O documento discute a relação entre consumo e sustentabilidade no Brasil. (1) O crescimento econômico recente aumentou o poder de compra das classes C e D, estimulando o consumo. (2) No entanto, o consumo exacerbado gera questionamentos sobre a sustentabilidade. (3) É possível equilibrar crescimento econômico com sustentabilidade por meio da inovação tecnológica e mudanças nas empresas e na sociedade.
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consumoconsciente
O consumo é benéfico para
a sociedade, as empresas e
o crescimento do País. E não
deve ser desestimulado,
mas encarado como parceiro
da sustentabilidade
consumoconsciente
oferecimento
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P o r M e l i s s a L u l i o Diversos fatores positivos mar-
caram o Brasil dos últimos anos: as-
censão econômica, maior poder de
compra, aumento da concessão de
crédito.As classes C e D que, antes,
não tinham acesso a um grande nú-
mero de marcas,passaram a comprar
mais e a ter,no mínimo,ítens básicos,
na busca de mais qualidade de vida.
A política econômica na qual o go-
verno se baseou nos últimos anos foi
o que possibilitou essa mudança na
realidade econômica das famílias bra-
sileiras.“O governo fez um esforço
grande no sentido de manter o cres-
cimento econômico com o estímulo
ao consumo, principalmente incen-
tivando e facilitando a obtenção de
crédito.A redução da taxa Selic, que
agora volta a subir, foi acompanha-
da da queda nas taxas de juros como
um todo. Isso permitiu, ao cidadão,
um acesso maior ao crédito”, garan-
te José Afonso Mazzon, professor da
Faculdade de Economia, Adminis-
tração e Contabilidade da Universi-
dade de São Paulo (FEAUSP).
O consumo exacerbado, no en-
tanto, é muito contestado por aque-
les que defendem uma sociedade
mais sustentável. Colocam-se algu-
mas questões: É possível que uma
sociedade altamente consumista seja
sustentável? Por outro lado, reduzir
o consumo, em busca da diminui-
ção do descarte de resíduos, afetaria
o crescimento econômico do País?
Como as empresas podem ser bene-
ficiadas por um momento que pede
mais sustentabilidade?
“Acredito que existe uma con-
tradição porque, ao mesmo tempo
C o m s u p e r v i s ã o d e G i s e l e D o n a t o
Menos
Émais
(nemsempre)
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consumoconsciente
em que precisamos de riqueza –
afinal as pessoas querem viver bem,
querem conforto – a sustentabilidade
é uma necessidade”,afirma o filósofo
Luiz Felipe Pondé.
O país e o consumo
O consumo é apenas uma das
variáveis que afetam a evolução do
Produto Interno Bruto (PIB) de
uma nação.Em 2012,o crescimento
do Brasil foi incentivado pelo con-
sumo das famílias. De acordo com
o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE),a despesa de con-
sumo das famílias cresceu 3,1% no
ano passado, em comparação com
2011.E,embora o crescimento eco-
nômico não dependa apenas desse
fator para ser alavancado, é evidente
que, se o interesse pelas compras cair, a economia sofrerá
consequências.“Se o consumo como um todo diminuir
no Brasil em função, por exemplo, da inflação, isso pode,
evidentemente,afetar o crescimento econômico”,afirma
Mazzon. O professor explica que a queda de consumo
impactaria o crescimento do PIB porque, como em um
efeito dominó,cairia também a produção e o número de
pessoas empregadas.“O desemprego geraria desconfiança
e incerteza na economia.Assim,os investimentos também
seriam derrubados.”
Na contramão do consumo desenfreado, a sustenta-
bilidade – em um conceito que vai além da diminuição
do descarte de resíduos e das compras – tem espaço em
pequenos nichos da sociedade. E, assim, ainda não arris-
ca os indicadores de consumo. Lincoln Paiva, presidente
do Instituto MobilidadeVerde, acredita que a troca ou o
compartilhamento de produtos – alternativas sustentá-
veis em substituição ao consumo – ainda são iniciativas
discutidas por pequenos nichos. “Essas discussões ainda
não acontecem em massa e não afetam a maior parte da
sociedade brasileira. Um grande nú-
mero de pessoas começou a entrar
no mercado consumidor nos últimos
cinco anos.Ainda há cerca de 30% da
população na linha de pobreza e 10%
em pobreza extrema. Com a redu-
ção desses números,nos próximos 30
anos haverá uma grande massa que
vai consumir como os americanos de
hoje”defende.
João Francisco de Carvalho Pin-
to Santos, sócio-diretor da The Key,
defende que a geração de empregos
e riqueza de um país não está ne-
cessariamente atrelada ao consumo.
“Há modelos em países que, mesmo
consumindo menos,geram PIB.A ri-
queza está se concentrando em siste-
mas que conseguem produzir conhe-
cimento”, diz. Um novo momento
Quandovoucomprar
móveis,procurosaber
sobreaorigemdamadeira.
Quantoaodescartede
celularesebateriasusados,
verificosempreseaprópria
empresaindicalocaisou
formasparaodescarte.A
sustentabilidadeéalgoque
consideroimportantena
escolhadeumamarca,
éumdiferencial
Thiago Bacheschi,
26 anos, relações públicas
Aocomprarumprodutoou
escolherumamarca,não
priorizoasustentabilidade.
Enãomudariameu
comportamentodeconsumo
poressaquestão. Considero
queprodutossustentáveis
sãomuitocaros.Assacolas
reutilizáveissãoumexemplo
disso,assimcomocamisetase
agendasecológicas
Deise Campos,
38 anos,administradora
“Ainda há cerca de
30% da população
na linha de pobreza
e 10% em pobreza
extrema.Coma
redução desses
números,nos
próximos 30anos
haverá uma grande
massa quevai
consumir como os
americanos de hoje”
Lincoln Paiva,do Instituto
MobilidadeVerde
Eunãomudariameus
costumespelaquestão
dasustentabilidade.O
quenãosignificaque
vouexagerarnafalta
deconsideraçãocom
ascausasambientais.
Ouseja,nãovou
lavaracalçada
comamangueira,
nãovoudeixara
torneiraligadaà
toa.Masnãopenso
emsustentabilidade
quandovouàscompras
Caio Lafayette, 24 anos,
técnico em planejamento
de transportes
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consumoconsciente
2012 8,44%
2011 6,65%
2010 10,89%
2009 5,88%
2008 9,13%
Variação
dovolume
devendasdovarejo
Fonte: IBGE
2012 11.991.571
2011 10.180.448
2010 8.384.262
2009 6.933.477
2008 8.992.169
Saldo
dacarteiradecrédito
depessoasfísicas,
emmilhões
Fonte: Banco Central do Brasil
mostra que a economia está se reinventando. É necessário
que a sustentação aconteça por meio da inovação.“O Brasil
precisa investir em tecnologia, pois a economia não pode
mais se sustentar com essa antiga ideia industrial de que a
queda do consumo geraria desemprego.”
Os meios e o fim
A sociedade de consumo ainda não foi capaz de ab-
sorver, de forma equilibrada, o conceito de sustentabili-
dade.“O desenvolvimento de uma sociedade mais equi-
librada passa pela diminuição do consumo,mas esse não é
um fator que garantiria,sozinho,esse ideal”,afirma Santos.
Esse é apenas um item entre um conjunto de ações que
vão ter que se desenvolver.“Acredito que, para darmos
esse salto,um dos componentes principais é a tecnologia”,
defende. É positiva a mudança de hábitos de consumo, a
opção por um descarte de lixo direcionado, reutilização
e reúso, além da conscientização da sociedade. Mas es-
sas alterações atingem uma camada muito superficial.“Se
100% da população mundial reciclasse seu lixo,ainda seria
muito pouco. Há certas questões mais profundas ligadas
ao dilema de sustentabilidade,como aquecimento global,
consumo de energia,questões de água e agrícola,além do
lixo industrial”,pondera Santos.
Não é suficiente consumir menos. São necessárias
ações em cadeia que valorizem, em direção à sustenta-
bilidade, ao sistema de produção e ao consumo.“O que
vai fazer isso acontecer são operações mais radicais e de
profundidade. Desde regulamentações que proponham
punições e incentivos até o modelo de pensar negócios
das empresas, que precisam colocar a sustentabilidade no
centro da estratégia,de fato”,afirma Santos.
“Cada vez mais o consumidor e a sociedade estão
conscientes de que os recursos do planeta são finitos e que
o ritmo de consumo precisa ser dosado.A transparência e
a consciência ganham força nas decisões de compra.Con-
ceitos de compartilhamento, troca e reutilização ganham
pontos sobre o método tradicional de consumo”, afirma
Luis Rasquilha,CEO daAYRWorldwide.
Estudante de arquitetura e urbanismo, a vegeta-
riana Natália Andrade confessa que, no dia a dia, evita
comprar ovos de granjas.“Esses alimentos são produ-
zidos em escala industrial com utilização de aditivos
para o aumento da produtividade e com o confina-
mento das aves, portanto, sem o mínimo respeito ao
bem-estar animal”, defende. Aos 20 anos, ela afirma
que faz parte de uma geração que tem mais informa-
ções sobre aquilo que consome.Natália não pretende,
de maneira geral, deixar de consumir, mas acredita
que é importante que o consumo esteja atrelado a
uma produção sustentável.
“Por um lado,acredito que o tema da sustentabilidade
seja um sonho, uma espécie de marketing do bem. Por
Umnovo
momento
mostraque
aeconomia
estáse
reinventando.
Énecessário
quea
sustentação
aconteça
pormeioda
inovação
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consumoconsciente
croempresas familiares,é positiva para
o aumento do consumo e o desen-
volvimento sustentável da economia.
Nesse sentido, o conceito de susten-
tabilidade vai além da questão ecoló-
gica e entra na questão social.A ideia
é que a economia e o desenvolvi-
mento do País cresçam não somente
no PIB,mas também na qualidade de
vida das famílias. O modelo de ne-
gócio social,por exemplo,é utilizado
como meio de inclusão atrelada ao
desenvolvimento de produtos e em-
preendedorismo – que geram renda
e incentivam o consumo.
Como afirma Mazzon, nos úl-
timos anos o Brasil pode assistir à
ascensão econômica das classes C e
D. Elas, no entanto, investiram em
produtos voltados para necessidades
básicas ou essenciais, corresponden-
do às políticas sociais e de incentivo
ao crédito, praticadas pelo governo.
A necessidade, naturalmente, veio
primeiro na lista de produtos a se-
rem consumidos.
Questionado sobre a relação
entre poder aquisitivo e qualidade
de vida, Santos ressaltou que asso-
ciar questões como capacidade de
consumo e educação é muito arris-
cado. “É necessário ter cuidado ao
fazer uma relação entre consumo
e educação. Os EUA, por exemplo,
são um país altamente consumista.
Isso faz parte da cultura. O nível de
educação no país é alto e compra-se
muito”, compara. No entanto, aqui
no Brasil,mesmo com a ascensão de
classes antes próximas da margem
social, a educação não melhorou.
“O ensino de base,que é prioritário
para o desenvolvimento social sus-
tentável e prolongado, não mostrou
evolução”, defende. Empresas, go-
vernos,entidades e toda a sociedade
devem atuar juntos. E, como sem-
pre, a solução requer cooperação,
criatividade e capacidade de inova-
ção para encontrar o equilíbrio ide-
al.Para todos.
outro lado,combate um ciclo vicioso,e perigoso,que é a
insustentabilidade do projeto humano. Mas não acredito
que a gente consiga uma inserção completa no conceito
de sustentabilidade porque isso significaria uma perda de
todos os avanços técnicos que a gente tem.E de confor-
to”,afirma Pondé.
Crescimento encadeado
O caminho para um modelo de inovação,que permi-
ta o livre consumo das famílias,o crescimento do PIB e o
lucro das empresas, em dado momento se tornará indis-
pensável. Como afirma Paiva,o consumo é fundamental
para a sustentação da economia – não apenas no Brasil.
“As empresas sempre foram e sempre serão fundamentais
para o equilíbrio econômico. Esse fator cresce cada dia
mais. Hoje, se a Europa está em crise, o lucro pode ser
obtido nos países em desenvolvimento”,diz.
No dilema entre consumo e sustentabilidade existe
enorme espaço para as empresas. “Por meio da auten-
ticidade e transparência as empresas podem se adequar
ao conceito, sem que haja perdas. O DNA das empre-
sas ainda não engloba a sustentabilidade.Essa inclusão,no
entanto, não precisa ser feita de maneira complexa.
As ideias mais simples são as mais eficazes e a
criatividade deve ser um bom aliado dessa equa-
ção entre consumo consciente e sustentável”,
defende Rasquilha.“Quando olhamos para o
futuro e enxergamos as tendências,consegui-
mos ver que a ecossustentabilidade aponta
vários caminhos para que a sustentabilidade
e o lucro caminhem juntos. É previsto que,
em 2030, esse modelo gere algo em torno
de 25 milhões de empregos e bilhões em
transações financeiras”.
“Eu creio que se pode pensar em mo-
dos de regulamentação sem que isso diminua
a produção de riqueza e de conforto – que é
o que as pessoas querem, por mais que neguem”,
afirma Pondé. O filósofo defende, ainda, que
“qualquer saída é viável desde que não afete o di-
reito ao consumo, que é uma das maiores formas
de liberdade contemporânea”.
Eles querem comprar
Existe ainda uma parcela da população que
não consome como poderia. Paiva afirma que,
para conciliar consumo e sustentabilidade,a me-
lhor maneira é criar políticas de educação e tra-
balho. De acordo com o presidente da Mobili-
dadeVerde,a diminuição da desigualdade social,
por meio da geração de renda por meio de mi-
“asociedadeestá
conscientedequeos
recursosdoplaneta
sãofinitosequeo
ritmodeconsumo
precisaserdosado
Luis Rasquilha,
daAYR
WorldWide
CM