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Director: Nelson Lineu | Editor: Eduardo Quive | Maputo, 25 de Maio de 2012 | Ano II | N°31 | E-mail: r.literatas@gmail.com




              “A oralidade
              é meu culto”
                                    Por
                        90 anos do poeta-mor


                        Uma carta quê
                        ao Ministro
                        Págs. 03-04 Ler?                                   Pág. 05


                        "A África que o mundo necessita é um continente capaz de ficar de pé, de
                        andar em seus próprios pés. É uma África consciente do seu próprio passado
                        e capaz de continuar reinvestindo este passado em seu presente e futuro."
                        - Joseph Ki-Zerbo
                                                       HOJE É DIA DA ÁFRICA
SEXTA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2012                   |   LITERATAS      |   LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ |             2



Editori@l
 FICHA TÉCNICA                                    José Craveirinha, ícone eterno das gerações literárias


                                               Q
                                                         uando um homem já não faz parte de nós, diz-se que
                                                         morreu, mas quando um rei se vai, tomba, não morre
                                                         nem falece, muito pelo contrário, nasce para uma nova
                                                         vida. Reixiste. Revive. É um deus, principalmente neste
                                                         continente nosso que só ele próprio desvenda os seus
Propriedade do Movimento Literário Kuphaluxa   mistérios.
Direcção e Redacção
Centro Cultural Brasil - Mocambique            No dia 28 de Maio de 1922, nasceu na rua do Zilhalha que hoje cedeu
Av. 25 de Setembro, N°1728,
                                               à civilização, para se chamar Irmãos Roby, aquele que se tornou o
C. Postal: 1167, Maputo
                                               poeta de todos os tempos, o poeta-mor, o embondeiro e monstro
 Tel: +258 82 27 17 645 / +258 84 57 78        sagrado da Literatura Moçambicana que enquanto homem dedicou
Tel: +258 82 27 17 645 / +258 84 57 78 117
 117
Fax: +258 21 02 05 84                          a si próprio, vidas e vidas. Esse herói da poesia chama-se José Craveirinha. O símbolo in-
 Fax: +258 21 02 05 84
E-mail: kuphaluxa@sapo.mz
 E-mail: kuphaluxa@sapo.mz
                                               delével de um país que ainda em vida disse que ama sem dizer o nome.
Blogue: literatas.blogs.sapo.mz
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                                               Neste 2012 que o poeta não está entre nós, celebra os seus 90 anos de nascimento. E não
                                               dissemos? Poetas não morrem e quem assim os têm, viverá no temor dos seus fantasmas,
           DIRECTOR GERAL                      porque eles, estão registados nos livros do mundo, na memória do povo e na história uni-
               Nelson Lineu
         (nelsonlineu@gmail.com)
                                               versal. Ninguém os apagará, muito pelo contrário, quanto mais dista o seu desapareci-
          Cel: +258 82 27 61 184               mento físico, mais se consuma a sua presença. José Craveirinha, os 90 anos que comemora,
       DIRECTOR COMERCIAL                      está lá, na Mafalala, na Munhuana, na sua casa fechada para os mochos e aberta para o seu
             Japone Arijuane
         (jarijuane@gmail.com)
                                               povo que sempre dedicou versos.
         Cel: +258 82 35 63 201
                                               Está lá o velho Craveirinha, no Tunduro celebrando os seus 90 com os M’sahos que tanto
                 EDITOR
              Eduardo Quive                    preza, dizendo a sua poesia composta por lâminas e alfinetes, fazendo delirar os ares com
        (eduardoquive@gmail.com)               as verdades que sempre recitou. Está lá com a sua poesia que tem tom de ordens por se
          Cel: +258 82 27 17 645
                                               cumprir de imediato.
        CHEFE DA REDACÇÃO
            Amosse Mucavele                    Entretanto, neste dia que África em pleno congestionamento de ambições e indigestões,
       (amosse1987@yahoo.com.br)
          Cel: +258 82 57 03 750               celebra seu aniversário. 25 de Maio que hoje é, pautamos por uma edição mais africana ou
  REPRESENTANTES PROVINCIAIS                   africanizada, afinal já cá estamos neste continente sedento no olhar do mundo. E porque
        Dany Wambire - Sofala                  esta África vem daquela que é o Berço da Humanidade, destacamos uma africana que se
     Lino Sousa Mucuruza - Niassa
                                               encontra em Portugal. Trata-se da escritora angolana Ana Paula Tavares que através de
      COLABORADORES FIXOS                      uma entrevista ao Buala, ora em destaque na nossa revista, fala dos seus versos e adversos,
 Pedro Do Bois (Saranta Catarina-Brasil),      seus tempos e contratempos de Angola, os fantasmas da escrita que o perseguem e os que
 Victor Eustáquio (Portugal), Mauro Brito
                                               vivem consigo, em fim, fala de si e dos seus.
    COLABORAM NESTA EDIÇÃO
           João Tala - Angola
      Francelino Wilson - Lichinga
                                               Algo a destacar nas suas declarações é que, contrariamente a o que se tem dito através da
      Ana Paula Mabrouk-Portugal               crítica literária de que Ana Paula Tavares é a maior da poesia contemporânea angolana, a
         Camila Vardarac-Brasil
        Luís Kandjimbo - Angola                escritora declara sumariamente que não é justa essa designação, enumerando outras es-
          Ricardo Riso - Brasil                critoras que ao seu entender, são dignas desse título, para a nossa admiração. De facto a
         Cruz Salazar - Maputo
                                               humildade é o culto dos melhores. Ser e não assumir ser, dá-lhes mais mérito e, é por
                                               merecer.
              COLUNISTA
          Marcelo Soriano (Brasil)             Enquanto isso, em Maputo, o Movimento Literário Kuphaluxa deu o início ao projecto
          Nelson Lineu - Maputo
                                               Núcleos Escolares de Leitura, uma iniciativa que virá a provar que a leitura é uma cultura
             FOTOGRAFIA
           Arquivo — Kuphaluxa
                                               e, como tal, se transmite. Nesta semana o escritor António Cabrita juntou-se à iniciativa
              Eduardo Quive                    dando uma palestra sobre a leitura para cerca de 200 alunos na Escola Secundária Fran-
                                               cisco Manyanga. Um bom princípio para um projecto tão jovem. Mais e mais vai se mar-
             ARTE E DESIGN                     cando entre as páginas que se seguem nesta edição que é trigésima primeira. Mas antes e
              Eduardo Quive
                                               com tom de boa fofoca fica esta frase “os bons momentos virão”.
                PARCEIRO

   Centro Cultural Brasil—Mocambique                                                                                        Eduardo Quive

                                                                                                                  eduardoquive@gmail.com
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Destaque
 “O português de Moçambique
 nasceu com a independência”
- Defende a linguista moçambicana Perpétua Gonçalves
                                                                                da língua. E o ensino? As
                                                                                estratégias adequadas a
                                                                                esta nossa população e a
                                                                                situação      do    contacto
                                                                                bilingue? Portanto é um
                                                                                mundo que está em
                                                                                aberto.”
                                                                                Entretanto, enquanto os
                                                                                fenómenos        linguísticos
                                                                                moçambicanos ainda são
                                                                                pouco estudados, há por
                                                                                parte de falantes do
                                                                                português                 em
                                                                                Moçambique,             uma
                                                                                tendência de abandonar as
                                                                                normas      do     Português
                                                                                Europeu.       Sobre     isso
                                                                                Perpétua Gonçalves, considera que “o português europeu é a norma
                                                                                oficial e isso não significa que os falantes usem essa língua e, eles já
                                                                                estão a introduzir alterações e novas formas de fala e isso, trás para nós
                                                                                uma certa dificuldade em saber o que podemos considerar ou não.”



                                                  F
Eduardo Quive – Maputo
                                                        alando                  Perpétua Gonçalves, vai mais longe, mostrando casos concretos do
Texto & Foto                                            momentos                cenário moçambicano. “Por exemplo na concordância verbal, parece que
                                                        depois da sua           nós queremos seguir a norma europeia nós não queremos dizer coisas
                                                        comunicação             como “nós está cansado” ou “houveram problemas” são esses
nas Jornadas de Língua Portuguesa decorridas a dias em Maputo, sobre os         fenómenos que tendemos a não querer e até corrigimos, mas isso já faz
Desafios de Moçambique a nível da Pesquisa sobre o Português, a linguista       parte da nossa moçambicanidade. Aliando aos exemplos que dei já, “os
Perpétua Gonçalves teceu seus comentários à Literatas, sobre a afluência        jovens não são dados responsabilidades de família”. Isto é um tipo de
do português nos moçambicanos e sobre o que chamou de Português                 construção absolutamente excluída pelo português europeu, mas que os
Moçambicano, caracterizado por algum desvio das normas europeias.               falantes escolarizados e os não escolarizados usam e que provavelmente
No entender da académica, existem ainda poucos estudos sobre a fonética         vamos querer conservar.”
moçambicana no português e isso, poderá se justificar pelo facto de, o          Por outro lado, se o cenário é assim nas zonas urbanas, o que se pode
nosso português não ter mais de quarenta anos, caminhando com os anos           dizer sobre a situação em que estão as zonas recônditas?
da independência de Moçambique (37 anos) do jugo português.                     “Nas zonas recônditas não se fala português. Nessas zonas falam-se
“Há muitos fenómenos a acontecer a muito pouco tempo, praticamente o            línguas bantu, a massificação é um fenómeno que acontece
português de Moçambique nasceu com a independência. Então para uma              gradualmente, é uma situação que não pode ser gerida estatalmente. A
história da ciência, quarenta anos não é nada e nós temos, portanto, tudo
                                                                                própria comunidade vai ajudando a estabilizar os fenómenos, vai
em aberto. Para dar um exemplo, estudos sobre a fonética, portanto a
fonologia, a pronúncia específica dos moçambicanos, praticamente não há         ajudando outros a serem excluídos e abandonado. É um processo lento,
nada feito sobre isso. E é uma área interessantíssima onde acontecem            como em qualquer comunidade não só na nossa, as línguas vão
viários fenómenos. Mesmo outras áreas onde já estão relativamente               mudando de forma natural e não por processo governamental, excepto a
estudadas como por exemplo a regência verbal. Mas isto, refiro-me ao nível      ortografia, aí não há possibilidade.”

Carta Aberta ao Senhor Ministro
Queixumes ao meu avô estiloso (Pelos 90 anos que faz este ano 2012)


                             K
                                      a Mpfumo, antes Maputo, cidade            existe, escancarada, pseudo - revolucionários a solta, removendo os
Mauro Brito – Maputo
                                      capital desta pátria a parte, já não é,   vírus que lhe sustentam a qualidade dos que intervêm. Hoje é Maputo (a),
                                      está ainda a quilómetros de distância     desfavorecida a maioria, ácida e humedecida pelos discursos insípidos.
                                      de marcar esse golo. Maputo, onde         Uma cidade de espelhos, que nos mostra apenas o que queremos ver, a
é? A pergunta sensata que nunca se atreve a calar, e que nós teimaremos         nossa imagem e semelhança, translúcida (apenas vêm os que estão por
em repetir; necessitamos das coordenadas para a possível localização            dentro, não sendo possível aos que estão cá fora), Maputo é resumo ou
dessa cidade vendida a trinta dinheiros aos mesmos que antes eram dela          uma pequena resolução das restantes províncias, se no quintal da capital
seus proprietários. Ontem Mpfumo, com seus poucos brilhos e consolos,           se encontram essas mazelas, não muito diferente serão as restantes.
palmatoadas e algumas tantas promovidas avenidas heroicamente topo -            Aqui nasceu O POETA, da Mafalala, bairro mítico e tão real que lhe
nominadas. Onde não tem lugar quem por ela lutou arduamente, dividida           conste, onde os zincos que lhe fazem as paredes ainda conservam o
estava urbana e suburbana - mente, hoje já não se pode atrever a                cheiro dos tempos idos e a poeira das armas baleadas em mãos, de
mencionar tal afamada divisão, pois já não se tem a noção, de que o que é       mãos, da companhia miliciana. POETA do povo e de todos, 2012 nasce
o quê, e onde é onde! Tudo a mistura, como uma salada russa com muitos          pela 90ª vez, com um parto pouco condigno, só os teimosos ou
ingredientes que não lhe fazem parte, a miséria promovida nas avenidas, as      reaccionários, assim denominados os homens das artes, o assistem e lhe
gentes anti-municipais condenadas por existirem, a paisagem se que é            dão as primeiras assistências, nasce ao olhar seco e indiferente dos
SEXTA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2012                     |   LITERATAS        |   LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ |                      4
                                                                                            ela fala por si e de verdade, sem intermediários nem
                                                                                            mediadores. Tsilana (que txaia) a seu estilo, físico, como
                                                                                            literariamente, vai chicoteando os homens de jet 7, sem
                                                                                            intimidações, passeando a sua Mafalala, de pele curtida, a
                                                                                            secar ao sol, de norte à sul e do zumbo ao Índico deste
                                                                                            áfrico país, moçambicanamente ao sabor das tangerinas de
                                                                                            Inhambane.
                                                                                            “Sabes ou não sabes minha mãe?”


                                                                                            Podem os quem de direito, mostrar-se indiferentes e a
                                                                                            pouca vergonha para com o povo, o poeta e a eles
                                                                                            mesmos? Não é tempo de nos despirmos de véus e
                                                                                            grinaldas que nos atrapalham a vista não -direccionada ao
                                                                                            objecto real e não desfocado, como temos sido habituados
                                                                                            a assistir? E ainda há sentimento de que tudo lhes é
                                                                                            estrangeiro, que nada os diz respeito, ignorando um
                                                                                            simples pedido de apoio para manutenção do espólio, da
                                                                                            casa e publicações DAS OBRAS do Poeta, que muito
                                                                                            encontra-se por explorar, com a devida atenção,
                                                                                            responsabilidade, idoneidade, calibre e capacidade literária.
                                                                                            Coisa que não tem sido verificada, qual o papel das
                                                                                            entidades criadas para velar pela cultura como deve ser?
                                                                                            Violando a própria alma, as bases da cultura de um país
                                                                                            que se diz país. Há tanto tempo há desfolhar… Um
                                                                                            autêntico assalto à cultura. Por favor Senhor ministro da
                                                                                            cultura, com o devido respeito, podem gastar milhões de
                                                                                            meticais em anuais festivais nacionais de cultura, sem
                                                                                            resultados vistos, movimentando o país todo (contacto ou
                                                                                            uma façanha de unidade nacional), fazendo empobrecer
                                                                                            ainda mais, e não sequer fazer uma dedicatória, uma
                                                                                            comunicação, uma menção, em nome do POETA? O vosso
                                                                                            silêncio preocupa imenso, silêncio é o rei do momento de
                                                                                            acção política, só quando as massas se agitam e sentem a
                                                                                            comichão a vir, dão um alívio temporário, quando muito lhes
                                                                                            interessar e dai obterem vantagem política (pontos no seio
                                                                                            do partido).
                                                                                            “O pior cego é aquele que finge que não vê”
                                                                                            Não seria a adaptada Casa -Museu José Craveirinha uma
                                                                                            casa de todos e para todos, com a devida organização,
                                                                                            respeito, cuidado, uma rota e onde os alunos pudessem
                                                                                            contemplar e complementar a matéria escolar ligada as
                                                                                            letras e não só, enriquecimento cultural, ser um ponto de
                                                                                            visita constante, por parte de turistas, estudantes, cidadãos,
                                                                                            organizações, instituições ligadas a ao trabalho da letra e
                                                                                            da palavra. José Craveirinha é um homem de cultura. Não
                                                                                            o podem vigiar na sua cabeça. Não é?


                                                                                            Em titulo da minha homenagem aqui deixo um inédito texto,
                                                                                            que com certeza vos há-de retirar os ferrolhos do cérebro.


                                                                                                     SOBROLHOS FRANZIDOS
                                                                                                         Na urbe de sobrolhos franzidos
                                                                                                         imoral não é das balas o coito
                                                                                                      Nem sequer a bêbeda nudez das facas


                                                                                                          Mas sim nesta cidade de merda
José Craveirinha, considerado maior poeta de Moçambique                                                     A cínica parábola indecorosa
                                                                                                    de quem é o dono do revólver que nos baleia
 dirigentes que a dada altura, assim mandava o protocolo ou ordens                              Ou pelas surradas costas da metáfora
 superiores, lhe atribuíram o título de Herói nacional. Como pode um herói                     Origina a puta da mão que nos esfaqueia
 nacional, não receber nenhuma menção ou consideração por parte dos
 nossos dirigentes, desde os tempos da sua existência como cidadão e
 POETA? Atirado aos bichos, hoje assim o vemos, sem nenhuma notícia por           (poema inédito de autoria de José Craveirinha)
 parte dos órgãos de informação públicos que por dever, informariam ao
 povo sobre a sua vida e a poesia; atirado também ao fundo de uma rua que      Várias cartas não correspondidas e respondidas, simplesmente atirada
 ostenta seu nome, rua sem estilo, e sem conteúdo, pouco visitada, não         ao caixote de lixo, respostas claras de que a preocupação do governo e
 deveria na rua em seu nome estar patente a título eterno uma estátua sua,     dos privados não é poesia, literatura muito menos cultura no seu
 como acontece aos PESSOAS, MIGUEIS TORGA, OU CARLOS                           verdadeiro sentido; o maior foco e interesse sempre foi a matéria sócio -
 DRUMOND DE ANDRADE e demais? As suas lágrimas hoje tombam no                  politica e económica.
 mesmo chão da sua última morada (rua), Romão Fernandes Farinha, e             Celebram-se com a nossa pobreza de espírito, estaremos sempre ao
 continua a crescer essa nódoa de lágrima sempre que lá me faço junto com      lado dando a mão a palmatória, fazendo e dizendo as palavras e poesias
 os meus colegas (Kuphaluxa) ou ainda só, a mancha vai crescendo de gota       culturalmente, que a alma do poeta descanse e que se façam mais
 para poça, para lagoa, de lagoa para rio. Os seus poemas intemporais          cidadãos de uma nação que ainda esta por existir, se assim for permitido
 salientam e põem sem véu aquilo que ele já há muito previa, esse poder dos    pelas instâncias superiores e por nós mesmos.
 escritores de prever, serão estes os que nos irão governar? Cometera eu       Estamos todos de acordo, estamos todos de acordo….
 algo propositadamente, José Craveirinha, não faria 90 anos, ele continuará
 fazendo enquanto a sua poesia continuar existir, ser ouvida, lida e bebida,   Nota:
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Livros & Leitores
L
         ançado que foi “O Branco das Sombras
         Chinesas” na Livraria Minerva Central em
         Maputo, o escritor português António
         Cabrita, a convite do Movimento Literário
                                                                                 “Ler ajuda a
Kuphaluxa, orientou uma palestra, na última
quarta-feira, sobre a leitura na Escola Secundária
Francisco Manyanga em Maputo.
                                                                                 ultrapassar
Eduardo Quive – Maputo
Texto & Foto
O evento que contou com a presença de cerca de 200 alunos
da 11ª e 12ª classe, marca o princípio do projecto Núcleos
Escolares de Leitura (NELE) criado no âmbito de Programa de
Apoio e Incentivo à Leitura do Movimento Literário Kuphaluxa,
com os apoios da Associação dos Escritores Moçambicanos
(AEMO), Instituto Camões em Maputo e da revista Literatas.
“o Porco Espinha estava na estrada, de repente ouve um
barulho ao fundo para onde presta atenção e vê uma coisa
grande que crescia cada vez mais. A coisa ia crescendo e
aproximava-se de si, mas o Porco Espinha não sabia o que
era aquilo. Olhava atentamente, mas não reconhecia aquela
coisa que já está muito perto de si. E a tal coisa que era um
camião, passou por cima de si e esmagou-o sem que ele
soubesse de que se tratava.” Foi esta a parábola inicial do
escritor para ilustrar a falta de lucidez pelos que não lêem.
Seguindo em frente, Cabrita disse para explicar a essência da
sua estória “quando a gente não lé, se parece com o Porco
Espinha. Ficamos sem conhecer os nomes das coisas, da sua
utilidade e dos seus perigos. Ficamos na penumbra. Daí, ler
ajuda a ultrapassar obstáculos. A leitura torna-nos gente, nos
diferenciando doutras coisas. Por isso é importante ser um
leitor.”
Na sua conversa sobre a leitura António Cabrita, frisou que a
leitura é o caminho para o desenvolvimento académico e que
                                                                        dos Núcleos de Leitores pelo Movimento Literário Kuphaluxa, e de acordo com a
só assim é que se justifica o facto de a cabeça ser redonda.
                                                                        organização, seguir-se-ão, as escolas secundárias da Polana e Josina Machel.
“Sabem porque é que a cabeça é redonda? É porque ela tem a
                                                                        O projecto NELE serve igualmente, para responder os desafios da qualidade de
capacidade de circular pelas ideias. Isto significa que como pessoas,
                                                                        ensino que se tem ainda como baixa no país, podendo com a ampliação dos
já nascemos com capacidade de ser multiplicadores de pensamentos
                                                                        recursos existentes, alastrar-se para o resto das províncias do país.
e capazes de pensar uma coisa enquanto pensamos noutra. Não se
                                                                        Entretanto, a falta de apoios poderá dificultar o alargamento da iniciativa por
quer que sejamos quadrados. Pessoas com uma linha de pensamento
recta. Com uma só ideia. Então lendo, teremos essa capacidade de        outras instituições de ensino, contando-se no princípio apenas com a doação de
ser múltiplos nos olhares, nos saberes e nas atitudes” considera o      livros pela AEMO e desde já, com o envolvimento do Instituto Camões e com
escritor.                                                               divulgação pela Revista Literatas. Também os escritores, a título individual, vão
A Escola Secundária Francisco Manyanga, tida como uma das               se envolvendo no projecto. O próximo encontro com do núcleo, será com a
maiores instituições de ensino no países é pioneira na implantação      escritora Paulina Chiziane. BLOG OFICIAL: nelemocambique.blogspot.com
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 Reflexões
Literatura Africana Rapunzel e outros poemas
Contemporânea       da infância                                                                                     CEZAR, Jairo. Rapunzel e outros poemas da infância.
                                                                                                                   Ilustrações de Tônio. João Pessoa: Forma Editorial, 2012.




                             A
Ana Lucia Santana                          literatura        africana
                                          contemporânea não tem         Janailson Macêdo - Brasil
                                                                                                                                                    Anda menina,
                                          recebido,    especialmente    Fonte: Revista Blecaute
                                                                                                                                                vem sem cuidado,
                                          nos países de língua
portuguesa, a devida atenção, merecida por sua importância
                                                                                                                                                     livro fechado
cultural. Ela tem se manifestado nos diversos idiomas que                                                                                     não manda recado.
configuram a teia linguística do continente africano, dos quais os                                                                    (Jairo Cezar - É hora de ler
principais são os de origem francesa, inglesa e portuguesa.
Esta literatura se enraíza principalmente no movimento                                                              In: Rapunzel e outros poemas da infância)
denominado negritude. A primeira leva de escritores africanos, a
qual participou do primeiro congresso de escritores da África,




                                                                                                                                         “
concretizado em 1956 na capital francesa, inspirou-se nas revoltas                                                                             É hora de ler”.
de carácter anticolonialista. Entre eles figuram nomes como                                                                                    Essa parece ser
Léopold Sédar Senghor, Mongo Beti, Bernard Dadié, Ahmadou
Kourouma, Sembene Ousmane, Ferdinand Oyono, Tchicaya                                                                                           a    frase   que
U’Tamsi e Sony Labou Tansi.                                                                                                                    sintetiza      o
Já as obras escritas após a emancipação das colónias africanas                                                                           estatuto atual da
se basearam em outra realidade, na qual imperavam os governos                                                                            leitura em nossa
totalitários, as agitações tribais, as revoluções e golpes de estado.                                                                    sociedade       −   ao
Elas condenavam as atitudes repressivas, os desmandos dos                                                                                menos a nível de
governantes, ou simplesmente narravam as vivências de seus
autores sob este contexto. Por outro lado, alguns escritores                                                                             expectativas.
procuravam resgatar as antigas tradições.                                                                                                Atualmente,       uma
A literatura exercitada neste continente ganhou repercussão                                                                              parcela            dos
mundial por meio de autores renomados e premiados, como Wole                                                                             educadores, agentes
Soyinka, da Nigéria; Nadine Gordimer, da África do Sul; e o                                                                              midiáticos, militantes
egípcio Naguib Mahfuz, todos detentores do Prémio Nobel de                                                                       culturais    e   gestores
Literatura. Destacam-se também o queniano Ngugi Wa Thiong’o,                                                                     públicos vêm chamando
o poeta ugandense Okot p’Bitek, entre outros.                                                                                    a atenção para o papel
Não se pode subestimar o papel significativo que as mulheres                                                                     da leitura na formação
africanas exerceram nesta literatura; em seus livros elas relatam                                                                de cidadãos criativos e
suas experiências complexas e peculiares, em um continente no                                                                    com       senso    crítico
qual as mulheres ainda enfrentam problemas típicos dos séculos                                                                   apurado,        sobretudo
passados, como a poligamia, ser mãe, a prostituição e a                                                                          quando incentivados a
subjectividade feminina, além das formas encontradas para fugir         manter uma relação de proximidade com a leitura desde o início da infância.
da intensa repressão que sofrem.                                        Essa perspectiva é também defendida pelo poeta Jairo Cezar, autor de
Escritoras como Amma Darko, Flora Nwapa, Buchi Emecheta,
Mariama Ba, Fatou Diome, Bessie Head, Tsitsi Danaremba, entre           Rapunzel e outrospoemas da infância” (Forma editorial, 2012), seja por
outras, fazem de sua obra uma bandeira pela integração do               meio de ações como educador e ativista cultural, seja no interior de sua
feminino na sociedade africana, radicalmente patriarcal e               própria casa, durante o educar cotidiano de sua filha Beatriz, a quem o referido
machista, bem como nas decisões económicas e na vivência                livro é dedicado. No entanto, “Rapunzel...” não é uma obra que visa “apenas”
cultural.                                                               incentivar o hábito da leitura junto ao público infantil − objetivo que em si já poderia
Na literatura actual sobressaem nomes como os de Mia Couto,             ser visto como de grande valor , mas que não seria bem-sucedido se a obra
José Eduardo Agualusa e José Luandino Vieira. Mia é de uma              não contasse também com uma qualidade estética apurada (alusiva,
família de imigrantes portugueses que se fixaram em                     nesse caso, ao conjunto poemas/ilustrações).
Moçambique, país onde ele nasceu, em 1955. Ele é hoje um dos            O livro trás (re)leituras poéticas de histórias como “Pinóquio”, “Rapunzel”, “Os três
autores moçambicanos mais importantes, e traduzido em                   porquinhos”,“O Pequeno Príncipe”, “A Bela e a Fera”, “Peter Pan”... e de episódios
inúmeros idiomas.                                                       vividos por outros seres, que por vezes adquirem um significado mágico no
Seus esforços convergem para a elaboração de uma nova                   universo infantil, como as joaninhas, girafas e as borboletas.
narrativa continental. Sua principal obra, Terra Sonâmbula, foi         Conta ainda com belas ilustrações que ambientam as poesias ou permitem aos
escolhida por um júri especial como uma das melhores produções          leitores − na segunda parte da obra – divertir-se enquanto colorem imagens
do século XX. Este romance é constantemente comparado com os
                                                                        vinculadas aos poemas que acabaram de ler.
livros do brasileiro Guimarães Rosa.
O angolano José Eduardo Agualusa é integrante da União dos              É desses livros que permitem, aos nossos pequenos, ter “em mãos” um
Escritores Angolanos. Ele contribuiu não só com sua obra, mas           objeto que possibilite que suas mentes sejam regadas, ainda mais, com
também através da criação, em parceria com Conceição Lopes e            a fantasia, dando-lhes mais um momento, entre uma e outra descoberta
Fátima Otero, da editora brasileira Língua Geral, a qual é voltada      diária, de inserção do maravilhoso em seu cotidiano.
exclusivamente para a edição de livros no idioma português. Entre       “Rapunzel...” é, além disso, do tipo de obra que um pai compra para
suas publicações constam Na rota das especiarias, o Filho do            presentear o filho, mas acaba, ele mesmo, parado, a folhear as
Vento, A girafa que comia estrelas, entre outras.
Outro angolano importante é José Luandino Vieira, nascido em            páginas, ver e rever as ilustrações ou rememorar as obras a que teve
Portugal, mas naturalizado cidadão de Angola por sua                    contato em sua própria infância...
imprescindível actuação na construção da República Popular de           Em síntese, com seu “Rapunzel...”, Jairo Cezar estreia na literatura
Angola, logo depois da conclusão da Guerra Colonial. Em 2006            infantil mostrando que o gênero – e, em especial como ele o produz −
ele recebeu o Prémio Camões, o mais significativo nas                   não se constitui como uma literatura menor.
premiações literárias, mas o rejeitou, por acreditar que não está       Estreia trazendo muitas expectativas para os seus leitores e tentando
mais literariamente activo; mesmo depois desse discurso ele
ainda lançou mais dois livros, neste mesmo ano. Entre suas              mostrar, em consonância com o atual contexto sócio-cultural vivido por
criações estão os contos Luanda e Velhas Histórias; os romances         nosso país, que não!, “livro fechado não manda recado”.
SEXTA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2012                   |   LITERATAS        |    LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ |                          7
                                                                                          LIBERTA-ME DO ESQUECIMENTO, MULHER

Poesia                                                                                   JOÃO TALA - Angola
                                                                                         Ela solta o corpo o texto animal

      FOLHAS DE ROSA                               A VIAGEM                              e frutos avultados.

                                                                                         Quando prontos os frutos
                                                 Lenir Mattos de Moura - Brasil          bebo-lhe noites o odor da manada.
Florbela Espanca
                                                                                         A ela devo as coisas mais elementares:
Todas as prendas que me deste, um dia,           Que viagem é esta                       o suspiro libertador
Guardei-as, meu encanto, quase a medo,                                                   a primeira água e,
                                                 Que me transporta
E quando a noite espreita o pôr-do-sol,
                                                 Além das nuvens,                        o evangelho deste corpo intacto e húmido;
Eu vou falar com elas em segredo...                                                      a água acumulada no meu celibato
                                                 Que me faz flutuar
                                                                                         como o amor no último cuspo.
E falo-lhes d’amores e de ilusões,               No espaço sem fim,
Choro e rio com elas, mansamente...              Que me leva                                                         Do Poemário FORNO FEMININO
Pouco a pouco o perfume do outrora               Ao ponto mais alto do in-
Flutua em volta delas, docemente…                finito?
                                                                                                     A dança das mães
Pelo copinho de cristal e prata                                                                         João Rasteiro-Portugal
                                                 Que viagem é esta
Bebo uma saudade estranha e vaga,
Uma saudade imensa e infinita                    Que me encanta,                         À Estrela de Jesus Vilela
Que, triste, me deslumbra e m’embriaga           Me domina e me envolve?
                                                                                         Na beleza irremediável das feridas
                                                                                         alimentam-se mães sem trégua.
O espelho de prata cinzelada,                    Que viagem é esta                       Nos rios secos, batem e batem os corações
A doce oferta que eu amava tanto,                                                        alimentados em sangue frio e espesso.
                                                 Que me estremece,                       Que é lívido. Que procura a boca das raízes
Que reflectia outrora tantos risos,              Me fascina e me absorve?                nos conjugados ascensos e âmagos.
E agora reflecte apenas pranto,
                                                                                         O coração é um bicho estranho, foragido,
E o colar de pedras preciosas,                   Que viagem é esta                       que vai caminhando gota a gota,
De lágrimas e estrelas constelado,               Que não tem caminho,                    ambicionando o amor do ser intacto.
                                                                                         E as feridas incautas aproximam-se das mães,
Resumem em seus brilhos o que tenho              Não tem estrada,                        em seu viçoso centro,
De vago e de feliz no meu passado...             Não tem ninguém?                        imprudentes ao pérvio fardo de cada sopro:
                                                                                         o amor, eternamente feroz.
                                                                                                                  E as mães são as mutiladas candeias
Mas de todas as prendas, a mais rara,            Que viagem é esta                       que efabulam do interior dos angulares corações.
Aquela que mais fala à fantasia,
                                                 Que me incendeia, me                                              E as feridas das mães são cada
São as folhas daquela rosa branca
Que a meus pés desfolhaste, aquele dia…          abrasa                                  vez mais belas.
                                                                                         O medo caminha violentamente mais perto,
                                                 E me faz suar?                          no corpo, na cara,
                       In, Poemas Selecionados                                           nas vértebras e no ventre
                                                 Enfim,                                  onde se abriga com seu volúvel volume,
                                                                                         o silencioso amor de mãe. A difusa distância
                                                 Que viagem é esta                       entre o ventre e o gume.
    O HORTO MURADO                               Que me leva e me traz,
                                                                                         Sob a folhagem da água, mães cansadas
                                                 Num momento de magia,                   da aridez que as toca,
     António Cabrita - Maputo                    E me deixa jogada,                      incendeiam-se através dos filhos. E os filhos,
                                                                                         essecingido chumbo cravado
                                                 Respirando cansada,                     nas asas, esse projecto que sobre o mar se estende,
                                                 Numa paz infinita?                      alimenta as feridas pelos tendões,
                                                                                         como a garganta entre os dedos do útero.
Seres que habitam os frutos,                     É uma viagem inexplicável               As mães debicam sobre a areia a sua rota clara,
    como tu, que desfazes                        E, ao mesmo tempo,                      até ao fim do mundo, erectas:
                                                                                         como pela última vez.
a polpa na língua e te fundes                    Tão simples...                          Sobre a montanha, na subtileza das ínguas
                                                 É a mais longa viagem                   um filho incorpora-se na beleza
                 na uva, ou eu                                                           incurável das feridas, enquanto mães em seu delírio
                                                 E, ao mesmo tempo,                      tacteiama pedra, até ser flor.
que bebo na tua transpiração                     Tão curta...
a promessa das grainhas.                                                                 Por vezes sangram e cantam, secam os olhos,
                                                                                         arrancama língua dos sexos
Seres que não te deixam                          É uma viagem encantada                  e em permanente luta, corpo a corpo,
                                                                                         o amor estende-se, mas os gestos
    estar só.                                    Que acontece comigo                     são indiferentes, neste caminhar obsceno
                                                 Toda vez que nos amamos.                de criaturas sem frutos. A aprazível violência
             O morto                                                                     do filial e obsessivo bem-querer.

olha para si através de ti.                      In, Stephanos - Enciclopédia virtual    Há-de caber numa clara sílaba, num vasto eco
                                                 da Poesia Lusófona Contemporânea        numalágrima, numa gota de mercúrio
                                                                                         todo o tempo, todo o amor,
                                                     www.olegalmeida.com                 toda a murcha flor e dor consumida
                                                                                         de uma existência sem história: uma travessia nua.

                                                                                                                            In, O Buzio de Istambul, 2008
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Entrevista                                                                  FONTE: www.buala.org | Por Pedro Cardoso


"A oralidade é meu culto”




A
                     na Paula Tavares tem olhos grandes e doces. E uma intensidade na
          escrita que a tornam numa das mais queridas poetisas e escritoras
          angolanas. Em entrevista por e-mail a partir de Lisboa, onde vive,
          aborda aspectos da sua escrita e da sua vida. Sem sequência
cronológica, com uma leveza que prende, pela profundidade que evidencia.

É normalmente apontada como a referência da poesia contemporânea angolana
no feminino. O que significa isso, na verdade?                                   Para além do Lubango viveu também no Huambo, Gabela, Sumbe,
                                                                                 Benguela e Luanda. Luanda esta que sempre adiou, como já confessou.
Não, não é verdade. Isso seria de uma injustiça extrema para com Ana de          Que rastos lhe deixaram estes lugares?
Santana, Liza Castel e Maria Alexandre Dáskalos, para só citar três nomes de
criadoras intensas, originais no universo da poesia angolana. O número de        Tenho memória dos tempos nestes lugares. No Huambo, aprendi outras
títulos publicados não invalida outras contribuições de grande qualidade.        cores do medo, ao mesmo tempo que ensinava a ler os mais velhos nos
Procuro um lugar no universo da poesia angolana, porque é de Angola a            arredores da cidade. Experimentei os limites da coragem física, ganhei
minha fala. Não sou muito dada a concursos, lugares cimeiros, comendas.          amigos para a vida. No Kwanza- Sul (Gabela, Sumbe, Kibala, Ebo)
                                                                                 percebi que a história de Angola tinha vários tempos e outras tantas
Cresceu no Lubango, numa sociedade colonial marcadamente europeia, que           velocidades. Fiquei esmagada com a imponência. Percebi o tamanho da
ignorava a sociedade africana com quem convivia, mas que ao mesmo tempo a        minha ignorância. Que tempos eram os das necrópoles em pedra seca,
fascinava. A sua escrita reflecte ou afasta-se deste paradigma?                  rodeados por silenciosos inselbergs graníticos cheios de pinturas em
                                                                                 grutas inacessíveis? Como perceber essas mensagens no meio do ruído
Todos nós somos de um lugar, de uma infância, disse o poeta. Nasci na Huíla,     louco da guerra. O sonho da cronologia e o seu avesso também ficou
no meio de uma sociedade colonial injusta. Os pastores estavam ali. À            para sempre na minha escrita e na minha vida. Nasceu-me a filha, o que
sociedade Nyaneka eu devo a poesia, a música, o sentido do cheiro, a             foi começar tudo de novo, água pura, meu novo sentido de mim. O medo
orientação a sul. O contacto era-nos (a quem estava em processo de               voltou. Seria capaz de proteger, de percorrer os rios outra vez. Sumbe
assimilação) interdito. E, também por isso, o desejo era mais forte. Conhecer,   ajudou a inscrever para sempre, para nunca esquecer a memória do
saber quem eram e quem éramos deu um sentido à vida. A escrita, em               mal: a escravatura, o colonialismo, as relações de dominação, os
português, ficou para sempre ligada ao paradigma da oralidade, da chama do       pequenos e grandes poderes, o alargamento definitivo do sentido da
lugar, do acompanhamento dos ciclos, do respeito pela diferença, do horror à     história ao quotidiano. Benguela reforçou a minha ideia de lugares de
injustiça.                                                                       pertença e lugares de rejeição. A poética do espaço foi um longo
                                                                                 aprendizado. Não estava cá dentro. Praticava-se uma linguagem que
Disse que a Huíla a influenciou do ponto de vista estético, sobretudo através    tinha que aprender. Luanda é o princípio da cidade que de vez em
dos cheiros, sons, cores e canções que a terão marcado muito do ponto de         quanto deixa de o ser. Convive bem e mal com os seus fantasmas. A
vista estético. Provém daí a sinestesia constante da sua obra?
                                                                                 baía é mágica, tem a mais bela curva do mundo. Quase enlouqueci a
                                                                                 tentar perceber e a fazer pactos com deus e com o diabo. Mas foi ali que
A troca de sentidos, ou do apelo dos sentidos, uma certa doença é coisa que      ficou mais clara a força das mulheres do meu país, a forma leve como
carrego desde a infância. Se não tivesse nascido ali talvez fosse mais normal.
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Entrevista                                                                     FONTE: www.buala.org | Por Pedro Cardoso
pisam o chão, apesar de carregarem um filho em cada mão e outro às             os seus textos podem ser lidos em voz alta, que não perdem a força nem se
costas e na cabeça o mundo inteiro.                                            “perdem pelo caminho”.

Já definiu a saída do Huambo para Luanda, por altura da independência,         A oralidade é meu culto. As mães embalam os filhos cantando ou dizendo
como uma “fantástica fuga que um dia alguém terá que contar”. Quer ser
                                                                               palavras nas nossas línguas todas. Se os meus textos puderem ser lidos em
a primeira?
                                                                               voz alta fico muito contente.
Não seria a primeira. Lembro que o poeta Costa Andrade, Ndunduma,
                                                                               Em que ponto está o seu projecto sobre as culturas lunda e tchokwe?
que infelizmente já não está entre nós, deixou no seu livro de memórias,
Adobes de Memória (dois volumes), uma versão dessa fantástica e
                                                                               Entregue a tese [de doutoramento], a luta pelo conhecimento continua.
terrível aventura. Devo aos meus companheiros de viagem, por
enquanto, o silêncio.
                                                                               Considera a sua escrita ritualista?
Há quem fale num “mundo angolano” de Paula Tavares. Que mundo é este – o de
Angola da infância, da independência, de 1992, de agora, à distância?          Não. Nem por sombras.

Não sei quem falou. Para mim deve ser porque eu não sei falar de outra         A sua segunda obra publicada, Sangue de Buganvília, surgiu apenas 13 anos
                                                                               depois de Ritos de Passagem. E passa da poesia à prosa. Porquê este
   Angola dói-me todos os dias,
coisa.                                                                         interregno e a mudança de registo?

alegra-me da mesma maneira.                                                    Nunca parei de escrever. Só não via a necessidade da publicação. A escrita
                                                                               sempre se fez nos dois registos: a poesia e a história curta entre a crónica e o
Dá-me a medida exacta do meu                                                   conto.

desconhecimento.                                                               A “prosa” e a “poesia” vivem isoladamente? São o que pensamos delas como
                                                                               conceitos, ou excedem-nos?
África, Angola, Japão à luz de Mishima, Europa. Lugares seus. Qual o
ponto de intersecção?
                                                                               Podem viver isoladamente ou na maior das misturas. Para mim a poesia pode
O chão, a terra, os afectos, a leitura.
                                                                               viver isoladamente. Já a prosa (a minha) vive da outra de forma sôfrega e
                                                                               vampiresca.
Considera-se uma escritora universal?
                                                                               Que possibilidades ou limitações lhe colocam?
Não. Quem sou eu? O mundo é vasto e estranho.

A relação com o corpo e com o sexo em África é também muito diferente da das   Possibilidades todas. Limitações: lembro
sociedades ocidentais. A sensualidade e o erotismo presentes em alguns dos
seus trabalhos têm como fonte esse nosso maior à-vontade com o corpo?          o provérbio Cabinda «A centopeia tem
Acho que essa famosa e proclamada relação com o corpo não existe.              cem pernas, mas anda sempre pelo
Também tivemos e temos igrejas que nos ensinam a ter vergonha do
corpo. Temos mulheres que não têm tempo de crescer e escutar o seu             mesmo caminho».
corpo. Temos relações de violência e sofrimento em silêncio. Temos
comportamentos próprios das cidades e outros de comunidades                    Dizem-na avessa ao excesso no uso das
distantes. Temos relações injustas reguladas pela força do dólar, pelo
exercício do poder. Velhos mitos coloniais sobrevivem, às vezes com
                                                                               palavras. As palavras têm um valor
novas máscaras, em plena pós- colonialidade.                                   definido, como o que vemos afixado
De facto, o seu primeiro livro, Ritos de Passagem, foi recebido em Angola      num produto no supermercado? As
com polémica. Consideraram-na “ressabiada”, “pornógrafa”, como
contou numa entrevista…Pois assim se provam os velhos e novos                  palavras têm o seu valor. Depende de
equívocos e também que as idades da inocência se pagam amargamente.
Escreve desde pequenina, “para espantar os medos”. Que medos tinha,            quem e como as usa.
quando era criança?
                                                                               Feminilidade, literatura feminina. Meros rótulos ou problemáticas sérias?
Todos os medos das crianças, medo do escuro, medo da luz, da
injustiça, de perder, de ganhar.                                                 Não são meros rótulos. O Feminismo dos anos sessenta do século passado
                                                                                 já não está na moda, ou por vezes adquiriu facetas de uma tal rigidez de
Continua a escrever com o mesmo objectivo? Se sim, quais são os medos critérios que abalam as nossas crenças, objectivos, sensibilidades. Mas
da Ana Paula Tavares adulta?
                                                                                 continuo sensível à diferença: aquilo que escrevem as mulheres, aquilo que
                                                                                 vivem as mulheres, mesmo com mulheres presidentes ou ministras é
A escrita tem muitos sentidos. Vastos os enunciados. Não estou fechada
                                                                                 absolutamente diferente daquilo que os homens passam. Mesmo avessa a
na concha do medo. Agora há angústias: não consigo suportar a partida
                                                                                 uma teoria da interpretação, continuo a ler e a sentir essa diferença.
dos amigos, o sofrimento de alguns deles. O medo de estar longe,
demasiadamente longe, a ideia de perder a voz e a vez da poesia.
                                                                                 Ana Paula Ribeiro Tavares é natural do Lubango, onde nasceu a 30 de
Definiu já a literatura e música brasileiras, que os viajantes lhe traziam, como
                                                                                 Outubro de 1952. Estudou História na então Faculdade de Letras do Lubango
grandes influências enquanto escritora. Que impacto tiveram, ao certo?           (actual ISCED), curso que terminou em Portugal. É mestre em Literaturas
                                                                                 Africanas de Língua Portuguesa.
O Brasil literário e musical foi chegando aos poucos, por ondas em todos Logo após a independência, foi delegada da cultura no Kwanza-Sul e técnica
os momentos de crescimento, maturidade e velhice. Chico e Caetano,               do Centro Nacional de Documentação e Investigação Histórica (hoje Arquivo
Elza Sores, Elis Regina, Tom Jobim, e tantos outros. A poesia impôs-se           Histórico Nacional), do Instituto do Património Cultural. Nos anos 80 foi
com Manuel Bandeira, Drummond de Andrade, Murillo Mendes, o                      responsável pelo Gabinete de Investigação do Centro Nacional de
definitivo João Cabral de Melo Neto. Depois a prosa com um lugar de              Documentação e Investigação Histórica, em Luanda. Tem vindo a trabalhar
visita constante para Clarice Lispector, Nélida Pinon, Lygia Fagundes            em cultura, museologia, arqueologia e etnologia. Como poetisa e escritora,
Telles. As descobertas mais recentes com Radnuam Nassar, Milton                  publicou um conjunto de obras que inclui Ritos de Passagem (1985), O
Hatoum ou Bernardo de Carvalho pedem que continue atenta ao que se Sangue da Buganvília (1998), O Lago da Lua (1999), Dizes-me coisas
passa na margem de lá do Atlântico.                                              amargas como os frutos (2001, vencedor do Prémio Mário António de Poesia
                                                                                 2004, da Fundação Calouste Gulbenkian), Ex-votos(2003) e a A Cabeça de
Trabalhou muito na recolha de tradição oral em Angola. Há quem diga que Salomé (2004). A sua obra está presente em antologias de Portugal, Brasil,
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    Leituras
Élio Mudender, o autarca dA
Cidade Subterrânea                                                                                                                «Há mais bicicletas – mas há
                                                                                                                                           desenvolvimento?»
                                                                                                                                Joseph Hanlon e Teresa Smart


Francelino Wilson* - Lichinga




A
           o     ler     A      Cidade
           Subterrânea       de    Élio
           Martins           Mudender
           ressalta, dentre várias
coisas, emoções, sensações, (des)
prazeres, etc., a questão dos
autores Joseph Hanlon e Teresa
Smart, “há mais bicicletas – mas há
                                                                                                                                                    Élio Martins Mudender
desenvolvimento?”1
Ler      este     livro,   igualmente,
despertou-nos a vontade de partilhar com os amantes da pena e não só a         A prostituição domina largamente a temática desta obra, como a pedir uma
nossa humilde apreciação sobre esta (nova) autarquia que se forma entre        área de vereação à edilidade para velar por este problema que, uma vez
as entranhas deste pedaço de chão – Moçambique – como, alias, já se            mais, afigura-se secular. Neste ponto, esta obra comunica-se com outras,
disse, “qualquer leitura crítica que se pretenda satisfatória deve passar da   tal é o caso de Memória das minhas putas tristes, de Gabriel Garcia
fase analítica a uma outra fase predominantemente sintética que é a da         Márques ou então, Nykonkwe a reforma da prostituta, de Mukhwarura. Esta
interpretação” (REIS, 1981:41). Fazemos este modesto exercício sem             comunicação extravasa o campo temático e manifesta-se por meio de
tendências de esgotar as possíveis (de/a)preciações a obra, cf. REIS           citações/epígrafes de outras autorias: José Craveirinha, Mia Couto, Carmen
(ibidem): “não se pense, porém, que com o processo de análise a que se         Posadas, Jorge Bucay, só para citar alguns.
submete o texto literário se completa a sua avaliação crítica ou (…) uma       Estes problemas são aflorados num diálogo electrizante entre Maria
leitura crítica minimamente válida”.                                           Consolo (prostituta de reconhecida influência na cidade) e o narrador
Valida ou não, Mudender apresenta-nos aqui uma cidade despida ou               (autodiegético/protagonista). Este diálogo domina largamente as páginas
desprovida de seus bens e vestida de andrajos por uma turma de                 desta narrativa.
“abutres” que não poupa esforços para sugar até a última gota do que de        Mudender opta por uma escrita rítmica e pausada, na base de semelhanças
precioso até então havia restado. Os nomes dos integrantes desta turma         de sons e sinais pausais bruscos, um jogo de metaplasmas (REIS, op. cit.,
são nítidos: Pio, Marcelino, Paunde, Manhenje, Guebuza, Chissano e             366) bem encontrados. “Gosto de noites agitadas. Homens e mulheres.
outros. Usar nomes com identidade própria, não só atenta o princípio da        Dançando. Comendo. Bebendo. Fornicando. Gritando.” (p. 14) (negrito
ficcionalidade, como também deixa margens de discussão entre a                 nosso) A sua escrita não se limita aos artefactos de linguagem. Extravasa-
realidade e a ficção que não poucas vezes coabitam neste livro. Este facto     os. Supera-os.
deixou espaço para chamar de crónica a este conjunto de textos por             E, copiando o discurso corrente, atribui uma identidade própria a cada
alguns críticos literários; quanto a nós, soa melhor se considerarmos          personagem a partir da forma como cada um se expressa.
fragmentos de um diário mediatizado.                                           “- Vem, conta-me-llllaaa o que estavas pá me dizer.
“- Claro. Tenho lindas fotos. Lindas recordações. Os nossos serviços eram      - Contar? Vais te cansares de rir.” (p. 18) (itálico nosso)
publicados na Rádio, Televisão, na Internet, nos Jornais, Revistas… Os         Esta forma de escrita atenta a tradicional gramática portuguesa e sugere
clientes faziam encomendas… programas por telefone… tudo seguro e              uma estrutura frásica e léxico do Português moçambicano; é, desta forma,
bem pago.” (p. 23) (itálico nosso)                                             uma obra anti-purista, pouco recomendável para os conservadores da
“Voltei a ligar o televisor. Uma luz insistente entrava pela janela. Aquele    língua ou alunos/leitores buscando uma performance linguística. Em
domingo grande movimentava pessoas para a igreja. Um e outro bêbado            contrapartida, esta forma de escrita desconstrutiva dá um outro prazer ao
saía dos seus escombros de babalaze. Escândalos Sexuais de Altas               leitor atento.
Patentes. O sono ainda pairava nos meus olhos esbugalhados.” (p. 109)          Por fim, convocamos o pensamento dos autores Joseph Hanlon e Teresa
(itálico nosso)                                                                Smart expresso na epígrafe deste texto. A cidade subterrânea de Élio
Os signos Rádio, Televisão/televisor, Internet, Jornais, Revistas, telefone    Mudender assemelha-se a maioria das cidades do nosso país. São cidades
ilustram a mediatização deste diário de um jovem em busca de                   que dormem e acordam mergulhadas numa pobreza de uns e riqueza de
oportunidade numa cidade domada por relações conspiratórias, jogos de          outros, assimetrias que chacinam as classes desfavorecidas, sujeitas a
poder e comissões de roubalheira. Estes são, alias, os desafios com que o      sonhar com uma bicicleta para toda a vida.
edil dA cidade subterrânea se debate todos os dias. A prostituição gerada      “A cidade só tinha bicicletas. Desenvolvimento que é bom, nada.” (p. 83)
da pobreza urbana, a urbe que conflui gentes de todos os lugares, agudiza      “O que me doía era o estado miserável. Moribundo.
este conflito perene de busca de pão e dignidade de qualquer forma,            Abandonado. Empobrecido. Em que se encontrava a cidade e suas gentes.
subindo os outros, cometendo atrocidades ou vendendo a moral, o pudor          Uma cidade molhada pelas chuvas e as ruas denunciando os buracos
e a dignidade. São rostos da pobreza que contrastam com a riqueza destA        alagados e os casebres de cobertura de palha de coqueiro embriagados de
cidade subterrânea, enquanto potencialidades há nas mãos dos corruptos         água assassina.” (p. 11)
e corruptores cobertos com a capa de naturais ou compatriotas.                 Isto acontece num país onde alguns andam de autocarros sonhando com
“As pessoas reclamam por tudo e por nada. Falta tudo. Menos a pobreza          metros e outros apenas sonham com uma bicicleta.
e a miséria, que são os pratos do dia.” (p. 39) (itálico nosso)
“Fome. Violência. Criminalidade. Prostituição. Desemprego. Eram as             _____________________________________________________________
palavras em ordem. Ninguém cantava. Ninguém rezava.                            *Francelino Wilson é escritor e locutor do Emissor Provincial do Niassa/ Rádio Moçambique
Ninguém dançava. Era um inferno total mergulhado no caos.” (p.                 2. Título da obra dos autores citados.
180) (itálico nosso)
As palavras de ordem (pobreza, miséria, fome, violência, criminalidade,
prostituição, desemprego, caos, cf. estratos acima) circulam no rosto de       Bibliografia
pessoas que procuram uma refeição para aguentar a vida. E a procura
não tem lugar nem mãos a medir, acontece no cais junto de marinheiros          1. MUDENDER, E. M. A cidade subterrânea. Maputo, AEMO, 2011.
ávidos de coxas de mulheres por prostituir, na Pensão Ideal, ou então em       2. REIS, C. Técnicas de análise textual. 3ª Edição revista.
qualquer túnel desta cidade.                                                   Coimbra, Livraria Almedina, 1981.
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                                                                                        FILOSOFONIAS
O passo certo
                                                                                         Marcelo Soriano
                        no caminho errado
                        Nelson Lineu - Maputo
                        nelsonlineu@gmail.com                                          Chuva de Palavras

                    A avermelhação                                                     - Apanhado de Meditações por Extenso -


                        do verde

C
                                                                          O amor distante... Volta a ser... Quando canta o Uirapuru.
          ustódio Sábado estava sentado na sua casa, quando
          viu Tiago passar com um ar desinteressado, nem se               A minha máquina do tempo é de escrever.
          quer saudou. Ficou admirado, nunca tinha acontecido.
                                                                          Pa-lavrou-me a terra do coracéu. Rezou poemas de bom
          Foi uma táctica que o rapaz usou. Todos sábados,
Custódio contava-lhe como foi a sexta-feira, como ele chamava.         dia... Fez o sinal-da-luz... Viu chover olhos de sol... O mundo
Antes de contar enrolava, criando ansiedade e curiosidade,             não sente. O mundo faz sentir. Assim como o vento não é
quando Tiago fazia-se passar por desinteressado, Sábado
                                                                       simples ar veloz, é trabalhador milagroso. Vivei, amanhacéu!
contava como foi a noite que sempre era criança.
                                                                          Escrevi um poema de ouvido - ouçam com os olhos! - que
Custódio esperou o Puto, preocupado, logo que o viu, chamou-
lhe, de seguida foi contando. No seu cenário habitual, matando a       'lindava' mais ou menos assim naquele exato momento:                    O
babalaza, comendo numa panela suja que ele dizia lavar quando          brejo solfeja em rãs. Os vendedores cantam vantagens. O
estivesse mal disposto. A panela de barro continha restos de
comida do dia anterior, ele cozinhava por cima dela, via aquilo
                                                                       instrumento do lenhador é o machado. O malandro toca sua
cimo uma relação sexual, o prazer era notório quando ele comia,        sirigaita. Os colegiais regem com lápis e borrachas. Os
mesmo com toda porquice (não lavava mão nem cara) dava
                                                                       operários executam esmeris. O temporal aplaude nos telhados.
inveja quem o via transportar comida da panela a boca. Ainda por
cima era guloso, só servia quando eliminasse sua fome e                   Duas notícias sobre a morte (uma boa, outra má): A má
restasse algo, o interlocutor morto de curiosidade como um gato        notícia é que a morte nunca se atrasa. A boa notícia é que ela é
na sua sexta vida, dispensava a inveja.
                                                                       muito ocupada e não tem tempo de adiantar o serviço.
- Quando eu voltava do trabalho, vi de longe alguém com um
                                                                       Reticências... Três sementes...
estilo igual ao do meu amigo, aquele da zona verde, o que se
                                                                                  -------------------------------------------------------
fosse a uma barraca ou bar ia a procura da mulher, o que não era
da zona verde por viver naquele bairro com esse nome, mas de
espírito e coração. Foi aproximando-se, a imagem tornando-se
nítida, aquele homem de chapéu e camisa vermelha era mesmo                               O Homem do Elevador
Gonçalves, mesmo com essa certeza eu ainda duvidava. Ele
sofria de sportinguismo, dizia ter sangue verde, a derrota deles
pelo Benfica, não lhe transformaria assim. Não podia ser
possível, podia acontecer qualquer coisa no mundo, essa                   Querido. Solitário demais. Morava no primeiro
realidade não se passaria na minha cabeça. Depois de
cumprimentarmo-nos, não haviam duvidas, era ele o                         andar. Sempre o encontrávamos no elevador.
avermelhado, havia uma força na sua mudança. Fomos ao bar
vizinho, entre copos surge mais um insólito, disse antes de tudo          "Bom dia!", o saudávamos. "Parece que está
tinha que lhe chamar por camarada (prefixo de qualquer membro
                                                                          por chover!", respondia, como quem não está
do partido frelimo), foi como se o álcool estivesse a sair de mim,
elucidei-me. Continuei a entornar, Logo Gonçalves que jurou               com pressa. Um estranho vizinho que, por falta
nunca votar nesse partido por causa da morte da mãe na guerra
que ficou conhecida como a de irmãos ou civil e o pai que sofreu          de companhia, usava o elevador como ponto de
muito com o regime que para ele era ditatorial, a sua maior dor
era a adulação que se faz nos nossos dias para o líder,                   encontro... Consigo mesmo.
consolava-se porque entre nós quando se morre passamos de
pecadores para santos. Essas inacreditíces, é que faziam-me
esquecer meu nome como naquela minha maior fará, aquela que
                                                                                                   ------------------------------------
acordei num convento, nu, com todo material a doer. Gonça,
carinhosamente tratado, tornou-se revolucionário queria mudar o
regime, foi mudando de partidos da oposição para atingi-lo,
alimentando a sua esperança. O maior obstáculo para ele foi um
outro sonho. Com a possibilidade de nenhum deles concretizar-se,
tornar-se evidente, apostou no outro, o qual não podia morrer sem
concretizar. O verde dele avermelhou-se, por causa do seu de tornar-
se Secretário do bairro, porque nesse país só concretiza sonho
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John Coetzee Wole Soyinka




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                                                                                        scritor e homem de letras nigeriano, Akinwande Oluwole Soyinka nasceu a
                                                                                        13 de julho de 1934, em Abeokuta, nas proximidades de Ibadan. Filho de
                                                                                        um mestre-escola e da dona de uma loja, teve acesso a uma educação
                                                                                        cuidada.
                                                                                        Após ter concluído os seus estudos propedêuticos no Instituto Superior
                                                                             de Ibadan, partiu em 1954 para o Reino Unido, matriculando-se no curso de
                                                                             Literatura Inglesa da Universidade de Leeds, que concluiu em 1959.
                                                                             Enquanto estudante apaixonou-se pelo teatro, e por altura da sua formação, já




N
          ascido na Cidade do Cabo a 9 de Fevereiro de 1940, John            havia levado a palco algumas peças da sua autoria, como A Quality Of Violence
          Maxwell Coetzee estudou na sua cidade natal até completar          (1959), The Swamp Dwellers e The Lion And The Jewel, em que descrevia as
          dois bacharelatos, um em língua inglesa e outro em                 andanças de um professor e de um ancião chefe tribal africano, na sua tentativa
          matemática. Os anos 1962 – 65 foram passados na Inglaterra,        de conquistar o coração de uma jovem. Ambas foram reunidas num volume em
trabalhando como programador de computadores, ao mesmo tempo que             1963. Em 1960 regressou à Nigéria, onde, após ter recebido uma bolsa da
preparava uma tese sobre o novelista inglês Ford Madox Ford.                 Fundação Rockefeller, fundou uma companhia de teatro, The 1960 Masks.
Em 1968 Coetzee completou o seu doutoramento em linguística das              Publicou nesse ano A Dance In The Forests (1960), peça que celebrava a
línguas germânicas na Universidade do Texas, em Austin, com uma tese         Independência da Nigéria, e que combinava uma expressão tradicional africana
sobre os primeiros trabalhos de Samuel Beckett. Entre 1968 e 1971,           com técnicas europeias do teatro de vanguarda. Em 1965 apareceu com Kongi's
Coetzee foi professor de inglês na Universidade do Estado de Nova
                                                                             Harvest e The Road.
Iorque em Buffalo mas, depois de lhe ser negado o direito de residência
permanente nos EUA, regressou à África do Sul onde ensinou na                A Guerra Civil nigeriana rebentou em 1967, em consequência do movimento
Universidade da Cidade do Cabo, até 2000. Em 2002, ele emigrou para a        separatista do biafra. Soyinka publicou, nesse ano, um artigo em que apelava à
Austrália e ensina na Universidade de Adelaide.                              paz, e foi imediatamente aprisionado e acusado de conspiração com os rebeldes.
A sua carreira literária no campo da ficção começou em 1969, mas o seu       Libertado em 1969 sobretudo por força dos protestos de vários escritores, como por
primeiro livro, Dusklands, só foi publicado na África do Sul em 1974.        exemplo, Robert Lowell e Lillian Hellman, começou a trabalhar como professor.
Coetzee recebeu vários prémios antes do Nobel e foi o primeiro a receber     Em 1970 publicou Madmen And Specialists, uma peça de teatro em que exprimia
o Booker Prize por duas vezes: primeiro por Life & Times of Michael K em     o seu descontentamento face à corrupção e à sede de poder que se vivia no país
1983 e por Disgrace, em 1999.Recebeu o Nobel de Literatura de 2003,          e, em 1972 debruçou-se sobre a sua experiência no cárcere ao publicar The Man
sendo o quarto escritor africano a receber esta honraria e o segundo no      Died, obra que acabou por ser interdita no seu país.
seu país (depois de Nadine Gordimer, em 1991).
                                                                             Observando as garras da censura assomando-se do seu trabalho, optou por
Há vários de seus livros traduzidos no Brasil e em Portugal.
                                                                             abandonar a Nigéria nesse ano de 1972. Chegou portanto a Inglaterra, onde se
Livros publicados                                                            tornou professor convidado no Churchill College de Cambridge. Doutorou-se pela
Dusklands (1974); In the Heart of the Country (1977); Waiting for the Bar-   Universidade de Leeds em 1973. Durante esse período publicou obras como
barians (1980) À Espera dos Bárbaros; Life & Times of Michael K (1983)       Jero's Metamorphosis (1972) e Death And The King's Horsemen (1975).
O Cio da Terra: Vida e Tempo de Michael K Foe (1986); White Writing:         Mudou-se para o Gana em 1975, onde colaborou com o periódico Transition como
On the Culture of Letters in South Africa (1988) ; Age of Iron (1990) A      editor mas, depois de um golpe de estado ocorrido no país, regressou à Nigéria,
Idade do Ferro; Doubling the Point: Essays and Interviews (1992); The        onde passou a ocupar o cargo de professor catedrático de Inglês na Universidade
Master of Petersburg (1994) O Mestre de Petersburgo; Giving Offense:         de Ife. Em 1976 publicou Myth, Literature, And The African World, um célebre
Essays on Censorship (1997); Boyhood: Scenes from Provincial Life            embrião do pensamento pan-africanista que o caracterizou.
(1998) Cenas de uma Vida; Disgrace (1999) Desonra; The Lives of Ani-
                                                                             Em 1993 participou numa marcha de protesto contra o regime militar do ditador
mals (1999) A Vida dos Animais; Youth: Scenes from Provincial Life II-
(2002); Juventude; Stranger Shores: Literary Essays, 1986-1999 (2002);       Sani Abacha, o que fez com que tivesse que deixar o país no ano seguinte,
Elizabeth Costello (2003) Elizabeth Costello; Slow Man (2005) Homem          acusado de atentados bombistas contra o exército. Pôde no entanto regressar em
Lento; Diary of a Bad Year (2007) Diário de um Ano Ruim; Inner Workings      1998, após a morte de Abacha.
(20085) Mecanismo Internos; Summertime (2009) Verão.                         Foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 1986. Em 2001 Soyinka
                                                                             publicou King Baabu, uma paródia aos ditadores africanos.
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  Ensaio
Literaturas africanas
Ou Literatura Africana

- Institucionalização de uma disciplina
                                            P
Luís Kandjimbo - Angola                                                         francesa, o ensino
                                                         ara compreender os     das         Literaturas
                                                         fundamentos            Africanas            nas
                                                         epistemológicos dos    universidades e nas
Estudos Africanos nos quais se inscrevemos Estudos Literários Africanos,        escolas secundárias
importa interrogar-nos sobre o momento a partir do qual se constituem como      se consolida em
campo disciplinar dando lugar ao processo de produção do conhecimento           princípios da década
sobre o continente africano.                                                    de 70. Por exemplo,
Numa abordagem histórica e comparada dos Estudos Africanos, enquanto            a     introdução       de
investigação especializada sobre as sociedades e culturas africanas, a que      textos         literários
também se designa por «africanismo», observa-se que eles são uma                africanos (incluindo
emanação das políticas coloniais da Alemanha, Grã-Bretanha, França e            a literatura oral tradicional) ocorre apenas em1972, após a Conferência
Bélgica, potências que disputavam a ocupação efectiva de África,                de Ministros da Educação, realizada em Madagáscar.
procurando conferir à sua presença uma legitimação científica mais intensa,     Nos países africanos de língua inglesa, o mais expressivo sinal de
durante as duas primeiras décadas do século XX. Foi na Alemanha onde, em        mudança produz-se comum texto datado de 1968, subscrito por três
1910, ocorreu a primeira experiência de institucionalização académica dos       autores originários da África Oriental, através do qual defendem a
Estudos Africanos, por ocasião da nomeação de Diedrich Westermann como          abolição do Departamento de Inglês na Universidade de Nairobi e a
professor do Departamento de Línguas Orientais na Universidade de Berlim.       criação do Departamento de Línguas e Literaturas Africanas
Seguiu-se a Grã-Bretanha consagrando esse domínio do saber coma criação         (WaThiong’o, 1982:145-150). Tal como diz Biodun Jeyifo, «the
do International Institute of African Languages and Cultures, em 1926, que      constitution of African literary study as a legitimate academic discipline
passou a publicar a revista África. O surgimento da School of Oriental and      with certified degrees and professional specialization began in Africa, not
African Studies na Universidade de Londres, em 1939, substituindo a School      in Europe or America». Pode dizer-se que o centro inaugural de
ofOriental Studies, testemunha a existência de uma comunidade de                gravidade de um ensino sério das Literaturas Africanas está situado em
investigadores, antropólogos e sociólogos, que realizavam já pesquisas em       África.
África. Em França, a investigação neste domínio adquire uma dimensão            Ao apresentar as conclusões do um inquérito sobre o ensino das
institucional alguns anos mais tarde, após a fundação da Sociétè des            Literaturas Africanas nas universidades dos países africanos de língua
Africanistes em1930.                                                            inglesa, Bernth Lindfors, observa que a descolonização dos estudos
Ora, é legítimo levantar questões acerca do carácter africano dos Estudos       literários em África estava em curso e em estado bastante avançado.
Africanos e da unidade das suas disciplinas, tal como faz Paulin Hountondji.    Nota que dos 194 cursos seleccionados em 30 universidades do
Ao esboçar as suas respostas, partindo do pressuposto de que a actividade       universo de14 países, a amostra representava acerca de 60% do
científica em África pode ser qualificada como «extravertida» e «destinada a    número total de cursos em que se inscrevem 226 autores. A conclusão a
ir ao encontro das necessidades teóricas dos nossos parceiros ocidentais e      que chega o referido investigador permite sustentar a ideia de que as
responder às perguntas por eles colocadas», o filósofo beninense escreve:       Literaturas Africanas ocupavam um lugar significativo nos programas dos
Os chamados estudos africanos não só se baseiam em metodologias e               Departamentos de Inglês, Departamentos de Literaturas Africanas ou
teorias que se consolidaram em vários campos […]muito antes de terem sido       Departamentos de Línguas Europeias.
aplicadas a África enquanto novo campo de estudo, como é, de resto,             Estes indicadores estatísticos fornecem um quadro que reflecte,
comum em instituições académicas e de investigação, encontrar esta              provavelmente, de igual modo a situação dos países de língua francesa.
matéria associada a outras disciplinas […].                                     Efectivamente, a investigação e o ensino das Literaturas Africanas
Portanto, é perfeitamente admissível discernir perspectivas radicalmente        tinham alcançado níveis sempre cedentes, especialmente no que diz
diferentes defendidas por Africanos e não-Africanos, no que diz respeito à      respeito à sua institucionalização académica.
semântica dos Estudos Literários Africanos e suas disciplinas.                  Ignora-se, no entanto, e com alguma razão o que se passa nos países
Na organização institucional das universidades, os Estudos Literários           africanos de língua portuguesa.
Africanos constituem-se após a Segunda Guerra Mundial. Foi nas décadas          O processo de autonomização disciplinar das Literaturas Africanas foi
de 40 e 50 que surgiram as primeiras universidades africanas do século XX.      dando origem ao abandono das denominações generalistas elaboradas
Mas a formação dos Estados independentes ocorre a partir da década de 60,       na base de critérios raciais. A historiografia regista influências profundas
obedecendo ao modelo ocidental e herdando as fronteiras e as instituições       que o movimento panafricanista e posteriormente a Negritude exerceram
políticas das antigas potências coloniais. A edificação de sistemas de ensino   sobre as ideologias dos escritores Africanos.
que pudessem incorporar conteúdos programáticos sem qualquer influência         Durante muito tempo as Literaturas Africanas eram adjectivadas com
externa foi imediata. Em alguns países africanos as mudanças curriculares       fundamento no critério falacioso da raça. Era comum o uso de
de matérias respeitantes às Literaturas Africanas ocorreram logo a seguir à     expressões como «literatura negro-africana», «literatura
independência. É o que sucedeu como Senegal, onde se realizou o primeiro        neo-africana» ou simplesmente «literatura negra». Para justificar tais
colóquio consagrado ao ensino das Literaturas Africanas, em 1962. Na            designações, Lylian Kesteloot, na sua Anthologie Négro-Africaine,
Universidade de Dakar assim como na maior parte das universidades               argumenta: Consideramos a literatura negro africana como manifestação
africanas, a esta disciplina fora conferido um estatuto semelhante a outras     e parte integrante da civilização africana. E mesmo quando é produzida
disciplinas leccionadas, no âmbito da organização de departamentos              num meio culturalmente diferente, anglo-saxónico nos Estados Unidos,
autónomos (Kane, 1994:27-39).                                                   Ibérico em Cuba e no Brasil […] O espaço da literatura negro-africana
Quanto ao ensino secundário, as Literaturas Africanas, sustenta Kane, foi       cobre não apenas a África ao sul do Sahara, mas todos os cantos do
introduzida de modo anárquico, sem métodos, sem programas. Numa                 mundo onde se estabeleceram comunidades Negras, sob os auspícios
perspectiva comparada, verifica-se que nos países africanos de língua           de uma história turbulenta que arrancou ao Continente centenas de
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Revista Literatas Nº 31 - Ano II

  • 1. Director: Nelson Lineu | Editor: Eduardo Quive | Maputo, 25 de Maio de 2012 | Ano II | N°31 | E-mail: r.literatas@gmail.com “A oralidade é meu culto” Por 90 anos do poeta-mor Uma carta quê ao Ministro Págs. 03-04 Ler? Pág. 05 "A África que o mundo necessita é um continente capaz de ficar de pé, de andar em seus próprios pés. É uma África consciente do seu próprio passado e capaz de continuar reinvestindo este passado em seu presente e futuro." - Joseph Ki-Zerbo HOJE É DIA DA ÁFRICA
  • 2. SEXTA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 2 Editori@l FICHA TÉCNICA José Craveirinha, ícone eterno das gerações literárias Q uando um homem já não faz parte de nós, diz-se que morreu, mas quando um rei se vai, tomba, não morre nem falece, muito pelo contrário, nasce para uma nova vida. Reixiste. Revive. É um deus, principalmente neste continente nosso que só ele próprio desvenda os seus Propriedade do Movimento Literário Kuphaluxa mistérios. Direcção e Redacção Centro Cultural Brasil - Mocambique No dia 28 de Maio de 1922, nasceu na rua do Zilhalha que hoje cedeu Av. 25 de Setembro, N°1728, à civilização, para se chamar Irmãos Roby, aquele que se tornou o C. Postal: 1167, Maputo poeta de todos os tempos, o poeta-mor, o embondeiro e monstro Tel: +258 82 27 17 645 / +258 84 57 78 sagrado da Literatura Moçambicana que enquanto homem dedicou Tel: +258 82 27 17 645 / +258 84 57 78 117 117 Fax: +258 21 02 05 84 a si próprio, vidas e vidas. Esse herói da poesia chama-se José Craveirinha. O símbolo in- Fax: +258 21 02 05 84 E-mail: kuphaluxa@sapo.mz E-mail: kuphaluxa@sapo.mz delével de um país que ainda em vida disse que ama sem dizer o nome. Blogue: literatas.blogs.sapo.mz Blogue: literatas.blogs.sapo.mz Neste 2012 que o poeta não está entre nós, celebra os seus 90 anos de nascimento. E não dissemos? Poetas não morrem e quem assim os têm, viverá no temor dos seus fantasmas, DIRECTOR GERAL porque eles, estão registados nos livros do mundo, na memória do povo e na história uni- Nelson Lineu (nelsonlineu@gmail.com) versal. Ninguém os apagará, muito pelo contrário, quanto mais dista o seu desapareci- Cel: +258 82 27 61 184 mento físico, mais se consuma a sua presença. José Craveirinha, os 90 anos que comemora, DIRECTOR COMERCIAL está lá, na Mafalala, na Munhuana, na sua casa fechada para os mochos e aberta para o seu Japone Arijuane (jarijuane@gmail.com) povo que sempre dedicou versos. Cel: +258 82 35 63 201 Está lá o velho Craveirinha, no Tunduro celebrando os seus 90 com os M’sahos que tanto EDITOR Eduardo Quive preza, dizendo a sua poesia composta por lâminas e alfinetes, fazendo delirar os ares com (eduardoquive@gmail.com) as verdades que sempre recitou. Está lá com a sua poesia que tem tom de ordens por se Cel: +258 82 27 17 645 cumprir de imediato. CHEFE DA REDACÇÃO Amosse Mucavele Entretanto, neste dia que África em pleno congestionamento de ambições e indigestões, (amosse1987@yahoo.com.br) Cel: +258 82 57 03 750 celebra seu aniversário. 25 de Maio que hoje é, pautamos por uma edição mais africana ou REPRESENTANTES PROVINCIAIS africanizada, afinal já cá estamos neste continente sedento no olhar do mundo. E porque Dany Wambire - Sofala esta África vem daquela que é o Berço da Humanidade, destacamos uma africana que se Lino Sousa Mucuruza - Niassa encontra em Portugal. Trata-se da escritora angolana Ana Paula Tavares que através de COLABORADORES FIXOS uma entrevista ao Buala, ora em destaque na nossa revista, fala dos seus versos e adversos, Pedro Do Bois (Saranta Catarina-Brasil), seus tempos e contratempos de Angola, os fantasmas da escrita que o perseguem e os que Victor Eustáquio (Portugal), Mauro Brito vivem consigo, em fim, fala de si e dos seus. COLABORAM NESTA EDIÇÃO João Tala - Angola Francelino Wilson - Lichinga Algo a destacar nas suas declarações é que, contrariamente a o que se tem dito através da Ana Paula Mabrouk-Portugal crítica literária de que Ana Paula Tavares é a maior da poesia contemporânea angolana, a Camila Vardarac-Brasil Luís Kandjimbo - Angola escritora declara sumariamente que não é justa essa designação, enumerando outras es- Ricardo Riso - Brasil critoras que ao seu entender, são dignas desse título, para a nossa admiração. De facto a Cruz Salazar - Maputo humildade é o culto dos melhores. Ser e não assumir ser, dá-lhes mais mérito e, é por merecer. COLUNISTA Marcelo Soriano (Brasil) Enquanto isso, em Maputo, o Movimento Literário Kuphaluxa deu o início ao projecto Nelson Lineu - Maputo Núcleos Escolares de Leitura, uma iniciativa que virá a provar que a leitura é uma cultura FOTOGRAFIA Arquivo — Kuphaluxa e, como tal, se transmite. Nesta semana o escritor António Cabrita juntou-se à iniciativa Eduardo Quive dando uma palestra sobre a leitura para cerca de 200 alunos na Escola Secundária Fran- cisco Manyanga. Um bom princípio para um projecto tão jovem. Mais e mais vai se mar- ARTE E DESIGN cando entre as páginas que se seguem nesta edição que é trigésima primeira. Mas antes e Eduardo Quive com tom de boa fofoca fica esta frase “os bons momentos virão”. PARCEIRO Centro Cultural Brasil—Mocambique Eduardo Quive eduardoquive@gmail.com
  • 3. SEXTA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 3 Destaque “O português de Moçambique nasceu com a independência” - Defende a linguista moçambicana Perpétua Gonçalves da língua. E o ensino? As estratégias adequadas a esta nossa população e a situação do contacto bilingue? Portanto é um mundo que está em aberto.” Entretanto, enquanto os fenómenos linguísticos moçambicanos ainda são pouco estudados, há por parte de falantes do português em Moçambique, uma tendência de abandonar as normas do Português Europeu. Sobre isso Perpétua Gonçalves, considera que “o português europeu é a norma oficial e isso não significa que os falantes usem essa língua e, eles já estão a introduzir alterações e novas formas de fala e isso, trás para nós uma certa dificuldade em saber o que podemos considerar ou não.” F Eduardo Quive – Maputo alando Perpétua Gonçalves, vai mais longe, mostrando casos concretos do Texto & Foto momentos cenário moçambicano. “Por exemplo na concordância verbal, parece que depois da sua nós queremos seguir a norma europeia nós não queremos dizer coisas comunicação como “nós está cansado” ou “houveram problemas” são esses nas Jornadas de Língua Portuguesa decorridas a dias em Maputo, sobre os fenómenos que tendemos a não querer e até corrigimos, mas isso já faz Desafios de Moçambique a nível da Pesquisa sobre o Português, a linguista parte da nossa moçambicanidade. Aliando aos exemplos que dei já, “os Perpétua Gonçalves teceu seus comentários à Literatas, sobre a afluência jovens não são dados responsabilidades de família”. Isto é um tipo de do português nos moçambicanos e sobre o que chamou de Português construção absolutamente excluída pelo português europeu, mas que os Moçambicano, caracterizado por algum desvio das normas europeias. falantes escolarizados e os não escolarizados usam e que provavelmente No entender da académica, existem ainda poucos estudos sobre a fonética vamos querer conservar.” moçambicana no português e isso, poderá se justificar pelo facto de, o Por outro lado, se o cenário é assim nas zonas urbanas, o que se pode nosso português não ter mais de quarenta anos, caminhando com os anos dizer sobre a situação em que estão as zonas recônditas? da independência de Moçambique (37 anos) do jugo português. “Nas zonas recônditas não se fala português. Nessas zonas falam-se “Há muitos fenómenos a acontecer a muito pouco tempo, praticamente o línguas bantu, a massificação é um fenómeno que acontece português de Moçambique nasceu com a independência. Então para uma gradualmente, é uma situação que não pode ser gerida estatalmente. A história da ciência, quarenta anos não é nada e nós temos, portanto, tudo própria comunidade vai ajudando a estabilizar os fenómenos, vai em aberto. Para dar um exemplo, estudos sobre a fonética, portanto a fonologia, a pronúncia específica dos moçambicanos, praticamente não há ajudando outros a serem excluídos e abandonado. É um processo lento, nada feito sobre isso. E é uma área interessantíssima onde acontecem como em qualquer comunidade não só na nossa, as línguas vão viários fenómenos. Mesmo outras áreas onde já estão relativamente mudando de forma natural e não por processo governamental, excepto a estudadas como por exemplo a regência verbal. Mas isto, refiro-me ao nível ortografia, aí não há possibilidade.” Carta Aberta ao Senhor Ministro Queixumes ao meu avô estiloso (Pelos 90 anos que faz este ano 2012) K a Mpfumo, antes Maputo, cidade existe, escancarada, pseudo - revolucionários a solta, removendo os Mauro Brito – Maputo capital desta pátria a parte, já não é, vírus que lhe sustentam a qualidade dos que intervêm. Hoje é Maputo (a), está ainda a quilómetros de distância desfavorecida a maioria, ácida e humedecida pelos discursos insípidos. de marcar esse golo. Maputo, onde Uma cidade de espelhos, que nos mostra apenas o que queremos ver, a é? A pergunta sensata que nunca se atreve a calar, e que nós teimaremos nossa imagem e semelhança, translúcida (apenas vêm os que estão por em repetir; necessitamos das coordenadas para a possível localização dentro, não sendo possível aos que estão cá fora), Maputo é resumo ou dessa cidade vendida a trinta dinheiros aos mesmos que antes eram dela uma pequena resolução das restantes províncias, se no quintal da capital seus proprietários. Ontem Mpfumo, com seus poucos brilhos e consolos, se encontram essas mazelas, não muito diferente serão as restantes. palmatoadas e algumas tantas promovidas avenidas heroicamente topo - Aqui nasceu O POETA, da Mafalala, bairro mítico e tão real que lhe nominadas. Onde não tem lugar quem por ela lutou arduamente, dividida conste, onde os zincos que lhe fazem as paredes ainda conservam o estava urbana e suburbana - mente, hoje já não se pode atrever a cheiro dos tempos idos e a poeira das armas baleadas em mãos, de mencionar tal afamada divisão, pois já não se tem a noção, de que o que é mãos, da companhia miliciana. POETA do povo e de todos, 2012 nasce o quê, e onde é onde! Tudo a mistura, como uma salada russa com muitos pela 90ª vez, com um parto pouco condigno, só os teimosos ou ingredientes que não lhe fazem parte, a miséria promovida nas avenidas, as reaccionários, assim denominados os homens das artes, o assistem e lhe gentes anti-municipais condenadas por existirem, a paisagem se que é dão as primeiras assistências, nasce ao olhar seco e indiferente dos
  • 4. SEXTA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 4 ela fala por si e de verdade, sem intermediários nem mediadores. Tsilana (que txaia) a seu estilo, físico, como literariamente, vai chicoteando os homens de jet 7, sem intimidações, passeando a sua Mafalala, de pele curtida, a secar ao sol, de norte à sul e do zumbo ao Índico deste áfrico país, moçambicanamente ao sabor das tangerinas de Inhambane. “Sabes ou não sabes minha mãe?” Podem os quem de direito, mostrar-se indiferentes e a pouca vergonha para com o povo, o poeta e a eles mesmos? Não é tempo de nos despirmos de véus e grinaldas que nos atrapalham a vista não -direccionada ao objecto real e não desfocado, como temos sido habituados a assistir? E ainda há sentimento de que tudo lhes é estrangeiro, que nada os diz respeito, ignorando um simples pedido de apoio para manutenção do espólio, da casa e publicações DAS OBRAS do Poeta, que muito encontra-se por explorar, com a devida atenção, responsabilidade, idoneidade, calibre e capacidade literária. Coisa que não tem sido verificada, qual o papel das entidades criadas para velar pela cultura como deve ser? Violando a própria alma, as bases da cultura de um país que se diz país. Há tanto tempo há desfolhar… Um autêntico assalto à cultura. Por favor Senhor ministro da cultura, com o devido respeito, podem gastar milhões de meticais em anuais festivais nacionais de cultura, sem resultados vistos, movimentando o país todo (contacto ou uma façanha de unidade nacional), fazendo empobrecer ainda mais, e não sequer fazer uma dedicatória, uma comunicação, uma menção, em nome do POETA? O vosso silêncio preocupa imenso, silêncio é o rei do momento de acção política, só quando as massas se agitam e sentem a comichão a vir, dão um alívio temporário, quando muito lhes interessar e dai obterem vantagem política (pontos no seio do partido). “O pior cego é aquele que finge que não vê” Não seria a adaptada Casa -Museu José Craveirinha uma casa de todos e para todos, com a devida organização, respeito, cuidado, uma rota e onde os alunos pudessem contemplar e complementar a matéria escolar ligada as letras e não só, enriquecimento cultural, ser um ponto de visita constante, por parte de turistas, estudantes, cidadãos, organizações, instituições ligadas a ao trabalho da letra e da palavra. José Craveirinha é um homem de cultura. Não o podem vigiar na sua cabeça. Não é? Em titulo da minha homenagem aqui deixo um inédito texto, que com certeza vos há-de retirar os ferrolhos do cérebro. SOBROLHOS FRANZIDOS Na urbe de sobrolhos franzidos imoral não é das balas o coito Nem sequer a bêbeda nudez das facas Mas sim nesta cidade de merda José Craveirinha, considerado maior poeta de Moçambique A cínica parábola indecorosa de quem é o dono do revólver que nos baleia dirigentes que a dada altura, assim mandava o protocolo ou ordens Ou pelas surradas costas da metáfora superiores, lhe atribuíram o título de Herói nacional. Como pode um herói Origina a puta da mão que nos esfaqueia nacional, não receber nenhuma menção ou consideração por parte dos nossos dirigentes, desde os tempos da sua existência como cidadão e POETA? Atirado aos bichos, hoje assim o vemos, sem nenhuma notícia por (poema inédito de autoria de José Craveirinha) parte dos órgãos de informação públicos que por dever, informariam ao povo sobre a sua vida e a poesia; atirado também ao fundo de uma rua que Várias cartas não correspondidas e respondidas, simplesmente atirada ostenta seu nome, rua sem estilo, e sem conteúdo, pouco visitada, não ao caixote de lixo, respostas claras de que a preocupação do governo e deveria na rua em seu nome estar patente a título eterno uma estátua sua, dos privados não é poesia, literatura muito menos cultura no seu como acontece aos PESSOAS, MIGUEIS TORGA, OU CARLOS verdadeiro sentido; o maior foco e interesse sempre foi a matéria sócio - DRUMOND DE ANDRADE e demais? As suas lágrimas hoje tombam no politica e económica. mesmo chão da sua última morada (rua), Romão Fernandes Farinha, e Celebram-se com a nossa pobreza de espírito, estaremos sempre ao continua a crescer essa nódoa de lágrima sempre que lá me faço junto com lado dando a mão a palmatória, fazendo e dizendo as palavras e poesias os meus colegas (Kuphaluxa) ou ainda só, a mancha vai crescendo de gota culturalmente, que a alma do poeta descanse e que se façam mais para poça, para lagoa, de lagoa para rio. Os seus poemas intemporais cidadãos de uma nação que ainda esta por existir, se assim for permitido salientam e põem sem véu aquilo que ele já há muito previa, esse poder dos pelas instâncias superiores e por nós mesmos. escritores de prever, serão estes os que nos irão governar? Cometera eu Estamos todos de acordo, estamos todos de acordo…. algo propositadamente, José Craveirinha, não faria 90 anos, ele continuará fazendo enquanto a sua poesia continuar existir, ser ouvida, lida e bebida, Nota:
  • 5. SEXTA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 5 Livros & Leitores L ançado que foi “O Branco das Sombras Chinesas” na Livraria Minerva Central em Maputo, o escritor português António Cabrita, a convite do Movimento Literário “Ler ajuda a Kuphaluxa, orientou uma palestra, na última quarta-feira, sobre a leitura na Escola Secundária Francisco Manyanga em Maputo. ultrapassar Eduardo Quive – Maputo Texto & Foto O evento que contou com a presença de cerca de 200 alunos da 11ª e 12ª classe, marca o princípio do projecto Núcleos Escolares de Leitura (NELE) criado no âmbito de Programa de Apoio e Incentivo à Leitura do Movimento Literário Kuphaluxa, com os apoios da Associação dos Escritores Moçambicanos (AEMO), Instituto Camões em Maputo e da revista Literatas. “o Porco Espinha estava na estrada, de repente ouve um barulho ao fundo para onde presta atenção e vê uma coisa grande que crescia cada vez mais. A coisa ia crescendo e aproximava-se de si, mas o Porco Espinha não sabia o que era aquilo. Olhava atentamente, mas não reconhecia aquela coisa que já está muito perto de si. E a tal coisa que era um camião, passou por cima de si e esmagou-o sem que ele soubesse de que se tratava.” Foi esta a parábola inicial do escritor para ilustrar a falta de lucidez pelos que não lêem. Seguindo em frente, Cabrita disse para explicar a essência da sua estória “quando a gente não lé, se parece com o Porco Espinha. Ficamos sem conhecer os nomes das coisas, da sua utilidade e dos seus perigos. Ficamos na penumbra. Daí, ler ajuda a ultrapassar obstáculos. A leitura torna-nos gente, nos diferenciando doutras coisas. Por isso é importante ser um leitor.” Na sua conversa sobre a leitura António Cabrita, frisou que a leitura é o caminho para o desenvolvimento académico e que dos Núcleos de Leitores pelo Movimento Literário Kuphaluxa, e de acordo com a só assim é que se justifica o facto de a cabeça ser redonda. organização, seguir-se-ão, as escolas secundárias da Polana e Josina Machel. “Sabem porque é que a cabeça é redonda? É porque ela tem a O projecto NELE serve igualmente, para responder os desafios da qualidade de capacidade de circular pelas ideias. Isto significa que como pessoas, ensino que se tem ainda como baixa no país, podendo com a ampliação dos já nascemos com capacidade de ser multiplicadores de pensamentos recursos existentes, alastrar-se para o resto das províncias do país. e capazes de pensar uma coisa enquanto pensamos noutra. Não se Entretanto, a falta de apoios poderá dificultar o alargamento da iniciativa por quer que sejamos quadrados. Pessoas com uma linha de pensamento recta. Com uma só ideia. Então lendo, teremos essa capacidade de outras instituições de ensino, contando-se no princípio apenas com a doação de ser múltiplos nos olhares, nos saberes e nas atitudes” considera o livros pela AEMO e desde já, com o envolvimento do Instituto Camões e com escritor. divulgação pela Revista Literatas. Também os escritores, a título individual, vão A Escola Secundária Francisco Manyanga, tida como uma das se envolvendo no projecto. O próximo encontro com do núcleo, será com a maiores instituições de ensino no países é pioneira na implantação escritora Paulina Chiziane. BLOG OFICIAL: nelemocambique.blogspot.com
  • 6. SEXTA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 6 Reflexões Literatura Africana Rapunzel e outros poemas Contemporânea da infância CEZAR, Jairo. Rapunzel e outros poemas da infância. Ilustrações de Tônio. João Pessoa: Forma Editorial, 2012. A Ana Lucia Santana literatura africana contemporânea não tem Janailson Macêdo - Brasil Anda menina, recebido, especialmente Fonte: Revista Blecaute vem sem cuidado, nos países de língua portuguesa, a devida atenção, merecida por sua importância livro fechado cultural. Ela tem se manifestado nos diversos idiomas que não manda recado. configuram a teia linguística do continente africano, dos quais os (Jairo Cezar - É hora de ler principais são os de origem francesa, inglesa e portuguesa. Esta literatura se enraíza principalmente no movimento In: Rapunzel e outros poemas da infância) denominado negritude. A primeira leva de escritores africanos, a qual participou do primeiro congresso de escritores da África, “ concretizado em 1956 na capital francesa, inspirou-se nas revoltas É hora de ler”. de carácter anticolonialista. Entre eles figuram nomes como Essa parece ser Léopold Sédar Senghor, Mongo Beti, Bernard Dadié, Ahmadou Kourouma, Sembene Ousmane, Ferdinand Oyono, Tchicaya a frase que U’Tamsi e Sony Labou Tansi. sintetiza o Já as obras escritas após a emancipação das colónias africanas estatuto atual da se basearam em outra realidade, na qual imperavam os governos leitura em nossa totalitários, as agitações tribais, as revoluções e golpes de estado. sociedade − ao Elas condenavam as atitudes repressivas, os desmandos dos menos a nível de governantes, ou simplesmente narravam as vivências de seus autores sob este contexto. Por outro lado, alguns escritores expectativas. procuravam resgatar as antigas tradições. Atualmente, uma A literatura exercitada neste continente ganhou repercussão parcela dos mundial por meio de autores renomados e premiados, como Wole educadores, agentes Soyinka, da Nigéria; Nadine Gordimer, da África do Sul; e o midiáticos, militantes egípcio Naguib Mahfuz, todos detentores do Prémio Nobel de culturais e gestores Literatura. Destacam-se também o queniano Ngugi Wa Thiong’o, públicos vêm chamando o poeta ugandense Okot p’Bitek, entre outros. a atenção para o papel Não se pode subestimar o papel significativo que as mulheres da leitura na formação africanas exerceram nesta literatura; em seus livros elas relatam de cidadãos criativos e suas experiências complexas e peculiares, em um continente no com senso crítico qual as mulheres ainda enfrentam problemas típicos dos séculos apurado, sobretudo passados, como a poligamia, ser mãe, a prostituição e a quando incentivados a subjectividade feminina, além das formas encontradas para fugir manter uma relação de proximidade com a leitura desde o início da infância. da intensa repressão que sofrem. Essa perspectiva é também defendida pelo poeta Jairo Cezar, autor de Escritoras como Amma Darko, Flora Nwapa, Buchi Emecheta, Mariama Ba, Fatou Diome, Bessie Head, Tsitsi Danaremba, entre Rapunzel e outrospoemas da infância” (Forma editorial, 2012), seja por outras, fazem de sua obra uma bandeira pela integração do meio de ações como educador e ativista cultural, seja no interior de sua feminino na sociedade africana, radicalmente patriarcal e própria casa, durante o educar cotidiano de sua filha Beatriz, a quem o referido machista, bem como nas decisões económicas e na vivência livro é dedicado. No entanto, “Rapunzel...” não é uma obra que visa “apenas” cultural. incentivar o hábito da leitura junto ao público infantil − objetivo que em si já poderia Na literatura actual sobressaem nomes como os de Mia Couto, ser visto como de grande valor , mas que não seria bem-sucedido se a obra José Eduardo Agualusa e José Luandino Vieira. Mia é de uma não contasse também com uma qualidade estética apurada (alusiva, família de imigrantes portugueses que se fixaram em nesse caso, ao conjunto poemas/ilustrações). Moçambique, país onde ele nasceu, em 1955. Ele é hoje um dos O livro trás (re)leituras poéticas de histórias como “Pinóquio”, “Rapunzel”, “Os três autores moçambicanos mais importantes, e traduzido em porquinhos”,“O Pequeno Príncipe”, “A Bela e a Fera”, “Peter Pan”... e de episódios inúmeros idiomas. vividos por outros seres, que por vezes adquirem um significado mágico no Seus esforços convergem para a elaboração de uma nova universo infantil, como as joaninhas, girafas e as borboletas. narrativa continental. Sua principal obra, Terra Sonâmbula, foi Conta ainda com belas ilustrações que ambientam as poesias ou permitem aos escolhida por um júri especial como uma das melhores produções leitores − na segunda parte da obra – divertir-se enquanto colorem imagens do século XX. Este romance é constantemente comparado com os vinculadas aos poemas que acabaram de ler. livros do brasileiro Guimarães Rosa. O angolano José Eduardo Agualusa é integrante da União dos É desses livros que permitem, aos nossos pequenos, ter “em mãos” um Escritores Angolanos. Ele contribuiu não só com sua obra, mas objeto que possibilite que suas mentes sejam regadas, ainda mais, com também através da criação, em parceria com Conceição Lopes e a fantasia, dando-lhes mais um momento, entre uma e outra descoberta Fátima Otero, da editora brasileira Língua Geral, a qual é voltada diária, de inserção do maravilhoso em seu cotidiano. exclusivamente para a edição de livros no idioma português. Entre “Rapunzel...” é, além disso, do tipo de obra que um pai compra para suas publicações constam Na rota das especiarias, o Filho do presentear o filho, mas acaba, ele mesmo, parado, a folhear as Vento, A girafa que comia estrelas, entre outras. Outro angolano importante é José Luandino Vieira, nascido em páginas, ver e rever as ilustrações ou rememorar as obras a que teve Portugal, mas naturalizado cidadão de Angola por sua contato em sua própria infância... imprescindível actuação na construção da República Popular de Em síntese, com seu “Rapunzel...”, Jairo Cezar estreia na literatura Angola, logo depois da conclusão da Guerra Colonial. Em 2006 infantil mostrando que o gênero – e, em especial como ele o produz − ele recebeu o Prémio Camões, o mais significativo nas não se constitui como uma literatura menor. premiações literárias, mas o rejeitou, por acreditar que não está Estreia trazendo muitas expectativas para os seus leitores e tentando mais literariamente activo; mesmo depois desse discurso ele ainda lançou mais dois livros, neste mesmo ano. Entre suas mostrar, em consonância com o atual contexto sócio-cultural vivido por criações estão os contos Luanda e Velhas Histórias; os romances nosso país, que não!, “livro fechado não manda recado”.
  • 7. SEXTA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 7 LIBERTA-ME DO ESQUECIMENTO, MULHER Poesia JOÃO TALA - Angola Ela solta o corpo o texto animal FOLHAS DE ROSA A VIAGEM e frutos avultados. Quando prontos os frutos Lenir Mattos de Moura - Brasil bebo-lhe noites o odor da manada. Florbela Espanca A ela devo as coisas mais elementares: Todas as prendas que me deste, um dia, Que viagem é esta o suspiro libertador Guardei-as, meu encanto, quase a medo, a primeira água e, Que me transporta E quando a noite espreita o pôr-do-sol, Além das nuvens, o evangelho deste corpo intacto e húmido; Eu vou falar com elas em segredo... a água acumulada no meu celibato Que me faz flutuar como o amor no último cuspo. E falo-lhes d’amores e de ilusões, No espaço sem fim, Choro e rio com elas, mansamente... Que me leva Do Poemário FORNO FEMININO Pouco a pouco o perfume do outrora Ao ponto mais alto do in- Flutua em volta delas, docemente… finito? A dança das mães Pelo copinho de cristal e prata João Rasteiro-Portugal Que viagem é esta Bebo uma saudade estranha e vaga, Uma saudade imensa e infinita Que me encanta, À Estrela de Jesus Vilela Que, triste, me deslumbra e m’embriaga Me domina e me envolve? Na beleza irremediável das feridas alimentam-se mães sem trégua. O espelho de prata cinzelada, Que viagem é esta Nos rios secos, batem e batem os corações A doce oferta que eu amava tanto, alimentados em sangue frio e espesso. Que me estremece, Que é lívido. Que procura a boca das raízes Que reflectia outrora tantos risos, Me fascina e me absorve? nos conjugados ascensos e âmagos. E agora reflecte apenas pranto, O coração é um bicho estranho, foragido, E o colar de pedras preciosas, Que viagem é esta que vai caminhando gota a gota, De lágrimas e estrelas constelado, Que não tem caminho, ambicionando o amor do ser intacto. E as feridas incautas aproximam-se das mães, Resumem em seus brilhos o que tenho Não tem estrada, em seu viçoso centro, De vago e de feliz no meu passado... Não tem ninguém? imprudentes ao pérvio fardo de cada sopro: o amor, eternamente feroz. E as mães são as mutiladas candeias Mas de todas as prendas, a mais rara, Que viagem é esta que efabulam do interior dos angulares corações. Aquela que mais fala à fantasia, Que me incendeia, me E as feridas das mães são cada São as folhas daquela rosa branca Que a meus pés desfolhaste, aquele dia… abrasa vez mais belas. O medo caminha violentamente mais perto, E me faz suar? no corpo, na cara, In, Poemas Selecionados nas vértebras e no ventre Enfim, onde se abriga com seu volúvel volume, o silencioso amor de mãe. A difusa distância Que viagem é esta entre o ventre e o gume. O HORTO MURADO Que me leva e me traz, Sob a folhagem da água, mães cansadas Num momento de magia, da aridez que as toca, António Cabrita - Maputo E me deixa jogada, incendeiam-se através dos filhos. E os filhos, essecingido chumbo cravado Respirando cansada, nas asas, esse projecto que sobre o mar se estende, Numa paz infinita? alimenta as feridas pelos tendões, como a garganta entre os dedos do útero. Seres que habitam os frutos, É uma viagem inexplicável As mães debicam sobre a areia a sua rota clara, como tu, que desfazes E, ao mesmo tempo, até ao fim do mundo, erectas: como pela última vez. a polpa na língua e te fundes Tão simples... Sobre a montanha, na subtileza das ínguas É a mais longa viagem um filho incorpora-se na beleza na uva, ou eu incurável das feridas, enquanto mães em seu delírio E, ao mesmo tempo, tacteiama pedra, até ser flor. que bebo na tua transpiração Tão curta... a promessa das grainhas. Por vezes sangram e cantam, secam os olhos, arrancama língua dos sexos Seres que não te deixam É uma viagem encantada e em permanente luta, corpo a corpo, o amor estende-se, mas os gestos estar só. Que acontece comigo são indiferentes, neste caminhar obsceno Toda vez que nos amamos. de criaturas sem frutos. A aprazível violência O morto do filial e obsessivo bem-querer. olha para si através de ti. In, Stephanos - Enciclopédia virtual Há-de caber numa clara sílaba, num vasto eco da Poesia Lusófona Contemporânea numalágrima, numa gota de mercúrio todo o tempo, todo o amor, www.olegalmeida.com toda a murcha flor e dor consumida de uma existência sem história: uma travessia nua. In, O Buzio de Istambul, 2008
  • 8. SEXTA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 8 Entrevista FONTE: www.buala.org | Por Pedro Cardoso "A oralidade é meu culto” A na Paula Tavares tem olhos grandes e doces. E uma intensidade na escrita que a tornam numa das mais queridas poetisas e escritoras angolanas. Em entrevista por e-mail a partir de Lisboa, onde vive, aborda aspectos da sua escrita e da sua vida. Sem sequência cronológica, com uma leveza que prende, pela profundidade que evidencia. É normalmente apontada como a referência da poesia contemporânea angolana no feminino. O que significa isso, na verdade? Para além do Lubango viveu também no Huambo, Gabela, Sumbe, Benguela e Luanda. Luanda esta que sempre adiou, como já confessou. Não, não é verdade. Isso seria de uma injustiça extrema para com Ana de Que rastos lhe deixaram estes lugares? Santana, Liza Castel e Maria Alexandre Dáskalos, para só citar três nomes de criadoras intensas, originais no universo da poesia angolana. O número de Tenho memória dos tempos nestes lugares. No Huambo, aprendi outras títulos publicados não invalida outras contribuições de grande qualidade. cores do medo, ao mesmo tempo que ensinava a ler os mais velhos nos Procuro um lugar no universo da poesia angolana, porque é de Angola a arredores da cidade. Experimentei os limites da coragem física, ganhei minha fala. Não sou muito dada a concursos, lugares cimeiros, comendas. amigos para a vida. No Kwanza- Sul (Gabela, Sumbe, Kibala, Ebo) percebi que a história de Angola tinha vários tempos e outras tantas Cresceu no Lubango, numa sociedade colonial marcadamente europeia, que velocidades. Fiquei esmagada com a imponência. Percebi o tamanho da ignorava a sociedade africana com quem convivia, mas que ao mesmo tempo a minha ignorância. Que tempos eram os das necrópoles em pedra seca, fascinava. A sua escrita reflecte ou afasta-se deste paradigma? rodeados por silenciosos inselbergs graníticos cheios de pinturas em grutas inacessíveis? Como perceber essas mensagens no meio do ruído Todos nós somos de um lugar, de uma infância, disse o poeta. Nasci na Huíla, louco da guerra. O sonho da cronologia e o seu avesso também ficou no meio de uma sociedade colonial injusta. Os pastores estavam ali. À para sempre na minha escrita e na minha vida. Nasceu-me a filha, o que sociedade Nyaneka eu devo a poesia, a música, o sentido do cheiro, a foi começar tudo de novo, água pura, meu novo sentido de mim. O medo orientação a sul. O contacto era-nos (a quem estava em processo de voltou. Seria capaz de proteger, de percorrer os rios outra vez. Sumbe assimilação) interdito. E, também por isso, o desejo era mais forte. Conhecer, ajudou a inscrever para sempre, para nunca esquecer a memória do saber quem eram e quem éramos deu um sentido à vida. A escrita, em mal: a escravatura, o colonialismo, as relações de dominação, os português, ficou para sempre ligada ao paradigma da oralidade, da chama do pequenos e grandes poderes, o alargamento definitivo do sentido da lugar, do acompanhamento dos ciclos, do respeito pela diferença, do horror à história ao quotidiano. Benguela reforçou a minha ideia de lugares de injustiça. pertença e lugares de rejeição. A poética do espaço foi um longo aprendizado. Não estava cá dentro. Praticava-se uma linguagem que Disse que a Huíla a influenciou do ponto de vista estético, sobretudo através tinha que aprender. Luanda é o princípio da cidade que de vez em dos cheiros, sons, cores e canções que a terão marcado muito do ponto de quanto deixa de o ser. Convive bem e mal com os seus fantasmas. A vista estético. Provém daí a sinestesia constante da sua obra? baía é mágica, tem a mais bela curva do mundo. Quase enlouqueci a tentar perceber e a fazer pactos com deus e com o diabo. Mas foi ali que A troca de sentidos, ou do apelo dos sentidos, uma certa doença é coisa que ficou mais clara a força das mulheres do meu país, a forma leve como carrego desde a infância. Se não tivesse nascido ali talvez fosse mais normal.
  • 9. SEXTA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 9 Entrevista FONTE: www.buala.org | Por Pedro Cardoso pisam o chão, apesar de carregarem um filho em cada mão e outro às os seus textos podem ser lidos em voz alta, que não perdem a força nem se costas e na cabeça o mundo inteiro. “perdem pelo caminho”. Já definiu a saída do Huambo para Luanda, por altura da independência, A oralidade é meu culto. As mães embalam os filhos cantando ou dizendo como uma “fantástica fuga que um dia alguém terá que contar”. Quer ser palavras nas nossas línguas todas. Se os meus textos puderem ser lidos em a primeira? voz alta fico muito contente. Não seria a primeira. Lembro que o poeta Costa Andrade, Ndunduma, Em que ponto está o seu projecto sobre as culturas lunda e tchokwe? que infelizmente já não está entre nós, deixou no seu livro de memórias, Adobes de Memória (dois volumes), uma versão dessa fantástica e Entregue a tese [de doutoramento], a luta pelo conhecimento continua. terrível aventura. Devo aos meus companheiros de viagem, por enquanto, o silêncio. Considera a sua escrita ritualista? Há quem fale num “mundo angolano” de Paula Tavares. Que mundo é este – o de Angola da infância, da independência, de 1992, de agora, à distância? Não. Nem por sombras. Não sei quem falou. Para mim deve ser porque eu não sei falar de outra A sua segunda obra publicada, Sangue de Buganvília, surgiu apenas 13 anos depois de Ritos de Passagem. E passa da poesia à prosa. Porquê este Angola dói-me todos os dias, coisa. interregno e a mudança de registo? alegra-me da mesma maneira. Nunca parei de escrever. Só não via a necessidade da publicação. A escrita sempre se fez nos dois registos: a poesia e a história curta entre a crónica e o Dá-me a medida exacta do meu conto. desconhecimento. A “prosa” e a “poesia” vivem isoladamente? São o que pensamos delas como conceitos, ou excedem-nos? África, Angola, Japão à luz de Mishima, Europa. Lugares seus. Qual o ponto de intersecção? Podem viver isoladamente ou na maior das misturas. Para mim a poesia pode O chão, a terra, os afectos, a leitura. viver isoladamente. Já a prosa (a minha) vive da outra de forma sôfrega e vampiresca. Considera-se uma escritora universal? Que possibilidades ou limitações lhe colocam? Não. Quem sou eu? O mundo é vasto e estranho. A relação com o corpo e com o sexo em África é também muito diferente da das Possibilidades todas. Limitações: lembro sociedades ocidentais. A sensualidade e o erotismo presentes em alguns dos seus trabalhos têm como fonte esse nosso maior à-vontade com o corpo? o provérbio Cabinda «A centopeia tem Acho que essa famosa e proclamada relação com o corpo não existe. cem pernas, mas anda sempre pelo Também tivemos e temos igrejas que nos ensinam a ter vergonha do corpo. Temos mulheres que não têm tempo de crescer e escutar o seu mesmo caminho». corpo. Temos relações de violência e sofrimento em silêncio. Temos comportamentos próprios das cidades e outros de comunidades Dizem-na avessa ao excesso no uso das distantes. Temos relações injustas reguladas pela força do dólar, pelo exercício do poder. Velhos mitos coloniais sobrevivem, às vezes com palavras. As palavras têm um valor novas máscaras, em plena pós- colonialidade. definido, como o que vemos afixado De facto, o seu primeiro livro, Ritos de Passagem, foi recebido em Angola num produto no supermercado? As com polémica. Consideraram-na “ressabiada”, “pornógrafa”, como contou numa entrevista…Pois assim se provam os velhos e novos palavras têm o seu valor. Depende de equívocos e também que as idades da inocência se pagam amargamente. Escreve desde pequenina, “para espantar os medos”. Que medos tinha, quem e como as usa. quando era criança? Feminilidade, literatura feminina. Meros rótulos ou problemáticas sérias? Todos os medos das crianças, medo do escuro, medo da luz, da injustiça, de perder, de ganhar. Não são meros rótulos. O Feminismo dos anos sessenta do século passado já não está na moda, ou por vezes adquiriu facetas de uma tal rigidez de Continua a escrever com o mesmo objectivo? Se sim, quais são os medos critérios que abalam as nossas crenças, objectivos, sensibilidades. Mas da Ana Paula Tavares adulta? continuo sensível à diferença: aquilo que escrevem as mulheres, aquilo que vivem as mulheres, mesmo com mulheres presidentes ou ministras é A escrita tem muitos sentidos. Vastos os enunciados. Não estou fechada absolutamente diferente daquilo que os homens passam. Mesmo avessa a na concha do medo. Agora há angústias: não consigo suportar a partida uma teoria da interpretação, continuo a ler e a sentir essa diferença. dos amigos, o sofrimento de alguns deles. O medo de estar longe, demasiadamente longe, a ideia de perder a voz e a vez da poesia. Ana Paula Ribeiro Tavares é natural do Lubango, onde nasceu a 30 de Definiu já a literatura e música brasileiras, que os viajantes lhe traziam, como Outubro de 1952. Estudou História na então Faculdade de Letras do Lubango grandes influências enquanto escritora. Que impacto tiveram, ao certo? (actual ISCED), curso que terminou em Portugal. É mestre em Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. O Brasil literário e musical foi chegando aos poucos, por ondas em todos Logo após a independência, foi delegada da cultura no Kwanza-Sul e técnica os momentos de crescimento, maturidade e velhice. Chico e Caetano, do Centro Nacional de Documentação e Investigação Histórica (hoje Arquivo Elza Sores, Elis Regina, Tom Jobim, e tantos outros. A poesia impôs-se Histórico Nacional), do Instituto do Património Cultural. Nos anos 80 foi com Manuel Bandeira, Drummond de Andrade, Murillo Mendes, o responsável pelo Gabinete de Investigação do Centro Nacional de definitivo João Cabral de Melo Neto. Depois a prosa com um lugar de Documentação e Investigação Histórica, em Luanda. Tem vindo a trabalhar visita constante para Clarice Lispector, Nélida Pinon, Lygia Fagundes em cultura, museologia, arqueologia e etnologia. Como poetisa e escritora, Telles. As descobertas mais recentes com Radnuam Nassar, Milton publicou um conjunto de obras que inclui Ritos de Passagem (1985), O Hatoum ou Bernardo de Carvalho pedem que continue atenta ao que se Sangue da Buganvília (1998), O Lago da Lua (1999), Dizes-me coisas passa na margem de lá do Atlântico. amargas como os frutos (2001, vencedor do Prémio Mário António de Poesia 2004, da Fundação Calouste Gulbenkian), Ex-votos(2003) e a A Cabeça de Trabalhou muito na recolha de tradição oral em Angola. Há quem diga que Salomé (2004). A sua obra está presente em antologias de Portugal, Brasil,
  • 10. SEXTA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 10 Leituras Élio Mudender, o autarca dA Cidade Subterrânea «Há mais bicicletas – mas há desenvolvimento?» Joseph Hanlon e Teresa Smart Francelino Wilson* - Lichinga A o ler A Cidade Subterrânea de Élio Martins Mudender ressalta, dentre várias coisas, emoções, sensações, (des) prazeres, etc., a questão dos autores Joseph Hanlon e Teresa Smart, “há mais bicicletas – mas há Élio Martins Mudender desenvolvimento?”1 Ler este livro, igualmente, despertou-nos a vontade de partilhar com os amantes da pena e não só a A prostituição domina largamente a temática desta obra, como a pedir uma nossa humilde apreciação sobre esta (nova) autarquia que se forma entre área de vereação à edilidade para velar por este problema que, uma vez as entranhas deste pedaço de chão – Moçambique – como, alias, já se mais, afigura-se secular. Neste ponto, esta obra comunica-se com outras, disse, “qualquer leitura crítica que se pretenda satisfatória deve passar da tal é o caso de Memória das minhas putas tristes, de Gabriel Garcia fase analítica a uma outra fase predominantemente sintética que é a da Márques ou então, Nykonkwe a reforma da prostituta, de Mukhwarura. Esta interpretação” (REIS, 1981:41). Fazemos este modesto exercício sem comunicação extravasa o campo temático e manifesta-se por meio de tendências de esgotar as possíveis (de/a)preciações a obra, cf. REIS citações/epígrafes de outras autorias: José Craveirinha, Mia Couto, Carmen (ibidem): “não se pense, porém, que com o processo de análise a que se Posadas, Jorge Bucay, só para citar alguns. submete o texto literário se completa a sua avaliação crítica ou (…) uma Estes problemas são aflorados num diálogo electrizante entre Maria leitura crítica minimamente válida”. Consolo (prostituta de reconhecida influência na cidade) e o narrador Valida ou não, Mudender apresenta-nos aqui uma cidade despida ou (autodiegético/protagonista). Este diálogo domina largamente as páginas desprovida de seus bens e vestida de andrajos por uma turma de desta narrativa. “abutres” que não poupa esforços para sugar até a última gota do que de Mudender opta por uma escrita rítmica e pausada, na base de semelhanças precioso até então havia restado. Os nomes dos integrantes desta turma de sons e sinais pausais bruscos, um jogo de metaplasmas (REIS, op. cit., são nítidos: Pio, Marcelino, Paunde, Manhenje, Guebuza, Chissano e 366) bem encontrados. “Gosto de noites agitadas. Homens e mulheres. outros. Usar nomes com identidade própria, não só atenta o princípio da Dançando. Comendo. Bebendo. Fornicando. Gritando.” (p. 14) (negrito ficcionalidade, como também deixa margens de discussão entre a nosso) A sua escrita não se limita aos artefactos de linguagem. Extravasa- realidade e a ficção que não poucas vezes coabitam neste livro. Este facto os. Supera-os. deixou espaço para chamar de crónica a este conjunto de textos por E, copiando o discurso corrente, atribui uma identidade própria a cada alguns críticos literários; quanto a nós, soa melhor se considerarmos personagem a partir da forma como cada um se expressa. fragmentos de um diário mediatizado. “- Vem, conta-me-llllaaa o que estavas pá me dizer. “- Claro. Tenho lindas fotos. Lindas recordações. Os nossos serviços eram - Contar? Vais te cansares de rir.” (p. 18) (itálico nosso) publicados na Rádio, Televisão, na Internet, nos Jornais, Revistas… Os Esta forma de escrita atenta a tradicional gramática portuguesa e sugere clientes faziam encomendas… programas por telefone… tudo seguro e uma estrutura frásica e léxico do Português moçambicano; é, desta forma, bem pago.” (p. 23) (itálico nosso) uma obra anti-purista, pouco recomendável para os conservadores da “Voltei a ligar o televisor. Uma luz insistente entrava pela janela. Aquele língua ou alunos/leitores buscando uma performance linguística. Em domingo grande movimentava pessoas para a igreja. Um e outro bêbado contrapartida, esta forma de escrita desconstrutiva dá um outro prazer ao saía dos seus escombros de babalaze. Escândalos Sexuais de Altas leitor atento. Patentes. O sono ainda pairava nos meus olhos esbugalhados.” (p. 109) Por fim, convocamos o pensamento dos autores Joseph Hanlon e Teresa (itálico nosso) Smart expresso na epígrafe deste texto. A cidade subterrânea de Élio Os signos Rádio, Televisão/televisor, Internet, Jornais, Revistas, telefone Mudender assemelha-se a maioria das cidades do nosso país. São cidades ilustram a mediatização deste diário de um jovem em busca de que dormem e acordam mergulhadas numa pobreza de uns e riqueza de oportunidade numa cidade domada por relações conspiratórias, jogos de outros, assimetrias que chacinam as classes desfavorecidas, sujeitas a poder e comissões de roubalheira. Estes são, alias, os desafios com que o sonhar com uma bicicleta para toda a vida. edil dA cidade subterrânea se debate todos os dias. A prostituição gerada “A cidade só tinha bicicletas. Desenvolvimento que é bom, nada.” (p. 83) da pobreza urbana, a urbe que conflui gentes de todos os lugares, agudiza “O que me doía era o estado miserável. Moribundo. este conflito perene de busca de pão e dignidade de qualquer forma, Abandonado. Empobrecido. Em que se encontrava a cidade e suas gentes. subindo os outros, cometendo atrocidades ou vendendo a moral, o pudor Uma cidade molhada pelas chuvas e as ruas denunciando os buracos e a dignidade. São rostos da pobreza que contrastam com a riqueza destA alagados e os casebres de cobertura de palha de coqueiro embriagados de cidade subterrânea, enquanto potencialidades há nas mãos dos corruptos água assassina.” (p. 11) e corruptores cobertos com a capa de naturais ou compatriotas. Isto acontece num país onde alguns andam de autocarros sonhando com “As pessoas reclamam por tudo e por nada. Falta tudo. Menos a pobreza metros e outros apenas sonham com uma bicicleta. e a miséria, que são os pratos do dia.” (p. 39) (itálico nosso) “Fome. Violência. Criminalidade. Prostituição. Desemprego. Eram as _____________________________________________________________ palavras em ordem. Ninguém cantava. Ninguém rezava. *Francelino Wilson é escritor e locutor do Emissor Provincial do Niassa/ Rádio Moçambique Ninguém dançava. Era um inferno total mergulhado no caos.” (p. 2. Título da obra dos autores citados. 180) (itálico nosso) As palavras de ordem (pobreza, miséria, fome, violência, criminalidade, prostituição, desemprego, caos, cf. estratos acima) circulam no rosto de Bibliografia pessoas que procuram uma refeição para aguentar a vida. E a procura não tem lugar nem mãos a medir, acontece no cais junto de marinheiros 1. MUDENDER, E. M. A cidade subterrânea. Maputo, AEMO, 2011. ávidos de coxas de mulheres por prostituir, na Pensão Ideal, ou então em 2. REIS, C. Técnicas de análise textual. 3ª Edição revista. qualquer túnel desta cidade. Coimbra, Livraria Almedina, 1981.
  • 11. SEXTA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 11 FILOSOFONIAS O passo certo Marcelo Soriano no caminho errado Nelson Lineu - Maputo nelsonlineu@gmail.com Chuva de Palavras A avermelhação - Apanhado de Meditações por Extenso - do verde C O amor distante... Volta a ser... Quando canta o Uirapuru. ustódio Sábado estava sentado na sua casa, quando viu Tiago passar com um ar desinteressado, nem se A minha máquina do tempo é de escrever. quer saudou. Ficou admirado, nunca tinha acontecido. Pa-lavrou-me a terra do coracéu. Rezou poemas de bom Foi uma táctica que o rapaz usou. Todos sábados, Custódio contava-lhe como foi a sexta-feira, como ele chamava. dia... Fez o sinal-da-luz... Viu chover olhos de sol... O mundo Antes de contar enrolava, criando ansiedade e curiosidade, não sente. O mundo faz sentir. Assim como o vento não é quando Tiago fazia-se passar por desinteressado, Sábado simples ar veloz, é trabalhador milagroso. Vivei, amanhacéu! contava como foi a noite que sempre era criança. Escrevi um poema de ouvido - ouçam com os olhos! - que Custódio esperou o Puto, preocupado, logo que o viu, chamou- lhe, de seguida foi contando. No seu cenário habitual, matando a 'lindava' mais ou menos assim naquele exato momento: O babalaza, comendo numa panela suja que ele dizia lavar quando brejo solfeja em rãs. Os vendedores cantam vantagens. O estivesse mal disposto. A panela de barro continha restos de comida do dia anterior, ele cozinhava por cima dela, via aquilo instrumento do lenhador é o machado. O malandro toca sua cimo uma relação sexual, o prazer era notório quando ele comia, sirigaita. Os colegiais regem com lápis e borrachas. Os mesmo com toda porquice (não lavava mão nem cara) dava operários executam esmeris. O temporal aplaude nos telhados. inveja quem o via transportar comida da panela a boca. Ainda por cima era guloso, só servia quando eliminasse sua fome e Duas notícias sobre a morte (uma boa, outra má): A má restasse algo, o interlocutor morto de curiosidade como um gato notícia é que a morte nunca se atrasa. A boa notícia é que ela é na sua sexta vida, dispensava a inveja. muito ocupada e não tem tempo de adiantar o serviço. - Quando eu voltava do trabalho, vi de longe alguém com um Reticências... Três sementes... estilo igual ao do meu amigo, aquele da zona verde, o que se ------------------------------------------------------- fosse a uma barraca ou bar ia a procura da mulher, o que não era da zona verde por viver naquele bairro com esse nome, mas de espírito e coração. Foi aproximando-se, a imagem tornando-se nítida, aquele homem de chapéu e camisa vermelha era mesmo O Homem do Elevador Gonçalves, mesmo com essa certeza eu ainda duvidava. Ele sofria de sportinguismo, dizia ter sangue verde, a derrota deles pelo Benfica, não lhe transformaria assim. Não podia ser possível, podia acontecer qualquer coisa no mundo, essa Querido. Solitário demais. Morava no primeiro realidade não se passaria na minha cabeça. Depois de cumprimentarmo-nos, não haviam duvidas, era ele o andar. Sempre o encontrávamos no elevador. avermelhado, havia uma força na sua mudança. Fomos ao bar vizinho, entre copos surge mais um insólito, disse antes de tudo "Bom dia!", o saudávamos. "Parece que está tinha que lhe chamar por camarada (prefixo de qualquer membro por chover!", respondia, como quem não está do partido frelimo), foi como se o álcool estivesse a sair de mim, elucidei-me. Continuei a entornar, Logo Gonçalves que jurou com pressa. Um estranho vizinho que, por falta nunca votar nesse partido por causa da morte da mãe na guerra que ficou conhecida como a de irmãos ou civil e o pai que sofreu de companhia, usava o elevador como ponto de muito com o regime que para ele era ditatorial, a sua maior dor era a adulação que se faz nos nossos dias para o líder, encontro... Consigo mesmo. consolava-se porque entre nós quando se morre passamos de pecadores para santos. Essas inacreditíces, é que faziam-me esquecer meu nome como naquela minha maior fará, aquela que ------------------------------------ acordei num convento, nu, com todo material a doer. Gonça, carinhosamente tratado, tornou-se revolucionário queria mudar o regime, foi mudando de partidos da oposição para atingi-lo, alimentando a sua esperança. O maior obstáculo para ele foi um outro sonho. Com a possibilidade de nenhum deles concretizar-se, tornar-se evidente, apostou no outro, o qual não podia morrer sem concretizar. O verde dele avermelhou-se, por causa do seu de tornar- se Secretário do bairro, porque nesse país só concretiza sonho
  • 12. SEXTA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 14 John Coetzee Wole Soyinka E scritor e homem de letras nigeriano, Akinwande Oluwole Soyinka nasceu a 13 de julho de 1934, em Abeokuta, nas proximidades de Ibadan. Filho de um mestre-escola e da dona de uma loja, teve acesso a uma educação cuidada. Após ter concluído os seus estudos propedêuticos no Instituto Superior de Ibadan, partiu em 1954 para o Reino Unido, matriculando-se no curso de Literatura Inglesa da Universidade de Leeds, que concluiu em 1959. Enquanto estudante apaixonou-se pelo teatro, e por altura da sua formação, já N ascido na Cidade do Cabo a 9 de Fevereiro de 1940, John havia levado a palco algumas peças da sua autoria, como A Quality Of Violence Maxwell Coetzee estudou na sua cidade natal até completar (1959), The Swamp Dwellers e The Lion And The Jewel, em que descrevia as dois bacharelatos, um em língua inglesa e outro em andanças de um professor e de um ancião chefe tribal africano, na sua tentativa matemática. Os anos 1962 – 65 foram passados na Inglaterra, de conquistar o coração de uma jovem. Ambas foram reunidas num volume em trabalhando como programador de computadores, ao mesmo tempo que 1963. Em 1960 regressou à Nigéria, onde, após ter recebido uma bolsa da preparava uma tese sobre o novelista inglês Ford Madox Ford. Fundação Rockefeller, fundou uma companhia de teatro, The 1960 Masks. Em 1968 Coetzee completou o seu doutoramento em linguística das Publicou nesse ano A Dance In The Forests (1960), peça que celebrava a línguas germânicas na Universidade do Texas, em Austin, com uma tese Independência da Nigéria, e que combinava uma expressão tradicional africana sobre os primeiros trabalhos de Samuel Beckett. Entre 1968 e 1971, com técnicas europeias do teatro de vanguarda. Em 1965 apareceu com Kongi's Coetzee foi professor de inglês na Universidade do Estado de Nova Harvest e The Road. Iorque em Buffalo mas, depois de lhe ser negado o direito de residência permanente nos EUA, regressou à África do Sul onde ensinou na A Guerra Civil nigeriana rebentou em 1967, em consequência do movimento Universidade da Cidade do Cabo, até 2000. Em 2002, ele emigrou para a separatista do biafra. Soyinka publicou, nesse ano, um artigo em que apelava à Austrália e ensina na Universidade de Adelaide. paz, e foi imediatamente aprisionado e acusado de conspiração com os rebeldes. A sua carreira literária no campo da ficção começou em 1969, mas o seu Libertado em 1969 sobretudo por força dos protestos de vários escritores, como por primeiro livro, Dusklands, só foi publicado na África do Sul em 1974. exemplo, Robert Lowell e Lillian Hellman, começou a trabalhar como professor. Coetzee recebeu vários prémios antes do Nobel e foi o primeiro a receber Em 1970 publicou Madmen And Specialists, uma peça de teatro em que exprimia o Booker Prize por duas vezes: primeiro por Life & Times of Michael K em o seu descontentamento face à corrupção e à sede de poder que se vivia no país 1983 e por Disgrace, em 1999.Recebeu o Nobel de Literatura de 2003, e, em 1972 debruçou-se sobre a sua experiência no cárcere ao publicar The Man sendo o quarto escritor africano a receber esta honraria e o segundo no Died, obra que acabou por ser interdita no seu país. seu país (depois de Nadine Gordimer, em 1991). Observando as garras da censura assomando-se do seu trabalho, optou por Há vários de seus livros traduzidos no Brasil e em Portugal. abandonar a Nigéria nesse ano de 1972. Chegou portanto a Inglaterra, onde se Livros publicados tornou professor convidado no Churchill College de Cambridge. Doutorou-se pela Dusklands (1974); In the Heart of the Country (1977); Waiting for the Bar- Universidade de Leeds em 1973. Durante esse período publicou obras como barians (1980) À Espera dos Bárbaros; Life & Times of Michael K (1983) Jero's Metamorphosis (1972) e Death And The King's Horsemen (1975). O Cio da Terra: Vida e Tempo de Michael K Foe (1986); White Writing: Mudou-se para o Gana em 1975, onde colaborou com o periódico Transition como On the Culture of Letters in South Africa (1988) ; Age of Iron (1990) A editor mas, depois de um golpe de estado ocorrido no país, regressou à Nigéria, Idade do Ferro; Doubling the Point: Essays and Interviews (1992); The onde passou a ocupar o cargo de professor catedrático de Inglês na Universidade Master of Petersburg (1994) O Mestre de Petersburgo; Giving Offense: de Ife. Em 1976 publicou Myth, Literature, And The African World, um célebre Essays on Censorship (1997); Boyhood: Scenes from Provincial Life embrião do pensamento pan-africanista que o caracterizou. (1998) Cenas de uma Vida; Disgrace (1999) Desonra; The Lives of Ani- Em 1993 participou numa marcha de protesto contra o regime militar do ditador mals (1999) A Vida dos Animais; Youth: Scenes from Provincial Life II- (2002); Juventude; Stranger Shores: Literary Essays, 1986-1999 (2002); Sani Abacha, o que fez com que tivesse que deixar o país no ano seguinte, Elizabeth Costello (2003) Elizabeth Costello; Slow Man (2005) Homem acusado de atentados bombistas contra o exército. Pôde no entanto regressar em Lento; Diary of a Bad Year (2007) Diário de um Ano Ruim; Inner Workings 1998, após a morte de Abacha. (20085) Mecanismo Internos; Summertime (2009) Verão. Foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 1986. Em 2001 Soyinka publicou King Baabu, uma paródia aos ditadores africanos.
  • 13. SEXTA-FEIRA, 25 DE MAIO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 13 Ensaio Literaturas africanas Ou Literatura Africana - Institucionalização de uma disciplina P Luís Kandjimbo - Angola francesa, o ensino ara compreender os das Literaturas fundamentos Africanas nas epistemológicos dos universidades e nas Estudos Africanos nos quais se inscrevemos Estudos Literários Africanos, escolas secundárias importa interrogar-nos sobre o momento a partir do qual se constituem como se consolida em campo disciplinar dando lugar ao processo de produção do conhecimento princípios da década sobre o continente africano. de 70. Por exemplo, Numa abordagem histórica e comparada dos Estudos Africanos, enquanto a introdução de investigação especializada sobre as sociedades e culturas africanas, a que textos literários também se designa por «africanismo», observa-se que eles são uma africanos (incluindo emanação das políticas coloniais da Alemanha, Grã-Bretanha, França e a literatura oral tradicional) ocorre apenas em1972, após a Conferência Bélgica, potências que disputavam a ocupação efectiva de África, de Ministros da Educação, realizada em Madagáscar. procurando conferir à sua presença uma legitimação científica mais intensa, Nos países africanos de língua inglesa, o mais expressivo sinal de durante as duas primeiras décadas do século XX. Foi na Alemanha onde, em mudança produz-se comum texto datado de 1968, subscrito por três 1910, ocorreu a primeira experiência de institucionalização académica dos autores originários da África Oriental, através do qual defendem a Estudos Africanos, por ocasião da nomeação de Diedrich Westermann como abolição do Departamento de Inglês na Universidade de Nairobi e a professor do Departamento de Línguas Orientais na Universidade de Berlim. criação do Departamento de Línguas e Literaturas Africanas Seguiu-se a Grã-Bretanha consagrando esse domínio do saber coma criação (WaThiong’o, 1982:145-150). Tal como diz Biodun Jeyifo, «the do International Institute of African Languages and Cultures, em 1926, que constitution of African literary study as a legitimate academic discipline passou a publicar a revista África. O surgimento da School of Oriental and with certified degrees and professional specialization began in Africa, not African Studies na Universidade de Londres, em 1939, substituindo a School in Europe or America». Pode dizer-se que o centro inaugural de ofOriental Studies, testemunha a existência de uma comunidade de gravidade de um ensino sério das Literaturas Africanas está situado em investigadores, antropólogos e sociólogos, que realizavam já pesquisas em África. África. Em França, a investigação neste domínio adquire uma dimensão Ao apresentar as conclusões do um inquérito sobre o ensino das institucional alguns anos mais tarde, após a fundação da Sociétè des Literaturas Africanas nas universidades dos países africanos de língua Africanistes em1930. inglesa, Bernth Lindfors, observa que a descolonização dos estudos Ora, é legítimo levantar questões acerca do carácter africano dos Estudos literários em África estava em curso e em estado bastante avançado. Africanos e da unidade das suas disciplinas, tal como faz Paulin Hountondji. Nota que dos 194 cursos seleccionados em 30 universidades do Ao esboçar as suas respostas, partindo do pressuposto de que a actividade universo de14 países, a amostra representava acerca de 60% do científica em África pode ser qualificada como «extravertida» e «destinada a número total de cursos em que se inscrevem 226 autores. A conclusão a ir ao encontro das necessidades teóricas dos nossos parceiros ocidentais e que chega o referido investigador permite sustentar a ideia de que as responder às perguntas por eles colocadas», o filósofo beninense escreve: Literaturas Africanas ocupavam um lugar significativo nos programas dos Os chamados estudos africanos não só se baseiam em metodologias e Departamentos de Inglês, Departamentos de Literaturas Africanas ou teorias que se consolidaram em vários campos […]muito antes de terem sido Departamentos de Línguas Europeias. aplicadas a África enquanto novo campo de estudo, como é, de resto, Estes indicadores estatísticos fornecem um quadro que reflecte, comum em instituições académicas e de investigação, encontrar esta provavelmente, de igual modo a situação dos países de língua francesa. matéria associada a outras disciplinas […]. Efectivamente, a investigação e o ensino das Literaturas Africanas Portanto, é perfeitamente admissível discernir perspectivas radicalmente tinham alcançado níveis sempre cedentes, especialmente no que diz diferentes defendidas por Africanos e não-Africanos, no que diz respeito à respeito à sua institucionalização académica. semântica dos Estudos Literários Africanos e suas disciplinas. Ignora-se, no entanto, e com alguma razão o que se passa nos países Na organização institucional das universidades, os Estudos Literários africanos de língua portuguesa. Africanos constituem-se após a Segunda Guerra Mundial. Foi nas décadas O processo de autonomização disciplinar das Literaturas Africanas foi de 40 e 50 que surgiram as primeiras universidades africanas do século XX. dando origem ao abandono das denominações generalistas elaboradas Mas a formação dos Estados independentes ocorre a partir da década de 60, na base de critérios raciais. A historiografia regista influências profundas obedecendo ao modelo ocidental e herdando as fronteiras e as instituições que o movimento panafricanista e posteriormente a Negritude exerceram políticas das antigas potências coloniais. A edificação de sistemas de ensino sobre as ideologias dos escritores Africanos. que pudessem incorporar conteúdos programáticos sem qualquer influência Durante muito tempo as Literaturas Africanas eram adjectivadas com externa foi imediata. Em alguns países africanos as mudanças curriculares fundamento no critério falacioso da raça. Era comum o uso de de matérias respeitantes às Literaturas Africanas ocorreram logo a seguir à expressões como «literatura negro-africana», «literatura independência. É o que sucedeu como Senegal, onde se realizou o primeiro neo-africana» ou simplesmente «literatura negra». Para justificar tais colóquio consagrado ao ensino das Literaturas Africanas, em 1962. Na designações, Lylian Kesteloot, na sua Anthologie Négro-Africaine, Universidade de Dakar assim como na maior parte das universidades argumenta: Consideramos a literatura negro africana como manifestação africanas, a esta disciplina fora conferido um estatuto semelhante a outras e parte integrante da civilização africana. E mesmo quando é produzida disciplinas leccionadas, no âmbito da organização de departamentos num meio culturalmente diferente, anglo-saxónico nos Estados Unidos, autónomos (Kane, 1994:27-39). Ibérico em Cuba e no Brasil […] O espaço da literatura negro-africana Quanto ao ensino secundário, as Literaturas Africanas, sustenta Kane, foi cobre não apenas a África ao sul do Sahara, mas todos os cantos do introduzida de modo anárquico, sem métodos, sem programas. Numa mundo onde se estabeleceram comunidades Negras, sob os auspícios perspectiva comparada, verifica-se que nos países africanos de língua de uma história turbulenta que arrancou ao Continente centenas de