STJ analisa substituição de pena em caso de violência doméstica
1. Superior Tribunal de Justiça
HABEAS CORPUS Nº 176.425 - MS (2010/0110287-3)
RELATOR : MINISTRO HAROLDO RODRIGUES (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TJ/CE)
IMPETRANTE : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO
DO SUL
ADVOGADO : NANCY GOMES DE CARVALHO - DEFENSORA PÚBLICA
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO
DO SUL
PACIENTE : ARIOVALDO ANTUNES DIAS
DECISÃO
Habeas corpus contra a 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do
Estado de Mato Grosso do Sul que, acolhendo recurso de apelação interposto pelo
parquet estadual, afastou a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva
de direitos imposta a Ariovaldo Antunes Dias e determinou a suspensão condicional
da pena, pelo prazo de dois anos, devendo o paciente, no 1º ano, prestar serviços à
comunidade, pela prática do delito tipificado no artigo 21 da Lei n. 3.688/1941 c/c
Lei n. 11.340/2006.
Sustenta a impetrante que "a substituição da pena privativa de liberdade
por restritiva de direitos é o que mais atende ao princípio constitucional da individualização
da pena, pois a pena será justa e dentro dos critérios de proporcionalidade fixados de
antemão pelo legislador quando elaborou o tipo peal pelo qual o paciente foi condenado,
devendo, portanto, ser reformado o acórdão invectivado, para manter a decisão de instância
singela ", e afirma que "tratando-se de contravenção capitulada no artigo 21 da Lei de
Contravenção Penal (vias de fato), a ofensa resultante desta, não diz respeito à violência ou
grave ameaça prevista no inciso I, do artigo 44, do Código Penal, sendo absolutamente
possível a substituição da pena" (fl. 5).
Requer, liminarmente, a suspensão dos efeitos do acórdão impugnado
até o julgamento deste writ e no mérito, a concessão da benesse nos termos
expostos.
Tudo visto e examinado, decido.
Desprovida de previsão legal específica (artigos 647 a 667 do Código
de Processo Penal), a liminar em sede de habeas corpus , admitida pela doutrina e
jurisprudência pátrias, reclama, por certo, a demonstração inequívoca dos requisitos
cumulativos das medidas cautelares, quais sejam, o periculum in mora e o fumus
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boni iuris.
É esta a letra da sentença, no particular:
"O regime de cumprimento de pena será o aberto.
A Douta Promotoria e Digna Defensoria da Mulher requereram
que não se aplicasse o art. 44 do CPB haja vista que o fato típico é
proveniente de violência ou grave ameaça.
Este juízo vem aplicando, desde o inicio da Vara Maria da
Penha, o art. 44 do CPB para os fatos típicos de menor gravidade (lesões
simples, ameaças, vias de fato, perturbação, etc...,) haja vista que a Lei é
nova e altera os conceitos do Direito Penal e Processual Penal anteriores,
conforme exposição de motivos da Lei 11.340/2006.
Por outro lado, note-se o art. 4º da Lei determina que na
interpretação da Lei se leve em conta os fins sociais a que ela se destina.
Observe-se que, quando da colocação do art. 44 no CPB, não
se cogitava de uma lei específica para cuidar da violência doméstica e, se o
legislador desejasse, fatalmente teria determinado, na nova lei, a
impossibilidade de se aplicar a suspensão conforme o disposto naquele artigo
já que determinou que não se aplicasse toda uma Lei (art, 41 da Lei
11.340/2006).
Saliente-se que a violência, no caso da lei 11.340/2006 é,
normalmente, de pequena monta, ou pouca gravidade, de forma que não se
adéqua ao sentido empregado pelo artigo 44, I já que, aquela previsão,
estava dentro de uma visão penal antiga e a nova lei tem por objetivo
solucionar os problemas da violência doméstica e familiar e não criar eternas
pendências judiciais, para os condenados, que fatalmente irá influenciar na
situação familiar, notadamente nos filhos, na maioria das vezes.
Prova disso é o fato de que o legislador diminuiu a pena
mínima para as lesões corporais, sabedor que elas são a maioria
esmagadora da violência doméstica, demonstrando que o objetivo da lei é
solucionar o conflito familiar e não punir o agressor, possibilitando o
cumprimento rápido da pena e a continuidade do vínculo familiar, quando
possível.
Assim é que o julgador observa o fim social da lei e crê não se
deve impedir o benefício ao condenado hava vista que soluciona,
rapidamente, as penas, normalmente de prisão simples e detenção por três
ou mais meses e, vincular tais penas ao cumprimento de condições por dois
anos (art. 77 do CPB), somente irá tumultuar a vida do acusado, da família,
dos filhos, da própria vítima, muitas vezes, e criar os eternos descumpridores
das medidas judiciais, e as prisões pelo não cumprimento, tornando ao
agressor um revoltado, com reflexos para a própria vítima.
Ressalte-se que o acusado de violência doméstica não é um
criminoso comum mas sim um trabalhador que foi criado com o culto ao
“machismo” sul-americano e que não tem muita noção da ilicitude dos atos
praticados já que viveu em família com tal comportamento e nunca foi
educado para comportamento diferente.
Não se aplicar o art. 44, para possibilitar rápida solução da
condenação, só irá ser prejudicial à própria sociedade, e a aplicabilidade
atende ao fim social almejado pela Lei 11.340/2006, aliado ao Princípio
Constitucional de Favorecimento ao acusado.
Repita-se, o objetivo da lei não é punir mas sim solucionar o
conflito familiar de forma a não desestruturar ainda mais a família, em
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evidente prejuízo social.
Assim, repele-se o pleito e aplica-se o artigo 44, parágrafo 2º
do Código Penal, que autoriza a substituição da pena por restritiva de
direitos, consistente em prestação de serviço à comunidade, 04 horas
semanais, no Asilo da Velhice Desamparada e Indigente São João Bosco,
pelo período da pena.
Atento a previsão do artigo 45 da Lei 11.340/2006,
determina-se o comparecimento obrigatório do agressor à Clínica-Escola
Projeto Penas Alternativas na Universidade Católica Dom Bosco - UCDB, sito
na Av. Tamandaré, n. 6.000, para se submeter ao programa de recuperação
e reeducação mantido pela Coordenadoria Especial De Políticas Públicas
Para a Mulher do Governo do estado de Mato Grosso do Sul." (fls. 33/34).
E esta, a do acórdão impugnado:
"(...)
O Ministério Público recorre alegando que a substituição da
pena privativa de liberdade por restritivas de direitos não é aplicável ao caso
em tela, já que o apelante foi condenado por crime praticado com violência à
pessoa (vias de fato).
Sobre a substituição da pena corporal pela restritiva de direito,
o aludido art. 44 do Código Penal prescreve que:
(...)
Como se verifica, o dispositivo supra transcrito não permite a
substituição da pena para os crimes cometidos com violência ou grave
ameaça, como ocorreu no caso em tela.
Sobre o assunto, o STF, em recente decisão no HC
97.333/SC, Rel Ministra Laurita Vaz, julgado em 24/03/2009, DJe 20/04/2009,
decidiu que 'A teor do art. 44, inciso I, do Código Penal, é vedada a
substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos quando se
tratar de condenação superior a quatro anos de reclusão, ou por crime
praticado com violência ou grave ameaça à pessoa...'
(...)
Dessa forma, afasto a substituição da pena privativa de
liberdade por restritiva de direitos e, preenchidos os requisitos no art. 77, do
CP, concedo ao apelado Ariovaldo a suspensão condicional da pena pelo
prazo de 02 (dois) anos, devendo no 1º ano prestar serviços à comunidade,
nos termos do art. 78, º, CP, sendo que as demais condições serão
estabelecidas pelo Juízo da Execução Penal.
Diante do exposto, com o parecer, dou provimento ao recurso
ministerial." (fls. 18/19).
O periculum in mora é manifesto e mostra-se plausível que a
interpretação sistemática das leis que disciplinam as infrações de pequeno potencial
ofensivo e da violência doméstica contra a mulher exclui a incidência da proibição
inserta no inciso I do artigo 44 do Código Penal, em caso de vias de fato.
Defiro, pelo exposto, a liminar, para restabelecer os efeitos da decisão
do juízo do primeiro grau da jurisdição, até o julgamento do presente writ.
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Comunique-se e solicitem-se informações ao egrégio Tribunal de
Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, a serem prestadas com a maior
brevidade possível.
Com a resposta, ao Ministério Público Federal.
Publique-se.
Brasília, 26 de julho de 2010.
MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO
No exercício da Presidência
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