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Revista de Literatura Moçambicana e Lusófona
Director Editorial: Eduardo Quive * Maputo * 09 de Agosto de 2011 * Ano 01 * Nº 05 * E-Mail: kuphaluxa@sapo.mz
José Inácio Vieira de Melo,
Autor dos livros
- Códigos do Silêncio
- Decifração de abismos
- A Infância do Centauro
- A Terceira Romaria
- Roseiral
Um poeta
no jardim
da imensidão
“Governo contra pirataria”
pg. 3
2. 2 BLA BLA BLA Exero 01, 5555
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Em primEira
4 dias de troca de experiências
Durante quatro dias, a escritora brasileira, Ana Rusche, esteve em contacto com
a literatura nacional, interagindo com jovens da Associação Movimento Literário
Kuphaluxa, com escritores e estudantes da capital moçambicana.
Ana Rusche, poetisa e romancista da capital económica do Brasil, São Paulo, esteve em Maputo entre os
dias 1 e 5 de Agosto corrente, onde orientou uma oficina de criação de dois dias no Centro Cultural Brasil –
Moçambique, com a participação de 20 amantes da literatura.
A oficina de criação, era orientada sob o tema “Nós que adoramos um documentário” título de uma obra da
autora em que se supõe ser um livro de autobiografia.
Em Nós que adoramos um documentário, Ana Rusche retrata em três partes, momentos da sua infância
no município lituânio em Ubatubba (1983) a vida adulta na cidade de São Paulo (2009), e prevê o futuro,
novamente em Ubatuba (2037).
Mas a oficina, não tratava da vida e obra da escritora, mas tinha a ver com a criatividade e imaginação, em
técnicas transmitidas pela orientadora.
Ainda na Capital, Ana Rusche orientou uma palestra na Escola Industrial 1º de Maio, a qual contou com a
presença de alunos daquela instituição de ensino, e do corpo docente.
A palestra tinha como questão de fundo “Porquê ler? Tema que envolveu em conversa com vários estudantes,
escritores moçambicanos, levados pelo movimento Kuphaluxa em diversas escolas das cidades de Maputo e
Matola, no ano passado.
Sobre estas experiências, os participantes moçambicanos, empenharam-se em colher mais subsídios para
aplicar na prática das suas actividades de criação para os diferentes géneros literários.
Ana Rusche, escritora brasileira.
O Movimento Literário Kuphaluxa, que foi quem se responsabilizou
pela organização das actividades com a escritora, deu nota positiva
à esta visita que Ana Rusche efectuou com o principal objectivo de
conhecer de perto a agremiação.
Refira-se que além da capacitação, a escritora brasileira, participou de
um sarau cultural no CCBM, na quinta-feira, orientou uma palestra na
AEMO sobre as perspectivas da literatura contemporânea brasileira,
num painel em que Moçambique esteve representado pelo secretário-
geral da AEMO, o qual falou da parte moçambicana no tema.
Ana Rusche, ofereceu livros de diversos autores da terra do samba, ao
Movimento Kuphaluxa, à Escola Industrial 1º de Maio e à Associação
dos Escritores Moçambicanos, visitou a casa de José Craveirinha e
entrevistou vários escritores nacionais
- Da autoria de Bruno Gaudêncio
“Cântico Voraz do Precipício” Carlos Felipe Moisés, Rinaldo de Fernandes, Luis Fernando
nA pRóxiMA sexta-feira (dia 12 de Agosto), ás 19:30 horas, Emediato, entre outros.
o escritor Bruno Gaudêncio lançará na cidade de Campina DuRAnte o lançamento, o livro será apresentado pelo escri-
Grande, Paraíba, o livro “Cântico Voraz do Precipício” (Via tor e historiador Jãn Macêdo (também membro do Núcleo
Litterarum Editora, 68 pgs. 15 reais) no Centro de Cultura Literário Blecaute) e contará com a apresentação musical
e Artes da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), antigo do cantor e escritor Antônio Deah.
Museu Assis Chateaubriand, localizado ao lado do Terminal ViA LitteRARuM, editora responsável pela publicação da
de Integração. obra, é ainda jovem no mercado (atuando apenas desde
2004), na cidade de Itabuna, estado da Bahia. Entretanto,
“CântiCo VoRAz do Precipício” é uma coletânea de contos,
produzidos pelo escritor entre os anos de 2006 e 2010.
Segundo o autor “São ficções curtas que tratam sobre a
experiência universal da morte, em seus aspectos humanos
e desumanos, singelos ou inverossímeis. Muitas vezes abor-
dadas de maneira quase exótica ou absurda. A coletânea
possui duas sessões. A primeira traz contos mais simples,
escritos numa primeira fase. A segunda parte possui contos
mais próximos de uma prosa poética”.
nAtuRAL De Campina Grande (PB), o escritor Bruno Gaud- neste pouco tempo, já publicou nomes importantes da lit-
êncio em 2009 publicou a coletânea de poemas O Ofício eratura baiana e de outras regiões próximas, como Antonio
de Engordar as Sombras (Sal da Terra). Seu nome vem Naud Júnior, Georgio Rios e Aleilton Fonseca.
destacando na atual literatura paraibana, graças a sua atu- ALéM De Campina Grande, neste segundo semestre o autor
ação junto aos Núcleos Literários Blecaute e Caixa Baixa pretende lançar o livro em João Pessoa (durante o Agosto
(respectivamente de Campina Grande e João Pessoa) e das Letras), em Areia (na ocasião do Festival de Artes de
pela co-edição da Revista Blecaute, juntamente com seus Areia - Setembro) e em Boqueirão (no Balaio Cultural -
amigos Jãn Macedo e João Matias de Oliveira. Novembro). Há ainda possibilidades de lançamento do livro
nas cidades de Recife (PE) e Marechal Deodoro (AL).
“CântiCo VoRAz do Precipício” traz em sua capa a ilustração o LAnçAMento será um evento gratuito, sendo uma par-
do artista plástico gaúcho radicado em São Paulo Guilherme ceria do Núcleo Literário Blecaute conjuntamente com
de Faria (nome destacado das artes visuais brasileiras desde o Centro de Cultura e Artes da Universidade Estadual da
a década de 1960), contendo ainda, alguns comentários de Paraíba (UEPB).
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Em primEira
Agostinho Levieque lança livro em Maputo
Intitulada “Gestão de Recursos Humanos e Administração Pública em Moçambique”, a obra
será lançada no próximo dia 11 do mês em curso, no Centro Cultural Universitário
grupo de interesses, mas está ao serviço do conjunto dos desenvolvimento, e arriscar-me-ia a dizer, pioneira na preo-
cidadãos e facilitando as suas iniciativas, regulando a vida cupação de casar a produção de reputados teóricos interna-
Prefácio social, garantindo a segurança e a ordem da comunidade.
A eficiência da sua função depende da qualidade dos seus
cionalmente consagrados com a realidade moçambicana.
“As práticas de gestão de recursos humanos, para serem
funcionários e do aproveitamento integral e dinâmico dos eficazes, precisam ser desenvolvidas na dependência e
JOSé LuíS CAbAçO recursos humanos de que dispõe. em conformidade com as exigências da cultura”, defende
O senso comum e a História nos ensinam que as capaci- Na presente obra, o autor traça uma radiografia da nossa Levieque. Para muitos, a afirmação parecerá óbvia, mas
dades do ser humano e o potencial dos solos são o capital bastará olhar em torno, analisar
natural e elementar do indivíduo e organizado (família, as práticas do dia-a-dia das insti-
comunidade, nação). De uma forma ou de outra, os proces- tuições públicas, para constatar
sos de desenvolvimento se verificaram, e verificam, pela como os critérios contabilísticos e
maximização do uso e aproveitamento dessas capacidades burocráticos que caracterizavam os
e desse potencial por indivíduos, organizações ou países. velhos “departamentos de pessoal”
O fenómeno da pobreza derivou, e deriva, da concentra- ainda sobrevivam, como expressão
ção numa minoria do resultado do trabalho e do controle dos fenómenos de resistência à
sobre o solo. As razões disso podem ser múltiplas e são do mudança, para os quais o autor
conhecimento geral. chama a atenção.
Um olhar sobre o passado, remoto e próximo, nos mostra É esse comportamento organiza-
que a apropriação e gestão da mais valia da terra e do cional conservador que, na opin-
trabalho gera duas dinâmicas em sentidos opostos, a da ião do Dr. Agostinho Levieque,
riqueza e a da pobreza, que se tendem a reproduzir e determina a fraca competitividade
afastar, uma vez que, na sua lógica, uma se alimenta da do sector público e as principais
outra. As abordagens teóricas sobre a capacidade de um ineficiências.
equilíbrio pelas sinergias do mercado estão naufragando Após um enquadramento teórico e
de forma clamorosa nos escolhos da acumulação desen- histórico, a obra percorre os difer-
freada dos nossos dias. entes aspectos que são parte da
A crise financeira em curso evidencia o processo de gestão de recursos humanos na
antropofagia económico-social que o determinismo mate- Administração Pública em Moçam-
rialista de Thomas Hobbes anunciara há quatro séculos. bique: gestão do trabalho e tempo,
A Hidra insaciável já começou a devorar as suas cabeças problemas de natureza organiza-
menores. cional, globalização e renovação
É no equilíbrio destas dinâmicas e na salvaguarda do bem tecnológica, importância do pla-
comum que ressurge no debate internacional a importân- neamento estratégico, comunica-
cia da administração do Estado, como gestor dos interesses ção interna, gestão e negociação
globais das nações. “A questão que se continua a pôr – e de conflitos, análise e descrição de
quem a ignorar vai pagar o custo – é a da construção do funções, recrutamento e selecção,
Estado, se vista do estreito ponto de vista do Estado mod- carreiras profissionais, avaliação de
erno”, afirma Óscar Monteiro. E este autor lembra que a desempenho, formação profission-
questão do Estado moderno ultrapassa as acções do nation al, maximização das competências
building: “para além da construção da identidade nacional, e fidelização dos recursos huma-
a organização da coisa pública e da sua boa gestão per- nos.
manecem primordiais”. O autor está consciente de que
O livro do Dr. Agostinho Levieque tem, como primeiro a gestão de recursos humanos, e
mérito, o da oportunidade da sua publicação. Num país, neste caso especial dos recursos na
como o nosso, na extrema periferia do mundo global Administração Pública com uma notável sustentação administração dos serviços que dizem respeito a todos os
(somos dos mais pobres, não nos esqueçamos), a adminis- teórica e com uma abordagem que transcende a gestão cidadãos, é matéria que a todos interessa. Por isso, sendo
tração eficiente e competente da res publica é um bastião técnica dos recursos humanos. Ele recorre a outros ramos uma obra de grande interesse para administradores,
da soberania, o instrumento decisivo para fazer da nossa das ciências sociais para enquadrar nos tempos globais gestores, políticos, formadores e alunos, o livro oferece-
jovem democracia um processo de participação efectiva e no espaço nacional as suas observações, sugestões e nos um trabalho no qual Levieque consegue – evitando o
de todos os moçambicanos. propostas. recurso desnecessário ao jargão técnico – um estilo escor-
O Estado tem de representar todos os cidadãos, deve servir Não sendo especialista na matéria, tenho procurado reito e de fácil leitura, sem fazer quaisquer concessões no
todos, proporcionando os serviços e recursos para que acompanhar a produção teórica moçambicana na área que respeita ao rigor científico que observa no tratamento
todos, independentemente de suas opiniões e escolhas, das ciências sociais, incluindo as ciências sociais aplicadas. das questões.
nele se reconheçam em última análise. O Estado, só exerce De quanto conheço, esta é sem dúvida a mais completa Está de parabéns o Dr. Agostinho Levieque e estamos de
a sua função nacional quando não é instrumento de um publicação sobre esta questão tão sensível para o nosso parabéns todos nós, moçambicanos
Governo em acção contra pirataria
o MinistéRio da Cultura moçambicano lança, em todo o sustentáveis, e valoriza-
País, o início de acções de busca e apreensão de fonogramas ção o trabalho dos artis-
e videogramas produzidos e comercializados à margem das tas e criadores no País.
normas vigentes na República de Moçambique, uma acção estAs ACções pretendem,
a ser levada a cabo em estreita colaboração com Procura- igualmente, promover o
doria Geral da República, Ministério do Interior, Autori- preceituado no nº 2 do
dade Tributária de Moçambique, Inspecção das Actividades Artigo 94 da Constituição
Económicas, conselhos municipais, Associação dos Músicos da República assim como
Moçambicanos, Sociedade Moçambicana de Autores e com a Lei nº4/2001, de 27 de
a Sociedade Moçambicana de Cineastas. Fevereiro sobre Direitos
tRAtA-se De acções permanentes que pretendem reduzir e de Autor e Direitos Con-
erradicar os níveis de pirataria dos fonogramas e videogra- exos, e doutros disposi-
mas, excepcionalmente na vertente musical e cinematográ- tivos internos e interna-
fica, e ao mesmo tempo, estabelecer uma plataforma para cionais legais relativos a
um desenvolvimento das indústrias culturais e criativas esta meteria.
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Terça-feira, 09 de Agosto de 2011 LITERATuRA MOçAMbICANA 4
Um pouco sobre Rui Nogar esCRitoR e político moçambicano, Rui Nogar, pseudónimo de Francisco Rui Moniz Barreto, nasceu a 2 de fevereiro de 1935, em
Lourenço Marques (atual Maputo), Moçambique.
Fez os estudos primários e secundários em Lourenço Marques e começou a trabalhar como empregado comercial e funcionário de
agência de publicidade. Para além disso, exerceu vários cargos como o de deputado da Assembleia Popular, Diretor do Museu da
Revolução, Diretor Nacional da Cultura e Secretário-Geral da Associação dos Escritores Moçambicanos. Desde 1964 era militante
da Frelimo e foi preso pela PIDE por fazer parte da organização. A obra Silêncio Escancarado (1982) resultou de uma recolha de
textos escritos no tempo em que esteve preso.
poetA, ContistA, declamador, Rui Nogar colaborou em publicações de imprensa, como Itinerário, O Brado Africano, A Voz de
Moçambique, Caliban e África. A sua obra está incluída em várias antologias nacionais e estrangeiras, como Poetas Moçambicanos
(1960), Resistência Africana (1975) e No Ritmo dos Tantãs (1991).
Rui nogAR morreu em Lisboa, em 1994.
FAbIÃO
RuI NOgAR
O padre da missão falou em Deus. Deus: irmão bom. Falou nos anjos: todos amigos. Falou no céu: oh! céu bom, muito bom. Só não falou nos
homens. Homem? Muito complicado mesmo. Todo gente há-de aprender sozinho. É preciso coragem. Coragem e resignação (mas que é “...
signação”?). Vida é má. Muito má. Homem também. É preciso aprender sòzinho. Ser bom. Ter bom coração. Quando outra gente faz mal a você
é preciso esquecer. É preciso perdoar esse gente. É preciso sofrer. É preciso...
Fabião, mufana ainda, o boca muito aberto, os olho muito aberto, mexeu cabeça, mexeu cabeça – compreendeste sim senhor Padre...
Padre José passou a mão pela testa, onde as teimosas gotas de suor desfizeram-se, escorrendo por entre os dedos curtos e grossos.
Fabião cresceu pouco.
Foi tropa: três anos escravo de caqui, corneta e meu sargento. Três anos em que toda mulher chunguila e todo moleque tinha medo do seu
cinturão. Fabião era bom. Mas quem sabia? Fabião era soldado. Soldado não é bom: diz moleque, diz mulher. Fabião era bom, mas só ele sabia,
mais ninguém.
Um dia foi na “Lagoas”. Arranjou mulher de todo gente. Esse mulher estava grosso. Com certeza não viu caqui, não viu cinturão, nem sequer viu
Fabião. Sentiu aquele braço forte que segurou ela quando ia cair na escada da cantina. Depois, aquele braço forte seguiu ela até colchão.
OS 2 PRIMEIROS POEMAS DA IMPACIÊNCIA Mulher está dormir. Ele não sabe ainda como ela chama. Também não interessa. Ele quando voltar ela não conhece ele. Mas ele também não
há-de voltar. Palavra!... Mas Fabião está a gostar dela. [É] pena, dinheiro é pouco. Bem! Fabião segurou dinheiro todo, deixou no colchão e foi
RuI NOgAR embora. Mulher de todo gente quando acordar há-de pensar dinheiro caíu do céu. Fabião riu. Lembrou Padre José quando falou no céu. Ih!
Céu bom, muito bom mesmo!
I Três dia passou. Enfermeiro molungo deu injecção a Fabião porque doença veio. Enfermeiro molungo é bom. Tropa é bom porque tem senhor
enfermeiro que cura doença de mulher.
Tatuagens de lua Carregador no cais: um ano contratado. Um ano para perder 4 (quatro) amigos. Um ano enorme e pesado, cheio de lembrança de Padre José
no corpo quente que disse: é preciso sofrer. Ah! Padre José!... Padre José!
da mãe-terra Primeiro: Salvador. Caíu no porão de “Congo Maru”. Deitou sangue da boca e dos ouvidos. Não disse mais nada. Também, quando Salvador
falava, pouco gente compreendia. Ele falava outra língua. De muito longe. Agora, palavra! todo gente parece querer compreender Salvador.
e assim nua nua Agora todo gente gostava saber falar com Salvador. Agora.
no leito vermelho Depois Agostinho e Cipriano na mesma semana. Ficou parecia papa de farinha. Assim mesmo. Só pele, com osso pisado lá dentro.
virginal ainda Agostinho estava trabalhar debaixo de guindaste n.º 10. Cabo que segura aquele saco todo partiu. Era muito saco. Cheio de cimento. Agostinho
ela espera a semente não teve tempo. Não fugiu. Ficou parecia tinha cola nos pés.
que tarda a chegar Quando pedreiro vai fazer casa com aquele cimento, há-de ficar casa com pouco sangue de Agostinho. Sangue e vida e medo de Agostinho.
Doze e meia. Cipriano está dormir perto chapa de aço. Muito chapa de aço em cima doutro chapa de aço. Passou combóio perto. Chão fez
que tarda a chegar assim assim. Chapa de aço que estava em cima mexeu, mexeu e caíu. Mesmo na cabeça de Cipriano. Cipriano não acordou nunca mais. Ele
tinha cabeça grande e duro. Quando jogava borracha dava cabeçada com força. Maningue força. Partia sempre cabeça de outro gente. Cipriano
nunca mais vai jogar porrada. Nunca mais vai dar cabeçada.
II Quando estava quase acabar contrato de Fabião, foi Saúl.
Saúl, capataz indígena. Não gritava muito. Não chatiava muito. Carregador gostava dele.
Que venham Um dia estava entre dois vagão. Via serviço de contratado. Cantava mesma cantiga de contratado, ih! cantiga de contratado é malcriado. Muito
mas não de braços cruzados malcriado mesmo. Diz coisa que não pode dizer. Por isso contratado gostava daquele cantiga. Por isso trabalha bem com cantiga. Lingote de
cobre pesa menos. Vida custa menos.
aqui amigos Saúl cantava muito bem. Ali perto estava máquina vaivem com manobra. Máquina foi. Escondeu atrás de armazém L. Depois máquina veio.
o sexo vermelho da terra Faz barulho. Não deixa ouvir cantiga. Agulheiro não pode segurar máquina. Voz de Saúl, voz de contratado, voz de máquina é um só. Tudo
lateja de febre e de cio canta mesma cantiga. Máquina galgou cicatriz de linha. Entrou no caminho errado. Saúl canta maningue bem mesmo! Máquina apanhou
primeiro vagão da frente. Chocou. Empurrou. No meio Saúl canta ainda. Vagão correu, agarrou barriga de Saúl – cantiga parou agora mesmo
é preciso saciá-la no boca de Saúl – e engatou noutro vagão. Barriga de Saúl engatou também. Cantiga parou. Todo gente correu. Ficou ver tripa de Saúl que
e depressa baloiça pendurada no engate do vagão. Ambulância gritou e veio levar voz de Saúl. Nunca mais ele vai cantar cantiga de contratado. Cantiga
malcriado. Ah! mas a culpa é do cais. Cais não presta. E por isso cantiga é malcriado. E por isso cantiga de malcriado há-de ficar mais malcriado
que venham ainda. Muito mais.
sim que venham Fabião quando saíu última vez no Porta Cinco, cuspiu com força para o chão. Fazia frio. Fabião trazia no corpo farrapos de ganga azul desbotada.
mas repito não de braços cruzados O céu lá longe era azul também. Azul desbotado.
Mineiro do Rand: 16 meses soterrado. Dezasseis meses de medo: o grisú, monstro que não se vê, não se cheira, não se pressente a estoirar
aqui amigos a todo o momento. Dezasseis meses! Quem sabe se o amanhã não o é para Fabião? Toneladas de terra equilibram-se sobre as formigas e os
aqui homens que as imitam. Num segundo podem transformar-se numa imensa sepultura. Todos sabem isso. Mas são dezasseis meses necessários
a terra fenece para Fabião e seus companheiros. Libras, pounds irão comprar amanhã casacos de pele de leopardo, calças de bombazine, peúgas e meias de
na fome de arados futebol das mais berrantes, sapatos fortes, grosseiros, etc. etc. E depois, lá na terra, a certeza duns braços de mulher.
que tardam a chegar Fabião economiza. Não compra máquina de costura em quinta mão, nem bicicleta sem roda, nem outra porcaria. Vai fazer palhota maticada.
Pintar porta e janela verde com dois risco amarelo. Machamba pequena. Milho, amendoim e mandioca.
que tardam a chegar Dez meses passou. Fabião não pode dormir. Tosse não deixa. Ele de manhã cedo vai fazer curativo. Depois vai outra vez buscar tosse lá dentro
da mina. Falta pouco para acabar contrato. Tosse não pára. Fabião quando voltar para terra não vem sòzinho. É capaz mesmo, esse coisa que
ah! que tardam tanto a chegar acompanha ele, não deixar Fabião chegar no terra. Fazer machamba, palhota maticada com porta e janela verde com dois risco amarelo, semear
milho, amendoim, mandioca, arranjar mulher, gastar libra, pound.
FiCHA téCniCA
Propriedade do Movimento Literário Kuphaluxa
Sede: Centro Cultural Brasil-Moçambique* AV. 25 de Setembro nº 1728, Maputo, Caixa Postal nº 1167 * Celulares: (+258) 82 27 17 645 e (+258) 84 57 78 117 *
Fax: (+258) 21 02 05 84 * E-mail: kuphaluxa@sapo.mz
Director Editorial: Eduardo Quive (eduardoquive@gmail.com)
Coordenador: Amosse Mucavele (amosse1987@yahoo.com.br)
Editor - Canto da Poesia: Rafael Inguane (inguane.rafael@hotmail.com)
Redacção: David Bamo, Nelson Lineu, Mauro Brito, Izidine Jaime, Japone Arijuane.
Colaboradores: Maputo: Osório Chembene Júnior * Xai-Xai: Deusa D´África * Tete: Ruth Boane * Nampula: Jessemusse Cacinda * Lichinga: Mukurruza*
Brasil: Itapema - Pedro Du Bois * Santa Catarina: Samuel da Costa * Nilton Pavin * Marcelo Soriano * Portugal: Victor Eustaquio e Joana Ruas.
Design e páginação: Eduardo Quive
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Terça-feira, 09 de Agosto de 2011 CRÓNICA / CONTO 5
FiLosoFonias rapsódicas
gAzA MEu ÚTERO MARCELO SORIANO - bRASIL
m.m.soriano@gmail.com
AMOSSE MuCAVELE - MATOLA
Nota preliminar: Antes de prosseguir
À Paulina Chiziane com este artigo, lembro ao leitor que me
dirijo à CPLP (Comunidade dos Países de
A Província dos meus olhos é uma Língua Portuguesa), portanto, podemos
flor que nunca murcha, as suas encontrar gerúndios, futuros do pretérito,
folhas estão pintadas de variadas expressões etnocêntricas, familiares
cores, cores que reflectem vários a certos leitores, porém, inusitadas a
sentimentos, sentimentos que nos
tranquilizam, carregados de tanta outros. Oxalá, que esta peculiaridade
emoção, fazendo-nos re(viver) nesta ponte de afectos que liga-nos de não seja pretexto para correções, mas para integrações e enriquecimentos léxicos
um passado glorioso à um presente nostálgico. e culturais entre nós. Marcelo Soriano. Santa Maria - RS - BR. 14/07/2011.
Nestes ultimamentes a minha querida Gaza anda desalmada, carece
de amor, falta-lhe uma voz amiga, pois Os Ventos do Apocalipse 1. A QuintA estAção
abocanharam a sua felicidade e o medo cobriu-lhe o tecto. Embarquei nesta vida, recém nascido, embrulhado no manto branco
Dorme um sono secular, vive um pesadelo milenar, a natureza ageadado1
trancou-lhe as portas, e ela aceitou estar encarcerada em Mabalane, do Inverno. Pela Primavera, vi tapetes vermelhos de flores multicores se
não se interessou em contratar um advogado, muito menos procurar desenrolarem.
ajuda dos amigos, ficou no silêncio das grades da sua angústia, nem a Chegado o Verão, as madrugadas quentes traziam mosquitos com suas amplas luas
mim que num passado não muito distante juntos plantamos coqueirais cheias amarelas. E o Outono, ah o Outono! Um caminho de folhas secas delatando
de amor. os
Quando cheguei a Província que tanto me esperava, constatei que algo lentos passos do caminhante. Dizem, no murmúrio dos córregos lajeados da Boca
mudou, o casebre transformado em Castelo, repleto de seguranças, do
empregados domésticos, e.t.c. uma prisão domiciliária, creio que ela Monte*, que existe uma Quinta Estação, mas ela está fora do tempo; fora do
conseguia me ver, daí descobri a 8ª Cor do Arco-íris. mundo...
Bati a porta a 1ª,2ª,3ª vez e ninguém respondeu, mas de longe Dizem, em seus sussurros de correntes cristalinas tamborilando nas pedras: “A
via-se monte de gente a circular no quintal, o meu último sentido Quinta
despertou-me da letargia que me assombrava. Estação brilha nos olhos d’água, onde se banham nuas as Almas puras dos
Oh pobre de mim, nas grandes casas já não se bati a porta, toca-se cardumes
a campainha, a resposta veio à uma velocidade da luz, em seguida abençoados”.
vieram os serviçais e atenderam-me. (*) Boca do Monte é um distrito pertencente ao Município de Santa Maria, Estado
-Com quem o senhor deseja falar? - Perguntaram-me do Rio Grande do Sul,
-arrepiado de medo, e a tremelicar de incerteza, dei a seguinte Brasil. Localiza-se no oeste da cidade. O local era habitado por indígenas que
resposta – com dona da casa. chamavam a região de
-quem é o senhor? Pois a senhora está a dormir, ela quando encontra- Caá-Yurú, que significa “Boca do Mato”, dando origem, mais tarde, à atual
se neste estado não gosta de ser incomodada, espero que entendas, denominação.
podes vir mais tarde? Se assim o achar conveniente, mas contudo
deixe-nos com o seu nome.
De longe ouvia-se uma voz feminina, a perguntar oh José creio que 2. LetRAs VisuAis
era o nome do homem que estava a me atender – não veio alguém
me precisar?
-tem aqui um senhor que precisa da senhora – respondeu o José
-manda-o entrar -disse ela.
A sua voz planta respeito e felicidade no povo que a circunda, apesar
dela não desfrutar dos mesmos. O corpo dela guarda segredos
milenares tal como As mumias, os seus olhos são uma verdadeira caixa
de surpresas, sei que quando cruzarem-se com os meus explodiram
como a bomba atómica que destrui Hiroshima e Nagasaki.
E os seus estilhaços irão cair nas mãos da potência do nosso amor,
sobrevoarão à caminho do futuro nas asas das Andorinhas, tenho
comigo uma pá para poder cavar os compartimentos do seu coração, - Frase em Código QR2: “ Não sei-te. Talvez-nos. Feliz-nos”.
bem sei que Gaza é de poucas palavras e muitas acções, diferente de
outras mulheres que sonham, Gaza vive, idealiza e concretiza.
Chegado a sala de visita onde ela estava sentada.
Pode sentar -disse ela com olhos boquiabertos, em seguida aproximou-
se de mim e deu-me um abraço do tamanho do mundo, os empregados 3.MonóLogos
domésticos ficaram bastante surpresos, pois nunca tinham visto O póstuMos CoM
Alegre Canto da Perdiz, instalou-se o silêncio, a realidade tinha traços QuintAnA - pARte V
de ficção.
Sabes há muito que precisa de conversar consigo, volvidos 12 anos “Autodidata é um ignorante
tive a oportunidade de estar perto de ti, dada as circunstâncias desta por conta própria.”
auto-estrada da vida ,ora quando vinhas ao meu encontro não me Mário Quintana
encontravas e quando fazia o mesmo você estava em constantes
viagens ,e neste instante nos encontramos. [Poemavivo]
A sociedade em que estou inserida nela esta contra a nossa relação Eu a ele:
amorosa, agitava-me para te deixar, te esquecer, cortar os laços que
nos une.
-aquela provinciana não é digna do seu amor – diziam eles. Poeta! Ainda ontem, vi um poema vivo que batia dentro da gaveta como um coração
Davam-me dissolventes e eu resistia sempre, tal como fez o que pedia para sair.
ngungunhane, assim transformei a minha palavra em flecha e o [ParLarvas]
amor que uiva dentro de mim num arco. Saiamos deste lugar, pois Ele a mim:
algo diz de mansinho que este lugar tem alguma coisa de nefasta,
caso continuemos sentados nesta mesa onde estamos sentados com Ver e ouvir... Verbos que se acasalam na magia íntima do verbo Ler. Poema é corpo.
os garfos e as facas que mal sabem dançar Niketche e muito menos Poesia é vida. Independente do tempo que durmam ali, no sarcófago da gaveta, os
sabem falar a nossa língua o nosso changana. Creio que de tanta inveja casulos esquecidos pelos poetas verdes, sempre hão de ressuscitar com a inquietude
este lugar pode vir a restaurar estes nossos sentimentos ambulantes das asas coloridas dos seus insetos juvenis.
dando-lhes um outro ar.
-Princesa vamos – disse eu. (3.) ContinuA nA pRóxiMA eDição...
- Para onde meu amor – respondeu ela ___________________
Vamos sentar na esteira do rio Limpopo a sós, para melhor escutarmos Código QR é um código de barras em 2D que pode ser facilmente lido
A Balada do Amor ao só do vento usando qualquer celular moderno. Esse código vai ser convertido em uma
pedaço de texto (interativo) e/ou um link que o celular os identifica.
6. 6 BLA BLA BLA Exero 01, 5555
Terça-feira, 09 de Agosto de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 6
- discurso dirEcto
Um Poeta no Jardim da Imensidão
MAuRíCIO MELO JÚNIOR, LIMA TRINDADE, Certamente, é luta árdua – e vã – ter controle exato sobre o que se desafio do poeta, hoje, transmudar pedras em pétalas, fazendo prevalecer
VITOR NASCIMENTO Sá, MARIANA IANELLI E escreve e impor-lhe uma linha coerente, uma espinha dorsal, por assim o amor e a beleza sobre o golpe de violência?
IgOR FAguNDES dizer. Coube a você decidir que rumo a escritura tomaria durante todo
o processo ou os poemas se impuseram, um a um, ordenando-se Roseiral - o mundo encarnado pela seiva das
José Inácio Vieira de Melo acaba de lançar seu quinto livro de poesia: Rosei- acidentalmente? Até que ponto, essa seleção e ordenamento foram rosas escarlates
ral. Cantado por Myriam Fraga, Astrid Cabral, Maria da Conceição Paranhos e intencionais e conscientes?
Eliana Mara Chiossi nos textos da contracapa, orelha e posfácio, o poeta faz JIVM – O segredo que a rosa preserva alimenta a minha fome de desco-
de seu universo um imenso jardim. Vermelho. E lança pedras como se fossem berta, a minha sede de beleza. Há
pétalas. Com a mesma disposição de Davi frente ao gigante, alça sua voz algum tempo, afirmei em uma
singular sobre os telhados do mundo. Nesta entrevista, ele nos fala de suas entrevista que poesia para mim é
influências, processo criativo, sonhos, sertões, inveja e muitos outros assuntos salvação. É nisso que acredito. Além
ligados à arte de escrever e viver. Paremos para ouvi-lo. de uma questão de fé, é também
uma constatação, pois sem a poesia
MAURÍCIO MELO JÚNIOR – Seu novo livro, Roseiral, seguindo a trilha de eu não conseguiria sobreviver.
sua obra, é um diálogo entre o moderno e o arcaico. O que esperar de novo Também professo a beleza, mas
nesta conversa já tão antiga? nem sempre os aspectos positivos
de um determinado assunto, sejam
JOSÉ INÁCIO VIEIRA DE MELO – Embora compreenda “que o novo sempre a grandeza, a novidade e a beleza,
vem”, os anseios por novidades a qualquer custo não me atraem. Ainda mais conseguem emoldurar a expressão
quando me lembro dos versos de Sierguei Iessiênin, que dizem “Se morrer, que se originou no eu poético. O que
nesta vida, não é novo,/ Tampouco há novidade em estar vivo”. O que me me leva a pensar que não existem
faz recordar também de um velho adágio popular: “Abaixo do céu e acima assuntos poéticos e assuntos não
da terra, não há nada de novo”. poéticos. Tudo cabe na poesia, do
O que busco é dizer as coisas de uma forma que ao menos soe pessoal. preço do feijão até as tragédias que
Busco expressar meus sentimentos de uma maneira que possam despertar assolam a humanidade. O triste fim
emoções no outro, mas quando o faço, não penso no outro. Faço poesia por de Heitor, dedicado pai de família
uma necessidade vital. Claro que existe uma preocupação estética. E nesse e guerreiro ideal, pelas mãos do
aspecto, como você já observou, dialogo com a tradição. Penso que ninguém implacável e furioso Aquiles, não
cria uma obra do nada. Por mais inovadora que ela seja, sempre apresentará tira a beleza dessa passagem da
pontos de convergências com outras preexistentes. Acredito mesmo que as epopéia de Homero.
referências sejam salutares para que se possa criar algo valoroso. Quanta ‘obra Por falar em beleza, lembrei-me
de vanguarda’ não perdura mais que uma semana? A cada esquina aparece de Rainer Maria Rilke, quando diz
um poeta que se intitula ‘inventor’. Isso só acontece porque esses vanguar- nas Elegias de Duíno: “Pois o belo
dosos, que buscam a novidade desesperadamente, não leem. Uns porque não é/ Senão o início do terrível”.
não gostam de ler, outros para não verem suas ‘obras’ serem influenciadas. E quantas vezes nos deparamos
E, por conta dessa ignorância, apresentam pastiches de quinta categoria do JIVM – Sua pergunta é curiosa, porque o Roseiral surgiu de um perplexos e assustados diante de uma situação, ou mesmo depois de
que já foi feito a cem ou duzentos anos. sonho, de um lance de pétalas. Os ventos dadaístas, anunciados ler um poema ou depois de ver um filme, e dizemos: Que coisa terrível!
Eu, particularmente, não acredito em escritor que não lê literatura. Van- no poema “A casa dos meus quarenta anos”, visitaram-me numa E é como se disséssemos: Que beleza! O Raimundo Fagner cantava para
guarda para mim tem que ser como Dom Quixote. E foi dessa conversa tão certa noite, lá na Pedra Só, minha roça, e me vi como um condenado a minha adolescência uns versos de Antonio Brandão que me marcaram
antiga entre Cervantes e José Lins do Rêgo que surgiu o Capitão Vitorino. a fazer versos bem diferentes dos que estão presentes na minha muito: “Beleza só depois de uma sangria desatada”. Não que seja maso-
Foi da conversa antiga de Lima Barreto com Cervantes que surgiu Policarpo produção anterior. E, logo de cara, o nome se impôs: Roseiral (Ah, quista, mas o sofrimento chega e entra sem pedir licença. Mesmo assim,
Quaresma. E foi assim, sem querer inventar a rosa, que surgiu o meu Roseiral. quantas críticas sofri por causa desse título!). E os poemas só falavam é preciso reagir e abraçar a tarefa de transformar pedras em pétalas. Só
Em um diálogo com os poetas que admiro e com os que vou conhecendo em rosas, em mulheres, em sangue, em pedras. Logo em seguida, que os olhares estão presos na vitrine, as pernas correndo atrás do carro
na minha caminhada pela existência. Ah, nada como uma prosa boa para soube que um amigo, dos tempos de adolescência, havia cometido novo, o pensamento está se especializando em conhecer cada vez mais
despertar a poesia da vida! suicídio com um tiro, de revólver calibre 38, na cabeça. Na hora veio sobre cada vez menos. E aí não há espaço para essa discussão. Então, só
a imagem de uma rosa de sangue brotando violentamente da sua uma pedrada certeira para despertar a aurora das ideias.
LIMA TRINDADE – Você não inventa a rosa, mas anuncia, desde a epígrafe face. E pensava num belo roseiral escarlate nascendo em cima de
de Gertrude Stein, que a rosa vive e respira independente de nossas vontades, um lajedo. Era uma loucura e eu não sabia que rumo daria para essa IGOR FAGUNDES – Tanto em seus poemas quanto na entrevista, nestas suas
e que podemos, sim, olhar a rosa, sentir o seu odor e colher, por meio de produção. O engraçado é que boa parte desses poemas foi feita com respostas que jamais deixam de trazer o calor e o sol de um poema, como se também
nossos sentidos, seus múltiplos significados. Poderíamos afirmar, então, que versos medidos, visitando desde as redondilhas até o alexandrino e, o fossem, ouvimos a voz dos deuses a saltar de sua boca. Em geral, quando um
você re-inventa a rosa? Que sua rosa é uma e nenhuma mulher, é começo e principalmente, o decassílabo. poeta dialoga vigorosamente com os mitos gregos, e assumindo que seria o seu
fim, amor e morte, matéria e sonho, paraíso e danação? No capítulo “Roseiral” há seis sonetos brancos. Mas, se algum caso, de imediato a crítica apressada o qualificaria (depreciativa ou elogiosamente)
JIVM – Embora tudo – nos tempos e pelos tempos – seja tão semelhante, purista – defensor rigoroso da predominância do decassílabo heróico como erudito – poeta para poetas e não para o povo. Mas, de repente, temos um
cada momento é singular. A cada instante construímos relações que vão e perseguidor das rimas raras – pegar esses poemas para ler, vai ficar José Inácio Vieira de Melo entre algarobeiras da roça, entre o sertão e o agreste
compondo o que somos. Somos uma invenção que está constantemente a apavorado, porque, além de colocar simultaneamente no mesmo brasileiros, a chamar palavras como quem chama a seus bois, tão capaz de abraçar
se reinventar. Nesse sentido, o Roseiral é invenção e re-invenção. A epígrafe soneto o decassílabo heróico, o decassílabo de gaita galega, o de e comover um não-letrado quanto uma fazenda de gado o é. Um José Inácio Vieira
inicial do livro, como você bem observa, aponta para isso, que uma rosa é arte maior, o sáfico e o de inclinação provençal, evito os preciosismos de Melo a lembrar-nos que falar em gregos nada tem de impopular e letrado, se
tão-somente uma rosa, mas é também toda a possibilidade de criação. É o professorais. Dialogo com a tradição, mas não pretendo ser Olavo ali, entre os rapsodos e cantores da Grécia, tudo é corpo e oralidade, palpitando
Jardim do Éden, do qual nos fala aBíblia, é o Jardim das Delícias, de Bosch, o Bilac. Ao invés de ficar queimando as pestanas para fazer pastiche de entre os homens comuns, ou melhor, incomuns. Já lhe perguntaram, aqui, acerca da
Jardim das Acácias, do Zé Ramalho, são meus jardins dos Mandacarus e das quinta categoria dos poetas que me antecederam, estou explorando convergência entre o moderno e o arcaico; contudo, penso que toda esta mitologia
Algarobeiras e, finalmente, é Roseiral – o jardim da imensidão. Eu me invento e experimentando. Estou fazendo meu caminho. não apenas desfaça tal dicotomia ao derrubar a linearidade do tempo na revelação
dentro desse Roseiral. Suas rosas são brasas. Suas pétalas, pedras que jogo na Paralelo a esse acontecimento das rosas, surgiram uns poemas do que permanece contemporâneo, isto é, um presente jamais ultrapassável. Para
cabeça de Deus e de quem estiver pela frente, para que jorre a seiva escar- extremamente agressivos, despudorados e violentos, que tinham além dessa dimensão temporal, imagino que, em seus versos, punge também a
late e assim eu possa ver o mundo encarnado. Para além de uma elegância endereço certo: o patriarcalismo que sempre esteve de sentinela, dimensão espacial desta mítica que entrevê na terra particular e brasileira, a terra
asséptica, busco colocar em meus versos a força do animal humano, persigo a massacrar as diferenças e moldá-las à sua imagem e semelhança. universal. No lugar específico, o sem-lugar que abisma todas as terras. Quero, com
os aromas e os matizes do barro em que foi moldado. Na mesma linha do despudor, surgiram uns poemas eróticos que eu tudo isso, chegar a uma questão: à sua habilidade de tornar o José Inácio particular
Há um poema no livro, intitulado “Invenção da poesia”, que explicita bem jamais imaginei que teria coragem de publicar. e distinto em um Vieira de Melo universal, indistinto, abismal, de maneira que a
as proporções do Roseiral, a partir da estrofe inicial, que diz “Pele vestida, dis- Como pode perceber, no começo não houve nenhuma possi- história de vida do indivíduo que escreve se apresente em seus poemas com tal força,
tribuída e refeita,/ parto para o princípio do labirinto”. Mas, logo em seguida, bilidade de ordenação, pois os poemas surgiram em grupos e aos que ela mesma se torna um mito, uma mitologia para nós e em nós, seus leitores. O
afirma: “Parto e principio o labirinto”. O Roseiral é um jardim, porém o seu borbotões. Com o passar do tempo – meses e meses – é que fui homem que escreve não se transforma apenas em um eu lírico que o transfigura ou
elemento ordenador não é a plenitude, é a inquietação. É a busca da origem, percebendo que determinado poema não cabia naquele conjunto, dele diverge. O eu lírico também transforma este homem em certa divindade – no
da Rosa Mística, que inicia quando partimos à procura do princípio do labir- mas se adequava ao outro. E a arrumação ficou de tal maneira que os sentido grego e, portanto, originário. Afinal, tanto “A casa de meus quarenta anos”
into. Acontece que, quando partimos, damos início ao nosso labirinto. O meu capítulos desenvolvem um andamento, como se estivesse fazendo quanto “A calçada dos meus quinze anos” parece valer como oráculo para todos os
Roseiral é um labirinto. E, como não preciso de justificativa, “parto,/ que a um percurso, que começa no terreiro de pedras e que leva ao jardim, que com seu Delfos se consultam. Diante disso, gostaria de saber se acredita que,
peripécia não é chegar,/ que o coração só tem um fim:/ ao som do coro das labirinto escarlate por onde se faz a travessia para alcançar a calçada em toda arte, o biográfico, para ser poesia, precisa deixar de sê-lo e, a partir daí, que
sereias/ cantar o ciclo da origem”. da juventude e, finalmente, chegar à casa da maturidade. Mas acho discutisse até que ponto a potencialização, ou a superlativação, ou a transmutação de
também que cada capítulo, ou mesmo cada poema, pode ser lido uma biografia contribuem para a mitificação da figura não do poeta, mas do homem
Astrid Cabral e eliana Mara Chiossi avaliam separadamente, sem que haja necessidade de traçar um roteiro. que se lhe antecipa e nele se eleva.
esteticamente o mais novo livro de Vieira de
Melo MARIANA IANELLI – Vejo que o poeta que anunciava a calmaria, JIVM – Rapaz, você foi longe... Mas eu estou aqui bem pertinho de uma
em A infância do Centauro, agora se descobre, em Roseiral, no centro algarobeira, sentido a brisa do sertão. Confesso que para mim é um tanto
VITOR NASCIMENTO SÁ – A leitura de Roseiral deixa evidente uma pre- de uma vertigem. Nesse magma de criação, destruição, recriação, o difícil explicar por qual mecanismo minha vida se apresenta na minha
ocupação em concatenar os poemas de um modo que a obra se torne poema, ainda que muitas vezes assuma o tom imprecatório, ainda poesia. Mas, por outro lado, fica bem fácil quando sei que, para mim,
uma espécie de organismo coeso, ou pelo menos se assemelhe a isso. Essa assim, é uma rosa, uma revanche da vida. Não será este o grande não existe um José Inácio das obrigações cotidianas e, em separado,
impressão nos é transmitida tanto no campo formal como no temático. um Vieira de Melo poeta. Eu sou José Inácio Vieira de Melo por inteiro.
7. Exero 01, 5555 BLA BLA BLA 7
Terça-feira, 09 de Agosto de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 7
Sou completamente poeta, embora saiba que não seja um poeta se jogassem no abismo e bradassem humanamente. Talvez aí houvesse Nikos Kazantzakis, em Carta a El Greco, sobre o dever de “reconciliar os irrec-
completo, pois sempre há searas a conhecer. Sinto que sou poeta algum indício de liberdade para criar uma poesia que desperte emoção onciliáveis” e arrancar do fundo de si mesmo “as espessas trevas ancestrais
25 horas por dia. Não consigo dissociar minha vida da minha poesia. no leitor. para delas fazer luz”. Kazantzakis se referia aos antepassados que combatiam
Sei que existem poetas bem mais competentes que eu, com uma Mas nem tudo está perdido. Apesar de achar que é muito cedo para se dentro dele, a terra e o fogo: “bons camponeses” por parte de mãe, “corsários
obra mais consolidada que a minha, que não fazem o estardalhaço falar em singularidade, existem poetas aflorando no alvorecer desse novo sanguinários” por parte de pai. Gostaria, na verdade, que você comentasse
que eu faço. Ficam ali, recolhidos na tranquilidade, para lembrar de milênio que são avatares (para usar uma palavra que está em circulação). um pouco sobre esse conflito interno, se ele existe, e como você o reavalia,
Wordsworth, e poucos sabem do seu ofício de poeta. Eu não. Por Poetas que não mataram a criança e que preservam suas humanidades. agora, tendo cumprido mais este “ciclo da origem” que sua voz, já desde os
onde passo, deixo o rastro do poeta. E mesmo os que não entendem Não pense que sou apocalíptico. Apesar do momento caótico em que primeiros poemas de Roseiral, profetizava.
bem do que se trata dizem logo: “ele é poeta”, sem que haja nenhuma vivemos, comungo com Nietzsche quando afirma que “somente quem
intenção de valoração. tiver o caos dentro de si, poderá dar luz a grande estrela bailarina”. JIVM – Eu cresci marcado pelo signo da diferença. Somos cinco irmãos.
Vivo pensando a poesia que me é possível o tempo inteiro. Mas, Todos homens. Sou o terceiro. Na verdade, sou o sétimo, visto que minha
por mais intensa que seja essa relação, por mais próxima que seja do VITOR NASCIMENTO SÁ – Entre as pedras que são atiradas no poeta, mãe teve nove filhos. Cinco vingaram. Pois bem, a partir de meus sete anos,
que sou, ainda assim, não é o que sou. Esse sujeito que está o tempo obviamente, há a crítica negativa daqueles que resolveram se colocar o refrão que mais escutei, e que perdurou até os 20 anos, quando vim morar
todo dentro da minha poesia, que se parece tanto comigo, sou eu na vida como seus adversários poéticos, se é que isso faz algum sentido. na Bahia, foi: “– Esse menino é todo diferente dos outros!” E foi com sete
mesmo tentando me autenticar dentro do poema, dentro da arte. Quem acompanha de perto sua produção – seja a publicação dos cinco anos que tive de descer do fusca e ficar sozinho na entrada da fazenda,
Mas, ainda assim é uma representação. É um eu lírico idealizado, que livros (incluindo Roseiral), seja a realização dos eventos literários e culturais que distava uns três quilômetros da sede. Eu até hoje me lembro do meu
vai pedir bênção aos mitos, sobretudo os gregos e hebraicos, para se ou a sua atuação na internet – sabe que há aqueles que vivem espreitando pasmo e do imenso abandono que senti. Meu avô Moisés, quando soube,
perpetuar dentro de uma tradição. Não que o biográfico não esteja seus passos e fazendo um esforço tremendo para negar tudo, infamar saiu correndo ao meu encontro...
presente, mas há um somatório de referências, há enxertos de ficção ao máximo. Por outro lado, se levarmos em conta a idade de sua poética Na adolescência, quando estudava em Maceió e passava os finais de
que superlativizam o biográfico e potencializam o mito. A partir daí, a (aproximadamente uma década) sua fortuna crítica é imensa e chove semana e as férias no interior, o fato de gostar de usar cabelos grandes – ah,
figura humana é investida por uma couraça do imaginário, pelo poder comentários elogiosos de nomes consolidados. Como é viver, poetica- como sinto saudades dos caracóis dos meus cabelos – distanciou-me ainda
da criação, que pode lhe conferir heroísmo e até mesmo o deificar. O mente, assim, entre a simpatia de tantos e a extrema ojeriza de alguns? O mais de meu pai, uma vez que fiquei impossibilitado de sentar à mesa na
homem que sou, e que se diz poeta o tempo inteiro, não consegue que você aguarda desses opostos com o lançamento de Roseiral? sua presença durante alguns anos. É aquela coisa lá do poema “Banquete”.
acompanhar o eu poeta na escalada rumo às esferas do delírio, por Não é muito fácil falar dessas coisas. Pois é! Mas, para tentar limpar o sen-
maior que seja a sua vigília. No entanto, as pedras que são atiradas JIVM – Olha, não tenho do que me queixar. Minha poesia tem mere- timento, só enfrentando tudo isso. E oRoseiral veio na medida, passando
no poeta, essas recebo todas. Em dobro, até. cido a atenção de nomes significativos da literatura brasileira, das mais o passado na lâmina.
No que se refere aos mitos, sempre achei que são coisas do povo. diversas vertentes e de diferentes gerações, como você bem observou. Quero deixar bem claro que meu pai é um referencial de inteligência e
De um lugar para outro, de uma época para outra, mudam-se os Vai longe o tempo em que eu tinha uma preocupação em conseguir uma de conquistas. O que ele queria era que eu o acompanhasse na sua luta
nomes, mas são as mesmas figuras mágicas que vêm atender as editora para publicar meus livros. Hoje em dia, os convites são vários. desenfreada para vencer na vida. Se a minha história parece difícil, a sua é
necessidades de milagres e de punições das tribos, dos povos. Apesar Na verdade, tenho aberto portas para outros poetas publicarem seus muito mais: criado por uma tia desde os dois anos, começou a trabalhar na
do diálogo com os mitos gregos, sinto-me um poeta de inclinação livros por editoras que garantem, ao menos, uma boa distribuição. E é infância, frequentou escola por menos de um ano em sua vida, casou aos 18
bíblica, um pastor de nuvens e de versos. Os meus livros anteriores bom lembrar que estamos falando de poesia, gênero que não desperta com uma menina de 14 que, desde os 11, era órfã de mãe. E me ofereceram
devem tributo ao poeta Davi, o salmista. Já neste Roseiral, os Cânticos o interesse da grande maioria das editoras, por conta da falta de leitores do que tiveram – o abandono – e muito mais do que não tiveram: a pos-
dos Cânticos de Salomão são uma referência mais próxima. A seiva e, consequentemente, pela falta de consumidores. sibilidade de estudar e muito afeto também. Esclareço que, nesse ínterim,
das rosas escarlates do Roseiral trouxe um novo tônus para minha Existe, no estado da Bahia, meia dúzia de pobres diabos que, movidos comecei a ter problemas com bebidas alcoólicas. E durante duas décadas
poesia. (dos 13 aos 33 anos) a barra foi pesadíssima, e causei muitos problemas.
Você, Mariana, além de poeta brilhante, é uma leitora extraordinária.
MAURÍCIO MELO JÚNIOR – Tenho uma visão até óbvia de sua Mostra o compasso certo desse Roseiral: “reconciliar os irreconciliáveis”.
poesia: a forte presença da terra, do semear. E isso é um jeito meio Eu, revestido por você do mito de Telêmaco, combato a tirania patriarcal
esquecido pelos poetas contemporâneos, tão urbanos e violentos. que subjuga as diferenças, que massacra suas crias e, tal qual Procusto,
Você é sertão, só que se conhece uma infinidade de sertões metafóri- molda o outro às suas medidas. Desse modo, a figura do Pai – que pode
cos – Zé Limeira, João Rosa, Zé de Alencar, Rachel, Mestre Graça, ser entendida como o deus, como o pai, o patrão, o governante – recebe de
Cabral –, enfim, onde se localiza sua geografia íntima? volta a coroa de espinhos que impõe ao filho. Depois de cumprir a travessia
das rosas escarlates e de suas inúmeras pedras, sinto-me aceitando cada vez
JIVM – Pois é, o sertão é o mundo, como nos ensina o Mestre Rosa. mais a minha condição de poeta. Em relação à família, pais e irmãos, estou
Por outro lado, o bardo cantador Elomar traz notícias de um sertão muito distante. Parece-me que é a melhor maneira de sentir saudade e de
profundo, de dentro. A minha geolírica situa-se nessas plagas das ser tratado com respeito. No mais, tenho dois filhos – Moisés e Gabriel –
quais falam João Guimarães Rosa e Elomar Figueira Mello. Um sertão que são luz em minha vida. Que alegria despertam em meu ser! E com que
íntimo, de dentro, tão intenso, que faz com que para onde eu olhe facilidade alimentam a criança que existe em mim!
vislumbre o sertão planetário do poeta Gerardo Mello Mourão, a roça
de estrelas de José Chagas e de Jorge de Lima. O sertão cósmico de JIVM: “Há algo de perdição nessa busca, porque sei que nunca vou estar
Roberval Pereyr e de Antonio Brasileiro. satisfeito, sei que o que procuro estará sempre se escondendo detrás da
A minha geografia íntima é abismal e localiza-se no terreiro do árvore seguinte, do prédio seguinte e até mesmo na minha sombra”
meu ser – bem longe da balbúrdia dos modismos. Deitado nas relvas
de Whitman, de dia pastoreio nuvens – de Pessoa e de Davi – no curral IGOR FAGUNDES – Disseste que, para o Roseiral, não aguarda nada, que
da imensidão azul. À noite, do balanço da rede, cultivo as estrelas não é de esperar. No entanto, muitos leitores esperavam um novo livro seu.
nos labirintos de Borges, que trazem brilho, inquietação, suspiro, Para além do que o inspirou a escrever e das elucubrações críticas que aqui
inspiração. O sopro lírico de Drummond e de Ruy Espinheira Filho. fizemos, o que, em suma, afinal, podemos todos – os que já o leram e os
Cada estrela tem nome de poeta – Bandeira, Lorca, Kaváfis, Rilke, que ainda não o leram – esperar de sua poesia? E será que José Inácio não
Murilo – e faz parte de uma constelação. Misturam-se e renovam-se. por uma inveja corrosiva, estão empenhados em difamar a minha pessoa espera nem por mais poesia em sua vida? Será que já não está chocando
Morrem e renascem. E continuam. Tantas e tantas. Os que citamos e e de desmerecer a minha produção poética. Esquecem de trabalhar (e outros livros antes mesmo de este novo circular pelo Brasil? Tu nos deixa
mais Herberto Helder, Cecília Meireles, Alberto da Cunha Melo, Maria passam a roubar), esquecem de suas famílias (que, por sua vez, procuram querendo mais poemas, mais livros, José Inácio...
da Conceição Paranhos, Francisco Carvalho, Myriam Fraga, Wilmar alento em outros braços), esquecem de si próprios (alguns têm até o álibi
Silva, Mariana Ianelli, José Alcides Pinto, Astrid Cabral, Alexandre de serem loucos) e se dedicam completamente ao José Inácio Vieira de JIVM – Quando falei que não aguardo nada para o Roseiral, quis dizer
Bonafim e vários outros. Melo. Não sabem, coitados, o quanto contribuem para que, cada vez mais, que não sou de ficar criando expectativas. Gosto de sair por aí, espalhando
meus versos ganhem espaço. minha poesia. Não publico um livro e fico com ele dentro de casa, velando-o,
LIMA TRINDADE – Sinto que a ocupação desses diversos topos – Para o Roseiral não aguardo nada. Não sou de esperar. Gosto do movi- esperando que algum crítico extraordinário venha descobrir o gênio que
como no caso do sertão (interior e exterior) e do urbano, da mistura mento, do ritmo, de andar, de fazer as coisas acontecerem. Por enquanto, sou. Não acredito nisso. Nem tampouco fico na esperança de ganhar aquele
de matizes eruditas e populares, da influência da cultura de massa há oito lançamentos marcados: Aracaju, Belo Horizonte, Salvador e cinco prêmio tão desejado pela maioria. Eu corro atrás. Mesmo parado, dentro
em todas as esferas, do surgimento de novas configurações políticas cidades do Vale do Jiquiriçá. De modo que não tenho tempo para de casa, estou sempre pensando numa maneira de levar meus versos ao
e comportamentais – marca a literatura contemporânea e também desperdiçar com as bobagens dessa meia dúzia de delinquentes. outro, através do mundo virtual.
a sua poética, que não escolhe um único ponto de vista, mas múlti- Quanto aos que apreciam minha poesia, só posso dar garantia de que
plos. Você concorda com essa afirmação? Enxerga singularidade na Rainer Maria Rilke: uma referência para o estarei sempre buscando... Buscando o verso que esteja afinado com meu
produção dos poetas desse início de século? autor de Roseiral sentimento, buscando a poesia de cada momento. Há algo de perdição
nessa busca, porque sei que nunca vou estar satisfeito, sei que o que pro-
nietzsche: “somente quem tiver o caos MARIANA IANELLI – No poema “Fuga”, um dos primeiros do livro, você curo estará sempre se escondendo detrás da árvore seguinte, do prédio
dentro de si poderá dar luz à grande fala do momento em que “o homem chega dentro da criança” e aparecem da esquina e até mesmo na minha sombra. Eu vivo a poesia. Sinto que, a
estrela bailarina”. os “sonhos - fuzilados no horizonte”. O poeta, aí, não apenas antecipa sua cada momento, ela apresenta-me uma nova face, ela inventa uma nova
fuga, mas anuncia, creio eu, todo um processo de enfrentamento e assimi- paisagem, ela me tira do chão e me conduz pelas esferas do delírio. Sinto
JIVM – A contemporaneidade jogou o ser no cerne do caos. Vive- lação de forças contrárias que viremos a acompanhar ao longo de todo que tenho um sorriso triste, mas a poesia me tira do sério, me deixa bobo,
mos num globalitarismo que coloca todos em um suposto pé de o livro. Esse conflito com um “patriarcalismo”, como você mesmo disse, me deixa desse jeito que estou agora, fora do tempo, fora de mim. Comple-
igualdade, que relativiza as culturas em nome de uma cultura global. poderia ser compreendido, a meu ver, como uma batalha que se passa tamente eu. E isto é o que há de melhor.
Mas sabemos que isso tudo é uma falácia. O que se percebe mesmo internamente, uma batalha que, por ser sanguínea, abrasadora, desperta Escrevo pouco, uma média de 25 poemas por ano. O Roseiral saiu e já
é a imposição de uma cultura dominante que determina comporta- também seu correlato subversivo de erotismo e paixão. Sob esse ponto tenho no meu matulão umas três dezenas de poemas inéditos. Claro que
mentos e estabelece padrões. de vista, pode ser que nesta “odisseia”, título, aliás, de uma das seções outros livros virão. E vai ser assim até o último dia de minha existência. Sinto
A poesia, como toda arte, questiona, subverte, mostra possi- do volume, o poeta se transmude não em Ulisses mas em Telêmaco, em que a poesia é minha vida
bilidades para novos caminhos. E não é de se estranhar que, nesses busca do pai, para enfrentá-lo, numa viagem poética rumo às origens que
tempos de indagação, o paradoxo seja a melhor afirmação a se ofer- põe a salvo a criança dentro do homem. Na seção “A calçada dos meus Esta entrevista foi publicada na revista Correio das
ecer. Não há muito que filosofar. Ninguém vai ficar se perguntando quinze anos”, que concentra os poemas talvez mais significativos dessa
“quem sou eu?” no momento em que perde um braço. Mas o pior batalha, a representação do banquete ocorre em três poemas, um deles Artes, Abril/2010, Ano LXI, na cidade de João Pessoa,
de tudo é que a maioria dos poetas – tão intrincados nos estudos intitulado “Canibal”, o que me faz pensar novamente em um processo
culturais – está sem caminhos. Então, esses poetas, preferem ficar de assimilação poética, e por que não dizer, de transubstanciação, como na Paraíba. Foi distribuída nas bancas de revista como
usando palavras soltas, mecânicas. Assemelham-se tanto aos robôs indicam os versos do poema “Vampiro”: “Sim, beberei teu sangue / quão
que os computadores parecem mais sensíveis. Seria preferível que saboroso é o vinho / que corre em tuas veias”. Isto me lembra o que dizia encarte do jornal A União, no dia 25 de abril de 2010.
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Terça-feira, 09 de Agosto de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 8
no rEcanto dE apoLo...
O Morto
Auto-quotidiano Silêncios
EDuARDO QuIVE
JAPONE ARIJuANE - MAPuTO PEDRO Du bOIS - bRASIL
Para minha avó,
Tanto conversamos
esposa segunda do meu pai, Há vezes que a tristeza faz me muito feliz em silêncio
mãe de dois irmãos meus Quando triste lembro a felicidade vivida seus olhos perguntam
respondo olhares
e falecida Nunca da tristeza que vivo.
mágoas
Um bando de dor se excitou, Felicidade é bem compreendida tristezas
Lágrimas em versão dos hinos celestes, iras
Buscavam o momento do adeus último. quando se esta triste raivas
Diante de mim, estava a nova habitante do além Minha vida é o lado feliz da tristeza surdas maneiras
Do poente de nos fazer entender
Do fim não estarmos juntos.
Da noite que não amanhece.
De doloroso
Nascia no escancaro,
A tumba
O túnel do abrigo na morte.
Mais uma vida se rendera aos deuses assassinos
Tu e eu…
Desta vez
Foi em Junho.
Aos meus olhos
A pirâmide esquivou-se do mortífero Setembro… Ericson Maque - Lichinga
Quem sobrou….
Quem sobrou? Somos dois…
O que ficou? Existo para…
Não existo sem…
… A maldita que engolirá a minha mãe?
A peste que cobiça o meu pai? Nascemos algures
O próximo é desconhecido Nem antes nos conhecíamos
Mas existe
E a peste o levará para onde quiser
O gosto por elogios Juntos lá vamos
Nas escuras da incomensurável ambiguidade
ALFREDO bENzANE - MAPuTO Das nossas vidas, vão os nossos desabafos.
Há coisas que eu gosto de ouvir
Que dão-me auto-estima e põem-me a sorrir recolha do texto: Mukurruza
Dão-me um eu que não conheço
E me deixam a viajar num espaço tão lindo
IDENTIDADE DO SOL Eu gosto de ouvir elogios verdadeiros
O Povo
De ouvir adjectivos que engordam frases belas
Sejam curtos ou longos
Eles me engordam,
e através deles ultrapasso problemas
ALbERTO ARAÚJO - MAPuTO
Eu tenho gosto de dizer obrigado após elogio
Um ente desponta, Direccionado ao meu espírito e não o físico
E aponta o que é ser belo, Gosto de ouvir como ele é simpático
E da beleza nascem palavras. Fico alegre e com um enorme prestígio MukuRRuzA - LIChINgA
Singrando pela alma Eu gosto de ouvir “como ele é quão bom”
Vão-se as palavras entintadas e solfejadas, De ser chamado louco (A um povo humilde por aí…)
As quais o tempo fez produzi-las quando a felicidade me consome
Quando me engolem por inteiro
Certas, se fazem fato central de uma vida. e deixam me sem fome I
Por esse motivo nunca as Trilho sem querer sou bomba de risos Maldito tempo difícil,
deixarão adormecidas no cais, Soam balas encravadas nas paredes,
Aneladas a tristezas e angústias Eu gosto de ouvir Acordam banhadas de sangue no rosto.
Tampouco dá guarida aos proveitos do que se fez. Num trabalho sem esperar ouvir “és forte” É terrível sacrificar se pela humanidade escolhida!
E estudando, um suave “és muito inteligente”
Apenas o querer que, as palavras ditas no papel
Sejam viajadas através do tempo, Os elogios vêm de atividades boas II
Fazendo-se cantigas no coração de quem ama Passam por quem vê os fazeres No irreparável cuspo da guerra,
Assim o tornando um ser meramente feliz. Com distino de quem as faz Há um denomino que lhes enche
De tristezas e lágrimas
Os elogios mudam a qualquer um De caras secas e pálidas!
Dão auto-estima e mais bondade
Trazendo a realidade para quem não a conhece
Quem a aceita se disliga do Satanás III
E vive completamente a eternidade De suor nudez
Deita (se) milhares pelo avermelhado chão.
Eu gosto de ouvir elogios E tudo em volta fica encarnado!
E faço tanto para ouvi-los.
IV
Pátria se atormenta
E de baixo de sol escaldante
Vai o povo sonhando liberdade!