torno dos interesses dominantes e
impedindo ao mesmo tempo a expressão elaborada dos interesses populares, o que concorre para inviabilizar a
organização das camadas subalternas enquanto classe. O senso comum é, pois, contraditório, dado que se constitui, num
amálgama integrado por elementos implícitos na prática transformadora do homem de massa e por elementos
superficialmente explícitos caracterizados por conceitos herdados da tradição ou veiculados pela concepção hegemônica
e acolhidos sem crítica.(4)
As considerações supra já permitem perceber que as relações entre senso comum e filosofia assumem a forma de
uma relação de hegemonia cuja plena significação radica na estrutura da sociedade em que tal relação se trava. E numa
formação social como a nossa, marcada pelo antagonismo de classes, as relações entre senso comum e filosofia se
travam na forma de luta - a luta hegemônica. Luta hegemônica significa precisamente: processo de desarticulação-
rearticulação, isto é, trata-se de desarticular dos interesses dominantes.aqueles elementos que estão articulados em torno
deles, mas não são inerentes à ideologia dominante e rearticulá-los em torno dos interesses populares, dando-lhes a
consistência, a coesão e a coerência de uma concepção de mundo elaborada, vale dizer, de uma filosofia.
Considerando-se que "toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica",(5) cabe entender
a educação como um instrumento de luta. Luta para estabelecer uma nova relação hegemônica que permita constituir um
novo bloco histórico sob a direção da classe fundamental dominada da sociedade capitalista – o proletariado. Mas o
proletariado não pode se erigir em força hegemônica sem a elevação do nível cultural das massas. Destaca-se aqui a
importância fundamental da educação. A forma de inserção da educação na luta hegemônica configura dois momentos
simultâneos e organicamente articulados entre si: um momento negativo que consiste na crítica da concepção dominante
(a ideologia burguesa); e um momento positivo que significa: trabalhar o senso comum de modo a extrair o seu núcleo
válido (o bom senso) e dar-lhe expressão elaborada com vistas à formulação de uma concepção de mundo adequada aos
interesses populares.
Como realizar essa tarefa? Ora, não se elabora uma concepção sem método; e não se atinge a coerência sem
lógica. Mais do que isso, se se trata de elaborar uma
4. Cf. GRAMSCI, A. - II Materialismo Storico, p. 13,
5. Ibidem, p. 3 l.
3 ▲
concepção que seja suscetível de se tornar hegemônica, isto é, que seja capaz de superar a concepção atualmente
dominante, é necessário dispor de instrumentos lógico-metodológicos cuja força seja superior àqueles que garantem a
força e coerência da concepção dominante. Aqui são fundamentais as indicações contidas no texto de Marx denominado
"Método da Economia Política",(6) o qual coloca de modo correto a distinção entre o concreto, o abstrato e o empírico.
Com efeito, a lógica dialética não é outra coisa senão o processo de construção do concreto de pensamento (ela é uma
lógica concreta) ao passo que a lógica formal é o processo de construção da forma de pensamento (ela é, assim, uma
lógica abstrata). Por aí, pode-se compreender o que significa dizer que a lógica dialética supera por inclusão/
incorporação a lógica formal (incorporação, isto quer dizer que a lógica formal já não é tal e sim parte integrante da
lógica dialética). Com efeito, o acesso ao concreto não se dá sem a mediação do abstrato (mediação da análise como
escrevi em outro lugar(7) ou o "détour" de que fala Kosik(8). Assim, aquilo que é chamado de lógica formal ganha um
significado novo e deixa de ser a lógica para se converter num momento da lógica dialética. A construção do
pensamento se daria, pois, da seguinte forma: parte-se do empírico, passa-se pelo abstrato e chega-se ao concreto.
Diferentemente, pois, da crença que caracteriza o empirismo, o positivismo, etc. (que confundem o concreto com o
empírico) o concreto não é o ponto de partida, mas o ponto de chegada do conhecimento. E no entanto, o concreto é
também o ponto de partida. Como entender isso? Poder-se-ia dizer que o concreto-ponto de partida é o concreto real e o
concreto-ponto de chegada é o concreto pensado, isto é, a apropriação pelo pensamento do real-concreto. Mais
precisamente: o pensamento parte do empírico, mas este tem como suporte o real concreto.(9) Assim, o verdadeiro
ponto de partida, bem como o verdadeiro ponto de chegada é o concreto real. Desse modo, o empírico e o abstrato são
momentos do processo de conhecimento, isto
6. Cf. MARX, K. - Contribuição para a Crítica da Economia Política, pp. 228-237.
7. Cf. SAVIANI, D. - Educação Brasileira: Estrutura e Sistema, pp. 28-29.
8. Cf. KOSIK. K. - Dialética do Concreto, pp. 9 e 21.
9. O empírico, ao mesmo tempo que revela, oculta o concreto. Na linguagem de Kosik poder-se-ia substituir a dupla
empírico-concreto pela dupla fenômeno-essência. Deve-se notar, porém, que esta última dupla guarda ressonâncias
metafísicas e idealistas. Marx raramente a usa nas obras de maturidade. Kosik a recupera e articula esses conceitos numa
"dialética da totalidade concreta". Tal recuperação se deu, provavelmente, por influência de Husserl e Heidegger cujos
cursos Kosik teria assistido em Praga. Talvez seja por esta recuperação que certos críticos tendem a classificar Kosik
como idealista.
4 ▲
é, do processo de apropriação do concreto no pensamento. Por outro lado, o processo de conhecimento em seu conjunto
é um momento do processo concreto (o real-concreto). Processo, porque o concreto não é o dado (o empírico) mas uma
totalidade articulada, construída e em construção. O concreto é, pois, histórico; ele se dá e se revela na e pela práxis.
Portanto, a lógica dialética não tem por objeto as leis que governam o pensamento enquanto pensamento. Seu objeto é a
expressão, no pensamento, das leis que governam o real. A lógica dialética se caracteriza, pois, pela construção de
categorias saturadas de concreto. Pode, pois, ser denominada a lógica dos conteúdos, por oposição à lógica formal que é,
como o nome indica, a lógica das formas.
A orientação metodológica acima indicada pode ser ilustrada através do exemplo de uma questão lançada por
mim aos alunos em sala de aula. A questão foi a seguinte: "o educador é agente (causa) ou produto (efeito) da
educação?". A partir das respostas dos alunos fui desenvolvendo com eles um raciocínio através do qual explorei as
possibilidades da lógica formal, mediante o princípio de não-contradição, conduzindo-a até seu limiar, quando o estourar
de seus quadros obrigou a recorrerão princípio da contradição. Ora, o que fiz não foi outra coisa senão partir do
empírico, analisando diversas situações (a hetero-educação, a auto-educação, a educação da infância e da juventude, a
educação de adultos, a educação permanente, a educação dos educandos, a educação dos educadores, a educação dos
educandos-educadores e dos educa-dores-educandos, etc.) através de sucessivas abstrações, isto é, guiando-me pelo
princípio de não-contradição. Assim, examinei, primeiro, a afirmação:"o educador não pode ser agente e produto da
educação"; depois: "o educador não pode ser agente e produto da educação ao mesmo tempo", isto é, ele pode ser agente
e produto, não, porém, ao mesmo tempo; em seguida: "o educador não pode ser agente e produto da educação ao mesmo
tempo e sob o mesmo aspecto", isto é, ele pode ser agente e produto da educação ao mesmo tempo, não, porém, sob o
mesmo aspecto; por último, examinei a afirmação:"o educador é agente e produto da educação ao mesmo tempo e sob o
mesmo aspecto". A aceitação dessa afirmação implica o rompimento do princípio de não-contradição, vale dizer, a
ultrapassagem dos quadros da lógica formal. Mas o que isto quer dizer senão que, através das mediações do empírico e
do abstrato, nós nos apropriamos, no plano do pensamento, do real-concreto, isto é, o processo educativo enquanto
síntese de múltiplas determinações, processo este que constitui o suporte de todo o raciocínio, raciocínio esse que, por
sua vez, se constituiu num dos momentos do próprio processo concreto da educação?
5 ▲
Percebe-se com relativa facilidade que a passagem do empírico ao concreto corresponde, em termos de
concepção de mundo, à passagem do senso comum à consciência filosófica. Com efeito, o exame da questão "o
educador é agente ou produto da educação?" foi feito a partir das respostas verbalizadas pêlos alunos o que tornou
possível efetuar simultaneamente a crítica da concepção dominante e elaborar o núcleo válido do senso comum. A
crítica da concepção dominante foi feita através da sua expressão em diferentes teorias pedagógicas (diretivismo, não-
diretivismo, educação permanente, etc.) cuja presença foi detectada nas respostas dos alunos, as quais foram referidas à
sua matriz lógica fundamental: o princípio de não-contradição. A elaboração do bom-senso foi feita fazendo emergir das
respostas dos alunos a educação como fenómeno concreto, vale dizer, a prática educativa como totalidade orgânica que
sintetiza as múltiplas determinações características da sociedade que historicamente a produz, e cuja elaboração no
plano do pensamento se torna possível por referência a um princípio superior capaz de articular forma e conteúdo: o
princípio dialético da contradição.
De tudo o que foi dito conclui-se que a passagem do senso comum à consciência filosófica é condição necessária
para situar a educação numa perspectiva revolucionária. Com efeito, é esta a única maneira de convertê-la em
instrumento que possibilite aos membros das camadas populares a passagem da condição de "classe em si" para a
condição de "classe para si". Ora, sem a formação da consciência de classe não existe organização e sem organização
não é possível a transformação revolucionária da sociedade.
Cabe frisar, por fim, que o reconhecimento da importância da educação traduz uma posição incompatível com a
postura elitista. Com efeito, preocupar-se com a educação significa preocupar-se com a elevação do nível cultural das
massas; significa, em consequência, admitir que a defesa de privilégios (essência mesma da postura elitista) é uma
atitude insustentável. Isto porque a educação é uma atividade que supõe a heterogeneidade (diferença) no ponto de
partida e a homogeneidade (igualdade) no ponto de chegada. Diante disso, a forma pela qual a classe dominante, através
de suas elites, impede a elevação do nível de consciência das massas é manifestando uma despreocupação, um descaso e
até mesmo um desprezo pela educação. Por isso, Gramsci pôde escrever:
"Nós não podemos afirmarem sã consciência que a burguesia faça uso da escola no sentido de sua dominação de
classe; se ela assim o fizesse isso significaria que a classe burguesa tem um programa escolar a ser cumprido com
energia e perse-
6 ▲
verança; a escola seria uma escola viva. Isso não acontece: a burguesia, classe que domina o Estado, desinteressa-se da
escola, deixa que os burocratas façam dela o que quiserem, deixa que os ministros da Educação sejam escolhidos ao
acaso de interesses políticos, de intrigas, de "conchavos" de partidos e arranjos de gabinetes..."(10)
Compreende-se então que as elites que controlam, seja o aparelho governamental, seja o aparelho escolar, em
especial as universidades, releguem a educação a uma questão que diz respeito meramente ao senso comum
(eufemisticamente chamado de bom-senso). Comportam-se como o jesuitismo cuja preocupação, segundo a crítica
gramsciana, era manter as massas ao nível do sincretismo que caracteriza o senso comum. Ao jesuitismo, Gramsci
contrapõe o marxismo, ao afirmar:
"’A filosofia da práxis não busca manter os "simplórios" na sua filosofia primitiva do senso comum, mas busca,
ao contrário, conduzi-los a uma concepção de vida superior. Se ela afirma a exigência do contato entre os intelectuais e
os simplórios não é para limitar a atividade científica e para manter uma unidade ao nível inferior das massas, mas
justamente para forjar um bloco intelectual-moral, que torne politicamente possível um progresso intelectual de massa e
não apenas de pequenos grupos intelectuais.’”
É este o momento para se fazer ao mesmo tempo um alerta e uma denúncia.
Um alerta àqueles intelectuais que sinceramente buscam articular o melhor de seus esforços com a defesa dos interesses
populares, no sentido de que meditem sobre a seguinte questão: até que ponto, o fato de não darem a devida importância
para a educação não neutraliza boa parte de seus esforços, levando-os mesmo a assumirem posições que,
incoerentemente com os objetivos que perseguem, redundam direta ou indiretamente em mecanismos de discriminação e
defesa de privilégios?
Uma denúncia daqueles intelectuais que, a despeito de assumirem posições progressistas nas cátedras
universitárias, por devotarem manifesto ou velado desprezo à educação e por lhe negarem o caráter de objeto digno de
ser tratado com a seriedade acometida às ciências e à filosofia, participam, reforçam e legitimam a grande mistificação
que vem caracterizando o trato das questões educacionais neste país. Nessa postura elitista, ignoram eles que sua própria
prática, isto é, a prática que
10. GRAMSCI, A. - LOrdine Nuovo: 1919-1920. pp. 255-256. l I. GRAMSCI, A. - Concepção Dialética da História, p.
20.
7 ▲
desenvolvem na universidade não é outra senão a prática educativa, enredando-se, com isso, na contradição de
desconhecerem sua própria prática ao mesmo tempo que se arvoram em intérpretes autorizados da prática das
populações que eles próprios discriminam.
A uns e a outros cabe lembrar a propósito da educação aquilo que Gramsci afirmou a respeito do folclore: A
educação "não deve ser concebida como algo bizarro, mas como algo muito sério e que deve ser levado a sério. Somente
assim o ensino será mais eficiente e determinará realmente o nascimento de uma nova cultura entre as grandes massas
populares, isto é, desaparecerá a separação entre cultura moderna e cultura popular ou folclore".(12)
12. GRAMSCI, A. - Literatura e Vida Nacional, pp. 186-187. N.B.: No texto de Gramsci lê-se: "O folclore não deve ser
concebido..."
8 ▲
CAPÍTULO UM
A FILOSOFIA NA FORMAÇÃO DO EDUCADOR
A Filosofia da Educação entendida como reflexão sobre os problemas que surgem nas
atividades educacionais, seu significado e função.
O objetivo deste texto(1) é explicitar o sentido e a tarefa da filosofia na educação. Em que a filosofia poderá nos
ajudar a entender o fenómeno da educação? Ou, melhor dizendo: se pretendemos ser educadores, de que maneira e em
que medida a filosofia poderá contribuir para que alcancemos o nosso objetivo? Na verdade, a expressão "filosofia da
educação" é conhecida de todos. Qual é, entretanto, o seu significado? Aceita-se correntemente como inquestionável a
existência de uma dimensão filosófica na educação. Diz-se que toda educação deve ter uma orientação filosófica.
Admite-se também que a filosofia desempenha papel imprescindível na formação do educador. Tanto assim é que a
Filosofia da Educação figura como disciplina obrigatória do currículo mínimo dos cursos de Pedagogia. Mas em que se
baseia essa importância concedida à Filosofia? Teria ela bases reais ou seria mero fruto da tradição? Será que o
educador precisa realmente da filosofia? Que é que determina essa necessidade? Em outros termos: que é que leva o
educador a filosofar? Ao colocar essa questão, nós estamos nos interrogando sobre o significado e a função da Filosofia
em si mesma. Poderíamos, pois, extrapolar o âmbito do educador e perguntar genericamente: que é que leva o homem a
filosofar? Com isto estamos em busca do ponto de partida da filosofia, ou seja, procuramos determinar aquilo que
provoca o surgimento dessa atitu-
1. Escrito em 1973 como texto didático para os alunos da disciplina Filosofia da Educação l, do curso de Pedagogia -
PUC/SP Publicado na Revista D/doto, nº l, janeiro de 1975.
9 ▲
de não habitual, não espontânea à existência humana. Com efeito, todos e cada um de nós nos descobrimos existindo no
mundo (existência que é agir, sentir, pensar). Tal existência transcorre normalmente, espontaneamente, até que algo
interrompe o seu curso, interfere no processo alterando a sua seqüência natural. Aí, então, o homem é levado, é obrigado
mesmo, a se deter e examinar, procurar descobrir o que é esse algo. E é a partir desse momento que ele começa a
filosofar. O ponto de partida da filosofia é, pois, esse algo a que damos o nome de problema. Eis, pois, o objeto da
filosofia, aquilo de que trata a filosofia, aquilo que leva o homem a filosofar: são os problemas que o homem enfrenta no
transcurso de sua existência.
1. NOÇÃO DE PROBLEMA
Mas que é que se entende por problema? Tão habituados estamos ao uso dessa palavra que receio já tenhamos
perdido de vista o seu significado.
1.1. Os Usos Correntes da Palavra "Problema":
Um dos usos mais frequentes da palavra problema é, por exemplo, aquele que a considera como sinónimo de
questão. Neste sentido, qualquer pergunta, qualquer indagação é considerada problema. Esta identificação resulta,
porém, insuficiente para revelar o verdadeiro caráter, isto é, a especificidade do problema. Com efeito, se eu pergunto a
um dos leitores: "quantos anos você tem?", parece claro que eu estou lhe propondo uma questão; e parece igualmente
claro que isto não traz qualquer conotação problemática. Na verdade, a resposta será simples e imediata. Não se conclua
daí, todavia, que a especificidade do problema consiste no elevado grau de complexidade que uma questão comporta.
Neste caso estariam excluídos da noção de problema as questões simples, reservando-se aquele nome apenas para as
questões complexas. Não se trata disso. Por mais que elevemos o grau de complexidade, mesmo que alcemos a
complexidade de uma questão a um grau infinito, não é isto que irá caracterizá-la como problema. Se eu complico a
pergunta feita ao meu suposto leitor e lhe solicito determinar quantos meses, ou mesmo, quantos segundos perfazem a
sua existência, ainda assim não estamos diante de algo problemático. A resposta não será simples e imediata mas nem
por isso o referido leitor se perturbará. Provavelmente, retrucará com segurança:" dê-me tempo para fazer os cálculos e
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lhe apresentarei a resposta"; ou então: "uma questão como essa é totalmente destituída de interesse; não vale a pena
perder tempo com ela". Note-se que o uso da palavra problema para designar os exercícios escolares (de modo especial
os de matemática) se enquadra nesta primeira acepção. São, com efeito, questões. E mais, questões cujas respostas são
de antemão conhecidas. Isto é evidente em relação ao professor, mas não deixa de ocorrer também no que diz respeito
ao aluno. Na verdade, o aluno sabe que o professor sabe a resposta; e sabe também que, se ele aplicar os procedimentos
transmitidos na seqüência das aulas, a resposta será obtida com certeza. Se algum problema ele tem, não se trata aí do
desconhecimento das respostas às questões propostas mas, eventualmente, da necessidade de saber quais as possíveis
conseqüências que poderá acarretar o fato de não aplicar os procedimentos transmitidos nas aulas. Isto, porém, será
esclarecido mais adiante. O que gostaria de deixar claro no momento é que uma questão, em si, não é suficiente para
caracterizar o significado da palavra problema. Isto porque uma questão pode comportar (e o comporta com freqüência,
segundo se explicou acima) resposta já conhecida. E quando a resposta é desconhecida? Estaríamos aí diante de um
problema? Aqui, porém, nós já estamos abordando uma segunda forma do uso comum e corrente da palavra. Trata-se do
problema como não-saber.
De acordo com esta acepção, problema significa tudo aquilo que se desconhece. Ou, como dizem os dicionários,
"coisa inexplicável, incompreensível" (cf. Caldas Aulete, Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, vol. IV
verbete problema, Ed. Delta). Levada ao extremo, tal interpretação acaba por identificar o termo problema com mistério,
enigma (o que também pode ser comprovado numa consulta aos dicionários). No entanto, ainda aqui, o fato de
desconhecermos algo, a circunstância de não sabermos a resposta a determinada questão, não é suficiente para
caracterizar o problema. Com efeito, se retomo o diálogo com o meu suposto leitor e lhe pergunto agora: "quais os
nomes de cada uma das ilhas que compõem o arquipélago das Filipinas?" (cerca de 7.100 ilhas). Ou: "Quais os nomes
de cada uma das Ilhas Virgens (cerca de 53), território do Mar das Antilhas incorporado aos EE.UU.?" Com certeza, o
referido leitor não saberá responder a estas perguntas e, mesmo, é possível que sequer soubesse da existência das tais
ilhas Virgens. É evidente, Contudo, que essa situação não se configura como problemática. E quando o não-saber é
levado a um grau extremo, implicando a impossibilidade absoluta do saber, configura-se, como já se disse, o mistério.
Mistério, porém, não é sinônimo de problema. É, ao contrário e frequentemente, a solução do problema, e, quiçá, de
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todos os problemas. Dá prova disso a experiência religiosa. A atitude de fé implica a aceitação do mistério. O homem de
fé vive da confiança no desconhecido ou, melhor dizendo, no incognoscível. Este é a fonte da qual brota a solução para
todos os problemas. Com isto não quero dizer que a atitude de fé não possa revestir-se, em determinadas circunstâncias,
de certo caráter problemático. Apenas quero frisar que o problema não está na aceitação do mistério, na confiança no
incognoscível. Esta é uma necessidade inerente ao ato de fé. O problema da atitude de fé estará no fato de que essa
necessidade não possa ser satisfeita, ou seja, na possibilidade de que a confiança no incognoscível venha a ser abalada.
Em suma, as coisas que nós ignoramos são muitas e nós sabemos disso. Todavia, este fato, como também a
consciência deste fato, ou mesmo, a aceitação da existência de fenômenos que ultrapassam irredutivelmente e de modo
absoluto a nossa capacidade de conhecimento, nada disso é suficiente para caracterizar o significado essencial que a
palavra problema encerra.
O uso comum do termo, cujo constitutivo fundamental estamos buscando, registra outros vocábulos tais como
obstáculo, dificuldade, dúvida, etc. Não é preciso, porém, muita argúcia para se perceber a insuficiência dos mesmos em
face do objetivo de nossa busca. Existem muitos obstáculos que não constituem problema algum. Quanto ao vocábulo
"dificuldade", é interessante notar as seguintes definições de "problema", encontradas nos dicionários: "coisa de difícil
explicação" (cf. Caldas Aulete, citado) e "coisa difícil de explicar" (cf. Francisco Fernandes, D/c. Brás. Contemporâneo,
p. 867). Julgamos supérfluo comentar semelhantes definições, uma vez que as considerações anteriores já evidenciaram
suficientemente que não é o grau de dificuldade (mesmo que seja elevado ao infinito) que permite considerar algo como
problemático. Por fim, a dúvida tem, a partir de sua etimologia, o significado de uma dupla possibilidade. Implica, pois,
a existência de duas hipóteses em princípio igualmente válidas, embora mutuamente excludentes. Ora, em determinadas
circunstâncias é perfeitamente possível manter as duas hipóteses sem que isto represente problema algum. O ceticismo é
um exemplo típico. Ávida cotidiana assim como a história da ciência e da filosofia nos oferecem inúmeras ilustrações da
"dúvida não problemática". Tomemos apenas um exemplo da experiência cotidiana: imaginemos dois garotos
caminhando em direção à escola; a cem metros desta, um deles lança ao outro o seguinte desafio:" duvido que você seja
capaz de chegar antes de mim". Nesta frase, ambas as hipóteses, ou seja, "você é capaz" e "você não é capaz" são
igualmente admissíveis, embora mutuamente excludentes. Ao dizer "duvido", o
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desafiante estava indicando: "não nego, em princípio, a sua capacidade; mas, até que você me demonstre o contrário,
não posso tampouco admiti-la". O desafiado poderá aceitar o desafio e uma das hipóteses será comprovada, dissipando-
se conseqüentemente a dúvida. Poderá, contudo, não aceitar e a dúvida persistirá sem que isto implique problema algum.
1.2. Necessidade de se Recuperar a Problematicidade do "Problema"
Notamos, pois, que o uso comum e corrente da palavra problema acaba por nos conduzirá seguinte conclusão,
aparentemente incongruente: "o problema não é problemático". Isto permitiu a Julián Marías(2) afirmar:
"Os últimos séculos da história européia abusaram levianamente da denominação "problema"; qualificando
assim toda pergunta, o homem moderno, e principalmente a partir do último século, habituou-se a viver tranquilamente
entre problemas, distraído do dramatismo de uma situação quando esta se torna problemática, isto é, quando não se pode
estar nela e por isso exige uma solução."
Se o problema deixou de ser problemático, cumpre, então, recuperar a problematicidade do problema. Estamos
aqui diante de uma situação que ilustra com propriedade o processo global no qual se desenrola a existência humana.
Examinamos alguns fenômenos, ou seja, algumas formas de manifestação do problema. No entanto, o fenômeno, ao
mesmo tempo que revela (manifesta) a essência, a esconde. Trata-se daquilo a que Karel Kosik(3) denominou "o mundo
da pseudo-concreticidade". Importa destruir esta "pseudo-concreticidade" a fim de captar a verdadeira concreti-cidade.
Esta é a tarefe da ciência e da filosofia. Ora, captar a verdadeira concreticidade não é outra coisa senão captar a essência.
Não se trata, porém, de algo subsistente em si e por si que esteja oculto por detrás da cortina dos fenômenos. A essência
é um produto do modo pelo qual o homem produz sua própria existência. Quando o homem considera as manifestações
de sua própria existência como algo desligado dela, ou seja, como algo independente do processo que as produziu, ele
está vivendo no mundo da "pseudo-concreticidade". Ele toma como essência aquilo que é apenas fenômeno, isto é,
aquilo que é apenas manifestação da essência. No caso que estamos
2. MARÍAS, J. - Introdução à Filosofia, p. 22.
3. KOSIK, K. - Dialética do Concreto, especialmente pp. 9-20.
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examinando, ele toma por problema aquilo que é apenas manifestação do problema.
Após essas considerações, cabe perguntar agora: qual é, então, a essência do problema? No processo de produção de sua
própria existência o homem se defronta com situações ineludíveis, isto é: enfrenta necessidades de cuja satisfação
depende a continuidade mesma da existência (não confundir existência, aqui empregada, com subsistência no estrito
sentido econômico do termo). Ora, este conceito de necessidade é fundamental para se entender o significado essencial
da palavra problema. Trata-se, pois, de algo muito simples, embora frequentemente ignorado. A essência do problema é
a necessidade. Com isto é possível agora destruir a "pseudo-concreticidade" e captar a verdadeira "concreticidade". Com
isto, o fenômeno pode revelar a essência e não apenas ocultá-la. Com isto nós podemos, enfim, recuperar os usos
correntes do termo "problema", superando as suas insuficiências ao referi-los à nota essencial que lhes impregna de
problematicidade: a necessidade. Assim, uma questão, em si, não caracteriza o problema, nem mesmo aquela cuja
resposta é desconhecida; mas uma questão cuja resposta se desconhece e se necessita conhecer; eis aí um problema.
Algo que eu não sei não é problema; mas quando eu ignoro alguma coisa que eu preciso saber, eis-me, então, diante de
um problema. Da mesma forma, um obstáculo que é necessário transpor, uma dificuldade que precisa ser superada, uma
dúvida que não pode deixar de ser dissipada são situações que se configuram como verdadeiramente problemáticas.
A esta altura, é importante evitar uma possível confusão. Se consignamos como nota definitória fundamental do
conceito de problema a necessidade, não se creia com isso que estamos subjetivizando o significado do problema. Tal
confusão é possível uma vez que o termômetro imediato da noção de necessidade é a experiência individual, o que pode
fazer oscilar enormemente o conceito de problema em função da diversidade de indivíduos e da multiplicidade de
circunstâncias pelas quais transita diariamente cada indivíduo. Deve-se notar, contudo, que o problema, assim como
qualquer outro aspecto da existência humana, apresenta um lado subjetivo e um lado objetivo, intimamente
conexionados numa unidade dialética. Com efeito, o homem constrói a sua existência, mas o faz a partir de
circunstâncias dadas, objetivamente determinadas. Além disso, é, ele próprio, um ser objetivo sem o que não seria real.
A verdadeira compreensão do conceito de problema supõe, como já foi dito, a necessidade. Esta só pode existir se
ascender ao plano consciente, ou seja, se for sentida pelo homem como tal (aspecto subjetivo); há, porém, circunstâncias
concretas que objetivizam a necessidade sentida, tornando possível, de um lado, avaliar o seu caráter
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real ou suposto (fictício) e, de outro, prover os meios de satisfazê-la. Diríamos, pois, que o conceito de problema implica
tanto a. conscientização de uma situação de necessidade (aspecto subjetivo) como uma situação conscientizadora da
necessidade (aspecto objetivo).
Essas observações foram necessárias a fim de tornar compreensível o uso de expressões como "pseudo-
concreticidade" e, no caso específico, "pseudo-problema". Na verdade, se problema é aquela necessidade que cada
indivíduo sente, não teria sentido falar-se em "pseudo-problema". O problema existiria toda vez que cada indivíduo o
sentisse como tal, não importando as circunstâncias de manifestação do fenômeno. Sabemos, porém, que uma reflexão
sobre as condições objetivas em que os homens produzem a própria existência nos permite detectara ocorrência daquilo
que está sendo denominado "pseudo-problema". A estrutura escolar (em geral por reflexo da estrutura . social) é fértil
em exemplos dessa natureza. Muitas das questões que integram os currículos escolares são destituídas de conteúdo
problemático, podendo-se aplicar a elas aquilo que dissemos a propósito dos exercícios escolares: "se algum problema o
aluno tem, não se trata aí do desconhecimento das respostas às questões propostas mas, eventualmente, da necessidade
de saber quais as possíveis conseqüências que lhe poderá acarretar o fato de não aplicar os procedimentos transmitidos
nas aulas". Toda uma série de mecanismos artificiais é desencadeada como resposta ao caráter artificioso das questões
propostas. O referido caráter artificioso configura, evidentemente, o que denominamos "pseudo-problema". Um
raciocínio extremado tornará óbvio o que acabamos de dizer: suponhamos que as 7.100 ilhas do arquipélago das
Filipinas tenham, cada uma, um nome determinado. Suponhamos, ainda, que um professor de Geografia exija de seus
alunos o conhecimento de todos esses nomes. Os alunos estarão, então, diante de um problema: como conseguir a
aprovação em face dessa exigência? Uma vez que eles não necessitam saber os nomes das ilhas (isso não é problema),
mas precisam ser aprovados, partirão em busca dos artifícios ("pseudo-soluções") que lhes garantam a aprovação. Está
aberto o caminho para a fraude, para a impostura. Com este fenómeno estão relacionados os ditos já generalizados,
como: "os alunos aprendem apesar dos professores", ou "a única vez que a minha educação foi interrompida foi quando
estive na escola" (Bernard Shaw).(4)
4. Cf. POSTMAN, N. & WEINGARTNER, C. - Contestação; Nora Fórmula de Ensino, p. 77. Recomendamos a leitura
de todo o cap. IV - Em busca da relevância, pp. 65-87, onde são encontrados diversos exemplos de "pseudo-problemas".
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O "pseudo-problema", como já se disse, é possível em virtude de que os fenómenos não apenas revelam a
essência, mas também a ocultam. A consciência dessa possibilidade torna imprescindível um exame detido das
condições objetivas em que se desenvolve a nossa atividade educativa.
Em suma: problema, apesar do desgaste determinado pelo uso excessivo do termo, possui um sentido
profundamente vital e altamente dramático para a existência humana, pois indica uma situação de impasse. Trata-se de
uma necessidade que se impõe objetivamente e é assumida subjetivamente. O afrontamento, pelo homem, dos
problemas que a realidade apresenta, eis aí, o que é a filosofia. Isto significa, então, que a filosofia não se caracteriza por
um conteúdo específico, mas ela é, fundamentalmente, uma atitude; uma atitude que o homem toma perante a realidade.
Ao desafio da realidade, representado pelo problema, o homem responde com a reflexão.
2. NOÇÃO DE REFLEXÃO
E que significa reflexão? A palavra nos vem do verbo latino Yeflectere" que significa "voltar atrás". É, pois, um
re-pensar, ou seja, um pensamento em segundo grau. Poderíamos, pois, dizer: se toda reflexão é pensamento, nem todo
pensamento é reflexão. Esta é um pensamento consciente de si mesmo, capaz de se avaliar, de verificar o grau de
adequação que mantém com os dados objetivos, de medir-se com o real. Pode aplicar-se às impressões e opiniões, aos
conhecimentos científicos e técnicos, interrogando-se sobre o seu significado. Refletir é o ato de retomar, reconsiderar
os dados disponíveis, revisar, vasculhar numa busca constante de significado. É examinar detidamente, prestar atenção,
analisar com cuidado. E é isto o filosofar.
Até aqui a atitude filosófica parece bastante simples, pois uma vez que ela é uma reflexão sobre os problemas e
uma vez que todos e cada homem têm problemas inevitavelmente, segue-se que cada homem é naturalmente levado a
refletir, portanto, a filosofar. Aqui, porém, a coisa começa a se complicar.
3. AS EXIGÊNCIAS DA REFLEXÃO FILOSÓFICA
Com efeito, se a filosofia é realmente uma reflexão sobre os problemas que a realidade apresenta, entretanto ela
não é qualquer tipo de reflexão. Para que uma reflexão possa ser adjetivada de filosófica, é preciso que se satisfaça uma
série de exigências que vou resumir em apenas três requisitos: a radicalidade, o rigor e a
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globalidade. Quero dizer, em suma, que a reflexão filosófica, para ser tal, deve ser radical, rigorosa e de conjunto.
Radical: Em primeiro lugar, exige-se que o problema seja colocado em termos radicais, entendida a palavra
radical no seu sentido mais próprio e imediato. Quer dizer, é preciso que se vá até às raízes da questão, até seus
fundamentos. Em outras palavras, exige-se que se opere uma reflexão em profundidade.
Rigorosa: Em segundo lugar e como que para garantir a primeira exigência, deve-se proceder com rigor, ou seja,
sistematicamente, segundo métodos determinados, colocando-se em questão as conclusões da sabedoria popular e as
generalizações apressadas que a ciência pode ensejar.
De conjunto: Em terceiro lugar, o problema não pode ser examinado de modo pardal, mas numa perspectiva de
conjunto, relacionando-se o aspecto em questão com os demais aspectos do contexto em que está inserido. É neste ponto
que a filosofia se distingue da dência de um modo mais marcante. Com efeito, ao contrário da ciência, a filosofia não
tem objeto determinado; ela dirige-se a qualquer aspecto da realidade, desde que seja problemático; seu campo de ação é
o problema, esteja onde estiver. Melhor dizendo, seu campo de ação é o problema enquanto não se sabe ainda onde ele
está; por isso se diz que a filosofia é busca. E é nesse sentido também que se pode dizer que a filosofia abre caminho
para a ciência; através da reflexão, ela localiza o problema tornando possível a sua delimitação na área de tal ou qual
ciência que pode então analisá-lo e, quiçá, solucioná-lo. Além disso, enquanto a ciência isola o seu aspecto do contexto
e o analisa separadamente, a filosofia, embora dirigindo-se às vezes apenas a uma parcela da realidade, insere-a no
contexto e a examina em função do conjunto.
A exposição sumária e isolada de cada um dos itens acima descritos não nos deve iludir. Não se trata de
categorias auto-suficientes que se justapõem numa somatória suscetível de caracterizar, pelo efeito mágico de sua
junção, a reflexão filosófica. A profundidade (radicalidade) é essencial à atitude filosófica do mesmo modo que a visão
de conjunto. Ambas se relacionam dialeticamente por virtude da íntima conexão que mantém com o mesmo movimento
metodológico, cujo rigor (criticidade) garante ao mesmo tempo a radicalidade, a universalidade e a unidade da
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reflexão filosófica.(5) Deste modo, a concepção amplamente difundida segundo a qual o aprofundamento determina um
afastamento da perspectiva de conjunto, e, vice-versa: a ampliação do campo de abrangência acarreta uma inevitável
superficialização, é uma ilusão de óptica decorrente do pensar formal, o nosso modo comum de pensar que herdamos da
tradição ocidental. A inconsistência dessa concepção vem sendo fartamente ilustrada pêlos avanços da ciência
contemporânea, cuja penetração no âmago do processo objetivo faz estourar os quadros do pensamento tradicional. É a
isto que se convencionou chamara crise das ciências (em especial da Física e da Matemática).6 Não se trata, porém, de
uma crise das ciências (em nenhuma época da História experimentaram progresso tão intenso), mas de uma crise da
Lógica Formal.
Com efeito, o aprofundamento na compreensão dos fenômenos se liga a uma concepção geral da realidade,
exigindo uma reinterpretação global do modo de pensar essa realidade. Então, a lógica formal, em que os termos
contraditórios mutuamente se excluem (princípio de não-contradição), inevitavelmente entra em crise, postulando a sua
substituição pela lógica dialética, em que os termos contraditórios mutuamente se incluem (princípio de contradição, ou
lei da unidade dos contrários). Por isso, a lógica formal acaba por enredar a atitude filosófica numa gama de
contradições frequentemente dissimuladas através de uma postura idealista, seja ela crítica (que se reconhece como tal)
ou ingênua (que se autodenomina realista). A visão dialética, ao contrário, nos arma de um instrumento, ou seja, de um
método rigoroso (crítico) capaz de nos propiciar a compreensão adequada da radicalidade e da globalidade na unidade
da reflexão filosófica.
Afirmamos antes que o problema apresenta um lado objetivo e um lado subjetivo, caracterizando-se este pela
tomada de consciência da necessidade. As considerações supra deixaram claro que a reflexão é provocada pelo
problema e, ao mesmo tempo, dialeticamente, constitui-se numa resposta ao problema. Ora, assim sendo, a reflexão se
caracteriza por um aprofundamento da consciência da situação problemática, acarretando (em especial no caso da
reflexão filosófica, por virtude das exigências que lhe são inerentes) um salto qualitativo que leva à superação
5. Mesmo pensadores não afeiçoados ao modo de pensar dialético admitem implícita ou explicitamente o que acabamos
de dizer. Cf., por ex., COTTIER, in Revista Nova et Veteras,: "deux traits sont caractéristiques du philosophe:
l'universalité de son champ de vision et Ia recherche de raisons profondes".
6. Cf. a respeito, PINTO, A. V - Ciência e Existência, especialmente o cap. IX.
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do problema no seu nível originário. Esta dialética reflexão-problema é necessário ser compreendida para que se evite
privilegiar, indevidamente, seja a reflexão (o que levaria a um subjetivismo, acreditando-se que o homem tenha um
poder quase absoluto sobre os problemas, podendo manipulá-los a seu bel-prazer), seja o problema (o que implicaria
reificá-lo desligando-o de sua estrita vinculação com a existência humana, sem a qual a essência do problema não pode
ser apreendida, como já foi explicado).
Por fim, é necessária uma observação sobre a expressão bastante difundida, "problema filosófico". Cabe
perguntar: "existem problemas que não são filosóficos?" Na verdade, um problema, em si, não é filosófico, nem
científico, artístico ou religioso. A atitude que o homem toma perante os problemas é que é filosófica, científica, artística
ou religiosa ou de mero bom-senso. A expressão que estamos analisando é resultante, pois, do uso corrente da palavra
problema (já abordado) que a dá como sinônimo de questão, tema, assunto. Aqueles assuntos, que são objeto de estudo
dos cientistas, por exemplo, são denominados "problemas científicos". Daí as derivações "problemas sociológicos",
"problemas psicológicos", "problemas químicos", etc. Mas como aceitar essa interpretação no caso da filosofia que,
como foi dito antes, não tem objeto determinado? Como aceitá-la, se qualquer assunto pode ser objeto de reflexão
filosófica? O uso comum e corrente tem se pautado, então, pelo seguinte paralelismo: assim como "problemas
científicos" são aquelas questões de que se ocupam os cientistas, "problemas filosóficos" não são outra coisa senão
aquelas questões de que se têm ocupado os filósofos. Não se deve esquecer, porém, que não é porque os filósofos se
ocuparam com tais assuntos que eles são problemas; mas, ao contrário: é porque eles são (ou foram) problemas que os
filósofos se ocuparam e se preocuparam com eles. Resta, então, a seguinte alternativa: a expressão "problemas
filosóficos" é uma manifestação corrente da ] linguagem e, como fenômeno, ao mesmo tempo revela e oculta a essência
do , filosofar. Oculta, na medida em que compartimentalizando também a atitude filosófica (bem a gosto do modo
formalista de pensar) a reduz a uns tantos assuntos já de antemão catalogáveis, empobrecendo um trabalho que deveria
ser essencialmente criador. Revela, enquanto pode chamar a atenção para alguns problemas que se revestem de tamanha
magnitude, em face das condições concretas em que o homem produz a sua existência, que exigem, em caráter
prioritário, uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto. Tratar-se-ia, por
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conseguinte, de problemas que põem em tela, de imediato e de modo inconteste, a necessidade da filosofia. Estaria
justificado, nessas circunstâncias, o uso da expressão "problema filosófico".
4. NOÇÃO DE FILOSOFIA
Esclarecendo o significado essencial de problema; explicitados a noção de reflexão e os requisitos fundamentais
para que ela seja adjetivada de filosófica, podemos, finalmente, conceituar a filosofia como uma REFLEXÃO
(RADICAL, RIGOROSA E DE CONJUNTO) SOBRE OS PROBLEMAS QUE A REALIDADE APRESENTA.
A partir daí, é fácil concluir a respeito do significado da expressão "Filosofia da Educação". Esta não seria outra
coisa senão uma REFLEXÃO (RADICAL, RIGOROSA E DE CONJUNTO) SOBRE OS PROBLEMAS QUE A
REALIDADE EDUCACIONAL APRESENTA.
5. NOÇÃO DO "FILOSOFIA DE VIDA"
Mas será que isso nos diz alguma coisa? Quando ouvimos falar em filosofia da educação não me parece que
ocorra em nosso espírito a idéia acima. Com efeito, ouvimos falar em Filosofia da Educação da Escola Nova, Filosofia
da Educação da Escola Tradicional, Filosofia da Educação do Governo de São Paulo, Filosofia da Educação da Igreja
Católica, etc.; e sabemos que não se trata aí da reflexão da Igreja Católica, dos educadores da Escola Nova ou do
Governo de São Paulo sobre os problemas educacionais; a palavra filosofia refere-se aí à orientação, aos princípios e
normas que regem aquelas entidades. Tal orientação pode ou não ser conseqüência da reflexão. Com efeito, a nossa ação
segue sempre certa orientação; a todos momentos estamos fazendo escolhas, mas isso não significa que estamos sempre
refletindo; a ação não pressupõe necessariamente a reflexão; podemos agir sem refletir (embora não nos seja possível
agir sem pensar). Neste caso, nós decidimos, fazemos escolhas espontaneamente, seguindo os padrões, a orientação que
o próprio meio nos impõe. É assim que nós escolhemos nossos clubes preferidos, nossas amizades; é assim que os pais
escolhem o tipo de escola para os seus filhos, colocando-os em colégio de padres (ou freiras) ou em colégio do Estado; é
assim também que certos professores elaboram o programa de suas cadeiras (vendo o que os outros costumam
transmitir, transcrevendo os itens do índice de certos livros
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didáticos, etc.); e é assim, ainda, que se fundam certas escolas ou que o Governo toma certas medidas. Nessas situações
nós não temos consciência clara, explícita do porquê fazemos assim e não de outro modo. Tudo ocorre normalmente,
naturalmente, espontaneamente, sem problemas. Proponho que se chame a esse tipo de orientação "filosofia de vida".(7)
Todos e cada um de nós temos a nossa "filosofia de vida". Esta se constitui a partir da família, do ambiente em que
somos criados.
6. NOÇÃO DE "IDEOLOGIA"
Mas, como já dissemos, quando surge o problema, ou seja, quando não sei que rumo tomar e preciso saber,
quando não sei escolher e preciso saber, aí surge a exigência do filosofar, aí eu começo a refletir. Essa reflexão é aberta;
pois se eu preciso saber e não sei, isto significa que eu não tenho a resposta; busco uma resposta e, em princípio, ela
pode ser encontrada em qualquer ponto (daí, a necessidade de uma reflexão de conjunto). À medida, porém, que a
reflexão prossegue, as coisas começam a ficar mais claras e a resposta vai se delineando. Estrutura-se então uma
orientação, princípios são estabelecidos, objetivos são definidos e a ação toma rumos novos tornando-se compreensível,
fundamentada, mais coerente. Note-se que também aqui se trata de princípios e normas que orientam a nossa ação. Mas
aqui nós temos consciência clara, explícita do porquê fazemos assim e não de outro modo. Contrapondo-se à "filosofia
de vida", proponho que se chame a esse segundo tipo de orientação, "ideologia".(8) Observe-se, ainda, que a opção
ideológica pode também se opor à "filosofia de vida" (pense-se no burguês que se decida por uma ideologia
revolucionária): neste caso, o
7. Esta noção de "filosofia de vida" corresponde, na terminologia gramsciana, ao conceito de "senso comum". Cf.
GRAMSCI, A. - Quaderni del Cárcere, especialmente o caderno 10. (Na tradução brasileira, ver, Concepção Dialética
da Historio, em especial a Parte I.)
8. Para uma discussão dos diversos sentidos da palavra "ideologia", ver, FURTER, R -Educação e Reflexão, Cap. 4;
GABEL, J. - ídéologies; DUMONT, R Lês Idéologies; e a coletânea de Lenk, K. - Eí Concepto de Ideóloga que traz,
inclusive, uma abordagem histórica do problema. Sobre o trabalho de R Furter, cit., observe-se que ele vale mais pelas
indicações bibliográficas que contém do que pelas interpretações do autor. Para uma discussão sobre as relações entre
ideologia e falsa consciência, ver, GABEL, j. - La Fausse Consàence e SCHAFF. A. - História e Verdade, pp. l 55-171.
Por fim, cabe lembrar que a noção adotada neste texto, ainda que sem pretensões de alçar-se ao plano de uma teoria da
ideologia, obtém forte apoio em GFIAMSCI, A. - Concepção Dialética da História. (Ver principalmente, pp. 61-63 e
114-119.)
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conflito pode acarretar certas incoerências na ação, determinadas pela superposição ora de uma, ora de outra. Aqui se
faz mais necessária ainda a vigilância da reflexão.
7. ESQUEMATIZAÇÃO DA DIALÉÏICA "AÇÃO-PROBLEMA-REFLEXÃO-AÇÃO"
Podemos, pois, para facilitar a compreensão, formular o seguinte diagrama:
1. Ação (fundada na filosofia de vida) suscita
2. Problema (exige reflexão: a filosofia) que leva à
3. Ideologia (conseqüência da reflexão) que acarreta
4. Ação (fundada na ideologia).
Não se trata, porém, de uma seqüência lógica ou cronológica; é uma seqüência dialética. Portanto, não se age
primeiro, depois se reflete, depois se organiza a ação e por fim age-se novamente. Trata-se de um processo em que esses
momentos se interpenetram, desenrolando o fio da existência humana na sua totalidade. E como não existe reflexão
total, a ação trará sempre novos problemas que estarão sempre exigindo a reflexão; por isso, a filosofia é sempre
necessária e a ideologia será sempre parcial, fragmentária e superável.(9) Assim, poderíamos continuar o diagrama
anterior, da seguinte forma:
4. Ação (fundada na ideologia) suscita
5. Novos Problemas (exigem reflexão: a filosofia) que levam à
6. Reformulação da ideologia (organização da ação) que acarreta
7. Reformulação da ação (fundada na ideologia reformulada).
8. NOÇÃO DE FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Portanto, o que conhecemos normalmente pelo nome de filosofia da educação não o é propriamente, mas
identifica-se (de acordo com a terminologia proposta) ora
9. Esta maneira de colocar as relações entre filosofia e ideologia nos permite ao mesmo tempo assinalar a oportunidade
da distinção entre saber e ideologia e evitar sua possível limitação. Tal limitação consiste em que o saber é geralmente
posto como o outro que exclui (porque, ao revelar suas origens, a dissipa) a ideologia. Com isto, acaba-se por defender o
caráter desinteressado do saber. Cabe, pois, lembrar que o saber é sempre interessado, vale dizer, o saber supõe sempre a
ideologia da mesma forma que esta supõe sempre o saber. Com efeito, a ideologia só pode ser identificada como tal, ao
nível do saber. A ideologia que não supõe o saber, supõe-se saber. Ver, por exemplo, ALTHUSSER, L. - Ideologia e
Aparelhos Ideológicos de Estado e a apresentação de CHAUÍ, Marilena - Ideologia e Mobilização Popular.
22 ▲
com a "filosofia de vida", ora com a "ideologia". Acreditamos, porém, que a filosofia da educação só será mesmo
indispensável à formação do educador; se ela for encarada, tal como estamos propondo, como uma REFLEXÃO
(RADICAL, RIGOROSA E DE CONJUNTO) SOBRE OS PROBLEMAS QUE A REALIDADE EDUCACIONAL
APRESENTA.
Podemos, enfim, responder à pergunta colocada no início: que é que leva o educador a filosofar? O que leva o
educador a filosofar são os problemas (entendido esse termo com o significado que lhe foi consignado) que ele encontra
ao realizar a tarefa educativa. E como a educação visa o homem, é conveniente começar por uma reflexão sobre a
realidade humana, procurando descobrir quais os aspectos que ele comporta, quais as suas exigências referindo-as
sempre à situação existencial concreta do homem brasileiro, pois é aí (ou pelo menos a partir daí) que se desenvolverá o
nosso trabalho. Assim, a tarefa da Filosofia da Educação será oferecer aos educadores um método de reflexão que lhes
permita encarar os problemas educacionais, penetrando na sua complexidade e encaminhando a solução de questões tais
como: o conflito entre "filosofia de vida" e "ideologia" na atividade do educador; a necessidade da opção ideológica e
suas implicações; o caráter parcial, fragmentário e superável das ideologias e o conflito entre diferentes ideologias; a
possibilidade, legitimidade, valor e limites da educação; a relação entre meios e fins na educação (como usar meios
velhos em função de objetivos novos?); a relação entre teoria e prática (como a teoria pode dinamizar ou cristalizar a
prática educacional?); é possível redefinir objetivos para a educação brasileira? Quais os condicionamentos da atividade
educacional? Em que medida é possível superá-los e em que medida é preciso contar com eles?
O elenco de questões acima mencionado é apenas um exemplo do caráter problemático da atividade educacional,
o que explica a importância e a necessidade da reflexão filosófica para o educador. Além desses, citados ao acaso,
muitos outros problemas o educador terá que enfrentar. Alguns deles são previsíveis; outros serão decorrência do
próprio desenvolvimento da ação. E se o educador não tiver desenvolvido uma capacidade de refletir profundamente,
rigorosamente e globalmente, suas possibilidades de êxito estarão bastante diminuídas.
9. CONCLUSÃO
Assim encarada, a filosofia da educação não terá como função fixar "a priori" princípios e objetivos para a
educação; também não se reduzirá a uma teoria geral da educação
23 ▲
enquanto sistematização dos seus resultados. Sua função será acompanhar reflexiva e criticamente a atividade
educacional de modo a explicitar os seus fundamentos, esclarecer a tarefa e a contribuição das diversas disciplinas
pedagógicas e avaliar o significado das soluções escolhidas. Com isso, a ação pedagógica resultará mais coerente, mais
lúcida, mais justa;10 mais humana, enfim.
l 0. Cf. FURTER, R - Educação e Reflexão, pp. 6-27.
24 ▲
CAPÍTULO DOIS
FUNÇÃO DO ENSINO DE FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E DE
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
1. Como se pode ver pela programação deste Encontro, o tema central gira em torno do magistério de Filosofia
da Educação e de História da Educação. Como profissionais que atuam nessas áreas, reunimo-nos, pois, para debater o
próprio sentido daquilo que estamos fazendo.
Por que é importante analisarmos mais profundamente (e em conjunto) o trabalho que estamos desenvolvendo no
momento atual?
Se fizermos um levantamento rápido dessas disciplinas do ponto de vista do lugar que ocupam na organização
dos cursos, veremos que, em relação ao curso de Pedagogia (onde são obrigatórias, já que figuram no currículo mínimo
aprovado pelo CFE), veremos que há três situações básicas com as quais os professores podem se defrontar.
Com efeito, temos alguns cursos em que História e Filosofia da Educação constituem uma única disciplina; há
outros, porém, em que ambas são dadas em separado, permitindo-nos detectaras seguintes situações: 1. professores de
História e Filosofia da Educação; 2. professores de Filosofia da Educação; e 3. professores de História da Educação.
Ora, em cada uma dessas situações a organização programática da (ou das) disciplina(s) vai assumir matizes diferentes.
Se sairmos do curso de Pedagogia iremos verificar que a disciplina Filosofia da
1. Palestra proferida no IX Encontro da Associação de Professores Universitários de Filosofia e História da Educação,
realizado de 22 a 24 de julho de 1974, em São Paulo.
25 ▲
Educação aparece (se bem que não em caráter obrigatório) com uma certa freqüência nos cursos de graduação em
Filosofia, assumindo aí uma conotação diferente, pois não é a mesma coisa lecionar essa disciplina para alunos de
Filosofia e de Pedagogia.
Além disso, a disciplina Filosofia da Educação tem sido colocada ultimamente (e também aqui não em caráter
obrigatório) nos cursos de Licenciatura, assumindo também aí uma conotação diferente. Com efeito, a referida-
disciplina será desenvolvida durante um semestre apenas, para alunos de diferentes cursos: Letras, Geografia, História,
Matemática, Física, Ciências Sociais, Psicologia, etc.
Quanto à disciplina História da Educação, esta não aparece em outros cursos que não o de Pedagogia, pelo
menos com uma freqüência que mereça uma menção especial.
Em face dessas diferentes situações, vamos verificar que há um problema comum. E deste problema que nós
partiremos. Há uma tendência a se colocar a ênfase na primeira palavra da locução - uma ênfase seja na filosofia, seja na
história - e a segunda palavra - a educação - aparece como um apêndice, como uma mera conseqüência. Constatamos,
pois, que o professor de Filosofia da Educação está preocupado com a "filosofia"; ele está preocupado em "dominar"
aquilo que se chamaria o campo da Filosofia, da mesma forma que o professor de História da Educação está preocupado
em dominar o campo da História e a Educação acaba ficando na penumbra.
Em conseqüência desta ênfase na primeira palavra da locução, pode-se notar que mesmo esta primeira palavra
não é suficientemente caracterizada, quer dizer, enquanto se está preocupado com a filosofia (como professor de
Filosofia da Educação), enquanto se está preocupado com a história (como professor de História da Educação) não se
chega a explicitar suficientemente o que significa Filosofia e o que significa História. Nesses casos, eu, como professor,
entendo a Filosofia como alguma coisa já constituída e que é preciso dominar para poder dar conta da minha tarefa;
trata-se, pois, de alguma coisa que está fora de mim; qual o seu significado, isto é algo que não surge a mim como
problemático. A Filosofia é entendida como tendo, "a priori", um significado próprio e isto não é passível de
questionamento. O que se questiona é como posso eu dominar o campo que a Filosofia abrange.
O mesmo se diga em relação à História. Em face desta situação, tanto a Filosofia como a História acabam por ser
encaradas segundo a perspectiva tradicional, sem que seja explicitado suficientemente o significado de cada um desses
termos. Em conseqüência, o professor acaba se detendo nas abordagens comumente feitas sob
26 ▲
o nome de Filosofia e sob o nome de História, sem refletir mais profundamente para verificar se aquilo que está
recebendo o nome de Filosofia merece precisamente este nome ou não; o mesmo se diga em relação à História - por
exemplo: no caso da História da Educação, é possível que o professor desenvolva uma programação partindo dos
acontecimentos e se detendo numa história das doutrinas pedagógicas. Nesse caso, o seu problema como professor de
História da Educação será como se pode dominar todo o conteúdo das doutrinas pedagógicas que foram desenvolvidas
através da História. Cabe, porém, perguntar: o objetivo de um curso de História da Educação se esgota na exposição das
doutrinas pedagógicas? Ou, em outros termos: a exposição das doutrinas pedagógicas, a mais ampla possível, é que
permite que se atinja o objetivo do ensino de História da Educação? Estamos de tal modo absorvidos pela necessidade
de conhecer quais são essas correntes e de transmitir esses conhecimentos para os alunos que nós não nos indagamos se
fazer História da Educação e se ensinar História da Educação é isto, ou se não seria outra coisa.
2. A partir da situação detectada no tópico anterior, podemos caracterizar as três linhas básicas que nos parecem
assumir os programas destas duas disciplinas: Filosofia da Educação e História da Educação, sejam elas ministradas
separada ou conjuntamente. Uma primeira forma de se organizar a programação consiste em se filiar a uma
determinada corrente já constituída, a um pensamento já elaborado - neste caso, a Filosofia da Educação será ministrada,
por exemplo, na perspectiva do existencialismo, ou do pragmatismo, ou dotomismo, etc.
A segunda forma se caracteriza pela postura eclética. Em vez de se filiar a uma corrente, levam-se em conta
todas as correntes; isto pode ocorrer tanto em sentido diacrônico como em sentido sincrônico, ou seja, tanto na sucessão
cronológica das correntes através dos tempos, como na coexistência de diversas correntes no mesmo tempo - no caso da
Filosofia da Educação constata-se, então, a preocupação de se mostrar o pensamento grego, o pensamento medieval, as
correntes do pensamento moderno e do pensamento contemporâneo.
A justaposição das diferentes correntes constitui o que estamos chamando de postura eclética. Por vezes, em face
da dificuldade de se abranger todas as correntes, tenta-se, pelo menos, expor as correntes mais próximas de nós,
elaborando-se a programação na base da exposição das correntes do pensamento contemporâneo. Neste caso, temos a
predominância do plano sincrônico; a postura eclética, todavia, continua prevalecendo.
27 ▲
No caso da História da Educação, a ênfase na primeira palavra da locução acaba por fazer predominar (talvez pelo fato
mesmo de ser História) a diacronia. Quando se concentra a atenção nas instituições educacionais, passa-se, então, em
revista essas instituições desde a antiguidade grega até a época contemporânea.
Cabe registrar ainda uma terceira forma que decorre do desejo de se escapar às duas alternativas antes
mencionadas. Não querendo se filiar previamente a determinada corrente, e buscando evitar também a postura eclética,
alguns professores procuram novas saídas, organizando programas, por exemplo, a partir de temas, na forma de
seminários, estimulando os alunos a constituírem grupos de estudo por sua própria iniciativa, etc. Tais tentativas, porém,
via de regra, resultam inconsistentes e um tanto frustradoras.
Como superar o problema? Deveríamos optar por uma corrente? E como optar? A opção vai implicar o
conhecimento das diversas alternativas para que ela seja consciente; empreender-se-á, então, um exame sério, profundo,
de todas as correntes para que se possa optar? Em face dos alunos: coloco-os diretamente dentro da minha opção ou
deixo-os livres para fazerem a sua opção? Neste caso, a trajetória que eu empreendi para chegar à minha opção deveria
fazer com que os alunos também a percorressem para fazê-los chegar à sua opção? Como, nesse caso, abordar todas as
correntes num tempo curto e como escapar à postura eclética?
Estamos diante de uma situação problemática e que justifica a colocação do tema deste encontro, bem como o
tema desta palestra.
A reflexão desenvolvida até agora em termos de constatação da situação concreta em que os professores de
História e Filosofia da Educação estão, evidenciou que em face das locuções "história da educação" e "filosofia da
educação", a ênfase era dada na primeira palavra em detrimento da segunda. Fará efeitos desta palestra, proponho que se
coloque a ênfase na segunda palavra e se veja até onde se poderá caminhar com esta reviravolta no enfoque da(s)
disciplina(s) que constitui(em) a nossa preocupação e a nossa área de atuação profissional.
3. Centremos, pois, a nossa atenção na educação e a partir daí procuremos abordar a Filosofia e a História. Ao se
propor isto, pode ser lançada uma questão: nós não estamos passando de uma hipertrofia a outra? Se se hipertrofiava a
primeira palavra, vamos hipertrofiar a segunda e deixar na penumbra a primeira? Não estaríamos, neste caso, sendo tão
unilaterais quanto na situação antes analisada sendo, em conseqüência, alvo das mesmas críticas e enredando-nos nos
mesmos problemas antes levantados?
28 ▲
No entanto, se centrarmos nossa atenção na Educação, ou seja, na problemática educacional, possivelmente
teremos, a partir daí, condições para esclarecer o significado da Filosofia e da História; em conseqüência, a primeira
palavra da locução não ficará na penumbra, mas ao contrário, se desvelará e irromperá com toda a força que lhe é
própria. E por que isto? Porque a Filosofia não se exerce no vazio, da mesma forma que a História não se dá em
abstraio; quer dizer, a Filosofia é uma atitude que se dirige a algo e a História é uma história concreta, portanto, história
de alguma coisa.
Se nós nos preocuparmos com a problemática educacional, tentaremos examinar a partir daí em que a Filosofia
pode ajudar a esclarecer os problemas da educação e em que a História pode nos ajudar a entender esta problemática
educacional que nos preocupa. Com efeito, se tomamos, por exemplo, a Filosofia, verificamos que o seu objeto são os
problemas que surgem na existência humana.
Se estamos preocupados com a Filosofia da Educação, a filosofia só terá sentido na medida em que nos permitir
explicitar a problemática educacional. Se ela ocultar a problemática educacional não estará contribuindo para preencher
a sua própria função e como tal estará se traindo enquanto filosofia.
Se voltarmos àquela atitude inicial - ênfase na primeira palavra - que acabava por tornar o seu sentido não
suficientemente caracterizado, veremos que, partindo de um pensamento já elaborado, não estamos desenvolvendo uma
reflexão e, como tal, não estamos filosofando. Os resultados da reflexão filosófica não são a reflexão filosófica, apesar
da tendência freqüente de se tomar os resultados pelo próprio processo.
A Filosofia da Educação só poderá prestar um serviço à formação dos educadores na medida em que contribuir
para que os educadores adotem esta postura reflexiva para com a problemática educacional. Se, ao contrário, nós,
enquanto educadores, nos limitarmos a tomar conhecimento de determinados resultados a que se chegou a partir de
determinadas reflexões, então não estaremos desenvolvendo a reflexão filosófica propriamente dita, vale dizer,
estaremos abdicando da tarefa própria da filosofia. Logo veremos que considerações semelhantes podem ser feitas em
relação à História da Educação.
Parece-me, pois, que a nossa preocupação, enquanto profissionais ligados à Filosofia da Educação e à História da
Educação, deverá estar concentrada na problemática educacional. Sem isso, estaremos traindo nossa própria atitude
filosófica ou histórica. É neste sentido que poderemos superar a hipertrofia tanto do primeiro
29 ▲
como do segundo termo, porque aí recuperaremos o sentido da locução como tal,
Trata-se, com efeito, de Filosofia da Educação e não simplesmente de Filosofia (porque neste caso a própria
Filosofia se esvaziaria); não também da Educação sem a postura reflexiva (porque neste caso a Educação não seria um
processo intencionalmente conduzido).
No caso da História da Educação, temos a mesma situação: trata-se de História da Educação e não de História
(porque neste caso também o nosso projeto se esvazia) e nem apenas de Educação (porque neste caso ela seria
desenraizada). O concreto é histórico e para dar conta da problemática concreta da educação é necessário assumir a
postura histórica.
Vê-se, pois, que, a partir da abordagem indicada acima, teremos uma unidade dos dois termos da locução; uma
unidade sem ambigüidade. Portanto, não se trata de flutuar ou oscilar entre um projeto filosófico e um projeto
pedagógico; um projeto histórico e um projeto pedagógico. As ambigüidades, flutuações e oscilações podem ser
superadas se e somente se a nossa atenção se concentrar na problemática educacional concreta.
Tal atitude é o constitutivo essencial da Filosofia, o que pode ser ilustrado através dos exemplos mencionados na
história do pensamento humano. Se tomarmos, por exemplo, Aristóteles, Platão, ou outros pensadores reconhecidos
como filósofos, veremos que tais pensadores fizeram filosofia exatamente na medida em que pensaram os problemas de
sua época. Hoje, quando tomamos contato com os resultados do pensamento aristotélico, tais produtos aparecem como
algo acabado, como algo já constituído, parecendo possuir existência autônoma, independentemente do processo que o
gerou; no entanto, a filosofia de Aristóteles é o processo de reflexão que ele desenvolveu para chegar a esses resultados.
Se nós assumimos a atitude filosófica, cumpre-nos desenvolver um processo de reflexão sobre os problemas que
a nossa época está colocando; e se se trata de filosofia da educação, isso implica assumir a atitude de reflexão sobre os
problemas educacionais que a nossa situação concreta está nos colocando. Transmissão pura e simples dos resultados da
reflexão de Aristóteles, da reflexão de Kant, da reflexão de Sartre, e assim por diante, não constitui propriamente a
tarefa da Filosofia.
Exemplifiquemos o que foi dito acima, com uma referência ao pensamento de Kant.
O problema com que Kant se preocupou era, efetivamente, um problema fundamental na sua época. Formado na
tradição racionalista que vinha de Descartes,
30 ▲
absorvendo os conhecimentos de Leibniz através de seu mestre (Wolff), Kant entrou em contato com o pensamento de
Hume que, segundo suas próprias palavras, o despertou do sono dogmático em que vivia, acreditando que a perspectiva
racionalista era o perspectiva válida. Na medida em que entra em contato com a obra de Hume, que colocava os
problemas numa perspectiva diversa daquela em que Kant havia sido formado, então ele se defronta com um problema
capital que pode ser expresso nos seguintes termos: como se explica o conhecimento? Segundo a perspectiva
racionalista ou segundo a perspectiva empirista? Ao lado disto, Newton acabara de sistematizar a ciência física e ao
mesmo tempo em que ele - Kant - travou conhecimento com os debates dos filósofos, vale dizer, com as conclusões
contraditórias a que eram conduzidos os filósofos, ele notava a objetividade da ciência físico-matemática na forma como
havia sido exposta por Newton.
Em face da situação acima descrita, Kant se colocou a questão fundamental: como é possível o conhecimento
humano? Observe-se que ele não perguntou se era possível o conhecimento humano; isto, com efeito, já não era
problema em sua época, uma vez que os êxitos da ciência físico-matemática estavam aí para evidenciar que era possível
o conhecimento humano. Como era possível, aí estava o problema - e toda a sua reflexão se desenvolveu no sentido de
explicar esse problema.
Hoje, ao expormos o pensamento de Kant, via de regra, aquilo aparece com um grande teor de aridez e na
medida em que os alunos não têm sequer esse referencial histórico, mais árido ainda se torna aquele pensamento que,
enquanto vivo, estava revestido de todo um dinamismo e de todo um significado; agora, porém, já constituído e acabado
e lançado a alunos que não estão preocupados dado que em sua existência não irrompeu o problema kantiano (como é
possível o conhecimento humano?), então a exposição do pensamento de Kant além de difícil de ser acompanhada se
torna estéril e, ao fim e ao cabo, se torna anti-filosófica; em vez de formar uma atitude filosófica, deforma o sentido da
palavra, e por vezes chega até mesmo a criar uma atitude negativa em face da Filosofia. Trata-se, com efeito, de uma
situação relativamente familiar a diversos professores, qual seja: ao iniciar um curso de Filosofia da Educação,
defrontam-se com alunos que se colocam, "a priori", numa atitude negativa em face da Filosofia; nesses casos,
necessita-se de um desgaste razoavelmente grande para quebrar, primeiro, esses preconceitos em face da Filosofia afim
de poder, posteriormente, desenvolver um trabalho positivo no sentido de desencadear a atitude filosófica nos alunos.
O fundamental, portanto, é que os alunos assumam essa atitude filosófica; que
31 ▲
eles sejam capazes de refletir sobre os problemas com os quais eles se defrontam e, no caso da Educação, que eles sejam
capazes de refletir sobre os problemas educacionais.
No que diz respeito à História da Educação, verifica-se fenômeno semelhante: a História, por obra da hipertrofia
da primeira palavra da locução, acaba por não ser compreendida, o seu significado acaba por não ser explicitado
claramente; assim, a História acaba sendo absorvida no sentido tradicional de seqüência de fatos ou seqüência de idéias,
resumindo-se a uma mera cronologia.
Ao se reduzir a História a uma seqüência de fatos ou de idéias, ocorre aí um agravante maior: tais fatos (ou
idéias) acabam por se resumir naquilo que eu chamaria de "fatos de supra-estrutura", isto é, aqueles fatos que se
evidenciam mas que não explicam o processo histórico concreto, sendo, ao contrário, explicados pelo processo histórico
concreto. Em conseqüência, o ensino da História, em lugar de explicitar o mencionado processo, apenas expõe os fatos
de supra-estrutura, resultando, daí, o caráter insípido de que se reveste esse tipo de ensino. E a História, à semelhança da
Filosofia, acaba por se tornar, também ela, uma disciplina "chata", uma vez que será necessário reter uma série grande
de fatos (ou de idéias) geralmente desprovidos de sentido; assim, a memorização acaba sendo o recurso de que o aluno
(e por vezes o professor) lança mão para se situar em face do problema da História.
Usando de uma imagem, poderíamos descrever o processo histórico por analogia com o teatro.
No cenário da História temos os atores e os autores da História, do mesmo modo que numa peça teatral temos os atores
e o autor da peça. O autor não aparece; no entanto, a obra é sua e os atores representam aquele papel que lhes foi
designado na trama da peça, trama essa que é obra do autor da peça. Rara os expectadores, os atores estão em evidência
e são por vezes cultuados, surgindo como ídolos. Em contrapartida, os autores estão ocultos nos bastidores, ficando,
geralmente, na penumbra, quando não são totalmente esquecidos.
Na Historiografia temos, pois, o seguinte fenômeno: os fatos de bastidores que são os fundamentais, dado que
nos permitiriam compreender o que está acontecendo, tais fatos não são explorados suficientemente, enquanto que os
fatos de supra-estrutura (ligados à imagem dos atores) são mencionados numa seqüência cronológica sem que se entenda
bem porque em determinado momento quem esteve em evidência foi este ator e não outro e que papel representava este
ator;
32 ▲
quer dizer, que forças ele estava representando, forças essas que nos permitiriam compreender qual a matriz básica
daquele momento histórico. Dessa forma, a Historiografia tende a se resumir na apresentação de uma série de nomes,
fatos e datas e o recurso para se reter esses dados terá que ser a memorização mecânica, uma vez que a compreensão da
trama da História se perde.
Ora, a compreensão da trama da História só será garantida se forem levados em conta os "dados de bastidores",
vale dizer, se se examina a base material da sociedade cuja história está sendo reconstituída. Tal procedimento supõe um
processo de investigação que não se limita àquilo que convencionalmente é chamado de História da Educação, mas
implica investigações de ordem econômica, política e social do país em cujo seio se desenvolve o fenômeno educativo
que se quer compreender, uma vez que é esse processo de investigação que fará emergir a problemática educacional
concreta.
Na medida em que nós, professores de História da Educação, assumimos essa atitude de investigação; na medida
em que nós, em face dos alunos, estimulamos esta mesma atitude, eis como estaremos contribuindo efetivamente para o
avanço do campo de conhecimento que constitui a História da Educação e, no nosso caso específico, para o
desenvolvimento da História da Educação Brasileira.
4. Em conclusão, cabe observar que um curso de Filosofia da Educação ou de História da Educação assumirá
características marcadamente diversas das tradicionais, se nós, enquanto professores, nos colocarmos na perspectiva
apresentada neste texto. Tal mudança de perspectiva só será possível, obviamente, se estivermos empenhados em
assumir até às últimas conseqüências o papel que nos cabe na área de Filosofia da Educação e/ou História da Educação.
33 ▲
CAPÍTULO TRÊS
VALORES E OBJETIVOS NA EDUCAÇÃO
A reflexão(1) sobre os problemas educacionais inevitavelmente nos levará à questão dos valores. Com efeito, se
esses problemas trazem a necessidade de uma reformulação da ação, torna-se necessário saber o que se visa com essa
ação, ou seja, quais são os seus objetivos. E determinar objetivos implica definir prioridades, decidir sobre o que é
válido e o que não é válido. Além disso - todos concordam - a educação visa o homem; na verdade, que sentido terá a
educação se ela não estiver voltada para a promoção do homem? Uma visão histórica da educação mostra como esta
esteve sempre preocupada em formar determinado tipo de homem. Os tipos variam de acordo com as diferentes
exigências das diferentes épocas. Mas a preocupação com o homem, esta é uma constante. E a palavra homem significa
exatamente aquele que avalia.(2) Se o problema dos valores é considerado como uma das questões mais complexas da
filosofia atual, no entanto, todos sabem quão trivial é a experiência da valoração: a todo momento nós somos sujeitos ou
testemunhas dessa experiência. Uma vez que a experiência axiológica é uma experiência tipicamente humana, é a partir
do conhecimento da realidade hu-
1. Escrito em 1971 para a cadeira de Introdução à Educação do Ciclo Básico da PUC/ SP Publicado na Revista Didato,
n. 6, 1977.
2. Cf. Nietzsche: "A palavra homem significa aquele que avalia: ele quis denominar-se pelo seu maior descobrimento".
(O Viajante e a Sua Sombra), apud SERRÂO, Joel - Iniciação ao Filosofar, p. 101.
35 ▲
mana que podemos entender o problema dos valores. E como a educação se destina (senão de fato, pelo menos de
direito) à promoção do homem, percebe-se já a condição básica para alguém ser educador: ser um profundo conhecedor
do homem. Mas... que é o homem? Evidentemente, a complexidade da questão não nos permite tratá-la exaustivamente
dentro dos limites desse texto. Aqui tentaremos apenas uma aproximação ao tema a fim de estabelecer um ponto de
partida necessário à colocação do problema dos valores e objetivos na educação.
Observando o dado-homem, notamos desde logo que ele se nos apresenta como um corpo, e por isso, existindo
num meio que se define pelas coordenadas de espaço e tempo. Este meio condiciona-o, determina-o em todas as suas
manifestações. Este caráter de dependência do homem se verifica inicialmente em relação à natureza (entendemos por
natureza tudo aquilo que existe independentemente da ação do homem). Sabemos como o homem depende do espaço
físico, clima, vegetação, fauna, solo e subsolo. Mas não é só o meio puramente natural que condiciona o homem.
Também o meio cultural se impõe a ele inevitavelmente. Já ao nascer, além de uma localização geográfica mais ou
menos favorável, o homem se defronta com uma época de contornos históricos precisos, marcada pelo peso de uma
tradição mais ou menos longa, com uma linguaja estruturada, costumes e crenças definidos, uma sociedade com
instituições próprias, uma vida econômica peculiar e uma forma de governo ciosa de seus poderes. Este é o quadro da
existência humana. E neste quadro, o homem é encaixado - é enquadrado. O homem é, pois, um ser situado. Situação é,
com efeito, o termo que sintetiza tudo quanto foi dito. E esta é uma condição necessária de possibilidade da existência
humana. A vida humana só pode se sustentar e desenvolver a partir de um contexto determinado; é daí que o homem tira
os meios de sua sobrevivência. Por isso ele é levado a valorizar os elementos do meio-ambiente: a água, a terra, a fauna,
a flora, etc. (no domínio da natureza) e as instituições, as ciências, as técnicas, etc. (no domínio da cultura). Antes
mesmo de se dar conta disso, o homem está exercendo a atitude axiológica perante tudo que o cerca. Na verdade,
valorizar é não ser indiferente.(3) Assim, a situação compõe-se de uma multiplicidade de elementos que em si mesmos
não valem nem deixam de valer; simplesmente são; estão aí. Ao se relacionarem com o homem, entretanto, eles passam
a ter significado, passam a valer. Isto nos permite entender o valor como uma relação de não indiferença entre o homem
e os
3. Cf. MORENTE, M. Garcia - Fundamentos de Filosofia, p. 206.
36 ▲
elementos com que se defronta. A situação abre, pois, ao homem um campo imenso de valores; é o domínio do prático-
utilitário. O homem tem necessidades que precisam ser satisfeitas e este fato leva à valorização e aos valores.
Mas se o homem não fica indiferente às coisas, isso significa que ele não é um ser passivo. Ele reage perante a
situação, intervém pessoalmente para aceitar, rejeitar ou transformar. A cultura não é outra coisa senão, por um lado, a
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Educação do senso comum à consciência filosófica

  • 1. DERMEVAL SAVIANI EDUCAÇÃO: DO SENSO COMUM À CONSCIÊNCIA FILOSÓFICA COLEÇÃO EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA 11ª Edição - 1996 - EDITORA AUTORES ASSOCIADOS Este trabalho reúne estudos redigidos em diferentes oportunidades, obedecendo, porém, a um mesmo propósito: elevar a prática educativa desenvolvida pêlos educadores brasileiros do nível do senso comum ao nível da consciência filosófica. A introdução indica o ponto de convergência do conjunto dos estudos que compõem a obra. Os primeiros textos constituem estudos introdutórios à Filosofia da Educação. Um segundo conjunto de textos refere-se, no geral, a "aspectos organizacionais do trabalho pedagógico na área da educação". Por último, são apresentados, em ordem cronológica, alguns estudos sobre a educação brasileira. O livro constitui um útil instrumento ao ensino das diferentes disciplinas pedagógicas, em especial das cadeiras de Introdução à Educação e Estrutura e Funcionamento do Ensino, podendo também ser incluído na programação do primeiro período letivo da disciplina Filosofia da Educação. DERMEVAL SAVIANI (1944), natural de Santo António de Posse - SR cursou o primário no Grupo Escolar de Vila Invernada, São Paulo - SP (1951 a 1954) e os cursos ginasial e colegial nos Seminários de Cuiabá - MT e Campo Grande - MS ( 955 a 1961). Iniciou os estudos filosóficos no Seminário Central de Aparecida do Norte -SP (|962). Formou-se em Filosofia pela PUC/SP (1966). Em 1971 doutorou-se em Filosofia da Educação pela PUC/SP e em 1986 obteve o título de livre-docente em Historiada Educação na UNICAMP De 1967 a 1970 lecionou Filosofia, História, História da Arte e História e Filosofia da Educação nos cursos colegial e normal. Desde 967 é professor do ensino superior. Atualmente, é professor titular do departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP. SUMÁRIO PREFÁCIO
  • 2. INTRODUÇÃO, 1 CAPÍTULO 1 A FILOSOFIA NA FORMAÇÃO DO EDUCADOR, 9 CAPÍTULO 2 FUNÇÃO DO ENSINO DE FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO, 25 CAPÍTULO 3 VALORES E OBJETIVOS NA EDUCAÇÃO, 35 CAPÍTULO 4 VALORES EM SUPERVISÃO PEDAGÓGICA: ABORDAGEM FILOSÓFICA, 41 CAPÍTULO 5 PARA UMA PEDAGOGIA COERENTE E EFICAZ, 47 CAPÍTULO 6 CONTRIBUIÇÃO A UMA DEFINIÇÃO DO CURSO DE PEDAGOGIA, 53 CAPITULO 7 SUBSÍDIOS PARA FUNDAMENTAÇÃO DA ESTRUTURA CURRICULAR DA PUC-SP, 63 CAPÍTULO 8 PARTICIPAÇÃO DA UNIVERSIDADE NO DESENVOLVIMENTO NACIONAL: À UNIVERSIDADE E A PROBLEMÁTICA DA EDUCAÇÃO E CULTURA, 69 CAPÍTULO 9 O PROBLEMA DA PESQUISA NA PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, 87 CAPÍTULO 10 UMA CONCEPÇÃO DE MESTRADO EM EDUCAÇÃO, 95 CAPÍTULO 11 DOUTORAMENTO EM EDUCAÇÃO: A EXPERIÊNCIA DA PUC-SP, 101 CAPÍTULO 12 SUBSÍDIOS PARA o EQUACIONAMENTO DO PROBLEMA DO LIVRO DIDÁTICO EM FACE DA LEI Nº 5692/71, 107 CAPÍTULO 13
  • 3. ESTRUTURALISMO E EDUCAÇÃO BRASILEIRA, 117 CAPÍTULO 14 EDUCAÇÃO BRASILEIRA: PROBLEMAS, 131 CAPÍTULO 15 ANÁLISE CRÍTICA DA ORGANIZAÇÃO ESCOLAR BRASILEIRA ATRAVÉS DAS LEIS N""5.540/68 E 5.692/71, 145 CAPÍTULO 16 FUNÇÕES DE PRESERVAÇÃO E DE DEFORMAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL NA LEGISLAÇÃO DO ENSINO: UM ESTUDO DE POLÍTICA EDUCACIONAL, 171 CAPÍTULO 17 EDUCAÇÃO BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA: OBSTÁCULOS,IMPASSES E SUPERAÇÃO, 175 CAPÍTULO 18 PAPEL DO DIRETOR DE ESCOLA NUMA SOCIEDADE EM CRISE, 207 CAPÍTULO 19 A ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL NO ATUAL CONTEXTO BRASILEIRO, 211 BIBLIOGRAFIA CITADA, 243 PREFÁCIO À 11ª EDIÇÃO A primeira edição deste livro foi posta em circulação em 1980. Naquela ocasião redigi um esclarecimento sobre a ordenação dos textos que compõem esta obra nos seguintes termos: Em primeiro lugar foram reunidos os estudos que tratam da questão educacional em geral, constituindo um conjunto que poderíamos chamar de "ensaios introdutórios à filosofia da educação". Um segundo conjunto de textos reúne documentos de trabalho elaborados pelo autor como exigência das funções que vem desempenhando em organismos educacionais. Referem-se, no geral, a "aspectos organizacionais do trabalho pedagógico na área de educação". Constitui, de certo modo, exceção a esta regra o estudo denominado "Participação da universidade no desenvolvimento nacional: a universidade e a problemática da educação e cultura", uma vez que, mais do que a preocupação com aspectos organizacionais, procurou-se, aí, levantar uma discussão teórica sobre o problema da universidade. Foi incluído, entretanto, nesse segundo grupo, já que foi escrito como documento de trabalho apresentado e discutido na XXVI11 Reunião Plenária do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras. Por último, são apresentados, em ordem cronológica, alguns estudos sobre a educação brasileira. O texto denominado "Funções de preservação e de deformação do Congresso Nacional na legislação do ensino" registra, de forma resumida, observações decorrentes de uma pesquisa mais vasta empreendida pelo autor A decisão de publicá-lo decorreu da consideração de que nele se enunciam, esquematicamente, algumas teses suscetíveis de inspirar interessantes pesquisas no campo da política educacional brasileira.
  • 4. Esgotada a primeira edição, registrei as seguintes considerações no prefácio à segunda edição: Deixando de lado as apreciações positivas, que constituíram a quase totalidade dos comentários que chegaram ao meu conhecimento, aproveito o pequeno espaço deste prefácio para me referir a duas interpretações, a meu ver equivocadas, de dois leitores: a primeira diz respeito a uma suposta leitura de Gramsci; a segunda, ao problema do método ou da lógica. Ambas chegaram ao meu conhecimento informalmente. Se as tomo em consideração, é simplesmente porque elas me oferecem o pretexto para um esclarecimento que eventualmente possa ser de interesse de um número maior de leitores. No primeiro caso trata-se de uma interpretação que incide sobre o texto introdutório, que recebeu o mesmo título do livro, tomando-o isoladamente e considerando-o como sendo uma leitura de Gramsci. A esse respeito cumpre esclarecer que de forma alguma se pretendeu, naquele texto, apresentar uma leitura de Gramsci. O objetivo do texto era muito simples e despretensioso. Pretendia tão-somente justificar o título dado ao conjunto de ensaios reunidos nesta obra. Se foram feitas diversas citações de Gramsci, isto ocorreu simplesmente porque a temática concernente à relação entre senso comum e filosofia é constante e central no pensamento gramsciano. E, ainda que eu tenha me preocupado com essa problemática, independentemente da influência do vigoroso pensador italiano, não senti necessidade de o proclamar, preferindo, ao contrário, realçar a relevância do tema, pondo em evidencia que tais preocupações já estavam fortemente presentes num autor hoje considerado clássico. Ademais, os leitores familiarizados com os meus trabalhos sabem que não é a erudição, isto é, a dissecação dos discursos anteriormente produzidos, a sua marca distintiva. Não que eu despreze a erudição; ao contrário, cultivo-a. Subordino-a, porém, ao objetivo de dar conta das questões concretas postas pela prática histórica. Entendo, pois, que a erudição não é o objetivo do discurso filosófico, mas um instrumento que possibilita a esse discurso constituir-se como filosófico. Daí a minha resistência aos chamados estudos monográficos centrados na obra de determinado pensador. No entanto, no caso específico de Gramsci, a partir dos estudos sistemáticos e relativamente exaustivos que fiz sobre a obra do pensador italiano, penso estar em condição de efetuar uma leitura, talvez original, de sua obra, organizando-a em torno da questão da superação do senso comum em direção à elaboração filosófica. Seria, em suma, uma leitura que tomaria como fio condutor o visceral antielitismo que atravessa de ponta a ponta a produção intelectual do autor em referência. Entretanto, não foi isso o que pretendi fazer no texto em pauta. Não se trata, pois, aí, de uma leitura de Gramsci. Quanto à questão do método e da lógica, observo apenas que, ao afirmar: "não se elabora uma concepção sem método; e não se atinge a coerência sem lógica", eu estava, é óbvio, me referindo à questão da elaboração de uma concepção de mundo adequada aos interesses populares, como já havia deixado claro nas considerações anteriores. Não se tratava, pois, de elaborar, aí, a referida concepção e, sim, de indicar a exigência lógico-metodológica para essa elaboração. Assim como Marx, no texto denominado "Método da economia política", não elaborou o materialismo histórico (a crítica da economia política), mas se preocupou em indicar o caminho (o método) para essa elaboração, assim também, guardadas as devidas proporções, tal foi a minha preocupação no texto que serviu de introdução ao livro. Igualmente é uma leitura ingénua concluir que eu, ao mencionar o exemplo do modo como trabalhei uma questão específica com os alunos em sala de aula, estivesse acreditando que a abordagem dialética da educação pudesse se esgotar no interior da sala de aula e na relação interindividual. Com aquela ilustração eu me propunha ao mesmo tempo a utilizar um recurso didático que facilitasse ao leitor a compreensão da contradição como categoria lógica e, além disso, evidenciar que, se pretendemos assumir a postura dialética, devemos assumi-la permanentemente; logo, também no interior da sala de aula. A rapidez com que se esgotou a primeira edição manteve-se nas subseqüentes ) que se evidencia pelo fato de que a última edição (a décima) se encontra esgotada p/já há alguns meses. Essa regularidade evidencia que o interesse pela presente obra Continua vivo, mantendo-se, em conseqüência, a atualidade dos estudos nela incluídos neste livro, portanto, continua sendo um instrumento útil ao ensino das diferentes disciplinas pedagógicas, em geral, e, em especial, das cadeiras de Introdução à Educação e Estrutura e Funcionamento do Ensino podendo, também, ser incluído na programação do primeiro período letivo da disciplina Filosofia da Educação. Hoje, ao ensejo desta 11ª edição, as duas leituras equivocadas às quais me referi no prefacio à 2ª edição já caíram no esquecimento. Em contrapartida, a acolhida dos leitores constitui um estímulo para que eu prossiga na tarefa de esclarecimento de nossa inteligência a fim de tornar mais eficaz a dura luta que travamos para garantir o direito a uma educação de qualidade à população brasileira em seu conjunto. Campinas, fevereiro de 1994. Dermeval Saviani INTRODUÇÃO
  • 5. Os textos reunidos neste volume foram escritos em diferentes oportunidades, não tendo sido pensados como capítulos de um mesmo livro. A maior parte deles foi escrita com finalidade didática, isto é, foram redigidos para servirem de instrumentos às aulas por mim ministradas ou constituem transcrições de palestras por mim proferidas. É ainda a finalidade didática a principal razão que me levou a ceder às insistentes sugestões para que esses trabalhos fossem reunidos num livro ficando, assim, à disposição dos professores para sua utilização. Relutei durante mais de dois anos a acatar a idéia de tal publicação. Isto porque pensava que o seu uso estava estreitamente vinculado ao autor que os ampliava e lhes dava dimensões muito precisas e concretas na atividade em sala de aula; pensava também que, enquanto instrumento de trabalho, o material produzido dependia diretamente de seu autor e não se tinha garantias de que o mesmo material, utilizado por aqueles que não o produziram, poderia gerar os resultados promissores então obtidos. Isto - é bom esclarecer - não por limitações dos professores que viessem a utilizá-lo, mas por limitações do próprio material que eu julgava não suficientemente elaborado para ser dado a público. Entretanto, o fato concreto é que tal material já escapou de meu controle, tendo sido amplamente utilizado por ex-alunos e colegas como instrumento de trabalho em sala de aula. Assim, vem sendo reproduzido a cada ano de forma precária através de mimeógrafos (ou outros meios) para uso particular dos professores. Alguns dos textos foram publicados em revistas que, uma vez esgotadas, provocaram também 1 ▲ o recurso ao mimeógrafo. A precariedade dessa reprodução tem levado os professores a me solicitar a publicação desse material, o que faço, finalmente, editando o presente livro. Já que os diferentes ensaios aqui incluídos não foram escritos como partes de um mesmo livro, eles guardam certa independência entre si, apresentando, em conseqüência, algumas inevitáveis e compreensíveis reiterações. Tais reiterações, dada a finalidade didática da obra, revestem-se de conotação positiva, uma vez que, como afirma Gramsci, "a repetição é o meio didático mais eficaz para agir sobre a mentalidade popular".(1) Apesar da independência referida no parágrafo anterior, os textos não deixam de formar um conjunto unitário, uma vez que foram elaborados com um propósito comum: elevar a prática educativa desenvolvida pêlos educadores brasileiros do nível do senso comum ao nível da consciência filosófica. Eis porque o presente volume recebe o título de "Educação: do senso comum à consciência filosófica". O título supra exige algumas observações complementares. Passar do senso comum à consciência filosófica significa passar de uma concepção fragmentária, incoerente, desarticulada, implícita, degradada, mecânica, passiva e simplista a uma concepção unitária, coerente, articulada, explícita, original, intencional, ativa e cultivada.(2) Ora, as notas distintivas do senso comum acima enunciadas são intrínsecas à mentalidade popular; entendido o povo como "o conjunto das classes subalternas e instrumentais de toda forma de sociedade até agora existente".(3) Em contrapartida, as características da consciência filosófica constituem expressão de hegemonia. Com efeito, a concepção de mundo hegemônica é exatamente aquela que, mercê de sua expressão universalizada e seu alto grau de elaboração, logrou obter o consenso das diferentes camadas que integram a sociedade, vale dizer, logrou converter-se em senso comum. É nesta forma, isto é, de modo difuso, que a concepção 1. GRAMSCI, A. O Materialismo Histórico, p. 20. 2. O leitor terá percebido que senso comum e consciência filosófica foram caracterizados por conceitos mutuamente contrapostos, de modo que se podem dispor os seguintes pares antinômicos: fragmentário/unitário, incoerente - coerente, desarticulado/articulado, implícito/ explícito, degradado/original, mecânico/intencional, passivo/ativo, simplista/cultivado. (Ver, a respeito, A.M. Cirese, "Conceptions du monde, philosophie spontanée, folklore", in Dialectiques, n. 4-5, pp. 83-100.) 3. GRAMSCI, A. - Letteratura e V/to Nazionale, p. 268. 2 ▲ dominante (hegemônica) atua sobre a mentalidade popular articulando-a em torno dos interesses dominantes e impedindo ao mesmo tempo a expressão elaborada dos interesses populares, o que concorre para inviabilizar a organização das camadas subalternas enquanto classe. O senso comum é, pois, contraditório, dado que se constitui, num amálgama integrado por elementos implícitos na prática transformadora do homem de massa e por elementos superficialmente explícitos caracterizados por conceitos herdados da tradição ou veiculados pela concepção hegemônica e acolhidos sem crítica.(4)
  • 6. As considerações supra já permitem perceber que as relações entre senso comum e filosofia assumem a forma de uma relação de hegemonia cuja plena significação radica na estrutura da sociedade em que tal relação se trava. E numa formação social como a nossa, marcada pelo antagonismo de classes, as relações entre senso comum e filosofia se travam na forma de luta - a luta hegemônica. Luta hegemônica significa precisamente: processo de desarticulação- rearticulação, isto é, trata-se de desarticular dos interesses dominantes.aqueles elementos que estão articulados em torno deles, mas não são inerentes à ideologia dominante e rearticulá-los em torno dos interesses populares, dando-lhes a consistência, a coesão e a coerência de uma concepção de mundo elaborada, vale dizer, de uma filosofia. Considerando-se que "toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica",(5) cabe entender a educação como um instrumento de luta. Luta para estabelecer uma nova relação hegemônica que permita constituir um novo bloco histórico sob a direção da classe fundamental dominada da sociedade capitalista – o proletariado. Mas o proletariado não pode se erigir em força hegemônica sem a elevação do nível cultural das massas. Destaca-se aqui a importância fundamental da educação. A forma de inserção da educação na luta hegemônica configura dois momentos simultâneos e organicamente articulados entre si: um momento negativo que consiste na crítica da concepção dominante (a ideologia burguesa); e um momento positivo que significa: trabalhar o senso comum de modo a extrair o seu núcleo válido (o bom senso) e dar-lhe expressão elaborada com vistas à formulação de uma concepção de mundo adequada aos interesses populares. Como realizar essa tarefa? Ora, não se elabora uma concepção sem método; e não se atinge a coerência sem lógica. Mais do que isso, se se trata de elaborar uma 4. Cf. GRAMSCI, A. - II Materialismo Storico, p. 13, 5. Ibidem, p. 3 l. 3 ▲ concepção que seja suscetível de se tornar hegemônica, isto é, que seja capaz de superar a concepção atualmente dominante, é necessário dispor de instrumentos lógico-metodológicos cuja força seja superior àqueles que garantem a força e coerência da concepção dominante. Aqui são fundamentais as indicações contidas no texto de Marx denominado "Método da Economia Política",(6) o qual coloca de modo correto a distinção entre o concreto, o abstrato e o empírico. Com efeito, a lógica dialética não é outra coisa senão o processo de construção do concreto de pensamento (ela é uma lógica concreta) ao passo que a lógica formal é o processo de construção da forma de pensamento (ela é, assim, uma lógica abstrata). Por aí, pode-se compreender o que significa dizer que a lógica dialética supera por inclusão/ incorporação a lógica formal (incorporação, isto quer dizer que a lógica formal já não é tal e sim parte integrante da lógica dialética). Com efeito, o acesso ao concreto não se dá sem a mediação do abstrato (mediação da análise como escrevi em outro lugar(7) ou o "détour" de que fala Kosik(8). Assim, aquilo que é chamado de lógica formal ganha um significado novo e deixa de ser a lógica para se converter num momento da lógica dialética. A construção do pensamento se daria, pois, da seguinte forma: parte-se do empírico, passa-se pelo abstrato e chega-se ao concreto. Diferentemente, pois, da crença que caracteriza o empirismo, o positivismo, etc. (que confundem o concreto com o empírico) o concreto não é o ponto de partida, mas o ponto de chegada do conhecimento. E no entanto, o concreto é também o ponto de partida. Como entender isso? Poder-se-ia dizer que o concreto-ponto de partida é o concreto real e o concreto-ponto de chegada é o concreto pensado, isto é, a apropriação pelo pensamento do real-concreto. Mais precisamente: o pensamento parte do empírico, mas este tem como suporte o real concreto.(9) Assim, o verdadeiro ponto de partida, bem como o verdadeiro ponto de chegada é o concreto real. Desse modo, o empírico e o abstrato são momentos do processo de conhecimento, isto 6. Cf. MARX, K. - Contribuição para a Crítica da Economia Política, pp. 228-237. 7. Cf. SAVIANI, D. - Educação Brasileira: Estrutura e Sistema, pp. 28-29. 8. Cf. KOSIK. K. - Dialética do Concreto, pp. 9 e 21. 9. O empírico, ao mesmo tempo que revela, oculta o concreto. Na linguagem de Kosik poder-se-ia substituir a dupla empírico-concreto pela dupla fenômeno-essência. Deve-se notar, porém, que esta última dupla guarda ressonâncias metafísicas e idealistas. Marx raramente a usa nas obras de maturidade. Kosik a recupera e articula esses conceitos numa "dialética da totalidade concreta". Tal recuperação se deu, provavelmente, por influência de Husserl e Heidegger cujos cursos Kosik teria assistido em Praga. Talvez seja por esta recuperação que certos críticos tendem a classificar Kosik como idealista. 4 ▲ é, do processo de apropriação do concreto no pensamento. Por outro lado, o processo de conhecimento em seu conjunto é um momento do processo concreto (o real-concreto). Processo, porque o concreto não é o dado (o empírico) mas uma totalidade articulada, construída e em construção. O concreto é, pois, histórico; ele se dá e se revela na e pela práxis.
  • 7. Portanto, a lógica dialética não tem por objeto as leis que governam o pensamento enquanto pensamento. Seu objeto é a expressão, no pensamento, das leis que governam o real. A lógica dialética se caracteriza, pois, pela construção de categorias saturadas de concreto. Pode, pois, ser denominada a lógica dos conteúdos, por oposição à lógica formal que é, como o nome indica, a lógica das formas. A orientação metodológica acima indicada pode ser ilustrada através do exemplo de uma questão lançada por mim aos alunos em sala de aula. A questão foi a seguinte: "o educador é agente (causa) ou produto (efeito) da educação?". A partir das respostas dos alunos fui desenvolvendo com eles um raciocínio através do qual explorei as possibilidades da lógica formal, mediante o princípio de não-contradição, conduzindo-a até seu limiar, quando o estourar de seus quadros obrigou a recorrerão princípio da contradição. Ora, o que fiz não foi outra coisa senão partir do empírico, analisando diversas situações (a hetero-educação, a auto-educação, a educação da infância e da juventude, a educação de adultos, a educação permanente, a educação dos educandos, a educação dos educadores, a educação dos educandos-educadores e dos educa-dores-educandos, etc.) através de sucessivas abstrações, isto é, guiando-me pelo princípio de não-contradição. Assim, examinei, primeiro, a afirmação:"o educador não pode ser agente e produto da educação"; depois: "o educador não pode ser agente e produto da educação ao mesmo tempo", isto é, ele pode ser agente e produto, não, porém, ao mesmo tempo; em seguida: "o educador não pode ser agente e produto da educação ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto", isto é, ele pode ser agente e produto da educação ao mesmo tempo, não, porém, sob o mesmo aspecto; por último, examinei a afirmação:"o educador é agente e produto da educação ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto". A aceitação dessa afirmação implica o rompimento do princípio de não-contradição, vale dizer, a ultrapassagem dos quadros da lógica formal. Mas o que isto quer dizer senão que, através das mediações do empírico e do abstrato, nós nos apropriamos, no plano do pensamento, do real-concreto, isto é, o processo educativo enquanto síntese de múltiplas determinações, processo este que constitui o suporte de todo o raciocínio, raciocínio esse que, por sua vez, se constituiu num dos momentos do próprio processo concreto da educação? 5 ▲ Percebe-se com relativa facilidade que a passagem do empírico ao concreto corresponde, em termos de concepção de mundo, à passagem do senso comum à consciência filosófica. Com efeito, o exame da questão "o educador é agente ou produto da educação?" foi feito a partir das respostas verbalizadas pêlos alunos o que tornou possível efetuar simultaneamente a crítica da concepção dominante e elaborar o núcleo válido do senso comum. A crítica da concepção dominante foi feita através da sua expressão em diferentes teorias pedagógicas (diretivismo, não- diretivismo, educação permanente, etc.) cuja presença foi detectada nas respostas dos alunos, as quais foram referidas à sua matriz lógica fundamental: o princípio de não-contradição. A elaboração do bom-senso foi feita fazendo emergir das respostas dos alunos a educação como fenómeno concreto, vale dizer, a prática educativa como totalidade orgânica que sintetiza as múltiplas determinações características da sociedade que historicamente a produz, e cuja elaboração no plano do pensamento se torna possível por referência a um princípio superior capaz de articular forma e conteúdo: o princípio dialético da contradição. De tudo o que foi dito conclui-se que a passagem do senso comum à consciência filosófica é condição necessária para situar a educação numa perspectiva revolucionária. Com efeito, é esta a única maneira de convertê-la em instrumento que possibilite aos membros das camadas populares a passagem da condição de "classe em si" para a condição de "classe para si". Ora, sem a formação da consciência de classe não existe organização e sem organização não é possível a transformação revolucionária da sociedade. Cabe frisar, por fim, que o reconhecimento da importância da educação traduz uma posição incompatível com a postura elitista. Com efeito, preocupar-se com a educação significa preocupar-se com a elevação do nível cultural das massas; significa, em consequência, admitir que a defesa de privilégios (essência mesma da postura elitista) é uma atitude insustentável. Isto porque a educação é uma atividade que supõe a heterogeneidade (diferença) no ponto de partida e a homogeneidade (igualdade) no ponto de chegada. Diante disso, a forma pela qual a classe dominante, através de suas elites, impede a elevação do nível de consciência das massas é manifestando uma despreocupação, um descaso e até mesmo um desprezo pela educação. Por isso, Gramsci pôde escrever: "Nós não podemos afirmarem sã consciência que a burguesia faça uso da escola no sentido de sua dominação de classe; se ela assim o fizesse isso significaria que a classe burguesa tem um programa escolar a ser cumprido com energia e perse- 6 ▲ verança; a escola seria uma escola viva. Isso não acontece: a burguesia, classe que domina o Estado, desinteressa-se da escola, deixa que os burocratas façam dela o que quiserem, deixa que os ministros da Educação sejam escolhidos ao acaso de interesses políticos, de intrigas, de "conchavos" de partidos e arranjos de gabinetes..."(10) Compreende-se então que as elites que controlam, seja o aparelho governamental, seja o aparelho escolar, em especial as universidades, releguem a educação a uma questão que diz respeito meramente ao senso comum
  • 8. (eufemisticamente chamado de bom-senso). Comportam-se como o jesuitismo cuja preocupação, segundo a crítica gramsciana, era manter as massas ao nível do sincretismo que caracteriza o senso comum. Ao jesuitismo, Gramsci contrapõe o marxismo, ao afirmar: "’A filosofia da práxis não busca manter os "simplórios" na sua filosofia primitiva do senso comum, mas busca, ao contrário, conduzi-los a uma concepção de vida superior. Se ela afirma a exigência do contato entre os intelectuais e os simplórios não é para limitar a atividade científica e para manter uma unidade ao nível inferior das massas, mas justamente para forjar um bloco intelectual-moral, que torne politicamente possível um progresso intelectual de massa e não apenas de pequenos grupos intelectuais.’” É este o momento para se fazer ao mesmo tempo um alerta e uma denúncia. Um alerta àqueles intelectuais que sinceramente buscam articular o melhor de seus esforços com a defesa dos interesses populares, no sentido de que meditem sobre a seguinte questão: até que ponto, o fato de não darem a devida importância para a educação não neutraliza boa parte de seus esforços, levando-os mesmo a assumirem posições que, incoerentemente com os objetivos que perseguem, redundam direta ou indiretamente em mecanismos de discriminação e defesa de privilégios? Uma denúncia daqueles intelectuais que, a despeito de assumirem posições progressistas nas cátedras universitárias, por devotarem manifesto ou velado desprezo à educação e por lhe negarem o caráter de objeto digno de ser tratado com a seriedade acometida às ciências e à filosofia, participam, reforçam e legitimam a grande mistificação que vem caracterizando o trato das questões educacionais neste país. Nessa postura elitista, ignoram eles que sua própria prática, isto é, a prática que 10. GRAMSCI, A. - LOrdine Nuovo: 1919-1920. pp. 255-256. l I. GRAMSCI, A. - Concepção Dialética da História, p. 20. 7 ▲ desenvolvem na universidade não é outra senão a prática educativa, enredando-se, com isso, na contradição de desconhecerem sua própria prática ao mesmo tempo que se arvoram em intérpretes autorizados da prática das populações que eles próprios discriminam. A uns e a outros cabe lembrar a propósito da educação aquilo que Gramsci afirmou a respeito do folclore: A educação "não deve ser concebida como algo bizarro, mas como algo muito sério e que deve ser levado a sério. Somente assim o ensino será mais eficiente e determinará realmente o nascimento de uma nova cultura entre as grandes massas populares, isto é, desaparecerá a separação entre cultura moderna e cultura popular ou folclore".(12) 12. GRAMSCI, A. - Literatura e Vida Nacional, pp. 186-187. N.B.: No texto de Gramsci lê-se: "O folclore não deve ser concebido..." 8 ▲ CAPÍTULO UM A FILOSOFIA NA FORMAÇÃO DO EDUCADOR A Filosofia da Educação entendida como reflexão sobre os problemas que surgem nas atividades educacionais, seu significado e função. O objetivo deste texto(1) é explicitar o sentido e a tarefa da filosofia na educação. Em que a filosofia poderá nos ajudar a entender o fenómeno da educação? Ou, melhor dizendo: se pretendemos ser educadores, de que maneira e em que medida a filosofia poderá contribuir para que alcancemos o nosso objetivo? Na verdade, a expressão "filosofia da educação" é conhecida de todos. Qual é, entretanto, o seu significado? Aceita-se correntemente como inquestionável a existência de uma dimensão filosófica na educação. Diz-se que toda educação deve ter uma orientação filosófica. Admite-se também que a filosofia desempenha papel imprescindível na formação do educador. Tanto assim é que a Filosofia da Educação figura como disciplina obrigatória do currículo mínimo dos cursos de Pedagogia. Mas em que se
  • 9. baseia essa importância concedida à Filosofia? Teria ela bases reais ou seria mero fruto da tradição? Será que o educador precisa realmente da filosofia? Que é que determina essa necessidade? Em outros termos: que é que leva o educador a filosofar? Ao colocar essa questão, nós estamos nos interrogando sobre o significado e a função da Filosofia em si mesma. Poderíamos, pois, extrapolar o âmbito do educador e perguntar genericamente: que é que leva o homem a filosofar? Com isto estamos em busca do ponto de partida da filosofia, ou seja, procuramos determinar aquilo que provoca o surgimento dessa atitu- 1. Escrito em 1973 como texto didático para os alunos da disciplina Filosofia da Educação l, do curso de Pedagogia - PUC/SP Publicado na Revista D/doto, nº l, janeiro de 1975. 9 ▲ de não habitual, não espontânea à existência humana. Com efeito, todos e cada um de nós nos descobrimos existindo no mundo (existência que é agir, sentir, pensar). Tal existência transcorre normalmente, espontaneamente, até que algo interrompe o seu curso, interfere no processo alterando a sua seqüência natural. Aí, então, o homem é levado, é obrigado mesmo, a se deter e examinar, procurar descobrir o que é esse algo. E é a partir desse momento que ele começa a filosofar. O ponto de partida da filosofia é, pois, esse algo a que damos o nome de problema. Eis, pois, o objeto da filosofia, aquilo de que trata a filosofia, aquilo que leva o homem a filosofar: são os problemas que o homem enfrenta no transcurso de sua existência. 1. NOÇÃO DE PROBLEMA Mas que é que se entende por problema? Tão habituados estamos ao uso dessa palavra que receio já tenhamos perdido de vista o seu significado. 1.1. Os Usos Correntes da Palavra "Problema": Um dos usos mais frequentes da palavra problema é, por exemplo, aquele que a considera como sinónimo de questão. Neste sentido, qualquer pergunta, qualquer indagação é considerada problema. Esta identificação resulta, porém, insuficiente para revelar o verdadeiro caráter, isto é, a especificidade do problema. Com efeito, se eu pergunto a um dos leitores: "quantos anos você tem?", parece claro que eu estou lhe propondo uma questão; e parece igualmente claro que isto não traz qualquer conotação problemática. Na verdade, a resposta será simples e imediata. Não se conclua daí, todavia, que a especificidade do problema consiste no elevado grau de complexidade que uma questão comporta. Neste caso estariam excluídos da noção de problema as questões simples, reservando-se aquele nome apenas para as questões complexas. Não se trata disso. Por mais que elevemos o grau de complexidade, mesmo que alcemos a complexidade de uma questão a um grau infinito, não é isto que irá caracterizá-la como problema. Se eu complico a pergunta feita ao meu suposto leitor e lhe solicito determinar quantos meses, ou mesmo, quantos segundos perfazem a sua existência, ainda assim não estamos diante de algo problemático. A resposta não será simples e imediata mas nem por isso o referido leitor se perturbará. Provavelmente, retrucará com segurança:" dê-me tempo para fazer os cálculos e 10 ▲ lhe apresentarei a resposta"; ou então: "uma questão como essa é totalmente destituída de interesse; não vale a pena perder tempo com ela". Note-se que o uso da palavra problema para designar os exercícios escolares (de modo especial os de matemática) se enquadra nesta primeira acepção. São, com efeito, questões. E mais, questões cujas respostas são de antemão conhecidas. Isto é evidente em relação ao professor, mas não deixa de ocorrer também no que diz respeito ao aluno. Na verdade, o aluno sabe que o professor sabe a resposta; e sabe também que, se ele aplicar os procedimentos transmitidos na seqüência das aulas, a resposta será obtida com certeza. Se algum problema ele tem, não se trata aí do desconhecimento das respostas às questões propostas mas, eventualmente, da necessidade de saber quais as possíveis conseqüências que poderá acarretar o fato de não aplicar os procedimentos transmitidos nas aulas. Isto, porém, será esclarecido mais adiante. O que gostaria de deixar claro no momento é que uma questão, em si, não é suficiente para caracterizar o significado da palavra problema. Isto porque uma questão pode comportar (e o comporta com freqüência, segundo se explicou acima) resposta já conhecida. E quando a resposta é desconhecida? Estaríamos aí diante de um problema? Aqui, porém, nós já estamos abordando uma segunda forma do uso comum e corrente da palavra. Trata-se do problema como não-saber. De acordo com esta acepção, problema significa tudo aquilo que se desconhece. Ou, como dizem os dicionários, "coisa inexplicável, incompreensível" (cf. Caldas Aulete, Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, vol. IV verbete problema, Ed. Delta). Levada ao extremo, tal interpretação acaba por identificar o termo problema com mistério, enigma (o que também pode ser comprovado numa consulta aos dicionários). No entanto, ainda aqui, o fato de desconhecermos algo, a circunstância de não sabermos a resposta a determinada questão, não é suficiente para
  • 10. caracterizar o problema. Com efeito, se retomo o diálogo com o meu suposto leitor e lhe pergunto agora: "quais os nomes de cada uma das ilhas que compõem o arquipélago das Filipinas?" (cerca de 7.100 ilhas). Ou: "Quais os nomes de cada uma das Ilhas Virgens (cerca de 53), território do Mar das Antilhas incorporado aos EE.UU.?" Com certeza, o referido leitor não saberá responder a estas perguntas e, mesmo, é possível que sequer soubesse da existência das tais ilhas Virgens. É evidente, Contudo, que essa situação não se configura como problemática. E quando o não-saber é levado a um grau extremo, implicando a impossibilidade absoluta do saber, configura-se, como já se disse, o mistério. Mistério, porém, não é sinônimo de problema. É, ao contrário e frequentemente, a solução do problema, e, quiçá, de 11 ▲ todos os problemas. Dá prova disso a experiência religiosa. A atitude de fé implica a aceitação do mistério. O homem de fé vive da confiança no desconhecido ou, melhor dizendo, no incognoscível. Este é a fonte da qual brota a solução para todos os problemas. Com isto não quero dizer que a atitude de fé não possa revestir-se, em determinadas circunstâncias, de certo caráter problemático. Apenas quero frisar que o problema não está na aceitação do mistério, na confiança no incognoscível. Esta é uma necessidade inerente ao ato de fé. O problema da atitude de fé estará no fato de que essa necessidade não possa ser satisfeita, ou seja, na possibilidade de que a confiança no incognoscível venha a ser abalada. Em suma, as coisas que nós ignoramos são muitas e nós sabemos disso. Todavia, este fato, como também a consciência deste fato, ou mesmo, a aceitação da existência de fenômenos que ultrapassam irredutivelmente e de modo absoluto a nossa capacidade de conhecimento, nada disso é suficiente para caracterizar o significado essencial que a palavra problema encerra. O uso comum do termo, cujo constitutivo fundamental estamos buscando, registra outros vocábulos tais como obstáculo, dificuldade, dúvida, etc. Não é preciso, porém, muita argúcia para se perceber a insuficiência dos mesmos em face do objetivo de nossa busca. Existem muitos obstáculos que não constituem problema algum. Quanto ao vocábulo "dificuldade", é interessante notar as seguintes definições de "problema", encontradas nos dicionários: "coisa de difícil explicação" (cf. Caldas Aulete, citado) e "coisa difícil de explicar" (cf. Francisco Fernandes, D/c. Brás. Contemporâneo, p. 867). Julgamos supérfluo comentar semelhantes definições, uma vez que as considerações anteriores já evidenciaram suficientemente que não é o grau de dificuldade (mesmo que seja elevado ao infinito) que permite considerar algo como problemático. Por fim, a dúvida tem, a partir de sua etimologia, o significado de uma dupla possibilidade. Implica, pois, a existência de duas hipóteses em princípio igualmente válidas, embora mutuamente excludentes. Ora, em determinadas circunstâncias é perfeitamente possível manter as duas hipóteses sem que isto represente problema algum. O ceticismo é um exemplo típico. Ávida cotidiana assim como a história da ciência e da filosofia nos oferecem inúmeras ilustrações da "dúvida não problemática". Tomemos apenas um exemplo da experiência cotidiana: imaginemos dois garotos caminhando em direção à escola; a cem metros desta, um deles lança ao outro o seguinte desafio:" duvido que você seja capaz de chegar antes de mim". Nesta frase, ambas as hipóteses, ou seja, "você é capaz" e "você não é capaz" são igualmente admissíveis, embora mutuamente excludentes. Ao dizer "duvido", o 12 ▲ desafiante estava indicando: "não nego, em princípio, a sua capacidade; mas, até que você me demonstre o contrário, não posso tampouco admiti-la". O desafiado poderá aceitar o desafio e uma das hipóteses será comprovada, dissipando- se conseqüentemente a dúvida. Poderá, contudo, não aceitar e a dúvida persistirá sem que isto implique problema algum. 1.2. Necessidade de se Recuperar a Problematicidade do "Problema" Notamos, pois, que o uso comum e corrente da palavra problema acaba por nos conduzirá seguinte conclusão, aparentemente incongruente: "o problema não é problemático". Isto permitiu a Julián Marías(2) afirmar: "Os últimos séculos da história européia abusaram levianamente da denominação "problema"; qualificando assim toda pergunta, o homem moderno, e principalmente a partir do último século, habituou-se a viver tranquilamente entre problemas, distraído do dramatismo de uma situação quando esta se torna problemática, isto é, quando não se pode estar nela e por isso exige uma solução." Se o problema deixou de ser problemático, cumpre, então, recuperar a problematicidade do problema. Estamos aqui diante de uma situação que ilustra com propriedade o processo global no qual se desenrola a existência humana. Examinamos alguns fenômenos, ou seja, algumas formas de manifestação do problema. No entanto, o fenômeno, ao mesmo tempo que revela (manifesta) a essência, a esconde. Trata-se daquilo a que Karel Kosik(3) denominou "o mundo da pseudo-concreticidade". Importa destruir esta "pseudo-concreticidade" a fim de captar a verdadeira concreti-cidade. Esta é a tarefe da ciência e da filosofia. Ora, captar a verdadeira concreticidade não é outra coisa senão captar a essência. Não se trata, porém, de algo subsistente em si e por si que esteja oculto por detrás da cortina dos fenômenos. A essência é um produto do modo pelo qual o homem produz sua própria existência. Quando o homem considera as manifestações de sua própria existência como algo desligado dela, ou seja, como algo independente do processo que as produziu, ele
  • 11. está vivendo no mundo da "pseudo-concreticidade". Ele toma como essência aquilo que é apenas fenômeno, isto é, aquilo que é apenas manifestação da essência. No caso que estamos 2. MARÍAS, J. - Introdução à Filosofia, p. 22. 3. KOSIK, K. - Dialética do Concreto, especialmente pp. 9-20. 13 ▲ examinando, ele toma por problema aquilo que é apenas manifestação do problema. Após essas considerações, cabe perguntar agora: qual é, então, a essência do problema? No processo de produção de sua própria existência o homem se defronta com situações ineludíveis, isto é: enfrenta necessidades de cuja satisfação depende a continuidade mesma da existência (não confundir existência, aqui empregada, com subsistência no estrito sentido econômico do termo). Ora, este conceito de necessidade é fundamental para se entender o significado essencial da palavra problema. Trata-se, pois, de algo muito simples, embora frequentemente ignorado. A essência do problema é a necessidade. Com isto é possível agora destruir a "pseudo-concreticidade" e captar a verdadeira "concreticidade". Com isto, o fenômeno pode revelar a essência e não apenas ocultá-la. Com isto nós podemos, enfim, recuperar os usos correntes do termo "problema", superando as suas insuficiências ao referi-los à nota essencial que lhes impregna de problematicidade: a necessidade. Assim, uma questão, em si, não caracteriza o problema, nem mesmo aquela cuja resposta é desconhecida; mas uma questão cuja resposta se desconhece e se necessita conhecer; eis aí um problema. Algo que eu não sei não é problema; mas quando eu ignoro alguma coisa que eu preciso saber, eis-me, então, diante de um problema. Da mesma forma, um obstáculo que é necessário transpor, uma dificuldade que precisa ser superada, uma dúvida que não pode deixar de ser dissipada são situações que se configuram como verdadeiramente problemáticas. A esta altura, é importante evitar uma possível confusão. Se consignamos como nota definitória fundamental do conceito de problema a necessidade, não se creia com isso que estamos subjetivizando o significado do problema. Tal confusão é possível uma vez que o termômetro imediato da noção de necessidade é a experiência individual, o que pode fazer oscilar enormemente o conceito de problema em função da diversidade de indivíduos e da multiplicidade de circunstâncias pelas quais transita diariamente cada indivíduo. Deve-se notar, contudo, que o problema, assim como qualquer outro aspecto da existência humana, apresenta um lado subjetivo e um lado objetivo, intimamente conexionados numa unidade dialética. Com efeito, o homem constrói a sua existência, mas o faz a partir de circunstâncias dadas, objetivamente determinadas. Além disso, é, ele próprio, um ser objetivo sem o que não seria real. A verdadeira compreensão do conceito de problema supõe, como já foi dito, a necessidade. Esta só pode existir se ascender ao plano consciente, ou seja, se for sentida pelo homem como tal (aspecto subjetivo); há, porém, circunstâncias concretas que objetivizam a necessidade sentida, tornando possível, de um lado, avaliar o seu caráter 14 ▲ real ou suposto (fictício) e, de outro, prover os meios de satisfazê-la. Diríamos, pois, que o conceito de problema implica tanto a. conscientização de uma situação de necessidade (aspecto subjetivo) como uma situação conscientizadora da necessidade (aspecto objetivo). Essas observações foram necessárias a fim de tornar compreensível o uso de expressões como "pseudo- concreticidade" e, no caso específico, "pseudo-problema". Na verdade, se problema é aquela necessidade que cada indivíduo sente, não teria sentido falar-se em "pseudo-problema". O problema existiria toda vez que cada indivíduo o sentisse como tal, não importando as circunstâncias de manifestação do fenômeno. Sabemos, porém, que uma reflexão sobre as condições objetivas em que os homens produzem a própria existência nos permite detectara ocorrência daquilo que está sendo denominado "pseudo-problema". A estrutura escolar (em geral por reflexo da estrutura . social) é fértil em exemplos dessa natureza. Muitas das questões que integram os currículos escolares são destituídas de conteúdo problemático, podendo-se aplicar a elas aquilo que dissemos a propósito dos exercícios escolares: "se algum problema o aluno tem, não se trata aí do desconhecimento das respostas às questões propostas mas, eventualmente, da necessidade de saber quais as possíveis conseqüências que lhe poderá acarretar o fato de não aplicar os procedimentos transmitidos nas aulas". Toda uma série de mecanismos artificiais é desencadeada como resposta ao caráter artificioso das questões propostas. O referido caráter artificioso configura, evidentemente, o que denominamos "pseudo-problema". Um raciocínio extremado tornará óbvio o que acabamos de dizer: suponhamos que as 7.100 ilhas do arquipélago das Filipinas tenham, cada uma, um nome determinado. Suponhamos, ainda, que um professor de Geografia exija de seus alunos o conhecimento de todos esses nomes. Os alunos estarão, então, diante de um problema: como conseguir a aprovação em face dessa exigência? Uma vez que eles não necessitam saber os nomes das ilhas (isso não é problema), mas precisam ser aprovados, partirão em busca dos artifícios ("pseudo-soluções") que lhes garantam a aprovação. Está aberto o caminho para a fraude, para a impostura. Com este fenómeno estão relacionados os ditos já generalizados, como: "os alunos aprendem apesar dos professores", ou "a única vez que a minha educação foi interrompida foi quando estive na escola" (Bernard Shaw).(4)
  • 12. 4. Cf. POSTMAN, N. & WEINGARTNER, C. - Contestação; Nora Fórmula de Ensino, p. 77. Recomendamos a leitura de todo o cap. IV - Em busca da relevância, pp. 65-87, onde são encontrados diversos exemplos de "pseudo-problemas". 15 ▲ O "pseudo-problema", como já se disse, é possível em virtude de que os fenómenos não apenas revelam a essência, mas também a ocultam. A consciência dessa possibilidade torna imprescindível um exame detido das condições objetivas em que se desenvolve a nossa atividade educativa. Em suma: problema, apesar do desgaste determinado pelo uso excessivo do termo, possui um sentido profundamente vital e altamente dramático para a existência humana, pois indica uma situação de impasse. Trata-se de uma necessidade que se impõe objetivamente e é assumida subjetivamente. O afrontamento, pelo homem, dos problemas que a realidade apresenta, eis aí, o que é a filosofia. Isto significa, então, que a filosofia não se caracteriza por um conteúdo específico, mas ela é, fundamentalmente, uma atitude; uma atitude que o homem toma perante a realidade. Ao desafio da realidade, representado pelo problema, o homem responde com a reflexão. 2. NOÇÃO DE REFLEXÃO E que significa reflexão? A palavra nos vem do verbo latino Yeflectere" que significa "voltar atrás". É, pois, um re-pensar, ou seja, um pensamento em segundo grau. Poderíamos, pois, dizer: se toda reflexão é pensamento, nem todo pensamento é reflexão. Esta é um pensamento consciente de si mesmo, capaz de se avaliar, de verificar o grau de adequação que mantém com os dados objetivos, de medir-se com o real. Pode aplicar-se às impressões e opiniões, aos conhecimentos científicos e técnicos, interrogando-se sobre o seu significado. Refletir é o ato de retomar, reconsiderar os dados disponíveis, revisar, vasculhar numa busca constante de significado. É examinar detidamente, prestar atenção, analisar com cuidado. E é isto o filosofar. Até aqui a atitude filosófica parece bastante simples, pois uma vez que ela é uma reflexão sobre os problemas e uma vez que todos e cada homem têm problemas inevitavelmente, segue-se que cada homem é naturalmente levado a refletir, portanto, a filosofar. Aqui, porém, a coisa começa a se complicar. 3. AS EXIGÊNCIAS DA REFLEXÃO FILOSÓFICA Com efeito, se a filosofia é realmente uma reflexão sobre os problemas que a realidade apresenta, entretanto ela não é qualquer tipo de reflexão. Para que uma reflexão possa ser adjetivada de filosófica, é preciso que se satisfaça uma série de exigências que vou resumir em apenas três requisitos: a radicalidade, o rigor e a 16▲ globalidade. Quero dizer, em suma, que a reflexão filosófica, para ser tal, deve ser radical, rigorosa e de conjunto. Radical: Em primeiro lugar, exige-se que o problema seja colocado em termos radicais, entendida a palavra radical no seu sentido mais próprio e imediato. Quer dizer, é preciso que se vá até às raízes da questão, até seus fundamentos. Em outras palavras, exige-se que se opere uma reflexão em profundidade. Rigorosa: Em segundo lugar e como que para garantir a primeira exigência, deve-se proceder com rigor, ou seja, sistematicamente, segundo métodos determinados, colocando-se em questão as conclusões da sabedoria popular e as generalizações apressadas que a ciência pode ensejar. De conjunto: Em terceiro lugar, o problema não pode ser examinado de modo pardal, mas numa perspectiva de conjunto, relacionando-se o aspecto em questão com os demais aspectos do contexto em que está inserido. É neste ponto que a filosofia se distingue da dência de um modo mais marcante. Com efeito, ao contrário da ciência, a filosofia não tem objeto determinado; ela dirige-se a qualquer aspecto da realidade, desde que seja problemático; seu campo de ação é o problema, esteja onde estiver. Melhor dizendo, seu campo de ação é o problema enquanto não se sabe ainda onde ele está; por isso se diz que a filosofia é busca. E é nesse sentido também que se pode dizer que a filosofia abre caminho para a ciência; através da reflexão, ela localiza o problema tornando possível a sua delimitação na área de tal ou qual ciência que pode então analisá-lo e, quiçá, solucioná-lo. Além disso, enquanto a ciência isola o seu aspecto do contexto e o analisa separadamente, a filosofia, embora dirigindo-se às vezes apenas a uma parcela da realidade, insere-a no contexto e a examina em função do conjunto. A exposição sumária e isolada de cada um dos itens acima descritos não nos deve iludir. Não se trata de categorias auto-suficientes que se justapõem numa somatória suscetível de caracterizar, pelo efeito mágico de sua junção, a reflexão filosófica. A profundidade (radicalidade) é essencial à atitude filosófica do mesmo modo que a visão de conjunto. Ambas se relacionam dialeticamente por virtude da íntima conexão que mantém com o mesmo movimento metodológico, cujo rigor (criticidade) garante ao mesmo tempo a radicalidade, a universalidade e a unidade da
  • 13. 17 ▲ reflexão filosófica.(5) Deste modo, a concepção amplamente difundida segundo a qual o aprofundamento determina um afastamento da perspectiva de conjunto, e, vice-versa: a ampliação do campo de abrangência acarreta uma inevitável superficialização, é uma ilusão de óptica decorrente do pensar formal, o nosso modo comum de pensar que herdamos da tradição ocidental. A inconsistência dessa concepção vem sendo fartamente ilustrada pêlos avanços da ciência contemporânea, cuja penetração no âmago do processo objetivo faz estourar os quadros do pensamento tradicional. É a isto que se convencionou chamara crise das ciências (em especial da Física e da Matemática).6 Não se trata, porém, de uma crise das ciências (em nenhuma época da História experimentaram progresso tão intenso), mas de uma crise da Lógica Formal. Com efeito, o aprofundamento na compreensão dos fenômenos se liga a uma concepção geral da realidade, exigindo uma reinterpretação global do modo de pensar essa realidade. Então, a lógica formal, em que os termos contraditórios mutuamente se excluem (princípio de não-contradição), inevitavelmente entra em crise, postulando a sua substituição pela lógica dialética, em que os termos contraditórios mutuamente se incluem (princípio de contradição, ou lei da unidade dos contrários). Por isso, a lógica formal acaba por enredar a atitude filosófica numa gama de contradições frequentemente dissimuladas através de uma postura idealista, seja ela crítica (que se reconhece como tal) ou ingênua (que se autodenomina realista). A visão dialética, ao contrário, nos arma de um instrumento, ou seja, de um método rigoroso (crítico) capaz de nos propiciar a compreensão adequada da radicalidade e da globalidade na unidade da reflexão filosófica. Afirmamos antes que o problema apresenta um lado objetivo e um lado subjetivo, caracterizando-se este pela tomada de consciência da necessidade. As considerações supra deixaram claro que a reflexão é provocada pelo problema e, ao mesmo tempo, dialeticamente, constitui-se numa resposta ao problema. Ora, assim sendo, a reflexão se caracteriza por um aprofundamento da consciência da situação problemática, acarretando (em especial no caso da reflexão filosófica, por virtude das exigências que lhe são inerentes) um salto qualitativo que leva à superação 5. Mesmo pensadores não afeiçoados ao modo de pensar dialético admitem implícita ou explicitamente o que acabamos de dizer. Cf., por ex., COTTIER, in Revista Nova et Veteras,: "deux traits sont caractéristiques du philosophe: l'universalité de son champ de vision et Ia recherche de raisons profondes". 6. Cf. a respeito, PINTO, A. V - Ciência e Existência, especialmente o cap. IX. 18 ▲ do problema no seu nível originário. Esta dialética reflexão-problema é necessário ser compreendida para que se evite privilegiar, indevidamente, seja a reflexão (o que levaria a um subjetivismo, acreditando-se que o homem tenha um poder quase absoluto sobre os problemas, podendo manipulá-los a seu bel-prazer), seja o problema (o que implicaria reificá-lo desligando-o de sua estrita vinculação com a existência humana, sem a qual a essência do problema não pode ser apreendida, como já foi explicado). Por fim, é necessária uma observação sobre a expressão bastante difundida, "problema filosófico". Cabe perguntar: "existem problemas que não são filosóficos?" Na verdade, um problema, em si, não é filosófico, nem científico, artístico ou religioso. A atitude que o homem toma perante os problemas é que é filosófica, científica, artística ou religiosa ou de mero bom-senso. A expressão que estamos analisando é resultante, pois, do uso corrente da palavra problema (já abordado) que a dá como sinônimo de questão, tema, assunto. Aqueles assuntos, que são objeto de estudo dos cientistas, por exemplo, são denominados "problemas científicos". Daí as derivações "problemas sociológicos", "problemas psicológicos", "problemas químicos", etc. Mas como aceitar essa interpretação no caso da filosofia que, como foi dito antes, não tem objeto determinado? Como aceitá-la, se qualquer assunto pode ser objeto de reflexão filosófica? O uso comum e corrente tem se pautado, então, pelo seguinte paralelismo: assim como "problemas científicos" são aquelas questões de que se ocupam os cientistas, "problemas filosóficos" não são outra coisa senão aquelas questões de que se têm ocupado os filósofos. Não se deve esquecer, porém, que não é porque os filósofos se ocuparam com tais assuntos que eles são problemas; mas, ao contrário: é porque eles são (ou foram) problemas que os filósofos se ocuparam e se preocuparam com eles. Resta, então, a seguinte alternativa: a expressão "problemas filosóficos" é uma manifestação corrente da ] linguagem e, como fenômeno, ao mesmo tempo revela e oculta a essência do , filosofar. Oculta, na medida em que compartimentalizando também a atitude filosófica (bem a gosto do modo formalista de pensar) a reduz a uns tantos assuntos já de antemão catalogáveis, empobrecendo um trabalho que deveria ser essencialmente criador. Revela, enquanto pode chamar a atenção para alguns problemas que se revestem de tamanha magnitude, em face das condições concretas em que o homem produz a sua existência, que exigem, em caráter prioritário, uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto. Tratar-se-ia, por 19 ▲ conseguinte, de problemas que põem em tela, de imediato e de modo inconteste, a necessidade da filosofia. Estaria
  • 14. justificado, nessas circunstâncias, o uso da expressão "problema filosófico". 4. NOÇÃO DE FILOSOFIA Esclarecendo o significado essencial de problema; explicitados a noção de reflexão e os requisitos fundamentais para que ela seja adjetivada de filosófica, podemos, finalmente, conceituar a filosofia como uma REFLEXÃO (RADICAL, RIGOROSA E DE CONJUNTO) SOBRE OS PROBLEMAS QUE A REALIDADE APRESENTA. A partir daí, é fácil concluir a respeito do significado da expressão "Filosofia da Educação". Esta não seria outra coisa senão uma REFLEXÃO (RADICAL, RIGOROSA E DE CONJUNTO) SOBRE OS PROBLEMAS QUE A REALIDADE EDUCACIONAL APRESENTA. 5. NOÇÃO DO "FILOSOFIA DE VIDA" Mas será que isso nos diz alguma coisa? Quando ouvimos falar em filosofia da educação não me parece que ocorra em nosso espírito a idéia acima. Com efeito, ouvimos falar em Filosofia da Educação da Escola Nova, Filosofia da Educação da Escola Tradicional, Filosofia da Educação do Governo de São Paulo, Filosofia da Educação da Igreja Católica, etc.; e sabemos que não se trata aí da reflexão da Igreja Católica, dos educadores da Escola Nova ou do Governo de São Paulo sobre os problemas educacionais; a palavra filosofia refere-se aí à orientação, aos princípios e normas que regem aquelas entidades. Tal orientação pode ou não ser conseqüência da reflexão. Com efeito, a nossa ação segue sempre certa orientação; a todos momentos estamos fazendo escolhas, mas isso não significa que estamos sempre refletindo; a ação não pressupõe necessariamente a reflexão; podemos agir sem refletir (embora não nos seja possível agir sem pensar). Neste caso, nós decidimos, fazemos escolhas espontaneamente, seguindo os padrões, a orientação que o próprio meio nos impõe. É assim que nós escolhemos nossos clubes preferidos, nossas amizades; é assim que os pais escolhem o tipo de escola para os seus filhos, colocando-os em colégio de padres (ou freiras) ou em colégio do Estado; é assim também que certos professores elaboram o programa de suas cadeiras (vendo o que os outros costumam transmitir, transcrevendo os itens do índice de certos livros 20 ▲ didáticos, etc.); e é assim, ainda, que se fundam certas escolas ou que o Governo toma certas medidas. Nessas situações nós não temos consciência clara, explícita do porquê fazemos assim e não de outro modo. Tudo ocorre normalmente, naturalmente, espontaneamente, sem problemas. Proponho que se chame a esse tipo de orientação "filosofia de vida".(7) Todos e cada um de nós temos a nossa "filosofia de vida". Esta se constitui a partir da família, do ambiente em que somos criados. 6. NOÇÃO DE "IDEOLOGIA" Mas, como já dissemos, quando surge o problema, ou seja, quando não sei que rumo tomar e preciso saber, quando não sei escolher e preciso saber, aí surge a exigência do filosofar, aí eu começo a refletir. Essa reflexão é aberta; pois se eu preciso saber e não sei, isto significa que eu não tenho a resposta; busco uma resposta e, em princípio, ela pode ser encontrada em qualquer ponto (daí, a necessidade de uma reflexão de conjunto). À medida, porém, que a reflexão prossegue, as coisas começam a ficar mais claras e a resposta vai se delineando. Estrutura-se então uma orientação, princípios são estabelecidos, objetivos são definidos e a ação toma rumos novos tornando-se compreensível, fundamentada, mais coerente. Note-se que também aqui se trata de princípios e normas que orientam a nossa ação. Mas aqui nós temos consciência clara, explícita do porquê fazemos assim e não de outro modo. Contrapondo-se à "filosofia de vida", proponho que se chame a esse segundo tipo de orientação, "ideologia".(8) Observe-se, ainda, que a opção ideológica pode também se opor à "filosofia de vida" (pense-se no burguês que se decida por uma ideologia revolucionária): neste caso, o 7. Esta noção de "filosofia de vida" corresponde, na terminologia gramsciana, ao conceito de "senso comum". Cf. GRAMSCI, A. - Quaderni del Cárcere, especialmente o caderno 10. (Na tradução brasileira, ver, Concepção Dialética da Historio, em especial a Parte I.) 8. Para uma discussão dos diversos sentidos da palavra "ideologia", ver, FURTER, R -Educação e Reflexão, Cap. 4; GABEL, J. - ídéologies; DUMONT, R Lês Idéologies; e a coletânea de Lenk, K. - Eí Concepto de Ideóloga que traz, inclusive, uma abordagem histórica do problema. Sobre o trabalho de R Furter, cit., observe-se que ele vale mais pelas indicações bibliográficas que contém do que pelas interpretações do autor. Para uma discussão sobre as relações entre ideologia e falsa consciência, ver, GABEL, j. - La Fausse Consàence e SCHAFF. A. - História e Verdade, pp. l 55-171. Por fim, cabe lembrar que a noção adotada neste texto, ainda que sem pretensões de alçar-se ao plano de uma teoria da
  • 15. ideologia, obtém forte apoio em GFIAMSCI, A. - Concepção Dialética da História. (Ver principalmente, pp. 61-63 e 114-119.) 21 ▲ conflito pode acarretar certas incoerências na ação, determinadas pela superposição ora de uma, ora de outra. Aqui se faz mais necessária ainda a vigilância da reflexão. 7. ESQUEMATIZAÇÃO DA DIALÉÏICA "AÇÃO-PROBLEMA-REFLEXÃO-AÇÃO" Podemos, pois, para facilitar a compreensão, formular o seguinte diagrama: 1. Ação (fundada na filosofia de vida) suscita 2. Problema (exige reflexão: a filosofia) que leva à 3. Ideologia (conseqüência da reflexão) que acarreta 4. Ação (fundada na ideologia). Não se trata, porém, de uma seqüência lógica ou cronológica; é uma seqüência dialética. Portanto, não se age primeiro, depois se reflete, depois se organiza a ação e por fim age-se novamente. Trata-se de um processo em que esses momentos se interpenetram, desenrolando o fio da existência humana na sua totalidade. E como não existe reflexão total, a ação trará sempre novos problemas que estarão sempre exigindo a reflexão; por isso, a filosofia é sempre necessária e a ideologia será sempre parcial, fragmentária e superável.(9) Assim, poderíamos continuar o diagrama anterior, da seguinte forma: 4. Ação (fundada na ideologia) suscita 5. Novos Problemas (exigem reflexão: a filosofia) que levam à 6. Reformulação da ideologia (organização da ação) que acarreta 7. Reformulação da ação (fundada na ideologia reformulada). 8. NOÇÃO DE FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO Portanto, o que conhecemos normalmente pelo nome de filosofia da educação não o é propriamente, mas identifica-se (de acordo com a terminologia proposta) ora 9. Esta maneira de colocar as relações entre filosofia e ideologia nos permite ao mesmo tempo assinalar a oportunidade da distinção entre saber e ideologia e evitar sua possível limitação. Tal limitação consiste em que o saber é geralmente posto como o outro que exclui (porque, ao revelar suas origens, a dissipa) a ideologia. Com isto, acaba-se por defender o caráter desinteressado do saber. Cabe, pois, lembrar que o saber é sempre interessado, vale dizer, o saber supõe sempre a ideologia da mesma forma que esta supõe sempre o saber. Com efeito, a ideologia só pode ser identificada como tal, ao nível do saber. A ideologia que não supõe o saber, supõe-se saber. Ver, por exemplo, ALTHUSSER, L. - Ideologia e Aparelhos Ideológicos de Estado e a apresentação de CHAUÍ, Marilena - Ideologia e Mobilização Popular. 22 ▲ com a "filosofia de vida", ora com a "ideologia". Acreditamos, porém, que a filosofia da educação só será mesmo indispensável à formação do educador; se ela for encarada, tal como estamos propondo, como uma REFLEXÃO (RADICAL, RIGOROSA E DE CONJUNTO) SOBRE OS PROBLEMAS QUE A REALIDADE EDUCACIONAL APRESENTA. Podemos, enfim, responder à pergunta colocada no início: que é que leva o educador a filosofar? O que leva o educador a filosofar são os problemas (entendido esse termo com o significado que lhe foi consignado) que ele encontra ao realizar a tarefa educativa. E como a educação visa o homem, é conveniente começar por uma reflexão sobre a realidade humana, procurando descobrir quais os aspectos que ele comporta, quais as suas exigências referindo-as sempre à situação existencial concreta do homem brasileiro, pois é aí (ou pelo menos a partir daí) que se desenvolverá o nosso trabalho. Assim, a tarefa da Filosofia da Educação será oferecer aos educadores um método de reflexão que lhes permita encarar os problemas educacionais, penetrando na sua complexidade e encaminhando a solução de questões tais
  • 16. como: o conflito entre "filosofia de vida" e "ideologia" na atividade do educador; a necessidade da opção ideológica e suas implicações; o caráter parcial, fragmentário e superável das ideologias e o conflito entre diferentes ideologias; a possibilidade, legitimidade, valor e limites da educação; a relação entre meios e fins na educação (como usar meios velhos em função de objetivos novos?); a relação entre teoria e prática (como a teoria pode dinamizar ou cristalizar a prática educacional?); é possível redefinir objetivos para a educação brasileira? Quais os condicionamentos da atividade educacional? Em que medida é possível superá-los e em que medida é preciso contar com eles? O elenco de questões acima mencionado é apenas um exemplo do caráter problemático da atividade educacional, o que explica a importância e a necessidade da reflexão filosófica para o educador. Além desses, citados ao acaso, muitos outros problemas o educador terá que enfrentar. Alguns deles são previsíveis; outros serão decorrência do próprio desenvolvimento da ação. E se o educador não tiver desenvolvido uma capacidade de refletir profundamente, rigorosamente e globalmente, suas possibilidades de êxito estarão bastante diminuídas. 9. CONCLUSÃO Assim encarada, a filosofia da educação não terá como função fixar "a priori" princípios e objetivos para a educação; também não se reduzirá a uma teoria geral da educação 23 ▲ enquanto sistematização dos seus resultados. Sua função será acompanhar reflexiva e criticamente a atividade educacional de modo a explicitar os seus fundamentos, esclarecer a tarefa e a contribuição das diversas disciplinas pedagógicas e avaliar o significado das soluções escolhidas. Com isso, a ação pedagógica resultará mais coerente, mais lúcida, mais justa;10 mais humana, enfim. l 0. Cf. FURTER, R - Educação e Reflexão, pp. 6-27. 24 ▲ CAPÍTULO DOIS FUNÇÃO DO ENSINO DE FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO E DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO 1. Como se pode ver pela programação deste Encontro, o tema central gira em torno do magistério de Filosofia da Educação e de História da Educação. Como profissionais que atuam nessas áreas, reunimo-nos, pois, para debater o próprio sentido daquilo que estamos fazendo. Por que é importante analisarmos mais profundamente (e em conjunto) o trabalho que estamos desenvolvendo no momento atual? Se fizermos um levantamento rápido dessas disciplinas do ponto de vista do lugar que ocupam na organização dos cursos, veremos que, em relação ao curso de Pedagogia (onde são obrigatórias, já que figuram no currículo mínimo aprovado pelo CFE), veremos que há três situações básicas com as quais os professores podem se defrontar. Com efeito, temos alguns cursos em que História e Filosofia da Educação constituem uma única disciplina; há outros, porém, em que ambas são dadas em separado, permitindo-nos detectaras seguintes situações: 1. professores de História e Filosofia da Educação; 2. professores de Filosofia da Educação; e 3. professores de História da Educação. Ora, em cada uma dessas situações a organização programática da (ou das) disciplina(s) vai assumir matizes diferentes. Se sairmos do curso de Pedagogia iremos verificar que a disciplina Filosofia da 1. Palestra proferida no IX Encontro da Associação de Professores Universitários de Filosofia e História da Educação, realizado de 22 a 24 de julho de 1974, em São Paulo. 25 ▲
  • 17. Educação aparece (se bem que não em caráter obrigatório) com uma certa freqüência nos cursos de graduação em Filosofia, assumindo aí uma conotação diferente, pois não é a mesma coisa lecionar essa disciplina para alunos de Filosofia e de Pedagogia. Além disso, a disciplina Filosofia da Educação tem sido colocada ultimamente (e também aqui não em caráter obrigatório) nos cursos de Licenciatura, assumindo também aí uma conotação diferente. Com efeito, a referida- disciplina será desenvolvida durante um semestre apenas, para alunos de diferentes cursos: Letras, Geografia, História, Matemática, Física, Ciências Sociais, Psicologia, etc. Quanto à disciplina História da Educação, esta não aparece em outros cursos que não o de Pedagogia, pelo menos com uma freqüência que mereça uma menção especial. Em face dessas diferentes situações, vamos verificar que há um problema comum. E deste problema que nós partiremos. Há uma tendência a se colocar a ênfase na primeira palavra da locução - uma ênfase seja na filosofia, seja na história - e a segunda palavra - a educação - aparece como um apêndice, como uma mera conseqüência. Constatamos, pois, que o professor de Filosofia da Educação está preocupado com a "filosofia"; ele está preocupado em "dominar" aquilo que se chamaria o campo da Filosofia, da mesma forma que o professor de História da Educação está preocupado em dominar o campo da História e a Educação acaba ficando na penumbra. Em conseqüência desta ênfase na primeira palavra da locução, pode-se notar que mesmo esta primeira palavra não é suficientemente caracterizada, quer dizer, enquanto se está preocupado com a filosofia (como professor de Filosofia da Educação), enquanto se está preocupado com a história (como professor de História da Educação) não se chega a explicitar suficientemente o que significa Filosofia e o que significa História. Nesses casos, eu, como professor, entendo a Filosofia como alguma coisa já constituída e que é preciso dominar para poder dar conta da minha tarefa; trata-se, pois, de alguma coisa que está fora de mim; qual o seu significado, isto é algo que não surge a mim como problemático. A Filosofia é entendida como tendo, "a priori", um significado próprio e isto não é passível de questionamento. O que se questiona é como posso eu dominar o campo que a Filosofia abrange. O mesmo se diga em relação à História. Em face desta situação, tanto a Filosofia como a História acabam por ser encaradas segundo a perspectiva tradicional, sem que seja explicitado suficientemente o significado de cada um desses termos. Em conseqüência, o professor acaba se detendo nas abordagens comumente feitas sob 26 ▲ o nome de Filosofia e sob o nome de História, sem refletir mais profundamente para verificar se aquilo que está recebendo o nome de Filosofia merece precisamente este nome ou não; o mesmo se diga em relação à História - por exemplo: no caso da História da Educação, é possível que o professor desenvolva uma programação partindo dos acontecimentos e se detendo numa história das doutrinas pedagógicas. Nesse caso, o seu problema como professor de História da Educação será como se pode dominar todo o conteúdo das doutrinas pedagógicas que foram desenvolvidas através da História. Cabe, porém, perguntar: o objetivo de um curso de História da Educação se esgota na exposição das doutrinas pedagógicas? Ou, em outros termos: a exposição das doutrinas pedagógicas, a mais ampla possível, é que permite que se atinja o objetivo do ensino de História da Educação? Estamos de tal modo absorvidos pela necessidade de conhecer quais são essas correntes e de transmitir esses conhecimentos para os alunos que nós não nos indagamos se fazer História da Educação e se ensinar História da Educação é isto, ou se não seria outra coisa. 2. A partir da situação detectada no tópico anterior, podemos caracterizar as três linhas básicas que nos parecem assumir os programas destas duas disciplinas: Filosofia da Educação e História da Educação, sejam elas ministradas separada ou conjuntamente. Uma primeira forma de se organizar a programação consiste em se filiar a uma determinada corrente já constituída, a um pensamento já elaborado - neste caso, a Filosofia da Educação será ministrada, por exemplo, na perspectiva do existencialismo, ou do pragmatismo, ou dotomismo, etc. A segunda forma se caracteriza pela postura eclética. Em vez de se filiar a uma corrente, levam-se em conta todas as correntes; isto pode ocorrer tanto em sentido diacrônico como em sentido sincrônico, ou seja, tanto na sucessão cronológica das correntes através dos tempos, como na coexistência de diversas correntes no mesmo tempo - no caso da Filosofia da Educação constata-se, então, a preocupação de se mostrar o pensamento grego, o pensamento medieval, as correntes do pensamento moderno e do pensamento contemporâneo. A justaposição das diferentes correntes constitui o que estamos chamando de postura eclética. Por vezes, em face da dificuldade de se abranger todas as correntes, tenta-se, pelo menos, expor as correntes mais próximas de nós, elaborando-se a programação na base da exposição das correntes do pensamento contemporâneo. Neste caso, temos a predominância do plano sincrônico; a postura eclética, todavia, continua prevalecendo. 27 ▲
  • 18. No caso da História da Educação, a ênfase na primeira palavra da locução acaba por fazer predominar (talvez pelo fato mesmo de ser História) a diacronia. Quando se concentra a atenção nas instituições educacionais, passa-se, então, em revista essas instituições desde a antiguidade grega até a época contemporânea. Cabe registrar ainda uma terceira forma que decorre do desejo de se escapar às duas alternativas antes mencionadas. Não querendo se filiar previamente a determinada corrente, e buscando evitar também a postura eclética, alguns professores procuram novas saídas, organizando programas, por exemplo, a partir de temas, na forma de seminários, estimulando os alunos a constituírem grupos de estudo por sua própria iniciativa, etc. Tais tentativas, porém, via de regra, resultam inconsistentes e um tanto frustradoras. Como superar o problema? Deveríamos optar por uma corrente? E como optar? A opção vai implicar o conhecimento das diversas alternativas para que ela seja consciente; empreender-se-á, então, um exame sério, profundo, de todas as correntes para que se possa optar? Em face dos alunos: coloco-os diretamente dentro da minha opção ou deixo-os livres para fazerem a sua opção? Neste caso, a trajetória que eu empreendi para chegar à minha opção deveria fazer com que os alunos também a percorressem para fazê-los chegar à sua opção? Como, nesse caso, abordar todas as correntes num tempo curto e como escapar à postura eclética? Estamos diante de uma situação problemática e que justifica a colocação do tema deste encontro, bem como o tema desta palestra. A reflexão desenvolvida até agora em termos de constatação da situação concreta em que os professores de História e Filosofia da Educação estão, evidenciou que em face das locuções "história da educação" e "filosofia da educação", a ênfase era dada na primeira palavra em detrimento da segunda. Fará efeitos desta palestra, proponho que se coloque a ênfase na segunda palavra e se veja até onde se poderá caminhar com esta reviravolta no enfoque da(s) disciplina(s) que constitui(em) a nossa preocupação e a nossa área de atuação profissional. 3. Centremos, pois, a nossa atenção na educação e a partir daí procuremos abordar a Filosofia e a História. Ao se propor isto, pode ser lançada uma questão: nós não estamos passando de uma hipertrofia a outra? Se se hipertrofiava a primeira palavra, vamos hipertrofiar a segunda e deixar na penumbra a primeira? Não estaríamos, neste caso, sendo tão unilaterais quanto na situação antes analisada sendo, em conseqüência, alvo das mesmas críticas e enredando-nos nos mesmos problemas antes levantados? 28 ▲ No entanto, se centrarmos nossa atenção na Educação, ou seja, na problemática educacional, possivelmente teremos, a partir daí, condições para esclarecer o significado da Filosofia e da História; em conseqüência, a primeira palavra da locução não ficará na penumbra, mas ao contrário, se desvelará e irromperá com toda a força que lhe é própria. E por que isto? Porque a Filosofia não se exerce no vazio, da mesma forma que a História não se dá em abstraio; quer dizer, a Filosofia é uma atitude que se dirige a algo e a História é uma história concreta, portanto, história de alguma coisa. Se nós nos preocuparmos com a problemática educacional, tentaremos examinar a partir daí em que a Filosofia pode ajudar a esclarecer os problemas da educação e em que a História pode nos ajudar a entender esta problemática educacional que nos preocupa. Com efeito, se tomamos, por exemplo, a Filosofia, verificamos que o seu objeto são os problemas que surgem na existência humana. Se estamos preocupados com a Filosofia da Educação, a filosofia só terá sentido na medida em que nos permitir explicitar a problemática educacional. Se ela ocultar a problemática educacional não estará contribuindo para preencher a sua própria função e como tal estará se traindo enquanto filosofia. Se voltarmos àquela atitude inicial - ênfase na primeira palavra - que acabava por tornar o seu sentido não suficientemente caracterizado, veremos que, partindo de um pensamento já elaborado, não estamos desenvolvendo uma reflexão e, como tal, não estamos filosofando. Os resultados da reflexão filosófica não são a reflexão filosófica, apesar da tendência freqüente de se tomar os resultados pelo próprio processo. A Filosofia da Educação só poderá prestar um serviço à formação dos educadores na medida em que contribuir para que os educadores adotem esta postura reflexiva para com a problemática educacional. Se, ao contrário, nós, enquanto educadores, nos limitarmos a tomar conhecimento de determinados resultados a que se chegou a partir de determinadas reflexões, então não estaremos desenvolvendo a reflexão filosófica propriamente dita, vale dizer, estaremos abdicando da tarefa própria da filosofia. Logo veremos que considerações semelhantes podem ser feitas em relação à História da Educação. Parece-me, pois, que a nossa preocupação, enquanto profissionais ligados à Filosofia da Educação e à História da Educação, deverá estar concentrada na problemática educacional. Sem isso, estaremos traindo nossa própria atitude
  • 19. filosófica ou histórica. É neste sentido que poderemos superar a hipertrofia tanto do primeiro 29 ▲ como do segundo termo, porque aí recuperaremos o sentido da locução como tal, Trata-se, com efeito, de Filosofia da Educação e não simplesmente de Filosofia (porque neste caso a própria Filosofia se esvaziaria); não também da Educação sem a postura reflexiva (porque neste caso a Educação não seria um processo intencionalmente conduzido). No caso da História da Educação, temos a mesma situação: trata-se de História da Educação e não de História (porque neste caso também o nosso projeto se esvazia) e nem apenas de Educação (porque neste caso ela seria desenraizada). O concreto é histórico e para dar conta da problemática concreta da educação é necessário assumir a postura histórica. Vê-se, pois, que, a partir da abordagem indicada acima, teremos uma unidade dos dois termos da locução; uma unidade sem ambigüidade. Portanto, não se trata de flutuar ou oscilar entre um projeto filosófico e um projeto pedagógico; um projeto histórico e um projeto pedagógico. As ambigüidades, flutuações e oscilações podem ser superadas se e somente se a nossa atenção se concentrar na problemática educacional concreta. Tal atitude é o constitutivo essencial da Filosofia, o que pode ser ilustrado através dos exemplos mencionados na história do pensamento humano. Se tomarmos, por exemplo, Aristóteles, Platão, ou outros pensadores reconhecidos como filósofos, veremos que tais pensadores fizeram filosofia exatamente na medida em que pensaram os problemas de sua época. Hoje, quando tomamos contato com os resultados do pensamento aristotélico, tais produtos aparecem como algo acabado, como algo já constituído, parecendo possuir existência autônoma, independentemente do processo que o gerou; no entanto, a filosofia de Aristóteles é o processo de reflexão que ele desenvolveu para chegar a esses resultados. Se nós assumimos a atitude filosófica, cumpre-nos desenvolver um processo de reflexão sobre os problemas que a nossa época está colocando; e se se trata de filosofia da educação, isso implica assumir a atitude de reflexão sobre os problemas educacionais que a nossa situação concreta está nos colocando. Transmissão pura e simples dos resultados da reflexão de Aristóteles, da reflexão de Kant, da reflexão de Sartre, e assim por diante, não constitui propriamente a tarefa da Filosofia. Exemplifiquemos o que foi dito acima, com uma referência ao pensamento de Kant. O problema com que Kant se preocupou era, efetivamente, um problema fundamental na sua época. Formado na tradição racionalista que vinha de Descartes, 30 ▲ absorvendo os conhecimentos de Leibniz através de seu mestre (Wolff), Kant entrou em contato com o pensamento de Hume que, segundo suas próprias palavras, o despertou do sono dogmático em que vivia, acreditando que a perspectiva racionalista era o perspectiva válida. Na medida em que entra em contato com a obra de Hume, que colocava os problemas numa perspectiva diversa daquela em que Kant havia sido formado, então ele se defronta com um problema capital que pode ser expresso nos seguintes termos: como se explica o conhecimento? Segundo a perspectiva racionalista ou segundo a perspectiva empirista? Ao lado disto, Newton acabara de sistematizar a ciência física e ao mesmo tempo em que ele - Kant - travou conhecimento com os debates dos filósofos, vale dizer, com as conclusões contraditórias a que eram conduzidos os filósofos, ele notava a objetividade da ciência físico-matemática na forma como havia sido exposta por Newton. Em face da situação acima descrita, Kant se colocou a questão fundamental: como é possível o conhecimento humano? Observe-se que ele não perguntou se era possível o conhecimento humano; isto, com efeito, já não era problema em sua época, uma vez que os êxitos da ciência físico-matemática estavam aí para evidenciar que era possível o conhecimento humano. Como era possível, aí estava o problema - e toda a sua reflexão se desenvolveu no sentido de explicar esse problema. Hoje, ao expormos o pensamento de Kant, via de regra, aquilo aparece com um grande teor de aridez e na medida em que os alunos não têm sequer esse referencial histórico, mais árido ainda se torna aquele pensamento que, enquanto vivo, estava revestido de todo um dinamismo e de todo um significado; agora, porém, já constituído e acabado e lançado a alunos que não estão preocupados dado que em sua existência não irrompeu o problema kantiano (como é possível o conhecimento humano?), então a exposição do pensamento de Kant além de difícil de ser acompanhada se torna estéril e, ao fim e ao cabo, se torna anti-filosófica; em vez de formar uma atitude filosófica, deforma o sentido da palavra, e por vezes chega até mesmo a criar uma atitude negativa em face da Filosofia. Trata-se, com efeito, de uma situação relativamente familiar a diversos professores, qual seja: ao iniciar um curso de Filosofia da Educação, defrontam-se com alunos que se colocam, "a priori", numa atitude negativa em face da Filosofia; nesses casos, necessita-se de um desgaste razoavelmente grande para quebrar, primeiro, esses preconceitos em face da Filosofia afim
  • 20. de poder, posteriormente, desenvolver um trabalho positivo no sentido de desencadear a atitude filosófica nos alunos. O fundamental, portanto, é que os alunos assumam essa atitude filosófica; que 31 ▲ eles sejam capazes de refletir sobre os problemas com os quais eles se defrontam e, no caso da Educação, que eles sejam capazes de refletir sobre os problemas educacionais. No que diz respeito à História da Educação, verifica-se fenômeno semelhante: a História, por obra da hipertrofia da primeira palavra da locução, acaba por não ser compreendida, o seu significado acaba por não ser explicitado claramente; assim, a História acaba sendo absorvida no sentido tradicional de seqüência de fatos ou seqüência de idéias, resumindo-se a uma mera cronologia. Ao se reduzir a História a uma seqüência de fatos ou de idéias, ocorre aí um agravante maior: tais fatos (ou idéias) acabam por se resumir naquilo que eu chamaria de "fatos de supra-estrutura", isto é, aqueles fatos que se evidenciam mas que não explicam o processo histórico concreto, sendo, ao contrário, explicados pelo processo histórico concreto. Em conseqüência, o ensino da História, em lugar de explicitar o mencionado processo, apenas expõe os fatos de supra-estrutura, resultando, daí, o caráter insípido de que se reveste esse tipo de ensino. E a História, à semelhança da Filosofia, acaba por se tornar, também ela, uma disciplina "chata", uma vez que será necessário reter uma série grande de fatos (ou de idéias) geralmente desprovidos de sentido; assim, a memorização acaba sendo o recurso de que o aluno (e por vezes o professor) lança mão para se situar em face do problema da História. Usando de uma imagem, poderíamos descrever o processo histórico por analogia com o teatro. No cenário da História temos os atores e os autores da História, do mesmo modo que numa peça teatral temos os atores e o autor da peça. O autor não aparece; no entanto, a obra é sua e os atores representam aquele papel que lhes foi designado na trama da peça, trama essa que é obra do autor da peça. Rara os expectadores, os atores estão em evidência e são por vezes cultuados, surgindo como ídolos. Em contrapartida, os autores estão ocultos nos bastidores, ficando, geralmente, na penumbra, quando não são totalmente esquecidos. Na Historiografia temos, pois, o seguinte fenômeno: os fatos de bastidores que são os fundamentais, dado que nos permitiriam compreender o que está acontecendo, tais fatos não são explorados suficientemente, enquanto que os fatos de supra-estrutura (ligados à imagem dos atores) são mencionados numa seqüência cronológica sem que se entenda bem porque em determinado momento quem esteve em evidência foi este ator e não outro e que papel representava este ator; 32 ▲ quer dizer, que forças ele estava representando, forças essas que nos permitiriam compreender qual a matriz básica daquele momento histórico. Dessa forma, a Historiografia tende a se resumir na apresentação de uma série de nomes, fatos e datas e o recurso para se reter esses dados terá que ser a memorização mecânica, uma vez que a compreensão da trama da História se perde. Ora, a compreensão da trama da História só será garantida se forem levados em conta os "dados de bastidores", vale dizer, se se examina a base material da sociedade cuja história está sendo reconstituída. Tal procedimento supõe um processo de investigação que não se limita àquilo que convencionalmente é chamado de História da Educação, mas implica investigações de ordem econômica, política e social do país em cujo seio se desenvolve o fenômeno educativo que se quer compreender, uma vez que é esse processo de investigação que fará emergir a problemática educacional concreta. Na medida em que nós, professores de História da Educação, assumimos essa atitude de investigação; na medida em que nós, em face dos alunos, estimulamos esta mesma atitude, eis como estaremos contribuindo efetivamente para o avanço do campo de conhecimento que constitui a História da Educação e, no nosso caso específico, para o desenvolvimento da História da Educação Brasileira. 4. Em conclusão, cabe observar que um curso de Filosofia da Educação ou de História da Educação assumirá características marcadamente diversas das tradicionais, se nós, enquanto professores, nos colocarmos na perspectiva apresentada neste texto. Tal mudança de perspectiva só será possível, obviamente, se estivermos empenhados em assumir até às últimas conseqüências o papel que nos cabe na área de Filosofia da Educação e/ou História da Educação. 33 ▲
  • 21. CAPÍTULO TRÊS VALORES E OBJETIVOS NA EDUCAÇÃO A reflexão(1) sobre os problemas educacionais inevitavelmente nos levará à questão dos valores. Com efeito, se esses problemas trazem a necessidade de uma reformulação da ação, torna-se necessário saber o que se visa com essa ação, ou seja, quais são os seus objetivos. E determinar objetivos implica definir prioridades, decidir sobre o que é válido e o que não é válido. Além disso - todos concordam - a educação visa o homem; na verdade, que sentido terá a educação se ela não estiver voltada para a promoção do homem? Uma visão histórica da educação mostra como esta esteve sempre preocupada em formar determinado tipo de homem. Os tipos variam de acordo com as diferentes exigências das diferentes épocas. Mas a preocupação com o homem, esta é uma constante. E a palavra homem significa exatamente aquele que avalia.(2) Se o problema dos valores é considerado como uma das questões mais complexas da filosofia atual, no entanto, todos sabem quão trivial é a experiência da valoração: a todo momento nós somos sujeitos ou testemunhas dessa experiência. Uma vez que a experiência axiológica é uma experiência tipicamente humana, é a partir do conhecimento da realidade hu- 1. Escrito em 1971 para a cadeira de Introdução à Educação do Ciclo Básico da PUC/ SP Publicado na Revista Didato, n. 6, 1977. 2. Cf. Nietzsche: "A palavra homem significa aquele que avalia: ele quis denominar-se pelo seu maior descobrimento". (O Viajante e a Sua Sombra), apud SERRÂO, Joel - Iniciação ao Filosofar, p. 101. 35 ▲ mana que podemos entender o problema dos valores. E como a educação se destina (senão de fato, pelo menos de direito) à promoção do homem, percebe-se já a condição básica para alguém ser educador: ser um profundo conhecedor do homem. Mas... que é o homem? Evidentemente, a complexidade da questão não nos permite tratá-la exaustivamente dentro dos limites desse texto. Aqui tentaremos apenas uma aproximação ao tema a fim de estabelecer um ponto de partida necessário à colocação do problema dos valores e objetivos na educação. Observando o dado-homem, notamos desde logo que ele se nos apresenta como um corpo, e por isso, existindo num meio que se define pelas coordenadas de espaço e tempo. Este meio condiciona-o, determina-o em todas as suas manifestações. Este caráter de dependência do homem se verifica inicialmente em relação à natureza (entendemos por natureza tudo aquilo que existe independentemente da ação do homem). Sabemos como o homem depende do espaço físico, clima, vegetação, fauna, solo e subsolo. Mas não é só o meio puramente natural que condiciona o homem. Também o meio cultural se impõe a ele inevitavelmente. Já ao nascer, além de uma localização geográfica mais ou menos favorável, o homem se defronta com uma época de contornos históricos precisos, marcada pelo peso de uma tradição mais ou menos longa, com uma linguaja estruturada, costumes e crenças definidos, uma sociedade com instituições próprias, uma vida econômica peculiar e uma forma de governo ciosa de seus poderes. Este é o quadro da existência humana. E neste quadro, o homem é encaixado - é enquadrado. O homem é, pois, um ser situado. Situação é, com efeito, o termo que sintetiza tudo quanto foi dito. E esta é uma condição necessária de possibilidade da existência humana. A vida humana só pode se sustentar e desenvolver a partir de um contexto determinado; é daí que o homem tira os meios de sua sobrevivência. Por isso ele é levado a valorizar os elementos do meio-ambiente: a água, a terra, a fauna, a flora, etc. (no domínio da natureza) e as instituições, as ciências, as técnicas, etc. (no domínio da cultura). Antes mesmo de se dar conta disso, o homem está exercendo a atitude axiológica perante tudo que o cerca. Na verdade, valorizar é não ser indiferente.(3) Assim, a situação compõe-se de uma multiplicidade de elementos que em si mesmos não valem nem deixam de valer; simplesmente são; estão aí. Ao se relacionarem com o homem, entretanto, eles passam a ter significado, passam a valer. Isto nos permite entender o valor como uma relação de não indiferença entre o homem e os 3. Cf. MORENTE, M. Garcia - Fundamentos de Filosofia, p. 206. 36 ▲ elementos com que se defronta. A situação abre, pois, ao homem um campo imenso de valores; é o domínio do prático- utilitário. O homem tem necessidades que precisam ser satisfeitas e este fato leva à valorização e aos valores. Mas se o homem não fica indiferente às coisas, isso significa que ele não é um ser passivo. Ele reage perante a situação, intervém pessoalmente para aceitar, rejeitar ou transformar. A cultura não é outra coisa senão, por um lado, a