Uma mulher acusou um deputado federal de ameaça. Ela depois se retratou da acusação antes de uma denúncia ser apresentada. O procurador geral da república recomendou arquivar o caso devido à falta de representação da vítima, que é uma condição específica para prosseguir com acusações de ameaça. A ministra Cármen Lúcia concordou e ordenou o arquivamento do caso.
1. DECISÃO:
PETIÇÃO. TERMO CIRCUNSTANCIADO. CRIME
DE AMEAÇA. RETRATAÇÃO OU RENÚNCIA DA
REPRESENTAÇÃO ANTES DO OFERECIMENTO DA
DENÚNCIA: AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO
ESPECÍFICA DE PROCEDIBILIDADE.
ARQUIVAMENTO DEFERIDO.
1. Petição contendo termo circunstanciado lavrado pela Delegacia
Especial de Atendimento à Mulher da Polícia Civil do Distrito
Federal, no qual consta que a vítima, ELIANE SOARES CONSTANTINO,
teria imputado a prática do crime de ameaça (art. 147 do Código
Penal) ao Deputado Federal ANÍBAL FERREIRA GOMES.
2. Tem-se, nos autos, que a vítima teria sido ameaçada por
dois assessores do parlamentar, identificados como BETO e LUIS
CARLOS, para que desistisse de uma ação de investigação de
paternidade que move contra aquele e registrasse a criança nascida
do relacionamento que mantiveram em nome de BETO, sob pena de o
parlamentar “colocar fitas de vídeo na internet com imagens dela
praticando sexo” (fls. 08).
3. Em 12 de julho de 2006, a vítima teria telefonado para o
gabinete do parlamentar e o assessor LUIS CARLOS teria dito: “Larga
mão disso, que nada na sua vida vai dar certo”, com o que a mesma
teria se sentido intimidada, por ter ficado sabendo que o
parlamentar “já apareceu no Programa da Rede Globo, Linha Direta,
como suposto assassino de um crime” (fl. 8).
2. 4. Em 12 de setembro de 2006, a vítima retornou à delegacia e
firmou um termo de renúncia, no qual a) afirma não ter mais
interesse na apuração do fato, b) pede o arquivamento do
procedimento investigatório e c) renuncia ao direito de
representação “por motivos pessoais” (fl. 19). Aquele termo foi
ratificado em 22.2.2007 (fls. 17-18).
5. Em 23 de março de 2007, o Juiz do Segundo Juizado Especial
Criminal da Circunscrição Especial Judiciária de Brasília-DF decidiu
declinar de sua competência e determinar a remessa dos autos a esse
Supremo Tribunal, destacando a atual condição de deputado federal do
suposto autor do fato e a necessidade de apurar se a vítima teria
sido coagida a apresentar a renúncia (fls. 21-23).
6. Em 17 de abril de 2007, determinei a remessa dos autos à
Procuradoria-Geral da República (fl. 33).
7. Em 13 de junho de 2007, o Procurador-Geral da República
manifestou-se pelo arquivamento dos autos, nos termo seguintes:
“7. Como é cediço, a apuração e a instauração de ação
penal relativas ao crime de ameaça estão sujeitas ao
preenchimento de condição específica de procedibilidade
prevista no parágrafo único do art. 147 do Código Penal –
a representação da vítima ou de seu representante legal.
8. Na precisa lição de MIRABETE, ‘a imposição legal
deriva do fato de que, por vezes, o interesse do ofendido
se sobrepõe ao público na repressão ao ilícito de que foi
vítima, quando o processo pode acarretar-lhe males maiores
daqueles resultantes da infração (strepitus judicii)’.
3. 9. No caso em tela, a vítima veio a se retratar da
representação antes mesmo que os fatos chegassem ao
conhecimento do Ministério Público; antes, portanto, do
oferecimento de denúncia, com o que o ato se tornaria
irretratável, a teor dos arts. 25 do Código de Processo
Penal e 102 do Código Penal.
10. Entendeu o Juízo a quo que a renúncia da vítima
deveria ser investigada para afastar a possibilidade de
coação. Entretanto, nada há nos autos que suscite essa
suspeita, de modo que a manifestação de vontade da vítima,
contrária à apuração dos fatos, permanece válida e eficaz.
11. Com efeito, o termo de renúncia firmado em 12/09/2006
foi ratificado em 22/02/2007 na presença da autoridade
policial, quando então a vítima poderia ter informado
sobre a ocorrência de novas ameaças ou coação.
Diversamente, informou que não teve mais contato com o
parlamentar e reiterou que prefere resolver a questão
através da ação de investigação de paternidade ajuizada
(fls. 18/19).
12. Pelo exposto, requer o Ministério Público Federal o
arquivamento dos autos, dada a impossibilidade de
prosseguimento do feito sem a representação da vítima, nos
termos do art. 5º, § 4º, do Código de Processo Penal.”
(fls. 35-37).
8. Como manifestado pelo Procurador-Geral da República, não há
condição específica de procedibilidade para que o procedimento penal
instaurado na instância a quo seja continuado neste Supremo Tribunal
em relação aos fatos narrados, cuja representação já foi objeto de
renúncia ou retratação pela vítima antes do oferecimento da
denúncia.
4. 9. Pelo exposto, acolho o parecer da digna Procuradoria-Geral da
República no sentido do arquivamento da Petição n. 3.947 (art. 21,
inc. IV, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal c/c o art.
3º, inc. I, da Lei n. 8.038/90).
Publique-se.
Brasília, 27 de junho de 2007.
Ministra CÁRMEN LÚCIA
Relatora