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Director editorial: Eduardo Quive * Maputo * 25 de Outubro de 2011 * Ano 01 * Nº 15 * E-Mail: kuphaluxa@sapo.mz

ENTREVISTA COM AUTOR DO
LIVRO “A Cidade SUBTERRÂNEA”




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2    BLA BLA BLA   Exero 01, 5555
    Terça-feira, 25 de Outubro de 2011                                           https://literatas.blogs.sapo.mz                                                                        2

Em primEira
Dos Frutos do Amor e Desamores até à Partida de Adelino Timóteo:


Amor e Utopia
    LucíLiO MANjATE* - MAPuTO
                                                              Não será esta síntese, portanto, o universo
1.       Dos frutos do amor                                   metaforizado na palavra “Tudo” que “eu”
                                                              poético diz?
“Tudo que sei dizer-te é que és nua:                          Se assim for, o “eu” poético do Adelino
E lenta a flor, como o Sol, eis que de múltiplas formas te    Timóteo diz o seu universo sensorial ao
desabrochas em mim: as tuas mãos de vidro, lentas, os         mesmo tempo que o interpela. “Tudo que
teus lábios húmidos, quentes, à forma como me beijam.         sei dizer-te é que és nua… Caída chegas-
Caída chegas-me pelo corpo, pela alma. És lenta, e nua        me pelo corpo, pela alma.”. Tudo que sabe
explodes, como uma mina aberta à memória. És alta como        dizer, ou seja, tudo o que ouve, vê, sente,
pólen, a doce lentidão como me chegas, vagarosa pela          cheira, prova, é nu. A “nudez” há-de ser,
boca, a vocação com que o fazes: lenta no beijo, até ao       portanto, o núcleo habitacional da enun-
tutano, lenta às carícias, até às trompas de falópio. Tua a   ciação poética desta obra.
lentidão uma fonte de água, sem rumor, incessante. Tua         A interpelação que o “eu” poético faz à
a vertigem, repetitiva como me chegas, quente, suave,         entidade a quem se dirige inaugura uma
febril.” – p. 11                                              relação de identificação que o autor dá
Ao apresentar a nova obra de Adelino Timóteo, gostaria        o nome de Amor, talvez porque acredita
de destacar dois signos de enunciação poética que me          que todos nós sabemos – ou pensamos
parecem representar os fundamentais núcleos semân-            saber – o que essa palavra significa. Mas,
ticos da obra. Primeiro, o da identificação irónica do “eu”   de facto, o Amor aqui é apenas exemplo
poético em relação à entidade que interpela. Segundo, o       dessa relação superior. Não se trata de uma
facto de essa identificação ser co-referencial em relação     relação de amor, desse amor que povoa
à “nudez”, palavra-tema que ao longo da obra ora é des-       o nosso imaginário, apesar de o “eu” poé-
sacralizada ora sacralizada.                                  tico interpelar uma mulher, fonte desses
As noções de “identidade” e “identificação” são recorrentes   sentidos que lhe chegam pelo corpo, pela
nos estudos literários e culturais. A noção de “identidade”   alma. É mais uma relação de identificação
é, muitas vezes, entendida em primeiro grau, como aquela      que tem no imaginário que construímos
que é cunhada a partir de dados empiricamente veri-           sobre o Amor a sua metáfora. É a partir
ficáveis, como a cor da pele, o sexo, atc. Em segundo grau,   dessa metáfora do Amor, de um “eu” poé-
a palavra “identidade” remete-nos para uma construção         tico que se afirma em função de um Outro
simbólica no próprio processo de sua determinação; trata-     concretizado e poetizado, que Adelino nos
se de uma entidade que não se concretiza em função de         convida ao entendimento do conceito de
um único referente empírico, mas de vários, num processo      identificação como tema superior do seu                            seu universo. Por isso é que o conceito de identificação
reflexivo que possui uma dimensão de exterioridade.           livro, uma espécie de arquétipo de todas as relações. Para         em Adelino Timóteo é um espaço sublime e uma vocação
Nessa aceitação do que é exterior, um Eu não nega um          tal, o poeta serve-se, estrategicamente, da “nudez”, e de um       a ser seguida, a vocação de sermos a totalidade de um
Outro, pelo contrário, aceita que a sua “personalidade” é     imaginário que associa a nudez à disposição sexual, como           Outro para sermos Nós. Uma vocação que nos coloca na
forjada na tensão entre dois olhares, o seu e o do Outro.     confirmam as ilustrações feitas à obra, de Silvério Sitoe: “Tudo   eminência de sucumbirmos se o Outro, que faz de Nós o
Há-de ser por causa desta relação dialéctica entre o inte-    que sei dizer é que és nua … Caída chegas-me pelo corpo,           que somos, deixar de existir, como acontece na segunda
rior e o exterior que Derrida afirma que “Uma identidade      pela alma.”.                                                       parte do livro – Desamores até à Partida.
nunca é dada, recebida ou atingida: só permanece o
processo interminável, indefinidamente fantasmático           “Posso escrever-te a tua húmida flor, a rosa
da identificação”. Hoje sabemos que o sexo já não iden-       côncava, carnosa, em seu fundo negro sem fim: A                    2.       Desamores até à Partida
tifica nem homem nem mulher. Hoje percebemos que              tua flor é a língua do fogo, a borda alongada das
somente o diálogo, a abertura para o Outro, permite           pétalas, o fio volátil em meus lábios. Chega-me                    “Eras lenta, amorosa, para lá do limite da paciência. Como
perceber que interagirmos com homens que na verdade           lenta pelo pavio, no mar sem fim dos meus lábios,                  uma sinfonia dos oboés, ritual me acariciavas que não te
são mulheres ou mulheres que na verdade são homens,           na água sem fim das palavras, onde cada gesto                      fartavas, delicada que me alongavas os bornais, firme a
ou ainda homens e mulheres que nem são homens nem             teu se repete como um refrão, com graça. Posso                     saliva pela língua. … Aquele amor cândido. Aquelas amoras
são mulheres. Ora este diálogo não é identidade, mas          escrever-te a tua flor: aberta como uma asa és                     dóceis. Era só uma lembrança, pois então quebraram-se
identificação.                                                lenta, lenta que me fazes vibrar. E tu és feita de                 as asas e nenhum de nós os dois voa. E o silêncio a si se
O livro que Adelino Timóteo hoje nos apresenta é com-         silêncios, de telegramas que se me chegam pelos                    interpela. Já não é. E sempre era de noite quando volvia
posto por dois momentos. O primeiro momento, Dos              teus beijos, cartas e telexes que me chegam pela                   aos teus prumos. E a pergunta com que o silencio se me
Frutos do Amor; o segundo, Desamores até à Partida. A         ponta da língua, às digitais, esmerada no que                      interpela se cristalizará com o tempo. Eis mais este presente
obra é uma interpelação ao leitor, mas uma interpelação       te encarregas pela tua boca. Posso escrever-te                     dilacerado que nos sobrou. Delicada a chuva sobre a celha
                                                              a tua flor: trazes-me aos lábios os fios de uma                    dos rostos até à partida.” – p. 46
                                                              aranha tecedeira, a lentidão da abelha e o mel                     Obviamente que já não se trata aqui dessa fusão de sen-
                                                              num cântico com que transcendes à lua, a Marte                     tidos a que o “eu” poético recorre para se definir. Mas aqui
                                                              venial, divinal.” – p. 12                                          percebe-se que a tese que Adelino Timóteo formula na
                                                                                                                                 primeira parte do seu livro é a de que a abnegação, pura e
                                                              De facto, a nudez é o signo que Adelino Timóteo elegeu para        verdadeira, natural e sincera, a que nos votamos quando
                                                              celebrar o amor carnal. Com efeito, as imagens eróticas des-       amamos carnalmente ou sexualmente é a manifestação
                                                              filam, gradativas e lentas, num filão descritivo desse desejo      da noção de identificação enquanto arquétipo a ser real-
                                                              sexual que se vai celebrando e cujo êxtase encontra na volup-      izado, utopia a alcançar, pois agora lembramo-nos de que
                                                              tuosidade da palavra, na expressão libidinosa que progride         palavra “nudez” denota também os sentidos simplicidade,
                                                              sempre lenta pelo corpo nu da mulher, a sua representação          singeleza, verdadeiro, sincero, natural. O desamor que se
                                                              suprema.                                                           regista na segunda parte da obra reforça esta ideia, a iden-
                                                              Parece-me que a primeira parte deste livro diz respeito a          tificação como processo de construção identitária exige de
                                                              esta celebração. A celebração do universo-mulher, da mulher        nós essa nudez que teimosamente camuflamos. Tal como
                                                              nua, ao qual o sujeito poético irremediavelmente se entrega,       quando fazemos amor, nascemos todos nus. E o que há
                                                              porque somente assim se define, nu. Mas aqui o perigo, o de        de comum entre fazer amor e estar nu é o encontro com o
                                                              pensarmos que Adelino Timóteo apresenta-nos poemas eróti-          universo. Ou seja, o universo do Homem nunca deixou de
em segundo grau, momento em que deixamos de iden-             cos. O erotismo nestes versos não é um fim em si mesmo, mas        ser a nudez. Conceber a nudez como ponto de encontro, de
tificar na obra o tema do amor canal – como veremos – e       um ponto de chegada que tem no conceito de identificação o         naturalidade, de sinceridade, de verdade e pureza, e assim,
passamos a interlocutores de um processo de identifica-       ponto de partida, onde ou quando precisamos ser Outro para         olharmo-nos sempre nus, ainda que vestidos, seria a mais
ção que tem como mote esse tema do amor sexual.               sermos Nós. É o ideal da fusão de todos os sentidos.               genuína, a mais sublima expressão de identificação, onde
Na primeira parte do livro, Dos Frutos do Amor, ao inter-     Ora Adelino Timóteo confunde-nos exactamente ao apre-              e quando somos todos iguais, ainda que diferentes
pelar a entidade a quem se dirige, ironicamente o “eu”        sentar essa relação como sexual. Na verdade, o poeta acaba
poético identifica-se: “Tudo que sei dizer-te é que és nua    dessacralizando esse amor feito de carne, como quando quer- *LucíLio MAnjAte é docente de Literatura na
… Caída chegas-me pelo corpo, pela alma.”                     emos “fazer amor”, ou mesmo quando não queremos. Ora o
Não será tudo o que sabemos dizer a soma das experien-        acto de dessacralização é também um acto de sacralização. Faculdade de Letras e Ciências Sociais na Univer-
cias sensoriais, a síntese do que ouvimos, do que vemos,      E sacralizar é tornar sublime. E sublime é esta entrega do
do que sentimos, do que cheiramos, do que provamos? E         “eu” poético à essa imagem da mulher nua que se torna o sidade Eduardo Mondlane (UEM) e é escritor.
Exero 01, 5555   BLA BLA BLA   3
 Terça-feira, 25 de Outubro de 2011                                            https://literatas.blogs.sapo.mz                                                                   3

Em primEira
 Havia uma dança no meio do caminho
                                Dançando com chuva: Um bailado escrito por Eduardo White
 MARcELO PANguANA* - MAPuTO                                                                                                             com tudo aquilo que até um
O bailado começa com algum cenário que se pode con-
                                                                                                                                        determinado momento julgava
siderar sombrio: A luminosidade dos relâmpagos. O
ribmbar dos trovões. A chuva incessante que cai. Uma
                                                                                                                                        perdido.
                                                                                                                                        E por essa razão, pela beleza dessa desco-
tempestade. Depois a imagem de um homem quase
                                                                                                                                        berta, o homem sinistro que nos primeiros
sinistro perdido no meio da intempérie, a chuva mol-
                                                                                                                                        cenários se encontra, chora, chora convulsa-
hando-lhe o corpo de alma. Depois uma rua qualquer
                                                                                                                                        mente, enquanto a dança acontece em seu
vestida de latas de lixo, de pedras atiradas ao acaso. Sem
                                                                                                                                        redor e ele próprio se envolve nela.
dúvida nenhuma com o cenário tendente a evidenciar o
                                                                                                                                        Como toda a manifestação artísticas inter-
enorme desconforto que a alma humana, às vezes, me-
                                                                                                                                        ventiva, “Dança com a chuva”, na sua lingua-
dra. Fica-nos, logo à partida, essa sensação de desola-
                                                                                                                                        gem musical e contemporânea, pretende
ção e de abandono. É uma certa moçambicanidade que
                                                                                                                                        se assumir como expressão de ideias e sen-
se instala e se revela, com alguns dos seus símbolos e
                                                                                                                                        timento, ou se quisermos, uma critica a nós
traços.
                                                                                                                                        mesmos enquanto indivíduos à busca da
Por isso a surge este bailado para atenuar                                                                                              perfeição. E a arte é uma das expressões
                                                                                                                                        maiores dessa busca. Quer dizer: a dança e
essa desolação. Com uma forma de                                                                                                        a música acasalada à poesia. É isso que Edu-
                                                                                                                                        ardo White pretende transmitir neste breve e
aprendizagem. Com descoberta. Com                                                                                                       mavioso bailado

catarse. Com reencontro do homem                                                                                                        *Marcelo Panguana é escritor moçam-
                                                                                                                                        bicano e director da Revista Proler




A modos de dizer qualquer coisa
Quero dizer, eu era, obviamente, um temporal de vibrações magnéticas intensas, de viagens para-
normais a planos irreais de mim...
                                                             tar, sempre desprevenidamente, desarruma o outro que      para o caos em que se tornou. No entanto, essa desordem é o
 EDuARDO whiTE* - MAPuTO                                     sou, os lugares que habita, os amores que ama. Espalha-   momento fulgurante para que tudo nele se recomponha, se
                                                             os desordenada e positivamente. Muitas vezes me faz       redescubra e se interrogue. A chama, há muito apagada do
Quando resolvi escrever o livro “O Homem, a Sombra e a bem, mas em grande maioria delas, desestabiliza-me              amor e que é a causa desse estado decomposto das coisas,
Flor”, que sobre o qual se inspira este bailado, todo o acto
criativo foi uma tempestade interior que em mim con-
vocava um bailado mágico, colorido, ritmado de sons e
vozes vibrantes na matéria do corpo e do sangue. O mo-
mento era celebrativo de paisagens anteriores que eu
tinha vivido ou percorrido em algum espaço temporal
da minha vida. Forte, devastador, arrepiante. Eu mesmo,
nessa altura, era palco de muitas coisas que se pergun-
tavam e me enduvidavam. A planura das respostas inex-
istia, o sufoco esgotante da alma se me tempestuava, a
ponto tal, que eu era todo transe, todo matéria relampe-
jante e evolava-me para espaços que desconhecia da
minha própria alma.
Em nenhum momento eu mesmo permiti-me a descan-
sos, a pausas de que pudessem resultar harmoniosas
calmas, a inervosos estados de espírito. Quero dizer, eu
era, obviamente, um temporal de vibrações magnéticas
intensas, de viagens paranormais a planos irreais de mim.
O transe transbordava como um mar que chega nervoso
a uma margem qualquer do planeta. Vi pessoas que era,
planos individuais que se materializavam, mortos que
fora em outros tempos desconhecidos e que agora me positivamente.                                                      reacende-se em si próprio, dando lugar a um sentimento de
viviam.                                                                                                                descoberta e de renovação, dados mutantes para que perceba
                                                             Confesso-vos, e isto é uma confissão que passei a fazer   que antes de amar qualquer outra coisa forçoso é que se ame
Escrevi o texto num ápice assustador de tempo. Melhor, nos últimos escritos que vou tornando públicos e que é          a si próprio. E essa sombra sua, que se transforma a partir dele
descrevi o que vivia de um espaço territorial delas que mais gritante neste livro que agora lanço em simultâneo        no sujeito do seu amor, é a resposta até a uma outra pergunta
eu próprio me tornava. Lembro-me que eu suava e a com o bailado, “A mecânica lunar e a escrita desassoss-              que, interiormente, não se cansa de fazer: Mas e onde está o
fome batia-me esgotantemente. Devo ter fumado, du- egada”, que tais momentos de tão intensos que são, de               amor e por que esse caos que é a sua solidão?
rante o tempo que isso ocorreu, três maços de cigarros. tão arrebatadores que se me tornam, resultam sempre
E bebido bastante. Sempre fui propenso a esses estados num estado de reversão de que demoro demasiado a                A transformação da sombra nessa mulher por quem se vai
de alma. Revelo-vos agora, a propósito deste bailado. recompor-me. Saio quase sempre dolorido, amassado e              apaixonar, essa metamorfose toda que ele vive, torna-se, en-
Quando escrevo se me sobrepõe um Eduardo White que descaracterizado.                                                   tão, na viagem extasiante que nele adubará o conhecimento
não sou comummente. Aquele que vivo todos os dias.                                                                     da mulher que tem em si, como ideal, e que vai descobrindo
É sempre assim. Sinto, durante algum tempo anterior à O “Dançando com a Chuva” é a história desse sujeito              nascer como realidade.
escrita, que esse indivíduo me vem chegando. Altero-me no plano do amor e que, através deste, é remetido para
por completo, torno-me outras dimensões a que a maio- todos os outros. Porém, como sabem, o amor é um es-              Toda esta trama - se mo se me permite dizer- é a tempestade
ria dos meus amigos e não só, as apelidam de loucuras. tado que altera todos os outros, ou quando começa, ou           que sobre si desaba e que se torna e que, efusivamente, o
No entanto, é bem real esse personagem que vos estou quando termina. Revoluciona e transforma, combus-                 leva ao apogeu da descoberta daquele sentimento, primeiro
descrevendo. Tem vida e personalidade próprias, e, con- tiona e mistura. O personagem principal deste bailado          nele mesmo, depois, em tudo o que o circunda. Afinal, a com-
trariamente ao nativo indivíduo Eduardo White, mais conta, desta maneira, a história um homem que desapa-              provação de que toda e qualquer ordem nascem da própria
temerário, contido, introvertido e tímido, o outro White, ixonado pela vida, que desacreditado do amor, encontra       dinâmica do caos
é um tempestuoso sonhador, um inebriado aventureiro, nessa sua desarrumação uma tempestade da qual bebe
um recipiente de alucinações fantásticas, um destemido uma viagem interior a si mesmo. Despido dele, deste
provador de experiências. Quando me chega para habi- modo, torna-se o espaço do caos e evolui, ele próprio,            Eduardo White é poeta moçambicano
4    BLA BLA BLA   Exero 01, 5555
    Terça-feira, 25 de Outubro de 2011                                                LiTERATuRA MOÇAMBicANA                                                             4


A Poesia Epigramática do Amin Nordine
ou a Babalaze do Atirador das Verdades
Um poema assim é árduo/ sem cola e na vertical/ pode levar uma eternidade. ‘’ARMÊNIO
VIERA’’
                                                      Ao Sangare Okapi e Lúcilio Manjate
    AMOSSE MucAvELE - MAPuTO                              fatalismo que voa em voo rasante sobre as angústias de
                                                          um passado melancólico, e um presente envenenado.
AMin nordine nasceu em Maputo aos 17 de fevereiro         e do futuro o que se espera? O futuro não será isto!’’…
de 1969 e perdeu a vida aos 5 de fevereiro de 2011,e      superlotada receita galgando o vento/com as mãos no
autor de apenas 3 livros, o que não tem importân-         coração do destino.’’
cia porque a literatura não se assemelha a uma com-       o que é do lado da ala-B? o leitor descobrirá que esta
petição, onde quem publica muitas obras sai vencedor      no lado mas vil de um jovem país com os seus prob-
(assim sendo existem escritores que tem sido felizes      lemas, e é neste lado onde reside o poeta solitário nas
nesta maratona aliando a quantidade versus qualidade      suas abordagens anti-heróicas, mas das multidões na
como o seu cavalo de batalha e tem se notabilizado        sua mordacidade social, um verdadeiro maquinista do
como verdadeiros campeões ex: Mia Couto, António          comboio dos duros, um autêntico vomito da babalaze
Lobo Antunes, Pepetela, Moacyr Scliar…), bastando         de um poeta bêbedo do seu dia-a-dia. Detentor de
lembrar-se do Luís B. Honwana, Noémia de Sousa,           uma caligrafia rebelde, com versos quentes como o
Gulamo Khan, e Lilia Momple para sustentar a tese de      fogo e cortantes como a espada afiada, onde eclodem
                                                                  temáticas de afrontamento de um certo tempo
                                                                  histórico (ex: carta ao meu amigo Xanana, ban-
                                                                  queiros de banquetes, bandeira galgada aos 25,
                                                                  (c)anibalizinhos…)
                                                                  tALvez o outro lado da ala destes poemas, não!
                                                                  Isto ultrapassa a dimensão poética, ou por outra
                                                                  destes melancólicos dissabores que desper-
                                                                  tam os filhos desta pátria que nos pariu deste
                                                                  manancial de barbaridades versus mentiras, que
                                                                  transformam o sonho de estar livre da opressão
                                                                  em um pesadelo, não será esta a voz do povo?
                                                                  estes MeLAncoLiAs dissabores são a pólvora
                                                                  contida na’’ bala’’(ala-B) desta poesia que o
                                                                                                               custa amar uma bandeira assim?
                                                                  autor preferiu chamar de’’ arma da vitória’’ que
                                                                  dispara esta bala certeira onde a cada estrofe
                                                                                                               tem o amargo do asilo
                                                                  vai abatendo o seu alvo. Dai nasceu este livro
                                                                  embrulhado por uma crítica social.
                                                                  A títuLo de exemplo o poema ‘’barbearia dos  almoço de pão com badjias
                                                                  cabrões (‘‘queixos barbudos engravatados/
                                                                  barbearia dos cabrões/ que deixa todo chão   sabem bem todos dias.’’
                                                                  careca/ e ao alto mastro hasteiam bandeira/ para ceLso MAnguAnA pag.14- aos meus pais - Pátria que me pariu-
                                                                  desfraldarem o corpo nu do povo…’’)               2006.
                                                                  ‘’APesAr dA irrequietude e da impertinência,
                                                                  algumas vezes virulentas que caracterizam esta
                                                                  poesia ou das entremeadas doses de apurada   ‘’ Se por tanto tivesse ser capaz
                                                                  ironia ou de compaixão pelos desafortunados,
                                                                                                               moça - pátria deste amor que refrega
                                                                  o que sobressai nesta forma particular da escrita
                                                                  e um virtuosismo estimulador da sensibilidade
                                                                  da razão,(…),nessa brevidade desafiadora da  seja o meu coração a minha entrega
                                                                  nossa capacidade leitoral e estética.’’( F.NOA-o
                                                                  prefaciador).                                escrever-te a cerca duma paz
                                                                  segundo zenão a brevidade e um estilo que
                                                                  contêm o necessário para manifestar a reali- e alto levante-se da vez que nega
                                                                  dade. Esta brevidade encaixa-se na poesia do
                                                                  Amin Nordine onde nota-se uma presença mas-  não é para o povo o discurso assaz
                                                                  siva de traços inter-textuais da obra do poeta
                                                                  Celso Manguana cidadãos da mesma esquina     nenhum político, milagroso ás
                                                                  (ambos eram jornalistas culturais do semanário
                                                                  Zambeze) guerreiros da poesia epigramática, eé tamanho o sofrimento que chega!
                                                                  soldados da mesma trincheira. Amin Nordine
                                                                  exilou-se na morte, Celso Manguana exilou-   para o povo aumentem um quinhão
                                                                  se na loucura, e eu procuro exílio na memória
que qualidade nem sempre rima com a quantidade.           destes 2 poemas:                                     venha do vosso governo mais pão
PuBLicou – Vagabundo Desgraçado (1996), Duas Qua-
dras para Rosa Xicuachula (1997), e Do lado da ala-B.                                                          burilada a página da história
AMin nordine e um militante de uma escrita sólida         ‘’Sonâmbula esta pátria
em todos lados seja o da ala- A ou da ala- B, isenta de                                                        apagar a sua triste memória
qualquer submissão política, caracterizada pelo incon-    cresce nas estatísticas
formismo da realidade que o circunda e pela revolta                                                            fazemos o país livre da escória!!!’’
social, esta poesia epigramática e uma revelação de um    e acorda com fome                                    AMin nordine -pag.50-soneto da paz-Do lado da ala-B-2003


FicHA tÉcnicA
                                                       Propriedade do Movimento Literário Kuphaluxa
  Sede: Centro Cultural Brasil-Moçambique* AV. 25 de Setembro nº 1728, Maputo, Caixa Postal nº 1167 * Celulares: (+258) 82 27 17 645 e (+258) 84 57 78 117 *
                                                    Fax: (+258) 21 02 05 84 * E-mail: kuphaluxa@sapo.mz
Director Editorial: Eduardo Quive (eduardoquive@gmail.com)
Coordenação: Amosse Mucavele, Japone Matias e Mauro Brito
Redacção: David Bamo, Nelson Lineu, Mauro Brito, Izidine Jaime, Japone Arijuane.
Colaboradores: Maputo: Osório Chembene Júnior * Xai-Xai: Deusa D´África * Tete: Ruth Boane * Nampula: Jessemusse Cacinda * Lichinga: Mukurruza*
Brasil:Balneário Camboriú - Pedro Du Bois * Santa Catarina: Samuel da Costa * Nilton Pavin * Marcelo Soriano * Portugal: Victor Eustaquio e Joana Ruas.
Design e páginação: Eduardo Quive
Exero 01, 5555   BLA BLA BLA   5
Terça-feira, 25 de Outubro de 2011                                                                cRóNicA / cONTO                                                                            5
                                                                                                                 FiLosoFonias                                      rapsódicas
A sentença para um prostituto
                                                                                             MARcELO SORiANO - BRASiL
 DANy wAMBiRE - BEiRA                                                                       m.m.soriano@gmail.com

O Maconha era um jovem culto de conhecimentos universais. Mas brincava com as
mulheres, solteiras ou casadas, de qualquer modo, sem a devida circunspecção.
                                                                                            Nota preliminar: Antes de
Um dia, despertou da cama, com um ar diferente. Queixava-se de dores incontornáveis,        prosseguir com este artigo,
no abdómen. Tinha a sensação de que algo estivesse esforçadamente a subir por ele.
Como se fosse um elevador a transportar pesos pesados e a descarregá-los no pescoço         lembro ao leitor que me dirijo
daquele miserável.                                                                          à CPLP (Comunidade dos
Assustada, a esposa mandou chamar os dois grandes amigos do infeliz, para que o
ajudassem a serenar a sua intranquilidade. Vieram logo, graças à disponibilidade dos        Países de Língua Portuguesa),
seus velocípedes. E inteiraram-se da apoquentação do amigo. Tiveram informações             portanto, podemos encontrar
de que, antes do sucedido, a esposa do Maconha tinha travado uma acesa querela
com uma certa Maria, a amante do seu marido. Maconha tinha conseguido o contacto            gerúndios,      futuros     do
telefónico da amante, e tinha-a contactado, só para matar saudades. Maria vivia, agora,
a cento e sessenta quilómetros, da sua antiga moradia.
                                                                                            pretérito, expressões etnocêntricas, familiares a certos leitores,
Durante a conversa, o marido da amante de Maconha, soube, erradamente, que a                porém, inusitadas a outros. Oxalá, que esta peculiaridade não seja
Maria estava a conversar com um seu irmão. E pediu para conversar com ele. E assim
aconteceu.
                                                                                            pretexto para correções, mas para integrações e enriquecimentos
A conversa era excitante e agradável, mas, a dado momento, a toalha foi para o chão.        léxicos e culturais entre nós. Marcelo Soriano. Santa Maria - RS
Aquele coitado descobriu que o homem, com quem dialogava, não era nada o seu
cunhado, mas sim o amante da sua parceira. Afinal, Maria tinha o traído.
                                                                                            - BR. 14/07/2011.
Trocaram impressões abomináveis. Maconha, o amante da Maria, afirmou ao seu
esposo infeliz que a gravidez a pesar no ventre da infiel lhe pertencia. A informação
encolerizou o esposo da adúltera, e levantou-se um clima de altíssima tensão. Já não
havia condições para a paz.
                                                                                            [v e r - s Ó i s]
Então, a grávida fez as malas e foi para a paragem, à espera de um transporte, que a
levasse para a palhota da sua origem. As lágrimas acres humidificavam-lhe o corpo e
o traje. O transporte tomou-a. E a sua raiva coagia implicitamente os pés do motorista
a afundar o acelerador.
                                                                                            introdução
Dias depois, a Maria contou a triste cena aos familiares, que não a levaram a sério. Teve
que aguentar sozinha. Mas aconselharam-na a ir apresentar queixa à polícia.                 Numa noite acordei para o dia. E outro dia. Outro dia. Sol
Não foi à polícia, apenas discutiu com a esposa do Maconha, o qual, por consequência,
passou momentos dificultosos para a sua saúde, como resultado das ameaças verbais
                                                                                            a sol, fui tecendo o manto da vida, enquanto esperava a
de o liquidar fisicamente. Não se sabia, ao certo, quem seria o concretizador daquela
maldade demoníaca: se seria a adúltera grávida, ou se seriam talvez os que instigavam
                                                                                            morte, que não veio...
a discussão, em satisfação do seu mero sadismo.
Transportaram o Maconha para o centro de saúde próximo, desabitado de enfermeiros,
por algumas horas. Mas teve o apoio duma ajudante, que lhe administrou um
antibiótico. Mas o antibiótico não era a solução e acabou por lhe piorar a doença. A
coisa estava ainda mais agudizada. O comprimido não resolvia o problema.
                                                                                            4º [ver-sÓ]
Tiveram que tentar a medicina tradicional. Pediram a vinda duma curandeira ao
hospital, pois tinham medo de levar o doente de volta a sua casa. A ajudante havia de
receber réplicas fortes dos técnicos da Saúde. Mas a vinda da curandeira teve que ser       PoeMA do ver
corajosa, libertando o doente para o kush-kush.                                             o verso do Ler
As operações espirituais da curandeira ganharam dinâmica, e o Maconha não tardou
a melhorar, porque reconheceu e confessou as acusações feitas pela curandeira, sobre        A LeiturA do ser
o seu envolvimento em relações sexuais com mulheres alheias, sem as pagar, entre
outras ilicitudes tradicionais.                                                             A LetrA do eu
Para ele melhorar definitivamente, teve a curandeira que chamar Maria, a amante do          que doeu
Maconha, para ela dizer o que desejava como pagamento.
E foi assim que finalmente o problema ficou ultrapassado
                                                                                            quedo eu
                                                                                            e não dÓi MAis
                                                                                            Porque
                           MARiA MARchA A RÉ                                                ver-sÓ
 vó FiA- BRASiL
O maior sonho de Maria era possuir um carro Chevrolet vermelho, nem                         (continuA nA PrÓxiMA edição...)
precisava ser novo, podia ser usado, mas mesmo para um modesto
carro velho, as finanças dela eram incompatíveis; Maria era pobre,
                                                                                            ...........................................................................
mas tão pobre que esse era um sonho irrealizável, mas ela continuava
sonhando.
                                                                                            os corvos
        De suas tarefas de lavadeira, ela mal conseguia tirar o suficiente
para o arroz e feijão de cada dia, as roupas que usava eram doações
feitas por suas patroas, ela não podia nem pensar em adoecer, pois não
                                                                                            Os outros... Os mesmos...
teria dinheiro para médicos e remédios, e o pior era a solidão em que
vivia, pois seus pais morreram durante sua infância, não tinha irmãos e
                                                                                            Os novos... As covas...
nenhum outro parente vivo.                                                                  Os corvos...
          Para completar as desventuras da coitada, ela era bem feia e
desajeitada, por isso nunca conseguiu um namorado, afinal a vida de                         .....................................................................................
Maria era um completo desastre; mas ela continuava alimentando seu
sonho impossível e de tanto sonhar com aquele Chevrolet vermelho,
ela passou a misturar sonho e realidade, e o tal carro passou a existir de
verdade.                                                                                    esPÓLios
        Para ela o carro era tão real, que ela chegava a procurar oficinas
mecânicas, para contratar concertos no imaginário veiculo; no principio                     Antigamente, os chapéus duravam mais
do desvario de Maria as pessoas achavam graça, esticavam a conversa
para que ela falasse sobre o carro, ai sua imaginação voava longe e ela                     que as cabeças,
elogiava o desempenho do amado Chevrolet, e como ele era econômico
e rápido.                                                                                   assim como os óculos e os relógios.
          De repente a situação mudou para pior, porque ela passou a
beber litros de cachaça e endoidou de vez, brigava com as pessoas
                                                                                            O único pertence que sempre
que esbarrava em seu carro invisível, atirava pedras e dizia dúzias de
palavrões; o povo daquele lugar agüentou a situação ao maximo,
                                                                                            sumiu antes do dono foi
e quando não deu mais pediram providencias as autoridades, que
prometeram resolver o caso.
                                                                                            o guarda-chuva.
        Prometer naquele fim de mundo era fácil, mas resolver era difícil
porque lá não havia recursos para nada, e ficou tudo como estava e a                        ....................................................................
pobre mulher só piorando, até que ela passou a andar de marcha à ré e                       FrAse cAixA ALtA:
isso resolveu a situação da pior maneira possível, na sua eterna marcha
à ré ela atropelava as pessoas e brigava se reclamassem, até o dia em
que ela atropelou exatamente um Chevrolet vermelho e morreu; estava                         gritA que o Mundo cALA. cALA que o Mundo gritA
acabado o sonho, as bebedeiras e a loucura da infeliz, Maria Marcha a
Ré
6    BLA BLA BLA   Exero 01, 5555
    Terça-feira, 25 de Outubro de 2011                       https://literatas.blogs.sapo.mz                                                                    6


- discurso dirEcto
“Cidade de Quelimane está enterrada”
Considera o escritor Élio Martins Mudender, autor da obra “A Cidade Subterrânea” em entrevista exclusiva a Literatas




    EDuARDO QuivE - MAPuTO                       quando a pessoa chega lá, sente                         Será uma coincidência dos factos ou o autor refere a si
                                                 que de facto está mal. ”                                mesmo?

                                                                                                         ÉLio Mudender: Isto é uma obra de arte. Uma ficção. Uma
                                                                                                         construção artística. Isto é, não tem necessariamente a ver
“A cidade subterrânea”, título de um livro   eduArdo quive: Como é que surge o título “A Cidade comigo. Entretanto, quando um escritor faz uma projecção
    publicado há dias em Maputo, tem         Subterrânea”?                                               artística, em algum momento, acaba reflectindo parte de
    como palco a cidade quelimane.                                                                       si. Certamente que esta é minha obra, isso faz parte de
    Aliás, segundo o autor, Élio Martins     ÉLio Mudender: É “A Cidade Subterrânea”, pois, na minha     mim como pessoa, e da minha personalidade. Entretanto,
    Mudender, quelimane é “A cidade          opinião a cidade de Quelimane está a viver uma situação     embora eu seja de Quelimane e formado em psicologia,
    subeterrânea” retratada nesta            que me leva a acreditar que está enterrada, no sentido      não quer dizer que refiro-me a mim mesmo. Apenas foi um
    obra, que trás revelações sobre          em que muitas coisas que por lá acontecem, sujeitam-na      exercício literário, e nisso procurei aplicar um exemplo de
    vários problemas sociais, pois, “há      a uma situação de pôr em causa o desenvolvimento da         jovens formados, que depois disso querem empreender,
    muitos problemas de desemprego,          sociedade e do bem estar do povo zambeziano. Mas não        mas muitas vezes, a dinâmica da vida e a conjuntura social,
    habitação, muitos quadros naturais       só o povo desta região, é uma maneira metafórica de         não permitem, quer dizer, dum lado temos o discurso de
    de quelimane querem regressar            fazer uma apreciação sobre a situação duma cidade que       que é preciso sermos empreendedores, inovar e ter o auto-
    à cidade, mas não há condições,          está num nível de desenvolvimento muito péssimo, o que      emprego, mas muitas vezes, a realidade mostra que não é
    acabando por regressar à capital, ou     pode não ser só Quelimane, podemos encontrar a mesma        isso, e o jovem vive um dilema, em que quer empreender,
    rumam para outros cantos do País a       situação em qualquer outra cidade no mundo.                 mas não consegue por causa da conjuntura. Daí que, este
    procura de melhores condições de         PortAnto, É uma metáfora para referir toda aquela cidade,   dilema preocupa não só ao jovem de Quelimane mas, os de
    vida, que lá não é possível encontrar,   todo aquele povo, que pela ironia do destino ou pelas       outros cantos do País.
    e isto faz com que eu me refira a        condições sociopolíticas, culturais e toda essa dinâmica,
    uma cidade que está enterrada”.          faz com que o seu desenvolvimento esteja parado.            eduArdo quive: Portanto, é uma obra em que estabelece
    Mudender que é também psicólogo          se ForMos para a própria cidade de Quelimane, há muitos     uma ponte entre o real e o irreal. Mas as personagens como
    e natural de quelimane, alongou a        problemas de desemprego, habitação, muitos quadros          é que são constituídas? No caso particular de uma prostituta
    sua viagem, revelou em exclusivo         querem regressar à cidade, mas não há condições, acabam     com o nome Maria Consolo – é Consolo porque consola o
    nesta entrevista que, não é ele a        voltando a capital ou rumam para outros cantos do País      jovem recém-chegado à cidade, ou porque é o seu nome
    personagem principal do livro, como      a procura de melhores condições de vida, que lá não é       verdadeiro?
    se pensa, mas que na sua literária       possível encontrar. Isto faz com que eu me refira a uma
    abordagem, despe o que sente             cidade que está enterrada.                                  ÉLio MArtins: Eu aprecio muito o truque em que se usa,
    pelas terras que lhe viram a nascer.                                                                 onde procuramos criar personagens que não só entram
    “eram pessoas a reclamar por tudo        eduArdo quive: Na introdução da obra chega a contar em rede com a história, mas o nome em si transmite uma
    e por nada. É a miséria de um povo.      que um jovem que acabava de se licenciar em psicologia,     mensagem. De facto, para mim, Maria é símbolo de mãe,
    isso é verdade. quer dizer, sem          decide voltar à sua terra natal (Quelimane) para investir   mulher e, por sinal a minha mãe se chama Maria.
    comentários, porque é de facto uma       em alguma área e desenvolver a sua localidade, facto que    MAs estA é Consolo, porque o papel dela vai se assemelhar
    verdade: há muita fome, há miséria,      não chega a acontecer. O Élio Martins, autor deste livro,   ao que consola, protege, ainda que ao longo da história
    e isso cria muita dor e nostalgia que    é psicólogo e a sua terra natal é Quelimane também.         descobrimos outras fazes da personagem: é uma boa
Exero 01, 5555   BLA BLA BLA       7
 Terça-feira, 25 de Outubro de 2011                                                  https://literatas.blogs.sapo.mz                                                                        7
pessoa, prostituta e espiã. Mas eu quero com isso, reflec-        figura moralmente muito forte e que, dá ensinamentos,       esse cenário para se ter de novo uma sociedade saudável e
tir sobre vários problemas que significam na sociedade.           mas por outro lado, em muitas fases, esses mesmos sac-      digna para todos, onde todos sejamos filhos da mesma casa.
Sabe-se que para a construção duma sociedade, há várias           erdotes apresentam uma postura aquém daquilo que é          AindA que de facto a igualdade de oportunidade seja algo que
necessidades, e é, exactamente isso, que procuro reflectir.       o padrão de comportamento que se exige dele.                se pareça difícil de se realizar, há uma verdade nisso: é preciso
Não se trata de algo que aconteceu na realidade, mas é um         e Há uma luta muito grande sobre o celibato dos reli-       que haja a criação de condições para uma satisfação general-
exercício artístico, mas fazendo uma ponte sobre aquilo que       giosos. Existem certos religiosos que defendem que o        izada, ou melhor, não é possível construirmos uma sociedade
a imprensa fala, aquilo que o povo fala, e nos bastidores         celibato deve ser abolido. Do ponto de vista psicológico    em que todos sejamos iguais. De facto, somos uma sociedade
também falado, é um exercício artístico.                          e ideológico, o sexo é muito prático para o estabeleci-     marcada por classes sociais diferentes, e com oportunidades e
uM escritor deve fazer esse exercício aquilo que é a reali-       mento do equilíbrio do indivíduo, e o sacerdote decide      outras coisas, mas o mais importante para mim é que, hajam
dade, no entanto que tal, aquilo que é a realidade artística,     abdicar-se do sexo. E isso é um desafio muito grande para   condições que permitam que todos os indivíduos satisfaçam
para depois produzir um objecto, por isso que é arte. E eu        os que seguem essa vida, por isso que, existem muitos       as necessidades básicas, temos que lutar seriamente pela situa-
faço isso entre a realidade e a ficção. Acredito que este exer-   problemas como a pedofilia e homossexualidade. Com          ção de habitação para os jovens, aumento do emprego, e criar
cício é alma de um povo, e eu tento engrandecer a cultura         esta reflexão, estamos perante um apelo, para que se        condições sociais sustentáveis para todos os moçambicanos.
através desta obra.                                               tome uma medida no sentido de o padre casar-se. Para        nÓs soMos um País com muitas riquezas. Então, que essas
                                                                  mim é algo necessário, do que obrigar muitos a fingir.      riquezas sejam usadas para o bem do povo. Essa é a minha
eduArdo quive: Mas em geral, qual é o seu processo de cria-       Eu já estive no seminário e sei que isso acontece. É mais   posição. Todos devem se beneficiar, e com isso, acabarmos
ção dos personagens, pois, encontrarmos na obra pessoas           uma reflexão que eu faço. Isso é um problema social que     com a situação em que uns se beneficiam e outros não. Somos
que se complementam: primeiro a Maria Consolo, depois             interessa a todos, e é por isso que eu faço uma viagem      todos moçambicanos, pagamos impostos e não nos beneficia-
o Padre Jaime (primo do jovem) e o Guarda da igreja (um           metafórica.                                                 mos disso. Assim haverá satisfação.
antigo combatente), os quais acompanham a personagem
principal nas suas acções…                                   eduArdo quive: E quanto a aparição nesta obra de                 eduArdo quive: Em alguns capítulos do seu livro encontra-
                                                             uma catorzinha, que chega até a apontar nomes como               mos símbolos, cujo significado acaba aparecendo durante o
ÉLio Mudender: É preciso encarnar. Aquilo que em Psicolo- Marcelino, como um dos tais adultos que circula com                 desenrolar da história, sendo ameaças de morte, chantagens
gia chama-se Empatia – procurar colocar-se no lugar deles, catorzinhas? Também fala-se muito dos acontecimentos               e perseguição. Há algo de verídico nisso?
a protagonizar o acto.                                       de 1 e 2 de Setembro?
PArA MiM uma verdadeira obra de arte para ser uma con-                                                                        ÉLio Mudender: De verídico no entanto que tal, não. Mas
strução artística, deve trazer algo de novo, criar suspence, ÉLio Mudender: Ao citar as catorzinhas, baseio-me                procurei mostrar que muitas vezes, os serviços secretos têm
uma situação em que o leitor sinta-se convidado a ler e a naquilo que tem acontecido. Andamos na rua e ouvimos                os seus códigos que servem como um modelo de comunica-
viajar na história. Isto faz de um escrevedor um escritor. E muito comentario sobre a questão destas. Temos con-              ção entre eles. Devo dizer que aprecio muito, alguns filmes
umas das particularidades na criação literária são as perso- hecimento a partir de alguns bem posicionados na fase            com abordagem de cenas policiais, e onde se faz o uso da
nagens. Elas devem ser sujeitos que protagonizam várias adulta, que saem com meninas por troca de alguns bens                 inteligência. E quis trazer isso na nossa literatura, como forma
acções, e devem o fazer duma maneira muito emblemática, e meios financeiros, isso prejudica a sociedade. Eu penso             de contribuir para que haja algo de novo.
de modo a dar um peso acrescido à própria obra.              que um homem, maduro e moralmente são, deveria se                neste MesMo capítulo, vamos encontrar a abordagem sobre
A FigurA do Guarda: para mim ele é um indivíduo que nesta colocar na situação de ver a sua filha a ser instrumental-          as mudanças. Quanto a mim, todos sistemas não se mantêm
obra procura mostrar o dilema dos antigos combatentes, izada sexualmente por um adulto, em troca de alguns                    eternamente. Uma construção social é algo dinâmica, e se é
que estão insatisfeitos, pois apesar de ter combatido não se bens. Penso que isto retira a sanidade duma sociedade.           assim, a qualquer altura pode mudar, porque só a mudança
sente enquadrado, e está frustrado. Por isso, o personagem Se queremos construir uma sociedade sã, que seja um                cria o desenvolvimento. Então vou arrolando sob a questão da
diz na obra, que existem na realidade muitos antigos com- espaço que cria segurança, tranquilidade e sossego para             Líbia, Egipto, Zimbabwé e de outros países.
batentes nessa situação. Portanto, não é uma invenção, é todos, devíamos acautelar situações como estas, que
umas realidades que vivemos.                                 muita das vezes, é uma manifestação de autêntico abuso           eduArdo quive: o psicólogo que é o Élio Martins Mudender,
o PAdre: para mim o padre é uma figura emblemática. Não de poder, não dá para aceitar.                                        não conseguiu dissociar-se do escritor?

                                                                                                                                             ÉLio Mudender: É difícil separar as pessoas
                                                                                                                                             fragmentando-as. Se eu sou psicólogo, escritor
                                                                                                                                             e professor, está claro. Quero dizer que é muito
                                                                                                                                             difícil dividir-me, porque a minha unidade como
                                                                                                                                             personalidade é constituída por esses. Agora, é
                                                                                                                                             verdade que podemos procurar agir de modos
                                                                                                                                             diferentes, de um lado como escritor, como
                                                                                                                                             professor, e doutro como psicólogo. Mas essa
                                                                                                                                             visão é mais didáctica do que necessariamente
                                                                                                                                             táctica.
                                                                                                                                             MAs o que procurei abordar nesta obra, é este
                                                                                                                                             misto de confusões em que as pessoas vivem.
                                                                                                                                             Por exemplo, uma pessoa que chega num sítio
                                                                                                                                             e hospeda-se numa pensão…numa pensão há
                                                                                                                                             prostitutas que estão a procura do pão: são
                                                                                                                                             nossas irmãs, filhas, a procura de pão, prosti-
                                                                                                                                             tuindo-se a preço de banana. Não é ter prazer
                                                                                                                                             de sexo, é fome – não há saco que fica de pé
                                                                                                                                             vazio. Isto é um grito de alerta, pedindo socorro.
                                                                                                                                             Mas não vale a pena olharmos para os outros
                                                                                                                                             como a solução para os nossos problemas. A
                                                                                                                                             teoria de Compló deve desaparecer. Nós temos
                                                                                                                                             que olhar para nós mesmos como a razão dos
                                                                                                                                             nossos problemas, e daí tentarmos melhorar
                                                                                                                                             e inverter o cenário, do que, olharmos para
                                                                                                                                             os outros nomeadamente os políticos, como
                                                                                                                                             a solução dos nossos problemas. E nós? Isto
                                                                                                                                             também serve de apelo à todos, para que nos
                                                                                                                                             engajemos na construção duma cidade boa e
                                                                                                                                             melhor, não só uma cidade, mas o Moçambique
                                                                                                                                             todo.

                                                                                                                                             Pode notAr-se em alguns capítulos do seu livro
                                                                                                                                             que os acontecimentos estão datados. Quanto
                                                                                                                                             tempo levou para escrever este livro?
                                                                                                                                             - nA verdade não sei quanto tempo levei para
                                                                                                                                             escrever o livro. Mas não foi muito tempo. Foi
                                                                                                                                             num período em que estava de férias, e foi
                                                                                                                                             nesse mesmo tempo que escrevi. De facto o
                                                                                                                                             romance não teve muito tempo a escrever. Mas
                                                                                                                                             eu escrevo há já muito tempo, então este é um
                                                                                                                                             exercício que mais faço com prazer. Há pessoas
                                                                                                                                             que já leram, e pensam que levei muito tempo
tenho nenhum primo chamado Jaime, nem um primo padre.             MAs Por outro lado, temos a situação dos dias 1 e 2         para escrever este romance, por causa da qualidade, mas foi
É apenas uma criação.                                             de Setembro, que todos nós ouvimos e vivemos o que          pouco tempo.
MAs Há uma coisa muito interessante. No livro, com esta           aconteceu, e sabemos que aquilo vem de uma insatis-         todAs As pessoas que me ligam dizem, “não sabíamos que em
personagem, faço a reflexão sobre o sacerdócio, não só em         fação generalizada da população. Não inventei, todos        Quelimane temos um escritor a sério” e eu não me considero
Moçambique, mas em qualquer parte do mundo. Nós sabe-             sabem disso. Para mim a ideia é que, havendo situações      como tal. Mas as pessoas dizem que acaba de nascer um escri-
mos que o padre católico não deve casar, mas conhecemos           como estas, é necessário que os que tomam decisões à        tor que deve vir para ficar, e mesmo por causa disso, acabei por
muitos padres que tem filhos, e que até namoram. Então            dianteira na direcção do País, prestassem atenção a tais    ser convidado a lançar o livro em Quelimane. As vendas estão
estamos a viver uma situação delicada, em que de um lado,         tipos de sinais, pois havendo estes sinais, é necessário
temos o padre como aquela figura que representa Deus, uma         que se tome a medida correcta no sentido de se inverter
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 Terça-feira, 25 de Outubro de 2011                                                       https://literatas.blogs.sapo.mz                                                                       8
boas em Maputo, as críticas são boas. Depois desse convite,        medo de pisar o chão. Mas no fundo foi um exercício que fiz           recém-formado. É porque não se sabe se esse indi-
também convidaram-me a traduzir o livro para Francês.              para expulsar as personagens.                                         víduo promete ou não. E muitos não estão dispostos
no Livro chega a abordar a questão da apreensão das madei-         e MesMo a falar disso, quais foram as dificuldades tidas para dar     a arriscar.
ras em contentores, numa altura em que isso está a acontecer.      vida a cada personagem do livro?                                      As oBrAs que ainda não publiquei, ganharam prémio
É algo que já era do seu conhecimento e quis denunciar?            - certAMente que isto é um exercício muito forte. Mas o grande        sim, mas parecendo que não, estão engavetadas. Tenho
-         eu estava a prever. Uma das características de um bom    desafio de um escritor é produzir algo que tenha interesse para o     muitas histórias que escrevi e que estão nas gavetas. Há
escritor – eu aprendi isso – deve saber prever. O prognóstico      público e é por causa disso que entramos para o mais profundo,        muita coisa boa que se esconde, e é por ser de quali-
é importante como uma sociologia artística. Por outro lado,        de modo a criarmos o suspence que motiva o leitor.                    dade, que ficam nas gavetas, ou melhor, é por sermos
sabemos que a Zambézia está a ser abocanhada, a madeira            outrA coisA interessante, há uma frase no livro que diz “ o           bons que as portas não se abrem. Sem querer exagerar.
está a ser delapidada. Este romance fiz em Quelimane, onde         pobre não presta?”. Isto porque nós vivemos num mundo em              Mas agora que as portas abriram-se estou aqui e até
passei as férias: caminhava pela cidade, inclusive fui a Domela,   que o pobre é aquele coitadinho, está na miséria, é pisado e          outros livros que tenho vão sair.
onde nasci, embora tenha saído de lá muito cedo, e prossegui       não interessa a ninguém. Mas aqui, procuro dizer que todos            gostAriA de chamar atenção às pessoas que gostam de
até Nicoadala. E eu vi este cenário. As florestas estão a ser      nós somos importantes na face da terra. Para mim a vida é um          mim, e já agora, apreciam a minha obra, que fiquem a
devastadas. Existem pessoas que estão a delapidar a madeira.       teatro, e cada um vai encaixando-se no seu papel. Todos somos         espera de mais novidades. Espero abrir o próximo ano
Isso é uma verdade.                                                um manancial de potencialidades, somos um tesouro e, deve-            com um livro.
Antes disso, escrevi um ensaio, numa altura em que a imp-          mos ser lapidados, devemos nos respeitar. Todos merecemos             tenHo MAis um livro que estou a escrever, intitulada “




rensa estava a reportar casos de madeiras apreendidas em           dignidade, respeito e consideração, então que nos valorizemos a       As cicatrizes do Amor” - é um romance. Vai dar que falar.
Nacala. Mas também, numa situação em que estão a ser               todos, e não medir a pessoa por aquilo que tem, mas por aquilo        No livro procuro fazer uma abordagem sobre o amor,
apreendidos contentores, supostamente, de brinquedos,              que é. Estamos a viver uma época em que muitas vezes as pes-          mas não no sentido romântico, mas do ponto de vista
enquanto outras vozes dizem que são armas e drogas. São            soas são valorizadas por aquilo que tem, e não efectivamente,         psíquico, olhando para a questão social. Nessa obra vou
verdades que muitas vezes não sabemos, e porque talvez,            por aquilo que somos. Penso que temos que resgatar um valor           falar da questão dos mega - projectos.
não convêm que as pessoas saibam, e por causa disso, nunca         nobre da vida, que é valorizar a própria vida. Todos nós somos        A PuBLicAção dessa obra mudou em algum aspecto
sabemos qual é a verdade. Mas é uma realidade em que de            importantes.                                                          a sua vida?
facto, alguma coisa não está bem, e as pessoas sabem disso.        quAis são as suas influências literárias?                             - MuitA coisa mudou. Agora a minha vida está a centrar-
PortAnto, Procuro registar isso, e marcar como facto históri-      - PArA ser franco, em Moçambique, aprecio mais o Mia Couto,           se neste livro, onde passo, seja na avenida, supermer-
co, porque sendo uma obra, certamente que, será lida por           penso que ele é um escritor extraordinário. Por isso aprecio e leio   cado, portagem, as pessoas apontam-me e até já me
muita gente e isto poderá passar de geração em geração,            muito a sua obra. A nível internacional, o escritor que muito me      chamam “A Cidade Subterrânea.” Algo interessante.
e o meu esforço é registar os acontecimentos. Claro que os         marca é Dan Brawn. O que me faz admirar este escritor é que,          isto MostrA que o livro teve um bom impacto. Não
dou um toque literário, mas vagueando por aquilo que é a           ele tem uma abordagem sobre as coisas, muito interessante.            vou parar nesta cidade que já é conhecida. Como
realidade.                                                         Procura explorar a dimensão real, dando um toque artístico e          escritor, penso que as pessoas tem uma expectativa e
AcABA de dizer que chegou a ir a Domela, sua terra natal, e isto   que de facto, dá-nos a impressão de que, estamos diante de um         não queria frustrar essas expectativas. Vou continuar
está exposto na obra. Aliás, chega até a referir-se das poten-     escritor de grande mérito.                                            a escrever, e dar o meu contributo para o desenvolvi-
cialidades que Zambézia perdeu, e ao chegar à terra natal,         PArA ALÉM desses, leio muito as obras de Tabor, Tomaz Hinder-         mento da literatura moçambicana. Penso que Moçam-
debate-se com vários problemas expostos pelo povoado…              bet, José Saramago – muito me impressiona – o Jorge Amado,            bique, com a literatura também pode ir longe, como foi
- erAM pessoas a reclamar por tudo e por nada. É a miséria de      entre outros. Em mim, o espírito crítico, nasceu da leitura às        no atletismo, através da Lurdes Mutola, na política, com
um povo. Isso é verdade. Quer dizer, sem comentários, porque       obras de Jorge Amado “Os subterrâneos da verdade”, foi uma            Samora Machel e Mondlane, e claro, literariamente,
é de facto uma verdade: há muita fome, há miséria, e isso cria     trilogia de romances em que ele provou em mim que, estava             com o José Craveirinha e Mia Couto. Também pode ir
muita dor e nostalgia, que quando a pessoa chega lá, sente         diante de um escritor de alto nível em cabe o meu espírito.           com o Élio. Eu estou a fazer a minha parte.
que de facto está mal.                                             oLHAndo PArA o seu percurso, noto que começa a escrever não           eMBorA tenHA começado com um romance, em que
coMo contAdor desta história, que justificação dá às mortes        hoje. Já tem a obra “As notícias duma cidade ensaguentada” que        género literário se encontra?
de algumas principais personagens do romance, no caso de           embora destacado num prémio, não chegou a lançar, e mais um           - eu sempre escrevi poesia, contos e romance. Mas
Joel, Maria Consolo e o guarda da igreja, este último que          de poesia. Porquê preferiu lançar primeiro a desconhecida obra        descobri que a minha grande pátria é o romance, e
ajudava na decifração dos símbolos?                                “A cidade subterrânea? Será que esta é uma outra versão do            queria desenvolver muito isso. Tenho poesia escrita e
- Por falar dessas mortes, devo dizer que foi numa situação        título que me referi “As notícias duma cidade ensaguentada”?          contos, mas quero trabalhar muito o romance. É preciso
em que me debatia com dificuldades de continuar com as             - A maior dificuldade de um jovem escritor é de aparecer. Isso        ter pátria artística e a minha é o romance.
personagens. Perguntava para mim mesmo “para onde levo             não só acontece com o escritor, mesmo com outros artistas,            vou FAzer isso, pesquisando mais, lendo mais e fazendo
estas personagens?” e não achava caminhos para os levar e          isso nota-se. Muitas vezes precisamos encontrar gente que nos         mais o exercício da escrita. A escrita, exige muita leitura,
então, levei-os à morte. Foi uma maneira que tive de resolver      dê um voto de confiança. Podemos registar isso também nas             domínio da língua, esforço e acima de tudo criatividade
o conflito interior na construção da história, por um lado, se     empresas, os empregadores tem dificuldades em confiar num             e imaginação
olharmos a subjectividade.
MAs tAMBÉM foi para referenciar a questão das mortes. Sabe-
se que muitas gente morre e sem sabermos como. Essas
situações levam-nos a insegurança (medo). Ficámos com
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  Terça-feira, 25 de Outubro de 2011                                         https://literatas.blogs.sapo.mz                                                                  9

 outras margEns
                                                           Mil Nomes                                                             Negra da Terra
  Desfazer                                                                                                                       DEciO MATEuS - ANgOLA
                                                         NiLTOM PAviM-BRASiL                                                     Negra de carapinha dura
                                                                                                                                 Não estraga teus cabelos,
                                                         Perdeste a oportunidade de falar com o homem                            Me jura.
                                                         O homem que vive onde ninguém vive                                      (Teta Landu*)
                                                         O homem que vive onde todos querem viver
                                                         O homem vive                                                            Minha negra brinca a gingar
  PEDRO DO BOiS - BRASiL                                 Onde você vai viver?                                                    Magia da kianda
                                                         Eu quero viver com o homem que vive lá!                                 Negra anda-que-anda
                                                         Todos querem ir pra lá, pois a casa do homem                            E ginga-que-ginga
   Numero acontecimentos                                 Igual não existe e todos a imitam                                       Andar de negra é banga
   desordenadamente. Capitulo                            Imitam a casa do homem que vive só,                                     Andar de negra é cântico do mar!
   ao extremo desgosto                                   Porém acompanhado e rodeado por vários seres
   das arrumações: a cama                                Seres que subiram infinitos degraus                                     Minha negra ginga elegante
                   os objetos                            Da escada da absolvição e da compreensão                                Nas curvas duma viola
                   a comida                              Pois dizem que o homem é gentil, nobre e a todos conhece                Nas ondulações duma mbunda
                   o banho                               O homem vive lá, entre nuvens e estrelas                                Negra ginga e rola
   retiro da estante o livro                             Entre o luar e os raios solares                                         E encanta gente
   instantaneamente convertido                           Todos com ele querem viver, ninguém quer mais sofrer                    Ginga e rola a negra linda!
   em acompanhante: desarrumo os fatos                   Todos querem no seu quintal azul brincar
                 e os distribuo pela casa:               Eu vou viver com ele,                                                   Ginga de negra é cântico do mundo
          a história forjada                             Combinamos encontros                                                    Não usa coisas de tissagem
          de reis e reinos:                              Nas noites de solidão                                                   Usa tranças de bailundo
               a desabilitação das fábulas               Nos dias em que o vento uiva                                            A negra jovem
               moralizam o animal que teima              Nas manhãs frias e coloridas de cinzas                                  E ginga-que-ginga a dançar
               sua liberdade.                            Nas tardes que o sol não brilha                                         Ginga nas ondas do mar!
                                                         Nas andanças pelas trilhas da bênção
                                                         Continuar a viver quero eu                                              Minha negra mulher cristalina
                                                         Tu queres continuar a viver?                                            Não usa coisas de postiços
                                                         Ou preferes deitado ficar eternamente                                   Usa carapinha
                                                         Eu em pé ficarei e com meus versos com ele falarei                      E tranças de linha
 vivo morrendo                                           Eu já o conheci quando nasci
                                                         A seu lado vivia, noite e dia, inverno ou verão, minguante e nova...
                                                                                                                                 E tem magia de feitiços
                                                                                                                                 A preta africana!
                                                         Quando soube que viajaria, deu-me uma lição e um perdão
 FRANciScO júNiOR - MAPuTO                               Ele sempre foi assim, de singrar os mares, terras, azuis...             Minha negra beleza genuína
                                                         E a todos conquistar com seu refulgir                                   Ginga-que-ginga
  A morte sussurra silencio no meu ouvido,               O meu lugar reservado está. E o seu? Reservaste?                        Dança-que-dança a preta angolana
  E eu invoco vida em palavras que lavro em papel        Não vejo a hora da casa retornar                                        Minha negra mulher da terra
virgem.                                                  Sonho esse sonho há mais de cinquenta anos                              Mulher negra
   Construo uma nova dimensão da existência em           Sonho e sonho e vivo a sonhar...                                        Penteado à africana!
versos,                                                  À casa voltar
   Me multiplicando em vários eu ‘s                      Voltarei                                                                Minha negra mulher formosa, mulher cheia
  a cada estrofe que desenho.                            Ao meu lar                                                              Mbunda farta
   Vivo essa imensidão dos eu ‘s                         Voltarei                                                                Não conhece cabeleireira alheia
  que vão batalhando contra a ignorância,                À casa                                                                  Usa carapinha de preta
  Que vão construindo novas vidas.                       Espere por mim                                                          E traz na voz a tradição negra
   Que vão parindo novos edifícios.                      Em breve acordarei do sonho                                             Traz na voz o pulsar da terra!
  Fora dessa poesia fico um vazio,                       E voltarei
   Pois já não sei ser nada fora dos outros que incor-   À casa
poro.                                                    Do homem de mil nomes                                                   in Xé Candongueiro!
  É assim que vivo,
                                                                                                                                 *Teta Landu: músico angolano.
  Morrendo a cada ponto final do poema
                                                           Algures no tempo
                                                             LucíLiA guEDES - PORTO
                                                                                                                                Poesia nas Acácias
                                                                                                                                 iziDiNE jAiME - MAPuTO
    Eu e Muitos                                               A morte sussurra silencio no meu ouvido,
                                                              Sentada                                                             Poema vestido de árvore
                                                              no jardim da solidão,                                               Cai em geito de folhas
  jAPONE ARijuANE-MAPuTO                                      desatava as fitas de seda                                           Um verso verde sem ramos
   Eu e muitos                                                que envolviam as suas memórias.                                     ... Voa nas sílabas do vento
   Andamos a deriva por ai…
   Como bando                                                 Ansiosa estava                                                      Poema vestido de árvore
   Em busca de oportunidades                                  de beber esperança,                                                 Não sabe que raíz
   Que só existem na gaiola                                   nos olhos da serra                                                  Amadurece o silêncio.
                                                              nas suas histórias.                                                 Entrega-se num papel
   Eu e muitos                                                                                                                    Beija o caule
   Andamos em cardume                                         Mas, o frio                                                         Inventa num olhar despido
   Em busca de mantimentos                                    mordia-lhe os ossos empedernidos,                                   Segredos da palavra
   Subjugados democraticamente                                avivando-lhe feridas profundas
   Ou no anzol ou no estômago dos tubarões                    do caminho das pedras.                                              Poema vestido de árvore
                                                                                                                                  Tem folha branca
   Eu e muitos                                                Estava no ciclo dos últimos,                                        Caule pintado de letras
   Rugimos na selva da vida a fome                            no tempo das vedras.                                                Flor que vence a noite
   Cujo banquete esta servido na jaula                                                                                            Projecto sem portas
   Do emprego                                                                                                                     Grito sem eco.
                                                                                                                                  Arte
   Eu e muitos andamos, corremos                                                                                                  Luz
   Em busca de felicidades                                                                                                        Amor
   Que pagamos com a nossa própria liberdade                                                                                      Tem um sonho de letras
                                                                                                                                  Vendido de graça
   Eu e muitos alegramos os nossos rostos                                                                                         No corpo das acácias.
   Para felicidade de outros



   Espaço para divulgação de poetas dos países LUSÓFONOS. Envie os seus textos para: kuphaluxa@sapo.mz
10    BLA BLA BLA   Exero 01, 5555
 Terça-feira, 25 de Outubro de 2011                  https://literatas.blogs.sapo.mz                                                          10

                    Noites d ´Álma             Em outras paLavras
           https://noitesdalma.blogspot.com
                                               VII Prêmio Literário Valdeck
                                               Almeida de Jesus – CRÔNICAS
                                              edição eM HoMenAgeM A escritores BAiAnos




Lua
                                                1 - O Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus visa estimular novas produções literárias e é dirigido
                                              a candidatos de qualquer nacionalidade, residentes no Brasil ou no exterior, desde que seus trabalhos
                                              sejam escritos em língua portuguesa.

                                                2 – As inscrições acontecem de 01 de janeiro a até 30 de novembro, através do e-mail valdeck2007@
 XiguiANA DA Luz                              gmail.com (CRÔNICAS de até 20 linhas, minibiografia de até cinco, endereço completo, com CEP e fone
                                              de contato, com DDD). Os textos devem vir DENTRO do corpo do e-mail. Inscrições incompletas serão
                                              desclassificadas. Vale a data de postagem no e-mail. Não serão aceitas inscrições pelos correios.
                 Nossa herança
                                                3 - A crônica deve ser inédita, versando sobre qualquer tema (exceto apologia ao uso de drogas,
          Fortuna perdida nos trópicos        conteúdo racista, preconceituoso, propaganda política ou intolerância religiosa ou de culto). Terão
                                              preferências os textos sobre escritores baianos da contemporaneidade. Entende-se como escritores
              Unida à África nossa            contemporâneos aqueles cuja obra ainda não foi lançada por grandes editoras e que não são con-
                                              hecidos do grande público. Cada autor responderá perante a lei por plágio, cópia indevida ou outro
         Espelha-se na vaidade da gente       crime relacionado ao direito autoral. A inscrição implica concordância com o regulamento e cessão
                                              dos direitos autorais apenas para a primeira edição do livro.
         Dispersa-se nas matas selvagens
                                                4 - Uma equipe de escritores faz a seleção de apenas um texto por autor. A premiação é a publica-
     Encarnada nas águas que nos alimentam    ção do texto selecionado em livro, em até seis meses do encerramento das inscrições. Os escritores
                                              selecionados devem criar um blog gratuito, após a divulgação do resultado do concurso, para dar
       Escorre por esta mãe África rezando    visibilidade ao trabalho de todos os participantes. Os casos omissos serão decididos soberanamente
                                              pela equipe promotora.

                                                 5 - O autor que desejar adquirir exemplares do livro deverá fazê-lo diretamente com a editora ou
                      Lua                     com o organizador do prêmio. Os primeiros dez classificados receberão um exemplar gratuitamente.
                                              Os demais podem receber, a critério da organização do evento e da disponibilidade de recursos
               Aos nossos braços              financeiros.

        Estende a sua mão da liberdade        ModeLo de FicHA de inscrição:

     Dê nova postura as flores deste jardim     Paulo Pereira dos Santos
                                                Rua Santo André, 40 – Edf. Pedra – Apt. 201
       Que aos seus olhos não murchem           35985-999 – Portão
                                                Belo Horizonte-MG
     Que aos seus olhos, nasçam e floresçam     (31) 3366-9988, 8877-8999

                                              ModeLo de MiniBiogrAFiA:

                   Lua                          Paulo Pereira dos Santos é natural de Santana-PB. Escritor, poeta e jornalista, tem dois livros
                                              publicados: “Antes de tudo” e “Até amanhã”. Paticipa de cinco antologias de poesias. Graduado em
               Serena lua                     comunicação social. Menção honrosa em diversos concursos de poesia, tem dois livros no prelo e
                                              pretende lançá-los em 2012.
             Olhai este berço
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 Mergulhar-se nua de lágrimas no seu leito    MAis inForMAçÕes:

            De corpo e alma                     Valdeck Almeida de Jesus
                                                Tel: (71) 8805-4708
            Na busca da vida                    E-mail: valdeck2007@gmail.com
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Amor e identificação em Adelino Timóteo

  • 1. Literatas Não conhecemos o preço da palavra. Envie esta revista a um amigo Literatas agora é no SAPO Sai às Terças-feiras literatas.blogs.sapo.mz Encontre-nos no facebook Literatas Revista de Literatura Moçambicana e Lusófona Director editorial: Eduardo Quive * Maputo * 25 de Outubro de 2011 * Ano 01 * Nº 15 * E-Mail: kuphaluxa@sapo.mz ENTREVISTA COM AUTOR DO LIVRO “A Cidade SUBTERRÂNEA” Pobre Não Presta? HiNos à Nudez Pág. 2
  • 2. 2 BLA BLA BLA Exero 01, 5555 Terça-feira, 25 de Outubro de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 2 Em primEira Dos Frutos do Amor e Desamores até à Partida de Adelino Timóteo: Amor e Utopia LucíLiO MANjATE* - MAPuTO Não será esta síntese, portanto, o universo 1. Dos frutos do amor metaforizado na palavra “Tudo” que “eu” poético diz? “Tudo que sei dizer-te é que és nua: Se assim for, o “eu” poético do Adelino E lenta a flor, como o Sol, eis que de múltiplas formas te Timóteo diz o seu universo sensorial ao desabrochas em mim: as tuas mãos de vidro, lentas, os mesmo tempo que o interpela. “Tudo que teus lábios húmidos, quentes, à forma como me beijam. sei dizer-te é que és nua… Caída chegas- Caída chegas-me pelo corpo, pela alma. És lenta, e nua me pelo corpo, pela alma.”. Tudo que sabe explodes, como uma mina aberta à memória. És alta como dizer, ou seja, tudo o que ouve, vê, sente, pólen, a doce lentidão como me chegas, vagarosa pela cheira, prova, é nu. A “nudez” há-de ser, boca, a vocação com que o fazes: lenta no beijo, até ao portanto, o núcleo habitacional da enun- tutano, lenta às carícias, até às trompas de falópio. Tua a ciação poética desta obra. lentidão uma fonte de água, sem rumor, incessante. Tua A interpelação que o “eu” poético faz à a vertigem, repetitiva como me chegas, quente, suave, entidade a quem se dirige inaugura uma febril.” – p. 11 relação de identificação que o autor dá Ao apresentar a nova obra de Adelino Timóteo, gostaria o nome de Amor, talvez porque acredita de destacar dois signos de enunciação poética que me que todos nós sabemos – ou pensamos parecem representar os fundamentais núcleos semân- saber – o que essa palavra significa. Mas, ticos da obra. Primeiro, o da identificação irónica do “eu” de facto, o Amor aqui é apenas exemplo poético em relação à entidade que interpela. Segundo, o dessa relação superior. Não se trata de uma facto de essa identificação ser co-referencial em relação relação de amor, desse amor que povoa à “nudez”, palavra-tema que ao longo da obra ora é des- o nosso imaginário, apesar de o “eu” poé- sacralizada ora sacralizada. tico interpelar uma mulher, fonte desses As noções de “identidade” e “identificação” são recorrentes sentidos que lhe chegam pelo corpo, pela nos estudos literários e culturais. A noção de “identidade” alma. É mais uma relação de identificação é, muitas vezes, entendida em primeiro grau, como aquela que tem no imaginário que construímos que é cunhada a partir de dados empiricamente veri- sobre o Amor a sua metáfora. É a partir ficáveis, como a cor da pele, o sexo, atc. Em segundo grau, dessa metáfora do Amor, de um “eu” poé- a palavra “identidade” remete-nos para uma construção tico que se afirma em função de um Outro simbólica no próprio processo de sua determinação; trata- concretizado e poetizado, que Adelino nos se de uma entidade que não se concretiza em função de convida ao entendimento do conceito de um único referente empírico, mas de vários, num processo identificação como tema superior do seu seu universo. Por isso é que o conceito de identificação reflexivo que possui uma dimensão de exterioridade. livro, uma espécie de arquétipo de todas as relações. Para em Adelino Timóteo é um espaço sublime e uma vocação Nessa aceitação do que é exterior, um Eu não nega um tal, o poeta serve-se, estrategicamente, da “nudez”, e de um a ser seguida, a vocação de sermos a totalidade de um Outro, pelo contrário, aceita que a sua “personalidade” é imaginário que associa a nudez à disposição sexual, como Outro para sermos Nós. Uma vocação que nos coloca na forjada na tensão entre dois olhares, o seu e o do Outro. confirmam as ilustrações feitas à obra, de Silvério Sitoe: “Tudo eminência de sucumbirmos se o Outro, que faz de Nós o Há-de ser por causa desta relação dialéctica entre o inte- que sei dizer é que és nua … Caída chegas-me pelo corpo, que somos, deixar de existir, como acontece na segunda rior e o exterior que Derrida afirma que “Uma identidade pela alma.”. parte do livro – Desamores até à Partida. nunca é dada, recebida ou atingida: só permanece o processo interminável, indefinidamente fantasmático “Posso escrever-te a tua húmida flor, a rosa da identificação”. Hoje sabemos que o sexo já não iden- côncava, carnosa, em seu fundo negro sem fim: A 2. Desamores até à Partida tifica nem homem nem mulher. Hoje percebemos que tua flor é a língua do fogo, a borda alongada das somente o diálogo, a abertura para o Outro, permite pétalas, o fio volátil em meus lábios. Chega-me “Eras lenta, amorosa, para lá do limite da paciência. Como perceber que interagirmos com homens que na verdade lenta pelo pavio, no mar sem fim dos meus lábios, uma sinfonia dos oboés, ritual me acariciavas que não te são mulheres ou mulheres que na verdade são homens, na água sem fim das palavras, onde cada gesto fartavas, delicada que me alongavas os bornais, firme a ou ainda homens e mulheres que nem são homens nem teu se repete como um refrão, com graça. Posso saliva pela língua. … Aquele amor cândido. Aquelas amoras são mulheres. Ora este diálogo não é identidade, mas escrever-te a tua flor: aberta como uma asa és dóceis. Era só uma lembrança, pois então quebraram-se identificação. lenta, lenta que me fazes vibrar. E tu és feita de as asas e nenhum de nós os dois voa. E o silêncio a si se O livro que Adelino Timóteo hoje nos apresenta é com- silêncios, de telegramas que se me chegam pelos interpela. Já não é. E sempre era de noite quando volvia posto por dois momentos. O primeiro momento, Dos teus beijos, cartas e telexes que me chegam pela aos teus prumos. E a pergunta com que o silencio se me Frutos do Amor; o segundo, Desamores até à Partida. A ponta da língua, às digitais, esmerada no que interpela se cristalizará com o tempo. Eis mais este presente obra é uma interpelação ao leitor, mas uma interpelação te encarregas pela tua boca. Posso escrever-te dilacerado que nos sobrou. Delicada a chuva sobre a celha a tua flor: trazes-me aos lábios os fios de uma dos rostos até à partida.” – p. 46 aranha tecedeira, a lentidão da abelha e o mel Obviamente que já não se trata aqui dessa fusão de sen- num cântico com que transcendes à lua, a Marte tidos a que o “eu” poético recorre para se definir. Mas aqui venial, divinal.” – p. 12 percebe-se que a tese que Adelino Timóteo formula na primeira parte do seu livro é a de que a abnegação, pura e De facto, a nudez é o signo que Adelino Timóteo elegeu para verdadeira, natural e sincera, a que nos votamos quando celebrar o amor carnal. Com efeito, as imagens eróticas des- amamos carnalmente ou sexualmente é a manifestação filam, gradativas e lentas, num filão descritivo desse desejo da noção de identificação enquanto arquétipo a ser real- sexual que se vai celebrando e cujo êxtase encontra na volup- izado, utopia a alcançar, pois agora lembramo-nos de que tuosidade da palavra, na expressão libidinosa que progride palavra “nudez” denota também os sentidos simplicidade, sempre lenta pelo corpo nu da mulher, a sua representação singeleza, verdadeiro, sincero, natural. O desamor que se suprema. regista na segunda parte da obra reforça esta ideia, a iden- Parece-me que a primeira parte deste livro diz respeito a tificação como processo de construção identitária exige de esta celebração. A celebração do universo-mulher, da mulher nós essa nudez que teimosamente camuflamos. Tal como nua, ao qual o sujeito poético irremediavelmente se entrega, quando fazemos amor, nascemos todos nus. E o que há porque somente assim se define, nu. Mas aqui o perigo, o de de comum entre fazer amor e estar nu é o encontro com o pensarmos que Adelino Timóteo apresenta-nos poemas eróti- universo. Ou seja, o universo do Homem nunca deixou de em segundo grau, momento em que deixamos de iden- cos. O erotismo nestes versos não é um fim em si mesmo, mas ser a nudez. Conceber a nudez como ponto de encontro, de tificar na obra o tema do amor canal – como veremos – e um ponto de chegada que tem no conceito de identificação o naturalidade, de sinceridade, de verdade e pureza, e assim, passamos a interlocutores de um processo de identifica- ponto de partida, onde ou quando precisamos ser Outro para olharmo-nos sempre nus, ainda que vestidos, seria a mais ção que tem como mote esse tema do amor sexual. sermos Nós. É o ideal da fusão de todos os sentidos. genuína, a mais sublima expressão de identificação, onde Na primeira parte do livro, Dos Frutos do Amor, ao inter- Ora Adelino Timóteo confunde-nos exactamente ao apre- e quando somos todos iguais, ainda que diferentes pelar a entidade a quem se dirige, ironicamente o “eu” sentar essa relação como sexual. Na verdade, o poeta acaba poético identifica-se: “Tudo que sei dizer-te é que és nua dessacralizando esse amor feito de carne, como quando quer- *LucíLio MAnjAte é docente de Literatura na … Caída chegas-me pelo corpo, pela alma.” emos “fazer amor”, ou mesmo quando não queremos. Ora o Não será tudo o que sabemos dizer a soma das experien- acto de dessacralização é também um acto de sacralização. Faculdade de Letras e Ciências Sociais na Univer- cias sensoriais, a síntese do que ouvimos, do que vemos, E sacralizar é tornar sublime. E sublime é esta entrega do do que sentimos, do que cheiramos, do que provamos? E “eu” poético à essa imagem da mulher nua que se torna o sidade Eduardo Mondlane (UEM) e é escritor.
  • 3. Exero 01, 5555 BLA BLA BLA 3 Terça-feira, 25 de Outubro de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 3 Em primEira Havia uma dança no meio do caminho Dançando com chuva: Um bailado escrito por Eduardo White MARcELO PANguANA* - MAPuTO com tudo aquilo que até um O bailado começa com algum cenário que se pode con- determinado momento julgava siderar sombrio: A luminosidade dos relâmpagos. O ribmbar dos trovões. A chuva incessante que cai. Uma perdido. E por essa razão, pela beleza dessa desco- tempestade. Depois a imagem de um homem quase berta, o homem sinistro que nos primeiros sinistro perdido no meio da intempérie, a chuva mol- cenários se encontra, chora, chora convulsa- hando-lhe o corpo de alma. Depois uma rua qualquer mente, enquanto a dança acontece em seu vestida de latas de lixo, de pedras atiradas ao acaso. Sem redor e ele próprio se envolve nela. dúvida nenhuma com o cenário tendente a evidenciar o Como toda a manifestação artísticas inter- enorme desconforto que a alma humana, às vezes, me- ventiva, “Dança com a chuva”, na sua lingua- dra. Fica-nos, logo à partida, essa sensação de desola- gem musical e contemporânea, pretende ção e de abandono. É uma certa moçambicanidade que se assumir como expressão de ideias e sen- se instala e se revela, com alguns dos seus símbolos e timento, ou se quisermos, uma critica a nós traços. mesmos enquanto indivíduos à busca da Por isso a surge este bailado para atenuar perfeição. E a arte é uma das expressões maiores dessa busca. Quer dizer: a dança e essa desolação. Com uma forma de a música acasalada à poesia. É isso que Edu- ardo White pretende transmitir neste breve e aprendizagem. Com descoberta. Com mavioso bailado catarse. Com reencontro do homem *Marcelo Panguana é escritor moçam- bicano e director da Revista Proler A modos de dizer qualquer coisa Quero dizer, eu era, obviamente, um temporal de vibrações magnéticas intensas, de viagens para- normais a planos irreais de mim... tar, sempre desprevenidamente, desarruma o outro que para o caos em que se tornou. No entanto, essa desordem é o EDuARDO whiTE* - MAPuTO sou, os lugares que habita, os amores que ama. Espalha- momento fulgurante para que tudo nele se recomponha, se os desordenada e positivamente. Muitas vezes me faz redescubra e se interrogue. A chama, há muito apagada do Quando resolvi escrever o livro “O Homem, a Sombra e a bem, mas em grande maioria delas, desestabiliza-me amor e que é a causa desse estado decomposto das coisas, Flor”, que sobre o qual se inspira este bailado, todo o acto criativo foi uma tempestade interior que em mim con- vocava um bailado mágico, colorido, ritmado de sons e vozes vibrantes na matéria do corpo e do sangue. O mo- mento era celebrativo de paisagens anteriores que eu tinha vivido ou percorrido em algum espaço temporal da minha vida. Forte, devastador, arrepiante. Eu mesmo, nessa altura, era palco de muitas coisas que se pergun- tavam e me enduvidavam. A planura das respostas inex- istia, o sufoco esgotante da alma se me tempestuava, a ponto tal, que eu era todo transe, todo matéria relampe- jante e evolava-me para espaços que desconhecia da minha própria alma. Em nenhum momento eu mesmo permiti-me a descan- sos, a pausas de que pudessem resultar harmoniosas calmas, a inervosos estados de espírito. Quero dizer, eu era, obviamente, um temporal de vibrações magnéticas intensas, de viagens paranormais a planos irreais de mim. O transe transbordava como um mar que chega nervoso a uma margem qualquer do planeta. Vi pessoas que era, planos individuais que se materializavam, mortos que fora em outros tempos desconhecidos e que agora me positivamente. reacende-se em si próprio, dando lugar a um sentimento de viviam. descoberta e de renovação, dados mutantes para que perceba Confesso-vos, e isto é uma confissão que passei a fazer que antes de amar qualquer outra coisa forçoso é que se ame Escrevi o texto num ápice assustador de tempo. Melhor, nos últimos escritos que vou tornando públicos e que é a si próprio. E essa sombra sua, que se transforma a partir dele descrevi o que vivia de um espaço territorial delas que mais gritante neste livro que agora lanço em simultâneo no sujeito do seu amor, é a resposta até a uma outra pergunta eu próprio me tornava. Lembro-me que eu suava e a com o bailado, “A mecânica lunar e a escrita desassoss- que, interiormente, não se cansa de fazer: Mas e onde está o fome batia-me esgotantemente. Devo ter fumado, du- egada”, que tais momentos de tão intensos que são, de amor e por que esse caos que é a sua solidão? rante o tempo que isso ocorreu, três maços de cigarros. tão arrebatadores que se me tornam, resultam sempre E bebido bastante. Sempre fui propenso a esses estados num estado de reversão de que demoro demasiado a A transformação da sombra nessa mulher por quem se vai de alma. Revelo-vos agora, a propósito deste bailado. recompor-me. Saio quase sempre dolorido, amassado e apaixonar, essa metamorfose toda que ele vive, torna-se, en- Quando escrevo se me sobrepõe um Eduardo White que descaracterizado. tão, na viagem extasiante que nele adubará o conhecimento não sou comummente. Aquele que vivo todos os dias. da mulher que tem em si, como ideal, e que vai descobrindo É sempre assim. Sinto, durante algum tempo anterior à O “Dançando com a Chuva” é a história desse sujeito nascer como realidade. escrita, que esse indivíduo me vem chegando. Altero-me no plano do amor e que, através deste, é remetido para por completo, torno-me outras dimensões a que a maio- todos os outros. Porém, como sabem, o amor é um es- Toda esta trama - se mo se me permite dizer- é a tempestade ria dos meus amigos e não só, as apelidam de loucuras. tado que altera todos os outros, ou quando começa, ou que sobre si desaba e que se torna e que, efusivamente, o No entanto, é bem real esse personagem que vos estou quando termina. Revoluciona e transforma, combus- leva ao apogeu da descoberta daquele sentimento, primeiro descrevendo. Tem vida e personalidade próprias, e, con- tiona e mistura. O personagem principal deste bailado nele mesmo, depois, em tudo o que o circunda. Afinal, a com- trariamente ao nativo indivíduo Eduardo White, mais conta, desta maneira, a história um homem que desapa- provação de que toda e qualquer ordem nascem da própria temerário, contido, introvertido e tímido, o outro White, ixonado pela vida, que desacreditado do amor, encontra dinâmica do caos é um tempestuoso sonhador, um inebriado aventureiro, nessa sua desarrumação uma tempestade da qual bebe um recipiente de alucinações fantásticas, um destemido uma viagem interior a si mesmo. Despido dele, deste provador de experiências. Quando me chega para habi- modo, torna-se o espaço do caos e evolui, ele próprio, Eduardo White é poeta moçambicano
  • 4. 4 BLA BLA BLA Exero 01, 5555 Terça-feira, 25 de Outubro de 2011 LiTERATuRA MOÇAMBicANA 4 A Poesia Epigramática do Amin Nordine ou a Babalaze do Atirador das Verdades Um poema assim é árduo/ sem cola e na vertical/ pode levar uma eternidade. ‘’ARMÊNIO VIERA’’ Ao Sangare Okapi e Lúcilio Manjate AMOSSE MucAvELE - MAPuTO fatalismo que voa em voo rasante sobre as angústias de um passado melancólico, e um presente envenenado. AMin nordine nasceu em Maputo aos 17 de fevereiro e do futuro o que se espera? O futuro não será isto!’’… de 1969 e perdeu a vida aos 5 de fevereiro de 2011,e superlotada receita galgando o vento/com as mãos no autor de apenas 3 livros, o que não tem importân- coração do destino.’’ cia porque a literatura não se assemelha a uma com- o que é do lado da ala-B? o leitor descobrirá que esta petição, onde quem publica muitas obras sai vencedor no lado mas vil de um jovem país com os seus prob- (assim sendo existem escritores que tem sido felizes lemas, e é neste lado onde reside o poeta solitário nas nesta maratona aliando a quantidade versus qualidade suas abordagens anti-heróicas, mas das multidões na como o seu cavalo de batalha e tem se notabilizado sua mordacidade social, um verdadeiro maquinista do como verdadeiros campeões ex: Mia Couto, António comboio dos duros, um autêntico vomito da babalaze Lobo Antunes, Pepetela, Moacyr Scliar…), bastando de um poeta bêbedo do seu dia-a-dia. Detentor de lembrar-se do Luís B. Honwana, Noémia de Sousa, uma caligrafia rebelde, com versos quentes como o Gulamo Khan, e Lilia Momple para sustentar a tese de fogo e cortantes como a espada afiada, onde eclodem temáticas de afrontamento de um certo tempo histórico (ex: carta ao meu amigo Xanana, ban- queiros de banquetes, bandeira galgada aos 25, (c)anibalizinhos…) tALvez o outro lado da ala destes poemas, não! Isto ultrapassa a dimensão poética, ou por outra destes melancólicos dissabores que desper- tam os filhos desta pátria que nos pariu deste manancial de barbaridades versus mentiras, que transformam o sonho de estar livre da opressão em um pesadelo, não será esta a voz do povo? estes MeLAncoLiAs dissabores são a pólvora contida na’’ bala’’(ala-B) desta poesia que o custa amar uma bandeira assim? autor preferiu chamar de’’ arma da vitória’’ que dispara esta bala certeira onde a cada estrofe tem o amargo do asilo vai abatendo o seu alvo. Dai nasceu este livro embrulhado por uma crítica social. A títuLo de exemplo o poema ‘’barbearia dos almoço de pão com badjias cabrões (‘‘queixos barbudos engravatados/ barbearia dos cabrões/ que deixa todo chão sabem bem todos dias.’’ careca/ e ao alto mastro hasteiam bandeira/ para ceLso MAnguAnA pag.14- aos meus pais - Pátria que me pariu- desfraldarem o corpo nu do povo…’’) 2006. ‘’APesAr dA irrequietude e da impertinência, algumas vezes virulentas que caracterizam esta poesia ou das entremeadas doses de apurada ‘’ Se por tanto tivesse ser capaz ironia ou de compaixão pelos desafortunados, moça - pátria deste amor que refrega o que sobressai nesta forma particular da escrita e um virtuosismo estimulador da sensibilidade da razão,(…),nessa brevidade desafiadora da seja o meu coração a minha entrega nossa capacidade leitoral e estética.’’( F.NOA-o prefaciador). escrever-te a cerca duma paz segundo zenão a brevidade e um estilo que contêm o necessário para manifestar a reali- e alto levante-se da vez que nega dade. Esta brevidade encaixa-se na poesia do Amin Nordine onde nota-se uma presença mas- não é para o povo o discurso assaz siva de traços inter-textuais da obra do poeta Celso Manguana cidadãos da mesma esquina nenhum político, milagroso ás (ambos eram jornalistas culturais do semanário Zambeze) guerreiros da poesia epigramática, eé tamanho o sofrimento que chega! soldados da mesma trincheira. Amin Nordine exilou-se na morte, Celso Manguana exilou- para o povo aumentem um quinhão se na loucura, e eu procuro exílio na memória que qualidade nem sempre rima com a quantidade. destes 2 poemas: venha do vosso governo mais pão PuBLicou – Vagabundo Desgraçado (1996), Duas Qua- dras para Rosa Xicuachula (1997), e Do lado da ala-B. burilada a página da história AMin nordine e um militante de uma escrita sólida ‘’Sonâmbula esta pátria em todos lados seja o da ala- A ou da ala- B, isenta de apagar a sua triste memória qualquer submissão política, caracterizada pelo incon- cresce nas estatísticas formismo da realidade que o circunda e pela revolta fazemos o país livre da escória!!!’’ social, esta poesia epigramática e uma revelação de um e acorda com fome AMin nordine -pag.50-soneto da paz-Do lado da ala-B-2003 FicHA tÉcnicA Propriedade do Movimento Literário Kuphaluxa Sede: Centro Cultural Brasil-Moçambique* AV. 25 de Setembro nº 1728, Maputo, Caixa Postal nº 1167 * Celulares: (+258) 82 27 17 645 e (+258) 84 57 78 117 * Fax: (+258) 21 02 05 84 * E-mail: kuphaluxa@sapo.mz Director Editorial: Eduardo Quive (eduardoquive@gmail.com) Coordenação: Amosse Mucavele, Japone Matias e Mauro Brito Redacção: David Bamo, Nelson Lineu, Mauro Brito, Izidine Jaime, Japone Arijuane. Colaboradores: Maputo: Osório Chembene Júnior * Xai-Xai: Deusa D´África * Tete: Ruth Boane * Nampula: Jessemusse Cacinda * Lichinga: Mukurruza* Brasil:Balneário Camboriú - Pedro Du Bois * Santa Catarina: Samuel da Costa * Nilton Pavin * Marcelo Soriano * Portugal: Victor Eustaquio e Joana Ruas. Design e páginação: Eduardo Quive
  • 5. Exero 01, 5555 BLA BLA BLA 5 Terça-feira, 25 de Outubro de 2011 cRóNicA / cONTO 5 FiLosoFonias rapsódicas A sentença para um prostituto MARcELO SORiANO - BRASiL DANy wAMBiRE - BEiRA m.m.soriano@gmail.com O Maconha era um jovem culto de conhecimentos universais. Mas brincava com as mulheres, solteiras ou casadas, de qualquer modo, sem a devida circunspecção. Nota preliminar: Antes de Um dia, despertou da cama, com um ar diferente. Queixava-se de dores incontornáveis, prosseguir com este artigo, no abdómen. Tinha a sensação de que algo estivesse esforçadamente a subir por ele. Como se fosse um elevador a transportar pesos pesados e a descarregá-los no pescoço lembro ao leitor que me dirijo daquele miserável. à CPLP (Comunidade dos Assustada, a esposa mandou chamar os dois grandes amigos do infeliz, para que o ajudassem a serenar a sua intranquilidade. Vieram logo, graças à disponibilidade dos Países de Língua Portuguesa), seus velocípedes. E inteiraram-se da apoquentação do amigo. Tiveram informações portanto, podemos encontrar de que, antes do sucedido, a esposa do Maconha tinha travado uma acesa querela com uma certa Maria, a amante do seu marido. Maconha tinha conseguido o contacto gerúndios, futuros do telefónico da amante, e tinha-a contactado, só para matar saudades. Maria vivia, agora, a cento e sessenta quilómetros, da sua antiga moradia. pretérito, expressões etnocêntricas, familiares a certos leitores, Durante a conversa, o marido da amante de Maconha, soube, erradamente, que a porém, inusitadas a outros. Oxalá, que esta peculiaridade não seja Maria estava a conversar com um seu irmão. E pediu para conversar com ele. E assim aconteceu. pretexto para correções, mas para integrações e enriquecimentos A conversa era excitante e agradável, mas, a dado momento, a toalha foi para o chão. léxicos e culturais entre nós. Marcelo Soriano. Santa Maria - RS Aquele coitado descobriu que o homem, com quem dialogava, não era nada o seu cunhado, mas sim o amante da sua parceira. Afinal, Maria tinha o traído. - BR. 14/07/2011. Trocaram impressões abomináveis. Maconha, o amante da Maria, afirmou ao seu esposo infeliz que a gravidez a pesar no ventre da infiel lhe pertencia. A informação encolerizou o esposo da adúltera, e levantou-se um clima de altíssima tensão. Já não havia condições para a paz. [v e r - s Ó i s] Então, a grávida fez as malas e foi para a paragem, à espera de um transporte, que a levasse para a palhota da sua origem. As lágrimas acres humidificavam-lhe o corpo e o traje. O transporte tomou-a. E a sua raiva coagia implicitamente os pés do motorista a afundar o acelerador. introdução Dias depois, a Maria contou a triste cena aos familiares, que não a levaram a sério. Teve que aguentar sozinha. Mas aconselharam-na a ir apresentar queixa à polícia. Numa noite acordei para o dia. E outro dia. Outro dia. Sol Não foi à polícia, apenas discutiu com a esposa do Maconha, o qual, por consequência, passou momentos dificultosos para a sua saúde, como resultado das ameaças verbais a sol, fui tecendo o manto da vida, enquanto esperava a de o liquidar fisicamente. Não se sabia, ao certo, quem seria o concretizador daquela maldade demoníaca: se seria a adúltera grávida, ou se seriam talvez os que instigavam morte, que não veio... a discussão, em satisfação do seu mero sadismo. Transportaram o Maconha para o centro de saúde próximo, desabitado de enfermeiros, por algumas horas. Mas teve o apoio duma ajudante, que lhe administrou um antibiótico. Mas o antibiótico não era a solução e acabou por lhe piorar a doença. A coisa estava ainda mais agudizada. O comprimido não resolvia o problema. 4º [ver-sÓ] Tiveram que tentar a medicina tradicional. Pediram a vinda duma curandeira ao hospital, pois tinham medo de levar o doente de volta a sua casa. A ajudante havia de receber réplicas fortes dos técnicos da Saúde. Mas a vinda da curandeira teve que ser PoeMA do ver corajosa, libertando o doente para o kush-kush. o verso do Ler As operações espirituais da curandeira ganharam dinâmica, e o Maconha não tardou a melhorar, porque reconheceu e confessou as acusações feitas pela curandeira, sobre A LeiturA do ser o seu envolvimento em relações sexuais com mulheres alheias, sem as pagar, entre outras ilicitudes tradicionais. A LetrA do eu Para ele melhorar definitivamente, teve a curandeira que chamar Maria, a amante do que doeu Maconha, para ela dizer o que desejava como pagamento. E foi assim que finalmente o problema ficou ultrapassado quedo eu e não dÓi MAis Porque MARiA MARchA A RÉ ver-sÓ vó FiA- BRASiL O maior sonho de Maria era possuir um carro Chevrolet vermelho, nem (continuA nA PrÓxiMA edição...) precisava ser novo, podia ser usado, mas mesmo para um modesto carro velho, as finanças dela eram incompatíveis; Maria era pobre, ........................................................................... mas tão pobre que esse era um sonho irrealizável, mas ela continuava sonhando. os corvos De suas tarefas de lavadeira, ela mal conseguia tirar o suficiente para o arroz e feijão de cada dia, as roupas que usava eram doações feitas por suas patroas, ela não podia nem pensar em adoecer, pois não Os outros... Os mesmos... teria dinheiro para médicos e remédios, e o pior era a solidão em que vivia, pois seus pais morreram durante sua infância, não tinha irmãos e Os novos... As covas... nenhum outro parente vivo. Os corvos... Para completar as desventuras da coitada, ela era bem feia e desajeitada, por isso nunca conseguiu um namorado, afinal a vida de ..................................................................................... Maria era um completo desastre; mas ela continuava alimentando seu sonho impossível e de tanto sonhar com aquele Chevrolet vermelho, ela passou a misturar sonho e realidade, e o tal carro passou a existir de verdade. esPÓLios Para ela o carro era tão real, que ela chegava a procurar oficinas mecânicas, para contratar concertos no imaginário veiculo; no principio Antigamente, os chapéus duravam mais do desvario de Maria as pessoas achavam graça, esticavam a conversa para que ela falasse sobre o carro, ai sua imaginação voava longe e ela que as cabeças, elogiava o desempenho do amado Chevrolet, e como ele era econômico e rápido. assim como os óculos e os relógios. De repente a situação mudou para pior, porque ela passou a beber litros de cachaça e endoidou de vez, brigava com as pessoas O único pertence que sempre que esbarrava em seu carro invisível, atirava pedras e dizia dúzias de palavrões; o povo daquele lugar agüentou a situação ao maximo, sumiu antes do dono foi e quando não deu mais pediram providencias as autoridades, que prometeram resolver o caso. o guarda-chuva. Prometer naquele fim de mundo era fácil, mas resolver era difícil porque lá não havia recursos para nada, e ficou tudo como estava e a .................................................................... pobre mulher só piorando, até que ela passou a andar de marcha à ré e FrAse cAixA ALtA: isso resolveu a situação da pior maneira possível, na sua eterna marcha à ré ela atropelava as pessoas e brigava se reclamassem, até o dia em que ela atropelou exatamente um Chevrolet vermelho e morreu; estava gritA que o Mundo cALA. cALA que o Mundo gritA acabado o sonho, as bebedeiras e a loucura da infeliz, Maria Marcha a Ré
  • 6. 6 BLA BLA BLA Exero 01, 5555 Terça-feira, 25 de Outubro de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 6 - discurso dirEcto “Cidade de Quelimane está enterrada” Considera o escritor Élio Martins Mudender, autor da obra “A Cidade Subterrânea” em entrevista exclusiva a Literatas EDuARDO QuivE - MAPuTO quando a pessoa chega lá, sente Será uma coincidência dos factos ou o autor refere a si que de facto está mal. ” mesmo? ÉLio Mudender: Isto é uma obra de arte. Uma ficção. Uma construção artística. Isto é, não tem necessariamente a ver “A cidade subterrânea”, título de um livro eduArdo quive: Como é que surge o título “A Cidade comigo. Entretanto, quando um escritor faz uma projecção publicado há dias em Maputo, tem Subterrânea”? artística, em algum momento, acaba reflectindo parte de como palco a cidade quelimane. si. Certamente que esta é minha obra, isso faz parte de Aliás, segundo o autor, Élio Martins ÉLio Mudender: É “A Cidade Subterrânea”, pois, na minha mim como pessoa, e da minha personalidade. Entretanto, Mudender, quelimane é “A cidade opinião a cidade de Quelimane está a viver uma situação embora eu seja de Quelimane e formado em psicologia, subeterrânea” retratada nesta que me leva a acreditar que está enterrada, no sentido não quer dizer que refiro-me a mim mesmo. Apenas foi um obra, que trás revelações sobre em que muitas coisas que por lá acontecem, sujeitam-na exercício literário, e nisso procurei aplicar um exemplo de vários problemas sociais, pois, “há a uma situação de pôr em causa o desenvolvimento da jovens formados, que depois disso querem empreender, muitos problemas de desemprego, sociedade e do bem estar do povo zambeziano. Mas não mas muitas vezes, a dinâmica da vida e a conjuntura social, habitação, muitos quadros naturais só o povo desta região, é uma maneira metafórica de não permitem, quer dizer, dum lado temos o discurso de de quelimane querem regressar fazer uma apreciação sobre a situação duma cidade que que é preciso sermos empreendedores, inovar e ter o auto- à cidade, mas não há condições, está num nível de desenvolvimento muito péssimo, o que emprego, mas muitas vezes, a realidade mostra que não é acabando por regressar à capital, ou pode não ser só Quelimane, podemos encontrar a mesma isso, e o jovem vive um dilema, em que quer empreender, rumam para outros cantos do País a situação em qualquer outra cidade no mundo. mas não consegue por causa da conjuntura. Daí que, este procura de melhores condições de PortAnto, É uma metáfora para referir toda aquela cidade, dilema preocupa não só ao jovem de Quelimane mas, os de vida, que lá não é possível encontrar, todo aquele povo, que pela ironia do destino ou pelas outros cantos do País. e isto faz com que eu me refira a condições sociopolíticas, culturais e toda essa dinâmica, uma cidade que está enterrada”. faz com que o seu desenvolvimento esteja parado. eduArdo quive: Portanto, é uma obra em que estabelece Mudender que é também psicólogo se ForMos para a própria cidade de Quelimane, há muitos uma ponte entre o real e o irreal. Mas as personagens como e natural de quelimane, alongou a problemas de desemprego, habitação, muitos quadros é que são constituídas? No caso particular de uma prostituta sua viagem, revelou em exclusivo querem regressar à cidade, mas não há condições, acabam com o nome Maria Consolo – é Consolo porque consola o nesta entrevista que, não é ele a voltando a capital ou rumam para outros cantos do País jovem recém-chegado à cidade, ou porque é o seu nome personagem principal do livro, como a procura de melhores condições de vida, que lá não é verdadeiro? se pensa, mas que na sua literária possível encontrar. Isto faz com que eu me refira a uma abordagem, despe o que sente cidade que está enterrada. ÉLio MArtins: Eu aprecio muito o truque em que se usa, pelas terras que lhe viram a nascer. onde procuramos criar personagens que não só entram “eram pessoas a reclamar por tudo eduArdo quive: Na introdução da obra chega a contar em rede com a história, mas o nome em si transmite uma e por nada. É a miséria de um povo. que um jovem que acabava de se licenciar em psicologia, mensagem. De facto, para mim, Maria é símbolo de mãe, isso é verdade. quer dizer, sem decide voltar à sua terra natal (Quelimane) para investir mulher e, por sinal a minha mãe se chama Maria. comentários, porque é de facto uma em alguma área e desenvolver a sua localidade, facto que MAs estA é Consolo, porque o papel dela vai se assemelhar verdade: há muita fome, há miséria, não chega a acontecer. O Élio Martins, autor deste livro, ao que consola, protege, ainda que ao longo da história e isso cria muita dor e nostalgia que é psicólogo e a sua terra natal é Quelimane também. descobrimos outras fazes da personagem: é uma boa
  • 7. Exero 01, 5555 BLA BLA BLA 7 Terça-feira, 25 de Outubro de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 7 pessoa, prostituta e espiã. Mas eu quero com isso, reflec- figura moralmente muito forte e que, dá ensinamentos, esse cenário para se ter de novo uma sociedade saudável e tir sobre vários problemas que significam na sociedade. mas por outro lado, em muitas fases, esses mesmos sac- digna para todos, onde todos sejamos filhos da mesma casa. Sabe-se que para a construção duma sociedade, há várias erdotes apresentam uma postura aquém daquilo que é AindA que de facto a igualdade de oportunidade seja algo que necessidades, e é, exactamente isso, que procuro reflectir. o padrão de comportamento que se exige dele. se pareça difícil de se realizar, há uma verdade nisso: é preciso Não se trata de algo que aconteceu na realidade, mas é um e Há uma luta muito grande sobre o celibato dos reli- que haja a criação de condições para uma satisfação general- exercício artístico, mas fazendo uma ponte sobre aquilo que giosos. Existem certos religiosos que defendem que o izada, ou melhor, não é possível construirmos uma sociedade a imprensa fala, aquilo que o povo fala, e nos bastidores celibato deve ser abolido. Do ponto de vista psicológico em que todos sejamos iguais. De facto, somos uma sociedade também falado, é um exercício artístico. e ideológico, o sexo é muito prático para o estabeleci- marcada por classes sociais diferentes, e com oportunidades e uM escritor deve fazer esse exercício aquilo que é a reali- mento do equilíbrio do indivíduo, e o sacerdote decide outras coisas, mas o mais importante para mim é que, hajam dade, no entanto que tal, aquilo que é a realidade artística, abdicar-se do sexo. E isso é um desafio muito grande para condições que permitam que todos os indivíduos satisfaçam para depois produzir um objecto, por isso que é arte. E eu os que seguem essa vida, por isso que, existem muitos as necessidades básicas, temos que lutar seriamente pela situa- faço isso entre a realidade e a ficção. Acredito que este exer- problemas como a pedofilia e homossexualidade. Com ção de habitação para os jovens, aumento do emprego, e criar cício é alma de um povo, e eu tento engrandecer a cultura esta reflexão, estamos perante um apelo, para que se condições sociais sustentáveis para todos os moçambicanos. através desta obra. tome uma medida no sentido de o padre casar-se. Para nÓs soMos um País com muitas riquezas. Então, que essas mim é algo necessário, do que obrigar muitos a fingir. riquezas sejam usadas para o bem do povo. Essa é a minha eduArdo quive: Mas em geral, qual é o seu processo de cria- Eu já estive no seminário e sei que isso acontece. É mais posição. Todos devem se beneficiar, e com isso, acabarmos ção dos personagens, pois, encontrarmos na obra pessoas uma reflexão que eu faço. Isso é um problema social que com a situação em que uns se beneficiam e outros não. Somos que se complementam: primeiro a Maria Consolo, depois interessa a todos, e é por isso que eu faço uma viagem todos moçambicanos, pagamos impostos e não nos beneficia- o Padre Jaime (primo do jovem) e o Guarda da igreja (um metafórica. mos disso. Assim haverá satisfação. antigo combatente), os quais acompanham a personagem principal nas suas acções… eduArdo quive: E quanto a aparição nesta obra de eduArdo quive: Em alguns capítulos do seu livro encontra- uma catorzinha, que chega até a apontar nomes como mos símbolos, cujo significado acaba aparecendo durante o ÉLio Mudender: É preciso encarnar. Aquilo que em Psicolo- Marcelino, como um dos tais adultos que circula com desenrolar da história, sendo ameaças de morte, chantagens gia chama-se Empatia – procurar colocar-se no lugar deles, catorzinhas? Também fala-se muito dos acontecimentos e perseguição. Há algo de verídico nisso? a protagonizar o acto. de 1 e 2 de Setembro? PArA MiM uma verdadeira obra de arte para ser uma con- ÉLio Mudender: De verídico no entanto que tal, não. Mas strução artística, deve trazer algo de novo, criar suspence, ÉLio Mudender: Ao citar as catorzinhas, baseio-me procurei mostrar que muitas vezes, os serviços secretos têm uma situação em que o leitor sinta-se convidado a ler e a naquilo que tem acontecido. Andamos na rua e ouvimos os seus códigos que servem como um modelo de comunica- viajar na história. Isto faz de um escrevedor um escritor. E muito comentario sobre a questão destas. Temos con- ção entre eles. Devo dizer que aprecio muito, alguns filmes umas das particularidades na criação literária são as perso- hecimento a partir de alguns bem posicionados na fase com abordagem de cenas policiais, e onde se faz o uso da nagens. Elas devem ser sujeitos que protagonizam várias adulta, que saem com meninas por troca de alguns bens inteligência. E quis trazer isso na nossa literatura, como forma acções, e devem o fazer duma maneira muito emblemática, e meios financeiros, isso prejudica a sociedade. Eu penso de contribuir para que haja algo de novo. de modo a dar um peso acrescido à própria obra. que um homem, maduro e moralmente são, deveria se neste MesMo capítulo, vamos encontrar a abordagem sobre A FigurA do Guarda: para mim ele é um indivíduo que nesta colocar na situação de ver a sua filha a ser instrumental- as mudanças. Quanto a mim, todos sistemas não se mantêm obra procura mostrar o dilema dos antigos combatentes, izada sexualmente por um adulto, em troca de alguns eternamente. Uma construção social é algo dinâmica, e se é que estão insatisfeitos, pois apesar de ter combatido não se bens. Penso que isto retira a sanidade duma sociedade. assim, a qualquer altura pode mudar, porque só a mudança sente enquadrado, e está frustrado. Por isso, o personagem Se queremos construir uma sociedade sã, que seja um cria o desenvolvimento. Então vou arrolando sob a questão da diz na obra, que existem na realidade muitos antigos com- espaço que cria segurança, tranquilidade e sossego para Líbia, Egipto, Zimbabwé e de outros países. batentes nessa situação. Portanto, não é uma invenção, é todos, devíamos acautelar situações como estas, que umas realidades que vivemos. muita das vezes, é uma manifestação de autêntico abuso eduArdo quive: o psicólogo que é o Élio Martins Mudender, o PAdre: para mim o padre é uma figura emblemática. Não de poder, não dá para aceitar. não conseguiu dissociar-se do escritor? ÉLio Mudender: É difícil separar as pessoas fragmentando-as. Se eu sou psicólogo, escritor e professor, está claro. Quero dizer que é muito difícil dividir-me, porque a minha unidade como personalidade é constituída por esses. Agora, é verdade que podemos procurar agir de modos diferentes, de um lado como escritor, como professor, e doutro como psicólogo. Mas essa visão é mais didáctica do que necessariamente táctica. MAs o que procurei abordar nesta obra, é este misto de confusões em que as pessoas vivem. Por exemplo, uma pessoa que chega num sítio e hospeda-se numa pensão…numa pensão há prostitutas que estão a procura do pão: são nossas irmãs, filhas, a procura de pão, prosti- tuindo-se a preço de banana. Não é ter prazer de sexo, é fome – não há saco que fica de pé vazio. Isto é um grito de alerta, pedindo socorro. Mas não vale a pena olharmos para os outros como a solução para os nossos problemas. A teoria de Compló deve desaparecer. Nós temos que olhar para nós mesmos como a razão dos nossos problemas, e daí tentarmos melhorar e inverter o cenário, do que, olharmos para os outros nomeadamente os políticos, como a solução dos nossos problemas. E nós? Isto também serve de apelo à todos, para que nos engajemos na construção duma cidade boa e melhor, não só uma cidade, mas o Moçambique todo. Pode notAr-se em alguns capítulos do seu livro que os acontecimentos estão datados. Quanto tempo levou para escrever este livro? - nA verdade não sei quanto tempo levei para escrever o livro. Mas não foi muito tempo. Foi num período em que estava de férias, e foi nesse mesmo tempo que escrevi. De facto o romance não teve muito tempo a escrever. Mas eu escrevo há já muito tempo, então este é um exercício que mais faço com prazer. Há pessoas que já leram, e pensam que levei muito tempo tenho nenhum primo chamado Jaime, nem um primo padre. MAs Por outro lado, temos a situação dos dias 1 e 2 para escrever este romance, por causa da qualidade, mas foi É apenas uma criação. de Setembro, que todos nós ouvimos e vivemos o que pouco tempo. MAs Há uma coisa muito interessante. No livro, com esta aconteceu, e sabemos que aquilo vem de uma insatis- todAs As pessoas que me ligam dizem, “não sabíamos que em personagem, faço a reflexão sobre o sacerdócio, não só em fação generalizada da população. Não inventei, todos Quelimane temos um escritor a sério” e eu não me considero Moçambique, mas em qualquer parte do mundo. Nós sabe- sabem disso. Para mim a ideia é que, havendo situações como tal. Mas as pessoas dizem que acaba de nascer um escri- mos que o padre católico não deve casar, mas conhecemos como estas, é necessário que os que tomam decisões à tor que deve vir para ficar, e mesmo por causa disso, acabei por muitos padres que tem filhos, e que até namoram. Então dianteira na direcção do País, prestassem atenção a tais ser convidado a lançar o livro em Quelimane. As vendas estão estamos a viver uma situação delicada, em que de um lado, tipos de sinais, pois havendo estes sinais, é necessário temos o padre como aquela figura que representa Deus, uma que se tome a medida correcta no sentido de se inverter
  • 8. 8 BLA BLA BLA Exero 01, 5555 Terça-feira, 25 de Outubro de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 8 boas em Maputo, as críticas são boas. Depois desse convite, medo de pisar o chão. Mas no fundo foi um exercício que fiz recém-formado. É porque não se sabe se esse indi- também convidaram-me a traduzir o livro para Francês. para expulsar as personagens. víduo promete ou não. E muitos não estão dispostos no Livro chega a abordar a questão da apreensão das madei- e MesMo a falar disso, quais foram as dificuldades tidas para dar a arriscar. ras em contentores, numa altura em que isso está a acontecer. vida a cada personagem do livro? As oBrAs que ainda não publiquei, ganharam prémio É algo que já era do seu conhecimento e quis denunciar? - certAMente que isto é um exercício muito forte. Mas o grande sim, mas parecendo que não, estão engavetadas. Tenho - eu estava a prever. Uma das características de um bom desafio de um escritor é produzir algo que tenha interesse para o muitas histórias que escrevi e que estão nas gavetas. Há escritor – eu aprendi isso – deve saber prever. O prognóstico público e é por causa disso que entramos para o mais profundo, muita coisa boa que se esconde, e é por ser de quali- é importante como uma sociologia artística. Por outro lado, de modo a criarmos o suspence que motiva o leitor. dade, que ficam nas gavetas, ou melhor, é por sermos sabemos que a Zambézia está a ser abocanhada, a madeira outrA coisA interessante, há uma frase no livro que diz “ o bons que as portas não se abrem. Sem querer exagerar. está a ser delapidada. Este romance fiz em Quelimane, onde pobre não presta?”. Isto porque nós vivemos num mundo em Mas agora que as portas abriram-se estou aqui e até passei as férias: caminhava pela cidade, inclusive fui a Domela, que o pobre é aquele coitadinho, está na miséria, é pisado e outros livros que tenho vão sair. onde nasci, embora tenha saído de lá muito cedo, e prossegui não interessa a ninguém. Mas aqui, procuro dizer que todos gostAriA de chamar atenção às pessoas que gostam de até Nicoadala. E eu vi este cenário. As florestas estão a ser nós somos importantes na face da terra. Para mim a vida é um mim, e já agora, apreciam a minha obra, que fiquem a devastadas. Existem pessoas que estão a delapidar a madeira. teatro, e cada um vai encaixando-se no seu papel. Todos somos espera de mais novidades. Espero abrir o próximo ano Isso é uma verdade. um manancial de potencialidades, somos um tesouro e, deve- com um livro. Antes disso, escrevi um ensaio, numa altura em que a imp- mos ser lapidados, devemos nos respeitar. Todos merecemos tenHo MAis um livro que estou a escrever, intitulada “ rensa estava a reportar casos de madeiras apreendidas em dignidade, respeito e consideração, então que nos valorizemos a As cicatrizes do Amor” - é um romance. Vai dar que falar. Nacala. Mas também, numa situação em que estão a ser todos, e não medir a pessoa por aquilo que tem, mas por aquilo No livro procuro fazer uma abordagem sobre o amor, apreendidos contentores, supostamente, de brinquedos, que é. Estamos a viver uma época em que muitas vezes as pes- mas não no sentido romântico, mas do ponto de vista enquanto outras vozes dizem que são armas e drogas. São soas são valorizadas por aquilo que tem, e não efectivamente, psíquico, olhando para a questão social. Nessa obra vou verdades que muitas vezes não sabemos, e porque talvez, por aquilo que somos. Penso que temos que resgatar um valor falar da questão dos mega - projectos. não convêm que as pessoas saibam, e por causa disso, nunca nobre da vida, que é valorizar a própria vida. Todos nós somos A PuBLicAção dessa obra mudou em algum aspecto sabemos qual é a verdade. Mas é uma realidade em que de importantes. a sua vida? facto, alguma coisa não está bem, e as pessoas sabem disso. quAis são as suas influências literárias? - MuitA coisa mudou. Agora a minha vida está a centrar- PortAnto, Procuro registar isso, e marcar como facto históri- - PArA ser franco, em Moçambique, aprecio mais o Mia Couto, se neste livro, onde passo, seja na avenida, supermer- co, porque sendo uma obra, certamente que, será lida por penso que ele é um escritor extraordinário. Por isso aprecio e leio cado, portagem, as pessoas apontam-me e até já me muita gente e isto poderá passar de geração em geração, muito a sua obra. A nível internacional, o escritor que muito me chamam “A Cidade Subterrânea.” Algo interessante. e o meu esforço é registar os acontecimentos. Claro que os marca é Dan Brawn. O que me faz admirar este escritor é que, isto MostrA que o livro teve um bom impacto. Não dou um toque literário, mas vagueando por aquilo que é a ele tem uma abordagem sobre as coisas, muito interessante. vou parar nesta cidade que já é conhecida. Como realidade. Procura explorar a dimensão real, dando um toque artístico e escritor, penso que as pessoas tem uma expectativa e AcABA de dizer que chegou a ir a Domela, sua terra natal, e isto que de facto, dá-nos a impressão de que, estamos diante de um não queria frustrar essas expectativas. Vou continuar está exposto na obra. Aliás, chega até a referir-se das poten- escritor de grande mérito. a escrever, e dar o meu contributo para o desenvolvi- cialidades que Zambézia perdeu, e ao chegar à terra natal, PArA ALÉM desses, leio muito as obras de Tabor, Tomaz Hinder- mento da literatura moçambicana. Penso que Moçam- debate-se com vários problemas expostos pelo povoado… bet, José Saramago – muito me impressiona – o Jorge Amado, bique, com a literatura também pode ir longe, como foi - erAM pessoas a reclamar por tudo e por nada. É a miséria de entre outros. Em mim, o espírito crítico, nasceu da leitura às no atletismo, através da Lurdes Mutola, na política, com um povo. Isso é verdade. Quer dizer, sem comentários, porque obras de Jorge Amado “Os subterrâneos da verdade”, foi uma Samora Machel e Mondlane, e claro, literariamente, é de facto uma verdade: há muita fome, há miséria, e isso cria trilogia de romances em que ele provou em mim que, estava com o José Craveirinha e Mia Couto. Também pode ir muita dor e nostalgia, que quando a pessoa chega lá, sente diante de um escritor de alto nível em cabe o meu espírito. com o Élio. Eu estou a fazer a minha parte. que de facto está mal. oLHAndo PArA o seu percurso, noto que começa a escrever não eMBorA tenHA começado com um romance, em que coMo contAdor desta história, que justificação dá às mortes hoje. Já tem a obra “As notícias duma cidade ensaguentada” que género literário se encontra? de algumas principais personagens do romance, no caso de embora destacado num prémio, não chegou a lançar, e mais um - eu sempre escrevi poesia, contos e romance. Mas Joel, Maria Consolo e o guarda da igreja, este último que de poesia. Porquê preferiu lançar primeiro a desconhecida obra descobri que a minha grande pátria é o romance, e ajudava na decifração dos símbolos? “A cidade subterrânea? Será que esta é uma outra versão do queria desenvolver muito isso. Tenho poesia escrita e - Por falar dessas mortes, devo dizer que foi numa situação título que me referi “As notícias duma cidade ensaguentada”? contos, mas quero trabalhar muito o romance. É preciso em que me debatia com dificuldades de continuar com as - A maior dificuldade de um jovem escritor é de aparecer. Isso ter pátria artística e a minha é o romance. personagens. Perguntava para mim mesmo “para onde levo não só acontece com o escritor, mesmo com outros artistas, vou FAzer isso, pesquisando mais, lendo mais e fazendo estas personagens?” e não achava caminhos para os levar e isso nota-se. Muitas vezes precisamos encontrar gente que nos mais o exercício da escrita. A escrita, exige muita leitura, então, levei-os à morte. Foi uma maneira que tive de resolver dê um voto de confiança. Podemos registar isso também nas domínio da língua, esforço e acima de tudo criatividade o conflito interior na construção da história, por um lado, se empresas, os empregadores tem dificuldades em confiar num e imaginação olharmos a subjectividade. MAs tAMBÉM foi para referenciar a questão das mortes. Sabe- se que muitas gente morre e sem sabermos como. Essas situações levam-nos a insegurança (medo). Ficámos com
  • 9. Exero 01, 5555 BLA BLA BLA 9 Terça-feira, 25 de Outubro de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 9 outras margEns Mil Nomes Negra da Terra Desfazer DEciO MATEuS - ANgOLA NiLTOM PAviM-BRASiL Negra de carapinha dura Não estraga teus cabelos, Perdeste a oportunidade de falar com o homem Me jura. O homem que vive onde ninguém vive (Teta Landu*) O homem que vive onde todos querem viver O homem vive Minha negra brinca a gingar PEDRO DO BOiS - BRASiL Onde você vai viver? Magia da kianda Eu quero viver com o homem que vive lá! Negra anda-que-anda Todos querem ir pra lá, pois a casa do homem E ginga-que-ginga Numero acontecimentos Igual não existe e todos a imitam Andar de negra é banga desordenadamente. Capitulo Imitam a casa do homem que vive só, Andar de negra é cântico do mar! ao extremo desgosto Porém acompanhado e rodeado por vários seres das arrumações: a cama Seres que subiram infinitos degraus Minha negra ginga elegante os objetos Da escada da absolvição e da compreensão Nas curvas duma viola a comida Pois dizem que o homem é gentil, nobre e a todos conhece Nas ondulações duma mbunda o banho O homem vive lá, entre nuvens e estrelas Negra ginga e rola retiro da estante o livro Entre o luar e os raios solares E encanta gente instantaneamente convertido Todos com ele querem viver, ninguém quer mais sofrer Ginga e rola a negra linda! em acompanhante: desarrumo os fatos Todos querem no seu quintal azul brincar e os distribuo pela casa: Eu vou viver com ele, Ginga de negra é cântico do mundo a história forjada Combinamos encontros Não usa coisas de tissagem de reis e reinos: Nas noites de solidão Usa tranças de bailundo a desabilitação das fábulas Nos dias em que o vento uiva A negra jovem moralizam o animal que teima Nas manhãs frias e coloridas de cinzas E ginga-que-ginga a dançar sua liberdade. Nas tardes que o sol não brilha Ginga nas ondas do mar! Nas andanças pelas trilhas da bênção Continuar a viver quero eu Minha negra mulher cristalina Tu queres continuar a viver? Não usa coisas de postiços Ou preferes deitado ficar eternamente Usa carapinha Eu em pé ficarei e com meus versos com ele falarei E tranças de linha vivo morrendo Eu já o conheci quando nasci A seu lado vivia, noite e dia, inverno ou verão, minguante e nova... E tem magia de feitiços A preta africana! Quando soube que viajaria, deu-me uma lição e um perdão FRANciScO júNiOR - MAPuTO Ele sempre foi assim, de singrar os mares, terras, azuis... Minha negra beleza genuína E a todos conquistar com seu refulgir Ginga-que-ginga A morte sussurra silencio no meu ouvido, O meu lugar reservado está. E o seu? Reservaste? Dança-que-dança a preta angolana E eu invoco vida em palavras que lavro em papel Não vejo a hora da casa retornar Minha negra mulher da terra virgem. Sonho esse sonho há mais de cinquenta anos Mulher negra Construo uma nova dimensão da existência em Sonho e sonho e vivo a sonhar... Penteado à africana! versos, À casa voltar Me multiplicando em vários eu ‘s Voltarei Minha negra mulher formosa, mulher cheia a cada estrofe que desenho. Ao meu lar Mbunda farta Vivo essa imensidão dos eu ‘s Voltarei Não conhece cabeleireira alheia que vão batalhando contra a ignorância, À casa Usa carapinha de preta Que vão construindo novas vidas. Espere por mim E traz na voz a tradição negra Que vão parindo novos edifícios. Em breve acordarei do sonho Traz na voz o pulsar da terra! Fora dessa poesia fico um vazio, E voltarei Pois já não sei ser nada fora dos outros que incor- À casa poro. Do homem de mil nomes in Xé Candongueiro! É assim que vivo, *Teta Landu: músico angolano. Morrendo a cada ponto final do poema Algures no tempo LucíLiA guEDES - PORTO Poesia nas Acácias iziDiNE jAiME - MAPuTO Eu e Muitos A morte sussurra silencio no meu ouvido, Sentada Poema vestido de árvore no jardim da solidão, Cai em geito de folhas jAPONE ARijuANE-MAPuTO desatava as fitas de seda Um verso verde sem ramos Eu e muitos que envolviam as suas memórias. ... Voa nas sílabas do vento Andamos a deriva por ai… Como bando Ansiosa estava Poema vestido de árvore Em busca de oportunidades de beber esperança, Não sabe que raíz Que só existem na gaiola nos olhos da serra Amadurece o silêncio. nas suas histórias. Entrega-se num papel Eu e muitos Beija o caule Andamos em cardume Mas, o frio Inventa num olhar despido Em busca de mantimentos mordia-lhe os ossos empedernidos, Segredos da palavra Subjugados democraticamente avivando-lhe feridas profundas Ou no anzol ou no estômago dos tubarões do caminho das pedras. Poema vestido de árvore Tem folha branca Eu e muitos Estava no ciclo dos últimos, Caule pintado de letras Rugimos na selva da vida a fome no tempo das vedras. Flor que vence a noite Cujo banquete esta servido na jaula Projecto sem portas Do emprego Grito sem eco. Arte Eu e muitos andamos, corremos Luz Em busca de felicidades Amor Que pagamos com a nossa própria liberdade Tem um sonho de letras Vendido de graça Eu e muitos alegramos os nossos rostos No corpo das acácias. Para felicidade de outros Espaço para divulgação de poetas dos países LUSÓFONOS. Envie os seus textos para: kuphaluxa@sapo.mz
  • 10. 10 BLA BLA BLA Exero 01, 5555 Terça-feira, 25 de Outubro de 2011 https://literatas.blogs.sapo.mz 10 Noites d ´Álma Em outras paLavras https://noitesdalma.blogspot.com VII Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus – CRÔNICAS edição eM HoMenAgeM A escritores BAiAnos Lua 1 - O Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus visa estimular novas produções literárias e é dirigido a candidatos de qualquer nacionalidade, residentes no Brasil ou no exterior, desde que seus trabalhos sejam escritos em língua portuguesa. 2 – As inscrições acontecem de 01 de janeiro a até 30 de novembro, através do e-mail valdeck2007@ XiguiANA DA Luz gmail.com (CRÔNICAS de até 20 linhas, minibiografia de até cinco, endereço completo, com CEP e fone de contato, com DDD). Os textos devem vir DENTRO do corpo do e-mail. Inscrições incompletas serão desclassificadas. Vale a data de postagem no e-mail. Não serão aceitas inscrições pelos correios. Nossa herança 3 - A crônica deve ser inédita, versando sobre qualquer tema (exceto apologia ao uso de drogas, Fortuna perdida nos trópicos conteúdo racista, preconceituoso, propaganda política ou intolerância religiosa ou de culto). Terão preferências os textos sobre escritores baianos da contemporaneidade. Entende-se como escritores Unida à África nossa contemporâneos aqueles cuja obra ainda não foi lançada por grandes editoras e que não são con- hecidos do grande público. Cada autor responderá perante a lei por plágio, cópia indevida ou outro Espelha-se na vaidade da gente crime relacionado ao direito autoral. A inscrição implica concordância com o regulamento e cessão dos direitos autorais apenas para a primeira edição do livro. Dispersa-se nas matas selvagens 4 - Uma equipe de escritores faz a seleção de apenas um texto por autor. A premiação é a publica- Encarnada nas águas que nos alimentam ção do texto selecionado em livro, em até seis meses do encerramento das inscrições. Os escritores selecionados devem criar um blog gratuito, após a divulgação do resultado do concurso, para dar Escorre por esta mãe África rezando visibilidade ao trabalho de todos os participantes. Os casos omissos serão decididos soberanamente pela equipe promotora. 5 - O autor que desejar adquirir exemplares do livro deverá fazê-lo diretamente com a editora ou Lua com o organizador do prêmio. Os primeiros dez classificados receberão um exemplar gratuitamente. Os demais podem receber, a critério da organização do evento e da disponibilidade de recursos Aos nossos braços financeiros. Estende a sua mão da liberdade ModeLo de FicHA de inscrição: Dê nova postura as flores deste jardim Paulo Pereira dos Santos Rua Santo André, 40 – Edf. Pedra – Apt. 201 Que aos seus olhos não murchem 35985-999 – Portão Belo Horizonte-MG Que aos seus olhos, nasçam e floresçam (31) 3366-9988, 8877-8999 ModeLo de MiniBiogrAFiA: Lua Paulo Pereira dos Santos é natural de Santana-PB. Escritor, poeta e jornalista, tem dois livros publicados: “Antes de tudo” e “Até amanhã”. Paticipa de cinco antologias de poesias. Graduado em Serena lua comunicação social. Menção honrosa em diversos concursos de poesia, tem dois livros no prelo e pretende lançá-los em 2012. Olhai este berço Deixe a nossa África Projeto PuBLicAdo no site do PnLL do MinistÉrio dA cuLturA Mergulhar-se nua de lágrimas no seu leito MAis inForMAçÕes: De corpo e alma Valdeck Almeida de Jesus Tel: (71) 8805-4708 Na busca da vida E-mail: valdeck2007@gmail.com Site do Organizador: www.galinhapulando.com NOTA: NESTE cONcuRSO PODEM TAMBÉM PARTiciPAR PESSOAS DE OuTROS PAíSES DE LíNguA PORTuguESA, iNcLuiNDO MOÇAMBiQuE, SENDO QuE NA iMPOSSíBiLiDADE DESTES EM FALAR DE EScRiTORES BAiANOS, PODEM FALAR DOS cONTEMPORâNiOS DOS SEuS PAíSES.