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ANÁLISE DE
LEITURA
OBRIGATÓRIA
Professor
Pablo Kdabra
ALGUMAPOESIA
CARLOS DRUMMOND
DE ANDRADE
Publicado em 1930
Alguma Poesia, primeira
obra poética de
Drummond, contém
quarenta e nove poemas,
muitos deles, micro-
poemas, reunindo
produções do autor, entre
1925 e 1930 e tem sido
considerado como uma
ligação entre a primeira e a
segunda gerações do
Modernismo,
representando a síntese
mais perfeita entre elas.
A estética modernista em
Alguma Poesia
Em Alguma Poesia, Drummond adota
vários procedimentos modernistas:
• Adoção do verso livre (sem
métrica e sem rima);
• Aproveitamento da oralidade;
• Adoção de processos típicos
da prosa (o prosaísmo);
• Supressão da pontuação
(vírgulas e pontos);
• Paródia;
• Poema-piada;
• Incorporação de temas ligados
ao cotidiano;
• Nacionalismo crítico;
• Simultaneísmo cubista.
A inovação em Alguma
Poesia
• Repetição sistemática de vocábulos
associada à visualidade do poema;
• Valorização da experiência, do fato em si;
• Estilo mesclado, em que temas elevados
são tratados com linguagem coloquial,
causando um efeito cômico e paródico;
• Certo ceticismo
• Tópico do conflito entre o eu e o mundo,
em que já se manifesta o tema do gauchisme
(desajustamento), que será amplamente
desenvolvido no transcorrer de toda a
obra do poeta;
• Adoção de temas ligados ao conflito
existencial e às questões políticas e sociais
(temas que serão aprofundados em A Rosa
do Povo e Claro Enigma).
Alguma Poesia é um conjunto de 49
POEMAS
• O indivíduo; • A terra natal; • A família;
• Os amigos; • O choque social;
• O conhecimento amoroso;
• A própria poesia; • Exercícios lúdicos;
• Uma visão (ou tentativa) da existência.
Esses grupos temáticos, no
entanto, se entrecruzam e se
associam a temas mais amplos,
como a relação entre o eu e o
mundo, o conflito entre o mundo
moderno, urbano e o mundo
provinciano, rural, o conflito
entre o passado e o presente
etc.
TEMA POEMA
O indivíduo Poema de sete faces; Também já fui brasileiro; Europa, França e
Bahia; Moça e soldado; Música; Explicação.
A terra natal Lanterna mágica; Igreja; Festa no brejo; Jardim da praça da
Liberdade; Cidadezinha qualquer; Fuga; Cabaré mineiro.
A família Infância; Sweet home; Família; Sesta.
O choque
social
Política; Poema de jornal; Nota social; Coração numeroso; O
sobrevivente; Anedota búlgara; Sociedade; Outubro de 1930;
Poema da purificação.
O
conheciment
o amoroso
Casamento do céu e do inferno; Toada do amor; Cantiga de viúvo;
Sentimental; Esperteza, Quadrilha; Iniciação amorosa; Balada do
amor através das idades; Quero me casar.
A própria
poesia
Poesia; Poema que aconteceu.
Exercícios
lúdicos
Construção; Política literária; Sinal de apito.
Uma visão
(ou tentativa)
da existência
No meio do caminho; Cota zero (este poema pode também
integrar o grupo temático "exercícios lúdicos").
Homem–mundo: "Poema de sete
faces"
O "Poema de sete faces" é o texto de abertura
de Alguma Poesia . Apresenta um dos temas centrais da
poesia drummondiana, a relação difícil e conflituosa
entre o indivíduo e o mundo. Esse embate entre o ser
e o mundo se estabelece na forma: o poema é
fragmentário, feito de rupturas , refletindo a dificuldade
de o indivíduo compreender e conceber o mundo de
forma unitária e lógica. Como num retrato cubista, cada
uma das estrofes do poema representa uma face dessa
relação problemática entre um "eu todo retorcido" e o
mundo. O poeta apresentado pelo poema é um
poeta gauche, desajustado, inadaptado a um mundo
que ele não compreende e, por isso, coloca-se à
distância desse mundo, como mero observador,
assumindo uma posição individualista e irônica.
A pedra no meio do caminho
• O poema "No meio do caminho" foi
publicado em 1928, na Revista da
Antropofagia.
• Percebe-se o poder de síntese do poema e
seu conteúdo simbólico. Geralmente, a
imagem da pedra foi interpretada como
símbolo do obstáculo e do cansaço
existencial.
• Toda a estrutura formal e semântica do
poema é baseada na repetição.
• Com essa exploração visual da palavra, o
poema ultrapassa os limites do código
verbal e torna-se um objeto simbólico.
• É preciso observar, por fim, que "No meio
do caminho" faz uma série de referências
literárias. "No meio do caminho de nossa
vida" ("Nel mezzo del camin di nostra vita")
é o verso que inicia a viagem pelo inferno,
purgatório e paraíso na grande obra de
Dante Alighieri, A Divina Comédia..
Província versus cidade grande
No poema "Cidadezinha qualquer",
o poeta faz um retrato da vida
monótona de uma pequena cidade
do interior.
Esse poema tornou-se símbolo da
temática da "vida besta",
expressão desse sentimento de
tédio, de falta de novidade, de uma
vida sem surpresas, feita de coisas
miúdas.
É interessante observar que a
repetição mais uma vez contribui
para a significação geral do poema:
a repetição da palavra "devagar"
mimetiza essa atmosfera de
monotonia e lentidão que o poema
procura exprimir:
O conflito do provinciano
Foi no Rio.
Eu passava na Avenida
quase meia-noite.
Bicos de seio batiam nos
bicos de luz estrelas
inumeráveis.
Havia a promessa do mar
e bondes tilintavam,
abafando o calor
que soprava no vento
e o vento vinha de Minas.
Meus paralíticos sonhos
desgosto de viver
(a vida para mim é
vontade de morrer)
faziam de mim homem-
realejo
imperturbavelmente
na Galeria Cruzeiro quente
quente
e como não conhecia
ninguém a não ser o doce
vento mineiro,
nenhuma vontade de
beber, eu disse: Acabemos
com isso.
Mas tremia na cidade uma
fascinação casas
compridas
autos abertos correndo
caminho do mar
voluptuosidade errante do
calor
mil presentes da vida aos
homens indiferentes,
que meu coração bateu
forte, meus olhos inúteis
choraram.
O mar batia em meu
peito, já não batia no
cais.
A rua acabou, quede as
árvores? a cidade sou eu
a cidade sou eu
sou eu a cidade
meu amor.
No poema "Coração
numeroso", o vento que
sopra na cidade vem de Minas
e o eu lírico sente-se
amargurado e melancólico
("a vida para mim é vontade
de morrer") em uma cidade
em que o indivíduo é anônimo
e se sente solitário em meio à
multidão ("e como não
conhecia ninguém a não ser o
doce vento mineiro"). O
poema, dessa forma, tematiza
o típico conflito do provinciano
na cidade grande.
NACIONAL
x
ESTRANGEIRO
No poema "Também já fui brasileiro", o poeta assume uma posição
crítica diante dos hábitos e costumes brasileiros, diante de uma
espécie de nacionalismo alienante. O poeta não se deixa contaminar
pelo pitoresco e se coloca à distância, acuado, com algo de amargo e
cético:
Em Alguma Poesia, há também a contraposição
entre o nacional e o estrangeiro. Mais uma vez, o
poeta se coloca de modo crítico e irônico nos dois
pólos da questão: de um lado, rejeita o
nacionalismo cego, isento de autocrítica; de outro,
rejeita a submissão aos valores estrangeiros.
Também já fui brasileiro
Eu também já fui brasileiro
moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares
se fecham
e todas as virtudes se negam.
Eu também já fui poeta.
Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas
e outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia perturbou-se.
Eu também já tive meu ritmo.
Fazia isso, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
meus inimigos me odiavam.
Eu irônico deslizava
satisfeito de ter meu ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.
Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não.
No poema "Explicação", por outro lado, o poeta critica
ironicamente a submissão aos valores estrangeiros:
Meu verso é minha consolação.
Meu verso é minha cachaça.
Todo mundo tem sua, cachaça.
Para beber, copo de cristal,
canequinha de folha-de-
flandres,
folha de taioba, pouco importa:
tudo serve.
Para louvar a Deus como para
aliviar o peito,
queixar o desprezo da morena,
cantar minha vida e trabalhos
é que faço meu verso. E meu
verso me agrada.
Meu verso me agrada sempre...
Ele às vezes tem o ar sem-
vergonha de quem vai dar uma
cambalhota
mas não é para o público, é para
mim mesmo essa cambalhota.
Eu bem me entendo.
Não sou alegre. Sou até muito
triste.
A culpa é da sombra das
bananeiras de meu pais, esta
sombra mole, preguiçosa.
Há dias em que ando na rua de
olhos baixos
para que ninguém desconfie,
ninguém perceba
que passei a noite inteira
chorando.
Estou no cinema vendo fita de
Hoot Gibson,
de repente ouço a voz de uma
viola...
saio desanimado.
Ah, ser filho de fazendeiro!
A beira do São Francisco, do
Paraíba ou de qualquer córrcgo
vagabundo,
é sempre a mesma sen-si-bi-li-da-
de.
E a gente viajando na pátria sente
saudades da pátria.
Aquela casa de nove andares
comerciais
é muito interessante.
A casa colonial da fazenda
também era...
No elevador penso na roça,
na roça penso no elevador.
Quem me fez assim foi
minha gente e minha terra
e eu gosto bem de ter
nascido com essa tara.
Para mim, de todas as
burrices a maior é suspirar
pela Europa.
A Europa é uma cidade
muito velha onde só fazem
caso de dinheiro
e tem umas atrizes de
pernas adjetivas que
passam a perna na gente.
O francês, o italiano, o
judeu falam uma língua de
farrapos.
Aqui ao menos a gente
sabe que tudo é uma
canalha só,
lê o seu jornal, mete a
língua no governo,
queixa-se da vida (a vida
está tão cara)
e no fim dá certo.
Se meu verso não deu
certo, foi seu ouvido que
entortou.
Eu não disse ao senhor
que não sou senão poeta?
Essa mesma crítica aparece no poema
"Europa, França e Bahia". Nele, o próprio eu
lírico assume o "estrangeirismo" e, em uma
espécie de devaneio, faz uma viagem pela
Europa. No final do poema, é como se o poeta
voltasse de seu devaneio à súbita recordação
da "Canção do exílio", o célebre poema de
Gonçalves Dias. Todo o poema possui um
tom sarcástico e jocoso. Observe, no trecho
que se segue, como certas palavras do poema
demonstram o tom de sarcasmo e pilhéria
(caranguejo, bolorentos, água suja):
Europa, França e Bahia
Meus olhos brasileiros sonhando exotismos.
Paris. A torre Eiffel alastrada de antenas como um
caranguejo.
Os cais bolorentos de livros judeus
e a água suja do Sena escorrendo sabedoria.
O pulo da Mancha num segundo.
Meus olhos espiam olhos ingleses vigilantes nas docas.
Tarifas bancos fábricas trustes craques.
Milhões de dorsos agachados em colônias longínquas
formam um tapete
para Sua Graciosa Majestade Britânica pisar.
E a lua de Londres como um remorso.
Submarinos inúteis retalham mares
vencidos.
O navio alemão cauteloso exporta
dolicocéfalos arruinados.
Hamburgo, umbigo do mundo.
Homens de cabeça rachada cismam em
rachar a cabeça dos outros
dentro de alguns anos.
A Itália explora conscientemente vulcões
apagados,
vulcões que nunca estiveram acesos
a não ser na cabeça de Mussolini.
E a Suíça cândida se oferece
numa coleção de postais de altitudes
altíssimas.
Meus olhos brasileiros se enjoam da
Europa.
Não há mais Turquia.
O impossível dos serralhos esfacela
erotismos prestes a deslanchar.
Mas a Rússia tem as cores da vida.
A Rússia é vermelha e branca.
Sujeitos com um brilho esquisito nos
olhos criam o filme bolchevista
e no túmulo de Lenin em Moscou parece
que um coração enorme
está batendo, batendo mas não bate igual
ao da gente...
Chega!
Meus olhos brasileiros se fecham
saudosos.
Minha boca procura a "Canção do exílio".
Como era mesmo a "Canção do exílio"?
Eu tão esquecido de minha terra...
Ai terra que tem palmeiras
onde canta o sabiá.
O elogio da experiência
Em Alguma Poesia, há uma tendência a rejeitar as abstrações e as
sensações difusas. O poeta lida com situações concretas, coisas, fatos.
Há, portanto, uma espécie de elogio da experiência, do vivido. O poeta
está sempre à espreita, observando ironicamente os fatos da vida. Mesmo
os poemas em que parece haver alguma generalização filosófica, as coisas
são reduzidas à sua expressão mais concreta e imediata. Veja, por
exemplo, o poema "Lagoa"
Eu não vi o mar.
Não sei se o mar é bonito,
não sei se ele é bravo.
O mar não me importa.
Eu vi a lagoa.
A lagoa, sim.
A lagoa é grande
E calma também.
Na chuva de cores
da tarde que explode
a lagoa brilha
a lagoa se pinta
de todas as cores.
Eu não vi o mar.Eu vi a lagoa...
O mar representa o
abstrato, o não-vivido, o
longínquo. A lagoa, por
outro lado, representa o
vivido, a experiência.
Festa no brejo
No poema "Festa no brejo", os
sapos podem transcender a sua
significação intrínseca e representar
a condição do homem preso a uma
série de amarras (sociais, políticas,
existenciais); podem, ainda,
representar o homem provinciano,
preso aos costumes mais simples
e primitivos. No entanto, os sapos
podem, por outro lado, ser vistos
como simplesmente sapos e nada
mais. Ou seja, o poema parece fugir
a uma significação mais abstrata e
insiste em se prender aos fatos ou às
coisas tais como são, despidas de
qualquer valor filosófico, de qualquer
transcendência.
A saparia desesperada
coaxa coaxa coaxa.
O brejo vibra que nem caixa
de guerra. Os sapos estão
danados.
A lua gorda apareceu
e clareou o brejo todo.
Até à lua sobe o coro
da saparia desesperada.
A saparia toda de Minas
coaxa no brejo humilde.
Hoje tem festa no brejo!
No último poema da série
"Lanterna Mágica",
intitulado "Bahia", há
como que uma síntese de
todo esse elogio à
experiência. No poema, o
poeta se nega a escrever
sobre aquilo que não
conhece (de forma muito
semelhante ao que vimos
acima em "Lagoa"):
BAHIA
É preciso fazer um
poema sobre a Bahia...
Mas eu nunca fui lá.
Metalinguagem:
poesia sobre poesia
Em Alguma Poesia,
há outra noção do
fazer poético. No
poema "Poesia", a
poesia é vista
como inefável,
indizível – algo que
as próprias palavras
não alcançam. O
poema existe
independente das
palavras:
Em "Poema que
aconteceu", vemos
justamente o contrário
do que ocorre em
"Poesia". O poema
surge sem motivo e o
próprio poeta não tem
consciência de que está
escrevendo. A poesia
surge inesperadamente,
de um estalo. Se em
"Poesia", o poeta busca
o poema e este lhe
escapa, em "Poema que
aconteceu", o poeta
parece indiferente ao
próprio poema:
Anote!
Em Alguma Poesia, o poema surge
dos fatos, da mera observação
da vida, independentemente dos
esforços do poeta, da luta com as
palavras.
A poesia lúdica
Poemas breves, e os poemas-piada.
Esse estilo de poesia foi muito cultuado
pelos modernistas, sobretudo por
Oswald de Andrade. São poemas
curtos, incisivos, sarcásticos, em que o
riso surge de sua
contenção linguística o efeito é criado
pela sugestão. Em alguns casos, o
motivo do poema é um simples
trocadilho; em outros, é uma pequena
cena inusitada, recolhida da vida diária.
Veja como, em "Cota zero", o poeta
consegue, com poucas palavras,
captar um instante da vida moderna e,
ao mesmo tempo, enchê-la de
significado (a dependência do homem
moderno em relação à tecnologia, às
máquinas):
A poesia social
Em Alguma Poesia, há sinais
dessa que será a maior poesia
social da literatura brasileira. Em
poemas como "Romaria",
"Outubro de 1930" e "Poema da
purificação", a temática social
surge de forma bastante
contundente e crítica.
Romaria
A Milton Campos
Os romeiros sobem a ladeira
cheia de espinhos, cheia de pedras,
sobem a ladeira que leva a Deus
e vão deixando culpas no caminho.
Os sinos tocam, chamam os romeiros:
Vinde lavar os vossos pecados.
Já estamos puros, sino, obrigados,
mas trazemos flores, prendas e rezas.
No alto do morro chega a procissão.
Um leproso de opa empunha o estandarte.
As coxas das romeiras brincam no vento.
Os homens cantam, cantam sem parar.
Jesus no lenho expira magoado.
Faz tanto calor, há tanta algazarra.
Nos olhos do santo há sangue que escorre.
Ninguém não percebe, o dia é de festa
No adro da igreja há pinga, café,
imagens, fenômenos, baralhos, cigarros
e um sol imenso que lambuza de ouro
o pó das feridas e o pó das muletas.
Meu Bom Jesus que tudo podeis,
humildemente te peço uma graça.
Sarai-me, Senhor, e não desta lepra,
do amor que eu tenho e que ninguém me tem.
Senhor, meu amo, dai-me dinheiro,
muito dinheiro para eu comprar
aquilo que é caro mas é gostoso
e na minha terra ninguém não possui.
Jesus meu Deus pregado na cruz,
me dá coragem pra eu matar
um que me amola de dia e de noite
e diz gracinhas a minha mulher.
Jesus Jesus piedade de mim.
Ladrão eu sou mas não sou ruim não.
Por que me perseguem não posso dizer.
Não quero ser preso, Jesus ó meu santo.
Os romeiros pedem com os olhos,
pedem com a boca, pedem com as mãos.
Jesus já cansado de tanto pedido
dorme sonhando com outra humanidade.
"Suores misturados
no silêncio noturno.
O companheiro ronca.
O ruído igual
dos tiros e o silêncio
na sala onde os corpos
são coisas escuras.
O soldado deitado
pensando na morte.
De 5 em 5 minutos um ciclista trazia ao Estado
Maior um feixe de telegramas
contendo, comprimida, a trepidação dos
setores.
O radiotelegrafista
ora triste ora alegre
empunhava um papel que era a vitória ou a
derrota.
Nós descansávamos, jogados sobre poltronas,
e abríamos para as notícias
olhos que não viam, olhos que perguntavam. Às
3 da madrugada, pontualmente,
recomeçava o tiroteio.
O funcionário deitado
não pensa na morte.
Pensa no amor
tornado impossível
no minuto guerreiro.
E fecha os olhos
para ver bem
o amor com sua espada
de fogo sobre a cabeça
de todos os homens,
legalistas, rebeldes.
O inimigo resistia sempre e foi preciso cortar a
água do quartel. Como resistisse ainda, a água
circulou de novo, desta vez azul, de metileno. A
torneira aberta escorre desinfetante. O canhão
fabricado em Minas - suave temperamento local
- não disparou.
Olha a negra, olha a negra,
a negra fugindo
com a trouxa de roupa,
olha a bala na negra,
olha a negra no chão
e o cadáver com os seios enormes, expostos,
O general, com seus bigodes tumultuosos, era
o mais doce dos seres, e destilava uma ternura
vaporosa em seu costume de usar culotte sem
perneiras. A um canto do salão atulhado de
mapas e em que telefones esticados retiniam
trazendo fatos, levando ordens, eu fazia,
exercício fácil, a caricatura do seu imenso
nariz. Que todos acharam ótima e reprovaram
com indignação cívica.
A esta hora no Recife,
em Guaxupé, Turvo, Jaguara,
Itararé,
Baixo Guandu,
Igarapava,
Chiador,
homens estão se matando
com as necessárias cautelas.
Pelo Brasil inteiro há tiros, granadas,
literatura explosiva de boletins,
mulheres carinhosas cosendo fardas
com bolsos onde estudantes guardarão retratos
das respectivas, longínquas namoradas,
homens preparando discursos,
outros, solertes, captando rádios,
minando pontes,
outros (são governadores) dando o fora,
pedidos de comissionamento
por atos de bravura,
ordens do dia,
'o inimigo (?) retirou-se em fuga precipitada,
deixando abundante material bélico,
cinco mortos e vinte feridos...'
Um novo, claro Brasil
surge, indeciso, da pólvora.
Meu Deus, tomai conta de nós.
Deus vela o sono dos brasileiros.
Anjos alvíssimos espreitam
a hora de apagar a luz de teu quarto
para abrirem sobre ti as asas
que afugentam os maus espíritos
e purificam os sonhos.
Deus vela o sono e o sonho dos brasileiros.
Mas eles acordam e brigam de novo
Poema da purificação
Depois de tantos combates
o anjo bom matou o anjo mau
e jogou seu corpo no rio.
As água ficaram tintas
de um sangue que não descorava
e os peixes todos morreram.
Mas uma luz que ninguém soube
dizer de onde tinha vindo
apareceu para clarear o mundo,
e outro anjo pensou a ferida
do anjo batalhador.
Ironias com o amor
O amor, na poesia de Drummond,
surge como algo problemático,
incompreensível, que transfigura o
homem e o mundo.
Em Alguma Poesia, o poeta trata o
amor de forma irônica, jocosa e
debochada. O poeta se nega à
exaltação amorosa nos moldes
românticos.
Há mesmo, em vários poemas
amorosos, o estilo mesclado
(temas sérios e elevados tratados
com linguagem vulgar), como no
poema "Casamento do céu e do
inferno".
Ou seja, por meio do estilo
mesclado, o poeta faz uma paródia
da poesia de amor romântica e
exaltada. Esse mesmo poema trata
de um tema que é constante no
livro, o conflito entre o sentimento
amoroso e o erotismo: veja, por
exemplo, como o poeta trata o
erotismo no poema "Quero me
casar". Há, por fim, vários poemas
que tratam o amor sob o ponto de
vista das convenções sociais. Veja
como, em "Quadrilha", o poeta
tematiza o desencontro amoroso:
Observe como o poema imita a dança da
quadrilha, aquela em que os casais se
alternam.
É interessante ainda ressaltar a forma como
o poeta ironiza as convenções sociais (o
casamento). Todos os integrantes da dança
amavam, exceto Lili. Nenhum deles se
casou, com exceção justamente de Lili. Ou
seja, o poeta contrapõe o amor ao
casamento (mera convenção social).
Outro detalhe interessante do poema é que
todos são tratados pelo prenome
(João, Maria, Raimundo etc.) e somente o
futuro marido de Lili é tratado pelo
sobrenome (J. Pinto Fernandes) – o
sobrenome geralmente se associa à
noção de propriedade, de posição social,
o que faz pensar que, no poema, o
casamento é visto como uma mera
instituição ligada ao status e aos
interesses financeiros. Há, ainda, por outro
lado, a questão existencial: o poema mostra
como o destino frustra as esperanças e
os sonhos das pessoas.
Casamento do céu e do inferno
No azul do céu de metileno
a lua irônica
diurética
é uma gravura de sala de jantar.
Anjos da guarda em expedição noturna
velam sonos púberes
espantando mosquitos
de cortinados e grinaldas.
Pela escada em espiral
diz-que tem virgens tresmalhadas,
incorporando à via-láctea,
vaga-lumeando...
Po uma frincha
o diabo espreita com o olho torto.
Diabo tem uma luneta
que varre léguas de sete léguas
e tem o ouvido fino
que nem violino.
São Pedro dorme
e o relógio do céu ronca mecânico.
Diabo espreita por uma frincha.
Lá embaixo
suspiram bocas machucadas.
Suspiram rezas? Suspiram manso,
de amor.
E os corpos enrolados
ficam mais enrolados ainda
e a carne penetra na carne.
Que a vontade de Deus se cumpra!
Tirante Laura e talvez Beatriz,
o resto vai para o inferno.
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  • 2. ALGUMAPOESIA CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE Publicado em 1930 Alguma Poesia, primeira obra poética de Drummond, contém quarenta e nove poemas, muitos deles, micro- poemas, reunindo produções do autor, entre 1925 e 1930 e tem sido considerado como uma ligação entre a primeira e a segunda gerações do Modernismo, representando a síntese mais perfeita entre elas.
  • 3.
  • 4.
  • 5.
  • 6. A estética modernista em Alguma Poesia Em Alguma Poesia, Drummond adota vários procedimentos modernistas: • Adoção do verso livre (sem métrica e sem rima); • Aproveitamento da oralidade; • Adoção de processos típicos da prosa (o prosaísmo); • Supressão da pontuação (vírgulas e pontos); • Paródia; • Poema-piada; • Incorporação de temas ligados ao cotidiano; • Nacionalismo crítico; • Simultaneísmo cubista. A inovação em Alguma Poesia • Repetição sistemática de vocábulos associada à visualidade do poema; • Valorização da experiência, do fato em si; • Estilo mesclado, em que temas elevados são tratados com linguagem coloquial, causando um efeito cômico e paródico; • Certo ceticismo • Tópico do conflito entre o eu e o mundo, em que já se manifesta o tema do gauchisme (desajustamento), que será amplamente desenvolvido no transcorrer de toda a obra do poeta; • Adoção de temas ligados ao conflito existencial e às questões políticas e sociais (temas que serão aprofundados em A Rosa do Povo e Claro Enigma).
  • 7. Alguma Poesia é um conjunto de 49 POEMAS • O indivíduo; • A terra natal; • A família; • Os amigos; • O choque social; • O conhecimento amoroso; • A própria poesia; • Exercícios lúdicos; • Uma visão (ou tentativa) da existência.
  • 8. Esses grupos temáticos, no entanto, se entrecruzam e se associam a temas mais amplos, como a relação entre o eu e o mundo, o conflito entre o mundo moderno, urbano e o mundo provinciano, rural, o conflito entre o passado e o presente etc.
  • 9. TEMA POEMA O indivíduo Poema de sete faces; Também já fui brasileiro; Europa, França e Bahia; Moça e soldado; Música; Explicação. A terra natal Lanterna mágica; Igreja; Festa no brejo; Jardim da praça da Liberdade; Cidadezinha qualquer; Fuga; Cabaré mineiro. A família Infância; Sweet home; Família; Sesta. O choque social Política; Poema de jornal; Nota social; Coração numeroso; O sobrevivente; Anedota búlgara; Sociedade; Outubro de 1930; Poema da purificação. O conheciment o amoroso Casamento do céu e do inferno; Toada do amor; Cantiga de viúvo; Sentimental; Esperteza, Quadrilha; Iniciação amorosa; Balada do amor através das idades; Quero me casar. A própria poesia Poesia; Poema que aconteceu. Exercícios lúdicos Construção; Política literária; Sinal de apito. Uma visão (ou tentativa) da existência No meio do caminho; Cota zero (este poema pode também integrar o grupo temático "exercícios lúdicos").
  • 10.
  • 11. Homem–mundo: "Poema de sete faces" O "Poema de sete faces" é o texto de abertura de Alguma Poesia . Apresenta um dos temas centrais da poesia drummondiana, a relação difícil e conflituosa entre o indivíduo e o mundo. Esse embate entre o ser e o mundo se estabelece na forma: o poema é fragmentário, feito de rupturas , refletindo a dificuldade de o indivíduo compreender e conceber o mundo de forma unitária e lógica. Como num retrato cubista, cada uma das estrofes do poema representa uma face dessa relação problemática entre um "eu todo retorcido" e o mundo. O poeta apresentado pelo poema é um poeta gauche, desajustado, inadaptado a um mundo que ele não compreende e, por isso, coloca-se à distância desse mundo, como mero observador, assumindo uma posição individualista e irônica.
  • 12. A pedra no meio do caminho • O poema "No meio do caminho" foi publicado em 1928, na Revista da Antropofagia. • Percebe-se o poder de síntese do poema e seu conteúdo simbólico. Geralmente, a imagem da pedra foi interpretada como símbolo do obstáculo e do cansaço existencial. • Toda a estrutura formal e semântica do poema é baseada na repetição. • Com essa exploração visual da palavra, o poema ultrapassa os limites do código verbal e torna-se um objeto simbólico. • É preciso observar, por fim, que "No meio do caminho" faz uma série de referências literárias. "No meio do caminho de nossa vida" ("Nel mezzo del camin di nostra vita") é o verso que inicia a viagem pelo inferno, purgatório e paraíso na grande obra de Dante Alighieri, A Divina Comédia..
  • 13. Província versus cidade grande No poema "Cidadezinha qualquer", o poeta faz um retrato da vida monótona de uma pequena cidade do interior. Esse poema tornou-se símbolo da temática da "vida besta", expressão desse sentimento de tédio, de falta de novidade, de uma vida sem surpresas, feita de coisas miúdas. É interessante observar que a repetição mais uma vez contribui para a significação geral do poema: a repetição da palavra "devagar" mimetiza essa atmosfera de monotonia e lentidão que o poema procura exprimir:
  • 14. O conflito do provinciano Foi no Rio. Eu passava na Avenida quase meia-noite. Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis. Havia a promessa do mar e bondes tilintavam, abafando o calor que soprava no vento e o vento vinha de Minas. Meus paralíticos sonhos desgosto de viver (a vida para mim é vontade de morrer) faziam de mim homem- realejo imperturbavelmente na Galeria Cruzeiro quente quente e como não conhecia ninguém a não ser o doce vento mineiro, nenhuma vontade de beber, eu disse: Acabemos com isso. Mas tremia na cidade uma fascinação casas compridas autos abertos correndo caminho do mar voluptuosidade errante do calor mil presentes da vida aos homens indiferentes, que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram. O mar batia em meu peito, já não batia no cais. A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu a cidade sou eu sou eu a cidade meu amor. No poema "Coração numeroso", o vento que sopra na cidade vem de Minas e o eu lírico sente-se amargurado e melancólico ("a vida para mim é vontade de morrer") em uma cidade em que o indivíduo é anônimo e se sente solitário em meio à multidão ("e como não conhecia ninguém a não ser o doce vento mineiro"). O poema, dessa forma, tematiza o típico conflito do provinciano na cidade grande.
  • 16. No poema "Também já fui brasileiro", o poeta assume uma posição crítica diante dos hábitos e costumes brasileiros, diante de uma espécie de nacionalismo alienante. O poeta não se deixa contaminar pelo pitoresco e se coloca à distância, acuado, com algo de amargo e cético: Em Alguma Poesia, há também a contraposição entre o nacional e o estrangeiro. Mais uma vez, o poeta se coloca de modo crítico e irônico nos dois pólos da questão: de um lado, rejeita o nacionalismo cego, isento de autocrítica; de outro, rejeita a submissão aos valores estrangeiros.
  • 17. Também já fui brasileiro Eu também já fui brasileiro moreno como vocês. Ponteei viola, guiei forde e aprendi na mesa dos bares que o nacionalismo é uma virtude. Mas há uma hora em que os bares se fecham e todas as virtudes se negam. Eu também já fui poeta. Bastava olhar para mulher, pensava logo nas estrelas e outros substantivos celestes. Mas eram tantas, o céu tamanho, minha poesia perturbou-se. Eu também já tive meu ritmo. Fazia isso, dizia aquilo. E meus amigos me queriam, meus inimigos me odiavam. Eu irônico deslizava satisfeito de ter meu ritmo. Mas acabei confundindo tudo. Hoje não deslizo mais não, não sou irônico mais não, não tenho ritmo mais não.
  • 18. No poema "Explicação", por outro lado, o poeta critica ironicamente a submissão aos valores estrangeiros: Meu verso é minha consolação. Meu verso é minha cachaça. Todo mundo tem sua, cachaça. Para beber, copo de cristal, canequinha de folha-de- flandres, folha de taioba, pouco importa: tudo serve. Para louvar a Deus como para aliviar o peito, queixar o desprezo da morena, cantar minha vida e trabalhos é que faço meu verso. E meu verso me agrada.
  • 19. Meu verso me agrada sempre... Ele às vezes tem o ar sem- vergonha de quem vai dar uma cambalhota mas não é para o público, é para mim mesmo essa cambalhota. Eu bem me entendo. Não sou alegre. Sou até muito triste. A culpa é da sombra das bananeiras de meu pais, esta sombra mole, preguiçosa. Há dias em que ando na rua de olhos baixos para que ninguém desconfie, ninguém perceba que passei a noite inteira chorando. Estou no cinema vendo fita de Hoot Gibson, de repente ouço a voz de uma viola... saio desanimado. Ah, ser filho de fazendeiro! A beira do São Francisco, do Paraíba ou de qualquer córrcgo vagabundo, é sempre a mesma sen-si-bi-li-da- de. E a gente viajando na pátria sente saudades da pátria. Aquela casa de nove andares comerciais é muito interessante. A casa colonial da fazenda também era... No elevador penso na roça, na roça penso no elevador.
  • 20. Quem me fez assim foi minha gente e minha terra e eu gosto bem de ter nascido com essa tara. Para mim, de todas as burrices a maior é suspirar pela Europa. A Europa é uma cidade muito velha onde só fazem caso de dinheiro e tem umas atrizes de pernas adjetivas que passam a perna na gente. O francês, o italiano, o judeu falam uma língua de farrapos. Aqui ao menos a gente sabe que tudo é uma canalha só, lê o seu jornal, mete a língua no governo, queixa-se da vida (a vida está tão cara) e no fim dá certo. Se meu verso não deu certo, foi seu ouvido que entortou. Eu não disse ao senhor que não sou senão poeta?
  • 21. Essa mesma crítica aparece no poema "Europa, França e Bahia". Nele, o próprio eu lírico assume o "estrangeirismo" e, em uma espécie de devaneio, faz uma viagem pela Europa. No final do poema, é como se o poeta voltasse de seu devaneio à súbita recordação da "Canção do exílio", o célebre poema de Gonçalves Dias. Todo o poema possui um tom sarcástico e jocoso. Observe, no trecho que se segue, como certas palavras do poema demonstram o tom de sarcasmo e pilhéria (caranguejo, bolorentos, água suja):
  • 22. Europa, França e Bahia Meus olhos brasileiros sonhando exotismos. Paris. A torre Eiffel alastrada de antenas como um caranguejo. Os cais bolorentos de livros judeus e a água suja do Sena escorrendo sabedoria. O pulo da Mancha num segundo. Meus olhos espiam olhos ingleses vigilantes nas docas. Tarifas bancos fábricas trustes craques. Milhões de dorsos agachados em colônias longínquas formam um tapete para Sua Graciosa Majestade Britânica pisar. E a lua de Londres como um remorso.
  • 23. Submarinos inúteis retalham mares vencidos. O navio alemão cauteloso exporta dolicocéfalos arruinados. Hamburgo, umbigo do mundo. Homens de cabeça rachada cismam em rachar a cabeça dos outros dentro de alguns anos. A Itália explora conscientemente vulcões apagados, vulcões que nunca estiveram acesos a não ser na cabeça de Mussolini. E a Suíça cândida se oferece numa coleção de postais de altitudes altíssimas. Meus olhos brasileiros se enjoam da Europa. Não há mais Turquia. O impossível dos serralhos esfacela erotismos prestes a deslanchar. Mas a Rússia tem as cores da vida. A Rússia é vermelha e branca. Sujeitos com um brilho esquisito nos olhos criam o filme bolchevista e no túmulo de Lenin em Moscou parece que um coração enorme está batendo, batendo mas não bate igual ao da gente... Chega! Meus olhos brasileiros se fecham saudosos. Minha boca procura a "Canção do exílio". Como era mesmo a "Canção do exílio"? Eu tão esquecido de minha terra... Ai terra que tem palmeiras onde canta o sabiá.
  • 24. O elogio da experiência
  • 25. Em Alguma Poesia, há uma tendência a rejeitar as abstrações e as sensações difusas. O poeta lida com situações concretas, coisas, fatos. Há, portanto, uma espécie de elogio da experiência, do vivido. O poeta está sempre à espreita, observando ironicamente os fatos da vida. Mesmo os poemas em que parece haver alguma generalização filosófica, as coisas são reduzidas à sua expressão mais concreta e imediata. Veja, por exemplo, o poema "Lagoa" Eu não vi o mar. Não sei se o mar é bonito, não sei se ele é bravo. O mar não me importa. Eu vi a lagoa. A lagoa, sim. A lagoa é grande E calma também. Na chuva de cores da tarde que explode a lagoa brilha a lagoa se pinta de todas as cores. Eu não vi o mar.Eu vi a lagoa... O mar representa o abstrato, o não-vivido, o longínquo. A lagoa, por outro lado, representa o vivido, a experiência.
  • 26. Festa no brejo No poema "Festa no brejo", os sapos podem transcender a sua significação intrínseca e representar a condição do homem preso a uma série de amarras (sociais, políticas, existenciais); podem, ainda, representar o homem provinciano, preso aos costumes mais simples e primitivos. No entanto, os sapos podem, por outro lado, ser vistos como simplesmente sapos e nada mais. Ou seja, o poema parece fugir a uma significação mais abstrata e insiste em se prender aos fatos ou às coisas tais como são, despidas de qualquer valor filosófico, de qualquer transcendência. A saparia desesperada coaxa coaxa coaxa. O brejo vibra que nem caixa de guerra. Os sapos estão danados. A lua gorda apareceu e clareou o brejo todo. Até à lua sobe o coro da saparia desesperada. A saparia toda de Minas coaxa no brejo humilde. Hoje tem festa no brejo!
  • 27. No último poema da série "Lanterna Mágica", intitulado "Bahia", há como que uma síntese de todo esse elogio à experiência. No poema, o poeta se nega a escrever sobre aquilo que não conhece (de forma muito semelhante ao que vimos acima em "Lagoa"): BAHIA É preciso fazer um poema sobre a Bahia... Mas eu nunca fui lá.
  • 29. Em Alguma Poesia, há outra noção do fazer poético. No poema "Poesia", a poesia é vista como inefável, indizível – algo que as próprias palavras não alcançam. O poema existe independente das palavras:
  • 30. Em "Poema que aconteceu", vemos justamente o contrário do que ocorre em "Poesia". O poema surge sem motivo e o próprio poeta não tem consciência de que está escrevendo. A poesia surge inesperadamente, de um estalo. Se em "Poesia", o poeta busca o poema e este lhe escapa, em "Poema que aconteceu", o poeta parece indiferente ao próprio poema:
  • 31. Anote! Em Alguma Poesia, o poema surge dos fatos, da mera observação da vida, independentemente dos esforços do poeta, da luta com as palavras.
  • 33. Poemas breves, e os poemas-piada. Esse estilo de poesia foi muito cultuado pelos modernistas, sobretudo por Oswald de Andrade. São poemas curtos, incisivos, sarcásticos, em que o riso surge de sua contenção linguística o efeito é criado pela sugestão. Em alguns casos, o motivo do poema é um simples trocadilho; em outros, é uma pequena cena inusitada, recolhida da vida diária. Veja como, em "Cota zero", o poeta consegue, com poucas palavras, captar um instante da vida moderna e, ao mesmo tempo, enchê-la de significado (a dependência do homem moderno em relação à tecnologia, às máquinas):
  • 35. Em Alguma Poesia, há sinais dessa que será a maior poesia social da literatura brasileira. Em poemas como "Romaria", "Outubro de 1930" e "Poema da purificação", a temática social surge de forma bastante contundente e crítica.
  • 36. Romaria A Milton Campos Os romeiros sobem a ladeira cheia de espinhos, cheia de pedras, sobem a ladeira que leva a Deus e vão deixando culpas no caminho. Os sinos tocam, chamam os romeiros: Vinde lavar os vossos pecados. Já estamos puros, sino, obrigados, mas trazemos flores, prendas e rezas. No alto do morro chega a procissão. Um leproso de opa empunha o estandarte. As coxas das romeiras brincam no vento. Os homens cantam, cantam sem parar. Jesus no lenho expira magoado. Faz tanto calor, há tanta algazarra. Nos olhos do santo há sangue que escorre. Ninguém não percebe, o dia é de festa No adro da igreja há pinga, café, imagens, fenômenos, baralhos, cigarros e um sol imenso que lambuza de ouro o pó das feridas e o pó das muletas. Meu Bom Jesus que tudo podeis, humildemente te peço uma graça. Sarai-me, Senhor, e não desta lepra, do amor que eu tenho e que ninguém me tem. Senhor, meu amo, dai-me dinheiro, muito dinheiro para eu comprar aquilo que é caro mas é gostoso e na minha terra ninguém não possui. Jesus meu Deus pregado na cruz, me dá coragem pra eu matar um que me amola de dia e de noite e diz gracinhas a minha mulher. Jesus Jesus piedade de mim. Ladrão eu sou mas não sou ruim não. Por que me perseguem não posso dizer. Não quero ser preso, Jesus ó meu santo. Os romeiros pedem com os olhos, pedem com a boca, pedem com as mãos. Jesus já cansado de tanto pedido dorme sonhando com outra humanidade.
  • 37. "Suores misturados no silêncio noturno. O companheiro ronca. O ruído igual dos tiros e o silêncio na sala onde os corpos são coisas escuras. O soldado deitado pensando na morte. De 5 em 5 minutos um ciclista trazia ao Estado Maior um feixe de telegramas contendo, comprimida, a trepidação dos setores. O radiotelegrafista ora triste ora alegre empunhava um papel que era a vitória ou a derrota. Nós descansávamos, jogados sobre poltronas, e abríamos para as notícias olhos que não viam, olhos que perguntavam. Às 3 da madrugada, pontualmente, recomeçava o tiroteio. O funcionário deitado não pensa na morte. Pensa no amor tornado impossível no minuto guerreiro. E fecha os olhos para ver bem o amor com sua espada de fogo sobre a cabeça de todos os homens, legalistas, rebeldes. O inimigo resistia sempre e foi preciso cortar a água do quartel. Como resistisse ainda, a água circulou de novo, desta vez azul, de metileno. A torneira aberta escorre desinfetante. O canhão fabricado em Minas - suave temperamento local - não disparou. Olha a negra, olha a negra, a negra fugindo com a trouxa de roupa, olha a bala na negra, olha a negra no chão e o cadáver com os seios enormes, expostos,
  • 38. O general, com seus bigodes tumultuosos, era o mais doce dos seres, e destilava uma ternura vaporosa em seu costume de usar culotte sem perneiras. A um canto do salão atulhado de mapas e em que telefones esticados retiniam trazendo fatos, levando ordens, eu fazia, exercício fácil, a caricatura do seu imenso nariz. Que todos acharam ótima e reprovaram com indignação cívica. A esta hora no Recife, em Guaxupé, Turvo, Jaguara, Itararé, Baixo Guandu, Igarapava, Chiador, homens estão se matando com as necessárias cautelas. Pelo Brasil inteiro há tiros, granadas, literatura explosiva de boletins, mulheres carinhosas cosendo fardas com bolsos onde estudantes guardarão retratos das respectivas, longínquas namoradas, homens preparando discursos, outros, solertes, captando rádios, minando pontes, outros (são governadores) dando o fora, pedidos de comissionamento por atos de bravura, ordens do dia, 'o inimigo (?) retirou-se em fuga precipitada, deixando abundante material bélico, cinco mortos e vinte feridos...' Um novo, claro Brasil surge, indeciso, da pólvora. Meu Deus, tomai conta de nós. Deus vela o sono dos brasileiros. Anjos alvíssimos espreitam a hora de apagar a luz de teu quarto para abrirem sobre ti as asas que afugentam os maus espíritos e purificam os sonhos. Deus vela o sono e o sonho dos brasileiros. Mas eles acordam e brigam de novo
  • 39. Poema da purificação Depois de tantos combates o anjo bom matou o anjo mau e jogou seu corpo no rio. As água ficaram tintas de um sangue que não descorava e os peixes todos morreram. Mas uma luz que ninguém soube dizer de onde tinha vindo apareceu para clarear o mundo, e outro anjo pensou a ferida do anjo batalhador.
  • 41. O amor, na poesia de Drummond, surge como algo problemático, incompreensível, que transfigura o homem e o mundo. Em Alguma Poesia, o poeta trata o amor de forma irônica, jocosa e debochada. O poeta se nega à exaltação amorosa nos moldes românticos. Há mesmo, em vários poemas amorosos, o estilo mesclado (temas sérios e elevados tratados com linguagem vulgar), como no poema "Casamento do céu e do inferno". Ou seja, por meio do estilo mesclado, o poeta faz uma paródia da poesia de amor romântica e exaltada. Esse mesmo poema trata de um tema que é constante no livro, o conflito entre o sentimento amoroso e o erotismo: veja, por exemplo, como o poeta trata o erotismo no poema "Quero me casar". Há, por fim, vários poemas que tratam o amor sob o ponto de vista das convenções sociais. Veja como, em "Quadrilha", o poeta tematiza o desencontro amoroso:
  • 42. Observe como o poema imita a dança da quadrilha, aquela em que os casais se alternam. É interessante ainda ressaltar a forma como o poeta ironiza as convenções sociais (o casamento). Todos os integrantes da dança amavam, exceto Lili. Nenhum deles se casou, com exceção justamente de Lili. Ou seja, o poeta contrapõe o amor ao casamento (mera convenção social). Outro detalhe interessante do poema é que todos são tratados pelo prenome (João, Maria, Raimundo etc.) e somente o futuro marido de Lili é tratado pelo sobrenome (J. Pinto Fernandes) – o sobrenome geralmente se associa à noção de propriedade, de posição social, o que faz pensar que, no poema, o casamento é visto como uma mera instituição ligada ao status e aos interesses financeiros. Há, ainda, por outro lado, a questão existencial: o poema mostra como o destino frustra as esperanças e os sonhos das pessoas.
  • 43. Casamento do céu e do inferno No azul do céu de metileno a lua irônica diurética é uma gravura de sala de jantar. Anjos da guarda em expedição noturna velam sonos púberes espantando mosquitos de cortinados e grinaldas. Pela escada em espiral diz-que tem virgens tresmalhadas, incorporando à via-láctea, vaga-lumeando... Po uma frincha o diabo espreita com o olho torto. Diabo tem uma luneta que varre léguas de sete léguas e tem o ouvido fino que nem violino. São Pedro dorme e o relógio do céu ronca mecânico. Diabo espreita por uma frincha. Lá embaixo suspiram bocas machucadas. Suspiram rezas? Suspiram manso, de amor. E os corpos enrolados ficam mais enrolados ainda e a carne penetra na carne. Que a vontade de Deus se cumpra! Tirante Laura e talvez Beatriz, o resto vai para o inferno.