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A poesia de Manuel Bandeira
         Manoel Neves
A PRIMEIRA GERAÇÃO DO MODERNISMO
a sedimentação da literatura e da identidade brasileiras
fase iconoclasta: quer romper com o passado literário-cultural;
        anarquismo: “não sabemos o que queremos”;
      eleição do moderno como um valor em si mesmo;
          busca de originalidade a qualquer preço;
                luta contra o tradicionalismo;
         juízos de valor sobre a realidade brasileira;
              valorização poética do cotidiano;
           nacionalismo xenófobo e intransigente.
A PRIMEIRA GERAÇÃO DO MODERNISMO
a sedimentação da literatura e da identidade brasileiras
fase iconoclasta: quer romper com o passado literário-cultural;
        anarquismo: “não sabemos o que queremos”;
      eleição do moderno como um valor em si mesmo;
          busca de originalidade a qualquer preço;
                luta contra o tradicionalismo;
         juízos de valor sobre a realidade brasileira;
              valorização poética do cotidiano;
           nacionalismo xenófobo e intransigente.
TEMÁTICAS
                            poesia e vida
 morte	
       doença	
                      amor	
         ero'smo	
  

solidão	
     meta2sica	
                   infância	
        paixão	
  

saudade	
        arte	
                     poesia	
       modernismo	
  
AS FASES DE BANDEIRA
                                   poesia e modernismo
                                     PRIMEIRA FASE
                   [neoparnasianismo, neo-simbolismo, modernismo]


  A cinza das horas [1917]               Carnaval [1919]              O ritmo dissoluto [1924]

                                     SEGUNDA FASE
                                [a cristalização do modernismo]


                     Libertinagem [1930]            Estrela da manhã [1936]

                                     TERCEIRA FASE
                             [maturidade: a estabilidade criadora]


Lira dos cinqu’entanos [1940]            Belo belo [1948]             Mafuá do malungo [1948]

                       Opus 10 [1930]                Estrela da tarde [1960]
A CINZA DAS HORAS
                      1917, simbolismo [07 poemas]
                               ASPECTOS FORMAIS
                     [influências parnasianas e simbolistas]


formas	
  fixas	
     versos	
  [rima,	
  métrica]	
     lirismo	
  tradicional	
     classicizante	
  e	
  medieval	
  

                            ASPECTOS TEMÁTICOS
                     [período inicial da tuberculose do poeta]


      dor	
                    doença	
                         morte	
                         solidão	
  

                          POEMAS SELECIONADOS
                               [uma poética penumbrista]


                                            “Desencanto”

                                     “Cartas de meu avô”

                                        “Poemeto erótico”
DESENCANTO
                                       metalinguagem & lirismo amoroso
  Eu	
  faço	
  versos	
  como	
  quem	
  chora	
                    quase	
  soneto	
  [dois	
  quartetos,	
  um	
  terceto	
  e	
  um	
  verso	
  solto]	
  
  De	
  desalento...	
  de	
  desencanto...	
  
     Fecha	
  meu	
  livro,	
  se	
  por	
  agora	
               versos	
  rimados	
  e	
  metrificados	
  [eneassílabos,	
  rimas	
  alternadas]	
  
 Não	
  tens	
  mo'vo	
  nenhum	
  de	
  pranto.	
  
                                                                 função	
  catár'ca	
  [poesia	
  associada	
  a	
  expressão	
  dos	
  sen'mentos]	
  
Meu	
  verso	
  é	
  sangue.	
  Volúpia	
  ardente...	
  
  Tristeza	
  esparsa...	
  remorso	
  vão...	
              visão	
  român'ca,	
  tradicional,	
  da	
  poesia	
  [extravasamento	
  subje'vidade]	
  
 Dói-­‐me	
  nas	
  veias.	
  Amargo	
  e	
  quente,	
  
       Cai,	
  gota	
  a	
  gota,	
  do	
  coração.	
                                           representação	
  do	
  leitor	
  

    E	
  nestes	
  versos	
  de	
  angús'a	
  rouca	
               a	
  poesia	
  está	
  associada	
  à	
  expressão	
  da	
  interioridade	
  e	
  à	
  vida	
  
         Assim	
  dos	
  lábios	
  a	
  vida	
  corre,	
  
    Deixando	
  um	
  acre	
  sabor	
  na	
  boca.	
         lirismo	
  amoroso	
  +	
  fusão	
  do	
  lírico	
  com	
  o	
  biográfico	
  [sofrimento,	
  morte]	
  

  –	
  Eu	
  faço	
  versos	
  como	
  quem	
  morre.	
                            metalinguagem	
  [a	
  poesia	
  fala	
  da	
  poesia]	
  
CARTAS DE MEU AVÔ
                                    lirismo amoroso &formas tradicionais
      A	
  tarde	
  cai,	
  por	
  demais	
                   E	
  enquanto	
  anoitece,	
  vou	
                                Enternecido	
  sorrio	
  
     Erma,	
  úmida	
  e	
  silente...	
                          Lendo	
  sossegado	
  e	
  só,	
                        Do	
  fervor	
  desses	
  carinhos:	
  
   A	
  chuva,	
  em	
  gotas	
  glaciais,	
                     As	
  cartas	
  que	
  meu	
  avô	
                      É	
  que	
  os	
  conheci	
  velhinhos,	
  
     Chora	
  monotonamente	
                                      Escrevia	
  a	
  minha	
  avó.	
                        Quando	
  o	
  fogo	
  era	
  já	
  frio.	
  
               forma	
  [quadras	
  +	
  heptassílabos	
  +	
  vocabulário	
  seleto]	
  +	
  lirismo	
  amoroso	
  [ternura	
  e	
  sensibilidade]	
  

 Cartas	
  de	
  antes	
  do	
  noivado...	
               Temendo	
  a	
  cada	
  momento	
                                     A	
  mão	
  pálida	
  tremia	
  
 Cartas	
  de	
  amor	
  que	
  começa,	
                     Ofendê-­‐la,	
  desgostá-­‐la,	
                          Contando	
  o	
  seu	
  grande	
  bem.	
  
       Inquieto,	
  maravilhado,	
                        Quer	
  ler	
  em	
  seu	
  pensamento	
                            Mas,	
  como	
  o	
  dele,	
  ba'a	
  
    E	
  sem	
  saber	
  o	
  que	
  peça.	
                     E	
  balbucia,	
  não	
  fala...	
                           Dela	
  o	
  coração	
  também.	
  
  A	
  paixão,	
  medrosa,	
  dantes,	
                   Depois	
  o	
  espinho	
  do	
  ciúme...	
                    E	
  eu	
  bendigo,	
  envergonhado,	
  
  Cresceu,	
  dominou-­‐o	
  todo.	
                        A	
  dor...	
  a	
  visão	
  da	
  morte...	
                    Esse	
  amor,	
  avô	
  do	
  meu...	
  
   E	
  as	
  confissões	
  hesitantes	
                   Mas,	
  calmado	
  o	
  vento,	
  o	
  lume	
                 Do	
  meu	
  –	
  fruto	
  sem	
  cuidado	
  
   Mudaram	
  logo	
  de	
  modo.	
                      Brilhou,	
  mais	
  puro	
  e	
  mais	
  forte.	
               Que	
  inda	
  verde	
  apodreceu.	
  
                                 lirismo	
  amoroso	
  [o	
  amor	
  dos	
  avós	
  alimenta	
  o	
  amor	
  do	
  sujeito	
  poé'co]	
  

O	
  meu	
  semblante	
  está	
  enxuto.	
                   E	
  a	
  noite	
  vem,	
  por	
  demais	
                     E	
  enquanto	
  anoitece,	
  vou	
  
Mas	
  a	
  alma,	
  em	
  gotas	
  mansas,	
                    Erma,	
  úmida	
  e	
  silente...	
                          Lendo,	
  sossegado	
  e	
  só,	
  
      Chora,	
  abismada	
  no	
  luto	
                     A	
  chuva	
  em	
  pingos	
  glaciais,	
                         As	
  cartas	
  que	
  meu	
  avô	
  
 Das	
  minhas	
  desesperanças...	
                              Cai	
  melancolicamente.	
                                     Escrevia	
  a	
  minha	
  avó.	
  
POEMETO ERÓTICO
                                      lirismo amoroso & metalinguagem
                           Teu	
  corpo	
  claro	
  e	
  perfeito	
                      Teu	
  corpo	
  é	
  chama	
  e	
  flameja	
  
                            Teu	
  corpo	
  de	
  maravilha	
                            Como	
  à	
  tarde	
  os	
  horizontes...	
  
                            Quero	
  possuí-­‐lo	
  no	
  leito	
                          É	
  puro	
  como	
  nas	
  fontes	
  
                             Estreito	
  da	
  redondilha	
                               A	
  água	
  clara	
  que	
  serpeja,	
  
                      Teu	
  corpo	
  é	
  tudo	
  o	
  que	
  cheira...	
               Que	
  em	
  can'gas	
  se	
  derrama	
  
                         Rosa...	
  flor	
  de	
  laranjeira...	
                       Volúpia	
  da	
  água	
  e	
  da	
  chama...	
  
                          Teu	
  corpo,	
  branco	
  e	
  macio,	
                       A	
  todo	
  momento	
  o	
  vejo...	
  
                         É	
  como	
  um	
  véu	
  de	
  noivado...	
                      Teu	
  corpo...	
  a	
  única	
  ilha	
  
                                                                                        No	
  oceano	
  do	
  meu	
  desejo...	
  
                         Teu	
  corpo	
  é	
  pomo	
  doirado...	
  
                                                                                       Teu	
  corpo	
  é	
  tudo	
  o	
  que	
  brilha,	
  
                           Rosal	
  queimado	
  do	
  es'o,	
                         Teu	
  corpo	
  é	
  tudo	
  o	
  que	
  cheira...	
  
                           Desfalecido	
  em	
  perfume...	
                             Rosa,	
  flor	
  de	
  laranjeira...	
  
                                                        Teu	
  corpo	
  é	
  a	
  brasa	
  do	
  lume...	
  
                                             forma	
  [redondilha	
  maior,	
  irregularidade	
  estrófica]	
  

lirismo	
  amoroso	
  [metáforas	
  sucessivas:	
  celebra-­‐se	
  a	
  paixão	
  pelo	
  corpo	
  da	
  amada:	
  elogio	
  +	
  celebra	
  entusia'camente]	
  

                                   caráter	
  sensual	
  [re'cências	
  e	
  caráter	
  sinestésico	
  +	
  pomo	
  doirado]	
  

                                        metáforas	
  ígneas	
  [rosal	
  queimado	
  no	
  es'o,	
  brasa,	
  chama]	
  
CARNAVAL
                  1918, simbolismo [04 poemas]
                          ASPECTOS FORMAIS
           [simbolismo, livra-se da influência parnasiana]


    formas	
  fixas	
                caráter	
  irônico	
             caráter	
  impressionista	
  

                         ASPECTOS TEMÁTICOS
         [anti-parnasianismo, defesa da liberdade formal]


an'-­‐parnasianismo	
       grande	
  volume	
  de	
  símbolos	
          musicalidade	
  

                         POEMAS SELECIONADOS
                         [sapos e símbolos e músicas]


                                     “Os sapos”

                                 “Alumbramento”

                                     “Debussy”
OS SAPOS
                                        liberdade poética & metalinguagem
                                   Enfunando	
  os	
  papos,	
                                     Em	
  ronco	
  que	
  aterra,	
  
                                   Saem	
  da	
  penumbra,	
                                         Berra	
  o	
  sapo-­‐boi	
  
                                   Aos	
  pulos,	
  os	
  sapos.	
                          -­‐	
  "Meu	
  pai	
  foi	
  à	
  guerra!"	
  
                                    A	
  luz	
  os	
  deslumbra.	
                 -­‐	
  "Não	
  foi!"	
  -­‐	
  "Foi!"	
  -­‐	
  "Não	
  foi!"	
  
notem-­‐se	
  as	
  a'tudes	
  exibicionistas	
  dos	
  sapos	
  [poetas	
  parnasianos]	
  e	
  seu	
  deslumbre	
  pela	
  luz	
  [gostam	
  de	
  publicidade]	
  

         O	
  sapo	
  tanoeiro,	
                                Vede	
  como	
  primo	
                                         O	
  meu	
  verso	
  é	
  bom	
  
       Parnasiano	
  aguado,	
                                  Em	
  comer	
  os	
  hiatos!	
                                   Frumento	
  sem	
  joio.	
  
      Diz:	
  -­‐	
  "Meu	
  cancioneiro	
                     Que	
  arte!	
  E	
  nunca	
  rimo	
                                 Faço	
  rimas	
  com	
  
         É	
  bem	
  martelado:	
                               Os	
  termos	
  cognatos.	
                                     Consoantes	
  de	
  apoio.	
  
          metalinguagem	
  irônica	
  [aponta-­‐executa	
  ironicamente	
  recursos]:	
  crí'ca	
  ao	
  sapo	
  tanoeiro	
  [parnasiano]	
  

       Vai	
  por	
  cinqüenta	
  anos	
                           Clama	
  a	
  saparia	
  
                                                                                                                                        Urra	
  o	
  sapo-­‐boi:	
  
       Que	
  lhes	
  dei	
  a	
  norma:	
                      Em	
  crí'cas	
  cé'cas:	
  
                                                                                                                              -­‐	
  "Meu	
  pai	
  foi	
  rei!"	
  -­‐	
  "Foi!"	
  
         Reduzi	
  sem	
  danos	
                              Não	
  há	
  mais	
  poesia,	
  
                                                                                                                      -­‐	
  "Não	
  foi!"	
  -­‐	
  "Foi!"	
  -­‐	
  "Não	
  foi!"	
  
         A	
  formas	
  a	
  forma.	
                         Mas	
  há	
  artes	
  poé'cas..."	
  
                     apropriação	
  irônica	
  do	
  discurso	
  parnasiano:	
  Não	
  há	
  mais	
  poesia,	
  mas	
  há	
  artes	
  poé1cas	
  
OS SAPOS
                                  liberdade poética & metalinguagem
      Brada	
  em	
  um	
  assomo	
                        Ou	
  bem	
  de	
  estatuário	
                               Outros,	
  sapos-­‐pipas	
  
         O	
  sapo-­‐tanoeiro:	
                            Tudo	
  quanto	
  é	
  belo,	
                               (Um	
  mal	
  em	
  si	
  cabe)	
  
-­‐	
  "A	
  grande	
  arte	
  é	
  como	
                 Tudo	
  quanto	
  é	
  vário,	
                                Falam	
  pelas	
  tripas:	
  
        Lavor	
  de	
  joalheiro.	
                         Canta	
  no	
  martelo".	
                        -­‐	
  "Sei!"	
  -­‐	
  "Não	
  sabe!"	
  -­‐	
  "Sabe!"	
  
   apropriação	
  paródica	
  do	
  poema	
  “Profissão	
  de	
  Fé”,	
  de	
  Olavo	
  Bilac	
  [Torce,	
  aprimora,	
  alteia,	
  lima	
  a	
  frase]	
  

 Longe	
  dessa	
  gritaria	
                              Lá,	
  fugido	
  ao	
  mundo,	
                                  Que	
  soluças	
  tu,	
  
  Lá	
  onde	
  mais	
  densa	
                             Sem	
  glória,	
  sem	
  fé,	
                                  Transido	
  de	
  frio	
  
     A	
  noite	
  infinita	
                                No	
  perau	
  profundo	
                                         Sapo-­‐cururu	
  
Verte	
  a	
  sombra	
  imensa.	
                                  E	
  solitário	
  é	
                                    Da	
  beira	
  do	
  rio.	
  
sapo	
  cururu:	
  poesia	
  autên'ca,	
  despida	
  de	
  ar'ficialismos,	
  moderna	
  e	
  popular	
  [defesa	
  da	
  poesia	
  modernista]	
  
ALUMBRAMENTO
                                   sensualidade & lirismo amoroso
                 Eu	
  vi	
  os	
  céus!	
  Eu	
  vi	
  os	
  céus!	
                 Nem	
  uma	
  nuvem	
  de	
  amargura	
  
                 Oh,	
  essa	
  angélica	
  brancura	
                                    Vem	
  a	
  alma	
  desassossegar.	
  
                Sem	
  tristes	
  pejos	
  e	
  sem	
  véus!	
                       E	
  sinto-­‐a	
  bela...	
  e	
  sinto-­‐a	
  pura...	
  
                   Eu	
  vi	
  nevar!	
  Eu	
  vi	
  nevar!	
                            Eu	
  vi	
  o	
  mar!	
  Lírios	
  de	
  espuma	
  
                 Oh,	
  cristalizações	
  da	
  bruma	
                                    Vinham	
  desabrochar	
  à	
  flor	
  
                    A	
  amortalhar	
  a	
  cin'lar!	
                              Da	
  água	
  que	
  o	
  vento	
  desapruma...	
  
                  Eu	
  vi	
  a	
  estrela	
  do	
  pastor...	
                            E	
  vi	
  a	
  Via-­‐Láctea	
  ardente...	
  
                  Vi	
  a	
  licorne	
  alvininente!...	
                            Vi	
  comunhões...	
  capela...	
  véus...	
  
                 Vi...	
  vi	
  o	
  rastro	
  do	
  Senhor!...	
                          Súbito...	
  alucinadamente...	
  
                                                      Vi	
  carros	
  triunfais...	
  troféus...	
  
                                                      Pérolas	
  grandes	
  como	
  a	
  lua...	
  
                                                        Eu	
  vi	
  os	
  céus!	
  Eu	
  vi	
  os	
  céus!	
  
                                                       –	
  Eu	
  vi-­‐a	
  nua...	
  toda	
  nua!	
  
                                         forma	
  [versos	
  octossilábicos	
  e	
  rimas	
  alternadas]	
  

ní'da	
  influência	
  simbolista	
  [reiterado	
  uso	
  de	
  símbolos	
  que	
  sugerem	
  o	
  objeto	
  de	
  desejo	
  do	
  sujeito	
  poé'co]	
  

               fusão	
  do	
  lírico	
  e	
  do	
  mís'co	
  [reúne	
  impulso	
  eró'co,	
  emoção	
  poé'ca	
  e	
  êxtase	
  mís'co]	
  

   o	
  termo	
  alumbramento	
  será	
  retomado	
  mais	
  tarde,	
  em	
  Liber1nagem,	
  para	
  se	
  referir	
  à	
  nudez	
  feminina	
  
DEBUSSY
                     musicalidade & liberdade formal
               Para	
  cá,	
  para	
  lá...	
  
               Para	
  cá,	
  para	
  lá...	
  
               Um	
  novelozinho	
  de	
  linha...	
  
               Para	
  cá,	
  para	
  lá...	
  
               Para	
  cá,	
  para	
  lá...	
  
               Oscila	
  no	
  ar	
  pela	
  mão	
  de	
  uma	
  criança	
  
               (Vem	
  e	
  vai...)	
  
               Que	
  delicadamente	
  e	
  quase	
  a	
  adormecer	
  o	
  balança	
  
               –	
  Psiu...	
  –	
  
               Para	
  cá,	
  para	
  lá...	
  
               Para	
  cá	
  e...	
  
               –	
  O	
  novelozinho	
  caiu.	
  
forma	
  [versos	
  livres	
  e	
  brancos	
  –	
  antecipa	
  a	
  liberdade	
  formal	
  do	
  modernismo	
  brasileiro]	
  

música	
  [repe'ções	
  +	
  anáfora	
  +	
  homenagem	
  ao	
  compositor	
  francês	
  –	
  caráter	
  simbolista]	
  

            ternura	
  [presença	
  de	
  uma	
  imagem	
  encantadora	
  +	
  uso	
  de	
  diminu'vos]	
  
O RITMO DISSOLUTO
                                   1924, modernismo [09 poemas]
                                             ASPECTOS FORMAIS
                                [transição: entre a tradição e a modernidade]


   métrica	
  e	
  rima	
        simplicidade,	
  coloquialismo	
           prosaísmo	
                   versos	
  livres	
  

                                          ASPECTOS TEMÁTICOS
                                     [uma poesia participante e cotidiana]


elementos	
  populares	
              imagens	
  brasileiras	
        aspectos	
  biográficos	
       poesia	
  par'cipante	
  

                                        POEMAS SELECIONADOS
                                                   [um poeta moderno]


      “Balada de Santa Maria Egipcíaca”                                                      “Os sinos”

                              “Gesso”                                                       “Berimbau”
BALADA DE SANTA MARIA EGIPCÍACA
                                                  religiosidade & erotismo
                         fontes	
  [poema	
  inspirado	
  num	
  romance	
  –	
  narra'va	
  –	
  espanhol	
  do	
  século	
  XII]	
  

                                [conta-­‐se	
  a	
  história	
  de	
  Maria	
  do	
  Egito:	
  pros'tuta	
  que	
  virou	
  santa]c	
  

      certa	
  feita,	
  ia	
  atravessar	
  o	
  rio	
  e	
  não	
  'nha	
  dinheiro;	
  então,	
  oferece	
  [a	
  pedido	
  do	
  barqueiro]	
  sua	
  nudez	
  

                                                            forma	
  [versos	
  livres	
  e	
  brancos]	
  

   antecipa	
  de	
  certa	
  forma	
  a	
  mulher	
  degredada	
  que	
  é	
  redimida	
  pelo	
  olhar	
  do	
  sujeito	
  poé'co	
  [lirismo	
  social]	
  

o	
  lirismo	
  social	
  também	
  está	
  presente	
  em	
  “Meninos	
  carvoeiros”,	
  que	
  denuncia	
  a	
  pobreza	
  e	
  o	
  trabalho	
  infan'l	
  
OS SINOS
                                    fusão lírico-biográfico & musicalidade
                         Sino	
  de	
  Belém,	
  
                        Sino	
  da	
  Paixão...	
  
                         Sino	
  de	
  Belém,	
                                                  sino	
  [metáfora	
  polissêmica]	
  
                        Sino	
  da	
  Paixão...	
  
                       Sino	
  do	
  Bonfim!...	
                                                 Belém	
  [celebração	
  da	
  vida]	
  
                       Sino	
  do	
  Bonfim!...	
  
    Sino	
  de	
  Belém,	
  pelos	
  que	
  ainda	
  vêm!	
                             Paixão	
  [constatação	
  do	
  poder	
  da	
  morte]	
  
        Sino	
  de	
  Belém	
  bate	
  bem-­‐bem-­‐bem.	
  
                                                                                        Bomfim	
  [antevisão	
  da	
  finitude	
  humana]	
  
          Sino	
  da	
  Paixão,	
  pelos	
  que	
  lá	
  vão!	
  
         Sino	
  da	
  Paixão	
  bate	
  bão-­‐bão-­‐bão.	
                                           notações	
  biográficas	
  
  Sino	
  do	
  Bonfim,	
  por	
  quem	
  chora	
  assim?...	
  
         Sino	
  de	
  Belém,	
  que	
  graça	
  ele	
  tem!	
                referências	
  explícitas	
  à	
  morte	
  [pai,	
  mãe,	
  irmã,	
  irmão]	
  
        Sino	
  de	
  Belém	
  bate	
  bem-­‐bem-­‐bem.	
  
                                                                                   angús'a	
  ante	
  a	
  constatação	
  da	
  morte	
  iminente	
  
         Sino	
  da	
  Paixão	
  –	
  pela	
  minha	
  irmã!	
  
         Sino	
  da	
  Paixão	
  –	
  pela	
  minha	
  mãe!	
                   forma	
  [decassílabos,	
  pentassílabos,	
  onomatopéias]	
  
      Sino	
  do	
  Bonfim,	
  que	
  vai	
  ser	
  de	
  mim?	
  
           Sino	
  de	
  Belém,	
  como	
  soa	
  bem!	
                      a	
  alusão	
  aos	
  aspectos	
  biográficos	
  [tuberculose,	
  morte]	
  
        Sino	
  de	
  Belém	
  bate	
  bem-­‐bem-­‐bem.	
  
                                                                                também	
  aparece	
  em	
  “Na	
  rua	
  do	
  sabão”,	
  deste	
  livro	
  
Sino	
  da	
  Paixão...	
  Por	
  meu	
  pai?...	
  –	
  Não!	
  Não...	
  
         Sino	
  da	
  Paixão	
  bate	
  bão-­‐bão-­‐bão.	
  
         Sino	
  do	
  Bonfim,	
  baterás	
  por	
  mim?	
  
GESSO
                                      esteticismo & tensão poético-prosaico
              Esta	
  minha	
  estatuazinha	
  de	
  gesso,	
  quando	
  nova	
  
              –	
  O	
  gesso	
  muito	
  branco,	
  as	
  linhas	
  muito	
  puras	
  –	
  
              Mal	
  sugeria	
  imagem	
  de	
  vida	
  
              (Embora	
  a	
  figura	
  chorasse).	
  
              Há	
  muitos	
  anos	
  tenho-­‐a	
  comigo.	
  
              O	
  tempo	
  envelheceu-­‐a,	
  carcomeu-­‐a,	
  manchou-­‐a	
  de	
  pá'na	
  amarelo-­‐suja.	
  
     forma	
  [versos	
  livres	
  e	
  brancos]	
  +	
  metáfora	
  [estátua	
  representa	
  a	
  condição	
  humana	
  –	
  viver	
  é	
  sujar,	
  é	
  murchar]	
  

              Os	
  olhos,	
  de	
  tanto	
  a	
  ollharem,	
  
              Impregnaram-­‐na	
  da	
  minha	
  humanidade	
  irônica	
  de	
  osico.	
  
              Um	
  dia	
  mão	
  estúpida	
  
              Inadver'damente	
  a	
  derrubou	
  e	
  par'u.	
  
              Então	
  ajoelhei	
  com	
  raiva,	
  recolhi	
  aqueles	
  tristes	
  fragmentos,	
  
              recompus	
  a	
  figurinha	
  que	
  chorava.	
  
              E	
  o	
  tempo	
  sobre	
  as	
  feridas	
  escureceu	
  ainda	
  mais	
  o	
  sujo	
  mordente	
  de	
  pá'na.	
  
fusão	
  do	
  lírico	
  com	
  o	
  biográfico	
  +	
  humanização	
  da	
  estátua	
  +	
  o	
  poé'co	
  supera	
  o	
  prosaico	
  [micro-­‐narra'va	
  +	
  co'diano]	
  

              Hoje	
  este	
  gessozinho	
  comercial	
  
              É	
  tocante	
  e	
  vive,	
  e	
  me	
  fez	
  agora	
  refle'r	
  
              Que	
  só	
  é	
  verdadeiramente	
  vivo	
  o	
  que	
  já	
  sofreu.	
  
BERIMBAU
                       musicalidade & imagens brasileiras
                            Os	
  aguapés	
  dos	
  aguaçais	
  
                            Nos	
  igapós	
  dos	
  Japurás	
  
                            Bolem,	
  bolem,	
  bolem.	
  
                            Chama	
  o	
  saci:	
  –	
  Si	
  si	
  si	
  si!	
  
                            –	
  Ui	
  ui	
  ui	
  ui	
  ui!	
  uiva	
  a	
  iara	
  
                            nos	
  aguaçais	
  dos	
  igapós	
  
                            Dos	
  Japurás	
  e	
  dos	
  Purus.	
  
                            A	
  mameluca	
  é	
  uma	
  maluca.	
  
                            Saiu	
  sozinha	
  da	
  maloca	
  –	
  
                            O	
  boto	
  bate	
  –	
  bite	
  bite...	
  
                            Quem	
  ofendeu	
  a	
  mameluca?	
  
                            –	
  Foi	
  o	
  boto!	
  
                            O	
  Cussaruim	
  bota	
  quebrantos.	
  
                            Nos	
  aguaçais	
  os	
  aguapés	
  
                            –	
  Cruz,	
  canhoto!	
  –	
  
                            Bolem…	
  Peraus	
  dos	
  Japurás	
  
                            De	
  assombramentos	
  e	
  de	
  espantos!...	
  
forma	
  [predomínio	
  de	
  octossílabos]	
  +	
  vocabulário	
  amazonense	
  [aguapés,	
  Japurá,	
  igapós,	
  purus]	
  

           folclore	
  [saci,	
  iara,	
  cussaruim,	
  boto	
  –	
  peixe	
  que	
  'ra	
  a	
  virgindade	
  das	
  mulheres]	
  

   musicalidade	
  [onomatopéias	
  e	
  paronomásias]	
  +	
  poesia	
  brasileira,	
  versá'l	
  e	
  bem-­‐humorada	
  
LIBERTINAGEM
                           1930, modernismo [15 poemas]
                                     ASPECTOS FORMAIS
                             [libertação dos modelos tradicionais]


versos	
  brancos	
      simplicidade,	
  coloquialismo	
           prosaísmo	
                  versos	
  livres	
  

                                  ASPECTOS TEMÁTICOS
                                   [cenas e imagens brasileiras]


lirismo	
  amoroso	
          imagens	
  brasileiras	
        aspectos	
  biográficos	
      liberdade	
  alucinante	
  

                                POEMAS SELECIONADOS
                                      [anseio de liberdade vital]


                “Pensão familiar”                                                    “O cacto”

                  “Pneumotórax”                                                      “Poética”

              “Porquinho da Índia”                                           “Evocação do Recife”

                “Profundamente”                                      “Vou-me embora pra Pasárgada”
PENSÃO FAMILIAR
                                           modernismo & crítica à burguesia
                                     Jardins	
  da	
  pensãozinha	
  burguesa.	
  
                                     Gatos	
  espapaçados	
  ao	
  sol.	
  
                                     A	
  'ririca	
  si'a	
  os	
  canteiros	
  chatos.	
  
                                     O	
  sol	
  acaba	
  de	
  crestar	
  as	
  boninas	
  que	
  murcharam.	
  
                                     Os	
  girassóis	
  
                                                        	
                	
  amarelo!	
  
                                                        	
                	
               	
         	
  resistem.	
  
                                     E	
  as	
  dálias,	
  rechonchudas,	
  plebéias,	
  dominicais.	
  
                                     Um	
  ga'nho	
  fez	
  pipi.	
  
                                     Com	
  gestos	
  de	
  garçom	
  de	
  restaurante-­‐Palace	
  
                                     Encobre	
  cuidadosamente	
  a	
  mijadinha.	
  
                                     Sai	
  vibrando	
  com	
  elegância	
  a	
  pa'nha	
  direita:	
  
                                     –	
  É	
  a	
  única	
  criatura	
  fina	
  da	
  pensãozinha	
  burguesa.	
  	
  
   pensão:	
  espaço	
  burguês;	
  primeira	
  estrofe:	
  sequências	
  descri'vas	
  +	
  assonância	
  +	
  aspecto	
  visual	
  +	
  caráter	
  plás'co];	
  

     segunda	
  estrofe:	
  sequência	
  narra'va	
  +	
  uso	
  figurado	
  [e	
  ambíguo]	
  do	
  diminu'vo;	
  poema	
  prosaico	
  x	
  lirismo	
  social;	
  

       diminu'vo:	
  ga'nho,	
  mijadinha,	
  pa'nha	
  x	
  pensãozinha	
  [afe'vidade	
  x	
  ironia]:	
  crí'ca	
  aos	
  costumes	
  burgueses;	
  

crí'ca:	
  não-­‐refinamento	
  da	
  burguesia	
  +	
  à	
  ostentação	
  de	
  aparências	
  +	
  valorização	
  do	
  co'diano	
  +	
  versos	
  livres	
  e	
  brancos	
  
O CACTO
                                        caráter plástico & paisagem brasileira
                            Aquele	
  cacto	
  lembrava	
  os	
  gestos	
  desesperados	
  de	
  estatuária:	
  
                            Laocoonte	
  constrangido	
  pelas	
  serpentes.	
  
                            Ugolino	
  e	
  os	
  filhos	
  esfaimados.	
  
                            Evocava	
  também	
  o	
  seco	
  nordeste,	
  carnaubais,	
  caa'ngas...	
  
                            Era	
  enorme,	
  mesmo	
  para	
  esta	
  terra	
  de	
  feracidades	
  excepcionais.	
  
                            Um	
  dia	
  um	
  tufão	
  furibundo	
  abateu-­‐o	
  pela	
  raiz.	
  
                            O	
  cacto	
  tombou	
  atravessado	
  na	
  rua,	
  
                            Quebrou	
  os	
  beirais	
  do	
  casario	
  fronteiro,	
  
                            Impediu	
  o	
  trânsito	
  de	
  bondes,	
  automóveis,	
  carroças,	
  
                            Arrebentou	
  os	
  cabos	
  elétricos	
  e	
  durante	
  vinte	
  e	
  quatro	
  horas	
  
                            [privou	
  a	
  cidade	
  de	
  iluminação	
  e	
  energia.	
  
                            –	
  Era	
  belo,	
  áspero,	
  intratável.	
  
poesia	
  extraída	
  do	
  co'diano	
  [poema	
  inspirado	
  em	
  fato	
  real:	
  um	
  grande	
  cacto,	
  arrastado	
  pelo	
  vento,	
  tombou	
  numa	
  avenida]	
  

                                 comparações	
  [Laocoonte:	
  personagem	
  da	
  Eneida:	
  esmagado	
  por	
  serpentes]	
  

   comparações	
  [Ugolino:	
  personagens	
  da	
  história	
  italiana,	
  aparecem	
  na	
  Divina	
  comédia;	
  morreram	
  de	
  fome	
  numa	
  torre]	
  

  comparações	
  [Nordeste:	
  aspereza,	
  resistência;	
  desespero,	
  dor	
  do	
  drama	
  humano;	
  vegetal	
  retorcido	
  pela	
  dor,	
  que	
  resiste]	
  
PNEUMOTÓRAX
                                         lírico-biográfico & auto-ironia
                     Febre,	
  hemop'se,	
  dispnéia	
  e	
  suores	
  noturnos.	
  
                     A	
  vida	
  inteira	
  que	
  podia	
  ter	
  sido	
  e	
  que	
  não	
  foi.	
  
                     Tosse,	
  tosse,	
  tosse.	
  
                     Mandou	
  chamar	
  o	
  médico:	
  
                     –	
  Diga	
  trinta	
  e	
  três.	
  
                     –	
  Trinta	
  e	
  três...	
  trinta	
  e	
  três...	
  trinta	
  e	
  três.	
  
                     –	
  Respire.	
  
                     ................................................................................................	
  
                     –	
  O	
  senhor	
  tem	
  uma	
  escavação	
  no	
  pulmão	
  esquerdo	
  
                     [e	
  o	
  pulmão	
  direito	
  infiltrado.	
  
                     –	
  Então,	
  doutor,	
  não	
  é	
  possível	
  tentar	
  o	
  pneumotórax?	
  
                     –	
  Não.	
  A	
  única	
  coisa	
  a	
  fazer	
  é	
  tocar	
  um	
  tango	
  argen'no.	
  
                   Neste	
  poema-­‐diagnós'co,	
  o	
  locutor	
  aborda	
  ironicamente	
  seu	
  problema	
  de	
  saúde.	
  

         Fusão	
  do	
  eu-­‐lírico	
  com	
  o	
  eu-­‐biográfico	
  [destaque	
  verso	
  2]	
  +	
  ironia	
  ao	
  abordar	
  morte	
  inevitável.	
  

úl'mo	
  verso:	
  o	
  carpe	
  diem	
  é	
  irônico	
  e	
  desiludido	
  [a	
  iminência	
  da	
  morte	
  não	
  dá	
  origem	
  à	
  auto-­‐comiseração].	
  
POÉTICA
                                   metalinguagem & poesia-libertação
                   Estou	
  farto	
  do	
  lirismo	
  comedido	
  
                   Do	
  lirismo	
  bem	
  comportado	
  
                   Do	
  lirismo	
  funcionário	
  público	
  com	
  livro	
  de	
  ponto	
  
                   expediente	
  protocolo	
  e	
  manifestações	
  de	
  apreço	
  ao	
  sr.	
  Diretor.	
  	
  
                   Estou	
  farto	
  do	
  lirismo	
  que	
  pára	
  e	
  vai	
  averiguar	
  no	
  dicionário	
  o	
  
                   cunho	
  vernáculo	
  de	
  um	
  vocábulo.	
  	
  	
  
                   Abaixo	
  os	
  puristas	
  
                   Todas	
  as	
  palavras	
  sobretudo	
  os	
  barbarismos	
  universais	
  
                   Todas	
  as	
  construções	
  sobretudo	
  as	
  sintaxes	
  de	
  exceção	
  
                   Todos	
  os	
  ritmos	
  sobretudo	
  os	
  inumeráveis	
  	
  
metalinguagem:	
  definição	
  da	
  liberdade	
  temá'ca	
  e	
  lingüís'ca	
  na	
  poesia	
  [defesa	
  da	
  liberdade	
  de	
  expressão	
  poé'ca]	
  

             crí'ca	
  ao	
  Parnasianismo	
  [comedido:	
  contenção	
  emocional:	
  impassibilidade]	
  e	
  às	
  formalidades	
  

                                defesa	
  da	
  liberdade	
  [anáfora:	
  terceira	
  estrofe]	
  lingüís'ca	
  e	
  rítmica	
  
POÉTICA
                                 metalinguagem & poesia-libertação
                Estou	
  farto	
  do	
  lirismo	
  namorador	
  
                Polí'co	
  
                Raquí'co	
  
                Sifilí'co	
  
                De	
  todo	
  lirismo	
  que	
  capitula	
  ao	
  que	
  quer	
  que	
  
                seja	
  fora	
  de	
  si	
  mesmo.	
  
                De	
  resto	
  não	
  é	
  lirismo	
  
                Será	
  contabilidade	
  tabela	
  de	
  co-­‐senos	
  secretário	
  do	
  amante	
  
                exemplar	
  com	
  cem	
  modelos	
  de	
  cartas	
  e	
  as	
  diferentes	
  maneiras	
  
                de	
  agradar	
  às	
  mulheres,	
  etc.	
  
                Quero	
  antes	
  o	
  lirismo	
  dos	
  loucos	
  
                O	
  lirismo	
  dos	
  bêbados	
  
                O	
  lirismo	
  di2cil	
  e	
  pungente	
  dos	
  bêbados	
  
                O	
  lirismo	
  dos	
  clowns	
  de	
  Shakespeare	
  
                –	
  Não	
  quero	
  mais	
  saber	
  do	
  lirismo	
  que	
  não	
  é	
  libertação.	
  
crí'ca	
  ao	
  Roman'smo	
  [namorador,	
  polí'co,	
  raquí'co,	
  sifilí'co]	
  e	
  a	
  tudo	
  aquilo	
  que	
  limita	
  a	
  expressão	
  poé'ca	
  

                                  defesa	
  da	
  de	
  um	
  lirismo	
  libertário	
  [anáfora:	
  reforço	
  poé'co]	
  
PORQUINHO-DA-ÍNDIA
                                   lirismo & ternura
Quando	
  eu	
  'nha	
  seis	
  anos	
  
Ganhei	
  um	
  porquinho-­‐da-­‐índia.	
  
Que	
  dor	
  no	
  coração	
  me	
  dava	
  
Porque	
  o	
  bichinho	
  só	
  queria	
  estar	
  debaixo	
  do	
  fogão!	
  
Levava	
  ele	
  pra	
  sala	
  
Pra	
  os	
  lugares	
  mais	
  bonitos	
  e	
  mais	
  limpinhos	
  
Ele	
  não	
  se	
  importava:	
  
Queria	
  era	
  estar	
  debaixo	
  do	
  fogão.	
  
Não	
  fazia	
  caso	
  nenhum	
  das	
  minhas	
  ternurinhas...	
  
	
  
–	
  O	
  meu	
  porquinho-­‐da-­‐índia	
  foi	
  a	
  minha	
  primeira	
  namorada.	
  
                     experiência	
  amorosa	
  [a	
  aprendizagem	
  da	
  desilusão]	
  

          presença	
  da	
  infância	
  e	
  da	
  ternura	
  [porquinho,	
  limpinho,	
  ternurinhas]	
  

                 aspectos	
  formais	
  [versos	
  livres	
  e	
  brancos	
  +	
  coloquialismos]	
  
EVOCAÇÃO DO RECIFE
                         lírico-biográfico & imagens brasileiras
                    Recife	
  	
  
                    Não	
  a	
  Veneza	
  americana	
  	
  
                    Não	
  a	
  Mauritsstad	
  dos	
  armadores	
  das	
  Índias	
  Ocidentais	
  	
  
                    Não	
  o	
  Recife	
  dos	
  Mascates	
  	
  
                    Nem	
  mesmo	
  o	
  Recife	
  que	
  aprendi	
  a	
  amar	
  depois	
  
                    –	
  Recife	
  das	
  revoluções	
  libertárias	
  	
  
                    Mas	
  o	
  Recife	
  sem	
  história	
  nem	
  literatura	
  	
  
                    Recife	
  sem	
  mais	
  nada	
  	
  
                    Recife	
  da	
  minha	
  infância.	
  	
  
         memória	
  afe'va	
  +	
  a	
  paisagem	
  brasileira	
  [o	
  lírico	
  se	
  sobrepõe	
  ao	
  histórico	
  e	
  ao	
  turís'co]	
  
                    A	
  rua	
  da	
  União	
  onde	
  eu	
  brincava	
  de	
  chicote-­‐queimado	
  e	
  
                    [par'a	
  as	
  vidraças	
  da	
  casa	
  de	
  dona	
  Aninha	
  Viegas	
  
                    Totônio	
  Rodrigues	
  era	
  muito	
  velho	
  e	
  botava	
  pincenê	
  
                    [na	
  ponta	
  do	
  nariz.	
  
                    Depois	
  do	
  jantar	
  as	
  famílias	
  tomavam	
  a	
  calçada	
  com	
  
                    [cadeiras,	
  mexericos,	
  namoros,	
  risadas	
  
                    A	
  gente	
  brincava	
  no	
  meio	
  da	
  rua	
  
                    Os	
  meninos	
  gritavam:	
  
fusão	
  do	
  lírico	
  com	
  o	
  biográfico	
  [imagens	
  da	
  infância	
  +	
  mitos	
  familiares	
  +	
  co'diano	
  do	
  Recife	
  An'go]	
  
EVOCAÇÃO DO RECIFE
                               lírico-biográfico & imagens brasileiras
                         Coelho	
  sai!	
  
                         Não	
  sai!	
  
                         A	
  distância	
  as	
  vozes	
  macias	
  das	
  meninas	
  palitonavam:	
  
                         Roseira	
  dá-­‐me	
  uma	
  rosa	
  
                         Craveiro	
  me	
  dá	
  um	
  botão	
  
                         (Dessas	
  rosas	
  muita	
  rosa	
  
                         Terá	
  morrido	
  em	
  botão)	
  
 incorporação	
  de	
  elementos	
  da	
  cultura	
  popular	
  [can'gas	
  de	
  roda]	
  +	
  sinestesia	
  [vozes	
  macias]	
  +	
  engajamento	
  

                         De	
  repente	
  
                                         	
                 	
  nos	
  longes	
  da	
  noite	
  
                                         	
                 	
              	
                   	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  um	
  sino	
  
                         Uma	
  pessoa	
  grande	
  dizia:	
  
                         fogo	
  em	
  Santo	
  Antônio!	
  
                         Outra	
  contrariava:	
  São	
  José!	
  
                         Totônio	
  Rodrigues	
  achava	
  sempre	
  que	
  era	
  São	
  José.	
  
                         Os	
  homens	
  punham	
  o	
  chapéu	
  saíam	
  fumando	
  
                         E	
  eu	
  'nha	
  raiva	
  de	
  ser	
  menino	
  porque	
  não	
  podia	
  ir	
  	
  
                         [ver	
  o	
  fogo.	
  
valorização	
  do	
  espaço	
  em	
  branco	
  da	
  página	
  +	
  valorização	
  das	
  tradições	
  populares	
  nordes'nas	
  [festas	
  juninas]	
  
EVOCAÇÃO DO RECIFE
                                    lírico-biográfico & imagens brasileiras
                              Rua	
  da	
  União...	
  
                              Como	
  eram	
  lindos	
  os	
  nomes	
  das	
  ruas	
  da	
  minha	
  infância	
  
                              Rua	
  do	
  Sol	
  
                              (Tenho	
  medo	
  que	
  hoje	
  se	
  chame	
  do	
  Dr.	
  Fulano	
  de	
  Tal)	
  
                              Atrás	
  da	
  casa	
  ficava	
  a	
  rua	
  da	
  Saudade...	
  
                                              	
                     	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  ...	
  onde	
  se	
  ia	
  fumar	
  escondido	
  
                              Do	
  lado	
  de	
  lá	
  era	
  o	
  cais	
  da	
  rua	
  da	
  Aurora...	
  
                                              	
                     	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  ...	
  onde	
  se	
  ia	
  pescar	
  escondido	
  
nostalgia	
  [a	
  infância	
  aparece	
  como	
  uma	
  época	
  idílica,	
  na	
  qual	
  tudo	
  é	
  permi'do]	
  +	
  liberdade	
  formal	
  +	
  coloquialismo	
  
                              Capibaribe	
  
                              –	
  Capiberibe	
  
                              Lá	
  longe	
  o	
  sertãozinho	
  de	
  Caxangá	
  
                              Banheiros	
  de	
  palha	
  
                              Um	
  dia	
  eu	
  vi	
  uma	
  moça	
  nuinha	
  no	
  banho	
  
                              Fiquei	
  parado	
  o	
  coração	
  batendo	
  
                              Ela	
  se	
  riu	
  
                                                   	
          	
  	
  	
  	
  	
  Foi	
  o	
  meu	
  primeiro	
  alumbramento	
  
                   referência	
  a	
  uma	
  contenda	
  que	
  'vera	
  com	
  o	
  professor	
  de	
  português	
  +	
  intratextualidade	
  
EVOCAÇÃO DO RECIFE
    lírico-biográfico & imagens brasileiras
A	
  vida	
  não	
  me	
  chegava	
  pelos	
  jornais	
  nem	
  pelos	
  livros	
  
Vinha	
  da	
  boca	
  do	
  povo	
  na	
  língua	
  errada	
  do	
  povo	
  
Língua	
  certa	
  do	
  povo	
  
Porque	
  ele	
  é	
  que	
  fala	
  gostoso	
  o	
  português	
  do	
  Brasil	
  
                	
  Ao	
  passo	
  que	
  nós	
  
                	
  O	
  que	
  fazemos	
  
                	
  É	
  macaquear	
  
                	
  A	
  sintaxe	
  lusíada	
  
A	
  vida	
  com	
  uma	
  porção	
  de	
  coisas	
  que	
  eu	
  não	
  
entendia	
  bem.	
  
                 oralidade	
  [defesa	
  dos	
  princípios	
  modernistas]	
  
PROFUNDAMENTE
                                    lírico-biográfico & presença da morte
         Quando	
  ontem	
  adormeci	
                                       No	
  meio	
  da	
  noite	
  despertei	
  
         Na	
  noite	
  de	
  São	
  João	
                                  Não	
  ouvi	
  mais	
  vozes	
  nem	
  risos	
  
         Havia	
  alegria	
  e	
  rumor	
                                    Apenas	
  balões	
  passavam	
  errantes	
  
         Estrondos	
  de	
  bombas	
  luzes	
  de	
  Bengala	
               Silenciosamente	
  
         Vozes	
  can'gas	
  e	
  risos	
                                    Apenas	
  de	
  vez	
  em	
  quando	
  
         Ao	
  pé	
  das	
  fogueiras	
  acesas.	
                           O	
  ruído	
  de	
  um	
  bonde	
  
                                         No	
  meio	
  da	
  noite	
  despertei	
  
                                         Não	
  ouvi	
  mais	
  vozes	
  nem	
  risos	
  
                                         Apenas	
  balões	
  
                                         Passavam	
  errantes	
  
                                         Silenciosamente	
  
                                         Apenas	
  de	
  vez	
  em	
  quando	
  
                                         O	
  ruído	
  de	
  um	
  bonde	
  
                                         Cortava	
  o	
  silêncio	
  
                                         Como	
  um	
  túnel.	
  
                                         Onde	
  estavam	
  os	
  que	
  há	
  pouco	
  
                                         Dançavam	
  
                                         Cantavam	
  
                                         E	
  riam	
  
                                         Ao	
  pé	
  das	
  fogueiras	
  acesas?	
  	
  
poema	
  de	
  caráter	
  prosaico	
  [micro-­‐fábula	
  sobre	
  a	
  morte	
  e	
  a	
  recordação	
  do	
  período	
  da	
  infância]	
  +	
  liberdade	
  formal	
  
PROFUNDAMENTE
 lírico-biográfico & presença da morte
–	
  Estavam	
  todos	
  dormindo	
  
Estavam	
  todos	
  deitados	
  
Dormindo	
  
Profundamente	
  
Quando	
  eu	
  'nha	
  seis	
  anos	
  
Não	
  pude	
  ver	
  o	
  fim	
  da	
  festa	
  de	
  São	
  João	
  
Porque	
  adormeci	
  
Hoje	
  não	
  ouço	
  mais	
  as	
  vozes	
  daquele	
  tempo	
  
Minha	
  avó	
  
Meu	
  avô	
  
Totônio	
  Rodrigues	
  
Tomásia	
  
Rosa	
  
Onde	
  estão	
  todos	
  eles?	
  
–	
  Estão	
  todos	
  dormindo	
  
Estão	
  todos	
  deitados	
  
Dormindo	
  	
  
Profundamente.	
  
sono:	
  metáfora	
  da	
  morte	
  [inevitabilidade]	
  +	
  mitos	
  familiares	
  
VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA
                                       utopia & aspectos biográficos
                                                Vou-­‐me	
  embora	
  pra	
  Pasárgada	
  
                                                            Lá	
  sou	
  amigo	
  do	
  rei	
  
                                               Lá	
  tenho	
  a	
  mulher	
  que	
  eu	
  quero	
  
                                                       Na	
  cama	
  que	
  escolherei	
  
                                                Vou-­‐me	
  embora	
  pra	
  Pasárgada	
  
                                                Vou-­‐me	
  embora	
  pra	
  Pasárgada	
  
                                                           Aqui	
  eu	
  não	
  sou	
  feliz	
  
                                                Lá	
  a	
  existência	
  é	
  uma	
  aventura	
  
                                                  De	
  tal	
  modo	
  inconseqüente	
  
                                                Que	
  Joana	
  a	
  Louca	
  de	
  Espanha	
  
                                                       Rainha	
  e	
  falsa	
  demente	
  
                                                      Vem	
  a	
  ser	
  contraparente	
  
                                                       Da	
  nora	
  que	
  nunca	
  've	
  
  utopia:	
  projeto	
  de	
  natureza	
  irrealizável;	
  idéia	
  generosa,	
  porém	
  impra'cável;	
  quimera,	
  fantasia	
  

 por	
  que	
  utopia?:	
  o	
  locutor	
  encontra-­‐se	
  em	
  uma	
  situação	
  privilegiada	
  [amigo	
  do	
  rei],	
  de	
  exceção	
  

Pasárgada:	
  espaço	
  de	
  realização	
  amorosa;	
  lugar	
  de	
  aventuras	
  inconsequentes	
  [segunda	
  estrofe]	
  

         Pasárgada:	
  espaço	
  em	
  que	
  o	
  locutor	
  tem	
  proximidade	
  com	
  o	
  poder	
  [segunda	
  estrofe]	
  

intertexto:	
  su'l	
  alusão	
  à	
  “Canção	
  do	
  exílio”	
  [aqui	
  eu	
  não	
  sou	
  feliz;	
  lá	
  a	
  existência	
  é	
  uma	
  aventura]	
  
VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA
                                     utopia & aspectos biográficos
                                                      E	
  como	
  farei	
  ginás'ca	
  
                                                       Andarei	
  de	
  bicicleta	
  
                                                 Montarei	
  em	
  burro	
  brabo	
  
                                                  Subirei	
  no	
  pau-­‐de-­‐sebo	
  
                                                 Tomarei	
  banhos	
  de	
  mar!	
  
                                                 E	
  quando	
  es'ver	
  cansado	
  
                                                       Deito	
  na	
  beira	
  do	
  rio	
  
                                                Mando	
  chamar	
  a	
  mãe-­‐d’água	
  
                                                  Pra	
  me	
  contar	
  histórias	
  
                                                Que	
  no	
  tempo	
  de	
  eu	
  menino	
  
                                                      Rosa	
  vinha	
  me	
  contar	
  
                                               Vou-­‐me	
  embora	
  pra	
  Pasárgada	
  	
  
                                 TERCEIRA	
  ESTROFE	
  [a	
  apresentação	
  do	
  espaço	
  utópico]	
  

                 verbos	
  no	
  futuro:	
  situam	
  a	
  vivência	
  da	
  utopia	
  num	
  tempo	
  posterior	
  ao	
  vivido	
  

        a	
  utopia:	
  realização	
  de	
  a'vidades	
  2sicas,	
  ligação	
  com	
  a	
  cultura	
  popular,	
  volta	
  da	
  infância	
  

        aspectos	
  biográficos:	
  nota-­‐se	
  su'l	
  alusão	
  à	
  doença	
  de	
  Bandeira,	
  que	
  o	
  impossibilitava	
  de	
  

realizar	
  a'vidades	
  2sicas,	
  por	
  isso	
  torna-­‐se	
  necessário	
  fugir	
  do	
  presente	
  e	
  par'r	
  em	
  busca	
  do	
  sonho	
  
VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA
                                  utopia & aspectos biográficos
                                                 Em	
  Pasárgada	
  tem	
  tudo	
  
                                                      É	
  outra	
  civilização	
  
                                                 Tem	
  um	
  processo	
  seguro	
  
                                                 De	
  impedir	
  a	
  concepção	
  
                                                 Tem	
  telefone	
  à	
  vontade	
  
                                                 Tem	
  alcalóide	
  à	
  vontade	
  
                                                 Tem	
  pros'tutas	
  bonitas	
  
                                                  Para	
  a	
  gente	
  namorar	
  
                              QUARTA	
  ESTROFE	
  [a	
  apresentação	
  do	
  espaço	
  utópico]	
  

a	
  utopia	
  bandeiriana	
  evidencia	
  ao	
  leitor	
  a	
  incompa'bilidade	
  entre	
  os	
  anseios	
  do	
  sujeito	
  poé'co	
  

e	
  a	
  situação	
  de	
  impotência	
  vivenciada	
  e	
  mostra	
  porque	
  é	
  necessário	
  par'r	
  para	
  outra	
  civilização	
  

             a	
  utopia:	
  sexo	
  livre	
  e	
  despreocupação	
  com	
  filhos;	
  tecnologia;	
  drogas-­‐remédio;	
  

                                                       sequência	
  anafórica	
  
VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA
                                                     utopia & aspectos biográficos
                                                            E	
  quando	
  eu	
  es'ver	
  mais	
  triste	
  
                                                                 Mas	
  triste	
  de	
  não	
  ter	
  jeito	
  
                                                                  Quando	
  de	
  noite	
  me	
  der	
  
                                                                   Vontade	
  de	
  me	
  matar	
  
                                                                   –	
  Lá	
  sou	
  amigo	
  do	
  rei	
  –	
  
                                                             Terei	
  a	
  mulher	
  que	
  eu	
  quero	
  
                                                                  Na	
  cama	
  que	
  escolherei	
  
                                                            Vou-­‐me	
  embora	
  pra	
  Pasárgada.	
  	
  
                                                       QUINTA	
  ESTROFE	
  [a	
  meta2sica	
  bandeiriana]	
  

  Encontra-­‐se,	
  na	
  quinta	
  estrofe,	
  novamente,	
  uma	
  su'l	
  alusão	
  aos	
  elementos	
  que	
  mo'vam	
  a	
  fuga	
  do	
  sujeito	
  poé'co	
  do	
  

 presente	
  trágico.	
  A	
  morte	
  [sempre	
  presente	
  na	
  obra	
  de	
  Bandeira]	
  aparece	
  como	
  consequência	
  de	
  uma	
  incontornável	
  e	
  

e	
  angus'ante	
  tristeza.	
  Essa	
  tristeza	
  emerge	
  da	
  situação	
  de	
  impotência	
  em	
  que	
  se	
  encontra	
  o	
  sujeito	
  poé'co,	
  entretanto,	
  

 reflete	
  a	
  fragilidade	
  da	
  condição	
  existencial	
  de	
  todo	
  ser	
  humano,	
  que,	
  dado	
  às	
  múl'plas	
  impossibilidades	
  do	
  presente,	
  

               acaba	
  por	
  sonhar	
  com	
  um	
  mundo	
  no	
  qual	
  a	
  realização	
  de	
  seus	
  desejos	
  não	
  	
  encontrará	
  obstáculos.	
  

                                                        [heranças	
  barroca,	
  român'ca	
  e	
  simbolista]	
  
ESTRELA DA MANHÃ
           1936, modernismo [19 poemas]
              POEMAS SELECIONADOS
                     [a plenitude poética]


“Estrela da manhã”                           “Tragédia brasileira”

                        “Poema do beco”

“Momento num café”                             “Trem de ferro”
ESTRELA DA MANHÃ
                                                pecado & ternura & lirismo
            Eu	
  quero	
  a	
  estrela	
  da	
  manhã	
                        Pecai	
  com	
  os	
  malandros	
  
            Onde	
  está	
  a	
  estrela	
  da	
  manhã?	
                      Pecai	
  com	
  os	
  sargentos	
  
            Meus	
  amigos	
  meus	
  inimigos	
                                Pecai	
  com	
  os	
  fuzileiros	
  navais	
  
            Procurem	
  a	
  estrela	
  da	
  manhã	
                           Pecai	
  de	
  todas	
  as	
  maneiras	
  
            Ela	
  desapareceu	
  ia	
  nua	
                                   Com	
  os	
  gregos	
  e	
  com	
  os	
  troianos	
  
            Desapareceu	
  com	
  quem?	
                                       Com	
  o	
  padre	
  e	
  com	
  o	
  sacristão	
  
            Procurem	
  por	
  toda	
  a	
  parte	
                             Com	
  o	
  leproso	
  de	
  Pouso	
  Alto	
  
            Digam	
  que	
  sou	
  um	
  homem	
  sem	
  orgulho	
   Depois	
  comigo	
  
            Um	
  homem	
  que	
  aceita	
  tudo	
                              Te	
  esperarei	
  com	
  mafuás	
  novenas	
  
            Que	
  me	
  importa?	
                                             […]	
  comerei	
  terra	
  e	
  direi	
  coisas	
  de	
  uma	
  
            Eu	
  quero	
  a	
  estrela	
  da	
  manhã	
                        ternura	
  tão	
  simples	
  que	
  tu	
  desfalecerás	
  
            Três	
  dias	
  e	
  três	
  noites	
                               Procurem	
  por	
  toda	
  parte	
  
            Fui	
  assassino	
  e	
  suicida	
                                  Pura	
  ou	
  degredada	
  até	
  a	
  úl'ma	
  baixeza	
  
            Ladrão,	
  pulha,falsário	
                                         Eu	
  quero	
  a	
  estrela	
  da	
  manhã	
  
                                                    Virgem	
  mal-­‐sexuada	
  
                                                    Atribuladora	
  dos	
  aflitos	
  
                                                    Girafa	
  de	
  duas	
  cabeças	
  
                                                    Pecai	
  por	
  todos	
  pecai	
  com	
  todos	
  
estrela	
  da	
  manhã:	
  metáfora	
  da	
  poesia	
  bandeiriana	
  [poesia,	
  alumbramento,	
  idéia	
  de	
  plenitude]	
  +	
  Vênus	
  [deusa,	
  planeta]	
  

                             busca	
  apaixonada	
  por	
  uma	
  figura	
  feminina	
  capaz	
  de	
  revelar	
  diversas	
  facetas	
  
POEMA DO BECO
                                     lirismo social & forma sugere conteúdo
                             Que	
  importa	
  a	
  paisagem,	
  a	
  Glória,	
  a	
  baía,	
  a	
  linha	
  do	
  horizonte?	
  
                             –	
  O	
  que	
  eu	
  vejo	
  é	
  o	
  beco.	
  
                   primeiro	
  verso:	
  remete	
  a	
  espaços	
  abertos	
  [sugestão	
  fônica:	
  sons	
  abertos	
  +	
  grande	
  extensão]	
  

                 segundo	
  verso:	
  remete	
  a	
  espaço	
  fechado	
  [sugestão	
  fônica:	
  sons	
  fechados	
  +	
  pequena	
  extensão]	
  

              opção	
  por	
  uma	
  poé'ca	
  que	
  focaliza	
  as	
  coisas	
  simples	
  do	
  co'diano	
  e	
  que	
  denuncia	
  problemas	
  sociais	
  

aspecto	
  biográfico	
  [Beco	
  das	
  Carmelitas:	
  logradouro	
  onde	
  o	
  poeta	
  viveu	
  durante	
  13	
  anos:	
  Lapa:	
  Carmelitas	
  x	
  Pros'tutas]	
  

            intratextualidade	
  [o	
  tema	
  do	
  beco	
  volta	
  em	
  “Segunda	
  canção	
  do	
  beco”	
  e	
  em	
  “Úl'ma	
  canção	
  do	
  beco”]	
  
TRAGÉDIA BRASILEIRA
                                                  intertextualidade inter-gêneros
Misael,	
  funcionário	
  da	
  Fazenda,	
  com	
  63	
  anos	
  de	
  idade,	
  conheceu	
  Maria	
  Elvira	
  na	
  Lapa	
  –	
  pros'tuída,	
  
com	
  sífilis,	
  dermite	
  nos	
  dedos,	
  uma	
  aliança	
  empenhada	
  e	
  os	
  dentes	
  em	
  pe'ção	
  de	
  miséria.	
  
Misael	
   'rou	
   Maria	
   Elvira	
   da	
   vida,	
   instalou-­‐a	
   num	
   sobrado	
   no	
   Estácio,	
   pagou	
   médico,	
   den'sta,	
  
manicura...	
  Dava	
  tudo	
  quanto	
  ela	
  queria.	
  
Quando	
  Maria	
  Elvira	
  se	
  apanhou	
  de	
  boca	
  bonita,	
  arranjou	
  logo	
  um	
  namorado.	
  
Misael	
  não	
  queria	
  escândalo.	
  Podia	
  dar	
  uma	
  surra,	
  um	
  'ro,	
  uma	
  facada.	
  Não	
  fez	
  nada	
  disso:	
  mudou	
  
de	
  casa.	
  
Toda	
  vez	
  que	
  Maria	
  Elvira	
  arranjava	
  um	
  amante,	
  Misael	
  mudava	
  de	
  casa.	
  
Os	
  amantes	
  moraram	
  no	
  Estácio,	
  Rocha,	
  Catete,	
  Rua	
  General	
  Pedra,	
  Olaria,	
  Ramos,	
  Bonsucesso,	
  Vila	
  
Isabel,	
  Rua	
  Marquês	
  de	
  Sapucaí,	
  Niterói,	
  Encantado,	
  Rua	
  Clapp,	
  outra	
  vez	
  no	
  Estácio,	
  Todos	
  os	
  Santos,	
  
Catumbi,	
  Lavradio,	
  Boca	
  do	
  Mato,	
  Inválidos...	
  
Por	
   fim	
   na	
   Rua	
   da	
   Cons'tuição,	
   onde	
   Misael,	
   privado	
   de	
   sen'dos	
   e	
   de	
   inteligência,	
   matou-­‐a	
   com	
   seis	
  
'ros,	
  e	
  a	
  polícia	
  foi	
  encontrá-­‐la	
  caída	
  em	
  decúbito	
  dorsal,	
  ves'da	
  de	
  organdi	
  azul.	
  
   épico	
  [texto	
  em	
  prosa	
  +	
  elementos	
  da	
  narra'va]	
  +	
  lírico	
  [lirismo	
  amoroso	
  +	
  linguagem]	
  +	
  dramá'co	
  [otulo	
  +	
  assassinato]	
  

    texto	
  elaborado	
  a	
  par'r	
  de	
  uma	
  noocia	
  de	
  jornal	
  [trabalho	
  poé'co:	
  lugares	
  +	
  organdi	
  azul	
  +	
  desencontro	
  dos	
  amantes]	
  
MOMENTO NUM CAFÉ
                                                   morte & lirismo metafísico
                               Quando	
  o	
  enterro	
  passou	
  
                               Os	
  homens	
  que	
  se	
  achavam	
  no	
  café	
  
                               Tiraram	
  o	
  chapéu	
  maquinalmente	
  
                               Saudavam	
  o	
  morto	
  distraídos	
  
                               Estavam	
  todos	
  voltados	
  para	
  a	
  vida	
  
                               Absortos	
  na	
  vida	
  
                               Confiantes	
  na	
  vida.	
  
                               Um	
  no	
  entanto	
  se	
  descobriu	
  num	
  gesto	
  largo	
  e	
  demorado	
  
                               Olhando	
  o	
  esquife	
  longamente	
  
                               Este	
  sabia	
  que	
  a	
  vida	
  é	
  uma	
  agitação	
  feroz	
  e	
  sem	
  finalidade	
  
                               Que	
  a	
  vida	
  é	
  traição	
  
                               E	
  saudava	
  a	
  matéria	
  que	
  passava	
  
                               Liberta	
  para	
  sempre	
  da	
  alma	
  ex'nta.	
  
                                             forma	
  [estrofes	
  irregulares	
  com	
  versos	
  livres	
  e	
  brancos]	
  

poesia	
  extraída	
  do	
  co'diano	
  [uma	
  simples	
  cena	
  de	
  rua	
  se	
  transforma	
  em	
  poesia	
  +	
  	
  compreensão	
  dolorosa	
  e	
  resignada]	
  

                 paradoxo-­‐materialismo	
  [saudava	
  a	
  matéria	
  que	
  passava	
  liberta	
  para	
  sempre	
  da	
  alma	
  ex1nta]	
  

                             respingos	
  do	
  biográfico	
  [temá'ca	
  recorrente	
  +	
  	
  celebração	
  da	
  matéria	
  liberta]	
  
TREM DE FERRO
                                                                 poesia e invenção
                                                                           Café	
  com	
  pão	
  
                                                                           Café	
  com	
  pão	
  
                                                                           Café	
  com	
  pão	
  
                                                      Virge	
  Maria	
  que	
  foi	
  isto	
  maquinista?	
  
                                                                         Agora	
  sim	
  
                                                                    Café	
  com	
  pão	
  
                                                                         Agora	
  sim	
  
                                                                      Voa,	
  fumaça	
  
                                                                        Corre,	
  cerca	
  
                                                                   Ai	
  seu	
  foguista	
  
                                                                         Bota	
  fogo	
  
                                                                        Na	
  fornalha	
  
                                                                   Que	
  eu	
  preciso	
  
                                                                        Muita	
  força	
  
                                                                        Muita	
  força	
  
                                                                        Muita	
  força	
  
primeira	
  estrofe:	
  a	
  repe'ção	
  do	
  trecho	
  “café	
  com	
  pão”	
  imita	
  onomatopaicamente	
  os	
  sons	
  produzidos	
  pelo	
  trem	
  de	
  ferro	
  

 segunda	
  estrofe:	
  a	
  repe'ção	
  da	
  vogal	
  /i/	
  [Virge	
  Maria	
  que	
  foi	
  isto	
  maquinista]	
  sugere	
  o	
  som	
  produzido	
  pela	
  campainha	
  

         terceira	
  estrofe:	
  o	
  metro	
  de	
  4	
  sílabas	
  [muito	
  curto]	
  sugere	
  que	
  o	
  trem	
  se	
  desloca	
  rapidamente	
  pela	
  estrada	
  
TREM DE FERRO
                                                               poesia e invenção
                                                                               Ôô...	
  
                                                                         Foge,	
  bicho	
  
                                                                         Foge,	
  povo	
  
                                                                         Passa	
  povo	
  
                                                                        Passa	
  ponte	
  
                                                                        Passa	
  poste	
  
                                                                        Passa	
  pasto	
  
                                                                          Passa	
  boi	
  
                                                                        Passa	
  boiada	
  
                                                                        Passa	
  galho	
  
                                                                        De	
  ingazeira	
  
                                                                         Debruçada	
  
                                                                          No	
  riacho	
  
                                                                        Que	
  vontade	
  
                                                                          De	
  cantar	
  
            o	
  predomínio	
  dos	
  versos	
  de	
  três	
  sílabas	
  sugere	
  um	
  aumento	
  de	
  velocidade	
  no	
  deslocamento	
  do	
  trem;	
  

aliteração	
  sugere	
  os	
  estouros	
  na	
  fornalha:	
  passa	
  povo/	
  passa	
  ponte/	
  passa	
  poste/	
  passa	
  pasto/	
  passa	
  boi/	
  passa	
  boiada	
  
TREM DE FERRO
                                poesia e invenção
                                             Ôô...	
  
                               Quando	
  me	
  prendero	
  
                                       No	
  canaviá	
  
                                     Cada	
  pé	
  de	
  cana	
  
                                      Era	
  um	
  oficiá	
  
                                             Ôô...	
  
                                      Menina	
  bonita	
  
                                    Do	
  ves'do	
  verde	
  
                                     Me	
  dá	
  tua	
  boca	
  
                               Pra	
  matá	
  minha	
  sede	
  
                                             Ôô...	
  
                             Vou	
  mimbora	
  vou	
  mimbora	
  
                                     Não	
  gosto	
  daqui	
  
                                     Nasci	
  no	
  sertão	
  
                                     Sou	
  de	
  Ouricuri	
  
                                             Ôô...	
  
           O	
  uso	
  do	
  metro	
  pentassílabo	
  indica	
  a	
  diminuição	
  do	
  ritmo	
  

O	
  uso	
  do	
  coloquialismo	
  indica	
  o	
  lugar	
  por	
  onde	
  passa	
  o	
  trem	
  [zona	
  rural]	
  
TREM DE FERRO
                                                          poesia e invenção
                                                                   Vou	
  depressa	
  
                                                                   Vou	
  correndo	
  
                                                                    Vou	
  na	
  toda	
  
                                                                    Que	
  só	
  levo	
  
                                                                   Pouca	
  gente	
  
                                                                   Pouca	
  gente	
  
                                                                   Pouca	
  gente	
  
Se	
  na	
  estrofe	
  anterior,	
  havia	
  a	
  presença	
  do	
  metro	
  de	
  cinco	
  sílabas,	
  na	
  úl'ma	
  estrofe	
  do	
  poema,	
  usa-­‐se	
  o	
  	
  

                                     metro	
  de	
  três	
  sílabas	
  =	
  aumento	
  da	
  velocidade	
  [do	
  trem]	
  

                                        repe'ção	
  da	
  forma	
  verbal	
  “vou”	
  =	
  reforço	
  de	
  sen'do	
  

                  repe'ção	
  do	
  verso	
  “pouca	
  gente”	
  =	
  onomatopéia	
  [barulho	
  produzido	
  pelo	
  trem]	
  
LIRA DOS CINQÜENT’ANOS
     1940, modernismo [20 poemas]
          POEMAS SELECIONADOS
         [retomada de algumas formas fixas]


“Maçã”                                        “Belo belo”
A MAÇÃ
                               lirismo amoroso & lirismo metafísico
                           Por	
  um	
  lado	
  te	
  vejo	
  como	
  um	
  seio	
  murcho	
  
                           Pelo	
  outro	
  como	
  um	
  ventre	
  de	
  cujo	
  umbigo	
  pende	
  
                           ainda	
  o	
  cordão	
  
                                           	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  [placentário	
  
                           És	
  vermelha	
  como	
  o	
  coração	
  do	
  amor	
  divino.	
  
                           Dento	
  de	
  '	
  em	
  pequenas	
  pevides	
  
                           Palpita	
  a	
  vida	
  prodigiosa	
  
                           Infinitamente.	
  
                           E	
  quedas	
  tão	
  simples	
  
                           Ao	
  lado	
  de	
  um	
  talher	
  
                           Num	
  quarto	
  pobre	
  de	
  hotel.	
  
                             natureza	
  morta	
  [maçã	
  ou	
  pros'tuta	
  dentro	
  de	
  um	
  quarto	
  de	
  hotel]	
  

                     o	
  quadro	
  é	
  composto	
  por	
  justaposição	
  [cena	
  prosaica	
  de	
  uma	
  refeição	
  rápida]	
  

a	
  cena	
  constrói	
  num	
  espaço	
  de	
  in'midade	
  [quarto]	
  e	
  mostra	
  uma	
  mulher	
  decaída,	
  associada	
  à	
  cor	
  vermelha	
  

             cor	
  vermelha	
  [sexualidade	
  +	
  religiosidade:	
  proposta	
  de	
  resgate	
  poé'co	
  da	
  mulher	
  caída]	
  

                                      seio	
  murcho	
  X	
  cordão	
  placentário,	
  pevides	
  [sementes]	
  
BELO BELO
                                      intratextualidade & lirismo metafísico
           Há	
  dois	
  poemas	
  com	
  este	
  otulo	
  [intratextualidade]:	
  no	
  primeiro,	
  o	
  locutor	
  afirma	
  ter	
  tudo	
  o	
  que	
  quer	
  

                                          [fogo	
  das	
  constelações,	
  lágrimas	
  da	
  aurora,	
  segredo	
  da	
  noite]	
  

recusa	
  êxtases	
  e	
  tormentos,	
  o	
  penar	
  dos	
  trabalhos	
  e	
  a	
  dádiva	
  dos	
  anjos,	
  diz	
  não	
  querer	
  amar	
  nem	
  ser	
  amado,	
  apenas	
  

                                                         a	
  delícia	
  de	
  poder	
  sen1r	
  as	
  coisas	
  simples	
  

               o	
  segundo	
  poema	
  é	
  uma	
  espécie	
  de	
  retratação,	
  em	
  que	
  o	
  locutor	
  afirma	
  ter	
  tudo	
  o	
  que	
  não	
  quer	
  

                               [não	
  quer	
  óculos,	
  tosse	
  e	
  obrigação	
  de	
  voto],	
  mas	
  deseja	
  coisas	
  ina'ngíveis	
  

                ao	
  final	
  do	
  poema,	
  o	
  locutor	
  reflete	
  ironicamente:	
  Mas	
  basta	
  de	
  lero-­‐lero:	
  vida,	
  noves	
  fora	
  zero.	
  
BELO BELO
      1948, modernismo [13 poemas]
            POEMAS SELECIONADOS
            [metáforas da aceitação da vida]


“O bicho”                                      “Neologismo”

                  “A realidade e a imagem”
O BICHO
                  poesia participante & lirismo social
                         Vi	
  ontem	
  um	
  bicho	
  
                         Na	
  imundície	
  do	
  pá'o	
  
                         Catando	
  comida	
  entre	
  os	
  detritos	
  
                         Quando	
  encontrava	
  alguma	
  coisa,	
  
                         Não	
  examinava	
  nem	
  cheirava	
  
                         Engolia	
  com	
  voracidade	
  
                         O	
  bicho	
  não	
  era	
  um	
  cão,	
  
                         Não	
  era	
  um	
  gato,	
  
                         Não	
  era	
  um	
  rato.	
  
                         O	
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  meu	
  Deus,	
  era	
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  homem.	
  
indignação	
  do	
  sujeito	
  poé'co	
  diante	
  de	
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  cena	
  de	
  exclusão	
  social	
  [suspense:	
  gradação]	
  
NEOLOGISMO
              lirismo amoroso
Beijo	
  pouco,	
  falo	
  menos	
  ainda,	
  
Mas	
  invento	
  palavras	
  
Que	
  traduzem	
  a	
  ternura	
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E	
  mais	
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  por	
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  o	
  verbo	
  teadorar	
  
Intransi'vo:	
  
Teadoro,	
  Teodora.	
  
A REALIDADE E A IMAGEM
                                                     a metafísica do biográfico
                        O	
  arranha-­‐céu	
  sobe	
  no	
  ar	
  puro	
  lavado	
  pela	
  chuva	
  
                        e	
  desce	
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  lama	
  do	
  pá'o.	
  
                        Entre	
  a	
  realidade	
  e	
  a	
  imagem,	
  no	
  chão	
  seco	
  que	
  as	
  separa,	
  
                        quatro	
  pombas	
  passeiam.	
  
                                          o	
  locutor	
  observa	
  a	
  paisagem	
  da	
  janela	
  de	
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  apartamento:	
  

cena	
  prosaica	
  [poesia	
  extraída	
  do	
  co'diano]	
  na	
  qual	
  se	
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  o	
  poé'co	
  [pombas	
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  passeiam]	
  e	
  o	
  biográfico	
  [quarto]	
  
OPUS 10
       1952, modernismo [09 poemas]
              POEMAS SELECIONADOS
               [poemas de circunstância]


“Boi morto”                                “Consoada”
BOI MORTO
                                                          lirismo metafísico
Como	
  em	
  turvas	
  águas	
  de	
  enchente,	
  
Me	
  sinto	
  a	
  meio	
  submergido	
  
Entre	
  destroços	
  do	
  presente	
  
Dividido,	
  subdividido,	
  
Onde	
  rola,	
  enorme,	
  o	
  boi	
  morto.	
  
                                                                                                          boi	
  [metáfora]	
  
Boi	
  morto,	
  boi	
  morto,	
  boi	
  morto.	
  
                                                                         [reflexão	
  sobre	
  o	
  des'no	
  do	
  corpo	
  humano	
  no	
  tempo]	
  
Árvores	
  da	
  paisagem	
  calma,	
  
Convosco	
  –	
  altas,	
  tão	
  marginais!	
  –	
                  retomada	
  do	
  metro	
  octossilábico	
  +	
  repe'ção	
  [boi:	
  16	
  vezes]	
  
Fica	
  a	
  alma,	
  a	
  atônita	
  alma,	
  
Atônita	
  para	
  jamais.	
                                                                                  metáfora	
  
Que	
  o	
  corpo,	
  esse	
  vai	
  como	
  boi	
  morto.	
                 [entre	
  os	
  destroços	
  do	
  presente,	
  o	
  sujeito	
  poé'co]	
  
Boi	
  morto,	
  boi	
  morto,	
  boi	
  morto.	
                          [sente-­‐se	
  esfacelado:	
  seu	
  corpo	
  é	
  como	
  o	
  boi	
  morto]	
  
Boi	
  morto,	
  boi	
  descomedido,	
                           repe'ção	
  [fixa	
  a	
  idéia	
  do	
  fluxo	
  do	
  tempo	
  q	
  leva	
  o	
  homem	
  e	
  o	
  boi]	
  
Boi	
  espantosamente,	
  boi	
  
Morto,	
  sem	
  forma	
  ou	
  sen'do	
  
Ou	
  significado.	
  O	
  que	
  foi	
  
Ninguém	
  sabe.	
  Agora	
  é	
  boi	
  morto,	
  
Boi	
  morto,	
  boi	
  morto,	
  boi	
  morto!	
  
CONSOADA
                               lirismo metafísico & enfrentando a morte
                                       Quando	
  a	
  Indesejada	
  das	
  gentes	
  chegar	
  
                                       (Não	
  sei	
  se	
  dura	
  ou	
  caroável),	
  
                                       Talvez,	
  eu	
  tenha	
  medo.	
  
                                       Talvez	
  eu	
  sorria	
  e	
  diga:	
  
                                                       	
                  	
             	
  –	
  Alô,	
  iniludível!	
  
                                       O	
  meu	
  dia	
  foi	
  bom,	
  pode	
  a	
  noite	
  descer,	
  
                                       (A	
  noite	
  com	
  os	
  seus	
  sor'légios)	
  
                                       Encontrará	
  lavrado	
  o	
  campo,	
  a	
  casa	
  limpa,	
  
                                       A	
  mesa	
  posta	
  
                                       Cada	
  coisa	
  em	
  seu	
  lugar.	
  

apenas	
  do	
  nome	
  [consoada:	
  pequena	
  refeição	
  noturna],	
  trata-­‐se	
  de	
  um	
  poema	
  que	
  fala	
  da	
  preparação	
  para	
  a	
  morte	
  

           o	
  tom	
  do	
  poema	
  é	
  de	
  apaziguamento,	
  de	
  aceitação	
  [o	
  locutor	
  se	
  mostra	
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  a	
  morte]	
  

                                      intertexto	
  [A	
  desejada	
  das	
  gentes,	
  conto	
  de	
  Machado	
  de	
  Assis]	
  
ESTRELA DA TARDE
1960, modernismo [19 poemas]
  POEMAS SELECIONADOS
       [a volta de Vésper]


     “Preparação para a morte”
PREPARAÇÃO PARA A MORTE
  lirismo metafísico & enfrentando a morte
A	
  vida	
  é	
  um	
  milagre,	
  
Cada	
  flor,	
  
Com	
  sua	
  forma,	
  sua	
  cor,	
  seu	
  aroma,	
  
Cada	
  flor	
  é	
  um	
  milagre,	
  
Cada	
  pássaro,	
  
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  sua	
  plumagem,	
  seu	
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  canto,	
  
Cada	
  pássaro	
  é	
  um	
  milagre,	
  
O	
  espaço,	
  infinito,	
  
O	
  espaço	
  é	
  um	
  milagre.	
  
O	
  tempo,	
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O	
  tempo	
  é	
  um	
  milagre.	
  
A	
  memória	
  é	
  um	
  milagre.	
  
A	
  consciência	
  é	
  um	
  milagre.	
  
Tudo	
  é	
  milagre.	
  
Tudo,	
  menos	
  a	
  morte.	
  
–	
  Bendita	
  a	
  morte,	
  que	
  é	
  o	
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A poesia de manuel bandeira

  • 1. A poesia de Manuel Bandeira Manoel Neves
  • 2. A PRIMEIRA GERAÇÃO DO MODERNISMO a sedimentação da literatura e da identidade brasileiras fase iconoclasta: quer romper com o passado literário-cultural; anarquismo: “não sabemos o que queremos”; eleição do moderno como um valor em si mesmo; busca de originalidade a qualquer preço; luta contra o tradicionalismo; juízos de valor sobre a realidade brasileira; valorização poética do cotidiano; nacionalismo xenófobo e intransigente.
  • 3. A PRIMEIRA GERAÇÃO DO MODERNISMO a sedimentação da literatura e da identidade brasileiras fase iconoclasta: quer romper com o passado literário-cultural; anarquismo: “não sabemos o que queremos”; eleição do moderno como um valor em si mesmo; busca de originalidade a qualquer preço; luta contra o tradicionalismo; juízos de valor sobre a realidade brasileira; valorização poética do cotidiano; nacionalismo xenófobo e intransigente.
  • 4. TEMÁTICAS poesia e vida morte   doença   amor   ero'smo   solidão   meta2sica   infância   paixão   saudade   arte   poesia   modernismo  
  • 5. AS FASES DE BANDEIRA poesia e modernismo PRIMEIRA FASE [neoparnasianismo, neo-simbolismo, modernismo] A cinza das horas [1917] Carnaval [1919] O ritmo dissoluto [1924] SEGUNDA FASE [a cristalização do modernismo] Libertinagem [1930] Estrela da manhã [1936] TERCEIRA FASE [maturidade: a estabilidade criadora] Lira dos cinqu’entanos [1940] Belo belo [1948] Mafuá do malungo [1948] Opus 10 [1930] Estrela da tarde [1960]
  • 6. A CINZA DAS HORAS 1917, simbolismo [07 poemas] ASPECTOS FORMAIS [influências parnasianas e simbolistas] formas  fixas   versos  [rima,  métrica]   lirismo  tradicional   classicizante  e  medieval   ASPECTOS TEMÁTICOS [período inicial da tuberculose do poeta] dor   doença   morte   solidão   POEMAS SELECIONADOS [uma poética penumbrista] “Desencanto” “Cartas de meu avô” “Poemeto erótico”
  • 7. DESENCANTO metalinguagem & lirismo amoroso Eu  faço  versos  como  quem  chora   quase  soneto  [dois  quartetos,  um  terceto  e  um  verso  solto]   De  desalento...  de  desencanto...   Fecha  meu  livro,  se  por  agora   versos  rimados  e  metrificados  [eneassílabos,  rimas  alternadas]   Não  tens  mo'vo  nenhum  de  pranto.   função  catár'ca  [poesia  associada  a  expressão  dos  sen'mentos]   Meu  verso  é  sangue.  Volúpia  ardente...   Tristeza  esparsa...  remorso  vão...   visão  român'ca,  tradicional,  da  poesia  [extravasamento  subje'vidade]   Dói-­‐me  nas  veias.  Amargo  e  quente,   Cai,  gota  a  gota,  do  coração.   representação  do  leitor   E  nestes  versos  de  angús'a  rouca   a  poesia  está  associada  à  expressão  da  interioridade  e  à  vida   Assim  dos  lábios  a  vida  corre,   Deixando  um  acre  sabor  na  boca.   lirismo  amoroso  +  fusão  do  lírico  com  o  biográfico  [sofrimento,  morte]   –  Eu  faço  versos  como  quem  morre.   metalinguagem  [a  poesia  fala  da  poesia]  
  • 8. CARTAS DE MEU AVÔ lirismo amoroso &formas tradicionais A  tarde  cai,  por  demais   E  enquanto  anoitece,  vou   Enternecido  sorrio   Erma,  úmida  e  silente...   Lendo  sossegado  e  só,   Do  fervor  desses  carinhos:   A  chuva,  em  gotas  glaciais,   As  cartas  que  meu  avô   É  que  os  conheci  velhinhos,   Chora  monotonamente   Escrevia  a  minha  avó.   Quando  o  fogo  era  já  frio.   forma  [quadras  +  heptassílabos  +  vocabulário  seleto]  +  lirismo  amoroso  [ternura  e  sensibilidade]   Cartas  de  antes  do  noivado...   Temendo  a  cada  momento   A  mão  pálida  tremia   Cartas  de  amor  que  começa,   Ofendê-­‐la,  desgostá-­‐la,   Contando  o  seu  grande  bem.   Inquieto,  maravilhado,   Quer  ler  em  seu  pensamento   Mas,  como  o  dele,  ba'a   E  sem  saber  o  que  peça.   E  balbucia,  não  fala...   Dela  o  coração  também.   A  paixão,  medrosa,  dantes,   Depois  o  espinho  do  ciúme...   E  eu  bendigo,  envergonhado,   Cresceu,  dominou-­‐o  todo.   A  dor...  a  visão  da  morte...   Esse  amor,  avô  do  meu...   E  as  confissões  hesitantes   Mas,  calmado  o  vento,  o  lume   Do  meu  –  fruto  sem  cuidado   Mudaram  logo  de  modo.   Brilhou,  mais  puro  e  mais  forte.   Que  inda  verde  apodreceu.   lirismo  amoroso  [o  amor  dos  avós  alimenta  o  amor  do  sujeito  poé'co]   O  meu  semblante  está  enxuto.   E  a  noite  vem,  por  demais   E  enquanto  anoitece,  vou   Mas  a  alma,  em  gotas  mansas,   Erma,  úmida  e  silente...   Lendo,  sossegado  e  só,   Chora,  abismada  no  luto   A  chuva  em  pingos  glaciais,   As  cartas  que  meu  avô   Das  minhas  desesperanças...   Cai  melancolicamente.   Escrevia  a  minha  avó.  
  • 9. POEMETO ERÓTICO lirismo amoroso & metalinguagem Teu  corpo  claro  e  perfeito   Teu  corpo  é  chama  e  flameja   Teu  corpo  de  maravilha   Como  à  tarde  os  horizontes...   Quero  possuí-­‐lo  no  leito   É  puro  como  nas  fontes   Estreito  da  redondilha   A  água  clara  que  serpeja,   Teu  corpo  é  tudo  o  que  cheira...   Que  em  can'gas  se  derrama   Rosa...  flor  de  laranjeira...   Volúpia  da  água  e  da  chama...   Teu  corpo,  branco  e  macio,   A  todo  momento  o  vejo...   É  como  um  véu  de  noivado...   Teu  corpo...  a  única  ilha   No  oceano  do  meu  desejo...   Teu  corpo  é  pomo  doirado...   Teu  corpo  é  tudo  o  que  brilha,   Rosal  queimado  do  es'o,   Teu  corpo  é  tudo  o  que  cheira...   Desfalecido  em  perfume...   Rosa,  flor  de  laranjeira...   Teu  corpo  é  a  brasa  do  lume...   forma  [redondilha  maior,  irregularidade  estrófica]   lirismo  amoroso  [metáforas  sucessivas:  celebra-­‐se  a  paixão  pelo  corpo  da  amada:  elogio  +  celebra  entusia'camente]   caráter  sensual  [re'cências  e  caráter  sinestésico  +  pomo  doirado]   metáforas  ígneas  [rosal  queimado  no  es'o,  brasa,  chama]  
  • 10. CARNAVAL 1918, simbolismo [04 poemas] ASPECTOS FORMAIS [simbolismo, livra-se da influência parnasiana] formas  fixas   caráter  irônico   caráter  impressionista   ASPECTOS TEMÁTICOS [anti-parnasianismo, defesa da liberdade formal] an'-­‐parnasianismo   grande  volume  de  símbolos   musicalidade   POEMAS SELECIONADOS [sapos e símbolos e músicas] “Os sapos” “Alumbramento” “Debussy”
  • 11. OS SAPOS liberdade poética & metalinguagem Enfunando  os  papos,   Em  ronco  que  aterra,   Saem  da  penumbra,   Berra  o  sapo-­‐boi   Aos  pulos,  os  sapos.   -­‐  "Meu  pai  foi  à  guerra!"   A  luz  os  deslumbra.   -­‐  "Não  foi!"  -­‐  "Foi!"  -­‐  "Não  foi!"   notem-­‐se  as  a'tudes  exibicionistas  dos  sapos  [poetas  parnasianos]  e  seu  deslumbre  pela  luz  [gostam  de  publicidade]   O  sapo  tanoeiro,   Vede  como  primo   O  meu  verso  é  bom   Parnasiano  aguado,   Em  comer  os  hiatos!   Frumento  sem  joio.   Diz:  -­‐  "Meu  cancioneiro   Que  arte!  E  nunca  rimo   Faço  rimas  com   É  bem  martelado:   Os  termos  cognatos.   Consoantes  de  apoio.   metalinguagem  irônica  [aponta-­‐executa  ironicamente  recursos]:  crí'ca  ao  sapo  tanoeiro  [parnasiano]   Vai  por  cinqüenta  anos   Clama  a  saparia   Urra  o  sapo-­‐boi:   Que  lhes  dei  a  norma:   Em  crí'cas  cé'cas:   -­‐  "Meu  pai  foi  rei!"  -­‐  "Foi!"   Reduzi  sem  danos   Não  há  mais  poesia,   -­‐  "Não  foi!"  -­‐  "Foi!"  -­‐  "Não  foi!"   A  formas  a  forma.   Mas  há  artes  poé'cas..."   apropriação  irônica  do  discurso  parnasiano:  Não  há  mais  poesia,  mas  há  artes  poé1cas  
  • 12. OS SAPOS liberdade poética & metalinguagem Brada  em  um  assomo   Ou  bem  de  estatuário   Outros,  sapos-­‐pipas   O  sapo-­‐tanoeiro:   Tudo  quanto  é  belo,   (Um  mal  em  si  cabe)   -­‐  "A  grande  arte  é  como   Tudo  quanto  é  vário,   Falam  pelas  tripas:   Lavor  de  joalheiro.   Canta  no  martelo".   -­‐  "Sei!"  -­‐  "Não  sabe!"  -­‐  "Sabe!"   apropriação  paródica  do  poema  “Profissão  de  Fé”,  de  Olavo  Bilac  [Torce,  aprimora,  alteia,  lima  a  frase]   Longe  dessa  gritaria   Lá,  fugido  ao  mundo,   Que  soluças  tu,   Lá  onde  mais  densa   Sem  glória,  sem  fé,   Transido  de  frio   A  noite  infinita   No  perau  profundo   Sapo-­‐cururu   Verte  a  sombra  imensa.   E  solitário  é   Da  beira  do  rio.   sapo  cururu:  poesia  autên'ca,  despida  de  ar'ficialismos,  moderna  e  popular  [defesa  da  poesia  modernista]  
  • 13. ALUMBRAMENTO sensualidade & lirismo amoroso Eu  vi  os  céus!  Eu  vi  os  céus!   Nem  uma  nuvem  de  amargura   Oh,  essa  angélica  brancura   Vem  a  alma  desassossegar.   Sem  tristes  pejos  e  sem  véus!   E  sinto-­‐a  bela...  e  sinto-­‐a  pura...   Eu  vi  nevar!  Eu  vi  nevar!   Eu  vi  o  mar!  Lírios  de  espuma   Oh,  cristalizações  da  bruma   Vinham  desabrochar  à  flor   A  amortalhar  a  cin'lar!   Da  água  que  o  vento  desapruma...   Eu  vi  a  estrela  do  pastor...   E  vi  a  Via-­‐Láctea  ardente...   Vi  a  licorne  alvininente!...   Vi  comunhões...  capela...  véus...   Vi...  vi  o  rastro  do  Senhor!...   Súbito...  alucinadamente...   Vi  carros  triunfais...  troféus...   Pérolas  grandes  como  a  lua...   Eu  vi  os  céus!  Eu  vi  os  céus!   –  Eu  vi-­‐a  nua...  toda  nua!   forma  [versos  octossilábicos  e  rimas  alternadas]   ní'da  influência  simbolista  [reiterado  uso  de  símbolos  que  sugerem  o  objeto  de  desejo  do  sujeito  poé'co]   fusão  do  lírico  e  do  mís'co  [reúne  impulso  eró'co,  emoção  poé'ca  e  êxtase  mís'co]   o  termo  alumbramento  será  retomado  mais  tarde,  em  Liber1nagem,  para  se  referir  à  nudez  feminina  
  • 14. DEBUSSY musicalidade & liberdade formal Para  cá,  para  lá...   Para  cá,  para  lá...   Um  novelozinho  de  linha...   Para  cá,  para  lá...   Para  cá,  para  lá...   Oscila  no  ar  pela  mão  de  uma  criança   (Vem  e  vai...)   Que  delicadamente  e  quase  a  adormecer  o  balança   –  Psiu...  –   Para  cá,  para  lá...   Para  cá  e...   –  O  novelozinho  caiu.   forma  [versos  livres  e  brancos  –  antecipa  a  liberdade  formal  do  modernismo  brasileiro]   música  [repe'ções  +  anáfora  +  homenagem  ao  compositor  francês  –  caráter  simbolista]   ternura  [presença  de  uma  imagem  encantadora  +  uso  de  diminu'vos]  
  • 15. O RITMO DISSOLUTO 1924, modernismo [09 poemas] ASPECTOS FORMAIS [transição: entre a tradição e a modernidade] métrica  e  rima   simplicidade,  coloquialismo   prosaísmo   versos  livres   ASPECTOS TEMÁTICOS [uma poesia participante e cotidiana] elementos  populares   imagens  brasileiras   aspectos  biográficos   poesia  par'cipante   POEMAS SELECIONADOS [um poeta moderno] “Balada de Santa Maria Egipcíaca” “Os sinos” “Gesso” “Berimbau”
  • 16. BALADA DE SANTA MARIA EGIPCÍACA religiosidade & erotismo fontes  [poema  inspirado  num  romance  –  narra'va  –  espanhol  do  século  XII]   [conta-­‐se  a  história  de  Maria  do  Egito:  pros'tuta  que  virou  santa]c   certa  feita,  ia  atravessar  o  rio  e  não  'nha  dinheiro;  então,  oferece  [a  pedido  do  barqueiro]  sua  nudez   forma  [versos  livres  e  brancos]   antecipa  de  certa  forma  a  mulher  degredada  que  é  redimida  pelo  olhar  do  sujeito  poé'co  [lirismo  social]   o  lirismo  social  também  está  presente  em  “Meninos  carvoeiros”,  que  denuncia  a  pobreza  e  o  trabalho  infan'l  
  • 17. OS SINOS fusão lírico-biográfico & musicalidade Sino  de  Belém,   Sino  da  Paixão...   Sino  de  Belém,   sino  [metáfora  polissêmica]   Sino  da  Paixão...   Sino  do  Bonfim!...   Belém  [celebração  da  vida]   Sino  do  Bonfim!...   Sino  de  Belém,  pelos  que  ainda  vêm!   Paixão  [constatação  do  poder  da  morte]   Sino  de  Belém  bate  bem-­‐bem-­‐bem.   Bomfim  [antevisão  da  finitude  humana]   Sino  da  Paixão,  pelos  que  lá  vão!   Sino  da  Paixão  bate  bão-­‐bão-­‐bão.   notações  biográficas   Sino  do  Bonfim,  por  quem  chora  assim?...   Sino  de  Belém,  que  graça  ele  tem!   referências  explícitas  à  morte  [pai,  mãe,  irmã,  irmão]   Sino  de  Belém  bate  bem-­‐bem-­‐bem.   angús'a  ante  a  constatação  da  morte  iminente   Sino  da  Paixão  –  pela  minha  irmã!   Sino  da  Paixão  –  pela  minha  mãe!   forma  [decassílabos,  pentassílabos,  onomatopéias]   Sino  do  Bonfim,  que  vai  ser  de  mim?   Sino  de  Belém,  como  soa  bem!   a  alusão  aos  aspectos  biográficos  [tuberculose,  morte]   Sino  de  Belém  bate  bem-­‐bem-­‐bem.   também  aparece  em  “Na  rua  do  sabão”,  deste  livro   Sino  da  Paixão...  Por  meu  pai?...  –  Não!  Não...   Sino  da  Paixão  bate  bão-­‐bão-­‐bão.   Sino  do  Bonfim,  baterás  por  mim?  
  • 18. GESSO esteticismo & tensão poético-prosaico Esta  minha  estatuazinha  de  gesso,  quando  nova   –  O  gesso  muito  branco,  as  linhas  muito  puras  –   Mal  sugeria  imagem  de  vida   (Embora  a  figura  chorasse).   Há  muitos  anos  tenho-­‐a  comigo.   O  tempo  envelheceu-­‐a,  carcomeu-­‐a,  manchou-­‐a  de  pá'na  amarelo-­‐suja.   forma  [versos  livres  e  brancos]  +  metáfora  [estátua  representa  a  condição  humana  –  viver  é  sujar,  é  murchar]   Os  olhos,  de  tanto  a  ollharem,   Impregnaram-­‐na  da  minha  humanidade  irônica  de  osico.   Um  dia  mão  estúpida   Inadver'damente  a  derrubou  e  par'u.   Então  ajoelhei  com  raiva,  recolhi  aqueles  tristes  fragmentos,   recompus  a  figurinha  que  chorava.   E  o  tempo  sobre  as  feridas  escureceu  ainda  mais  o  sujo  mordente  de  pá'na.   fusão  do  lírico  com  o  biográfico  +  humanização  da  estátua  +  o  poé'co  supera  o  prosaico  [micro-­‐narra'va  +  co'diano]   Hoje  este  gessozinho  comercial   É  tocante  e  vive,  e  me  fez  agora  refle'r   Que  só  é  verdadeiramente  vivo  o  que  já  sofreu.  
  • 19. BERIMBAU musicalidade & imagens brasileiras Os  aguapés  dos  aguaçais   Nos  igapós  dos  Japurás   Bolem,  bolem,  bolem.   Chama  o  saci:  –  Si  si  si  si!   –  Ui  ui  ui  ui  ui!  uiva  a  iara   nos  aguaçais  dos  igapós   Dos  Japurás  e  dos  Purus.   A  mameluca  é  uma  maluca.   Saiu  sozinha  da  maloca  –   O  boto  bate  –  bite  bite...   Quem  ofendeu  a  mameluca?   –  Foi  o  boto!   O  Cussaruim  bota  quebrantos.   Nos  aguaçais  os  aguapés   –  Cruz,  canhoto!  –   Bolem…  Peraus  dos  Japurás   De  assombramentos  e  de  espantos!...   forma  [predomínio  de  octossílabos]  +  vocabulário  amazonense  [aguapés,  Japurá,  igapós,  purus]   folclore  [saci,  iara,  cussaruim,  boto  –  peixe  que  'ra  a  virgindade  das  mulheres]   musicalidade  [onomatopéias  e  paronomásias]  +  poesia  brasileira,  versá'l  e  bem-­‐humorada  
  • 20. LIBERTINAGEM 1930, modernismo [15 poemas] ASPECTOS FORMAIS [libertação dos modelos tradicionais] versos  brancos   simplicidade,  coloquialismo   prosaísmo   versos  livres   ASPECTOS TEMÁTICOS [cenas e imagens brasileiras] lirismo  amoroso   imagens  brasileiras   aspectos  biográficos   liberdade  alucinante   POEMAS SELECIONADOS [anseio de liberdade vital] “Pensão familiar” “O cacto” “Pneumotórax” “Poética” “Porquinho da Índia” “Evocação do Recife” “Profundamente” “Vou-me embora pra Pasárgada”
  • 21. PENSÃO FAMILIAR modernismo & crítica à burguesia Jardins  da  pensãozinha  burguesa.   Gatos  espapaçados  ao  sol.   A  'ririca  si'a  os  canteiros  chatos.   O  sol  acaba  de  crestar  as  boninas  que  murcharam.   Os  girassóis      amarelo!          resistem.   E  as  dálias,  rechonchudas,  plebéias,  dominicais.   Um  ga'nho  fez  pipi.   Com  gestos  de  garçom  de  restaurante-­‐Palace   Encobre  cuidadosamente  a  mijadinha.   Sai  vibrando  com  elegância  a  pa'nha  direita:   –  É  a  única  criatura  fina  da  pensãozinha  burguesa.     pensão:  espaço  burguês;  primeira  estrofe:  sequências  descri'vas  +  assonância  +  aspecto  visual  +  caráter  plás'co];   segunda  estrofe:  sequência  narra'va  +  uso  figurado  [e  ambíguo]  do  diminu'vo;  poema  prosaico  x  lirismo  social;   diminu'vo:  ga'nho,  mijadinha,  pa'nha  x  pensãozinha  [afe'vidade  x  ironia]:  crí'ca  aos  costumes  burgueses;   crí'ca:  não-­‐refinamento  da  burguesia  +  à  ostentação  de  aparências  +  valorização  do  co'diano  +  versos  livres  e  brancos  
  • 22. O CACTO caráter plástico & paisagem brasileira Aquele  cacto  lembrava  os  gestos  desesperados  de  estatuária:   Laocoonte  constrangido  pelas  serpentes.   Ugolino  e  os  filhos  esfaimados.   Evocava  também  o  seco  nordeste,  carnaubais,  caa'ngas...   Era  enorme,  mesmo  para  esta  terra  de  feracidades  excepcionais.   Um  dia  um  tufão  furibundo  abateu-­‐o  pela  raiz.   O  cacto  tombou  atravessado  na  rua,   Quebrou  os  beirais  do  casario  fronteiro,   Impediu  o  trânsito  de  bondes,  automóveis,  carroças,   Arrebentou  os  cabos  elétricos  e  durante  vinte  e  quatro  horas   [privou  a  cidade  de  iluminação  e  energia.   –  Era  belo,  áspero,  intratável.   poesia  extraída  do  co'diano  [poema  inspirado  em  fato  real:  um  grande  cacto,  arrastado  pelo  vento,  tombou  numa  avenida]   comparações  [Laocoonte:  personagem  da  Eneida:  esmagado  por  serpentes]   comparações  [Ugolino:  personagens  da  história  italiana,  aparecem  na  Divina  comédia;  morreram  de  fome  numa  torre]   comparações  [Nordeste:  aspereza,  resistência;  desespero,  dor  do  drama  humano;  vegetal  retorcido  pela  dor,  que  resiste]  
  • 23. PNEUMOTÓRAX lírico-biográfico & auto-ironia Febre,  hemop'se,  dispnéia  e  suores  noturnos.   A  vida  inteira  que  podia  ter  sido  e  que  não  foi.   Tosse,  tosse,  tosse.   Mandou  chamar  o  médico:   –  Diga  trinta  e  três.   –  Trinta  e  três...  trinta  e  três...  trinta  e  três.   –  Respire.   ................................................................................................   –  O  senhor  tem  uma  escavação  no  pulmão  esquerdo   [e  o  pulmão  direito  infiltrado.   –  Então,  doutor,  não  é  possível  tentar  o  pneumotórax?   –  Não.  A  única  coisa  a  fazer  é  tocar  um  tango  argen'no.   Neste  poema-­‐diagnós'co,  o  locutor  aborda  ironicamente  seu  problema  de  saúde.   Fusão  do  eu-­‐lírico  com  o  eu-­‐biográfico  [destaque  verso  2]  +  ironia  ao  abordar  morte  inevitável.   úl'mo  verso:  o  carpe  diem  é  irônico  e  desiludido  [a  iminência  da  morte  não  dá  origem  à  auto-­‐comiseração].  
  • 24. POÉTICA metalinguagem & poesia-libertação Estou  farto  do  lirismo  comedido   Do  lirismo  bem  comportado   Do  lirismo  funcionário  público  com  livro  de  ponto   expediente  protocolo  e  manifestações  de  apreço  ao  sr.  Diretor.     Estou  farto  do  lirismo  que  pára  e  vai  averiguar  no  dicionário  o   cunho  vernáculo  de  um  vocábulo.       Abaixo  os  puristas   Todas  as  palavras  sobretudo  os  barbarismos  universais   Todas  as  construções  sobretudo  as  sintaxes  de  exceção   Todos  os  ritmos  sobretudo  os  inumeráveis     metalinguagem:  definição  da  liberdade  temá'ca  e  lingüís'ca  na  poesia  [defesa  da  liberdade  de  expressão  poé'ca]   crí'ca  ao  Parnasianismo  [comedido:  contenção  emocional:  impassibilidade]  e  às  formalidades   defesa  da  liberdade  [anáfora:  terceira  estrofe]  lingüís'ca  e  rítmica  
  • 25. POÉTICA metalinguagem & poesia-libertação Estou  farto  do  lirismo  namorador   Polí'co   Raquí'co   Sifilí'co   De  todo  lirismo  que  capitula  ao  que  quer  que   seja  fora  de  si  mesmo.   De  resto  não  é  lirismo   Será  contabilidade  tabela  de  co-­‐senos  secretário  do  amante   exemplar  com  cem  modelos  de  cartas  e  as  diferentes  maneiras   de  agradar  às  mulheres,  etc.   Quero  antes  o  lirismo  dos  loucos   O  lirismo  dos  bêbados   O  lirismo  di2cil  e  pungente  dos  bêbados   O  lirismo  dos  clowns  de  Shakespeare   –  Não  quero  mais  saber  do  lirismo  que  não  é  libertação.   crí'ca  ao  Roman'smo  [namorador,  polí'co,  raquí'co,  sifilí'co]  e  a  tudo  aquilo  que  limita  a  expressão  poé'ca   defesa  da  de  um  lirismo  libertário  [anáfora:  reforço  poé'co]  
  • 26. PORQUINHO-DA-ÍNDIA lirismo & ternura Quando  eu  'nha  seis  anos   Ganhei  um  porquinho-­‐da-­‐índia.   Que  dor  no  coração  me  dava   Porque  o  bichinho  só  queria  estar  debaixo  do  fogão!   Levava  ele  pra  sala   Pra  os  lugares  mais  bonitos  e  mais  limpinhos   Ele  não  se  importava:   Queria  era  estar  debaixo  do  fogão.   Não  fazia  caso  nenhum  das  minhas  ternurinhas...     –  O  meu  porquinho-­‐da-­‐índia  foi  a  minha  primeira  namorada.   experiência  amorosa  [a  aprendizagem  da  desilusão]   presença  da  infância  e  da  ternura  [porquinho,  limpinho,  ternurinhas]   aspectos  formais  [versos  livres  e  brancos  +  coloquialismos]  
  • 27. EVOCAÇÃO DO RECIFE lírico-biográfico & imagens brasileiras Recife     Não  a  Veneza  americana     Não  a  Mauritsstad  dos  armadores  das  Índias  Ocidentais     Não  o  Recife  dos  Mascates     Nem  mesmo  o  Recife  que  aprendi  a  amar  depois   –  Recife  das  revoluções  libertárias     Mas  o  Recife  sem  história  nem  literatura     Recife  sem  mais  nada     Recife  da  minha  infância.     memória  afe'va  +  a  paisagem  brasileira  [o  lírico  se  sobrepõe  ao  histórico  e  ao  turís'co]   A  rua  da  União  onde  eu  brincava  de  chicote-­‐queimado  e   [par'a  as  vidraças  da  casa  de  dona  Aninha  Viegas   Totônio  Rodrigues  era  muito  velho  e  botava  pincenê   [na  ponta  do  nariz.   Depois  do  jantar  as  famílias  tomavam  a  calçada  com   [cadeiras,  mexericos,  namoros,  risadas   A  gente  brincava  no  meio  da  rua   Os  meninos  gritavam:   fusão  do  lírico  com  o  biográfico  [imagens  da  infância  +  mitos  familiares  +  co'diano  do  Recife  An'go]  
  • 28. EVOCAÇÃO DO RECIFE lírico-biográfico & imagens brasileiras Coelho  sai!   Não  sai!   A  distância  as  vozes  macias  das  meninas  palitonavam:   Roseira  dá-­‐me  uma  rosa   Craveiro  me  dá  um  botão   (Dessas  rosas  muita  rosa   Terá  morrido  em  botão)   incorporação  de  elementos  da  cultura  popular  [can'gas  de  roda]  +  sinestesia  [vozes  macias]  +  engajamento   De  repente      nos  longes  da  noite                                um  sino   Uma  pessoa  grande  dizia:   fogo  em  Santo  Antônio!   Outra  contrariava:  São  José!   Totônio  Rodrigues  achava  sempre  que  era  São  José.   Os  homens  punham  o  chapéu  saíam  fumando   E  eu  'nha  raiva  de  ser  menino  porque  não  podia  ir     [ver  o  fogo.   valorização  do  espaço  em  branco  da  página  +  valorização  das  tradições  populares  nordes'nas  [festas  juninas]  
  • 29. EVOCAÇÃO DO RECIFE lírico-biográfico & imagens brasileiras Rua  da  União...   Como  eram  lindos  os  nomes  das  ruas  da  minha  infância   Rua  do  Sol   (Tenho  medo  que  hoje  se  chame  do  Dr.  Fulano  de  Tal)   Atrás  da  casa  ficava  a  rua  da  Saudade...                        ...  onde  se  ia  fumar  escondido   Do  lado  de  lá  era  o  cais  da  rua  da  Aurora...                        ...  onde  se  ia  pescar  escondido   nostalgia  [a  infância  aparece  como  uma  época  idílica,  na  qual  tudo  é  permi'do]  +  liberdade  formal  +  coloquialismo   Capibaribe   –  Capiberibe   Lá  longe  o  sertãozinho  de  Caxangá   Banheiros  de  palha   Um  dia  eu  vi  uma  moça  nuinha  no  banho   Fiquei  parado  o  coração  batendo   Ela  se  riu              Foi  o  meu  primeiro  alumbramento   referência  a  uma  contenda  que  'vera  com  o  professor  de  português  +  intratextualidade  
  • 30. EVOCAÇÃO DO RECIFE lírico-biográfico & imagens brasileiras A  vida  não  me  chegava  pelos  jornais  nem  pelos  livros   Vinha  da  boca  do  povo  na  língua  errada  do  povo   Língua  certa  do  povo   Porque  ele  é  que  fala  gostoso  o  português  do  Brasil    Ao  passo  que  nós    O  que  fazemos    É  macaquear    A  sintaxe  lusíada   A  vida  com  uma  porção  de  coisas  que  eu  não   entendia  bem.   oralidade  [defesa  dos  princípios  modernistas]  
  • 31. PROFUNDAMENTE lírico-biográfico & presença da morte Quando  ontem  adormeci   No  meio  da  noite  despertei   Na  noite  de  São  João   Não  ouvi  mais  vozes  nem  risos   Havia  alegria  e  rumor   Apenas  balões  passavam  errantes   Estrondos  de  bombas  luzes  de  Bengala   Silenciosamente   Vozes  can'gas  e  risos   Apenas  de  vez  em  quando   Ao  pé  das  fogueiras  acesas.   O  ruído  de  um  bonde   No  meio  da  noite  despertei   Não  ouvi  mais  vozes  nem  risos   Apenas  balões   Passavam  errantes   Silenciosamente   Apenas  de  vez  em  quando   O  ruído  de  um  bonde   Cortava  o  silêncio   Como  um  túnel.   Onde  estavam  os  que  há  pouco   Dançavam   Cantavam   E  riam   Ao  pé  das  fogueiras  acesas?     poema  de  caráter  prosaico  [micro-­‐fábula  sobre  a  morte  e  a  recordação  do  período  da  infância]  +  liberdade  formal  
  • 32. PROFUNDAMENTE lírico-biográfico & presença da morte –  Estavam  todos  dormindo   Estavam  todos  deitados   Dormindo   Profundamente   Quando  eu  'nha  seis  anos   Não  pude  ver  o  fim  da  festa  de  São  João   Porque  adormeci   Hoje  não  ouço  mais  as  vozes  daquele  tempo   Minha  avó   Meu  avô   Totônio  Rodrigues   Tomásia   Rosa   Onde  estão  todos  eles?   –  Estão  todos  dormindo   Estão  todos  deitados   Dormindo     Profundamente.   sono:  metáfora  da  morte  [inevitabilidade]  +  mitos  familiares  
  • 33. VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA utopia & aspectos biográficos Vou-­‐me  embora  pra  Pasárgada   Lá  sou  amigo  do  rei   Lá  tenho  a  mulher  que  eu  quero   Na  cama  que  escolherei   Vou-­‐me  embora  pra  Pasárgada   Vou-­‐me  embora  pra  Pasárgada   Aqui  eu  não  sou  feliz   Lá  a  existência  é  uma  aventura   De  tal  modo  inconseqüente   Que  Joana  a  Louca  de  Espanha   Rainha  e  falsa  demente   Vem  a  ser  contraparente   Da  nora  que  nunca  've   utopia:  projeto  de  natureza  irrealizável;  idéia  generosa,  porém  impra'cável;  quimera,  fantasia   por  que  utopia?:  o  locutor  encontra-­‐se  em  uma  situação  privilegiada  [amigo  do  rei],  de  exceção   Pasárgada:  espaço  de  realização  amorosa;  lugar  de  aventuras  inconsequentes  [segunda  estrofe]   Pasárgada:  espaço  em  que  o  locutor  tem  proximidade  com  o  poder  [segunda  estrofe]   intertexto:  su'l  alusão  à  “Canção  do  exílio”  [aqui  eu  não  sou  feliz;  lá  a  existência  é  uma  aventura]  
  • 34. VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA utopia & aspectos biográficos E  como  farei  ginás'ca   Andarei  de  bicicleta   Montarei  em  burro  brabo   Subirei  no  pau-­‐de-­‐sebo   Tomarei  banhos  de  mar!   E  quando  es'ver  cansado   Deito  na  beira  do  rio   Mando  chamar  a  mãe-­‐d’água   Pra  me  contar  histórias   Que  no  tempo  de  eu  menino   Rosa  vinha  me  contar   Vou-­‐me  embora  pra  Pasárgada     TERCEIRA  ESTROFE  [a  apresentação  do  espaço  utópico]   verbos  no  futuro:  situam  a  vivência  da  utopia  num  tempo  posterior  ao  vivido   a  utopia:  realização  de  a'vidades  2sicas,  ligação  com  a  cultura  popular,  volta  da  infância   aspectos  biográficos:  nota-­‐se  su'l  alusão  à  doença  de  Bandeira,  que  o  impossibilitava  de   realizar  a'vidades  2sicas,  por  isso  torna-­‐se  necessário  fugir  do  presente  e  par'r  em  busca  do  sonho  
  • 35. VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA utopia & aspectos biográficos Em  Pasárgada  tem  tudo   É  outra  civilização   Tem  um  processo  seguro   De  impedir  a  concepção   Tem  telefone  à  vontade   Tem  alcalóide  à  vontade   Tem  pros'tutas  bonitas   Para  a  gente  namorar   QUARTA  ESTROFE  [a  apresentação  do  espaço  utópico]   a  utopia  bandeiriana  evidencia  ao  leitor  a  incompa'bilidade  entre  os  anseios  do  sujeito  poé'co   e  a  situação  de  impotência  vivenciada  e  mostra  porque  é  necessário  par'r  para  outra  civilização   a  utopia:  sexo  livre  e  despreocupação  com  filhos;  tecnologia;  drogas-­‐remédio;   sequência  anafórica  
  • 36. VOU-ME EMBORA PRA PASÁRGADA utopia & aspectos biográficos E  quando  eu  es'ver  mais  triste   Mas  triste  de  não  ter  jeito   Quando  de  noite  me  der   Vontade  de  me  matar   –  Lá  sou  amigo  do  rei  –   Terei  a  mulher  que  eu  quero   Na  cama  que  escolherei   Vou-­‐me  embora  pra  Pasárgada.     QUINTA  ESTROFE  [a  meta2sica  bandeiriana]   Encontra-­‐se,  na  quinta  estrofe,  novamente,  uma  su'l  alusão  aos  elementos  que  mo'vam  a  fuga  do  sujeito  poé'co  do   presente  trágico.  A  morte  [sempre  presente  na  obra  de  Bandeira]  aparece  como  consequência  de  uma  incontornável  e   e  angus'ante  tristeza.  Essa  tristeza  emerge  da  situação  de  impotência  em  que  se  encontra  o  sujeito  poé'co,  entretanto,   reflete  a  fragilidade  da  condição  existencial  de  todo  ser  humano,  que,  dado  às  múl'plas  impossibilidades  do  presente,   acaba  por  sonhar  com  um  mundo  no  qual  a  realização  de  seus  desejos  não    encontrará  obstáculos.   [heranças  barroca,  român'ca  e  simbolista]  
  • 37. ESTRELA DA MANHÃ 1936, modernismo [19 poemas] POEMAS SELECIONADOS [a plenitude poética] “Estrela da manhã” “Tragédia brasileira” “Poema do beco” “Momento num café” “Trem de ferro”
  • 38. ESTRELA DA MANHÃ pecado & ternura & lirismo Eu  quero  a  estrela  da  manhã   Pecai  com  os  malandros   Onde  está  a  estrela  da  manhã?   Pecai  com  os  sargentos   Meus  amigos  meus  inimigos   Pecai  com  os  fuzileiros  navais   Procurem  a  estrela  da  manhã   Pecai  de  todas  as  maneiras   Ela  desapareceu  ia  nua   Com  os  gregos  e  com  os  troianos   Desapareceu  com  quem?   Com  o  padre  e  com  o  sacristão   Procurem  por  toda  a  parte   Com  o  leproso  de  Pouso  Alto   Digam  que  sou  um  homem  sem  orgulho   Depois  comigo   Um  homem  que  aceita  tudo   Te  esperarei  com  mafuás  novenas   Que  me  importa?   […]  comerei  terra  e  direi  coisas  de  uma   Eu  quero  a  estrela  da  manhã   ternura  tão  simples  que  tu  desfalecerás   Três  dias  e  três  noites   Procurem  por  toda  parte   Fui  assassino  e  suicida   Pura  ou  degredada  até  a  úl'ma  baixeza   Ladrão,  pulha,falsário   Eu  quero  a  estrela  da  manhã   Virgem  mal-­‐sexuada   Atribuladora  dos  aflitos   Girafa  de  duas  cabeças   Pecai  por  todos  pecai  com  todos   estrela  da  manhã:  metáfora  da  poesia  bandeiriana  [poesia,  alumbramento,  idéia  de  plenitude]  +  Vênus  [deusa,  planeta]   busca  apaixonada  por  uma  figura  feminina  capaz  de  revelar  diversas  facetas  
  • 39. POEMA DO BECO lirismo social & forma sugere conteúdo Que  importa  a  paisagem,  a  Glória,  a  baía,  a  linha  do  horizonte?   –  O  que  eu  vejo  é  o  beco.   primeiro  verso:  remete  a  espaços  abertos  [sugestão  fônica:  sons  abertos  +  grande  extensão]   segundo  verso:  remete  a  espaço  fechado  [sugestão  fônica:  sons  fechados  +  pequena  extensão]   opção  por  uma  poé'ca  que  focaliza  as  coisas  simples  do  co'diano  e  que  denuncia  problemas  sociais   aspecto  biográfico  [Beco  das  Carmelitas:  logradouro  onde  o  poeta  viveu  durante  13  anos:  Lapa:  Carmelitas  x  Pros'tutas]   intratextualidade  [o  tema  do  beco  volta  em  “Segunda  canção  do  beco”  e  em  “Úl'ma  canção  do  beco”]  
  • 40. TRAGÉDIA BRASILEIRA intertextualidade inter-gêneros Misael,  funcionário  da  Fazenda,  com  63  anos  de  idade,  conheceu  Maria  Elvira  na  Lapa  –  pros'tuída,   com  sífilis,  dermite  nos  dedos,  uma  aliança  empenhada  e  os  dentes  em  pe'ção  de  miséria.   Misael   'rou   Maria   Elvira   da   vida,   instalou-­‐a   num   sobrado   no   Estácio,   pagou   médico,   den'sta,   manicura...  Dava  tudo  quanto  ela  queria.   Quando  Maria  Elvira  se  apanhou  de  boca  bonita,  arranjou  logo  um  namorado.   Misael  não  queria  escândalo.  Podia  dar  uma  surra,  um  'ro,  uma  facada.  Não  fez  nada  disso:  mudou   de  casa.   Toda  vez  que  Maria  Elvira  arranjava  um  amante,  Misael  mudava  de  casa.   Os  amantes  moraram  no  Estácio,  Rocha,  Catete,  Rua  General  Pedra,  Olaria,  Ramos,  Bonsucesso,  Vila   Isabel,  Rua  Marquês  de  Sapucaí,  Niterói,  Encantado,  Rua  Clapp,  outra  vez  no  Estácio,  Todos  os  Santos,   Catumbi,  Lavradio,  Boca  do  Mato,  Inválidos...   Por   fim   na   Rua   da   Cons'tuição,   onde   Misael,   privado   de   sen'dos   e   de   inteligência,   matou-­‐a   com   seis   'ros,  e  a  polícia  foi  encontrá-­‐la  caída  em  decúbito  dorsal,  ves'da  de  organdi  azul.   épico  [texto  em  prosa  +  elementos  da  narra'va]  +  lírico  [lirismo  amoroso  +  linguagem]  +  dramá'co  [otulo  +  assassinato]   texto  elaborado  a  par'r  de  uma  noocia  de  jornal  [trabalho  poé'co:  lugares  +  organdi  azul  +  desencontro  dos  amantes]  
  • 41. MOMENTO NUM CAFÉ morte & lirismo metafísico Quando  o  enterro  passou   Os  homens  que  se  achavam  no  café   Tiraram  o  chapéu  maquinalmente   Saudavam  o  morto  distraídos   Estavam  todos  voltados  para  a  vida   Absortos  na  vida   Confiantes  na  vida.   Um  no  entanto  se  descobriu  num  gesto  largo  e  demorado   Olhando  o  esquife  longamente   Este  sabia  que  a  vida  é  uma  agitação  feroz  e  sem  finalidade   Que  a  vida  é  traição   E  saudava  a  matéria  que  passava   Liberta  para  sempre  da  alma  ex'nta.   forma  [estrofes  irregulares  com  versos  livres  e  brancos]   poesia  extraída  do  co'diano  [uma  simples  cena  de  rua  se  transforma  em  poesia  +    compreensão  dolorosa  e  resignada]   paradoxo-­‐materialismo  [saudava  a  matéria  que  passava  liberta  para  sempre  da  alma  ex1nta]   respingos  do  biográfico  [temá'ca  recorrente  +    celebração  da  matéria  liberta]  
  • 42. TREM DE FERRO poesia e invenção Café  com  pão   Café  com  pão   Café  com  pão   Virge  Maria  que  foi  isto  maquinista?   Agora  sim   Café  com  pão   Agora  sim   Voa,  fumaça   Corre,  cerca   Ai  seu  foguista   Bota  fogo   Na  fornalha   Que  eu  preciso   Muita  força   Muita  força   Muita  força   primeira  estrofe:  a  repe'ção  do  trecho  “café  com  pão”  imita  onomatopaicamente  os  sons  produzidos  pelo  trem  de  ferro   segunda  estrofe:  a  repe'ção  da  vogal  /i/  [Virge  Maria  que  foi  isto  maquinista]  sugere  o  som  produzido  pela  campainha   terceira  estrofe:  o  metro  de  4  sílabas  [muito  curto]  sugere  que  o  trem  se  desloca  rapidamente  pela  estrada  
  • 43. TREM DE FERRO poesia e invenção Ôô...   Foge,  bicho   Foge,  povo   Passa  povo   Passa  ponte   Passa  poste   Passa  pasto   Passa  boi   Passa  boiada   Passa  galho   De  ingazeira   Debruçada   No  riacho   Que  vontade   De  cantar   o  predomínio  dos  versos  de  três  sílabas  sugere  um  aumento  de  velocidade  no  deslocamento  do  trem;   aliteração  sugere  os  estouros  na  fornalha:  passa  povo/  passa  ponte/  passa  poste/  passa  pasto/  passa  boi/  passa  boiada  
  • 44. TREM DE FERRO poesia e invenção Ôô...   Quando  me  prendero   No  canaviá   Cada  pé  de  cana   Era  um  oficiá   Ôô...   Menina  bonita   Do  ves'do  verde   Me  dá  tua  boca   Pra  matá  minha  sede   Ôô...   Vou  mimbora  vou  mimbora   Não  gosto  daqui   Nasci  no  sertão   Sou  de  Ouricuri   Ôô...   O  uso  do  metro  pentassílabo  indica  a  diminuição  do  ritmo   O  uso  do  coloquialismo  indica  o  lugar  por  onde  passa  o  trem  [zona  rural]  
  • 45. TREM DE FERRO poesia e invenção Vou  depressa   Vou  correndo   Vou  na  toda   Que  só  levo   Pouca  gente   Pouca  gente   Pouca  gente   Se  na  estrofe  anterior,  havia  a  presença  do  metro  de  cinco  sílabas,  na  úl'ma  estrofe  do  poema,  usa-­‐se  o     metro  de  três  sílabas  =  aumento  da  velocidade  [do  trem]   repe'ção  da  forma  verbal  “vou”  =  reforço  de  sen'do   repe'ção  do  verso  “pouca  gente”  =  onomatopéia  [barulho  produzido  pelo  trem]  
  • 46. LIRA DOS CINQÜENT’ANOS 1940, modernismo [20 poemas] POEMAS SELECIONADOS [retomada de algumas formas fixas] “Maçã” “Belo belo”
  • 47. A MAÇÃ lirismo amoroso & lirismo metafísico Por  um  lado  te  vejo  como  um  seio  murcho   Pelo  outro  como  um  ventre  de  cujo  umbigo  pende   ainda  o  cordão                                [placentário   És  vermelha  como  o  coração  do  amor  divino.   Dento  de  '  em  pequenas  pevides   Palpita  a  vida  prodigiosa   Infinitamente.   E  quedas  tão  simples   Ao  lado  de  um  talher   Num  quarto  pobre  de  hotel.   natureza  morta  [maçã  ou  pros'tuta  dentro  de  um  quarto  de  hotel]   o  quadro  é  composto  por  justaposição  [cena  prosaica  de  uma  refeição  rápida]   a  cena  constrói  num  espaço  de  in'midade  [quarto]  e  mostra  uma  mulher  decaída,  associada  à  cor  vermelha   cor  vermelha  [sexualidade  +  religiosidade:  proposta  de  resgate  poé'co  da  mulher  caída]   seio  murcho  X  cordão  placentário,  pevides  [sementes]  
  • 48. BELO BELO intratextualidade & lirismo metafísico Há  dois  poemas  com  este  otulo  [intratextualidade]:  no  primeiro,  o  locutor  afirma  ter  tudo  o  que  quer   [fogo  das  constelações,  lágrimas  da  aurora,  segredo  da  noite]   recusa  êxtases  e  tormentos,  o  penar  dos  trabalhos  e  a  dádiva  dos  anjos,  diz  não  querer  amar  nem  ser  amado,  apenas   a  delícia  de  poder  sen1r  as  coisas  simples   o  segundo  poema  é  uma  espécie  de  retratação,  em  que  o  locutor  afirma  ter  tudo  o  que  não  quer   [não  quer  óculos,  tosse  e  obrigação  de  voto],  mas  deseja  coisas  ina'ngíveis   ao  final  do  poema,  o  locutor  reflete  ironicamente:  Mas  basta  de  lero-­‐lero:  vida,  noves  fora  zero.  
  • 49. BELO BELO 1948, modernismo [13 poemas] POEMAS SELECIONADOS [metáforas da aceitação da vida] “O bicho” “Neologismo” “A realidade e a imagem”
  • 50. O BICHO poesia participante & lirismo social Vi  ontem  um  bicho   Na  imundície  do  pá'o   Catando  comida  entre  os  detritos   Quando  encontrava  alguma  coisa,   Não  examinava  nem  cheirava   Engolia  com  voracidade   O  bicho  não  era  um  cão,   Não  era  um  gato,   Não  era  um  rato.   O  bicho,  meu  Deus,  era  um  homem.   indignação  do  sujeito  poé'co  diante  de  uma  cena  de  exclusão  social  [suspense:  gradação]  
  • 51. NEOLOGISMO lirismo amoroso Beijo  pouco,  falo  menos  ainda,   Mas  invento  palavras   Que  traduzem  a  ternura  mais  funda   E  mais  co'diana.   Inventei,  por  exemplo,  o  verbo  teadorar   Intransi'vo:   Teadoro,  Teodora.  
  • 52. A REALIDADE E A IMAGEM a metafísica do biográfico O  arranha-­‐céu  sobe  no  ar  puro  lavado  pela  chuva   e  desce  refle'do  na  poça  de  lama  do  pá'o.   Entre  a  realidade  e  a  imagem,  no  chão  seco  que  as  separa,   quatro  pombas  passeiam.   o  locutor  observa  a  paisagem  da  janela  de  seu  apartamento:   cena  prosaica  [poesia  extraída  do  co'diano]  na  qual  se  insere  o  poé'co  [pombas  que  passeiam]  e  o  biográfico  [quarto]  
  • 53. OPUS 10 1952, modernismo [09 poemas] POEMAS SELECIONADOS [poemas de circunstância] “Boi morto” “Consoada”
  • 54. BOI MORTO lirismo metafísico Como  em  turvas  águas  de  enchente,   Me  sinto  a  meio  submergido   Entre  destroços  do  presente   Dividido,  subdividido,   Onde  rola,  enorme,  o  boi  morto.   boi  [metáfora]   Boi  morto,  boi  morto,  boi  morto.   [reflexão  sobre  o  des'no  do  corpo  humano  no  tempo]   Árvores  da  paisagem  calma,   Convosco  –  altas,  tão  marginais!  –   retomada  do  metro  octossilábico  +  repe'ção  [boi:  16  vezes]   Fica  a  alma,  a  atônita  alma,   Atônita  para  jamais.   metáfora   Que  o  corpo,  esse  vai  como  boi  morto.   [entre  os  destroços  do  presente,  o  sujeito  poé'co]   Boi  morto,  boi  morto,  boi  morto.   [sente-­‐se  esfacelado:  seu  corpo  é  como  o  boi  morto]   Boi  morto,  boi  descomedido,   repe'ção  [fixa  a  idéia  do  fluxo  do  tempo  q  leva  o  homem  e  o  boi]   Boi  espantosamente,  boi   Morto,  sem  forma  ou  sen'do   Ou  significado.  O  que  foi   Ninguém  sabe.  Agora  é  boi  morto,   Boi  morto,  boi  morto,  boi  morto!  
  • 55. CONSOADA lirismo metafísico & enfrentando a morte Quando  a  Indesejada  das  gentes  chegar   (Não  sei  se  dura  ou  caroável),   Talvez,  eu  tenha  medo.   Talvez  eu  sorria  e  diga:        –  Alô,  iniludível!   O  meu  dia  foi  bom,  pode  a  noite  descer,   (A  noite  com  os  seus  sor'légios)   Encontrará  lavrado  o  campo,  a  casa  limpa,   A  mesa  posta   Cada  coisa  em  seu  lugar.   apenas  do  nome  [consoada:  pequena  refeição  noturna],  trata-­‐se  de  um  poema  que  fala  da  preparação  para  a  morte   o  tom  do  poema  é  de  apaziguamento,  de  aceitação  [o  locutor  se  mostra  familiarizado  com  a  morte]   intertexto  [A  desejada  das  gentes,  conto  de  Machado  de  Assis]  
  • 56. ESTRELA DA TARDE 1960, modernismo [19 poemas] POEMAS SELECIONADOS [a volta de Vésper] “Preparação para a morte”
  • 57. PREPARAÇÃO PARA A MORTE lirismo metafísico & enfrentando a morte A  vida  é  um  milagre,   Cada  flor,   Com  sua  forma,  sua  cor,  seu  aroma,   Cada  flor  é  um  milagre,   Cada  pássaro,   Com  sua  plumagem,  seu  vôo,  seu  canto,   Cada  pássaro  é  um  milagre,   O  espaço,  infinito,   O  espaço  é  um  milagre.   O  tempo,  infinito,   O  tempo  é  um  milagre.   A  memória  é  um  milagre.   A  consciência  é  um  milagre.   Tudo  é  milagre.   Tudo,  menos  a  morte.   –  Bendita  a  morte,  que  é  o  fim  de  todos  os  milagres.