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1. COSMOLOGIA PLATÔNICA
Em sua cosmologia Platão entende uma estrutura hierárquica do real. Que
consiste nos princípios do Uno e Díade indeterminada do plano das ideias
(números, ideias gerais e particulares), plano dos entes e seres matemáticos
(objetos da aritmética, geometria plana, astronomia pura e musicologia, aqui se
encontram as almas do mundo e alma em geral) e plano do mundo físico
sensível.
Platão supôs a necessidade de haver uma causa ordenadora de todas as
coisas, e a esta chamou Demiurgo1
. Mas esta inteligência ordenadora está em
função do ser em sua dimensão de vir a ser, ou seja, o ser que é causa específica
do demiurgo e de tudo que ele postula.
O Pensamento cosmológico de Platão se divide em quatro axiomas:
a) O ser que é sempre à este é o ser inteligível, não está sujeito a
geração ou ao devir. Este é captado pela inteligência através do
raciocínio.
b) O devir à o que continuamente se engendra. Este sempre está em
mudança, nunca é um ser verdadeiramente. É captado pelas
sensações que são distintas da razão.
c) Tudo o que está sujeito ao processo de geração, e para tal existe uma
causa, que é o demiurgo.
d) Demirugo à artífice que produz algo, mas sempre parte de uma
referência. Ou fruto da experiência sensível ou racional. Ao tomar
como referência o que é eterno o produto é belo, caso contrário, o
modelo seja algo gerado não é belo.
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
1
O termo Demiurgo (δηµιουργός) significa artífice e, com Platão, assumiu um sentido técnico para
designar Deus artífice do mundo. É a causa inteligente e voluntária que plasma a matéria informe
e caótica produzindo o mundo como ordem. A razão que move o demiurgo a agir é o bem. Este é
hierarquicamente inferior as ideias e depende delas, porém, é superior a todas as almas por ele
produzidas. Ele é capaz de produzir outros deuses inferiores e as partes incorruptíveis do homem
e do mundo. Desempenha papel intermediário entre o mundo das ideias e o sensível. REALE.
Giovanni. Op. cit. p. 66.	
  
	
  
2	
  
	
  
Quanto as almas Platão diz: “A alma não tinha mácula antes de estar
aprisionada ao corpo, ao qual se une como a ostra a sua concha2
.” Diante dessa
frase impactante de Platão, percebe-se a pureza que a alma, anteriormente ao
contato com a matéria; logo, essa alma necessitaria de uma volta para seu estado
inicial mais perfeito. Tal perfeição é conferida à alma humana, pela sua própria
natureza, por já ter contemplado, um dia, o Ser verdadeiro3
, assim pode-se dizer
que e a alma é muitíssimo superior ao corpo.
A alma é “o movimento capaz de mover a si mesmo”4
, segundo Teixeira a
alma do mundo é responsável por todo movimento, considerada imortal5
. No
Timeu, Platão explica que esta alma não é mais nova que o corpo, mas anterior a
este e é responsável por seu governo e domínio6
.
A alma do mundo foi criada pura, localiza-se, ao mesmo tempo, em seu
centro e envolve-o7
. E a alma humana, também, foi criada pelo Demiurgo, a partir
da alma do mundo. Mesmo sendo inferior a esta, a ela foi dado todo
conhecimento das leis e das verdades8
. Visto que, a alma humana comunga da
mesma natureza da alma do mundo, sendo entendida como imortal e, também,
ser chamada divina9
. O Demiurgo, deste modo, constitui a alma do mundo de
acordo com seu intelecto10
, e a partir disso fabricou tudo que é corpóreo e os
uniu: essa alma (do mundo) dá início ao começo divino de uma vida inextinguível
e racional para todo sempre. O corpo do céu é gerado (visível) e a alma, invisível,
participa da razão11
.
No homem, quando a alma é implantada no corpo, por necessidade, ela se
depara com as paixões12
, de acordo com a seguinte ordem:
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
2
PLATÃO. Fedro. São Paulo: EDIPRO, 2011. 250c.
3
Ibidem. 250a.
4
PLATÃO. As leis. 2 ed. São Paulo: EDIPRO, 2010. 896a.
5
TEIXEIRA, Evilázio. A educação do homem segundo Platão. São Paulo: Paulus, 1999. p. 87.
6
PLATÃO. Timeu. Coimbra: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, 2011. 34c.
7
. Ibidem. 34b.	
  
8
	
  PLATÃO. Timeu. 41d-e.	
  
9
	
  TEIXEIRA, Evilázio. A educação do homem segundo Platão. São Paulo: Paulus, 1999. p. 89.	
  
10
O termo Nous (νοῦς) é comumente traduzido por intelecto (ou também mente, inteligência e
pensamento). Com Platão a problemática do Nous se enriquece com as aquisições da “segunda
navegação” e, portanto, desloca-se para o plano metafísico. Nous é a alma racional,
hierarquicamente superior à concupiscível e à irascível. Mas é também um intelecto próprio da
alma mundo. Ibidem. p. 184-185.	
  
11
	
  PLATÃO. Timeu. 36d-37a.	
  
12
	
  PLATÃO. Op. cit. 42a.
3	
  
	
  
Em primeiro lugar, uma sensação única e congénita gerada por
impressões violentas; em segundo lugar, o desejo amoroso, que é
uma mistura de prazer e sofrimento; depois destes, o temor, a
cólera e todas as sensações que se lhes seguem e todas as que
por natureza são contrárias e se diferenciam destas13
.
A alma, por sua excelência e existência anterior ao corpo, deve comandá-lo.
Desta forma, quando unidos no mesmo ser, cabe ao último obedecer e sujeitar-
se. A harmonia se faz plenamente estabelecida quando a alma exerce sua
natureza de comando e senhorio, enquanto o corpo se limita a servidão e
obediência. Isso se justifica pelo fato de a alma assemelhar-se à realidade divina
e o corpo àquilo que é mortal. A mesma alma tende a liberta-se do que é terreno
e perecível buscando o que lhe é semelhante. No entanto, o corpo é seu abrigo,
pois somente a partir dele ela pode purificar-se e voltar a sua origem. Isto explica
a permanência e unidade do composto no mundo sensível, pois apesar da
inquietação pela liberdade, é necessário o laço de união entre as partes14
.
A alma humana é de natureza boa, essa bondade se deve ao fato da sua
criação pelo próprio Demiurgo, o mesmo que gerou a alma do mundo e a de
todos os deuses. Este fato também confere a ela certo potencial de ser chamada
“divina”. Uma vez criada, à alma humana foi apresentada a natureza do universo
e ainda, foi-lhe dado conhecer as leis e as verdades, as quais estava destinada a
saber. Outro fato que lhe pode ser acrescentado é a capacidade de praticar
sempre a justiça15
.
Em contrapartida, o ser vivente é composto de corpo e alma; enquanto esta
permanecer misturada a tão grande mal, jamais poderá alcançar a verdade que
deseja. Essa limitação se deve ao fato de o corpo ser repleto de necessidades de
sustento, susceptibilidade às doenças, desejos sensuais, apetites temores e toda
infinidade de ilusões e tolices. Não é possível conceber que o impuro possa
atingir o puro, por isso, se torna inviável pensar que, estando aprisionada ao
corpo, a alma possa ir de encontro à verdade, que alguns já comungam. Aqueles
que se encontram atados neste cárcere, só podendo ser libertos pelo Deus, pela
experiência da morte. Somente desse modo libertando se da insanidade do corpo
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
13
	
  Ibidem. 42a-b.	
  
14
	
  TEIXEIRA. Op. cit. p. 89.	
  
15
	
  PLATÃO. Timeu. 41c-e.	
  
4	
  
	
  
poder-se-á alcançar a almejada contemplação da verdade, e assim poderão
desfrutar da verdadeira felicidade16
.
As almas que buscam manter-se na retidão, conservando sua pureza são
mais predispostas ao reencontro com a verdade. Por isso a necessidade do
cuidado desta, pois de nada vale o cuidado somente com o corpo sem querer
curar a alma17
. Seria um grande erro voltar-se exclusivamente para os cuidados
do corpo – onde se encontram todas as coisas inferiores e que afastam a alma
daquilo para o qual ela foi criada – e não atentar-se para o princípio que o
movimenta. Quando se busca aperfeiçoar a alma, esta se torna boa, e assim
consegue a plenitude, que consiste na libertação do cárcere e contemplação
novamente das verdades eternas, conforme pode ser visto no Fédon.
Pensando nesta necessidade da alma, surge assim a exigência de: ter um
autocontrole sobre as paixões; buscar uma boa conduta; e educar as ações para
que possa um dia alcançar a plenitude que consiste na vida junto aos deuses e
contemplação das perfeições. Como em Platão, a alma é concebida como imortal,
é preciso que ela não seja dominada por vícios que a corrompam e ocasione os
males como: injustiça, insensatez, impiedade e outros males próprios do corpo
fazendo com que ela permaneça mais tempo longe das verdades18
.
Quanto à imortalidade, Platão diz no Ménon que a alma do homem mesmo,
ora na experiência que se chama morte, ora nascendo de novo, jamais será
aniquilada, demostrando que a alma do homem é imortal (Ψυχή ᴦού άνθρώπου
είναι ᴦού αθανασια)19
. Para Casoretti, a imortalidade pode-se explicar através da
imaterialidade. Se entendermos que a alma tem acesso e conhecimento das
ideias que são imateriais, essa por conseguinte também tende a ser imaterial. Se
a imaterialidade pressupõe imortalidade, logo a alma é imortal20
.
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
16
	
  Idem. Fédon. São Paulo: EDIPRO, 2011. 66b-67b.	
  
17
	
   Pero que Zalmoxis, nuestrorey, siendo como es dios, sostenía que no había de
intentarselacuración de unos ojossinlacabeza y lacabeza, sinel resto delcuerpo; así como
tampocodelcuerpo, sinel alma. (Tradução livre). PLATÃO. Cármides. Disponível em:
<http://www.edu.mec.gub.uy/biblioteca_digital/libros/P/Platon%20-%20Carmide.pdf>. Acesso em:
03.09.2014. 156e-157a.
18
PLATÃO. Cármides. Disponível em: <http://www.edu.mec.gub.uy/biblioteca_digital/libros/P/Pl
aton%20-%20Carmide.pdf>. Acesso em: 03 set 2014. 154e.
19
Idem. Mênon. Rio de Janeiro: PUC-Rio; Loyola, 2001. 81b.
20
CASORETTI, Anna Maria. A origem da alma: do orfismo a Platão.2010. 73 f. Monografia
(Graduação) – Departamento de Filosofia, Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade
Mackenzie, São Paulo, 2010. p. 59.
5	
  
	
  
No Fédon encontramos, a partir da teoria dos opostos, uma satisfatória
explicação sobre esse assunto.
Ora, o que temos a determinar é quais coisas, sem que sejam os
opostos de algo, não obstante isso, não admite, como número
três, que embora não seja o oposto da forma do par, ainda assim
não admite, apresentando sempre seu oposto contra ela, e tal
como o número dois apresenta o oposto do ímpar, e o fogo o
oposto do frio, e assim por diante, pois os casos são muitos. Bem,
vê se aceitas a seguinte afirmação, a saber, não só opostos não
admitirão seus opostos, como também nada que traga um oposto
àquilo de que se aproxima jamais admitirá em si a oposição do
que é trazido. Deixa-me refrescar tua memória, uma vez que nada
a de danoso no fato de repetir. O número cinco não admitirá a
Forma do par, do mesmo modo que o dobro de cinco, o número
dez, não admitirá a fórmula do ímpar. Ora, ainda que o dez não
seja ele próprio um oposto, não admitirá a Forma do ímpar.
Tampouco, o um é meio e outras frações combinadas, bem como
um terço e outras frações simples admitem a Forma do todo21
.
A partir disso, o autor entende, de forma mais refinada, que o que pode torna
o corpo quente não é a quentura, mas sim o calor. Bem como o que o torna
enfermo, não é a enfermidade, mas sim a febre. Analogamente, o que pode ao
corpo torná-lo vivo não pode ser descrito tão somente como a vida mas a sua
alma. Consequentemente, entende que as coisas nas quais a alma habita a elas
transmite vida, não podendo aceitar o seu oposto, que é a morte. Como se
entende que tudo aquilo que não admite a morte é chamado imortal, logo a alma
será chamada imortal. Considerando que o imortal também é indestrutível, não
seria a alma, já que é imortal também indestrutível? Assim, quando a morte atinge
um ser humano, sua parte mortal, pelo que parece, morre, porém a parte imortal
segue incólume e não destruída para alguma região do Hades, furtando-se da
morte22
.
Finalizando, observemos como se dá a demonstração da imortalidade no
Fedro.
Toda alma é imortal, pois aquilo que se mantém sempre em
movimento é imortal; aquilo, entretanto, que move alguma coisa
mais ou é movido por alguma coisa mais, quando cessa seu
movimento, deixa de viver. Assim, é somente aquilo que move a si
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
21
PLATÃO. Fédon. 105ab.
	
  
22
PLATÃO. Fédon. 105c-107a.
6	
  
	
  
mesmo que nunca cessa de mover-se, constituindo também a
fonte e princípio de movimento para todas as demais coisas que
se movem. Mas o princípio não é gerado porque tudo que é
gerado é necessariamente gerado a partir de um princípio, e o
princípio não é gerado a partir de coisa alguma, pois se fosse
gerado não seria a partir de um princípio. E uma vez que não é
gerado, tem necessariamente que ser também indestrutível, já
que se o princípio fosse destruído, jamais poderia ser gerado a
partir de qualquer coisa nem qualquer coisa que lhe é distinta a
partir dele, posto que todas as coisas tenham que ser geradas
com base num princípio. Por conseguinte, o automotor (aquilo que
move a si mesmo) é necessariamente o princípio do movimento,
não sendo ele nem destruído nem gerado, caso contrário todo o
céu e toda geração necessariamente se abateriam e se deteriam,
jamais teriam novamente uma causa para retomar o movimento.
Mas desde que constatamos que aquilo que se move por si
mesmo é imortal, aquele que afirma que este auto movimento é a
essência e o fundamento da alma não incorrerá em ignominia. De
fato, todo corpo que recebe movimento de uma fonte externa não
possui alma (αψυχος23
), enquanto o que tem seu movimento
dentro de si possui alma (Ζωντανός24
), uma vez ser essa natureza
da alma. Entretanto, na hipótese de ser isso verdadeiro, a saber,
que aquilo que move a si mesmo (o automotor) nada é se não a
alma, seria necessariamente de se inferir que a alma é não
gerada e imortal25
.
Platão, quando aborda a divisão da alma em sua segunda maior obra, A
República, afirma:
Bem, por certo estamos compelidos, então, a concordar que cada
um de nós tem no interior de si as mesmas partes e
características do Estado? Afinal, que outra origem poderiam ter?
Seria absurdo alguém pensar que a animosidade não provém dos
Estados de indivíduos que se supõem sejam possuidores de
animosidade, como os trácios, cítios e outros povos que vivem ao
norte, ou que algo idêntico não se aplique ao amor ao
conhecimento, o qual é principalmente associado com a nossa
parte do mundo, ou o amor ao dinheiro, o qual poder-se-ia dizer e
manifestamente exibido pelos fenícios e os egípcios [...] Mas o
que é difícil compreender é isso: executarmos as coisas com a
mesma parte de nós mesmo ou a executarmos com as três partes
distintas? Aprendemos com uma parte, ficamos irados com uma
outra e com uma terceira desejamos os prazeres do alimento, da
bebida, do sexo e outros que lhe são estreitamente aparentados?
Ou quando procedemos a algo atuamos com a totalidade de
nossa alma em cada caso? É isso que é difícil determinarmos de
uma forma compatível com o nível de nossos argumentos26
.
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
23
αψυχος. Termo grego que significa inanimado.
24
Ζωντανός. Termo grego que significa inanimado
25
PLATÃO. Op. cit. 245d-246a.	
  
26
PLATÃO. A República. 2 ed. São Paulo: EDIPRO, 2014. 435e-436b.
7	
  
	
  
Platão afirma que a alma, na equivalência com o Estado, é dividida, mas
sem que haja contradição entre as suas distintas porções, já que cada parte
exerce, a sua maneira, a sua respectiva função de forma que se mantenha no
todo a harmonia.
Na tradição platônica, a alma humana é entendida como tripartida, ou seja,
dividida em três partes a saber: apetitiva, racional e irascível27
. O elemento
apetitivo irracional é “aquele com a qual a alma experimenta desejo sexual, fome,
sede e fica excitada por outros apetites, é o companheiro de certas concessões
(aos apetites) e prazeres.”28
. O elemento racional é o que governa a favor da alma
inteira já que é, distintamente, o que possui a sabedoria29
. O elemento irascível,
também chamado de animosidade, parece confundir-se com o que tratamos
anteriormente, a parte apetecível. No entanto “está longe de o ser, pois, no
conflito de facções no interior da alma, esta se alinha muito mais com o elemento
racional30
” A guerra civil que ocorre no interior do homem entre o elemento
racional e o apetecível gera certo conflito. Para tentar manter uma ordem, entra
em ação o papel do elemento irascível, o qual trará equilíbrio na alma dominando
o apetitivo sob o governo da razão. Por isso, é considerado de fato o terceiro
elemento da alma, que por natureza deve auxiliar o elemento racional, devido à
educação, excluindo qualquer tipo de corrupção31
.
A defesa da alma tripartida, segundo Platão, pode ser sustentada por pelo
menos três argumentos. O primeiro teria a necessidade de certo entrosamento
entre as virtudes do Estado e da alma de cada indivíduo, que são: a justiça, a
sabedoria, a coragem e a temperança. Encontram-se precisamente na obra A
República, na sua quarta parte, sendo essas características necessárias tanto à
alma do indivíduo como ao Estado. O segundo argumento advém dos diferentes
modos e características que as cidades podem ter, de acordo com os atributos
psicológicos de cada indivíduo32
. O terceiro, por sua vez, está de acordo com o
princípio de não-contradição pelo qual não se pode ser e não ser ao mesmo
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
27
Ibidem. 440e-441a.
28
Ibidem. 439d.
29
Ibidem. 441e.
30
Ibidem. 440e.
31
PLATÃO. República. 440b; 441a.
32
PURSHOUSE, Luke. A República de Platão: um guia de leitura. 2 ed. São Paulo: Paulus, 2011.
p. 85-86.
8	
  
	
  
tempo em relação à mesma coisa33
. Ou ainda, não é pertinente afirmar que uma
parte do indivíduo está em movimento enquanto outra parte está em repouso34
.
Se nesse caso entende-se que o indivíduo como um todo está em movimento, da
mesma forma a alma age por inteiro.
Teixeira, corroborando esta ideia de tripartição e entendendo a alma como
um todo complexo, aborda suas partes, a partir de três funções:
A primeira função é aquela que é mais fundida com o corpo;
pertence à ordem dos impulsos, dos desejos e das necessidades:
é a alma desejante ou concupiscente – que ocupa seu lugar
corporal no ventre: é a função pela qual a alma deseja e sente
fome e sede e fica perturbada pelos demais apetites. Essa função
desejante da alma é chamada também de epithymía, que
corresponde à natureza do trabalhador produtor. A alma desejante
é a das pulsões, das necessidades e dos desejos. É aquela que
ama, que tem fome, que tem sede e se dispersa incessantemente
em torno dos múltiplos desejos. A segunda função da alma
consiste na razão: é a alma racional. Situada na cabeça, constitui
a porção divina do homem, pois está, por natureza, em relação ao
inteligível: é o “olho da alma”. Sua função é calcular, prever,
submeter a exames os caprichos do desejo – seu último é a
contemplação das essências. A terceira função diz respeito à
dimensão do afeto: é a parte afetiva da alma e possui uma
espécie de função mediadora. O coração exerce uma função
mediadora, quando a deliberação da razão é oposta à
necessidade do instinto. Essa terceira função é chamada por
Platão de thymós35
.
Silva também comenta que cada elemento da alma aspira um prazer
específico de acordo com as atividades cognitivas. O apetitivo se volta aos
prazeres relacionados à percepção, ou seja, às experiências sensíveis; o irascível
se volta a essência das coisas em particular, pela via da opinião; e o racional,
devido à sua capacidade cognitiva, busca entender as coisas como elas são,
segundo a ciência. Ele ainda comenta que a parte racional está sempre voltada
para a verdade e para o verdadeiro bem. As outras duas partes se ligam ao que
parecer ser um bem, ou seja, as coisas aparentes36
.
No Fedro, Platão apresenta a alegoria da parelha alada de forma a explicar
a tripartição da alma, além de introduzir a importância da educação para a
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
33
PLATÃO. Eutidemo. Rio de janeiro: PUC-Rio; Loyola, 2001. 293c.
34
Idem. A República.436c.	
  
35
TEIXEIRA, Evilázio. A educação do homem segundo Platão. São Paulo: Paulus, 1999. p. 34.
36
SILVA, Wilson José. A unidade das virtudes nos diálogos socráticos: uma questão de método.
2006. 157 f. Dissertação (mestrado) – Departamento de Filosofia, Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, USP, São Paulo, 2006.p. 39-40.
9	
  
	
  
mesma. O mito consiste numa biga puxada por dois cavalos e conduzida por um
cocheiro. Um dos cavalos é de raça pura e caráter nobre equivalendo ao
elemento irascível, enquanto o outro não é de raça pura, mas miscigenada e nada
nobre quanto ao seu caráter, comparando-se ao elemento apetecível. O cocheiro,
que representa o elemento racional, possui a árdua missão de conciliador e guia
da parelha37
.
Durante um determinado período essas almas tinham asas que as ajudavam
a se erguerem para o alto levando consigo o que é pesado até alcançarem o lugar
onde os deuses habitam, ou seja, a região celestial. Contudo, algumas almas
perderam suas asas, por isso perambularam até encontrarem um lugar sólido
para se instalar, assumindo um corpo terrestre, o qual, devido ao poder da alma
nele encerrada, parece capaz de movimento próprio. Esse composto de corpo e
alma é conhecido como ser vivo. A alma, mais do que qualquer outra coisa que
pertença ao corpo, participa da natureza do divino. O divino contém a beleza, a
sabedoria, a bondade e todas a demais qualidades a essas semelhantes. As
almas dotadas dessas qualidades são bem alimentadas e a elas são restituídas
as asas, enquanto as que se entregam aos vícios, as asas se encolhem e
desaparecem38
. Dessa forma, aquelas almas que vivem virtuosamente, vivendo
sua vida humana de maneira digna, obtêm uma melhor sorte e são erguidas pela
justiça a uma região celestial, enquanto aquelas que vivem viciosamente
desfrutam de pior sorte, pois partem para os postos correcionais na terra para
cumprirem a sua pena até alcançarem a purificação39
.
As virtudes estão presentes na alma e Platão entende que virtude é a
excelência na função própria. Já que cada coisa, ou seja, cada objeto assim como
cada ser vivo tem uma ou mais funções, a virtude consiste no fato de exercer
perfeitamente essa função. Sendo assim, a virtude da faca é cortar, do olho
enxergar, e em relação ao homem, este deve saber, ser corajoso e conseguir
dominar seus desejos. Dessa maneira, todo objeto técnico tem uma virtude, assim
como todo ser vivo. Com isso, vê-se que para definir a virtude de cada coisa ou
objeto faz-se necessário conhecer a natureza da mesma. Portanto, por virtude
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
37
PLATÃO. Fedro. 246a-b.
38
PLATÃO. Fedro. 246d-e.
39
Ibidem. 249a-b
10	
  
	
  
além da excelência do caráter, pode-se entender a perfeição de uma atividade,
seja ela qual for40
.
A virtude como excelência deve ser entendida por um caminho que passa
pela posse de um saber que proporcionará a ela seu status. Sendo assim, a
excelência encontra-se na dimensão cognitiva, ou seja, ser excelente nada mais é
do que saber como sê-lo. Dessa forma, o homem de posse de um saber prévio de
suas próprias aptidões irá desenvolvê-las até alcançar a excelência, a virtude41
.
Nas Leis, Platão afirma que o virtuoso é aquele homem que não comete
erros e, além disso, auxilia os magistrados a corrigir os erros alheios:
Aquele que não comete qualquer erro é efetivamente um homem
digno de honra, porém digno de honra em dobro, e mais, é aquele
que em adição a isto não permite que os cometedores de erros,
os cometam, pois enquanto o primeiro vale por um homem, o
segundo vale por muitos, já que informa os magistrados a respeito
da ação errônea dos outros. E aquele que auxilia os magistrados,
na medida de suas forças, a punir, que o proclamemos o grande
homem do Estado, e homem consumado, o campeão da virtude42
.
Ainda a respeito, Platão entende que o virtuoso é bom, mas para ser bom é
preciso ser “sábio, corajoso, moderado e justo”43
, pode-se entender que em sua
concepção são quatro as virtudes principais ou capitais. Quanto a elas, ele
apresenta que se distinguem por caraterísticas próprias que devem ser
acentuadas em um determinado momento para exercer aquilo que lhes compete,
explicando as pela analogia com as partes da alma e sua correspondência com
as diferentes classes existentes em seu Estado44
.
Em A República, por sua vez, encontram-se as definições de cada uma
destas quatro virtudes:
Então devemos lembrar que cada um de nós, no qual cada
elemento cumpre sua própria função, será justo e fará o que lhe
cabe. [..] eu suponho, que qualificaremos um indivíduo de
corajoso, a saber, quando a animosidade preserva em meio a
dores e prazeres, os ditames da razão sobre o que é para ser
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
40
BRISSON, Luc; PRADEAU, Jean-François. Vocabulário de Platão. São Paulo: WMF Martins
Fontes, 2010. p. 72-73.
41
Ibidem. p. 73.
42
PLATÃO. As Leis. 730d.
43
Idem. A República. 427e.
44
PURSHOUSE, Luke. A República de Platão: um guia de leitura. 2 ed. São Paulo: Paulus, 2011.
p. 93.	
  
11	
  
	
  
temido e o que não é para sê-lo. [...] e qualificaremos de sábio
devido àquele pequeno elemento de si que nele governa, produz
estes ditames e encerra dentro de si o conhecimento do que é
proveitoso para cada elemento e para toda alma, que é a
associação de todos os três elementos – irascível, apetitivo e
racional. [..] e não é ele moderado devido as relações amistosas e
harmoniosas entre esses mesmos elementos, a saber, quando o
governante e os governados concordam que o elemento racional
deve governar e não entram em conflito com este? A moderação é
isso e nada mais tanto na (esfera do) Estado) quanto na (esfera
do) indivíduo45
.
2. A PÓLIS PLATÔNICA
Com o término do período homérico, ao olhar para a necessidade da cidade
primitiva, Platão propôs um Estado ideal, no qual foram propostas características
muito claras para homens que têm diferentes necessidades. A organização da
vida humana dentro de um estado não se daria apenas através de cumprimento
de ordens, ou seja, não bastaria somente viver, mas seria necessário, sobretudo,
viver bem. Com isso, o melhor lugar para o homem desenvolver as suas virtudes
é a Polis.
Para facilitar o entendimento a respeito do contexto da época em que
surgem as polis, é preciso, primeiramente, ater-se as questões dos períodos que
antecederam as mesmas, destacando a importância dos povos micênicos até o
período homérico.
O povo micênico possuía um estilo de vida social totalmente centralizada em
torno do palácio, tudo que dizia respeito aos poderes religiosos, políticos,
militares, econômicos estava organizado dessa forma, e tinha como apoio os
escribas que ajudavam a controlar toda essa estrutura de soberania46
.
Nesse estilo de governo, o soberano exercia um poder total sobre todos os
demais, uma profunda submissão, pois os dignitários não eram funcionários, mas
eram encarregados de disseminar, em todos os lugares que fossem designados,
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
45
	
  PLATÃO. A República. 441e-442d.	
  
46
VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. 2 ed. São Paulo: Difusão Européia
do Livro, 1972. p. 15.
	
  
12	
  
	
  
esse poder absoluto que se encarna no monarca. O Rei concentra em si todas as
atividades, como por exemplo: compra das armas, definir estratégias, escolher os
tipos de sacrifícios a serem oferecidos, determinar as taxas de sacrifícios e
organizar os cultos. E é chamado por todos por anáx. O palácio era o centro, o
lugar das prestações e gratificações47
.
Essa realeza, sobre a qual não há muitos dados históricos, era dividida em
basicamente três estágios: o bélico – no qual o soberano se apoiava nos
aristocratas guerreiros, nos homens dos carros, que estavam sujeitos a sua
autoridade, mas que formavam um corpo social e na organização militar do reino.
Este grupo era privilegiado, pois possuía um estatuto particular e um gênero de
vida próprio; o rural – sua dependência não era tão absoluta em relação ao
palácio, no entanto tinham a obrigação de alimentar, dar “presentes” e fazer
prestações de contas ao palácio, com a função primordial de suprir as
necessidades desse; administrativo – manter a contabilidade e administração do
palácio, contudo, baseava-se, principalmente, na escrita e construção de arquivos
por escribas. Estes forneciam as técnicas e esquemas para administrar o palácio
fechando tudo aos reis. A língua se restringia a essa escrita, sendo objeto de uso
para administração do palácio48
.
Devido ao rompimento do vínculo, que perdurava por vários séculos, entre a
Grécia e o Oriente, pela invasão dórica, fecha-se as portas do mar e retorna-se a
uma economia agrícola. No mundo homérico não é reconhecida a divisão do
trabalho anterior, como expressa pela sociedade micênica. Todos se encontram
agrupados ao redor do palácio ou agrupados nas aldeias para servir as ordens do
rei. A partir das invasões, o sistema palaciano desaba e nunca mais será o
mesmo, não se erguerá. O termo anáx desaparece do cenário político e é
substituído pelo termo técnico basileus – consiste no grupo dos Grandes que
desempenharão poder real, no cume da hierarquia real. A ruína dos palácios
promove ainda a mudança da escrita. Esta se deu, exclusivamente, por influência
fenícia, no qual não se limita somente a escrita, mas a presença da fonética que
ajudará a divulgar o regime, e colocá-lo igualmente sobre o olhar de todos as
diversas realidade sociais e políticas, abandonando a restrição única de
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
47
Ibidem. p. 22.
48
VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. 2 ed. São Paulo: Difusão Européia
do Livro, 1972. p. 23-24.
13	
  
	
  
confecção de arquivos do palácio49
. Nesse novo período o rei mudou não
somente de nome, mas de natureza50
.
A queda do regime micênico inaugura uma nova civilização grega. Surgindo
assim, uma nova forma de entendimento do governo, pois após o
desmoronamento do palácio, promoveu-se o advento de conflitos entre as
famílias mais eminentes que ainda sustentavam a existência de uma aristocracia
guerreira versus as comunidades aldeãs. Com isso, visando a busca do equilibrio
e diminuição dos conflitos surgem acordos que farão nascer, em meio a toda a
desordem, um período de reflexão moral e especulações políticas que vão definir
uma primeira forma de “sabedoria” humana51
.
Este período da “sophia” tem seu início desde a aurora do século VII, e foi
marcado pela presença de inúmeros personagens áureos, apesar de bem
estranhos. Estes homens eram detentores de glória lendária, tidos como os
verdadeiros sábios. Sua principal preocupação não era com a physis, mas com o
mundo dos homens, que elementos o compõe, que forças o dividem contra si
mesmo, como harmonizá-las e unificá-las para que de seus conflitos surja a
ordem humana da sociedade. Essa sabedoria é fruto de uma longa história difícil
e acidentada, em que se detêm fatores múltiplos, mas que desde seu início
afastou da concepção soberana da sociedade micênica para orientar-se num
outro caminho52
.
As associações formadas pelos camponeses – campesina – aparecem na
história mais primitiva das polis, mas este regime vai sendo substituído, ou melhor
dizendo aprimorado, acompanhando o aperfeiçoamento das relações entre os
homens, que precisa por uma necessidade espiritual, formar comunidades. Essas
mudanças nas relações dos homens faz surgir as cidades, que são chamadas
pelos gregos de polis. Com isso, pode-se ver a polis como o centro principal e o
marco social a partir do qual se organiza historicamente o período mais
importante da evolução grega53
.
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
49
Ibidem. p. 24-25.
50
Ibidem. p. 28.
51
Ibidem. p. 27.
52
VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. 2 ed. São Paulo: Difusão Européia
do Livro, 1972. p. 27.
53
JAEGER, Werner Wilhelm. Paidéia: a formação do homem grego. 3 ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1995. p. 106-107.
14	
  
	
  
O sistema da polis é favorecido pela predominância da palavra sobre todos
os outros instrumentos do poder. Esta se torna o instrumento político por
excelência, a chave de toda autoridade no Estado, o meio de comando e de
domínio sobre outrem. Essa palavra entre os gregos se torna uma divindade:
Peithó, que quer significa persuadir, convencer ou influenciar. A palavra assume
um novo caráter, visto que não se restringe mais aos escribas, em seu caráter
ritualista, expressando apenas uma fórmula justa, mas agora ela está aberta ao
debate contraditório, a discussão e a argumentação, se tornando um novo
mecanismo, que favorece aquele que pela “sabedoria” e a capacidade oratória
consiga levar os demais a aderirem ao seu pensamento. Aqui vale destacar que
começa a se desenvolver a retórica e a sofistica54
.
A palavra que agora assumiu caráter de publicidade fortalece o seu uso
pelos grupos e a exposição de condutas e conhecimentos. Esse desenvolvimento
comporta uma profunda transformação, que é bem expressa na obra Epopéia de
Homero. Nesta é bem expressa o fato da poesia, restrita a corte, proclamada nos
palácios sair destes ambientes e passar a ser poesia de festa. Dessa forma, os
valores, o conhecimento, as técnicas mentais são levadas à praça pública,
ficando sujeitos à crítica e à controvérsia. Não são mais conservados, como
garantia de poder, somente pelas tradições familiares. Mas agora se torna de
“domínio público”, motivando assim a exegese, interpretações diversas, oposições
e debates. Isto é um reflexo da descentralização e da queda dos palácios,
abriram-se as portas e o que estava restrito a poucos agora começa a se difundir.
Assim, a discussão, a argumentação, a polêmica torna-se regra do jogo
intelectual, assim como do jogo político. A lei da polis, em oposição ao poder do
monarca, exige que umas e outras sejam igualmente submetidas à “prestação de
contas” já que não impõem pela força de um prestígio pessoal ou religioso, mas
sim por um processo de ordem dialética, o que parece que favorecerá o
desenvolvimento filosófico55
.
A vida social do homem, bem como suas relações, foi modificada a partir do
surgimento da polis, pois a mudança das leis e dos ritos fizeram dessa uma
comunidade de vida espiritual. A consciência dos cidadãos foi formada e inspirada
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
54
VERNANT, Jean-Pierre. Op. cit. p. 34.	
  
55
VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. 2 ed. São Paulo: Difusão Européia
do Livro, 1972. p. 35-36.
15	
  
	
  
por comportamentos fundados em normas que regulam algumas ações e o proíbe
outras56
. Hannah Arendt entendia que, a vida na polis significava para os gregos
uma maneira possível de organização política que permitia os homens viverem
unidos e de maneira ordenada. Este ideal de cidade-estado faz com que o
homem além de viver sua vida pessoal ou privada passe também a preocupar-se
com a vida comum. Para a autora, a polis faz com que o homem saia de sua
futilidade individual, pois a cidade é um espaço protegido contra essa57
.
Em Platão, a justiça tem um caráter objetivo e é o eixo que sustenta sua
ética e sua política58
. A polis surge do princípio que o homem sozinho não
conseguirá dar conta das diversas atividades que necessita para viver bem, e daí
emergem as necessidades de organização desta relação, e assim surgem das
relações, que estão em mudança, às cidades. Por isso, Purshouse afirma que:
Uma extensa análise das razões pelas quais os seres humanos
decidem se organizar em sociedades, em lugar de sobreviver
sozinhos. A base do Estado é que ninguém é autossuficiente. A
fim de satisfazer nossos desejos por alimentos, abrigo e vestuário,
grupo de nós59
.
E na República Platão explica que:
As pessoas precisam de muitas coisas e porque uma pessoa
recorre a uma segunda devido a uma necessidade e a uma
terceira devido a uma outra necessidade, muitas pessoas se
reúnem num único lugar para viver juntas como parceiros e
colaboradores. E a esse estabelecimento denomina-se cidade ou
estado60
.
Anteriormente, ao tratar das virtudes, comentou-se que as principais
virtudes: sabedoria, coragem, justiça e temperança são responsáveis por
promover a harmonia dos diversos elementos que compõem o homem, ou seja,
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
56
TAVARES, Roberto Ramalho. A evolução da polis e da educação como consequência da
evolução grega, da fase arcaica à clássica. Disponível em:
<http://www.aei.com.br/userfiles/2_A%20EVOLU%C3%87%C3%83O%20DA%20POLIS%20%20D
A%20EDUCA%C3%87%C3%83O%20COMO%20CONSEQ%C3%9C%C3%8ANCIA%20DA%20E
VOLU%C3%87%C3%83O%20DA%20%C3%89TICA%20GREGA.pdf>. Acesso em: 08 out 2014.
p. 3-4.
57
ARENDT, Hannah. A condição humana. São Paulo: Forense, 1981. p. 33.
58
REALE. Giovanni. História da filosofia grega e romana. Léxico da filosofia grega e romana. São
Paulo: Paulus, 2014. v. IX. p. 144-145.	
  
59
PURSHOUSE, Luke. A República de Platão: um guia de leitura. 2 ed. São Paulo: Paulus, 2011.
p. 58.
60
PLATÃO. A República. 369b-c.	
  
16	
  
	
  
as três partes que constituem sua alma. No entanto, Platão entende que a justiça,
dentre todas é a virtude mais importante, pois esta permite que os homens se
assemelhem ao que é invisível, divino, imortal e sábio, e por meio dela o homem
alcança a felicidade61
. E isso está muito bem expresso em suas diferentes obras,
como pode-se observar no seguinte trecho da República:
Não concerne a ação externa, mas consiste aquilo que está em
seu interior. É a aquilo que genuinamente ele próprio e que
verdadeiramente lhe pertence. [...] Aquele que é justo não permite
que nenhum elemento de si mesmo cumpra a função de um outro
elemento nem que os distintos elementos no seu interior
produzam uma recíproca intromissão. Ele é capaz de regular bem
o que verdadeiramente lhe é próprio e governa a si mesmo;
instaura a ordem em si mesmo, é seu o próprio amigo e
harmoniza os três elementos [de sua alma] como três notas limites
de uma escala musical: a alta, a baixa e a mediana. Une esses
elementos e quaisquer outros que possam haver entre eles, e da
multiplicidade que ele era se faz unidade, moderado e
harmonioso. E somente então ele age. E quando realiza qualquer
coisa, seja aquisição de riqueza, o cuidado de seu corpo, a prática
política, seja nos contratos particulares – em tudo isso crê que a
ação justa e honrada é a que preserva essa harmonia interna e
que ajuda a conquistá-la, assim a nomeando, e tem nas contas de
sábio o conhecimento que preside tais ações. E acredita que a
ação que destrói essa harmonia é injusta, nomeando-a assim,
tendo na conta de ignorância a crença que preside tal ação62
.
No Protágoras, a justiça é tida como um dom dos deuses dada ao homem
para que viva a ordem moral.
Zeus, então, com medo que sucumbisse toda a raça humana,
enviou Hermes para mostrar aos homens o sentido moral e a
justiça, para que houvesse ordem na cidade e relações cordiais de
amizade. Hermes perguntou, então, a Zeus de que modo daria o
sentido moral e a justiça aos homens: “Vou dividi-las como estão
divididos os conhecimentos?” Estão divididos assim: um apenas
que domine a medicina vale para muitos particulares, e o mesmo
aos outros profissionais. “Também agora a justiça e o sentido
moral serão infundidos nos humanos, ou repartidos a todos?”“A
todos”, disse Zeus, e que todos sejam partícipes. Pois não haveria
cidades, se somente alguns deles participassem, como dos outros
conhecimentos. Além disso, impõe-se uma lei da minha parte: que
ao incapaz de participar de honra e da justiça o eliminem como a
uma enfermidade da cidade63
.
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
61
TEIXEIRA, Evilázio. A educação do homem segundo Platão. São Paulo: Paulus, 1999. p. 37-38.
62
PLATÃO. A República. 443d-e.	
  
63
Zeus, entonces, temió que sucumbiera toda nuestraraza, y envió a Hermes que rajera a
loshombresel sentido moral y lajusticia, para que hubieraordenenlasciudades y ligaduras acordes
17	
  
	
  
Na Apologia de Sócrates tenta mostrar que a justiça parte do indivíduo para
a cidade e não a cidade impõe essa ao indivíduo. “Um homem que realmente luta
pela justiça tem que levar uma vida privada, e não pública, caso queira sobreviver
mesmo por um efêmero período”64
. Isso parece querer mostrar que na vida
privada, o homem se forma nas virtudes, de onde brotará a justiça e daí poderá
ser instrumento para uma cidade justa.
Nas Leis a justiça é tida como aquela que constitui a harmonia, tanto no
homem quanto na cidade à semelhança da harmonia cósmica, e tudo assim está
regido por uma lei para garantir a justa medida e a devida proporção.
Persuadamos o jovem mediante palavras que dizem que todas as
coisas estão ordenadas sistematicamente por aquele que cuida de
tudo com olhar na preservação e excelência do todo no qual cada
parte, na medida de sua capacidade, sofre e age segundo o que
lhe é apropriado. Para cada uma dessas partes até as mais
ínfimas delas são designados governantes de sua paixão e ação
para que o cumprimento pleno de cada fração seja produzido,
estando tu entre estas frações, ó homem perverso, tendo sempre,
portanto, [cada uma das frações] em seu empenho para o todo,
por mais minúsculas que sejam. Mas tudo não consegues
perceber que toda geração parcial vida o todo para que seja
assegurada a existência bem aventurada no universo – e que
nada seja gerado para ti, mas sim tu gerado para o todo65
.
Portanto, Platão entende que justiça não consiste apenas em dizer a
verdade e restituir aquilo que se tomou, nem em dar a cada um aquilo que se
deve, e muito menos ser a conveniência do mais forte66
. Mas, a mais excelsa das
virtudes se dá quando cada homem ocupa-se, na cidade, tão somente da função,
para a qual a sua natureza é favorável e executa tal atividade sem interferir nas
dos demais. Como expresso no livro IV da República:
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
de amistad. Le preguntó, entonces, Hermes a Zeus de qué modo daríael sentido moral y lajusticia
a loshombres: “¿Las reparto como están repartidos losconocimientos? Están repartidos así: uno
solo que domine la medicina vale para muchos particulares, y lomismolosotrosprofesionales.
¿Tambiénahoralajusticia y el sentido moral losinfundiréasí a los humanos, o los reparto a todos?”
“A todos, dijo Zeus, y que todos sean partícipes. Pues no habríaciudades, si sóloalgunos de
ellosparticiparan, como de losotrosonocimientos. Además, impón una ley de mi parte: que al
incapaz de participar del honor y lajusticialoeliminen como a una enfermedad de laciudad”.
(Tradução livre). PLATÃO. Protágoras. Disponível em:
<http://www.edu.mec.gub.uy/biblioteca_digital/libros/P/Platon%20-%20Protagoras.pdf>. Acesso
em: 9 out 2014. 322c-d.
64
Idem. Apologia de Sócrates. São Paulo: EDIPRO, 2008. 32a.
65
Idem. As leis. 2 ed. São Paulo: EDIPRO, 2010. 903b-c.
66
TEIXEIRA, Evilázio. A educação do homem segundo Platão. São Paulo: Paulus, 1999. p. 39-40.
18	
  
	
  
Naquilo que devia ser estabelecido em todo o estado quando
estávamos construindo – ou isso ou alguma forma disso.
Formulamos e repetimos frequentemente – se o lembras – que
todos precisavam se dedicar a uma das ocupações no Estado
para qual tivesse naturalmente melhor aptidão. [...] dissemos, que
justiça é realizar o próprio trabalho pessoal e não se intrometer no
que não é da própria conta. [...] Penso que isso foi o que restou no
Estado, uma vez descobertas a moderação, a coragem e a
sabedoria. Trata-se do poder que possibilita o desenvolvimento
dessas virtudes no Estado e que, quando desenvolvidas, as
preserva enquanto ela própria estiver presente. E, é claro,
dissemos que a justiça seria o que restasse quando tivéssemos
localizado as outras três67
.
A partir disso, pode-se ressaltar ainda, que a justiça tem duas noções. Uma
em âmbito individual e outra no nível político. A primeira consiste na harmônica
disposição das partes da alma pela qual cada uma delas faz o que lhe compete,
enquanto no Estado consiste na perfeição com que as várias classes sociais se
harmonizam entre si cumprindo as funções que lhe são próprias, ou seja, cada
um no seu devido lugar exercendo com perfeição sua função pelo bem comum68
.
2.3. A cidade ideal: justa ou injusta
A noção de cidade ideal surge em contramão as limitações dos homens e os
problemas da sociedade ateniense; e Platão visa com esta criar um Estado
harmônico e homogêneo onde cada um, de posse do conhecimento de si, poderia
exercer com excelência sua função em prol de todos, já que “a cidade nada mais
é do que uma ampliação do homem, porque é composta de cidadãos”69
.
Durante o diálogo, na obra A República, Glauco questiona Sócrates se não
seria melhor ser injusto do que ser justo. Surge a indagação sobre o que é melhor
para o homem: ser justo ou injusto? No livro I, ele apresenta três argumentos para
tentar fundamentar que o melhor para o homem é a justiça. E são elas: a unidade,
entendida a partir de um grupo de ladrões, que apesar de cometerem ações
injustas, para tenham êxito em suas ações devem ser justos entre si, caso
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
67
PLATÃO. República. 433a-c.
68
PURSHOUSE, Luke. A República de Platão: um guia de leitura. 2 ed. São Paulo: Paulus, 2011.
p. 21-23.
69
MENESCAL, Ana Alice Miranda. A ideia de justiça e a formação da cidade ideal república de
Platão. 2009. 103 f. Dissertação (Mestrado) – Departamento de filosofia, Curso de mestrado
acadêmico em filosofia, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2009. p. 74.
19	
  
	
  
contrário não haveria sociedade estabelecida entre eles; a psicologia interna, na
qual o homem injusto possui uma divisão em si, pois assim como os justo
apresentam uma profunda inquietação, esse passam pelo mesmo processo, pois
ao invés de ter uma mente una, possui esta como inimiga de si mesmos; e o da
função (érgon), pois se um objeto tem uma função, significa que somente ele
pode fazer esse algo ou faz melhor que qualquer outro. Por exemplo: pode ser
usada a faca, esta tem a função de cortar ou podar, sua virtude necessariamente
seria ter o gume afiado, para exercer com excelência sua função. Ao pensar na
alma, esta tem a função de governar, deliberar e acima de tudo viver, sendo
assim sua virtude consiste na justiça e a injustiça é sua deficiência. Dessa forma,
se um objeto quando cumpre bem sua função ao exibir a virtude que lhe é
associada, a alma o fará quando for justa, logo exclui-se a possibilidade de ser
melhor viver na injustiça70
.
Disso surge o questionamento de Glauco – Porque ser justo? – Pois este
entende que existem três categorias diferentes de bens – os bens desejáveis por
si mesmos, e não por suas consequências; os bens desejáveis por si mesmos e
por suas consequências; e os bens desejáveis por suas consequências e não por
si mesmo – e inclui a justiça na categoria dos bens desejáveis somente pelas
suas consequências, pois ser justo, ao seu ver, é penoso, mas proporciona aos
homens benefícios, honras e popularidade. No entanto, Sócrates, o objeta
defendendo que a justiça se inclui entre os bens desejáveis por si mesmos e por
suas consequências, sua análise é sempre do ponto de vista do agente justo,
diferente de Glauco que olha no sentido dos benefícios que podem ser adquiridos
pela justiça. E assim, Platão entende que é bom ser justo não pelos benefícios
que se pode obter, mas por outras razões que não estejam diretamente ligadas
ao seu próprio interesse, como: promover o bem estar dos outros, a vontade dos
deuses, ou cumprir o dever conforme prescrito pelo código moral. Dessa forma, o
fim da ação justa não está em si mesmo, mas no outro, e assim se promoverá o
bem comum, que é objetivo da polis71
. Segundo Bini, a diferença entre os dois
debatedores se encontra em sua origem, pois para Platão a justiça é determinada
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
70
PURSHOUSE, Luke. A República de Platão: um guia de leitura. 2 ed. São Paulo: Paulus, 2011.
p. 42-45.
71
PURSHOUSE, Luke. A República de Platão: um guia de leitura. 2 ed. São Paulo: Paulus, 2011.
p. 48-49.
20	
  
	
  
pela natureza (physis), enquanto para Glauco está na lei (nomos), assume as
ideias sofistas, a ética é reduzida a lei, deslocando a justiça e as demais virtudes
a esse, deixando-as no campo da convenção. No entanto, a justiça é natural,
divina e parte constituinte do ethos72
.
Chega-se então na disputa entre ser justo e parecer justo, pois Glauco
questiona a respeito dos homens que parecem ser justos, mas cometem ações
interiores injustas, e estes parecem ser mais felizes e aclamados enquanto os
homens justos são esquecidos, deixados de lado, e por vezes até perseguidos.
Isso parece confirmar que melhor é parecer justo, mas ser injusto, pois dessa
forma não estaria suscetível a punições que constituem sua maior preocupação,
gozaria das honras e teria satisfeitas suas necessidades pelo proveito das
situações.
Para ilustrar que os homens só comentem ações justas pelo medo das
punições, e que a injustiça é muito mais vantajosa que a justiça, Glauco se utiliza
da alegoria do “anel de Giges”.
Narra a história que ele era um pastor a serviço do soberano da
Lídia. Houve uma tempestade torrencial, um terremoto fendeu o
solo e criou um abismo no lugar do qual ele cuidava de seu
rebanho. Ao contemplá-lo – contam – ficou perplexo, mas
adentrou ao abismo, onde se deparou com muitas maravilhas –
prossegue a narrativa –, entre as quais um cavalo oco de bronze;
nesse havia aberturas semelhantes a janelas pelas quais eles
expiou, vendo no interior um cadáver, que parecia ter proporções
superiores às de um homem; o corpo estava nu e havia um anel
de ouro em um dos dedos [de uma das mãos]. Ele apoderou-se
do anel e saiu do abismo. Usou o anel na costumeira reunião
mensal dos pastores, na qual eram feitos os relatórios a respeito
do estado, dos rebanhos para serem entregues ao rei. E quando
estava sentado entre os demais aconteceu de dirigir o engaste do
anel para si mesmo, rumo à palma de sua mão. Ao fazê-lo tornou-
se invisível para os que estavam sentados próximos de si e eles
continuaram a falar como se ele tivesse ido embora. Em pasmo,
ele voltou a tocar o anel e virando o engaste novamente para o
exterior retomou a visibilidade. Não tardou a testar o anel, visando
a confirmar se realmente possuía aquele poder – e [não restava
dúvida de que] possuía: virando o engaste para o interior da mão
tornava-se invisível; virando-o de novo para posição normal,
recuperava a visibilidade compreendendo-o, logo conseguiu com
os outros pastores ser ele um dos mensageiros que levariam os
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
72
BINI, Edson. Nota explicativa 66 (II). In: PLATÃO. República. 2 ed. São Paulo: EDIPRO, 2014.
p. 79.	
  
21	
  
	
  
relatórios ao rei. E quando chegou ao palácio seduziu a esposa do
rei, e com ajuda dessa atacou-o, matou-o e se apossou do reino73
.
Por essa história percebe-se que os homens agem, quando na certeza de
não serão punidos, sempre de forma injusta, e de maneira a satisfazer seus
desejos que estão ocultos, ou oprimidos melo medo. No entanto, mais uma vez
deve-se ajustar o foco para entender que, a justiça sempre deve ter o bem do
outro como referência e assim se promoverá o bem comum. E ainda, vale
ressaltar que, na República, Platão afirma que: “o auge da injustiça é fazer-se
passar por justiça sem o ser”74
.
Sendo a cidade platônica constituída por três classes: governantes,
guardiões e artesãos, a justiça, como já dito anteriormente, se dará quando cada
classe desempenhar seu papel próprio. Analogamente, o homem justo não
diferirá em nada de uma cidade justa, mas ser-lhe-á semelhante. Com isso, a
partir do homem justo, e do exercício deste de sua função específica, com
excelência, a cidade será proporcionalmente justa. Então, os princípios
fundamentais que regulam este laço e equilibrio são, como visto, o de exercer a
própria função e a unidade que deriva da multiplicidade75
.
Contudo, vale destacar que o ponto primordial para a formação da cidade
ideal é a adequação do homem às necessidades da polis, ou seja, assumir uma
postura de aceitação à situação que com ele condiz, pois assim emergirá deste
convívio harmônio e ético a justiça na cidade. Porém, tudo isto só será possível
pelo processo de educação76
.
3. A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO
O homem é naturalmente um ser que tende a viver em sociedade, pois como
visto anteriormente, ele na cidade tem a satisfação de suas necessidades básicas
a partir da cooperação entre os demais. Sendo assim, a interação entre os
homens se faz necessária para que haja a o convívio. Contudo, para que isto
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
73
PLATÃO. República. 359d-360b.
74
Ibidem. p. 361a.
75
CASERTANO, Giovanni. Uma introdução para a república de Platão. São Paulo: Paulus, 2011.
p. 45.
76
MENESCAL, Ana Alice Miranda. A ideia de justiça e a formação da cidade ideal república de
Platão. 2009. 103 f. Dissertação (Mestrado) – Departamento de filosofia, Curso de mestrado
acadêmico em filosofia, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2009. p. 79.	
  
	
  
22	
  
	
  
aconteça de forma a garantir o bem comum faz-se necessário o processo de
educação. A partir do trecho de As Leis, a seguir, pode-se melhor elucidar tal
questão.
O ser humano, nós o afirmamos, é uma criatura doméstica,
civilizada e, no entanto, se por um lado graças a uma correta
educação combinada a uma felicidade natural se converte
ordinariamente na mais divina e a mais dócil de todas as criaturas,
à falta da educação suficiente e bem orientada, é a mais selvagem
de todas sobre a terra. Diante disso, é imperioso que o legislador
não permita que a Educação infantil seja encarada como matéria
de importância secundária ou inessencial; mas, visto que o futuro
diretor tem que ser bem selecionado, o legislador deverá começar
por fazer com que se esforcem ao máximo para indicar entre os
cidadãos aquele que mais se destacar em tudo com o mais
virtuoso. E portanto, todos os magistrados, exceto os conselheiros
e os prítanes, deverão se dirigir ao templo de Apolo e dar
secretamente o seu voto àquele entre os guardiões das leis que
julgarem o melhor para dirigir os assuntos da educação77
.
No mundo grego entendia-se a educação como “formação da criança de
modo idôneo de forma a faze-la crescer e torna-se homem”78
. Este vai tomando
consciência aos poucos da elevação de seu valor através do método formativo,
logo, a Paideia tornaria esse homem mais perfeito, ou seja, ao modo grego essa
era entendida como perfeição humana. No era pré-filosófica a paidéia possuía
características ginastico-musical. Desta maneira, a temperança do corpo e da
alma tinham sua origem nos ginásios de esportes e na poesia, os quais eram
promotores do corpo e mente são79
.
No entanto, para Platão a educação deveria se dar de forma construtiva em
diversas esferas do homem: intelectual, moral e física. Acentuando assim, que
todo aquele que é beneficiado pela educação assume o compromisso de
contribuir com a esfera pública e comprometer-se com a formação integral do
cidadão ativo, e ainda tornar-se responsável pelo bem comum na Pólis80
.
Platão entende que a infância é a primeira etapa da vida humana, que deve
ser valorizada sobretudo, pelos efeitos causados na vida adulta, pois ele se
admira com a noção de que os conhecimentos apreendidos na infância
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
77
Platão. As Leis. 766a.
78
REALE, Giovanni. Op. cit. p. 191.
79
Ibidem. p. 191-192.	
  
80
LASCH, Rudinei; SANTOS, Marcos André dos; SOMAVILLA, Luciano. A importância da
educação na formação do indivíduo em Platão. Disponível em: <http://coral.ufsm.br/gpforma/2s
enafe/PDF/033e4.pdf >. Acesso em: 22 out 2014.
23	
  
	
  
permanecessem na memória ainda na fase adulta81
. Isso é motivo de uma de
suas explanações na Apologia de Sócrates, onde afirma temer muito mais
aqueles que adquiriram certos conhecimentos ainda na infância.
De fato, muitos acusadores se levantaram contra mim perante
vós, os quais têm falado a muito tempo, a anos, e nada do que
dizem é verdadeiro. Eu os temo mais do que a Anito e os outros,
embora estes também sejam temíveis. Mas aqueles primeiros são
mais temíveis, senhores, uma vez que se apoderaram da maioria
de vós desde a infância, convenceram-vos e a mim acusaram sem
qualquer respaldo na verdade82
.
A educação, em Platão, deve iniciar-se, preferencialmente, na tenra infância
e perdurar por toda a vida. Os pais têm função primordial neste processo, visto
que, devem assim que a criança começar a entender fazer de tudo para que essa
se torne a mais perfeita. E assim, quaisquer coisas que façam ou digam, deve ser
para as ensinar e ajudar a distinguir o que é justo ou injusto; o bonito do feio; e o
que se deve e não se deve fazer. E caso estas não obedeçam devem ser
corrigidas com pancadas, como se fosse um lenho curvo e retorcido. Após esta
etapa, as crianças devem ser entregues aos mestres, recomendando-lhes que
cuidem do bom comportamento da criança mais do que o ensino da cítara e das
letras. Em seguida, após doutrinadas nas letras, as crianças devem ser
recomendadas a ler os melhores poetas, que são aqueles que possuem histórias
educativas e solenes elogios a virtude para que elas busquem assemelhar-se a
tal. E por isso, rejeita a poesia mimética, pois estas somente geram fantasias na
alma e não favorecem a virtude como as primeiras83
.
E então permitiremos negligentemente que as crianças escutem
quaisquer antigas fábulas, contadas por qualquer um, assimilando
crenças em suas almas que são, na maioria, contrárias as que
pensamos que deveriam reter e sustentar quando crescer? [...]
Consequentemente, temos de, antes de mais nada supervisionar
os contadores de história e executar uma censura de suas
histórias. Faremos uma seleção de suas fábulas, aprovando as
boas ou belas e rejeitando as que não o são. Convenceremos, em
seguida, as amas e mães a contar às suas crianças as fábulas
que selecionamos, uma vez que elas moldarão as almas de suas
crianças por meio de histórias bem mais do que os corpos dessas
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
81
KOHAN, Walter Omar. Infância e educação em Platão. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 29,
n. 1, p. 11-26, 2003. p. 16.
82
PLATÃO. Apologia de Sócrates. Bauru: EDIPRO, 2008. 18b.
83
TEIXEIRA, Evilázio. A educação do homem segundo Platão. São Paulo: Paulus, 1999. p. 72-73.	
  
24	
  
	
  
manuseando-os. Muitas das fábulas que lhes contam agora,
entretanto, tende ser rejeitadas84
.
Na República, o Ateniense, deixa claro sua posição desfavorável aos poetas,
pois entende que estes falam do que desconhecem, e apenas o fazem por
imitação. E em sua concepção, a verdadeira arte deve ser fecundada pelo logos,
pois ao contrário se tornaria falsa ou falaciosa, e assim promoveria perturbação
na alma, ao invés de formar o espírito, que é sua finalidade85
. Sendo, então, a
educação a formação da alma, Platão afirma a importância da música (mousiké) e
da ginástica (gymnastiké), pois ambas possibilitam a educação harmônica do
corpo e do espírito de modo que prepare aquele que a recebe para chegar um dia
a verdadeira ciência, já que “a ginástica prepara o corpo e a música e a poesia
preparam a alma”86
. No entanto, isso não quer dizer que a relação seja
meramente daquela atividade com sua parte correspondente, mas as ambas
estão para promover a educação genuína da alma, cada uma a seu modo próprio.
Por isso, não se deve privilegiar apenas uma delas, mas considerar a importância
particular de cada uma, pois ressaltar apenas a ginástica torna o homem
grosseiro, bem como presar somente pela música deixa-os moles e delicados87
.
Essa constitui conforma trata em sua obra A República, a primeira etapa do
processo educativo. A etapa seguinte do processo formativo consiste no ensino
das disciplinas ligadas a matemática e a dialética88
.
Todo esse processo educacional e seus efeitos podem ser resumidos e
melhor entendido pela explicação do “Mito da Caverna”, que está expresso no
livro VII da República.
A alegoria consiste em uma caverna profunda, estreita e em declive. Em seu
interior existem homens, que vivem lá desde seu nascimento e dela nunca
saíram. Permanecendo sentados e presos por correntes, que atadas ao seu
pescoço, eles ficam impossibilitados de se movimentar e mover o pescoço,
ficando voltados somente para a parede da caverna, da qual não conseguiam se
libertar e tampouco conhecer seu exterior, e não lhes é possível ver a luz do Sol.
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
84
Platão. República. 377b-c.
85
TEIXEIRA, Evilázio. Op. cit. p. 76-78.
86
Platão. República. 376e.
87
TEIXEIRA, Evilázio. Op. cit. p. 80.
88
MOTTA, Guilherme Domingues da. A Educação como fundamento da unidade e da felicidade
da polis na República, de Platão. 2010. 297 f. Tese (Doutorado) – Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. p. 9.
25	
  
	
  
Atrás deles está disposto um muro e por detrás deste passam pessoas
transportando objetos sob a cabeça. A iluminação do ambiente se faz por uma
grande fogueira. Figueiredo afirma que esta etapa representa a ignorância dos
homens. As coisas que os prisioneiros enxergam são apenas os objetos refletidos
na parede a sua frente e não as pessoas, representando uma espécie de teatro
de marionetes. Novamente Figueiredo comenta que por esta descrição, o filósofo
quer ressaltar que o mundo inteligível (fora da caverna) é superior ao mundo
sensível (interior da caverna)89
.
Nesta representação os homens conhecem apenas as imagens que são
mostradas pelos reflexos na parede. Sendo estas produzidas pela luz do fogo,
que é artificial, aquilo que é fruto da projeção somente tem sentido
“semiverdadeiro”, ou seja, é uma representação do real, mas não consiste na
realidade. Porém para os homens que lá estão, as imagens são toda a realidade
na qual conhecem e associam as vozes das pessoas que estão atrás do muro
com as figuras projetadas, assumindo como verdade aquilo que são meramente
ecos das vozes reais. Ainda no diálogo, Platão sugere que se um destes homens
conseguisse se libertar e tomasse conhecimento de sua real situação, deixando
de enxergar as sombras das coisas e também as projeções que estão refletidas
na parede, mas ao sair da caverna pudesse contemplar a luz do sol, de início lhe
causaria uma grande dor e tamanho incômodo que preferiria deixar de olha o sol
e se voltaria para o ambiente ao redor, e de fato contemplaria a realidade,
enxergando os objetos reais90
.
O prisioneiro ao libertar-se da caverna vive um dilema, visto que conhece o
mundo real, porém sente que deve retornar a caverna e revelar sua descoberta
aos demais para retirá-los da ilusão daquele mundo. Frente esse problema, ele
resolve voltar ao interior da caverna. Ao chegar lá, os demais homens, que lá
permaneceram, não acreditam nele e diante de sua insistência para que o sigam
para conhecer o mundo real, aqueles que somente conhecem as cópias das
realidades o espancam e o matam. Figueiredo complementa dizendo que esta
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
89
FIGUEIREDO, Júlia. A concepção de educação na obra República de Platão. 2012. 16 f.
Trabalho de Conclusão (Graduação) – Departamento de Pedagogia, Centro de ciências humanas,
letras e artes, Universidade Estadual de Maringá, Paraná, 2012. p. 8.
90
FIGUEIREDO, Júlia. A concepção de educação na obra República de Platão. 2012. 16 f.
Trabalho de Conclusão (Graduação) – Departamento de Pedagogia, Centro de ciências humanas,
letras e artes, Universidade Estadual de Maringá, Paraná, 2012. p. 8-9.
26	
  
	
  
consiste em uma crítica de Platão a atitude dos homens gregos com Sócrates,
que queria transmitir um saber, que para eles não servia de nada91
.
O “mito da caverna” – além de apresentar a teoria do conhecimento
platônica e sua distinção entre os conhecimentos sensível e inteligível -
representa esta saída da ignorância do homem, no qual este assume uma
mudança em seu caminho. Representado pela libertação das correntes, que
podem se dar por acaso ou pelo auxílio de outro. Assim sendo, o mito reporta ao
dever dos governantes que, uma vez obtido o saber, devem retornar ao mundo
sensível para governar e conduzir os demais à liberdade e a verdade92
.
Dessa forma, parece ficar claro que, o governante deve conduzir os demais
às verdades eternas que estão adormecidas e precisam ser despertadas – teoria
da reminiscência platônica93
. E este processo educacional tem necessariamente
que possuir caráter social e não privado, ou seja, a educação para todos94
. No
ideal platônico o Estado é o primeiro responsável pela aprendizagem dos
cidadãos, e assim ocorre uma interrelação entre Estado e educação, pois o ser
não é autossuficiente, mas precisa de um agente externo que o conduza, ou seja,
um mestre ou tutor. Dessa forma, o processo educacional é capaz de reformar a
polis, fazendo a mais justa e boa para todos, pois a educação de modo integral –
corpo e alma – leva a contemplação das ideias do Belo e do Bem95
.
E a conclusão a respeito da importância da educação e seu papel na
concepção platônica por ser entendida a partir das palavras do próprio autor
expressas na obra A República:
A educação não é o que alguns indivíduos proclamam ser ela, a
saber, inserir conhecimento em almas que dele carecem, como
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
91
Ibidem. p. 9.
92
Ibidem. p. 9-10.
93
A teoria da Reminiscência platônica, que também é chamada anamnese ou reminiscência
Platão indica a gênese e o fundamento do conhecimento. Consiste muito mais do que uma mera
recordação empírica, podendo até mesmo ser chamada de memória metafísica, na medida que
implica numa comunhão estrutural da alma humana com o mundo metaempírico e uma visão
original do mesmo. Esta teoria longe de reduzir-se a um mito exprime na realidade a primeira
concepção ocidental do a priori. REALE. Giovanni. História da filosofia grega e romana. Léxico da
filosofia grega e romana. São Paulo: Paulus, 2014. v. IX. p. 235.
94
MOTTA, Guilherme Domingues da. A Educação como fundamento da unidade e da felicidade
da polis na República, de Platão. 2010. 297 f. Tese (Doutorado) – Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. p. 9.	
  
95
FIGUEIREDO, Júlia. A concepção de educação na obra República de Platão. 2012. 16 f.
Trabalho de Conclusão (Graduação) – Departamento de Pedagogia, Centro de ciências humanas,
letras e artes, Universidade Estadual de Maringá, Paraná, 2012. p. 12-13.	
  
27	
  
	
  
inserir visão com olhos cegos. [...] Mas nossa atual discussão, por
outro lado, demonstra que o poder do aprendizado de cada um é
como um olho que não é capaz de ser girado da escuridão para a
luz sem que se gire o corpo inteiro o corpo inteiro. [...] A conclusão
é que a educação é a arte que diz respeito exatamente a isso, a
essa conversão, e a como pode a alma mais fácil e eficientemente
ser levada a realizá-la. Não é a arte de introduzir visão na alma. A
educação tem como certo que a visão já está presente na alma,
mas essa não a dirige corretamente e não arroja o seu olhar para
onde deveria; trata-se da arte da redirigir a visão adequadamente.
[...] Ora, parece que as outras assim denominadas virtudes da
alma têm afinidade com as do corpo, pois realmente não são
preexistentes, mas sim adicionadas posteriormente através do
hábito e da prática96
.
Então, pode entender-se que a educação se dá pelo exercício ou prática,
que visa a excelência, ou seja, a educação visa a virtude.
A virtude é responsável por moldar a cidade. A forma usada para tal pode
ser considerada a educação, bem como as prescrições adicionais sobre o
ordenamento. Assim, a virtude pode ser entendida não só como efeito que
promove a educação, mas como dynamis97
resultante do processo educativo98
. A
dynamis é produto da síntese entre a natureza (phýsis) e a educação (paidéia),
que permite ser submetido a diversos testes e sair-se bem sucedido, como o
exemplo de um tecido que após ser tingido e submetido a todos os detergentes
não desbota99
. Essa relação entre paidéia e phýsis pode ser entendida como uma
relação de dependência, na qual a natureza apropriada anseia receber a
educação, como um tecido que espera ser tingido e assimilar a sua nova cor de
maneira indelével100
.
Os efeitos da educação são percebidos na fundação da cidade platônica.
Esta que foi criada com o logos para ser a melhor possível não pode ser
entendida sem a presença das virtudes cardeais: sabedoria, coragem,
temperança e justiça. Ainda assim, mesmo que não tenha sido tão bem elucidada
a questão do objeto próprio dessa ciência que poucos possuem, que é a ideia de
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
96
PLATÃO. República. 518b-e.
97
Dynamis (δυναµις) é o termo grego que se traduz mais corretamente como “potência”, ou seja, o
princípio do movimento ou de mudança que se encontra em outra coisa, ou então na mesma coisa
enquanto outro. Pode significar também “poder” ou “força”. REALE. Giovanni. História da filosofia
grega e romana. Léxico da filosofia grega e romana. São Paulo: Paulus, 2014. v. IX. p. 80.
98
MOTTA, Guilherme Domingues da. A Educação como fundamento da unidade e da felicidade
da polis na República, de Platão. 2010. 297 f. Tese (Doutorado) – Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. p. 94.
99
Ibidem. p. 107-108.
100
Ibidem. p. 108.	
  
28	
  
	
  
bem, já ficou esclarecido que a educação conduz a contemplação e consequente
posse do bem e do belo101
.
Adentrando um pouco mais nesta temática do bem de do belo, Teixeira
afirma que a virtude dia respeito à aquilo que é bom e belo na vida, e constituem
dois aspectos de uma mesma realidade, dando lhe unidade. A suprema virtude do
homem como ser belo e bom forma o ideal daquilo que os gregos chamavam de
Kalokagathia102
. E é justamente a Kalokagathia103
que vai gerar “o princípio
supremo de toda vontade e conduta humanas, o último motivo que age por uma
necessidade interior e que é ao mesmo tempo o fundo determinante de tudo o
que sucede a natureza”104
.
Pagni entende que na República se expressa um novo elemento ao pensar
em virtude, que é o mundo interior, totalmente diferente do pensamento grego
inicial. Ele defende que a areté passa a possuir um valor espiritual. E daí se
desenvolve a ética como uma verdadeira expressão da natureza humana, que por
sua capacidade racional torna o ethos105
possível, caminhando pela via da
formação da alma nesse ethos. Este caminho levará a harmonia com a natureza
do universo, que consiste na eudaimonia. Sendo assim, o homem pode alcançar
a harmonia do ser pelo domínio completo de si mesmo, segundo a lei contida em
sua própria alma. Nesse contexto a educação sustentada na areté visa emancipar
a razão humana sob o elemento irascível e amenizar a luta pelo controle dos
cavalos na “parelha alada”, que por serem diferentes tendem cada um para um
lado, mas a educação na virtude estabiliza o império legal do espírito sobre os
instintos, pois o que realmente interessava era o autodomínio106
.
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
101
Ibidem. p. 95.
102
TEIXEIRA, Evilázio. A educação do homem segundo Platão. São Paulo: Paulus, 1999. p. 34-
35.
103
Kalokagathia consiste em “ser belo” ou “ser bom”, pois em Platão existe profunda harmonia
entre o cosmo físico e o cosmo moral. JAEGER, Werner Wilhelm. Paidéia: a formação do homem
grego. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 745.
104
JAEGER, Werner Wilhelm. Paidéia: a formação do homem grego. 3 ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1995. p. 745.
105
Ethos (ἦθος) é o termo grego que se traduz como “bom costume”, “costume superior” ou
“portador de caráter”. Indica comportamento de um homem e seu modo habitual de agir. REALE.
Giovanni. História da filosofia grega e romana. Léxico da filosofia grega e romana. São Paulo:
Paulus, 2014. v. IX. p. 40.	
  
106
PAGNI, Pedro. A Filosofia da Educação Platônica: desejo de Sabedoria e a Paidéia Justa.
Disponível em: <http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/126/3/01d07t01.pdf>.
Acesso em: 22 out 2014. p. 5-6;8.
29	
  
	
  
Silva et. al. corroboram com esse pensamento, pois afirmam que na
dimensão educacional, Platão se mostra muito preocupado com a qualificação
dos cidadãos, pois isso se faz um requisito para a cidade justa. Para que esta
existisse era necessário que fosse composta de homens virtuosos, ou seja,
homens que fossem capazes de dominar suas paixões pelo “domínio de si”. E
ainda formar adequadamente seus cidadãos para que fossem capazes de
argumentação e retórica, sendo assim habitantes ativos na sociedade e não
homens passivos, como os escravos, as mulheres e as crianças107
.
Para Pereira, a educação e a virtude constituem o germe do Estado justo e o
cerne da formação do homem político. Para melhor esclarecer isso, a autora
propõe a imagem de uma família constituída de irmãos, filhos dos mesmos pais,
que seriam bons e justos, e outros maus e injustos. Esses irmãos poderiam dispor
de um juiz que trouxesse unidade a família e lhes foram oferecidos três tipos de
juízes diferentes: um que sugeriu destruir os irmãos maus e permitir que os bons
governassem; outro sugeriu que os bons governassem e os maus viveriam
submetidos voluntariamente ao governo dos bons; e um terceiro que sugeriu que
sugeriu manter todos os membros da família, mais que se promulgassem leis que
assegurassem permanentemente a amizade entre eles. Dessa forma concluiu-se
que o terceiro juiz seria o melhor de todos, pois a causa para legislar se fundou na
convivência harmoniosa e não na guerra. Fazendo perceber assim, que o primeiro
cuidado deve se dar para com a guerra e a harmonia interior, e apenas depois a
exterior. E assim, a primeira guerra a ser travada é pela harmonização interna
entre os elementos da alma, e assim essa será boa por disposição interior. E
finalmente, a harmonia e unidade interior no Estado se dão pelas leis, e na alma
se dão pela razão. E tanto no Estado quanto no homem deve existir uma parte
que governe, e assim quando quem deve governar o faz se chama virtude, e ao
exercício do governo se chama educação108
.
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
107
SILVA, Sinicley da; MALINOSKI, Jocemar; RODRIGUES, Ricardo. O bem como finalidade da
educação em Platão. Disponível em: <http://coral.ufsm.br/gpforma/2senafe/PDF/067e4.pdf>.
Acesso em: 22 out 2014. p. 2-3.	
  
108
PEREIRA, Beatriz Quaglia. A educação segundo Platão: uma discussão sobre os processos de
ensinar e aprender a virtude. In: Congresso Nacional de Educação, 6., 2006, Curitiba: EDUCERE,
Anais... 2006. Disponível em: <http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2006/anaisEvento/do
cs/CI-091-TC.pdf>. Acesso em: 22 out 2014. p. 960-961.
30	
  
	
  
Platão aponta a educação como a única forma de resolver os problemas da
justiça. Pois para se construir uma cidade justa a natureza humana precisa ser
ornada com a educação adequada. No entanto, é preciso cautela neste processo,
pois uma natureza melhor quando submetida a uma educação adversa a que lhe
compete pode gerar um resultado pior do que o de uma natureza medíocre. Bem
como as almas bem dotadas, que supridas com má educação tornar-se-ão
perversas. Portanto, percebe-se que a natureza desempenha um papel
importante no processo educativo, pois sobre essa constitui o arcabouço sobre o
qual se construirá, a partir da educação a cidade justa. Mas vale destacar que
uma natureza medíocre jamais fará algo de grande a alguém, seja a um indivíduo,
seja à cidade. Assim, somente a educação é capaz de desenvolver as qualidades
naturais do homem e garantir a justiça no indivíduo e na cidade109
.
A ideia de Platão é construir uma cidade livre de conflitos e não ser apenas
um agrupamento de pessoas, mas tornar-se um todo organizado de forma
harmônica. Pois o maior bem da cidade é a sua unificação, na qual cada um
exerce seu papel com excelência110
. E esta consiste na melhor forma de
desenvolver a justiça no indivíduo e na cidade, visto que a educação forma
homens virtuoso, esses desenvolvem suas atividades visando o bem comum da
cidade e brota em seu seio a justiça. Para que esta seja alcançada, Platão aposta
na educação, pois a partir dessa são incutidas as habilidades intelectuais aos
homens que o orientam a contemplação do bem. Tal educação tem por
fundamento a formação do caráter (ethos) muito mais do que formação
acadêmica, ou seja, visa primordialmente formar homens virtuosos, harmônicos e
equilibrados: justos111
.
Pagni, concordando com o argumento anterior e complementando, afirma
que a educação é imprescindível para a formação do homem virtuoso que viverá
na cidade justa. Pois esta formação pressupõe o desenvolvimento das virtudes
entendidas como verdadeiras e dirigidas pelo sumo bem, que são alcançadas
pelo desejo, pela libertação das realidades sensíveis e do aporte na dimensão
inteligível, constituindo um domínio desta (faculdade superior) sobre aquela
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
109
VICENTE, José João Neves Barbosa. O papel da educação na República de Platão. Kínesis,
São Paulo, v. 6, n. 11, p. 215-224, 2014. p. 219-221.
110
VICENTE, José João Neves Barbosa. O papel da educação na República de Platão. Kínesis,
São Paulo, v. 6, n. 11, p. 215-224, 2014. p. 223.
111
Ibidem. p. 224.
31	
  
	
  
(faculdade inferior). Em seu ideal, Platão almejava uma cidade que fosse capaz
de corrigir as distorções causadas pelos poetas e sofistas e reconduzir seus
cidadãos a retidão, e assim a razão poderia governar sobre as demais esperas da
alma caracterizando a cidade justa para qual os cidadãos deveriam ser formados
respeitando a sua própria natureza e segundo às leis racionais. Dessa forma, a
cidade justa adviria das potencialidades racionais dos homens, formadas pelo
processo educativo, regida pelas leis e pela ideia de Bem constituiriam o Estado
ideal e justo112
.
Menescal entende que a formação do indivíduo não parece de forma alguma
afastada da justiça, pois somente pela educação apropriada os homens seriam
capazes de conduzir a sociedade até a felicidade. Ao que parece a educação foi o
caminho encontrado por Platão para promover a “homogeneização” da cidade.
Quando a educação é dada de maneira plena e consistente propicia uma
sociedade consciente de suas leis e organizada de forma a manter as suas regras
sociais, pois somente a partir da educação se pode manter a ordem e a seriedade
da sociedade e assim, tão somente se alcançará a excelência113
.
Na República vê-se a intercessão feita por Platão entre educação e justiça e
o papel dos governantes na manutenção desta:
Quando se preserva a boa educação e boa criação, essas
produzem naturezas boas, e naturezas saudáveis e úteis, que
são, por sua vez bem-educadas, se desenvolvem ainda melhor do
que suas predecessoras, tanto no que tange a sua prole quanto
em outros aspectos, tal como ocorre entre outros animais [...] os
supervisores [de nosso estado] tem de se prender a educação e
zelar para que essa não seja corrompida sem que eles o
percebam, protegendo-a contra tudo. Acima de tudo, devem zelar
o tão cuidadosamente quanto possam para que nenhuma
inovação que contrarie a ordem estabelecida seja introduzida na
música, poesia e ginástica
114
.
Finalizando Menescal completa dizendo que não se pode nesse processo
separar a educação e a ética, pois para o bom funcionamento da cidade o homem
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
112
PAGNI, Pedro. A Filosofia da Educação Platônica: desejo de Sabedoria e a Paidéia Justa.
Disponível em: <http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/126/3/01d07t01.pdf>.
Acesso em: 22 out 2014. p. 12-13.	
  
113
MENESCAL, Ana Alice Miranda. A ideia de justiça e a formação da cidade ideal república de
Platão. 2009. 103 f. Dissertação (Mestrado) – Departamento de filosofia, Curso de mestrado
acadêmico em filosofia, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2009. p. 69.
114
PLATÃO. República. 524a-b.
32	
  
	
  
deve reconhecer-se como cidadão e ter plena convicção de seus direitos e
deveres. Portanto, existem dois fatores primordiais para a formação dos cidadãos,
na cidade ideal de Platão: a educação, que prepara o homem para a justiça; e a
ética, pois além de educado, o homem precisa da plena convicção de que o
caminho que seguirá é o correto, e que não existe alternativa. Contudo, Platão
quer propor apenas um itinerário ético, pois qualquer descuido de conduto levaria
o homem a queda e perdição junto aos sofistas. Por isso, a República tenta
estabelecer um só, e único caminho para evitar que o homem se perca115
.
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
115
MENESCAL, Ana Alice Miranda. Op. cit. p. 73.	
  

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Introdução ao Platonismo

  • 1. 1     1. COSMOLOGIA PLATÔNICA Em sua cosmologia Platão entende uma estrutura hierárquica do real. Que consiste nos princípios do Uno e Díade indeterminada do plano das ideias (números, ideias gerais e particulares), plano dos entes e seres matemáticos (objetos da aritmética, geometria plana, astronomia pura e musicologia, aqui se encontram as almas do mundo e alma em geral) e plano do mundo físico sensível. Platão supôs a necessidade de haver uma causa ordenadora de todas as coisas, e a esta chamou Demiurgo1 . Mas esta inteligência ordenadora está em função do ser em sua dimensão de vir a ser, ou seja, o ser que é causa específica do demiurgo e de tudo que ele postula. O Pensamento cosmológico de Platão se divide em quatro axiomas: a) O ser que é sempre à este é o ser inteligível, não está sujeito a geração ou ao devir. Este é captado pela inteligência através do raciocínio. b) O devir à o que continuamente se engendra. Este sempre está em mudança, nunca é um ser verdadeiramente. É captado pelas sensações que são distintas da razão. c) Tudo o que está sujeito ao processo de geração, e para tal existe uma causa, que é o demiurgo. d) Demirugo à artífice que produz algo, mas sempre parte de uma referência. Ou fruto da experiência sensível ou racional. Ao tomar como referência o que é eterno o produto é belo, caso contrário, o modelo seja algo gerado não é belo.                                                                                                                           1 O termo Demiurgo (δηµιουργός) significa artífice e, com Platão, assumiu um sentido técnico para designar Deus artífice do mundo. É a causa inteligente e voluntária que plasma a matéria informe e caótica produzindo o mundo como ordem. A razão que move o demiurgo a agir é o bem. Este é hierarquicamente inferior as ideias e depende delas, porém, é superior a todas as almas por ele produzidas. Ele é capaz de produzir outros deuses inferiores e as partes incorruptíveis do homem e do mundo. Desempenha papel intermediário entre o mundo das ideias e o sensível. REALE. Giovanni. Op. cit. p. 66.    
  • 2. 2     Quanto as almas Platão diz: “A alma não tinha mácula antes de estar aprisionada ao corpo, ao qual se une como a ostra a sua concha2 .” Diante dessa frase impactante de Platão, percebe-se a pureza que a alma, anteriormente ao contato com a matéria; logo, essa alma necessitaria de uma volta para seu estado inicial mais perfeito. Tal perfeição é conferida à alma humana, pela sua própria natureza, por já ter contemplado, um dia, o Ser verdadeiro3 , assim pode-se dizer que e a alma é muitíssimo superior ao corpo. A alma é “o movimento capaz de mover a si mesmo”4 , segundo Teixeira a alma do mundo é responsável por todo movimento, considerada imortal5 . No Timeu, Platão explica que esta alma não é mais nova que o corpo, mas anterior a este e é responsável por seu governo e domínio6 . A alma do mundo foi criada pura, localiza-se, ao mesmo tempo, em seu centro e envolve-o7 . E a alma humana, também, foi criada pelo Demiurgo, a partir da alma do mundo. Mesmo sendo inferior a esta, a ela foi dado todo conhecimento das leis e das verdades8 . Visto que, a alma humana comunga da mesma natureza da alma do mundo, sendo entendida como imortal e, também, ser chamada divina9 . O Demiurgo, deste modo, constitui a alma do mundo de acordo com seu intelecto10 , e a partir disso fabricou tudo que é corpóreo e os uniu: essa alma (do mundo) dá início ao começo divino de uma vida inextinguível e racional para todo sempre. O corpo do céu é gerado (visível) e a alma, invisível, participa da razão11 . No homem, quando a alma é implantada no corpo, por necessidade, ela se depara com as paixões12 , de acordo com a seguinte ordem:                                                                                                                           2 PLATÃO. Fedro. São Paulo: EDIPRO, 2011. 250c. 3 Ibidem. 250a. 4 PLATÃO. As leis. 2 ed. São Paulo: EDIPRO, 2010. 896a. 5 TEIXEIRA, Evilázio. A educação do homem segundo Platão. São Paulo: Paulus, 1999. p. 87. 6 PLATÃO. Timeu. Coimbra: Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos, 2011. 34c. 7 . Ibidem. 34b.   8  PLATÃO. Timeu. 41d-e.   9  TEIXEIRA, Evilázio. A educação do homem segundo Platão. São Paulo: Paulus, 1999. p. 89.   10 O termo Nous (νοῦς) é comumente traduzido por intelecto (ou também mente, inteligência e pensamento). Com Platão a problemática do Nous se enriquece com as aquisições da “segunda navegação” e, portanto, desloca-se para o plano metafísico. Nous é a alma racional, hierarquicamente superior à concupiscível e à irascível. Mas é também um intelecto próprio da alma mundo. Ibidem. p. 184-185.   11  PLATÃO. Timeu. 36d-37a.   12  PLATÃO. Op. cit. 42a.
  • 3. 3     Em primeiro lugar, uma sensação única e congénita gerada por impressões violentas; em segundo lugar, o desejo amoroso, que é uma mistura de prazer e sofrimento; depois destes, o temor, a cólera e todas as sensações que se lhes seguem e todas as que por natureza são contrárias e se diferenciam destas13 . A alma, por sua excelência e existência anterior ao corpo, deve comandá-lo. Desta forma, quando unidos no mesmo ser, cabe ao último obedecer e sujeitar- se. A harmonia se faz plenamente estabelecida quando a alma exerce sua natureza de comando e senhorio, enquanto o corpo se limita a servidão e obediência. Isso se justifica pelo fato de a alma assemelhar-se à realidade divina e o corpo àquilo que é mortal. A mesma alma tende a liberta-se do que é terreno e perecível buscando o que lhe é semelhante. No entanto, o corpo é seu abrigo, pois somente a partir dele ela pode purificar-se e voltar a sua origem. Isto explica a permanência e unidade do composto no mundo sensível, pois apesar da inquietação pela liberdade, é necessário o laço de união entre as partes14 . A alma humana é de natureza boa, essa bondade se deve ao fato da sua criação pelo próprio Demiurgo, o mesmo que gerou a alma do mundo e a de todos os deuses. Este fato também confere a ela certo potencial de ser chamada “divina”. Uma vez criada, à alma humana foi apresentada a natureza do universo e ainda, foi-lhe dado conhecer as leis e as verdades, as quais estava destinada a saber. Outro fato que lhe pode ser acrescentado é a capacidade de praticar sempre a justiça15 . Em contrapartida, o ser vivente é composto de corpo e alma; enquanto esta permanecer misturada a tão grande mal, jamais poderá alcançar a verdade que deseja. Essa limitação se deve ao fato de o corpo ser repleto de necessidades de sustento, susceptibilidade às doenças, desejos sensuais, apetites temores e toda infinidade de ilusões e tolices. Não é possível conceber que o impuro possa atingir o puro, por isso, se torna inviável pensar que, estando aprisionada ao corpo, a alma possa ir de encontro à verdade, que alguns já comungam. Aqueles que se encontram atados neste cárcere, só podendo ser libertos pelo Deus, pela experiência da morte. Somente desse modo libertando se da insanidade do corpo                                                                                                                           13  Ibidem. 42a-b.   14  TEIXEIRA. Op. cit. p. 89.   15  PLATÃO. Timeu. 41c-e.  
  • 4. 4     poder-se-á alcançar a almejada contemplação da verdade, e assim poderão desfrutar da verdadeira felicidade16 . As almas que buscam manter-se na retidão, conservando sua pureza são mais predispostas ao reencontro com a verdade. Por isso a necessidade do cuidado desta, pois de nada vale o cuidado somente com o corpo sem querer curar a alma17 . Seria um grande erro voltar-se exclusivamente para os cuidados do corpo – onde se encontram todas as coisas inferiores e que afastam a alma daquilo para o qual ela foi criada – e não atentar-se para o princípio que o movimenta. Quando se busca aperfeiçoar a alma, esta se torna boa, e assim consegue a plenitude, que consiste na libertação do cárcere e contemplação novamente das verdades eternas, conforme pode ser visto no Fédon. Pensando nesta necessidade da alma, surge assim a exigência de: ter um autocontrole sobre as paixões; buscar uma boa conduta; e educar as ações para que possa um dia alcançar a plenitude que consiste na vida junto aos deuses e contemplação das perfeições. Como em Platão, a alma é concebida como imortal, é preciso que ela não seja dominada por vícios que a corrompam e ocasione os males como: injustiça, insensatez, impiedade e outros males próprios do corpo fazendo com que ela permaneça mais tempo longe das verdades18 . Quanto à imortalidade, Platão diz no Ménon que a alma do homem mesmo, ora na experiência que se chama morte, ora nascendo de novo, jamais será aniquilada, demostrando que a alma do homem é imortal (Ψυχή ᴦού άνθρώπου είναι ᴦού αθανασια)19 . Para Casoretti, a imortalidade pode-se explicar através da imaterialidade. Se entendermos que a alma tem acesso e conhecimento das ideias que são imateriais, essa por conseguinte também tende a ser imaterial. Se a imaterialidade pressupõe imortalidade, logo a alma é imortal20 .                                                                                                                           16  Idem. Fédon. São Paulo: EDIPRO, 2011. 66b-67b.   17   Pero que Zalmoxis, nuestrorey, siendo como es dios, sostenía que no había de intentarselacuración de unos ojossinlacabeza y lacabeza, sinel resto delcuerpo; así como tampocodelcuerpo, sinel alma. (Tradução livre). PLATÃO. Cármides. Disponível em: <http://www.edu.mec.gub.uy/biblioteca_digital/libros/P/Platon%20-%20Carmide.pdf>. Acesso em: 03.09.2014. 156e-157a. 18 PLATÃO. Cármides. Disponível em: <http://www.edu.mec.gub.uy/biblioteca_digital/libros/P/Pl aton%20-%20Carmide.pdf>. Acesso em: 03 set 2014. 154e. 19 Idem. Mênon. Rio de Janeiro: PUC-Rio; Loyola, 2001. 81b. 20 CASORETTI, Anna Maria. A origem da alma: do orfismo a Platão.2010. 73 f. Monografia (Graduação) – Departamento de Filosofia, Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Mackenzie, São Paulo, 2010. p. 59.
  • 5. 5     No Fédon encontramos, a partir da teoria dos opostos, uma satisfatória explicação sobre esse assunto. Ora, o que temos a determinar é quais coisas, sem que sejam os opostos de algo, não obstante isso, não admite, como número três, que embora não seja o oposto da forma do par, ainda assim não admite, apresentando sempre seu oposto contra ela, e tal como o número dois apresenta o oposto do ímpar, e o fogo o oposto do frio, e assim por diante, pois os casos são muitos. Bem, vê se aceitas a seguinte afirmação, a saber, não só opostos não admitirão seus opostos, como também nada que traga um oposto àquilo de que se aproxima jamais admitirá em si a oposição do que é trazido. Deixa-me refrescar tua memória, uma vez que nada a de danoso no fato de repetir. O número cinco não admitirá a Forma do par, do mesmo modo que o dobro de cinco, o número dez, não admitirá a fórmula do ímpar. Ora, ainda que o dez não seja ele próprio um oposto, não admitirá a Forma do ímpar. Tampouco, o um é meio e outras frações combinadas, bem como um terço e outras frações simples admitem a Forma do todo21 . A partir disso, o autor entende, de forma mais refinada, que o que pode torna o corpo quente não é a quentura, mas sim o calor. Bem como o que o torna enfermo, não é a enfermidade, mas sim a febre. Analogamente, o que pode ao corpo torná-lo vivo não pode ser descrito tão somente como a vida mas a sua alma. Consequentemente, entende que as coisas nas quais a alma habita a elas transmite vida, não podendo aceitar o seu oposto, que é a morte. Como se entende que tudo aquilo que não admite a morte é chamado imortal, logo a alma será chamada imortal. Considerando que o imortal também é indestrutível, não seria a alma, já que é imortal também indestrutível? Assim, quando a morte atinge um ser humano, sua parte mortal, pelo que parece, morre, porém a parte imortal segue incólume e não destruída para alguma região do Hades, furtando-se da morte22 . Finalizando, observemos como se dá a demonstração da imortalidade no Fedro. Toda alma é imortal, pois aquilo que se mantém sempre em movimento é imortal; aquilo, entretanto, que move alguma coisa mais ou é movido por alguma coisa mais, quando cessa seu movimento, deixa de viver. Assim, é somente aquilo que move a si                                                                                                                           21 PLATÃO. Fédon. 105ab.   22 PLATÃO. Fédon. 105c-107a.
  • 6. 6     mesmo que nunca cessa de mover-se, constituindo também a fonte e princípio de movimento para todas as demais coisas que se movem. Mas o princípio não é gerado porque tudo que é gerado é necessariamente gerado a partir de um princípio, e o princípio não é gerado a partir de coisa alguma, pois se fosse gerado não seria a partir de um princípio. E uma vez que não é gerado, tem necessariamente que ser também indestrutível, já que se o princípio fosse destruído, jamais poderia ser gerado a partir de qualquer coisa nem qualquer coisa que lhe é distinta a partir dele, posto que todas as coisas tenham que ser geradas com base num princípio. Por conseguinte, o automotor (aquilo que move a si mesmo) é necessariamente o princípio do movimento, não sendo ele nem destruído nem gerado, caso contrário todo o céu e toda geração necessariamente se abateriam e se deteriam, jamais teriam novamente uma causa para retomar o movimento. Mas desde que constatamos que aquilo que se move por si mesmo é imortal, aquele que afirma que este auto movimento é a essência e o fundamento da alma não incorrerá em ignominia. De fato, todo corpo que recebe movimento de uma fonte externa não possui alma (αψυχος23 ), enquanto o que tem seu movimento dentro de si possui alma (Ζωντανός24 ), uma vez ser essa natureza da alma. Entretanto, na hipótese de ser isso verdadeiro, a saber, que aquilo que move a si mesmo (o automotor) nada é se não a alma, seria necessariamente de se inferir que a alma é não gerada e imortal25 . Platão, quando aborda a divisão da alma em sua segunda maior obra, A República, afirma: Bem, por certo estamos compelidos, então, a concordar que cada um de nós tem no interior de si as mesmas partes e características do Estado? Afinal, que outra origem poderiam ter? Seria absurdo alguém pensar que a animosidade não provém dos Estados de indivíduos que se supõem sejam possuidores de animosidade, como os trácios, cítios e outros povos que vivem ao norte, ou que algo idêntico não se aplique ao amor ao conhecimento, o qual é principalmente associado com a nossa parte do mundo, ou o amor ao dinheiro, o qual poder-se-ia dizer e manifestamente exibido pelos fenícios e os egípcios [...] Mas o que é difícil compreender é isso: executarmos as coisas com a mesma parte de nós mesmo ou a executarmos com as três partes distintas? Aprendemos com uma parte, ficamos irados com uma outra e com uma terceira desejamos os prazeres do alimento, da bebida, do sexo e outros que lhe são estreitamente aparentados? Ou quando procedemos a algo atuamos com a totalidade de nossa alma em cada caso? É isso que é difícil determinarmos de uma forma compatível com o nível de nossos argumentos26 .                                                                                                                           23 αψυχος. Termo grego que significa inanimado. 24 Ζωντανός. Termo grego que significa inanimado 25 PLATÃO. Op. cit. 245d-246a.   26 PLATÃO. A República. 2 ed. São Paulo: EDIPRO, 2014. 435e-436b.
  • 7. 7     Platão afirma que a alma, na equivalência com o Estado, é dividida, mas sem que haja contradição entre as suas distintas porções, já que cada parte exerce, a sua maneira, a sua respectiva função de forma que se mantenha no todo a harmonia. Na tradição platônica, a alma humana é entendida como tripartida, ou seja, dividida em três partes a saber: apetitiva, racional e irascível27 . O elemento apetitivo irracional é “aquele com a qual a alma experimenta desejo sexual, fome, sede e fica excitada por outros apetites, é o companheiro de certas concessões (aos apetites) e prazeres.”28 . O elemento racional é o que governa a favor da alma inteira já que é, distintamente, o que possui a sabedoria29 . O elemento irascível, também chamado de animosidade, parece confundir-se com o que tratamos anteriormente, a parte apetecível. No entanto “está longe de o ser, pois, no conflito de facções no interior da alma, esta se alinha muito mais com o elemento racional30 ” A guerra civil que ocorre no interior do homem entre o elemento racional e o apetecível gera certo conflito. Para tentar manter uma ordem, entra em ação o papel do elemento irascível, o qual trará equilíbrio na alma dominando o apetitivo sob o governo da razão. Por isso, é considerado de fato o terceiro elemento da alma, que por natureza deve auxiliar o elemento racional, devido à educação, excluindo qualquer tipo de corrupção31 . A defesa da alma tripartida, segundo Platão, pode ser sustentada por pelo menos três argumentos. O primeiro teria a necessidade de certo entrosamento entre as virtudes do Estado e da alma de cada indivíduo, que são: a justiça, a sabedoria, a coragem e a temperança. Encontram-se precisamente na obra A República, na sua quarta parte, sendo essas características necessárias tanto à alma do indivíduo como ao Estado. O segundo argumento advém dos diferentes modos e características que as cidades podem ter, de acordo com os atributos psicológicos de cada indivíduo32 . O terceiro, por sua vez, está de acordo com o princípio de não-contradição pelo qual não se pode ser e não ser ao mesmo                                                                                                                           27 Ibidem. 440e-441a. 28 Ibidem. 439d. 29 Ibidem. 441e. 30 Ibidem. 440e. 31 PLATÃO. República. 440b; 441a. 32 PURSHOUSE, Luke. A República de Platão: um guia de leitura. 2 ed. São Paulo: Paulus, 2011. p. 85-86.
  • 8. 8     tempo em relação à mesma coisa33 . Ou ainda, não é pertinente afirmar que uma parte do indivíduo está em movimento enquanto outra parte está em repouso34 . Se nesse caso entende-se que o indivíduo como um todo está em movimento, da mesma forma a alma age por inteiro. Teixeira, corroborando esta ideia de tripartição e entendendo a alma como um todo complexo, aborda suas partes, a partir de três funções: A primeira função é aquela que é mais fundida com o corpo; pertence à ordem dos impulsos, dos desejos e das necessidades: é a alma desejante ou concupiscente – que ocupa seu lugar corporal no ventre: é a função pela qual a alma deseja e sente fome e sede e fica perturbada pelos demais apetites. Essa função desejante da alma é chamada também de epithymía, que corresponde à natureza do trabalhador produtor. A alma desejante é a das pulsões, das necessidades e dos desejos. É aquela que ama, que tem fome, que tem sede e se dispersa incessantemente em torno dos múltiplos desejos. A segunda função da alma consiste na razão: é a alma racional. Situada na cabeça, constitui a porção divina do homem, pois está, por natureza, em relação ao inteligível: é o “olho da alma”. Sua função é calcular, prever, submeter a exames os caprichos do desejo – seu último é a contemplação das essências. A terceira função diz respeito à dimensão do afeto: é a parte afetiva da alma e possui uma espécie de função mediadora. O coração exerce uma função mediadora, quando a deliberação da razão é oposta à necessidade do instinto. Essa terceira função é chamada por Platão de thymós35 . Silva também comenta que cada elemento da alma aspira um prazer específico de acordo com as atividades cognitivas. O apetitivo se volta aos prazeres relacionados à percepção, ou seja, às experiências sensíveis; o irascível se volta a essência das coisas em particular, pela via da opinião; e o racional, devido à sua capacidade cognitiva, busca entender as coisas como elas são, segundo a ciência. Ele ainda comenta que a parte racional está sempre voltada para a verdade e para o verdadeiro bem. As outras duas partes se ligam ao que parecer ser um bem, ou seja, as coisas aparentes36 . No Fedro, Platão apresenta a alegoria da parelha alada de forma a explicar a tripartição da alma, além de introduzir a importância da educação para a                                                                                                                           33 PLATÃO. Eutidemo. Rio de janeiro: PUC-Rio; Loyola, 2001. 293c. 34 Idem. A República.436c.   35 TEIXEIRA, Evilázio. A educação do homem segundo Platão. São Paulo: Paulus, 1999. p. 34. 36 SILVA, Wilson José. A unidade das virtudes nos diálogos socráticos: uma questão de método. 2006. 157 f. Dissertação (mestrado) – Departamento de Filosofia, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, São Paulo, 2006.p. 39-40.
  • 9. 9     mesma. O mito consiste numa biga puxada por dois cavalos e conduzida por um cocheiro. Um dos cavalos é de raça pura e caráter nobre equivalendo ao elemento irascível, enquanto o outro não é de raça pura, mas miscigenada e nada nobre quanto ao seu caráter, comparando-se ao elemento apetecível. O cocheiro, que representa o elemento racional, possui a árdua missão de conciliador e guia da parelha37 . Durante um determinado período essas almas tinham asas que as ajudavam a se erguerem para o alto levando consigo o que é pesado até alcançarem o lugar onde os deuses habitam, ou seja, a região celestial. Contudo, algumas almas perderam suas asas, por isso perambularam até encontrarem um lugar sólido para se instalar, assumindo um corpo terrestre, o qual, devido ao poder da alma nele encerrada, parece capaz de movimento próprio. Esse composto de corpo e alma é conhecido como ser vivo. A alma, mais do que qualquer outra coisa que pertença ao corpo, participa da natureza do divino. O divino contém a beleza, a sabedoria, a bondade e todas a demais qualidades a essas semelhantes. As almas dotadas dessas qualidades são bem alimentadas e a elas são restituídas as asas, enquanto as que se entregam aos vícios, as asas se encolhem e desaparecem38 . Dessa forma, aquelas almas que vivem virtuosamente, vivendo sua vida humana de maneira digna, obtêm uma melhor sorte e são erguidas pela justiça a uma região celestial, enquanto aquelas que vivem viciosamente desfrutam de pior sorte, pois partem para os postos correcionais na terra para cumprirem a sua pena até alcançarem a purificação39 . As virtudes estão presentes na alma e Platão entende que virtude é a excelência na função própria. Já que cada coisa, ou seja, cada objeto assim como cada ser vivo tem uma ou mais funções, a virtude consiste no fato de exercer perfeitamente essa função. Sendo assim, a virtude da faca é cortar, do olho enxergar, e em relação ao homem, este deve saber, ser corajoso e conseguir dominar seus desejos. Dessa maneira, todo objeto técnico tem uma virtude, assim como todo ser vivo. Com isso, vê-se que para definir a virtude de cada coisa ou objeto faz-se necessário conhecer a natureza da mesma. Portanto, por virtude                                                                                                                           37 PLATÃO. Fedro. 246a-b. 38 PLATÃO. Fedro. 246d-e. 39 Ibidem. 249a-b
  • 10. 10     além da excelência do caráter, pode-se entender a perfeição de uma atividade, seja ela qual for40 . A virtude como excelência deve ser entendida por um caminho que passa pela posse de um saber que proporcionará a ela seu status. Sendo assim, a excelência encontra-se na dimensão cognitiva, ou seja, ser excelente nada mais é do que saber como sê-lo. Dessa forma, o homem de posse de um saber prévio de suas próprias aptidões irá desenvolvê-las até alcançar a excelência, a virtude41 . Nas Leis, Platão afirma que o virtuoso é aquele homem que não comete erros e, além disso, auxilia os magistrados a corrigir os erros alheios: Aquele que não comete qualquer erro é efetivamente um homem digno de honra, porém digno de honra em dobro, e mais, é aquele que em adição a isto não permite que os cometedores de erros, os cometam, pois enquanto o primeiro vale por um homem, o segundo vale por muitos, já que informa os magistrados a respeito da ação errônea dos outros. E aquele que auxilia os magistrados, na medida de suas forças, a punir, que o proclamemos o grande homem do Estado, e homem consumado, o campeão da virtude42 . Ainda a respeito, Platão entende que o virtuoso é bom, mas para ser bom é preciso ser “sábio, corajoso, moderado e justo”43 , pode-se entender que em sua concepção são quatro as virtudes principais ou capitais. Quanto a elas, ele apresenta que se distinguem por caraterísticas próprias que devem ser acentuadas em um determinado momento para exercer aquilo que lhes compete, explicando as pela analogia com as partes da alma e sua correspondência com as diferentes classes existentes em seu Estado44 . Em A República, por sua vez, encontram-se as definições de cada uma destas quatro virtudes: Então devemos lembrar que cada um de nós, no qual cada elemento cumpre sua própria função, será justo e fará o que lhe cabe. [..] eu suponho, que qualificaremos um indivíduo de corajoso, a saber, quando a animosidade preserva em meio a dores e prazeres, os ditames da razão sobre o que é para ser                                                                                                                           40 BRISSON, Luc; PRADEAU, Jean-François. Vocabulário de Platão. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. p. 72-73. 41 Ibidem. p. 73. 42 PLATÃO. As Leis. 730d. 43 Idem. A República. 427e. 44 PURSHOUSE, Luke. A República de Platão: um guia de leitura. 2 ed. São Paulo: Paulus, 2011. p. 93.  
  • 11. 11     temido e o que não é para sê-lo. [...] e qualificaremos de sábio devido àquele pequeno elemento de si que nele governa, produz estes ditames e encerra dentro de si o conhecimento do que é proveitoso para cada elemento e para toda alma, que é a associação de todos os três elementos – irascível, apetitivo e racional. [..] e não é ele moderado devido as relações amistosas e harmoniosas entre esses mesmos elementos, a saber, quando o governante e os governados concordam que o elemento racional deve governar e não entram em conflito com este? A moderação é isso e nada mais tanto na (esfera do) Estado) quanto na (esfera do) indivíduo45 . 2. A PÓLIS PLATÔNICA Com o término do período homérico, ao olhar para a necessidade da cidade primitiva, Platão propôs um Estado ideal, no qual foram propostas características muito claras para homens que têm diferentes necessidades. A organização da vida humana dentro de um estado não se daria apenas através de cumprimento de ordens, ou seja, não bastaria somente viver, mas seria necessário, sobretudo, viver bem. Com isso, o melhor lugar para o homem desenvolver as suas virtudes é a Polis. Para facilitar o entendimento a respeito do contexto da época em que surgem as polis, é preciso, primeiramente, ater-se as questões dos períodos que antecederam as mesmas, destacando a importância dos povos micênicos até o período homérico. O povo micênico possuía um estilo de vida social totalmente centralizada em torno do palácio, tudo que dizia respeito aos poderes religiosos, políticos, militares, econômicos estava organizado dessa forma, e tinha como apoio os escribas que ajudavam a controlar toda essa estrutura de soberania46 . Nesse estilo de governo, o soberano exercia um poder total sobre todos os demais, uma profunda submissão, pois os dignitários não eram funcionários, mas eram encarregados de disseminar, em todos os lugares que fossem designados,                                                                                                                           45  PLATÃO. A República. 441e-442d.   46 VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. 2 ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1972. p. 15.  
  • 12. 12     esse poder absoluto que se encarna no monarca. O Rei concentra em si todas as atividades, como por exemplo: compra das armas, definir estratégias, escolher os tipos de sacrifícios a serem oferecidos, determinar as taxas de sacrifícios e organizar os cultos. E é chamado por todos por anáx. O palácio era o centro, o lugar das prestações e gratificações47 . Essa realeza, sobre a qual não há muitos dados históricos, era dividida em basicamente três estágios: o bélico – no qual o soberano se apoiava nos aristocratas guerreiros, nos homens dos carros, que estavam sujeitos a sua autoridade, mas que formavam um corpo social e na organização militar do reino. Este grupo era privilegiado, pois possuía um estatuto particular e um gênero de vida próprio; o rural – sua dependência não era tão absoluta em relação ao palácio, no entanto tinham a obrigação de alimentar, dar “presentes” e fazer prestações de contas ao palácio, com a função primordial de suprir as necessidades desse; administrativo – manter a contabilidade e administração do palácio, contudo, baseava-se, principalmente, na escrita e construção de arquivos por escribas. Estes forneciam as técnicas e esquemas para administrar o palácio fechando tudo aos reis. A língua se restringia a essa escrita, sendo objeto de uso para administração do palácio48 . Devido ao rompimento do vínculo, que perdurava por vários séculos, entre a Grécia e o Oriente, pela invasão dórica, fecha-se as portas do mar e retorna-se a uma economia agrícola. No mundo homérico não é reconhecida a divisão do trabalho anterior, como expressa pela sociedade micênica. Todos se encontram agrupados ao redor do palácio ou agrupados nas aldeias para servir as ordens do rei. A partir das invasões, o sistema palaciano desaba e nunca mais será o mesmo, não se erguerá. O termo anáx desaparece do cenário político e é substituído pelo termo técnico basileus – consiste no grupo dos Grandes que desempenharão poder real, no cume da hierarquia real. A ruína dos palácios promove ainda a mudança da escrita. Esta se deu, exclusivamente, por influência fenícia, no qual não se limita somente a escrita, mas a presença da fonética que ajudará a divulgar o regime, e colocá-lo igualmente sobre o olhar de todos as diversas realidade sociais e políticas, abandonando a restrição única de                                                                                                                           47 Ibidem. p. 22. 48 VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. 2 ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1972. p. 23-24.
  • 13. 13     confecção de arquivos do palácio49 . Nesse novo período o rei mudou não somente de nome, mas de natureza50 . A queda do regime micênico inaugura uma nova civilização grega. Surgindo assim, uma nova forma de entendimento do governo, pois após o desmoronamento do palácio, promoveu-se o advento de conflitos entre as famílias mais eminentes que ainda sustentavam a existência de uma aristocracia guerreira versus as comunidades aldeãs. Com isso, visando a busca do equilibrio e diminuição dos conflitos surgem acordos que farão nascer, em meio a toda a desordem, um período de reflexão moral e especulações políticas que vão definir uma primeira forma de “sabedoria” humana51 . Este período da “sophia” tem seu início desde a aurora do século VII, e foi marcado pela presença de inúmeros personagens áureos, apesar de bem estranhos. Estes homens eram detentores de glória lendária, tidos como os verdadeiros sábios. Sua principal preocupação não era com a physis, mas com o mundo dos homens, que elementos o compõe, que forças o dividem contra si mesmo, como harmonizá-las e unificá-las para que de seus conflitos surja a ordem humana da sociedade. Essa sabedoria é fruto de uma longa história difícil e acidentada, em que se detêm fatores múltiplos, mas que desde seu início afastou da concepção soberana da sociedade micênica para orientar-se num outro caminho52 . As associações formadas pelos camponeses – campesina – aparecem na história mais primitiva das polis, mas este regime vai sendo substituído, ou melhor dizendo aprimorado, acompanhando o aperfeiçoamento das relações entre os homens, que precisa por uma necessidade espiritual, formar comunidades. Essas mudanças nas relações dos homens faz surgir as cidades, que são chamadas pelos gregos de polis. Com isso, pode-se ver a polis como o centro principal e o marco social a partir do qual se organiza historicamente o período mais importante da evolução grega53 .                                                                                                                           49 Ibidem. p. 24-25. 50 Ibidem. p. 28. 51 Ibidem. p. 27. 52 VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. 2 ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1972. p. 27. 53 JAEGER, Werner Wilhelm. Paidéia: a formação do homem grego. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 106-107.
  • 14. 14     O sistema da polis é favorecido pela predominância da palavra sobre todos os outros instrumentos do poder. Esta se torna o instrumento político por excelência, a chave de toda autoridade no Estado, o meio de comando e de domínio sobre outrem. Essa palavra entre os gregos se torna uma divindade: Peithó, que quer significa persuadir, convencer ou influenciar. A palavra assume um novo caráter, visto que não se restringe mais aos escribas, em seu caráter ritualista, expressando apenas uma fórmula justa, mas agora ela está aberta ao debate contraditório, a discussão e a argumentação, se tornando um novo mecanismo, que favorece aquele que pela “sabedoria” e a capacidade oratória consiga levar os demais a aderirem ao seu pensamento. Aqui vale destacar que começa a se desenvolver a retórica e a sofistica54 . A palavra que agora assumiu caráter de publicidade fortalece o seu uso pelos grupos e a exposição de condutas e conhecimentos. Esse desenvolvimento comporta uma profunda transformação, que é bem expressa na obra Epopéia de Homero. Nesta é bem expressa o fato da poesia, restrita a corte, proclamada nos palácios sair destes ambientes e passar a ser poesia de festa. Dessa forma, os valores, o conhecimento, as técnicas mentais são levadas à praça pública, ficando sujeitos à crítica e à controvérsia. Não são mais conservados, como garantia de poder, somente pelas tradições familiares. Mas agora se torna de “domínio público”, motivando assim a exegese, interpretações diversas, oposições e debates. Isto é um reflexo da descentralização e da queda dos palácios, abriram-se as portas e o que estava restrito a poucos agora começa a se difundir. Assim, a discussão, a argumentação, a polêmica torna-se regra do jogo intelectual, assim como do jogo político. A lei da polis, em oposição ao poder do monarca, exige que umas e outras sejam igualmente submetidas à “prestação de contas” já que não impõem pela força de um prestígio pessoal ou religioso, mas sim por um processo de ordem dialética, o que parece que favorecerá o desenvolvimento filosófico55 . A vida social do homem, bem como suas relações, foi modificada a partir do surgimento da polis, pois a mudança das leis e dos ritos fizeram dessa uma comunidade de vida espiritual. A consciência dos cidadãos foi formada e inspirada                                                                                                                           54 VERNANT, Jean-Pierre. Op. cit. p. 34.   55 VERNANT, Jean-Pierre. As origens do pensamento grego. 2 ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1972. p. 35-36.
  • 15. 15     por comportamentos fundados em normas que regulam algumas ações e o proíbe outras56 . Hannah Arendt entendia que, a vida na polis significava para os gregos uma maneira possível de organização política que permitia os homens viverem unidos e de maneira ordenada. Este ideal de cidade-estado faz com que o homem além de viver sua vida pessoal ou privada passe também a preocupar-se com a vida comum. Para a autora, a polis faz com que o homem saia de sua futilidade individual, pois a cidade é um espaço protegido contra essa57 . Em Platão, a justiça tem um caráter objetivo e é o eixo que sustenta sua ética e sua política58 . A polis surge do princípio que o homem sozinho não conseguirá dar conta das diversas atividades que necessita para viver bem, e daí emergem as necessidades de organização desta relação, e assim surgem das relações, que estão em mudança, às cidades. Por isso, Purshouse afirma que: Uma extensa análise das razões pelas quais os seres humanos decidem se organizar em sociedades, em lugar de sobreviver sozinhos. A base do Estado é que ninguém é autossuficiente. A fim de satisfazer nossos desejos por alimentos, abrigo e vestuário, grupo de nós59 . E na República Platão explica que: As pessoas precisam de muitas coisas e porque uma pessoa recorre a uma segunda devido a uma necessidade e a uma terceira devido a uma outra necessidade, muitas pessoas se reúnem num único lugar para viver juntas como parceiros e colaboradores. E a esse estabelecimento denomina-se cidade ou estado60 . Anteriormente, ao tratar das virtudes, comentou-se que as principais virtudes: sabedoria, coragem, justiça e temperança são responsáveis por promover a harmonia dos diversos elementos que compõem o homem, ou seja,                                                                                                                           56 TAVARES, Roberto Ramalho. A evolução da polis e da educação como consequência da evolução grega, da fase arcaica à clássica. Disponível em: <http://www.aei.com.br/userfiles/2_A%20EVOLU%C3%87%C3%83O%20DA%20POLIS%20%20D A%20EDUCA%C3%87%C3%83O%20COMO%20CONSEQ%C3%9C%C3%8ANCIA%20DA%20E VOLU%C3%87%C3%83O%20DA%20%C3%89TICA%20GREGA.pdf>. Acesso em: 08 out 2014. p. 3-4. 57 ARENDT, Hannah. A condição humana. São Paulo: Forense, 1981. p. 33. 58 REALE. Giovanni. História da filosofia grega e romana. Léxico da filosofia grega e romana. São Paulo: Paulus, 2014. v. IX. p. 144-145.   59 PURSHOUSE, Luke. A República de Platão: um guia de leitura. 2 ed. São Paulo: Paulus, 2011. p. 58. 60 PLATÃO. A República. 369b-c.  
  • 16. 16     as três partes que constituem sua alma. No entanto, Platão entende que a justiça, dentre todas é a virtude mais importante, pois esta permite que os homens se assemelhem ao que é invisível, divino, imortal e sábio, e por meio dela o homem alcança a felicidade61 . E isso está muito bem expresso em suas diferentes obras, como pode-se observar no seguinte trecho da República: Não concerne a ação externa, mas consiste aquilo que está em seu interior. É a aquilo que genuinamente ele próprio e que verdadeiramente lhe pertence. [...] Aquele que é justo não permite que nenhum elemento de si mesmo cumpra a função de um outro elemento nem que os distintos elementos no seu interior produzam uma recíproca intromissão. Ele é capaz de regular bem o que verdadeiramente lhe é próprio e governa a si mesmo; instaura a ordem em si mesmo, é seu o próprio amigo e harmoniza os três elementos [de sua alma] como três notas limites de uma escala musical: a alta, a baixa e a mediana. Une esses elementos e quaisquer outros que possam haver entre eles, e da multiplicidade que ele era se faz unidade, moderado e harmonioso. E somente então ele age. E quando realiza qualquer coisa, seja aquisição de riqueza, o cuidado de seu corpo, a prática política, seja nos contratos particulares – em tudo isso crê que a ação justa e honrada é a que preserva essa harmonia interna e que ajuda a conquistá-la, assim a nomeando, e tem nas contas de sábio o conhecimento que preside tais ações. E acredita que a ação que destrói essa harmonia é injusta, nomeando-a assim, tendo na conta de ignorância a crença que preside tal ação62 . No Protágoras, a justiça é tida como um dom dos deuses dada ao homem para que viva a ordem moral. Zeus, então, com medo que sucumbisse toda a raça humana, enviou Hermes para mostrar aos homens o sentido moral e a justiça, para que houvesse ordem na cidade e relações cordiais de amizade. Hermes perguntou, então, a Zeus de que modo daria o sentido moral e a justiça aos homens: “Vou dividi-las como estão divididos os conhecimentos?” Estão divididos assim: um apenas que domine a medicina vale para muitos particulares, e o mesmo aos outros profissionais. “Também agora a justiça e o sentido moral serão infundidos nos humanos, ou repartidos a todos?”“A todos”, disse Zeus, e que todos sejam partícipes. Pois não haveria cidades, se somente alguns deles participassem, como dos outros conhecimentos. Além disso, impõe-se uma lei da minha parte: que ao incapaz de participar de honra e da justiça o eliminem como a uma enfermidade da cidade63 .                                                                                                                           61 TEIXEIRA, Evilázio. A educação do homem segundo Platão. São Paulo: Paulus, 1999. p. 37-38. 62 PLATÃO. A República. 443d-e.   63 Zeus, entonces, temió que sucumbiera toda nuestraraza, y envió a Hermes que rajera a loshombresel sentido moral y lajusticia, para que hubieraordenenlasciudades y ligaduras acordes
  • 17. 17     Na Apologia de Sócrates tenta mostrar que a justiça parte do indivíduo para a cidade e não a cidade impõe essa ao indivíduo. “Um homem que realmente luta pela justiça tem que levar uma vida privada, e não pública, caso queira sobreviver mesmo por um efêmero período”64 . Isso parece querer mostrar que na vida privada, o homem se forma nas virtudes, de onde brotará a justiça e daí poderá ser instrumento para uma cidade justa. Nas Leis a justiça é tida como aquela que constitui a harmonia, tanto no homem quanto na cidade à semelhança da harmonia cósmica, e tudo assim está regido por uma lei para garantir a justa medida e a devida proporção. Persuadamos o jovem mediante palavras que dizem que todas as coisas estão ordenadas sistematicamente por aquele que cuida de tudo com olhar na preservação e excelência do todo no qual cada parte, na medida de sua capacidade, sofre e age segundo o que lhe é apropriado. Para cada uma dessas partes até as mais ínfimas delas são designados governantes de sua paixão e ação para que o cumprimento pleno de cada fração seja produzido, estando tu entre estas frações, ó homem perverso, tendo sempre, portanto, [cada uma das frações] em seu empenho para o todo, por mais minúsculas que sejam. Mas tudo não consegues perceber que toda geração parcial vida o todo para que seja assegurada a existência bem aventurada no universo – e que nada seja gerado para ti, mas sim tu gerado para o todo65 . Portanto, Platão entende que justiça não consiste apenas em dizer a verdade e restituir aquilo que se tomou, nem em dar a cada um aquilo que se deve, e muito menos ser a conveniência do mais forte66 . Mas, a mais excelsa das virtudes se dá quando cada homem ocupa-se, na cidade, tão somente da função, para a qual a sua natureza é favorável e executa tal atividade sem interferir nas dos demais. Como expresso no livro IV da República:                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                   de amistad. Le preguntó, entonces, Hermes a Zeus de qué modo daríael sentido moral y lajusticia a loshombres: “¿Las reparto como están repartidos losconocimientos? Están repartidos así: uno solo que domine la medicina vale para muchos particulares, y lomismolosotrosprofesionales. ¿Tambiénahoralajusticia y el sentido moral losinfundiréasí a los humanos, o los reparto a todos?” “A todos, dijo Zeus, y que todos sean partícipes. Pues no habríaciudades, si sóloalgunos de ellosparticiparan, como de losotrosonocimientos. Además, impón una ley de mi parte: que al incapaz de participar del honor y lajusticialoeliminen como a una enfermedad de laciudad”. (Tradução livre). PLATÃO. Protágoras. Disponível em: <http://www.edu.mec.gub.uy/biblioteca_digital/libros/P/Platon%20-%20Protagoras.pdf>. Acesso em: 9 out 2014. 322c-d. 64 Idem. Apologia de Sócrates. São Paulo: EDIPRO, 2008. 32a. 65 Idem. As leis. 2 ed. São Paulo: EDIPRO, 2010. 903b-c. 66 TEIXEIRA, Evilázio. A educação do homem segundo Platão. São Paulo: Paulus, 1999. p. 39-40.
  • 18. 18     Naquilo que devia ser estabelecido em todo o estado quando estávamos construindo – ou isso ou alguma forma disso. Formulamos e repetimos frequentemente – se o lembras – que todos precisavam se dedicar a uma das ocupações no Estado para qual tivesse naturalmente melhor aptidão. [...] dissemos, que justiça é realizar o próprio trabalho pessoal e não se intrometer no que não é da própria conta. [...] Penso que isso foi o que restou no Estado, uma vez descobertas a moderação, a coragem e a sabedoria. Trata-se do poder que possibilita o desenvolvimento dessas virtudes no Estado e que, quando desenvolvidas, as preserva enquanto ela própria estiver presente. E, é claro, dissemos que a justiça seria o que restasse quando tivéssemos localizado as outras três67 . A partir disso, pode-se ressaltar ainda, que a justiça tem duas noções. Uma em âmbito individual e outra no nível político. A primeira consiste na harmônica disposição das partes da alma pela qual cada uma delas faz o que lhe compete, enquanto no Estado consiste na perfeição com que as várias classes sociais se harmonizam entre si cumprindo as funções que lhe são próprias, ou seja, cada um no seu devido lugar exercendo com perfeição sua função pelo bem comum68 . 2.3. A cidade ideal: justa ou injusta A noção de cidade ideal surge em contramão as limitações dos homens e os problemas da sociedade ateniense; e Platão visa com esta criar um Estado harmônico e homogêneo onde cada um, de posse do conhecimento de si, poderia exercer com excelência sua função em prol de todos, já que “a cidade nada mais é do que uma ampliação do homem, porque é composta de cidadãos”69 . Durante o diálogo, na obra A República, Glauco questiona Sócrates se não seria melhor ser injusto do que ser justo. Surge a indagação sobre o que é melhor para o homem: ser justo ou injusto? No livro I, ele apresenta três argumentos para tentar fundamentar que o melhor para o homem é a justiça. E são elas: a unidade, entendida a partir de um grupo de ladrões, que apesar de cometerem ações injustas, para tenham êxito em suas ações devem ser justos entre si, caso                                                                                                                           67 PLATÃO. República. 433a-c. 68 PURSHOUSE, Luke. A República de Platão: um guia de leitura. 2 ed. São Paulo: Paulus, 2011. p. 21-23. 69 MENESCAL, Ana Alice Miranda. A ideia de justiça e a formação da cidade ideal república de Platão. 2009. 103 f. Dissertação (Mestrado) – Departamento de filosofia, Curso de mestrado acadêmico em filosofia, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2009. p. 74.
  • 19. 19     contrário não haveria sociedade estabelecida entre eles; a psicologia interna, na qual o homem injusto possui uma divisão em si, pois assim como os justo apresentam uma profunda inquietação, esse passam pelo mesmo processo, pois ao invés de ter uma mente una, possui esta como inimiga de si mesmos; e o da função (érgon), pois se um objeto tem uma função, significa que somente ele pode fazer esse algo ou faz melhor que qualquer outro. Por exemplo: pode ser usada a faca, esta tem a função de cortar ou podar, sua virtude necessariamente seria ter o gume afiado, para exercer com excelência sua função. Ao pensar na alma, esta tem a função de governar, deliberar e acima de tudo viver, sendo assim sua virtude consiste na justiça e a injustiça é sua deficiência. Dessa forma, se um objeto quando cumpre bem sua função ao exibir a virtude que lhe é associada, a alma o fará quando for justa, logo exclui-se a possibilidade de ser melhor viver na injustiça70 . Disso surge o questionamento de Glauco – Porque ser justo? – Pois este entende que existem três categorias diferentes de bens – os bens desejáveis por si mesmos, e não por suas consequências; os bens desejáveis por si mesmos e por suas consequências; e os bens desejáveis por suas consequências e não por si mesmo – e inclui a justiça na categoria dos bens desejáveis somente pelas suas consequências, pois ser justo, ao seu ver, é penoso, mas proporciona aos homens benefícios, honras e popularidade. No entanto, Sócrates, o objeta defendendo que a justiça se inclui entre os bens desejáveis por si mesmos e por suas consequências, sua análise é sempre do ponto de vista do agente justo, diferente de Glauco que olha no sentido dos benefícios que podem ser adquiridos pela justiça. E assim, Platão entende que é bom ser justo não pelos benefícios que se pode obter, mas por outras razões que não estejam diretamente ligadas ao seu próprio interesse, como: promover o bem estar dos outros, a vontade dos deuses, ou cumprir o dever conforme prescrito pelo código moral. Dessa forma, o fim da ação justa não está em si mesmo, mas no outro, e assim se promoverá o bem comum, que é objetivo da polis71 . Segundo Bini, a diferença entre os dois debatedores se encontra em sua origem, pois para Platão a justiça é determinada                                                                                                                           70 PURSHOUSE, Luke. A República de Platão: um guia de leitura. 2 ed. São Paulo: Paulus, 2011. p. 42-45. 71 PURSHOUSE, Luke. A República de Platão: um guia de leitura. 2 ed. São Paulo: Paulus, 2011. p. 48-49.
  • 20. 20     pela natureza (physis), enquanto para Glauco está na lei (nomos), assume as ideias sofistas, a ética é reduzida a lei, deslocando a justiça e as demais virtudes a esse, deixando-as no campo da convenção. No entanto, a justiça é natural, divina e parte constituinte do ethos72 . Chega-se então na disputa entre ser justo e parecer justo, pois Glauco questiona a respeito dos homens que parecem ser justos, mas cometem ações interiores injustas, e estes parecem ser mais felizes e aclamados enquanto os homens justos são esquecidos, deixados de lado, e por vezes até perseguidos. Isso parece confirmar que melhor é parecer justo, mas ser injusto, pois dessa forma não estaria suscetível a punições que constituem sua maior preocupação, gozaria das honras e teria satisfeitas suas necessidades pelo proveito das situações. Para ilustrar que os homens só comentem ações justas pelo medo das punições, e que a injustiça é muito mais vantajosa que a justiça, Glauco se utiliza da alegoria do “anel de Giges”. Narra a história que ele era um pastor a serviço do soberano da Lídia. Houve uma tempestade torrencial, um terremoto fendeu o solo e criou um abismo no lugar do qual ele cuidava de seu rebanho. Ao contemplá-lo – contam – ficou perplexo, mas adentrou ao abismo, onde se deparou com muitas maravilhas – prossegue a narrativa –, entre as quais um cavalo oco de bronze; nesse havia aberturas semelhantes a janelas pelas quais eles expiou, vendo no interior um cadáver, que parecia ter proporções superiores às de um homem; o corpo estava nu e havia um anel de ouro em um dos dedos [de uma das mãos]. Ele apoderou-se do anel e saiu do abismo. Usou o anel na costumeira reunião mensal dos pastores, na qual eram feitos os relatórios a respeito do estado, dos rebanhos para serem entregues ao rei. E quando estava sentado entre os demais aconteceu de dirigir o engaste do anel para si mesmo, rumo à palma de sua mão. Ao fazê-lo tornou- se invisível para os que estavam sentados próximos de si e eles continuaram a falar como se ele tivesse ido embora. Em pasmo, ele voltou a tocar o anel e virando o engaste novamente para o exterior retomou a visibilidade. Não tardou a testar o anel, visando a confirmar se realmente possuía aquele poder – e [não restava dúvida de que] possuía: virando o engaste para o interior da mão tornava-se invisível; virando-o de novo para posição normal, recuperava a visibilidade compreendendo-o, logo conseguiu com os outros pastores ser ele um dos mensageiros que levariam os                                                                                                                           72 BINI, Edson. Nota explicativa 66 (II). In: PLATÃO. República. 2 ed. São Paulo: EDIPRO, 2014. p. 79.  
  • 21. 21     relatórios ao rei. E quando chegou ao palácio seduziu a esposa do rei, e com ajuda dessa atacou-o, matou-o e se apossou do reino73 . Por essa história percebe-se que os homens agem, quando na certeza de não serão punidos, sempre de forma injusta, e de maneira a satisfazer seus desejos que estão ocultos, ou oprimidos melo medo. No entanto, mais uma vez deve-se ajustar o foco para entender que, a justiça sempre deve ter o bem do outro como referência e assim se promoverá o bem comum. E ainda, vale ressaltar que, na República, Platão afirma que: “o auge da injustiça é fazer-se passar por justiça sem o ser”74 . Sendo a cidade platônica constituída por três classes: governantes, guardiões e artesãos, a justiça, como já dito anteriormente, se dará quando cada classe desempenhar seu papel próprio. Analogamente, o homem justo não diferirá em nada de uma cidade justa, mas ser-lhe-á semelhante. Com isso, a partir do homem justo, e do exercício deste de sua função específica, com excelência, a cidade será proporcionalmente justa. Então, os princípios fundamentais que regulam este laço e equilibrio são, como visto, o de exercer a própria função e a unidade que deriva da multiplicidade75 . Contudo, vale destacar que o ponto primordial para a formação da cidade ideal é a adequação do homem às necessidades da polis, ou seja, assumir uma postura de aceitação à situação que com ele condiz, pois assim emergirá deste convívio harmônio e ético a justiça na cidade. Porém, tudo isto só será possível pelo processo de educação76 . 3. A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO O homem é naturalmente um ser que tende a viver em sociedade, pois como visto anteriormente, ele na cidade tem a satisfação de suas necessidades básicas a partir da cooperação entre os demais. Sendo assim, a interação entre os homens se faz necessária para que haja a o convívio. Contudo, para que isto                                                                                                                           73 PLATÃO. República. 359d-360b. 74 Ibidem. p. 361a. 75 CASERTANO, Giovanni. Uma introdução para a república de Platão. São Paulo: Paulus, 2011. p. 45. 76 MENESCAL, Ana Alice Miranda. A ideia de justiça e a formação da cidade ideal república de Platão. 2009. 103 f. Dissertação (Mestrado) – Departamento de filosofia, Curso de mestrado acadêmico em filosofia, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2009. p. 79.    
  • 22. 22     aconteça de forma a garantir o bem comum faz-se necessário o processo de educação. A partir do trecho de As Leis, a seguir, pode-se melhor elucidar tal questão. O ser humano, nós o afirmamos, é uma criatura doméstica, civilizada e, no entanto, se por um lado graças a uma correta educação combinada a uma felicidade natural se converte ordinariamente na mais divina e a mais dócil de todas as criaturas, à falta da educação suficiente e bem orientada, é a mais selvagem de todas sobre a terra. Diante disso, é imperioso que o legislador não permita que a Educação infantil seja encarada como matéria de importância secundária ou inessencial; mas, visto que o futuro diretor tem que ser bem selecionado, o legislador deverá começar por fazer com que se esforcem ao máximo para indicar entre os cidadãos aquele que mais se destacar em tudo com o mais virtuoso. E portanto, todos os magistrados, exceto os conselheiros e os prítanes, deverão se dirigir ao templo de Apolo e dar secretamente o seu voto àquele entre os guardiões das leis que julgarem o melhor para dirigir os assuntos da educação77 . No mundo grego entendia-se a educação como “formação da criança de modo idôneo de forma a faze-la crescer e torna-se homem”78 . Este vai tomando consciência aos poucos da elevação de seu valor através do método formativo, logo, a Paideia tornaria esse homem mais perfeito, ou seja, ao modo grego essa era entendida como perfeição humana. No era pré-filosófica a paidéia possuía características ginastico-musical. Desta maneira, a temperança do corpo e da alma tinham sua origem nos ginásios de esportes e na poesia, os quais eram promotores do corpo e mente são79 . No entanto, para Platão a educação deveria se dar de forma construtiva em diversas esferas do homem: intelectual, moral e física. Acentuando assim, que todo aquele que é beneficiado pela educação assume o compromisso de contribuir com a esfera pública e comprometer-se com a formação integral do cidadão ativo, e ainda tornar-se responsável pelo bem comum na Pólis80 . Platão entende que a infância é a primeira etapa da vida humana, que deve ser valorizada sobretudo, pelos efeitos causados na vida adulta, pois ele se admira com a noção de que os conhecimentos apreendidos na infância                                                                                                                           77 Platão. As Leis. 766a. 78 REALE, Giovanni. Op. cit. p. 191. 79 Ibidem. p. 191-192.   80 LASCH, Rudinei; SANTOS, Marcos André dos; SOMAVILLA, Luciano. A importância da educação na formação do indivíduo em Platão. Disponível em: <http://coral.ufsm.br/gpforma/2s enafe/PDF/033e4.pdf >. Acesso em: 22 out 2014.
  • 23. 23     permanecessem na memória ainda na fase adulta81 . Isso é motivo de uma de suas explanações na Apologia de Sócrates, onde afirma temer muito mais aqueles que adquiriram certos conhecimentos ainda na infância. De fato, muitos acusadores se levantaram contra mim perante vós, os quais têm falado a muito tempo, a anos, e nada do que dizem é verdadeiro. Eu os temo mais do que a Anito e os outros, embora estes também sejam temíveis. Mas aqueles primeiros são mais temíveis, senhores, uma vez que se apoderaram da maioria de vós desde a infância, convenceram-vos e a mim acusaram sem qualquer respaldo na verdade82 . A educação, em Platão, deve iniciar-se, preferencialmente, na tenra infância e perdurar por toda a vida. Os pais têm função primordial neste processo, visto que, devem assim que a criança começar a entender fazer de tudo para que essa se torne a mais perfeita. E assim, quaisquer coisas que façam ou digam, deve ser para as ensinar e ajudar a distinguir o que é justo ou injusto; o bonito do feio; e o que se deve e não se deve fazer. E caso estas não obedeçam devem ser corrigidas com pancadas, como se fosse um lenho curvo e retorcido. Após esta etapa, as crianças devem ser entregues aos mestres, recomendando-lhes que cuidem do bom comportamento da criança mais do que o ensino da cítara e das letras. Em seguida, após doutrinadas nas letras, as crianças devem ser recomendadas a ler os melhores poetas, que são aqueles que possuem histórias educativas e solenes elogios a virtude para que elas busquem assemelhar-se a tal. E por isso, rejeita a poesia mimética, pois estas somente geram fantasias na alma e não favorecem a virtude como as primeiras83 . E então permitiremos negligentemente que as crianças escutem quaisquer antigas fábulas, contadas por qualquer um, assimilando crenças em suas almas que são, na maioria, contrárias as que pensamos que deveriam reter e sustentar quando crescer? [...] Consequentemente, temos de, antes de mais nada supervisionar os contadores de história e executar uma censura de suas histórias. Faremos uma seleção de suas fábulas, aprovando as boas ou belas e rejeitando as que não o são. Convenceremos, em seguida, as amas e mães a contar às suas crianças as fábulas que selecionamos, uma vez que elas moldarão as almas de suas crianças por meio de histórias bem mais do que os corpos dessas                                                                                                                           81 KOHAN, Walter Omar. Infância e educação em Platão. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 11-26, 2003. p. 16. 82 PLATÃO. Apologia de Sócrates. Bauru: EDIPRO, 2008. 18b. 83 TEIXEIRA, Evilázio. A educação do homem segundo Platão. São Paulo: Paulus, 1999. p. 72-73.  
  • 24. 24     manuseando-os. Muitas das fábulas que lhes contam agora, entretanto, tende ser rejeitadas84 . Na República, o Ateniense, deixa claro sua posição desfavorável aos poetas, pois entende que estes falam do que desconhecem, e apenas o fazem por imitação. E em sua concepção, a verdadeira arte deve ser fecundada pelo logos, pois ao contrário se tornaria falsa ou falaciosa, e assim promoveria perturbação na alma, ao invés de formar o espírito, que é sua finalidade85 . Sendo, então, a educação a formação da alma, Platão afirma a importância da música (mousiké) e da ginástica (gymnastiké), pois ambas possibilitam a educação harmônica do corpo e do espírito de modo que prepare aquele que a recebe para chegar um dia a verdadeira ciência, já que “a ginástica prepara o corpo e a música e a poesia preparam a alma”86 . No entanto, isso não quer dizer que a relação seja meramente daquela atividade com sua parte correspondente, mas as ambas estão para promover a educação genuína da alma, cada uma a seu modo próprio. Por isso, não se deve privilegiar apenas uma delas, mas considerar a importância particular de cada uma, pois ressaltar apenas a ginástica torna o homem grosseiro, bem como presar somente pela música deixa-os moles e delicados87 . Essa constitui conforma trata em sua obra A República, a primeira etapa do processo educativo. A etapa seguinte do processo formativo consiste no ensino das disciplinas ligadas a matemática e a dialética88 . Todo esse processo educacional e seus efeitos podem ser resumidos e melhor entendido pela explicação do “Mito da Caverna”, que está expresso no livro VII da República. A alegoria consiste em uma caverna profunda, estreita e em declive. Em seu interior existem homens, que vivem lá desde seu nascimento e dela nunca saíram. Permanecendo sentados e presos por correntes, que atadas ao seu pescoço, eles ficam impossibilitados de se movimentar e mover o pescoço, ficando voltados somente para a parede da caverna, da qual não conseguiam se libertar e tampouco conhecer seu exterior, e não lhes é possível ver a luz do Sol.                                                                                                                           84 Platão. República. 377b-c. 85 TEIXEIRA, Evilázio. Op. cit. p. 76-78. 86 Platão. República. 376e. 87 TEIXEIRA, Evilázio. Op. cit. p. 80. 88 MOTTA, Guilherme Domingues da. A Educação como fundamento da unidade e da felicidade da polis na República, de Platão. 2010. 297 f. Tese (Doutorado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. p. 9.
  • 25. 25     Atrás deles está disposto um muro e por detrás deste passam pessoas transportando objetos sob a cabeça. A iluminação do ambiente se faz por uma grande fogueira. Figueiredo afirma que esta etapa representa a ignorância dos homens. As coisas que os prisioneiros enxergam são apenas os objetos refletidos na parede a sua frente e não as pessoas, representando uma espécie de teatro de marionetes. Novamente Figueiredo comenta que por esta descrição, o filósofo quer ressaltar que o mundo inteligível (fora da caverna) é superior ao mundo sensível (interior da caverna)89 . Nesta representação os homens conhecem apenas as imagens que são mostradas pelos reflexos na parede. Sendo estas produzidas pela luz do fogo, que é artificial, aquilo que é fruto da projeção somente tem sentido “semiverdadeiro”, ou seja, é uma representação do real, mas não consiste na realidade. Porém para os homens que lá estão, as imagens são toda a realidade na qual conhecem e associam as vozes das pessoas que estão atrás do muro com as figuras projetadas, assumindo como verdade aquilo que são meramente ecos das vozes reais. Ainda no diálogo, Platão sugere que se um destes homens conseguisse se libertar e tomasse conhecimento de sua real situação, deixando de enxergar as sombras das coisas e também as projeções que estão refletidas na parede, mas ao sair da caverna pudesse contemplar a luz do sol, de início lhe causaria uma grande dor e tamanho incômodo que preferiria deixar de olha o sol e se voltaria para o ambiente ao redor, e de fato contemplaria a realidade, enxergando os objetos reais90 . O prisioneiro ao libertar-se da caverna vive um dilema, visto que conhece o mundo real, porém sente que deve retornar a caverna e revelar sua descoberta aos demais para retirá-los da ilusão daquele mundo. Frente esse problema, ele resolve voltar ao interior da caverna. Ao chegar lá, os demais homens, que lá permaneceram, não acreditam nele e diante de sua insistência para que o sigam para conhecer o mundo real, aqueles que somente conhecem as cópias das realidades o espancam e o matam. Figueiredo complementa dizendo que esta                                                                                                                           89 FIGUEIREDO, Júlia. A concepção de educação na obra República de Platão. 2012. 16 f. Trabalho de Conclusão (Graduação) – Departamento de Pedagogia, Centro de ciências humanas, letras e artes, Universidade Estadual de Maringá, Paraná, 2012. p. 8. 90 FIGUEIREDO, Júlia. A concepção de educação na obra República de Platão. 2012. 16 f. Trabalho de Conclusão (Graduação) – Departamento de Pedagogia, Centro de ciências humanas, letras e artes, Universidade Estadual de Maringá, Paraná, 2012. p. 8-9.
  • 26. 26     consiste em uma crítica de Platão a atitude dos homens gregos com Sócrates, que queria transmitir um saber, que para eles não servia de nada91 . O “mito da caverna” – além de apresentar a teoria do conhecimento platônica e sua distinção entre os conhecimentos sensível e inteligível - representa esta saída da ignorância do homem, no qual este assume uma mudança em seu caminho. Representado pela libertação das correntes, que podem se dar por acaso ou pelo auxílio de outro. Assim sendo, o mito reporta ao dever dos governantes que, uma vez obtido o saber, devem retornar ao mundo sensível para governar e conduzir os demais à liberdade e a verdade92 . Dessa forma, parece ficar claro que, o governante deve conduzir os demais às verdades eternas que estão adormecidas e precisam ser despertadas – teoria da reminiscência platônica93 . E este processo educacional tem necessariamente que possuir caráter social e não privado, ou seja, a educação para todos94 . No ideal platônico o Estado é o primeiro responsável pela aprendizagem dos cidadãos, e assim ocorre uma interrelação entre Estado e educação, pois o ser não é autossuficiente, mas precisa de um agente externo que o conduza, ou seja, um mestre ou tutor. Dessa forma, o processo educacional é capaz de reformar a polis, fazendo a mais justa e boa para todos, pois a educação de modo integral – corpo e alma – leva a contemplação das ideias do Belo e do Bem95 . E a conclusão a respeito da importância da educação e seu papel na concepção platônica por ser entendida a partir das palavras do próprio autor expressas na obra A República: A educação não é o que alguns indivíduos proclamam ser ela, a saber, inserir conhecimento em almas que dele carecem, como                                                                                                                           91 Ibidem. p. 9. 92 Ibidem. p. 9-10. 93 A teoria da Reminiscência platônica, que também é chamada anamnese ou reminiscência Platão indica a gênese e o fundamento do conhecimento. Consiste muito mais do que uma mera recordação empírica, podendo até mesmo ser chamada de memória metafísica, na medida que implica numa comunhão estrutural da alma humana com o mundo metaempírico e uma visão original do mesmo. Esta teoria longe de reduzir-se a um mito exprime na realidade a primeira concepção ocidental do a priori. REALE. Giovanni. História da filosofia grega e romana. Léxico da filosofia grega e romana. São Paulo: Paulus, 2014. v. IX. p. 235. 94 MOTTA, Guilherme Domingues da. A Educação como fundamento da unidade e da felicidade da polis na República, de Platão. 2010. 297 f. Tese (Doutorado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. p. 9.   95 FIGUEIREDO, Júlia. A concepção de educação na obra República de Platão. 2012. 16 f. Trabalho de Conclusão (Graduação) – Departamento de Pedagogia, Centro de ciências humanas, letras e artes, Universidade Estadual de Maringá, Paraná, 2012. p. 12-13.  
  • 27. 27     inserir visão com olhos cegos. [...] Mas nossa atual discussão, por outro lado, demonstra que o poder do aprendizado de cada um é como um olho que não é capaz de ser girado da escuridão para a luz sem que se gire o corpo inteiro o corpo inteiro. [...] A conclusão é que a educação é a arte que diz respeito exatamente a isso, a essa conversão, e a como pode a alma mais fácil e eficientemente ser levada a realizá-la. Não é a arte de introduzir visão na alma. A educação tem como certo que a visão já está presente na alma, mas essa não a dirige corretamente e não arroja o seu olhar para onde deveria; trata-se da arte da redirigir a visão adequadamente. [...] Ora, parece que as outras assim denominadas virtudes da alma têm afinidade com as do corpo, pois realmente não são preexistentes, mas sim adicionadas posteriormente através do hábito e da prática96 . Então, pode entender-se que a educação se dá pelo exercício ou prática, que visa a excelência, ou seja, a educação visa a virtude. A virtude é responsável por moldar a cidade. A forma usada para tal pode ser considerada a educação, bem como as prescrições adicionais sobre o ordenamento. Assim, a virtude pode ser entendida não só como efeito que promove a educação, mas como dynamis97 resultante do processo educativo98 . A dynamis é produto da síntese entre a natureza (phýsis) e a educação (paidéia), que permite ser submetido a diversos testes e sair-se bem sucedido, como o exemplo de um tecido que após ser tingido e submetido a todos os detergentes não desbota99 . Essa relação entre paidéia e phýsis pode ser entendida como uma relação de dependência, na qual a natureza apropriada anseia receber a educação, como um tecido que espera ser tingido e assimilar a sua nova cor de maneira indelével100 . Os efeitos da educação são percebidos na fundação da cidade platônica. Esta que foi criada com o logos para ser a melhor possível não pode ser entendida sem a presença das virtudes cardeais: sabedoria, coragem, temperança e justiça. Ainda assim, mesmo que não tenha sido tão bem elucidada a questão do objeto próprio dessa ciência que poucos possuem, que é a ideia de                                                                                                                           96 PLATÃO. República. 518b-e. 97 Dynamis (δυναµις) é o termo grego que se traduz mais corretamente como “potência”, ou seja, o princípio do movimento ou de mudança que se encontra em outra coisa, ou então na mesma coisa enquanto outro. Pode significar também “poder” ou “força”. REALE. Giovanni. História da filosofia grega e romana. Léxico da filosofia grega e romana. São Paulo: Paulus, 2014. v. IX. p. 80. 98 MOTTA, Guilherme Domingues da. A Educação como fundamento da unidade e da felicidade da polis na República, de Platão. 2010. 297 f. Tese (Doutorado) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. p. 94. 99 Ibidem. p. 107-108. 100 Ibidem. p. 108.  
  • 28. 28     bem, já ficou esclarecido que a educação conduz a contemplação e consequente posse do bem e do belo101 . Adentrando um pouco mais nesta temática do bem de do belo, Teixeira afirma que a virtude dia respeito à aquilo que é bom e belo na vida, e constituem dois aspectos de uma mesma realidade, dando lhe unidade. A suprema virtude do homem como ser belo e bom forma o ideal daquilo que os gregos chamavam de Kalokagathia102 . E é justamente a Kalokagathia103 que vai gerar “o princípio supremo de toda vontade e conduta humanas, o último motivo que age por uma necessidade interior e que é ao mesmo tempo o fundo determinante de tudo o que sucede a natureza”104 . Pagni entende que na República se expressa um novo elemento ao pensar em virtude, que é o mundo interior, totalmente diferente do pensamento grego inicial. Ele defende que a areté passa a possuir um valor espiritual. E daí se desenvolve a ética como uma verdadeira expressão da natureza humana, que por sua capacidade racional torna o ethos105 possível, caminhando pela via da formação da alma nesse ethos. Este caminho levará a harmonia com a natureza do universo, que consiste na eudaimonia. Sendo assim, o homem pode alcançar a harmonia do ser pelo domínio completo de si mesmo, segundo a lei contida em sua própria alma. Nesse contexto a educação sustentada na areté visa emancipar a razão humana sob o elemento irascível e amenizar a luta pelo controle dos cavalos na “parelha alada”, que por serem diferentes tendem cada um para um lado, mas a educação na virtude estabiliza o império legal do espírito sobre os instintos, pois o que realmente interessava era o autodomínio106 .                                                                                                                           101 Ibidem. p. 95. 102 TEIXEIRA, Evilázio. A educação do homem segundo Platão. São Paulo: Paulus, 1999. p. 34- 35. 103 Kalokagathia consiste em “ser belo” ou “ser bom”, pois em Platão existe profunda harmonia entre o cosmo físico e o cosmo moral. JAEGER, Werner Wilhelm. Paidéia: a formação do homem grego. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 745. 104 JAEGER, Werner Wilhelm. Paidéia: a formação do homem grego. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 745. 105 Ethos (ἦθος) é o termo grego que se traduz como “bom costume”, “costume superior” ou “portador de caráter”. Indica comportamento de um homem e seu modo habitual de agir. REALE. Giovanni. História da filosofia grega e romana. Léxico da filosofia grega e romana. São Paulo: Paulus, 2014. v. IX. p. 40.   106 PAGNI, Pedro. A Filosofia da Educação Platônica: desejo de Sabedoria e a Paidéia Justa. Disponível em: <http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/126/3/01d07t01.pdf>. Acesso em: 22 out 2014. p. 5-6;8.
  • 29. 29     Silva et. al. corroboram com esse pensamento, pois afirmam que na dimensão educacional, Platão se mostra muito preocupado com a qualificação dos cidadãos, pois isso se faz um requisito para a cidade justa. Para que esta existisse era necessário que fosse composta de homens virtuosos, ou seja, homens que fossem capazes de dominar suas paixões pelo “domínio de si”. E ainda formar adequadamente seus cidadãos para que fossem capazes de argumentação e retórica, sendo assim habitantes ativos na sociedade e não homens passivos, como os escravos, as mulheres e as crianças107 . Para Pereira, a educação e a virtude constituem o germe do Estado justo e o cerne da formação do homem político. Para melhor esclarecer isso, a autora propõe a imagem de uma família constituída de irmãos, filhos dos mesmos pais, que seriam bons e justos, e outros maus e injustos. Esses irmãos poderiam dispor de um juiz que trouxesse unidade a família e lhes foram oferecidos três tipos de juízes diferentes: um que sugeriu destruir os irmãos maus e permitir que os bons governassem; outro sugeriu que os bons governassem e os maus viveriam submetidos voluntariamente ao governo dos bons; e um terceiro que sugeriu que sugeriu manter todos os membros da família, mais que se promulgassem leis que assegurassem permanentemente a amizade entre eles. Dessa forma concluiu-se que o terceiro juiz seria o melhor de todos, pois a causa para legislar se fundou na convivência harmoniosa e não na guerra. Fazendo perceber assim, que o primeiro cuidado deve se dar para com a guerra e a harmonia interior, e apenas depois a exterior. E assim, a primeira guerra a ser travada é pela harmonização interna entre os elementos da alma, e assim essa será boa por disposição interior. E finalmente, a harmonia e unidade interior no Estado se dão pelas leis, e na alma se dão pela razão. E tanto no Estado quanto no homem deve existir uma parte que governe, e assim quando quem deve governar o faz se chama virtude, e ao exercício do governo se chama educação108 .                                                                                                                           107 SILVA, Sinicley da; MALINOSKI, Jocemar; RODRIGUES, Ricardo. O bem como finalidade da educação em Platão. Disponível em: <http://coral.ufsm.br/gpforma/2senafe/PDF/067e4.pdf>. Acesso em: 22 out 2014. p. 2-3.   108 PEREIRA, Beatriz Quaglia. A educação segundo Platão: uma discussão sobre os processos de ensinar e aprender a virtude. In: Congresso Nacional de Educação, 6., 2006, Curitiba: EDUCERE, Anais... 2006. Disponível em: <http://www.pucpr.br/eventos/educere/educere2006/anaisEvento/do cs/CI-091-TC.pdf>. Acesso em: 22 out 2014. p. 960-961.
  • 30. 30     Platão aponta a educação como a única forma de resolver os problemas da justiça. Pois para se construir uma cidade justa a natureza humana precisa ser ornada com a educação adequada. No entanto, é preciso cautela neste processo, pois uma natureza melhor quando submetida a uma educação adversa a que lhe compete pode gerar um resultado pior do que o de uma natureza medíocre. Bem como as almas bem dotadas, que supridas com má educação tornar-se-ão perversas. Portanto, percebe-se que a natureza desempenha um papel importante no processo educativo, pois sobre essa constitui o arcabouço sobre o qual se construirá, a partir da educação a cidade justa. Mas vale destacar que uma natureza medíocre jamais fará algo de grande a alguém, seja a um indivíduo, seja à cidade. Assim, somente a educação é capaz de desenvolver as qualidades naturais do homem e garantir a justiça no indivíduo e na cidade109 . A ideia de Platão é construir uma cidade livre de conflitos e não ser apenas um agrupamento de pessoas, mas tornar-se um todo organizado de forma harmônica. Pois o maior bem da cidade é a sua unificação, na qual cada um exerce seu papel com excelência110 . E esta consiste na melhor forma de desenvolver a justiça no indivíduo e na cidade, visto que a educação forma homens virtuoso, esses desenvolvem suas atividades visando o bem comum da cidade e brota em seu seio a justiça. Para que esta seja alcançada, Platão aposta na educação, pois a partir dessa são incutidas as habilidades intelectuais aos homens que o orientam a contemplação do bem. Tal educação tem por fundamento a formação do caráter (ethos) muito mais do que formação acadêmica, ou seja, visa primordialmente formar homens virtuosos, harmônicos e equilibrados: justos111 . Pagni, concordando com o argumento anterior e complementando, afirma que a educação é imprescindível para a formação do homem virtuoso que viverá na cidade justa. Pois esta formação pressupõe o desenvolvimento das virtudes entendidas como verdadeiras e dirigidas pelo sumo bem, que são alcançadas pelo desejo, pela libertação das realidades sensíveis e do aporte na dimensão inteligível, constituindo um domínio desta (faculdade superior) sobre aquela                                                                                                                           109 VICENTE, José João Neves Barbosa. O papel da educação na República de Platão. Kínesis, São Paulo, v. 6, n. 11, p. 215-224, 2014. p. 219-221. 110 VICENTE, José João Neves Barbosa. O papel da educação na República de Platão. Kínesis, São Paulo, v. 6, n. 11, p. 215-224, 2014. p. 223. 111 Ibidem. p. 224.
  • 31. 31     (faculdade inferior). Em seu ideal, Platão almejava uma cidade que fosse capaz de corrigir as distorções causadas pelos poetas e sofistas e reconduzir seus cidadãos a retidão, e assim a razão poderia governar sobre as demais esperas da alma caracterizando a cidade justa para qual os cidadãos deveriam ser formados respeitando a sua própria natureza e segundo às leis racionais. Dessa forma, a cidade justa adviria das potencialidades racionais dos homens, formadas pelo processo educativo, regida pelas leis e pela ideia de Bem constituiriam o Estado ideal e justo112 . Menescal entende que a formação do indivíduo não parece de forma alguma afastada da justiça, pois somente pela educação apropriada os homens seriam capazes de conduzir a sociedade até a felicidade. Ao que parece a educação foi o caminho encontrado por Platão para promover a “homogeneização” da cidade. Quando a educação é dada de maneira plena e consistente propicia uma sociedade consciente de suas leis e organizada de forma a manter as suas regras sociais, pois somente a partir da educação se pode manter a ordem e a seriedade da sociedade e assim, tão somente se alcançará a excelência113 . Na República vê-se a intercessão feita por Platão entre educação e justiça e o papel dos governantes na manutenção desta: Quando se preserva a boa educação e boa criação, essas produzem naturezas boas, e naturezas saudáveis e úteis, que são, por sua vez bem-educadas, se desenvolvem ainda melhor do que suas predecessoras, tanto no que tange a sua prole quanto em outros aspectos, tal como ocorre entre outros animais [...] os supervisores [de nosso estado] tem de se prender a educação e zelar para que essa não seja corrompida sem que eles o percebam, protegendo-a contra tudo. Acima de tudo, devem zelar o tão cuidadosamente quanto possam para que nenhuma inovação que contrarie a ordem estabelecida seja introduzida na música, poesia e ginástica 114 . Finalizando Menescal completa dizendo que não se pode nesse processo separar a educação e a ética, pois para o bom funcionamento da cidade o homem                                                                                                                           112 PAGNI, Pedro. A Filosofia da Educação Platônica: desejo de Sabedoria e a Paidéia Justa. Disponível em: <http://www.acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/126/3/01d07t01.pdf>. Acesso em: 22 out 2014. p. 12-13.   113 MENESCAL, Ana Alice Miranda. A ideia de justiça e a formação da cidade ideal república de Platão. 2009. 103 f. Dissertação (Mestrado) – Departamento de filosofia, Curso de mestrado acadêmico em filosofia, Universidade Estadual do Ceará, Fortaleza, 2009. p. 69. 114 PLATÃO. República. 524a-b.
  • 32. 32     deve reconhecer-se como cidadão e ter plena convicção de seus direitos e deveres. Portanto, existem dois fatores primordiais para a formação dos cidadãos, na cidade ideal de Platão: a educação, que prepara o homem para a justiça; e a ética, pois além de educado, o homem precisa da plena convicção de que o caminho que seguirá é o correto, e que não existe alternativa. Contudo, Platão quer propor apenas um itinerário ético, pois qualquer descuido de conduto levaria o homem a queda e perdição junto aos sofistas. Por isso, a República tenta estabelecer um só, e único caminho para evitar que o homem se perca115 .                                                                                                                           115 MENESCAL, Ana Alice Miranda. Op. cit. p. 73.