O documento descreve a poesia de Manuel Bandeira, incluindo suas principais fases e temas abordados. A primeira fase é marcada pelo simbolismo e neoparnasianismo, com ênfase na doença, dor e solidão. Poemas como "Desencanto" ilustram o lirismo amoroso e a fusão entre o lírico e o biográfico. A poesia é vista como expressão da interioridade e da vida.
2. A PRIMEIRA GERAÇÃO DO MODERNISMO
a sedimentação da literatura e da identidade brasileiras
fase iconoclasta: quer romper com o passado literário-cultural;
anarquismo: “não sabemos o que queremos”;
eleição do moderno como um valor em si mesmo;
busca de originalidade a qualquer preço;
luta contra o tradicionalismo;
juízos de valor sobre a realidade brasileira;
valorização poética do cotidiano;
nacionalismo xenófobo e intransigente.
3. A PRIMEIRA GERAÇÃO DO MODERNISMO
a sedimentação da literatura e da identidade brasileiras
fase iconoclasta: quer romper com o passado literário-cultural;
anarquismo: “não sabemos o que queremos”;
eleição do moderno como um valor em si mesmo;
busca de originalidade a qualquer preço;
luta contra o tradicionalismo;
juízos de valor sobre a realidade brasileira;
valorização poética do cotidiano;
nacionalismo xenófobo e intransigente.
4. TEMÁTICAS
poesia e vida
morte
doença
amor
ero'smo
solidão
meta2sica
infância
paixão
saudade
arte
poesia
modernismo
5. AS FASES DE BANDEIRA
poesia e modernismo
PRIMEIRA FASE
[neoparnasianismo, neo-simbolismo, modernismo]
A cinza das horas [1917] Carnaval [1919] O ritmo dissoluto [1924]
SEGUNDA FASE
[a cristalização do modernismo]
Libertinagem [1930] Estrela da manhã [1936]
TERCEIRA FASE
[maturidade: a estabilidade criadora]
Lira dos cinqu’entanos [1940] Belo belo [1948] Mafuá do malungo [1948]
Opus 10 [1930] Estrela da tarde [1960]
6. A CINZA DAS HORAS
1917, simbolismo [07 poemas]
ASPECTOS FORMAIS
[influências parnasianas e simbolistas]
formas
fixas
versos
[rima,
métrica]
lirismo
tradicional
classicizante
e
medieval
ASPECTOS TEMÁTICOS
[período inicial da tuberculose do poeta]
dor
doença
morte
solidão
POEMAS SELECIONADOS
[uma poética penumbrista]
“Desencanto”
“Cartas de meu avô”
“Poemeto erótico”
7. DESENCANTO
metalinguagem & lirismo amoroso
Eu
faço
versos
como
quem
chora
quase
soneto
[dois
quartetos,
um
terceto
e
um
verso
solto]
De
desalento...
de
desencanto...
Fecha
meu
livro,
se
por
agora
versos
rimados
e
metrificados
[eneassílabos,
rimas
alternadas]
Não
tens
mo'vo
nenhum
de
pranto.
função
catár'ca
[poesia
associada
a
expressão
dos
sen'mentos]
Meu
verso
é
sangue.
Volúpia
ardente...
Tristeza
esparsa...
remorso
vão...
visão
român'ca,
tradicional,
da
poesia
[extravasamento
subje'vidade]
Dói-‐me
nas
veias.
Amargo
e
quente,
Cai,
gota
a
gota,
do
coração.
representação
do
leitor
E
nestes
versos
de
angús'a
rouca
a
poesia
está
associada
à
expressão
da
interioridade
e
à
vida
Assim
dos
lábios
a
vida
corre,
Deixando
um
acre
sabor
na
boca.
lirismo
amoroso
+
fusão
do
lírico
com
o
biográfico
[sofrimento,
morte]
–
Eu
faço
versos
como
quem
morre.
metalinguagem
[a
poesia
fala
da
poesia]
8. CARTAS DE MEU AVÔ
lirismo amoroso &formas tradicionais
A
tarde
cai,
por
demais
E
enquanto
anoitece,
vou
Enternecido
sorrio
Erma,
úmida
e
silente...
Lendo
sossegado
e
só,
Do
fervor
desses
carinhos:
A
chuva,
em
gotas
glaciais,
As
cartas
que
meu
avô
É
que
os
conheci
velhinhos,
Chora
monotonamente
Escrevia
a
minha
avó.
Quando
o
fogo
era
já
frio.
forma
[quadras
+
heptassílabos
+
vocabulário
seleto]
+
lirismo
amoroso
[ternura
e
sensibilidade]
Cartas
de
antes
do
noivado...
Temendo
a
cada
momento
A
mão
pálida
tremia
Cartas
de
amor
que
começa,
Ofendê-‐la,
desgostá-‐la,
Contando
o
seu
grande
bem.
Inquieto,
maravilhado,
Quer
ler
em
seu
pensamento
Mas,
como
o
dele,
ba'a
E
sem
saber
o
que
peça.
E
balbucia,
não
fala...
Dela
o
coração
também.
A
paixão,
medrosa,
dantes,
Depois
o
espinho
do
ciúme...
E
eu
bendigo,
envergonhado,
Cresceu,
dominou-‐o
todo.
A
dor...
a
visão
da
morte...
Esse
amor,
avô
do
meu...
E
as
confissões
hesitantes
Mas,
calmado
o
vento,
o
lume
Do
meu
–
fruto
sem
cuidado
Mudaram
logo
de
modo.
Brilhou,
mais
puro
e
mais
forte.
Que
inda
verde
apodreceu.
lirismo
amoroso
[o
amor
dos
avós
alimenta
o
amor
do
sujeito
poé'co]
O
meu
semblante
está
enxuto.
E
a
noite
vem,
por
demais
E
enquanto
anoitece,
vou
Mas
a
alma,
em
gotas
mansas,
Erma,
úmida
e
silente...
Lendo,
sossegado
e
só,
Chora,
abismada
no
luto
A
chuva
em
pingos
glaciais,
As
cartas
que
meu
avô
Das
minhas
desesperanças...
Cai
melancolicamente.
Escrevia
a
minha
avó.
9. POEMETO ERÓTICO
lirismo amoroso & metalinguagem
Teu
corpo
claro
e
perfeito
Teu
corpo
é
chama
e
flameja
Teu
corpo
de
maravilha
Como
à
tarde
os
horizontes...
Quero
possuí-‐lo
no
leito
É
puro
como
nas
fontes
Estreito
da
redondilha
A
água
clara
que
serpeja,
Teu
corpo
é
tudo
o
que
cheira...
Que
em
can'gas
se
derrama
Rosa...
flor
de
laranjeira...
Volúpia
da
água
e
da
chama...
Teu
corpo,
branco
e
macio,
A
todo
momento
o
vejo...
É
como
um
véu
de
noivado...
Teu
corpo...
a
única
ilha
No
oceano
do
meu
desejo...
Teu
corpo
é
pomo
doirado...
Teu
corpo
é
tudo
o
que
brilha,
Rosal
queimado
do
es'o,
Teu
corpo
é
tudo
o
que
cheira...
Desfalecido
em
perfume...
Rosa,
flor
de
laranjeira...
Teu
corpo
é
a
brasa
do
lume...
forma
[redondilha
maior,
irregularidade
estrófica]
lirismo
amoroso
[metáforas
sucessivas:
celebra-‐se
a
paixão
pelo
corpo
da
amada:
elogio
+
celebra
entusia'camente]
caráter
sensual
[re'cências
e
caráter
sinestésico
+
pomo
doirado]
metáforas
ígneas
[rosal
queimado
no
es'o,
brasa,
chama]
10. CARNAVAL
1918, simbolismo [04 poemas]
ASPECTOS FORMAIS
[simbolismo, livra-se da influência parnasiana]
formas
fixas
caráter
irônico
caráter
impressionista
ASPECTOS TEMÁTICOS
[anti-parnasianismo, defesa da liberdade formal]
an'-‐parnasianismo
grande
volume
de
símbolos
musicalidade
POEMAS SELECIONADOS
[sapos e símbolos e músicas]
“Os sapos”
“Alumbramento”
“Debussy”
11. OS SAPOS
liberdade poética & metalinguagem
Enfunando
os
papos,
Em
ronco
que
aterra,
Saem
da
penumbra,
Berra
o
sapo-‐boi
Aos
pulos,
os
sapos.
-‐
"Meu
pai
foi
à
guerra!"
A
luz
os
deslumbra.
-‐
"Não
foi!"
-‐
"Foi!"
-‐
"Não
foi!"
notem-‐se
as
a'tudes
exibicionistas
dos
sapos
[poetas
parnasianos]
e
seu
deslumbre
pela
luz
[gostam
de
publicidade]
O
sapo
tanoeiro,
Vede
como
primo
O
meu
verso
é
bom
Parnasiano
aguado,
Em
comer
os
hiatos!
Frumento
sem
joio.
Diz:
-‐
"Meu
cancioneiro
Que
arte!
E
nunca
rimo
Faço
rimas
com
É
bem
martelado:
Os
termos
cognatos.
Consoantes
de
apoio.
metalinguagem
irônica
[aponta-‐executa
ironicamente
recursos]:
crí'ca
ao
sapo
tanoeiro
[parnasiano]
Vai
por
cinqüenta
anos
Clama
a
saparia
Urra
o
sapo-‐boi:
Que
lhes
dei
a
norma:
Em
crí'cas
cé'cas:
-‐
"Meu
pai
foi
rei!"
-‐
"Foi!"
Reduzi
sem
danos
Não
há
mais
poesia,
-‐
"Não
foi!"
-‐
"Foi!"
-‐
"Não
foi!"
A
formas
a
forma.
Mas
há
artes
poé'cas..."
apropriação
irônica
do
discurso
parnasiano:
Não
há
mais
poesia,
mas
há
artes
poé1cas
12. OS SAPOS
liberdade poética & metalinguagem
Brada
em
um
assomo
Ou
bem
de
estatuário
Outros,
sapos-‐pipas
O
sapo-‐tanoeiro:
Tudo
quanto
é
belo,
(Um
mal
em
si
cabe)
-‐
"A
grande
arte
é
como
Tudo
quanto
é
vário,
Falam
pelas
tripas:
Lavor
de
joalheiro.
Canta
no
martelo".
-‐
"Sei!"
-‐
"Não
sabe!"
-‐
"Sabe!"
apropriação
paródica
do
poema
“Profissão
de
Fé”,
de
Olavo
Bilac
[Torce,
aprimora,
alteia,
lima
a
frase]
Longe
dessa
gritaria
Lá,
fugido
ao
mundo,
Que
soluças
tu,
Lá
onde
mais
densa
Sem
glória,
sem
fé,
Transido
de
frio
A
noite
infinita
No
perau
profundo
Sapo-‐cururu
Verte
a
sombra
imensa.
E
solitário
é
Da
beira
do
rio.
sapo
cururu:
poesia
autên'ca,
despida
de
ar'ficialismos,
moderna
e
popular
[defesa
da
poesia
modernista]
13. ALUMBRAMENTO
sensualidade & lirismo amoroso
Eu
vi
os
céus!
Eu
vi
os
céus!
Nem
uma
nuvem
de
amargura
Oh,
essa
angélica
brancura
Vem
a
alma
desassossegar.
Sem
tristes
pejos
e
sem
véus!
E
sinto-‐a
bela...
e
sinto-‐a
pura...
Eu
vi
nevar!
Eu
vi
nevar!
Eu
vi
o
mar!
Lírios
de
espuma
Oh,
cristalizações
da
bruma
Vinham
desabrochar
à
flor
A
amortalhar
a
cin'lar!
Da
água
que
o
vento
desapruma...
Eu
vi
a
estrela
do
pastor...
E
vi
a
Via-‐Láctea
ardente...
Vi
a
licorne
alvininente!...
Vi
comunhões...
capela...
véus...
Vi...
vi
o
rastro
do
Senhor!...
Súbito...
alucinadamente...
Vi
carros
triunfais...
troféus...
Pérolas
grandes
como
a
lua...
Eu
vi
os
céus!
Eu
vi
os
céus!
–
Eu
vi-‐a
nua...
toda
nua!
forma
[versos
octossilábicos
e
rimas
alternadas]
ní'da
influência
simbolista
[reiterado
uso
de
símbolos
que
sugerem
o
objeto
de
desejo
do
sujeito
poé'co]
fusão
do
lírico
e
do
mís'co
[reúne
impulso
eró'co,
emoção
poé'ca
e
êxtase
mís'co]
o
termo
alumbramento
será
retomado
mais
tarde,
em
Liber1nagem,
para
se
referir
à
nudez
feminina
14. DEBUSSY
musicalidade & liberdade formal
Para
cá,
para
lá...
Para
cá,
para
lá...
Um
novelozinho
de
linha...
Para
cá,
para
lá...
Para
cá,
para
lá...
Oscila
no
ar
pela
mão
de
uma
criança
(Vem
e
vai...)
Que
delicadamente
e
quase
a
adormecer
o
balança
–
Psiu...
–
Para
cá,
para
lá...
Para
cá
e...
–
O
novelozinho
caiu.
forma
[versos
livres
e
brancos
–
antecipa
a
liberdade
formal
do
modernismo
brasileiro]
música
[repe'ções
+
anáfora
+
homenagem
ao
compositor
francês
–
caráter
simbolista]
ternura
[presença
de
uma
imagem
encantadora
+
uso
de
diminu'vos]
15. O RITMO DISSOLUTO
1924, modernismo [09 poemas]
ASPECTOS FORMAIS
[transição: entre a tradição e a modernidade]
métrica
e
rima
simplicidade,
coloquialismo
prosaísmo
versos
livres
ASPECTOS TEMÁTICOS
[uma poesia participante e cotidiana]
elementos
populares
imagens
brasileiras
aspectos
biográficos
poesia
par'cipante
POEMAS SELECIONADOS
[um poeta moderno]
“Balada de Santa Maria Egipcíaca” “Os sinos”
“Gesso” “Berimbau”
16. BALADA DE SANTA MARIA EGIPCÍACA
religiosidade & erotismo
fontes
[poema
inspirado
num
romance
–
narra'va
–
espanhol
do
século
XII]
[conta-‐se
a
história
de
Maria
do
Egito:
pros'tuta
que
virou
santa]c
certa
feita,
ia
atravessar
o
rio
e
não
'nha
dinheiro;
então,
oferece
[a
pedido
do
barqueiro]
sua
nudez
forma
[versos
livres
e
brancos]
antecipa
de
certa
forma
a
mulher
degredada
que
é
redimida
pelo
olhar
do
sujeito
poé'co
[lirismo
social]
o
lirismo
social
também
está
presente
em
“Meninos
carvoeiros”,
que
denuncia
a
pobreza
e
o
trabalho
infan'l
17. OS SINOS
fusão lírico-biográfico & musicalidade
Sino
de
Belém,
Sino
da
Paixão...
Sino
de
Belém,
sino
[metáfora
polissêmica]
Sino
da
Paixão...
Sino
do
Bonfim!...
Belém
[celebração
da
vida]
Sino
do
Bonfim!...
Sino
de
Belém,
pelos
que
ainda
vêm!
Paixão
[constatação
do
poder
da
morte]
Sino
de
Belém
bate
bem-‐bem-‐bem.
Bomfim
[antevisão
da
finitude
humana]
Sino
da
Paixão,
pelos
que
lá
vão!
Sino
da
Paixão
bate
bão-‐bão-‐bão.
notações
biográficas
Sino
do
Bonfim,
por
quem
chora
assim?...
Sino
de
Belém,
que
graça
ele
tem!
referências
explícitas
à
morte
[pai,
mãe,
irmã,
irmão]
Sino
de
Belém
bate
bem-‐bem-‐bem.
angús'a
ante
a
constatação
da
morte
iminente
Sino
da
Paixão
–
pela
minha
irmã!
Sino
da
Paixão
–
pela
minha
mãe!
forma
[decassílabos,
pentassílabos,
onomatopéias]
Sino
do
Bonfim,
que
vai
ser
de
mim?
Sino
de
Belém,
como
soa
bem!
a
alusão
aos
aspectos
biográficos
[tuberculose,
morte]
Sino
de
Belém
bate
bem-‐bem-‐bem.
também
aparece
em
“Na
rua
do
sabão”,
deste
livro
Sino
da
Paixão...
Por
meu
pai?...
–
Não!
Não...
Sino
da
Paixão
bate
bão-‐bão-‐bão.
Sino
do
Bonfim,
baterás
por
mim?
18. GESSO
esteticismo & tensão poético-prosaico
Esta
minha
estatuazinha
de
gesso,
quando
nova
–
O
gesso
muito
branco,
as
linhas
muito
puras
–
Mal
sugeria
imagem
de
vida
(Embora
a
figura
chorasse).
Há
muitos
anos
tenho-‐a
comigo.
O
tempo
envelheceu-‐a,
carcomeu-‐a,
manchou-‐a
de
pá'na
amarelo-‐suja.
forma
[versos
livres
e
brancos]
+
metáfora
[estátua
representa
a
condição
humana
–
viver
é
sujar,
é
murchar]
Os
olhos,
de
tanto
a
ollharem,
Impregnaram-‐na
da
minha
humanidade
irônica
de
osico.
Um
dia
mão
estúpida
Inadver'damente
a
derrubou
e
par'u.
Então
ajoelhei
com
raiva,
recolhi
aqueles
tristes
fragmentos,
recompus
a
figurinha
que
chorava.
E
o
tempo
sobre
as
feridas
escureceu
ainda
mais
o
sujo
mordente
de
pá'na.
fusão
do
lírico
com
o
biográfico
+
humanização
da
estátua
+
o
poé'co
supera
o
prosaico
[micro-‐narra'va
+
co'diano]
Hoje
este
gessozinho
comercial
É
tocante
e
vive,
e
me
fez
agora
refle'r
Que
só
é
verdadeiramente
vivo
o
que
já
sofreu.
19. BERIMBAU
musicalidade & imagens brasileiras
Os
aguapés
dos
aguaçais
Nos
igapós
dos
Japurás
Bolem,
bolem,
bolem.
Chama
o
saci:
–
Si
si
si
si!
–
Ui
ui
ui
ui
ui!
uiva
a
iara
nos
aguaçais
dos
igapós
Dos
Japurás
e
dos
Purus.
A
mameluca
é
uma
maluca.
Saiu
sozinha
da
maloca
–
O
boto
bate
–
bite
bite...
Quem
ofendeu
a
mameluca?
–
Foi
o
boto!
O
Cussaruim
bota
quebrantos.
Nos
aguaçais
os
aguapés
–
Cruz,
canhoto!
–
Bolem…
Peraus
dos
Japurás
De
assombramentos
e
de
espantos!...
forma
[predomínio
de
octossílabos]
+
vocabulário
amazonense
[aguapés,
Japurá,
igapós,
purus]
folclore
[saci,
iara,
cussaruim,
boto
–
peixe
que
'ra
a
virgindade
das
mulheres]
musicalidade
[onomatopéias
e
paronomásias]
+
poesia
brasileira,
versá'l
e
bem-‐humorada
20. LIBERTINAGEM
1930, modernismo [15 poemas]
ASPECTOS FORMAIS
[libertação dos modelos tradicionais]
versos
brancos
simplicidade,
coloquialismo
prosaísmo
versos
livres
ASPECTOS TEMÁTICOS
[cenas e imagens brasileiras]
lirismo
amoroso
imagens
brasileiras
aspectos
biográficos
liberdade
alucinante
POEMAS SELECIONADOS
[anseio de liberdade vital]
“Pensão familiar” “O cacto”
“Pneumotórax” “Poética”
“Porquinho da Índia” “Evocação do Recife”
“Profundamente” “Vou-me embora pra Pasárgada”
21. PENSÃO FAMILIAR
modernismo & crítica à burguesia
Jardins
da
pensãozinha
burguesa.
Gatos
espapaçados
ao
sol.
A
'ririca
si'a
os
canteiros
chatos.
O
sol
acaba
de
crestar
as
boninas
que
murcharam.
Os
girassóis
amarelo!
resistem.
E
as
dálias,
rechonchudas,
plebéias,
dominicais.
Um
ga'nho
fez
pipi.
Com
gestos
de
garçom
de
restaurante-‐Palace
Encobre
cuidadosamente
a
mijadinha.
Sai
vibrando
com
elegância
a
pa'nha
direita:
–
É
a
única
criatura
fina
da
pensãozinha
burguesa.
pensão:
espaço
burguês;
primeira
estrofe:
sequências
descri'vas
+
assonância
+
aspecto
visual
+
caráter
plás'co];
segunda
estrofe:
sequência
narra'va
+
uso
figurado
[e
ambíguo]
do
diminu'vo;
poema
prosaico
x
lirismo
social;
diminu'vo:
ga'nho,
mijadinha,
pa'nha
x
pensãozinha
[afe'vidade
x
ironia]:
crí'ca
aos
costumes
burgueses;
crí'ca:
não-‐refinamento
da
burguesia
+
à
ostentação
de
aparências
+
valorização
do
co'diano
+
versos
livres
e
brancos
22. O CACTO
caráter plástico & paisagem brasileira
Aquele
cacto
lembrava
os
gestos
desesperados
de
estatuária:
Laocoonte
constrangido
pelas
serpentes.
Ugolino
e
os
filhos
esfaimados.
Evocava
também
o
seco
nordeste,
carnaubais,
caa'ngas...
Era
enorme,
mesmo
para
esta
terra
de
feracidades
excepcionais.
Um
dia
um
tufão
furibundo
abateu-‐o
pela
raiz.
O
cacto
tombou
atravessado
na
rua,
Quebrou
os
beirais
do
casario
fronteiro,
Impediu
o
trânsito
de
bondes,
automóveis,
carroças,
Arrebentou
os
cabos
elétricos
e
durante
vinte
e
quatro
horas
[privou
a
cidade
de
iluminação
e
energia.
–
Era
belo,
áspero,
intratável.
poesia
extraída
do
co'diano
[poema
inspirado
em
fato
real:
um
grande
cacto,
arrastado
pelo
vento,
tombou
numa
avenida]
comparações
[Laocoonte:
personagem
da
Eneida:
esmagado
por
serpentes]
comparações
[Ugolino:
personagens
da
história
italiana,
aparecem
na
Divina
comédia;
morreram
de
fome
numa
torre]
comparações
[Nordeste:
aspereza,
resistência;
desespero,
dor
do
drama
humano;
vegetal
retorcido
pela
dor,
que
resiste]
23. PNEUMOTÓRAX
lírico-biográfico & auto-ironia
Febre,
hemop'se,
dispnéia
e
suores
noturnos.
A
vida
inteira
que
podia
ter
sido
e
que
não
foi.
Tosse,
tosse,
tosse.
Mandou
chamar
o
médico:
–
Diga
trinta
e
três.
–
Trinta
e
três...
trinta
e
três...
trinta
e
três.
–
Respire.
................................................................................................
–
O
senhor
tem
uma
escavação
no
pulmão
esquerdo
[e
o
pulmão
direito
infiltrado.
–
Então,
doutor,
não
é
possível
tentar
o
pneumotórax?
–
Não.
A
única
coisa
a
fazer
é
tocar
um
tango
argen'no.
Neste
poema-‐diagnós'co,
o
locutor
aborda
ironicamente
seu
problema
de
saúde.
Fusão
do
eu-‐lírico
com
o
eu-‐biográfico
[destaque
verso
2]
+
ironia
ao
abordar
morte
inevitável.
úl'mo
verso:
o
carpe
diem
é
irônico
e
desiludido
[a
iminência
da
morte
não
dá
origem
à
auto-‐comiseração].
24. POÉTICA
metalinguagem & poesia-libertação
Estou
farto
do
lirismo
comedido
Do
lirismo
bem
comportado
Do
lirismo
funcionário
público
com
livro
de
ponto
expediente
protocolo
e
manifestações
de
apreço
ao
sr.
Diretor.
Estou
farto
do
lirismo
que
pára
e
vai
averiguar
no
dicionário
o
cunho
vernáculo
de
um
vocábulo.
Abaixo
os
puristas
Todas
as
palavras
sobretudo
os
barbarismos
universais
Todas
as
construções
sobretudo
as
sintaxes
de
exceção
Todos
os
ritmos
sobretudo
os
inumeráveis
metalinguagem:
definição
da
liberdade
temá'ca
e
lingüís'ca
na
poesia
[defesa
da
liberdade
de
expressão
poé'ca]
crí'ca
ao
Parnasianismo
[comedido:
contenção
emocional:
impassibilidade]
e
às
formalidades
defesa
da
liberdade
[anáfora:
terceira
estrofe]
lingüís'ca
e
rítmica
25. POÉTICA
metalinguagem & poesia-libertação
Estou
farto
do
lirismo
namorador
Polí'co
Raquí'co
Sifilí'co
De
todo
lirismo
que
capitula
ao
que
quer
que
seja
fora
de
si
mesmo.
De
resto
não
é
lirismo
Será
contabilidade
tabela
de
co-‐senos
secretário
do
amante
exemplar
com
cem
modelos
de
cartas
e
as
diferentes
maneiras
de
agradar
às
mulheres,
etc.
Quero
antes
o
lirismo
dos
loucos
O
lirismo
dos
bêbados
O
lirismo
di2cil
e
pungente
dos
bêbados
O
lirismo
dos
clowns
de
Shakespeare
–
Não
quero
mais
saber
do
lirismo
que
não
é
libertação.
crí'ca
ao
Roman'smo
[namorador,
polí'co,
raquí'co,
sifilí'co]
e
a
tudo
aquilo
que
limita
a
expressão
poé'ca
defesa
da
de
um
lirismo
libertário
[anáfora:
reforço
poé'co]
26. PORQUINHO-DA-ÍNDIA
lirismo & ternura
Quando
eu
'nha
seis
anos
Ganhei
um
porquinho-‐da-‐índia.
Que
dor
no
coração
me
dava
Porque
o
bichinho
só
queria
estar
debaixo
do
fogão!
Levava
ele
pra
sala
Pra
os
lugares
mais
bonitos
e
mais
limpinhos
Ele
não
se
importava:
Queria
era
estar
debaixo
do
fogão.
Não
fazia
caso
nenhum
das
minhas
ternurinhas...
–
O
meu
porquinho-‐da-‐índia
foi
a
minha
primeira
namorada.
experiência
amorosa
[a
aprendizagem
da
desilusão]
presença
da
infância
e
da
ternura
[porquinho,
limpinho,
ternurinhas]
aspectos
formais
[versos
livres
e
brancos
+
coloquialismos]
27. EVOCAÇÃO DO RECIFE
lírico-biográfico & imagens brasileiras
Recife
Não
a
Veneza
americana
Não
a
Mauritsstad
dos
armadores
das
Índias
Ocidentais
Não
o
Recife
dos
Mascates
Nem
mesmo
o
Recife
que
aprendi
a
amar
depois
–
Recife
das
revoluções
libertárias
Mas
o
Recife
sem
história
nem
literatura
Recife
sem
mais
nada
Recife
da
minha
infância.
memória
afe'va
+
a
paisagem
brasileira
[o
lírico
se
sobrepõe
ao
histórico
e
ao
turís'co]
A
rua
da
União
onde
eu
brincava
de
chicote-‐queimado
e
[par'a
as
vidraças
da
casa
de
dona
Aninha
Viegas
Totônio
Rodrigues
era
muito
velho
e
botava
pincenê
[na
ponta
do
nariz.
Depois
do
jantar
as
famílias
tomavam
a
calçada
com
[cadeiras,
mexericos,
namoros,
risadas
A
gente
brincava
no
meio
da
rua
Os
meninos
gritavam:
fusão
do
lírico
com
o
biográfico
[imagens
da
infância
+
mitos
familiares
+
co'diano
do
Recife
An'go]
28. EVOCAÇÃO DO RECIFE
lírico-biográfico & imagens brasileiras
Coelho
sai!
Não
sai!
A
distância
as
vozes
macias
das
meninas
palitonavam:
Roseira
dá-‐me
uma
rosa
Craveiro
me
dá
um
botão
(Dessas
rosas
muita
rosa
Terá
morrido
em
botão)
incorporação
de
elementos
da
cultura
popular
[can'gas
de
roda]
+
sinestesia
[vozes
macias]
+
engajamento
De
repente
nos
longes
da
noite
um
sino
Uma
pessoa
grande
dizia:
fogo
em
Santo
Antônio!
Outra
contrariava:
São
José!
Totônio
Rodrigues
achava
sempre
que
era
São
José.
Os
homens
punham
o
chapéu
saíam
fumando
E
eu
'nha
raiva
de
ser
menino
porque
não
podia
ir
[ver
o
fogo.
valorização
do
espaço
em
branco
da
página
+
valorização
das
tradições
populares
nordes'nas
[festas
juninas]
29. EVOCAÇÃO DO RECIFE
lírico-biográfico & imagens brasileiras
Rua
da
União...
Como
eram
lindos
os
nomes
das
ruas
da
minha
infância
Rua
do
Sol
(Tenho
medo
que
hoje
se
chame
do
Dr.
Fulano
de
Tal)
Atrás
da
casa
ficava
a
rua
da
Saudade...
...
onde
se
ia
fumar
escondido
Do
lado
de
lá
era
o
cais
da
rua
da
Aurora...
...
onde
se
ia
pescar
escondido
nostalgia
[a
infância
aparece
como
uma
época
idílica,
na
qual
tudo
é
permi'do]
+
liberdade
formal
+
coloquialismo
Capibaribe
–
Capiberibe
Lá
longe
o
sertãozinho
de
Caxangá
Banheiros
de
palha
Um
dia
eu
vi
uma
moça
nuinha
no
banho
Fiquei
parado
o
coração
batendo
Ela
se
riu
Foi
o
meu
primeiro
alumbramento
referência
a
uma
contenda
que
'vera
com
o
professor
de
português
+
intratextualidade
30. EVOCAÇÃO DO RECIFE
lírico-biográfico & imagens brasileiras
A
vida
não
me
chegava
pelos
jornais
nem
pelos
livros
Vinha
da
boca
do
povo
na
língua
errada
do
povo
Língua
certa
do
povo
Porque
ele
é
que
fala
gostoso
o
português
do
Brasil
Ao
passo
que
nós
O
que
fazemos
É
macaquear
A
sintaxe
lusíada
A
vida
com
uma
porção
de
coisas
que
eu
não
entendia
bem.
oralidade
[defesa
dos
princípios
modernistas]
31. PROFUNDAMENTE
lírico-biográfico & presença da morte
Quando
ontem
adormeci
No
meio
da
noite
despertei
Na
noite
de
São
João
Não
ouvi
mais
vozes
nem
risos
Havia
alegria
e
rumor
Apenas
balões
passavam
errantes
Estrondos
de
bombas
luzes
de
Bengala
Silenciosamente
Vozes
can'gas
e
risos
Apenas
de
vez
em
quando
Ao
pé
das
fogueiras
acesas.
O
ruído
de
um
bonde
No
meio
da
noite
despertei
Não
ouvi
mais
vozes
nem
risos
Apenas
balões
Passavam
errantes
Silenciosamente
Apenas
de
vez
em
quando
O
ruído
de
um
bonde
Cortava
o
silêncio
Como
um
túnel.
Onde
estavam
os
que
há
pouco
Dançavam
Cantavam
E
riam
Ao
pé
das
fogueiras
acesas?
poema
de
caráter
prosaico
[micro-‐fábula
sobre
a
morte
e
a
recordação
do
período
da
infância]
+
liberdade
formal
32. PROFUNDAMENTE
lírico-biográfico & presença da morte
–
Estavam
todos
dormindo
Estavam
todos
deitados
Dormindo
Profundamente
Quando
eu
'nha
seis
anos
Não
pude
ver
o
fim
da
festa
de
São
João
Porque
adormeci
Hoje
não
ouço
mais
as
vozes
daquele
tempo
Minha
avó
Meu
avô
Totônio
Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde
estão
todos
eles?
–
Estão
todos
dormindo
Estão
todos
deitados
Dormindo
Profundamente.
sono:
metáfora
da
morte
[inevitabilidade]
+
mitos
familiares
33. VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA
utopia & aspectos biográficos
Vou-‐me
embora
pra
Pasárgada
Lá
sou
amigo
do
rei
Lá
tenho
a
mulher
que
eu
quero
Na
cama
que
escolherei
Vou-‐me
embora
pra
Pasárgada
Vou-‐me
embora
pra
Pasárgada
Aqui
eu
não
sou
feliz
Lá
a
existência
é
uma
aventura
De
tal
modo
inconseqüente
Que
Joana
a
Louca
de
Espanha
Rainha
e
falsa
demente
Vem
a
ser
contraparente
Da
nora
que
nunca
've
utopia:
projeto
de
natureza
irrealizável;
idéia
generosa,
porém
impra'cável;
quimera,
fantasia
por
que
utopia?:
o
locutor
encontra-‐se
em
uma
situação
privilegiada
[amigo
do
rei],
de
exceção
Pasárgada:
espaço
de
realização
amorosa;
lugar
de
aventuras
inconsequentes
[segunda
estrofe]
Pasárgada:
espaço
em
que
o
locutor
tem
proximidade
com
o
poder
[segunda
estrofe]
intertexto:
su'l
alusão
à
“Canção
do
exílio”
[aqui
eu
não
sou
feliz;
lá
a
existência
é
uma
aventura]
34. VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA
utopia & aspectos biográficos
E
como
farei
ginás'ca
Andarei
de
bicicleta
Montarei
em
burro
brabo
Subirei
no
pau-‐de-‐sebo
Tomarei
banhos
de
mar!
E
quando
es'ver
cansado
Deito
na
beira
do
rio
Mando
chamar
a
mãe-‐d’água
Pra
me
contar
histórias
Que
no
tempo
de
eu
menino
Rosa
vinha
me
contar
Vou-‐me
embora
pra
Pasárgada
TERCEIRA
ESTROFE
[a
apresentação
do
espaço
utópico]
verbos
no
futuro:
situam
a
vivência
da
utopia
num
tempo
posterior
ao
vivido
a
utopia:
realização
de
a'vidades
2sicas,
ligação
com
a
cultura
popular,
volta
da
infância
aspectos
biográficos:
nota-‐se
su'l
alusão
à
doença
de
Bandeira,
que
o
impossibilitava
de
realizar
a'vidades
2sicas,
por
isso
torna-‐se
necessário
fugir
do
presente
e
par'r
em
busca
do
sonho
35. VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA
utopia & aspectos biográficos
Em
Pasárgada
tem
tudo
É
outra
civilização
Tem
um
processo
seguro
De
impedir
a
concepção
Tem
telefone
à
vontade
Tem
alcalóide
à
vontade
Tem
pros'tutas
bonitas
Para
a
gente
namorar
QUARTA
ESTROFE
[a
apresentação
do
espaço
utópico]
a
utopia
bandeiriana
evidencia
ao
leitor
a
incompa'bilidade
entre
os
anseios
do
sujeito
poé'co
e
a
situação
de
impotência
vivenciada
e
mostra
porque
é
necessário
par'r
para
outra
civilização
a
utopia:
sexo
livre
e
despreocupação
com
filhos;
tecnologia;
drogas-‐remédio;
sequência
anafórica
36. VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA
utopia & aspectos biográficos
E
quando
eu
es'ver
mais
triste
Mas
triste
de
não
ter
jeito
Quando
de
noite
me
der
Vontade
de
me
matar
–
Lá
sou
amigo
do
rei
–
Terei
a
mulher
que
eu
quero
Na
cama
que
escolherei
Vou-‐me
embora
pra
Pasárgada.
QUINTA
ESTROFE
[a
meta2sica
bandeiriana]
Encontra-‐se,
na
quinta
estrofe,
novamente,
uma
su'l
alusão
aos
elementos
que
mo'vam
a
fuga
do
sujeito
poé'co
do
presente
trágico.
A
morte
[sempre
presente
na
obra
de
Bandeira]
aparece
como
consequência
de
uma
incontornável
e
e
angus'ante
tristeza.
Essa
tristeza
emerge
da
situação
de
impotência
em
que
se
encontra
o
sujeito
poé'co,
entretanto,
reflete
a
fragilidade
da
condição
existencial
de
todo
ser
humano,
que,
dado
às
múl'plas
impossibilidades
do
presente,
acaba
por
sonhar
com
um
mundo
no
qual
a
realização
de
seus
desejos
não
encontrará
obstáculos.
[heranças
barroca,
român'ca
e
simbolista]
37. ESTRELA DA MANHÃ
1936, modernismo [19 poemas]
POEMAS SELECIONADOS
[a plenitude poética]
“Estrela da manhã” “Tragédia brasileira”
“Poema do beco”
“Momento num café” “Trem de ferro”
38. ESTRELA DA MANHÃ
pecado & ternura & lirismo
Eu
quero
a
estrela
da
manhã
Pecai
com
os
malandros
Onde
está
a
estrela
da
manhã?
Pecai
com
os
sargentos
Meus
amigos
meus
inimigos
Pecai
com
os
fuzileiros
navais
Procurem
a
estrela
da
manhã
Pecai
de
todas
as
maneiras
Ela
desapareceu
ia
nua
Com
os
gregos
e
com
os
troianos
Desapareceu
com
quem?
Com
o
padre
e
com
o
sacristão
Procurem
por
toda
a
parte
Com
o
leproso
de
Pouso
Alto
Digam
que
sou
um
homem
sem
orgulho
Depois
comigo
Um
homem
que
aceita
tudo
Te
esperarei
com
mafuás
novenas
Que
me
importa?
[…]
comerei
terra
e
direi
coisas
de
uma
Eu
quero
a
estrela
da
manhã
ternura
tão
simples
que
tu
desfalecerás
Três
dias
e
três
noites
Procurem
por
toda
parte
Fui
assassino
e
suicida
Pura
ou
degredada
até
a
úl'ma
baixeza
Ladrão,
pulha,falsário
Eu
quero
a
estrela
da
manhã
Virgem
mal-‐sexuada
Atribuladora
dos
aflitos
Girafa
de
duas
cabeças
Pecai
por
todos
pecai
com
todos
estrela
da
manhã:
metáfora
da
poesia
bandeiriana
[poesia,
alumbramento,
idéia
de
plenitude]
+
Vênus
[deusa,
planeta]
busca
apaixonada
por
uma
figura
feminina
capaz
de
revelar
diversas
facetas
39. POEMA DO BECO
lirismo social & forma sugere conteúdo
Que
importa
a
paisagem,
a
Glória,
a
baía,
a
linha
do
horizonte?
–
O
que
eu
vejo
é
o
beco.
primeiro
verso:
remete
a
espaços
abertos
[sugestão
fônica:
sons
abertos
+
grande
extensão]
segundo
verso:
remete
a
espaço
fechado
[sugestão
fônica:
sons
fechados
+
pequena
extensão]
opção
por
uma
poé'ca
que
focaliza
as
coisas
simples
do
co'diano
e
que
denuncia
problemas
sociais
aspecto
biográfico
[Beco
das
Carmelitas:
logradouro
onde
o
poeta
viveu
durante
13
anos:
Lapa:
Carmelitas
x
Pros'tutas]
intratextualidade
[o
tema
do
beco
volta
em
“Segunda
canção
do
beco”
e
em
“Úl'ma
canção
do
beco”]
40. TRAGÉDIA BRASILEIRA
intertextualidade inter-gêneros
Misael,
funcionário
da
Fazenda,
com
63
anos
de
idade,
conheceu
Maria
Elvira
na
Lapa
–
pros'tuída,
com
sífilis,
dermite
nos
dedos,
uma
aliança
empenhada
e
os
dentes
em
pe'ção
de
miséria.
Misael
'rou
Maria
Elvira
da
vida,
instalou-‐a
num
sobrado
no
Estácio,
pagou
médico,
den'sta,
manicura...
Dava
tudo
quanto
ela
queria.
Quando
Maria
Elvira
se
apanhou
de
boca
bonita,
arranjou
logo
um
namorado.
Misael
não
queria
escândalo.
Podia
dar
uma
surra,
um
'ro,
uma
facada.
Não
fez
nada
disso:
mudou
de
casa.
Toda
vez
que
Maria
Elvira
arranjava
um
amante,
Misael
mudava
de
casa.
Os
amantes
moraram
no
Estácio,
Rocha,
Catete,
Rua
General
Pedra,
Olaria,
Ramos,
Bonsucesso,
Vila
Isabel,
Rua
Marquês
de
Sapucaí,
Niterói,
Encantado,
Rua
Clapp,
outra
vez
no
Estácio,
Todos
os
Santos,
Catumbi,
Lavradio,
Boca
do
Mato,
Inválidos...
Por
fim
na
Rua
da
Cons'tuição,
onde
Misael,
privado
de
sen'dos
e
de
inteligência,
matou-‐a
com
seis
'ros,
e
a
polícia
foi
encontrá-‐la
caída
em
decúbito
dorsal,
ves'da
de
organdi
azul.
épico
[texto
em
prosa
+
elementos
da
narra'va]
+
lírico
[lirismo
amoroso
+
linguagem]
+
dramá'co
[otulo
+
assassinato]
texto
elaborado
a
par'r
de
uma
noocia
de
jornal
[trabalho
poé'co:
lugares
+
organdi
azul
+
desencontro
dos
amantes]
41. MOMENTO NUM CAFÉ
morte & lirismo metafísico
Quando
o
enterro
passou
Os
homens
que
se
achavam
no
café
Tiraram
o
chapéu
maquinalmente
Saudavam
o
morto
distraídos
Estavam
todos
voltados
para
a
vida
Absortos
na
vida
Confiantes
na
vida.
Um
no
entanto
se
descobriu
num
gesto
largo
e
demorado
Olhando
o
esquife
longamente
Este
sabia
que
a
vida
é
uma
agitação
feroz
e
sem
finalidade
Que
a
vida
é
traição
E
saudava
a
matéria
que
passava
Liberta
para
sempre
da
alma
ex'nta.
forma
[estrofes
irregulares
com
versos
livres
e
brancos]
poesia
extraída
do
co'diano
[uma
simples
cena
de
rua
se
transforma
em
poesia
+
compreensão
dolorosa
e
resignada]
paradoxo-‐materialismo
[saudava
a
matéria
que
passava
liberta
para
sempre
da
alma
ex1nta]
respingos
do
biográfico
[temá'ca
recorrente
+
celebração
da
matéria
liberta]
42. TREM DE FERRO
poesia e invenção
Café
com
pão
Café
com
pão
Café
com
pão
Virge
Maria
que
foi
isto
maquinista?
Agora
sim
Café
com
pão
Agora
sim
Voa,
fumaça
Corre,
cerca
Ai
seu
foguista
Bota
fogo
Na
fornalha
Que
eu
preciso
Muita
força
Muita
força
Muita
força
primeira
estrofe:
a
repe'ção
do
trecho
“café
com
pão”
imita
onomatopaicamente
os
sons
produzidos
pelo
trem
de
ferro
segunda
estrofe:
a
repe'ção
da
vogal
/i/
[Virge
Maria
que
foi
isto
maquinista]
sugere
o
som
produzido
pela
campainha
terceira
estrofe:
o
metro
de
4
sílabas
[muito
curto]
sugere
que
o
trem
se
desloca
rapidamente
pela
estrada
43. TREM DE FERRO
poesia e invenção
Ôô...
Foge,
bicho
Foge,
povo
Passa
povo
Passa
ponte
Passa
poste
Passa
pasto
Passa
boi
Passa
boiada
Passa
galho
De
ingazeira
Debruçada
No
riacho
Que
vontade
De
cantar
o
predomínio
dos
versos
de
três
sílabas
sugere
um
aumento
de
velocidade
no
deslocamento
do
trem;
aliteração
sugere
os
estouros
na
fornalha:
passa
povo/
passa
ponte/
passa
poste/
passa
pasto/
passa
boi/
passa
boiada
44. TREM DE FERRO
poesia e invenção
Ôô...
Quando
me
prendero
No
canaviá
Cada
pé
de
cana
Era
um
oficiá
Ôô...
Menina
bonita
Do
ves'do
verde
Me
dá
tua
boca
Pra
matá
minha
sede
Ôô...
Vou
mimbora
vou
mimbora
Não
gosto
daqui
Nasci
no
sertão
Sou
de
Ouricuri
Ôô...
O
uso
do
metro
pentassílabo
indica
a
diminuição
do
ritmo
O
uso
do
coloquialismo
indica
o
lugar
por
onde
passa
o
trem
[zona
rural]
45. TREM DE FERRO
poesia e invenção
Vou
depressa
Vou
correndo
Vou
na
toda
Que
só
levo
Pouca
gente
Pouca
gente
Pouca
gente
Se
na
estrofe
anterior,
havia
a
presença
do
metro
de
cinco
sílabas,
na
úl'ma
estrofe
do
poema,
usa-‐se
o
metro
de
três
sílabas
=
aumento
da
velocidade
[do
trem]
repe'ção
da
forma
verbal
“vou”
=
reforço
de
sen'do
repe'ção
do
verso
“pouca
gente”
=
onomatopéia
[barulho
produzido
pelo
trem]
46. LIRA DOS CINQÜENT’ANOS
1940, modernismo [20 poemas]
POEMAS SELECIONADOS
[retomada de algumas formas fixas]
“Maçã” “Belo belo”
47. A MAÇÃ
lirismo amoroso & lirismo metafísico
Por
um
lado
te
vejo
como
um
seio
murcho
Pelo
outro
como
um
ventre
de
cujo
umbigo
pende
ainda
o
cordão
[placentário
És
vermelha
como
o
coração
do
amor
divino.
Dento
de
'
em
pequenas
pevides
Palpita
a
vida
prodigiosa
Infinitamente.
E
quedas
tão
simples
Ao
lado
de
um
talher
Num
quarto
pobre
de
hotel.
natureza
morta
[maçã
ou
pros'tuta
dentro
de
um
quarto
de
hotel]
o
quadro
é
composto
por
justaposição
[cena
prosaica
de
uma
refeição
rápida]
a
cena
constrói
num
espaço
de
in'midade
[quarto]
e
mostra
uma
mulher
decaída,
associada
à
cor
vermelha
cor
vermelha
[sexualidade
+
religiosidade:
proposta
de
resgate
poé'co
da
mulher
caída]
seio
murcho
X
cordão
placentário,
pevides
[sementes]
48. BELO BELO
intratextualidade & lirismo metafísico
Há
dois
poemas
com
este
otulo
[intratextualidade]:
no
primeiro,
o
locutor
afirma
ter
tudo
o
que
quer
[fogo
das
constelações,
lágrimas
da
aurora,
segredo
da
noite]
recusa
êxtases
e
tormentos,
o
penar
dos
trabalhos
e
a
dádiva
dos
anjos,
diz
não
querer
amar
nem
ser
amado,
apenas
a
delícia
de
poder
sen1r
as
coisas
simples
o
segundo
poema
é
uma
espécie
de
retratação,
em
que
o
locutor
afirma
ter
tudo
o
que
não
quer
[não
quer
óculos,
tosse
e
obrigação
de
voto],
mas
deseja
coisas
ina'ngíveis
ao
final
do
poema,
o
locutor
reflete
ironicamente:
Mas
basta
de
lero-‐lero:
vida,
noves
fora
zero.
49. BELO BELO
1948, modernismo [13 poemas]
POEMAS SELECIONADOS
[metáforas da aceitação da vida]
“O bicho” “Neologismo”
“A realidade e a imagem”
50. O BICHO
poesia participante & lirismo social
Vi
ontem
um
bicho
Na
imundície
do
pá'o
Catando
comida
entre
os
detritos
Quando
encontrava
alguma
coisa,
Não
examinava
nem
cheirava
Engolia
com
voracidade
O
bicho
não
era
um
cão,
Não
era
um
gato,
Não
era
um
rato.
O
bicho,
meu
Deus,
era
um
homem.
indignação
do
sujeito
poé'co
diante
de
uma
cena
de
exclusão
social
[suspense:
gradação]
51. NEOLOGISMO
lirismo amoroso
Beijo
pouco,
falo
menos
ainda,
Mas
invento
palavras
Que
traduzem
a
ternura
mais
funda
E
mais
co'diana.
Inventei,
por
exemplo,
o
verbo
teadorar
Intransi'vo:
Teadoro,
Teodora.
52. A REALIDADE E A IMAGEM
a metafísica do biográfico
O
arranha-‐céu
sobe
no
ar
puro
lavado
pela
chuva
e
desce
refle'do
na
poça
de
lama
do
pá'o.
Entre
a
realidade
e
a
imagem,
no
chão
seco
que
as
separa,
quatro
pombas
passeiam.
o
locutor
observa
a
paisagem
da
janela
de
seu
apartamento:
cena
prosaica
[poesia
extraída
do
co'diano]
na
qual
se
insere
o
poé'co
[pombas
que
passeiam]
e
o
biográfico
[quarto]
53. OPUS 10
1952, modernismo [09 poemas]
POEMAS SELECIONADOS
[poemas de circunstância]
“Boi morto” “Consoada”
54. BOI MORTO
lirismo metafísico
Como
em
turvas
águas
de
enchente,
Me
sinto
a
meio
submergido
Entre
destroços
do
presente
Dividido,
subdividido,
Onde
rola,
enorme,
o
boi
morto.
boi
[metáfora]
Boi
morto,
boi
morto,
boi
morto.
[reflexão
sobre
o
des'no
do
corpo
humano
no
tempo]
Árvores
da
paisagem
calma,
Convosco
–
altas,
tão
marginais!
–
retomada
do
metro
octossilábico
+
repe'ção
[boi:
16
vezes]
Fica
a
alma,
a
atônita
alma,
Atônita
para
jamais.
metáfora
Que
o
corpo,
esse
vai
como
boi
morto.
[entre
os
destroços
do
presente,
o
sujeito
poé'co]
Boi
morto,
boi
morto,
boi
morto.
[sente-‐se
esfacelado:
seu
corpo
é
como
o
boi
morto]
Boi
morto,
boi
descomedido,
repe'ção
[fixa
a
idéia
do
fluxo
do
tempo
q
leva
o
homem
e
o
boi]
Boi
espantosamente,
boi
Morto,
sem
forma
ou
sen'do
Ou
significado.
O
que
foi
Ninguém
sabe.
Agora
é
boi
morto,
Boi
morto,
boi
morto,
boi
morto!
55. CONSOADA
lirismo metafísico & enfrentando a morte
Quando
a
Indesejada
das
gentes
chegar
(Não
sei
se
dura
ou
caroável),
Talvez,
eu
tenha
medo.
Talvez
eu
sorria
e
diga:
–
Alô,
iniludível!
O
meu
dia
foi
bom,
pode
a
noite
descer,
(A
noite
com
os
seus
sor'légios)
Encontrará
lavrado
o
campo,
a
casa
limpa,
A
mesa
posta
Cada
coisa
em
seu
lugar.
apenas
do
nome
[consoada:
pequena
refeição
noturna],
trata-‐se
de
um
poema
que
fala
da
preparação
para
a
morte
o
tom
do
poema
é
de
apaziguamento,
de
aceitação
[o
locutor
se
mostra
familiarizado
com
a
morte]
intertexto
[A
desejada
das
gentes,
conto
de
Machado
de
Assis]
56. ESTRELA DA TARDE
1960, modernismo [19 poemas]
POEMAS SELECIONADOS
[a volta de Vésper]
“Preparação para a morte”
57. PREPARAÇÃO PARA A MORTE
lirismo metafísico & enfrentando a morte
A
vida
é
um
milagre,
Cada
flor,
Com
sua
forma,
sua
cor,
seu
aroma,
Cada
flor
é
um
milagre,
Cada
pássaro,
Com
sua
plumagem,
seu
vôo,
seu
canto,
Cada
pássaro
é
um
milagre,
O
espaço,
infinito,
O
espaço
é
um
milagre.
O
tempo,
infinito,
O
tempo
é
um
milagre.
A
memória
é
um
milagre.
A
consciência
é
um
milagre.
Tudo
é
milagre.
Tudo,
menos
a
morte.
–
Bendita
a
morte,
que
é
o
fim
de
todos
os
milagres.