1. Abordagem do doente com Síndrome Coronário Agudo no Pré-Hospitalar
“Pre-hospital diagnosis, triage and initial emergency treatment in the ambulance has
been shown to be associated with greater use of reperfusion therapies, reduced
delays and improved clinical outcomes”
in ESC guidelines for the management of acute coronary syndromes in
patients presenting without persistente ST-segment elevation.
Introdução
As doenças cardiovasculares constituem a principal causa de morte nos países
desenvolvidos, sendo a doença coronária a manifestação mais prevalente, com
importante morbimortalidade associada.
A dor torácica é um motivo frequente de pedido de ajuda e observação médica no
pré-hospitalar. A distinção dos doentes com Síndrome Coronário Agudo (SCA) de
entre os doentes com dor torácica pode constituir por vezes um verdadeiro desafio,
em particular quando os sintomas e os achados electrocardiográficos são pouco
claros.
A designação SCA é utilizada para descrever uma constelação de sintomas que
resultam da isquemia do miocárdio. Os SCA dividem-se, de uma forma global em:
# SCA sem elevação do segmento ST
# SCA com elevação do segmento ST
Esta classificação é feita com base nos achados electrocardiográficos e determina a
orientação posterior destes doentes no que diz respeito ao transporte e estratégias
de revascularização. A abordagem do doente com SCA tem sofrido mudanças
constantes nos últimos anos, em particular com a disponibilização de novos
fármacos antiagregantes, de que são exemplo o prasugrel e o ticagrelor.
Diagnóstico inicial
Perante um doente com dor torácica, é essencial, numa abordagem primária, excluir
as principais etiologias que podem acarretar consigo risco de vida, entre as quais,
talvez a mais prevalente, será o SCA.
De facto, a abordagem adequada do doente com SCA (incluindo o estabelecimento
de diagnóstico e terapêutica inicial) deve começar assim que o doente tem o
2. primeiro contacto com o profissional de saúde, cada vez mais, hoje em dia, no
ambiente pré-hospitalar. O diagnóstico e orientação precoces dos doentes com SCA
são a chave para garantir um melhor outcome.
Assim, deve ser colocada esta hipótese diagnóstica perante:
- História de dor torácica opressiva, que pode irradiar para os braços ou região
cervical;
- Habitualmente com relação com o esforço, mas pode surgir em repouso;
- Alívio com nitrato sublingual – Mas, uma dor com duração superior a 20 minutos,
sem alívio com nitrato pode ser sugestiva de SCA com elevação do segmento ST.
Queixas atípicas são normalmente documentadas em doentes mais velhos (mais 75
anos), mulheres e em doentes com diabetes, insuficiência renal ou sdr demencial. A
ausência de dor torácica nestes doentes pode levar ao não reconhecidmento do
diagnóstico e atraso na terapêutica.
O exame físico é habitualmente normal. Instabilidade hemodinâmica ou sinais de ICC
devem acelerar o processo de diagnóstico e de tratamento. Um objectivo
importante no exame objectivo é excluir causas não cardíacas de dor torácica e
causas cardíacas não isquémicas.
Figura 1. Causas cardíacas e não cardíacas de dor torácica.
Adaptado de “ESC guidelines for the management of acute coronary syndromes in patients presenting
without persistente ST-segment elevation”.
3. Abordagem Inicial
Aquando da avaliação primária do doente (ABCDE), deve ser garantida a
monitorização cardíaca precoce e a realização de um ECG de 12 derivações com a
maior brevidade possível, que permitira a distinção formal entre um SCA com
elevação do segmento ST e SCA sem elevação do segmento ST.
SCA com elevação do segmento ST
Nos casos em que, perante clínica de dor torácica, o ECG apresenta
supradesnivelamento do segmento ST ou BCRE de novo, ocorre necrose do
miocárdio, habitualmente por oclusão aguda de uma artéria coronária por trombo.
Mesmo nas fases mais precoces, raramente o ECG é normal nestas situações.
Critérios electrocardiográficos de SCA com elevação do segmento ST:
1) Bloqueio completo de ramo esquerdo (BCRE)
2) Elevação do Segmento ST avaliada a partir do ponto J:
- Nos Homens
Se <40 anos – elevação igual ou superior a 0,25 mV em duas derivações contíguas
Se >40 anos – elevação igual ou superior a 0,20 mV em duas derivações contíguas
- Nas Mulheres
>0,15 mV se V2-V3
>0,10 mV em todas as derivações
Em doentes com enfarte inferior, poderá ser útil a documentação das derivações
direitas (V3R e V4R) para identificação de enfarte do VD, muitas vezes associado.
SCA sem elevação do segmento ST
Quando nenhuma das alterações referidas é documentada, o SCA é classificado
como SCA sem elevação do segmento ST. Nestes casos, são comuns algumas
alterações electrocardiográficas como:
- Infra-desnivelamento persistente ou transitório do segmento ST.
- Inversão da onda T
- Aplanamento ou pseudonormalização da onda T.
A estratégia inicial nestes casos passa por minorar a isquemia e os sintomas, e
monitorizar os doentes com ECGs seriados. Posteriormente, com o doseamento de
marcadores de necrose do miocárdio (MNM), poderá ser classificado em enfarte
sem elevação do segmento ST ou angor instável.
4. Tratamento
1) Alívio da dor e da ansiedade
O alívio da dor é de importância major, não só do ponto de vista humano, mas
porque a dor está associada estimulação da actividade do sistema nervoso simpático
e, portanto, a aumento da vasoconstrição e do trabalho cardíaco.
A titulação de opióides endovenosos (ex.: morfina) é a estratégia habitualmente
mais usada, podendo ser necessária a repetição da dose. Os seus efeitos laterais
incluem náuseas, vómitos, hipotensão, bradicardia e depressão respiratória.
A administração concomitante de anti-eméticos pode ser uma opção para diminuir a
náusea decorrente dos opióides.
A hipotensão e a bradicardia, se sustentadas, respondem habitualmente bem à
atropina.
A ansiedade é uma resposta natural nestas situações. Tranquilizar o doente e
familiares assume aqui um papel essencial. A administração de opióides, ao
promover um alívio da dor, é habitualmente suficiente para tranquilizar o doente,
mas pode ser necessária a administração concomitante de uma benzodiazepina.
2) Oxigénio
Deve ser administrado por máscara facial ou cânula nasal, a todo o doente com
sinais de dificuldade respiratória, hipoxemia, ou evidência de estase pulmonar. Esta
medida tem por objectivo atingir saturações de oxigénio superiores a 94% (ou 88-
92% no DPOC). Não está comprovado o benefício do uso sistemático de oxigénio nos
doentes com SCA fora das circunstâncias acima descritas.
3) Nitratos
Como agentes anti-isquémicos, optimizam o aporte de oxigénio ao miocárdio. O seu
maior benefício está provavelmente relacionado com o efeito vasodilatador que leva
à diminuição da précarga e do volume telediastólico do ventrículo esquerdo e, como
tal, à redução do consumo de oxigénio pelo miocárdio.
4) Dupla antiagregação
A activação e consequente agregação plaquetária desempenham um papel
primordial na propagação do trombo arterial e, como tal, é aqui que se encontra o
alvo chave na abordagem dos SCA. A terapêutica antiplaquetária deve ser instituída
o mais precocemente possível por forma a reduzir o risco de complicações
isquémicas agudas ou eventos trombóticos decorrentes.
Assim, deverá ser administrada dupla antiagregação com a maior precocidade
possível após o diagnóstico de SCA:
5. - Ácido Acetilsalicílico (dose de carga de 250mg), preferencialmente por via oral
(incluindo mastigado), mas pode ser administrado por via endovenosa se dificuldade
em deglutir.
- O segundo antiagregante actualmente recomendado é o prasugrel ou o ticagrelor,
este último com dose carga 180 mg (depois 90mg bid como dose de manutenção).
Estes fármacos têm um início de acção mais rápido e são mais potentes
relativamente ao clopidogrel, que é hoje recomendado apenas nas situações em que
o ticagrelor ou o prasugrel não estão disponíveis.
Ticagrelor (Brilique) – Notas gerais e questões práticas
O Ticagrelor pertence a uma nova classe farmacológica de antiagregantes. É um
agente oral, com semivida de 12h, e inicio de acção mais rápido do que o do
clopidogrel. A sua rapidez de acção ainda é optimizada se a formulação em
comprimido for esmagada e administrada com água.
De acordo com os estudos realizados, o ticagrelor mostrou menor mortalidade
cardiovascular em doentes naives e nos pré-tratados com clopidogrel, quer nos
casos de SCA com elevação do segmento ST, quer perante SCA sem elevação do
segmento ST de risco moderado/alto (para tratamento conservador ou invasivo).
Não se verificou aumento do risco hemorrágico major com este ganho na eficácia.
O Ticagrelor é recomendado para todos os doentes com risco moderado/alto de
eventos isquémicos, independentemente da estratégia terapêutica inicial, e
incluindo todos os doentes previamente tratados com clopidogrel (que deve ser
interrompido quando o ticagrelor é iniciado).
Assim, o ticagrelor pode ser usado:
- Em doentes habitualmente medicados com clopidogrel.
- Independentemente da estratégia de terapêutica inicial (invasiva vs conservadora)
O ticagrelor não deve ser usado:
- Em doentes com história de AVC hemorrágico ou doença hepática grave conhecida.
- Quando a estratégia de revascularização adoptada é a fibrinólise – aqui será de
preferir o clopidogrel (por inexistência de estudos com ticagrelor neste contexto).
Transporte dos doentes com SCA
O transporte dos doentes com SCA é um dos passos determinantes no outcome final.
Nos casos de SCA com elevação do segmento ST ou se instabilidade clínica, os
doentes deverão ser encaminhados para centro de hemodinâmica para terapêutica
de revascularização emergente. Na impossibilidade de acesso a este tratamento no
6. tempo considerado óptimo (<90 min), deverá ponderar-se a fibrinólise como
estratégia alternativa.
Os doentes com ROSC após PCR em que o primeiro ECG apresente elevação do
segmento ST devem também ser encaminhados para centro de hemodinâmica para
cateterismo cardíaco e eventual revascularização se necessário, em particular se a
contextualização da PCR permitir identificar factores que aumentem a suspeição de
SCA – dor torácica prévia, doença coronária conhecida.
Muitos óbitos ocorrem nas primeiras horas dos SCA (em particular se elevação do
segmento ST) no contexto de disritmias malignas. Salienta-se assim, mais uma vez, a
importância da monitorização precoce e contínua do ritmo cardíaco e o rápido
acesso ao equipamento de desfibrilhação em ambiente pré-hospitalar. A qualidade
dos cuidados prestados em todas as fases de abordagem ao doente é assim essencial
para garantir um melhor outcome.
Devem ser registados, monitorizados e optimizados os tempos de actuação da
equipa médica, tendo em vista a minimização do tempo decorrido até ao tratamento
de reperfusão. As metas habitualmente estabelecidas incluem:
- Tempo entre o primeiro contacto médico e o ECG/diagnóstico inferior a 10minutos;
- Tempo do primeiro contacto médico até à reperfusão inferior a 90 minutos se PCI
primária, ou inferior a 30 minutos se fibrinólise.
7. Proposta de Protocolo de Actuação nos SCA – VMER Pedro Hispano
“Minimizing delays is associated with improved outcomes”
in ESC guidelines for the management of acute coronary syndromes in
patients presenting without persistente ST-segment elevation”.
FRCV: HTA, DM, Dislipidemia,
Tabagismo, História familiar DC
AIT, AVC, DAP, IRC
Doença coronária conhecida
O2 se Sat < 90%
Morfina / metoclopramida
Nitratos
Sinais e Sintomas de SCA
História clínica
ECG de 12 deriv.
Sem Supra
desnivelamento ST
Supra desnivelamento
ST
Ticagrelor 180 mg po
AAS 250 mg IV