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Calane da Silva  homenageado em Maputo, numa cerimónia
   que servirá para a entrega do “Prémio José Craveirinha –
   2011”, em que o escritor é o actual detentor.




         Director: Nelson Lineu | Editor: Eduardo Quive | Maputo, 16 de Março de 2012 | Ano II | N°21 | E-mail: r.literatas@gmail.com



                                                        Palavras Escritas em Folhas de Mel




“Produzem-se
mais livros
do que
leitores, em
proporções
abismais”
Abreu Paxe em
entrevista: Pag. 8 & 9




     Poetas por ser
     na Bienal da Angola
SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2012              |   LITERATAS      |   LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ |               2




Editori@l
                                    Como é feita esta poesia?

                          T
                                   odas as manifestações artísticas têm fóruns próprios onde os seus fazedores, apreciadores
                                   se encontram para um dedo de conversa, partilha de sorrisos, revivências de memórias e
                                   recordações
                          Por exemplo num festival de jazz, o som do saxofone, da guitarra, do piano construem o oceano que
                          alberga os sonhos dos tímpanos, dos olhos que escutam o erudismo da música que acalenta as ondas.
                          E na literatura? Concretamente numa bienal internacional de poesia, que pela primeira vez um país
   africano acolhe versus realiza, contrariando a realidade em que só terras portuguesas e brasileiras são protagonistas.
   Estes tipos de evento de cariz internacional que enaltecem o intercâmbio cultural, a aproximação das esferas intelectuais
   versus criativas, andam meramte escassos neste Áfrico continente. Dada à falta de vontade política em investir na cultura,
   mas uma vez vimos aqui a força de uma União dos Escritores, que não se deixa levar pela letargia dos nossos políticos.
   Rebuscando a memoria das décadas 80 e 90 onde estes encontros eram frequentes aqui em África,
   Quero crer que com este encontro Angola (que será de 21 de Março a 21 de Abril) dá o primeiro passo para muitas caminha-
   das rumo a universalização da literatura de expressão portuguesa ou por outra da literatura escrita na língua portuguesa
    A palavra será o pão de cada dia durante estes dias que a bienal decorrerá no CEFOJOR – Centro de Formação de Jornalistas
   em Luanda.
   Esta bienal ao nosso ver (Kuphaluxa) tem um carácter dualista, pois e uma oportunidade impar de aprendizagem, realização
   de voos que há muito vem sobrevoando nos nossos sonhos, de algum dia ser poeta, escritor.
   Estar em Luanda numa bienal Internacional de Poesia ao lado de incontestáveis nomes da literatura do mundo lusófono
   como Corsino Fortes, Manuel Rui, Luís Serguilha, Odete Semedo, Cláudio Daniel amigo virtual de outros carnavais, Lopito
   Feijóo nosso mestre, amigo, que acreditou no nosso verde potencial ao escalar Maputo para mais um parto a cesariana de
   um livro.
   O que é que um colectivo de leitores, agitadores e activistas culturais, pode oferecer há um majestoso público de poetas
   experimentado de dimensões internacionais e de leitores atentos? -surpresas,
   Contudo, uma milha é caminhada mediante o primeiro passo e lá estaremos nós a ser representados por Moçambique (pois
   representantes temos somente três que vão levar a bandeira deste País o Filimone Meigos, Luis Cezerilo e Dinis Muhai).
   E cá em Maputo na mesma semana concretamente no dia 23,o nosso Madala, Professor, um dos muitos dos poucos que acre-
   ditam nos nossos devaneios, vai receber o Prémio José Craveirinha, que subiu de valor (USD 25.000) e mudou de cara, se
   outrora premiava-se as obras onde escritores como Paulina Chiziane, Eduardo White, Aldino Muainga, e outros cuja lista é
   enorme, do ano passado para o infinito prémio deixa de premiar a obra, passa a ser Prémio Careira. E o nosso Madala Calane
   é o capitão desta Vi(r)agem.
   E continuando no percurso poético, desde já aproveitar este momento para vender os bilhetes para esta “viagem expansiva
   para o lugar inabitado” conduzida por Cláudio Daniel, tendo como bilheteiro o Abreu Paxe sob a alçada da transportadora
   Zunai.



                                                                                                           Amosse Mucavele
                                                                                                    amossinho@hotmail.com
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 Destaque
Bienal Internacional de Poesia


Angola capital da poesia africana
                                E
                                    stá na mira da lusofonia a Bienal Interna-         Os      angolanos,    em
                     Redacção       cional de Poesia, a acontecer em Luan-             peso, marcarão a sua
                                    da, capital da Angola. O evento que vai            presença através dos
decorrer de 21 de Março a 21 de Abril vai juntar poetas dos países                     escritores Manuel Rui,
da CPLP, nomeadamente, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-                                  Roderick          Nehone,
bissau, Timor Leste, Portugal, Brasil e poetas do país anfitrião.                      João Melo, John Bella,
Com este evento, a Angola estará na rota do turismo literário                          Kudijimbe entre outros
                                                         durante 30 dias em            poetas.
                                                         que a poesia vai              De Portugal participam                                                 os
                                                         alçar veias eruditas          escritores        Ernesto
                                                         entre os painelistas          Melo e Castro, Fernan-
                                                         em que se espera              do Aguiar, Jorge Melí-
                                                         autênticas     aprendi-       cias e Luís Serguilha e
                                                         zagens.                       do Brasil,
                                                         Por outro lado, já
                                                                                       Admir Assunção, Gui- Odete Semedo,, Poetisa Guineense
                                                         navegando           pelo
                                                                                       do      Bilharinho,   Micheline
                                                         lema da própria bie-
                                                                                       Verusck, Nina Rizzi e Camila
                                                         nal, “Palavras Escri-
                                                                                       Vardalac.
                                                         tas em Folhas de
                                                                                       Entretanto, Moçambique será
                                                         Mel”, deve-se espe-           representado pelos poetas
                                                         rar dessa tertúlia a          Filimone Meigos, Luís Cezeri-
                                                                                       lo, Dinis Muhai, Eduardo Qui-
                                                         descoberta dos ver-           ve e Amosse Mucavel, estes
Manuel Rui, escritor angolano
                                                     dadeiros caminhos da              dois últimos, editor e chefe da

poesia africana, numa reflexão semiótica entre
escribas de tempos indefinidos.
De acordo com o programa, painéis de luxo vão
                                          mover        essa
Foto: Expresso das Ilhas




                                          locomotiva    da
                                          poesia.      São
                                          eles, por exem-                                                                Fernado Aguiar, escritor português
                                          plo, Conceição
                                                                                                                         redacção da revista Literatas, res-
                                          Lima e Jeróni-                                                                 pectivamente.
                                          mo     Salvaterra                                                              E é mesmo assim. África através
                                                                                                                         da Angola quer gritar a sua voz
                                          Manuel de São                                                                  poética. E o papel não se cala,
                                          Tomé e Prínci-                                                                 porque em si, vivem “Palavras
                                                                                                                         Escritas em Folhas de Mel”.
                                          pe,       António                                                              No entender do Movimento Literá-
                                          José      Borges,                                                              rio Kuphaluxa, a participação
                                                                                                                         jovens que dedicam-se à arte de
Corsino Fortes, poeta Cabo-verdiano       Luís       Costa,                                                              escrita e ao activismo literário,
Maria Ângela Carrascalão, de Timor Leste, Cor-                                                                           constitui uma oportunidade para o
                                                                                                                         engrandecimento da jovem litera-
sino Fortes, Elísio Filinto, José Luís Tavares,                                                                          tura moçambicana, principalmen-
Vera Duarte de Cabo Verde, Tony Tcheka e                                                                                   te, por se priorizar escritores
                                                                   Cláudio Daniel, poeta brasileiro                        emergentes.
Odete Semedo, de Guiné-Bissau.
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                                                 Escrita até
                                                 às veias                                                                             Eduardo Quive


                                                                      É de facto, o premiado, homem de longa carreira nas artes literárias cujo percur-
                                                                      so é recheado de reconhecimentos, premiações e prestígio. É considerado um
                                                                      dos mais influentes escritores moçambicanos e com conhecimento vivido sobre
                                                                      a sua história.
                                                                      Viveu os tempos da chamada “literatura de Combate”, conviveu com o homem
                                                                      em que se inspira o prémio (José Craveirinha) aliás, no evento, como prova dessa
                                                                      lealdade com o poeta-mor, da propôs ao Movimento Literário Kuphaluxa que
                                                                      recitasse em jogral, o poema “Canção para o meu Povo” dedicado ao José Cravei-
                                                                      rinha. Viveu os tempos do “Charrua” quando os Ungulani Ba Ka Khosa apare-
                                                                      ciam. Agora vive os tempos indecisos da “jovem” literatura moçambicana. É um
                                                                      escritor que não se deixa prender na escrita. Sai dos livros e vai ao leitor. Conta
                                                                      as estórias com as próprias veias. Um erudito, menino suburbano.
                                                                      Na voz de Calane, cospem-se versos que inspiram velhos, jovens e crianças. Um
                                                                      exímio declamador, por isso, embora autor de uma importante obra poética
                                                                      “Dos Meninos da Malanga”, não se afirma poeta. “Eu não sou poeta. Digo poesia.
                                                                      Escrevo alguma poesia, mas poeta não.” Reitera. No entanto, é um autor se
                                                                      impõe no que escreve, seja prosa seja verso, seja o palco seja na rua. Um artista
                                                                      que se rejuvenesce pelo activismo literário.
                                                                      É quanto, um prémio merecido. Um herói que se reconhece enquanto vivo. Dois
                                                                      amigos que premeia-se entre si. José Craveirinha e Calane da Silva.
                                                                      A cerimónia vai decorrer na próxima sexta-feira, dia 23 de Março no Paços do
                                                                      Conselho Municipal da Cidade de Maputo (CMCM), as 18 horas.



C
       alane da Silva, actual detentor do maior prémio literário de
       Moçambique, “Prémio José Craveirinha” será homenageado               Raul Alves Calane da Silva ou simplesmente Calane da Silva, nasceu a 20 de Outubro
       em Maputo, numa gala que servirá igualmente para entre-              de 1945 em Maputo. É docente de Literatura na Universidade Pedagógica (UP), direc-
gar o galardão referente a edição 2011, nas mãos do escritor.               tor do Centro Cultural Brasil – Moçambique, membro fundador da AMOLP – Asso-
Autor duma das mais conhecidas obras moçambicanas                           ciação Moçambicana de Língua Portuguesa dentre outras instituições ligadas a litera-
“Xicandarinha na Lenha do Mundo”, Calane da Silva recebe este               tura e língua portuguesa. Jornalista de longo percurso e autêntico precursor das artes
prémio que a partir de 2011, passou a aglutinar o nome de Prémio            em Moçambique.
Carreira.




                                                                                                                                  O
                                                                                                                                            livro       "O
                                                                                                                                           A l f a b e t o
                                                                                                                                           Trapalhão", da
                                                                                                                                  escritora portuguesa
                                                                                                                                  Lurdes Breda, com
                                                                                                                                  ilustrações da Rute
                                                                                                                                  Reimão, é um dos
                                                                                                                                  selecionados para estar
                                                                                                                                  no Pavilhão de Portugal,
                                                                                                                                  na Feira do Livro
                                                                                                                                  Infantil de Bolonha, em
                                                                                                                                  Itália! A obra editada
                                                                                                                                  pela GATAfunho, está
                                                                                                                                  inclusa na lista dos cerca
                                                                                                                                  de 100 livros que farão
                                                                                                                                  parte do evento a
                                                                                                                                  decorrer dentro de dias.
SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2012                                  |   LITERATAS            |   LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ |                              5



Livros & Leitores
   «O Teu Rosto Será o Último»                                                          Dom Quixote edita em Março
        sai a 31 de Março                                                                      «A Zona de Desconforto»


                                C                                                      A
                                                                                               Zona de Desconforto, do norte-americano Jonathan Frenzen, é
                                       hega a 31 de Março às livrarias a obra                 lançado a 10 de Março pela Dom Quixote, editora que uma semana
                                       que venceu o Prémio Leya 2011, O Teu                   mais tarde (dia 17) faz chegar às nossas livrarias a obra vencedora
                                       Rosto Será o Último, de João Ricardo           do Prémio Jabuti 2011, Ribamar, de José Castello. Por fim, a 24 de Março
                               Pedro. O livro sairá com a chancela da própria         sai O Imperador Das Mentiras, de Steve Sem-Sandberg.
                               Leya.                                                                                    A Zona de Desconforto - Jonathan Fran-
                               Sinopse: «Tudo começa com um homem                                                       zen
                               saindo de casa, armado, numa madrugada fria.                                             «A Zona de Desconforto é a memória
                                                                                                                        íntima que Franzen guarda do seu cresci-
                               Mas do que o move só saberemos quase no
                                                                                                                        mento dentro de uma pele hipersensível,
                               fim, por uma carta escrita de outro continente.
                                                                                                                        de ―uma pessoa pequena e fundamental-
                               Ou talvez nem aí. Parece, afinal, mais impor-                                            mente ridícula‖, passando por uma ado-
                               tante a história do doutor Augusto Mendes, o                                             lescência estranhamente feliz, até um
                               médico que o tratou quarenta anos antes,                                                 adulto de paixões fortes e inconven-
                               quando lho levaram ao consultório muito fer-                                             ientes. Nas suas próprias palavras, Jona-
                               ido. Ou do seu filho António, que fez duas co-                                           than Franzen era o tipo de rapaz que
                               missões em África e conheceu a madrinha de                                               tinha medo de aranhas, bailes de liceu,
guerra numa livraria. Ou mesmo do neto, Duarte, que um dia andou de bici-                                               urinóis, professores de música, bumer-
cleta todo nu. Através de episódios aparentemente autónomos – e tendo como                                              angues, de raparigas populares – e dos
ponto de partida a Revolução de 1974 –, este romance constrói a história de                                             pais. Não tinha nada contra os miúdos
uma família marcada pelos longos anos de ditadura, pela repressão política,                                             totós, a não ser o pânico de que o tomas-
                                                                                                                        sem por um deles, destino que resultaria
pela guerra colonial. Duarte, cuja infância se desenrola já sob os auspícios de                                         para ele na imediata morte social.»
Abril, cresce envolto nessas memórias alheias que formam uma espécie de                                                 Porta Livros
trama onde um qualquer segredo se esconde.» Porta Livros




 Bandido também tem santo                                                            Fala! Onde é que você escondeu o dinheiro? Fala, vagabundo, fala‖.
Cidinha da Silva* - Brasil
                                                                                     E dá-lhe porrada. O rapaz calado. Eu queria interferir, pedir para eles


E
       ra terça-feira e eu ia para mais uma entrevista de emprego. Estava marcada    pararem de bater no menino, mas aí pensariam mesmo que eu era namora-
       às 9, por segurança resolvi sair de casa às 6. Tinha lotação, trem e metrô    da dele.
       pela frente. O relógio tocaria às 5 horas, mas às 4 eu estava desperta. Me
banhei. Fiz as orações do dia. Pedi o emprego com fé. Senti aquela brisa quente       Paramos num sinal. Tinha um carro da polícia estacionado, vazio. Os
atrás da cabeça de quando a resposta de Ogum está a caminho. Resolvi me vestir       policiais deviam estar na padaria comendo coxinha. Por via das dúvidas,
de branco. Saí.                                                                      afundaram o rapaz no vão entre os dois bancos. Nossos sequestradores
                                                                                     ficaram tensos. Engatilharam as armas. Eu, uma filha de Ogum, entro em
 Fechei o portão. Caminhei em direção ao ponto de parada da Van. Um sentimento       pânico quando vejo arma de fogo e comecei a tremer e a chorar. Um dos
de que faltava alguma coisa tomou conta de mim. Abri a bolsa, tudo o que eu pre-     caras passou o braço pelas minhas costas, tapou minha boca com uma
cisava estava lá: carteiras de trabalho e de identidade, conta de luz paga, cópias   mão e com a outra encostou o cano do revólver no meu fígado. Disse que
impressas do currículo, endereço dos três lugares onde buscaria emprego naquele      se eu não calasse a boca naquele instante, ele apertaria o gatilho, sem dó.
dia, sanduíche de pão com goiabada, garrafa de água e um livro para ganhar o         Calei. O sinal abriu. O motorista arrancou devagar.
tempo no transporte público. Não faltava nada, mas a sensação permanecia. A bri-
sa na cabeça voltou e me impeliu de volta para dentro de casa. Fui direto até a       Os donos do carro deram mais umas voltas com a gente. O rapaz espan-
gaveta da cômoda, peguei um fio de contas. Coloquei no pescoço, ajeitei dentro da    cado não dizia palavra. Eu também não. Um dos rapazes que batia pegou
blusa.                                                                               meu pescoço, apertou meus seios com violência, disse ao suposto namora-
                                                                                     do que ele veria o que fariam comigo, na frente dele, caso não contasse
 O retorno à casa me fez perder a condução. Fiquei sozinha no ponto, mas logo,
logo, encheria de gente. Veio vindo um rapaz de tênis de cano longo, bermudão,
                                                                                     onde estava o dinheiro. O menino nem abria os olhos, tinha apanhado
camiseta larga, boné e, lógico, headfone no último volume. Óculos escuros tam-       muito, estava quase desacordado.
bém. Ele se sentou na murada ao meu lado e tirou um cigarro. Antes de acender,        Chamei por Ogum e a massa de calor em movimento atrás da cabeça me
parou uma Blazer de vidro fumê na nossa frente, saltaram dois caras e cada um
pegou num braço dele. Mandaram ficar calado e o jogaram dentro do carro.             levou a colocar a mão no ombro do caladão sentado à frente. Disparei a
Alguém gritou lá de dentro: ―Pega a mina dele também, vacilão! Vai deixar aí?‖ A     falar, era a chance única de salvar minha vida. Repeti a história da entre-
nuvem do desespero turvou meus olhos. Não havia outra mulher por ali. A mina         vista para o emprego, puxei minha carteira de trabalho, o sanduíche de
do desconhecido era eu.                                                              goiabada. Disse que não conhecia o desafeto deles, que simplesmente eu
                                                                                     estava no lugar errado, na hora errada. E o outro, louco, noiado, apertando
 Me empurraram para o banco de trás junto com meu companheiro de espera da           meu pescoço com uma mão e esticando a outra para rasgar minha blusa.
Van. Eu tentei dizer que era engano. Eu nunca o tinha visto antes, só estava ali     Ele arrancou dois botões e enroscou a mão na conta, puxou, cortou o dedo
esperando o transporte. Ia fazer entrevista de emprego. Tinha a carta de convoca-    no fio de nylon. Arrebentou tudo. As pedras brancas, como pombas, voa-
ção na bolsa, podia mostrar...                                                       ram pelo carro. Bateram no vidro fumê, no teto da Blazer, caíram no colo
                                                                                     do moço da frente. Ele abriu as mãos para as miçangas e sorriu. Mandou
O motorista mandou que eu calasse a boca, não estava interessado. Ao meu lado,       parar o carro. Desceu, abriu a porta, estendeu a mão para mim e disse:
os grandões espancavam o rapaz e gritavam: ―Você vai me dar meu dinheiro,            ―Pode ir embora‖. (Extraido do livro, "Oh, margem! Reinventa os
vagabundo. Se não der, vai morrer. Tá ligado?                                        rios!" )
Cidinha da Silva é prosadora e gosta muito de poesia. Mineira, de Belo Horizonte, Cidinha começou a publicar literatura em 2006
com Cada tridente em seu lugar(crônicas, 3a edição); a seguir, publicou Você me deixe, viu? Eu vou bater meu tambor! (crônicas, 2008).
Em 2009, foi a vez de Os nove pentes d’África (novela, 1a reimpressão), primeira obra juvenil de uma carreira promissora. Em 2010, parti-
cipou como co-autora deColonos e quilombolas (fotografia e textos). Em 2011, publicou Kuami (romance infantil / juvenil), além des-
te Margem, marca de seu reencontro com a crônica. O mar de Manu é um conto para crianças, publicado também em 2011.
SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2012                                     |   LITERATAS              |   LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ |                                  6


Cartas
                               Espaço aberto para debate e comentários sobre assun-
                                  tos literários. Mande-nos uma carta pelo e-mail:
                                         r.literatas@gmail.com


 FICHA TÉCNICA




Propriedade do Movimento Literário Kuphaluxa
                                               ―
                                               Croniconto A vítima do feitiço
                                                                        Ele foi vítima de feitiço!

                                                                       de cor rubra, tremeluzente, num
                                                                                                          Dany Wambire
                                                                       Assim estava escrito com tinta danitoavelino@gmail.com

                                               papel de formato A4, que mais tarde soube-se ser certi- se empreendia esforço para
                                               dão de óbito, esse comprovativo que os incrédulos de desacreditar os curandeiros.
                                               morte o exigem para fins diversos.                           Tratou-se de adaptação da profis-
                                               Nessa manhã, antes da secretária Analinda Basto passar são para sobrevivência.
Direcção e Redacção                            a certidão deste morto, esgaravatou tudo que a permitiria Mesmo o próprio doutor Senfim
Centro Cultural Brasil - Mocambique
                                               apurar as reais e leais causas da morte de Tereso Vai- descria a doença do paciente, ora
                                               vém: as receitas, os frascos de fármacos e inúmeras morto, ser objecto da ciência Ocidental. Médico generalista que
Av. 25 de Setembro, N°1728,
                                               fichas clínicas. Em vão. Tudo vasculhado apenas expli- ele era, efectuara todas as análises possíveis, conforme a
C. Postal: 1167, Maputo                        cava sintomas e sinais de nenhuma doença cientifica- evolução dos sintomas e sinais, mas o resultado das análises
                                                                                                            eram nenhumas doenças. Admoestado pela secretária Analinda
                                               mente conhecida. Feitiço era a causa mais provável: a facilitar a saída do doente a uma consulta de nyanga, o doutor
                                               entendia, assim, Analinda Basto.                             senfim declinou, dizendo que aquilo não existia.
Tel: +258 82 27 17 645 / +258 84 07 46
                                               Mas o doutor Arduardo Senfim mandou vir com ela, ― Isso não existe na ciência.
603                                            dizendo que aquilo era hipocrisia de uma enfermeira ― Mas na ciência de Fim-de-Mundo existe, perseverou
Fax: +258 21 02 05 84                          atrasada, um atentado à ciência medicinal. Como é que Analinda.
E-mail: kuphaluxa@sapo.mz                      um paciente podia, em plena vitalidade da ciência, mor- ― Não falo dessa ciência, falo da ciência científica.
                                               rer à conta de um feitiço, uma coisa mal explicada, e se       Não fosse, enfim, a certidão de óbito ser necessitado por um
Blogue: literatas.blogs.sapo.mz                                                                             exímio dirigente político do país e talvez o doutor Arduardo
                                               explicada, sem cabimento.
                                                Disso, todavia, a Analinda Basto encontrava plena Senfim condescenderia a causa de morte defendida pela se-
                                               explicação. Pois ela votara maior parte da sua vida ao cretária. O pedido da certidão de óbito, decerto, era feito por um
           DIRECTOR GERAL                                                                                   tal de doutor Jesustôvão Edmundo, grande ministro da época.
                                               tratamento de moléstias, simples e complexas, vulgares Era necessário aplicar toda perícia científica para apurar a causa
               Nelson Lineu                    e invulgares. Até feitiços ela lhes dedicou tempo. Afi- da morte. Mas, mesmo depois de inúmeras necropsias em hos-
         (nelsonlineu@gmail.com)               nal, ela antes de vestir saia, blusa e sapatos brancos já se pitais vários, se conseguiu apurar a causa da morte. Foi então
          Cel: +258 82 27 61 184
                                               vestira de gite, essas coloridas roupas de nyangas, para que o doutor Arduardo Senfim assinou a certidão já aprontada
       DIRECTOR COMERCIAL
                                               enxotar mais terríveis obras de feitiçaria em molestados. pela secretária Analinda. E antes voltou a escrever por cima da
             Japone Arijuane                   Ademais, ela se formara em enfermagem não foi senão causa da morte, carregando com tinta vermelha: ele foi vítima
         (jarijuane@gmail.com)                 para convencionar a sua actividade, numa altura em que       de feitiço.
         Cel: +258 82 35 63 201

                 EDITOR
              Eduardo Quive
        (eduardoquive@gmail.com)
                                                                                                                 É, ou não é?
          Cel: +258 82 27 17 645                                         Força fere feridas na alma, nauseabundos excrementos na bunda da cidade fede
                                                                         excitante
        CHEFE DA REDACÇÃO
            Amosse Mucavele
                                                                                 Vagina em líquidos d’agua jejuada
       (amosse1987@yahoo.com.br)                                                 Desafectação vil inspira e respira ar condiciona-se!
          Cel: +258 82 57 03 750                                                 Conjunturas só para a minoria avermelhada.
  REPRESENTANTES PROVINCIAIS
        Dany Wambire—Sofala                      O vai e vem dos Xapas antes cheios hoje enchidos: carnes vivas de bafo fúnebre há divisão dos per-
     Lino Sousa Mucuruza—Niassa                 fumes, corpo sob corpo racismo sem problemas?
                                                                             Leva frasco quando chegar abra o racismo, alias, perfuma-se
       COLABORADORES FIXOS                      Culatra opaca a tirar a vida bala Marrabenta na dança da morte
Izidine Jaime, Pedro Do Bois (Saranta Cata-     TV sapataria vai escovando os mais sujos, vê! É o que não é, pensa pança cheia de fome.
 rina-Brasil) , Victor Eustáquio (Lisboa —
           Portugal), Mauro Brito.
                                                                                                                                       Amanha nunca será novo dia,
              COLUNISTA                                                                                                       Se continuas o mesmo: seiva da nação!
          Marcelo Soriano (Brasil)              Antes flor que sempre murchou, regada de esperma, poder hipnotiza cifrão: vai indo histérico não
                                                gera acções enquadra-se numa das gerações….
             FOTOGRAFIA                                                                                                             É, ou não é?
           Arquivo — Kuphaluxa
                                                                                                                                    Responde, sempre é!

               PARCEIROS                                                                                    O que não é, você não vê, é, ou não é?
                                                Muda plante tantas mudas, se urinol serve rega… reza dê a dízimos universais, mas nada muda,
   Centro Cultural Brasil—Mocambique
                                                mas, vai! Muda! Talvez assim ninguém e nada muda-te.
             Portal Cronopios                   Outro canal vê: ordem e progresso: sexo e violência: excremento tropical e a sua martirizada cultu-
           www.cronopios.com.br                 ra? O ministério cuida! Cuida você de ti.
                                                                                                                                                          Sétima classe.
              Revista Blecaute
                                                                                                                                                     Sétima ignorância.
   Revista Culturas & Afectos Lusofonos
  culturaseafectoslusofonos.blogspot.com        Isca no coração da modernidade: cidade peixe bem no fundo do mar desértico, fedendo em fede-
                                                lhos a fidelidade corrupta, aversão digna de indignidades soberanas fezes quantas vezes suportare-
                                                mos as politicarias? Fôlego as acácias, folga as carícias a venda na avenida, matem a pobreza com a
                                                mesma fome, vem Machimbombo bomba na hora de ponta vermelha de sangue, rostos militares
                                                com fome na guerrilha dos transportamentos, pó cores de urnas dejectos falaciosos, já agora mudos
                                                sem olfacto, como ser alguém, num país de donos?
                                                                                                                                                            Japone arijuane
                                                                                                                                                      jarijuane@gmail.com
SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2012                    |   LITERATAS           |   LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ |                               7
                                                                                                    VIAGEM
Poesia                                                                              FILINTO ELÍSIO — Cabo Verde

                                                                                 Em torno da odisseia das ilhas, creio levar
                                                                                Neste puro desejo que me transcende, a senha
                                                                                E a palavra-chave de os labirintos serem aqui
                                                                           Simples lugares de passagem, apenas paisagem...
                                                                           O andarilho palmilha as dunas, as areias
                                                                           De intermináveis desertos e todas as ondas
                                                                           Que os oceanos concedem, quando furibundas
                                                                           Ou, mesmo, serenadas e das praias acariciadas...
                                                                           Sem culpa, nem sina – ou de Job puro devedor –,
                                                                           Percorro de lés a lés o mapa que é de ti e do mundo
                                                                           Como quem responde à morte o saldo estival...
                                                                           Como quem salta para a eterna idade da vida

  Alguém te seguiu?                                                        E fica suspenso entre a estrela e sua cadência
                                                                           A riscar, de viajar tão-somente, o céu da noite...
Rita Dahl - Finlândia
                                                   Flores que nunca
                                                       murcham                                    SONHO DE CONSUMO
Alguém te seguiu até casa, ou                                                                     Cristiane Sobral
conseguiste ir em paz?                            Francisco Júnior - Maputo
Por sorte ele não te atingiu
                                                                                                  Se você me quiser vai ser com o cabelo
no cérebro de modo a que os cheirasses?
                                                                                                  trançado
Talvez apenas passes o tempo a imaginar coisas?   No jardim da Coop                               Resposta na ponta da língua
As chamadas de telefone que nunca                 Uma flor sorri todas as                         Teste de HIV na mão
aconteceram, quem sabe também as tivesses         manhãs
imaginado?                                                                                        Se você me quiser desligue a televisão
                                                  Quando recebe seu divino alimento,              Leia filosofia e decore o Kama-Sutra.
Soubeste o que perdeste?
                                                  Numa quantidade laboratorialmente calculada     Muito bem!
Quem quer que seja aquele que se segue, mão
                                                  De um litro e alguns gramas de água potável.
quente                                                                                            Se você me quiser esteja em casa
ou severa? Alguém que                                                                             Retorne as ligações e traga flores.
caminhasse a teu lado como um cão                 E lá no Mutarara…                               Não venha com teorias sobre ereção ou
fiel e ladrasse quando                                                                            centímetros a mais.
                                                  A Joana desperta ainda na madrugada,            Nem sempre vou querer sexo
quisesse, de modo a que lhe desses alimento
                                                  Antes do despontar do sol                       Nem sempre vou dizer tudo, ou acender
ou o afagasses? Perdeste isso?                                                                    a luz.
                                                  Para caminhar dementes quilómetros
Mantiveste os teus sonhos, ainda assim?
                                                  Para obter 25 litros de água imprópria para o
                                                                                                  Posso usar ternos ou aventais.
                                                  consumo.
                                                                                                  Qual a diferença?
                                                                                                  As noites serão sempre intensas à luz de
                                                  Enquanto vai desabrolhando a flor na Coop       velas.
                                                  Vai murchando a Joana, a Antónia, a Rosa, a
                                                                                                  Se você realmente me quiser
                                                  Virgínia, a Cacilda…
                                                                                                  Ouse digerir a contradição
                                                  Pondo a prova a teoria de Samora.               Ajude-me a ser uma mulher
                                                                                                  Diante de um homem.

                                                                 GOSTO                            Quem disse que seria fácil?


                                                   Margarida Fontes - Cabo Verde
                                                                                                     _______________________
                                                  Gente que gosta de gestos meus                  Sobral, Cristiane. Não vou mais
                                                  … olha-os, imperceptíveis.                      lavar os pratos. Poesia. Dulcina
                                                  Gosto de gente que ouve pequenos                Editora. 2º Edição. 2011. Brasília.
                                                  sinais                                          Http://cristianesobral.blogspot.com
                                                  Gente farol dos instantes                       Twitter: Cristisobral
                                                  Gente que aprecia o mar,                        Facebook: Cristiane Sobral
                                                  … as ruas escuras,
                                                  … e o silêncio.
SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2012                                          |   LITERATAS                   |   LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ |                                     8


Entrevista                                                                                                                                                  por Revista Zunai



 Viagem
 expansiva

 para o lugar
 inabitado
 “A poesia angolana contemporânea, penso, está à procura de seu rosto. Precisa de o ajustar,
 com certeza. Depois da década de setenta, as que se seguiram tornaram-se mais dinâmicas e
 reagem às transformações socioculturais. Ela constrói-se e vai ajustando-se na investigação
 antropológica (autóctone) - com sentidos estéticos virados para a inteligência, para a vonta-
 de e para a razão africana - e na experiência alienígena, propondo-nos formas novas mais
 adequadas ao conteúdo da nova linguagem poética, no qual a transgressão, eroticidade, a
 errância, os desafios, a metalinguagem, a desconstrução (Secco) constituem-se em alguns
 dos seus mais importantes vectores.”

 Zunái: Você cresceu num país que viveu intensos conflitos nas últimas três décadas, como a luta              Luanda. O terceiro, já como adulto que é este ser em que me vou transformando.
 pela emancipação de Portugal, a guerra civil e os esforços para a reconstrução nacional. Como                 Como se pode bem compreender, neste período ainda estávamos confinados a zonas onde
 estes fatos marcaram a sua vida e a sua poesia?                                                              produzimos e ganhamos o pouco, embora comungue com o ditado húngaro que diz: "todo o
                                                                                                              bocado acrescenta, diz o rato e vai fazer xixi no mar"; ou seja, a minha poesia está revestida
 Paxe: A minha poesia dialoga, como bem indicou, com estes momentos do nosso mais recente                     de simbologia que permite a compreensão de épocas passadas, alarga a sua voz e espalha-a
 passado sócio-histórico, embora de forma perversa, na qual privilegio a informação estética. Tra-            no culto das cerimônias atuais dirigidas à magia da vida, lugares ainda por conhecer, verda-
 duz a minha condição de ser, um ser confuso, incompleto sempre pronto a ser forjado, moldado,                deiras zonas cinzentas, legitimando cavernas, muitas vezes, não só de difícil acesso na reso-
 formado e transformado.                                                                                      lução dos nossos conflitos e desafios, assim como de fácil acesso ao fazer-nos recordar os
  O meu país também ostenta este rosto. Ele cria o primeiro rosto fundado no Movimento dos                    ciclos de ossos num estranho apodrecer, de que felizmente, já só vão ficando sequelas que
 Novos Intelectuais de Angola (MNIA) sob a bandeira "Vamos Descobrir Angola", uma frente cul-                 vamos tentando esquecer.
 tural que se criou no domínio da literatura e da guerrilha, ligados pelo mesmo denominador, que é
 o sentimento nacional, para combater o colonialismo, um mal que se implantou entre nós, cuja                 Zunái: Como foi a sua formação literária? Quais foram os autores que chamaram a sua
 finalidade era a de destruir o outro despojando-o de todos os seus valores culturais e não só privile-       atenção para o fazer poético? Por que você escolheu ser poeta?
 giando os do sistema colonial. De seguida, cria o segundo rosto no qual o País experimenta à época
 pós-independência: neste período, abraça a orientação política do comunismo, anulando as preocu-             Paxe: Minha formação literária... será que a tenho? É curioso, em Angola, a produção literá-
 pações coloniais sob a forma superior de organização social que reflectia a nova situação. É neste           ria supera em anos-luz o ensino da literatura, ou seja, produzem-se mais livros do que leito-
 período que a guerra civil ganha força e expressão. Por fim, cria o rosto do multipartidarismo, fun-         res, em proporções abismais. O ensino da literatura ainda se constitui na nossa zona do
 dado num princípio de unidade nacional, período em que cessa a guerra civil, unindo esforços para            sahel, ainda é a nzaya almejada. Para o meu caso, mais concretamente, toda a minha forma-
 a reconstrução nacional, no qual nos submetemos aos novos desafios em busca de um bem-estar                  ção académica, do básico à licenciatura, realizou-se cá. Felizmente, "nos áureos anos de
 para todos.                                                                                                  1978/79", o Instituto Nacional do Livro e do Disco (INALD), das várias e riquíssimas colec-
  Conjugam-se em mim estes três rostos: o primeiro, não tinha eu ainda nascido. O segundo, quando             ções que possuía constava a da literatura para crianças. Meu pai, então motorista da Delega-
 criança e adolescente vivendo o drama da guerra, da fome e da miséria: terríveis anos, até a nível           ção Provincial da Educação, sempre que viesse para Luanda tinha o cuidado de comprar
 de escolarização, razão pela qual a minha família troca o interior (Uíje), minha terra natal, por            para nós estes livros. Por isso fomo-nos forjando, embora de forma, arrojada como leitores
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Entrevista                                                                                                                                            por Eduardo Quive
  uma demarche autodidata, pouco ou nada recebendo da escola oficial.                                  move minha poesia. Perceberam, como dizia E. M. de Melo e Castro, que a poesia está sem-
                                                                                                       pre no limite das coisas. No limite do que pode ser dito, do que pode ser escrito, do que
  Posto cá em Luanda, nos finais da década de oitenta, ao ler poetas como Costa Andrade, Antó-         pode ser feito, do que pode ser visto e até pensado, sentido e compreendido. Estar no limite,
  nio Jacinto, Roberto de Almeida, Viriato da Cruz, Agostinho Neto, Jorge Macedo, Manuel               ainda dizia, significa muitas vezes, para o [poeta/leitor], estar para lá do que estamos prepa-
  Rui, Henrique Guerra... fui ganhando o gosto pela poesia e fui compreendendo a nossa condi-          rados para aceitar como possível. Postura contrária tiveram os que se constituíram em críti-
  ção como povo. A essa leitura segue-se a dos poetas que mais se destacaram nas décadas de 70         cos literários, desferindo duros golpes à minha pessoa e aos que têm escrito mais ou menos
  e 80, nas brigadas e não só. Lia-os todos. Mesmo sem os entender, gostava da forma como              na senda do que tenho estado a fazer, mesmo sendo anteriores a mim, chegando a dizer que
  propunham aquelas peças poéticas que não entendia, mesmo assim gostava de os ler. Foram os           o mesmo livro em nada contribuía para a literatura e que vinha destruir os propósitos da
  casos de João Maimona, Lopito Feijoó, Rui Augusto, Conceição Cristóvão, José Luís Men-               poesia, e que tinha uma linguagem muito difícil de entender e que eu não percebia nada do
  donça, David Mestre, Arlindo Barbeitos e Ruy Duarte de Carvalho... Só começo a ter contato           que fazia... Como se a poesia obedecesse a regulamentos, a decretos ou normas pré-
  com poetas contemporâneos estrangeiros, em meados da década de noventa, através de João              estabelecidas. Mas eu percebo a razão de muitos terem reagido assim: em primeiro lugar, é
  Maimona, que também me põe em contacto com a revista Dimensão (de Guido Bilharinho, do               para perpetuar uma perspectiva da uniformidade inquestionável, do discurso dos poetas que
  Triângulo Mineiro), intelectual brasileiro que prezo muito que me passou a enviar a referida         mais se destacam no nosso passado recente, cultivando o culto do facilitarismo com vesti-
  revista com regularidade até o seu último número. Esta fase foi muito importante para a minha        mentas conservadoras; e por outro, é pelo fato de terem dificuldades em se integrarem nos
  produção poética. É através dessa revista que conheço poetas importantíssimos do panorama            novos desafios da poesia, pensando que para isto estariam a anunciar a sua não sobrevivên-
  da poesia mundial, um conhecimento que se vai alargando cada vez mais. E agora, claro, em            cia, o seu desaparecimento, ou a sua morte, acusando, claro, os diversos limites com que um
  contacto consigo que se constituiu para mim num verdadeiro poço de descober-                         leitor/poeta se pode confrontar: os sociais, os políticos, os religiosos, os ideológicos, os pre-
  tas.                                                                                                 conceituosos, os psicológicos, os morais, os retóricos, os estéticos, os linguísticos... Dá para
  Escolhi a condição de ser poeta, por ser, um ser confuso, incompleto, sempre pronto a ser for-       perceber como têm sido a repercussão de A Chave no Repousa da Porta nos nossos meios
  jado, moldado, formado e transformado. Sinto que nesta condição acomodo-me no triângulo              literários?
  ritualístico, no processo de transmigração.
                                                                                                       Zunái: Ao contrário da dicção mais discursiva, retórica, de conteúdo político directo, que
  Zunái: Como foi o início de sua carreira poética? Publicou em revistas? Participou da Briga-         esteve em evidência nos anos 60 e 70, tua poesia parece mover-se em outro sentido, buscan-
  da Jovem de Literatura?                                                                              do uma reinvenção da sintaxe e a força mântrica das palavras. A linguagem poética, a seu
                                                                                                                      ver, é uma leitura crítica da realidade ou a criação de uma outra realidade?

                                                                                                                       Paxe: Penso que a poesia, como ato de criação, para mim não deve de forma
                                                                                                                       objectiva nomear as coisas tal qual como elas acontecem no cosmos, tal
                                                                                                                       como se movem, tal como o cosmos as regula, vistas, à vista desarmada ou
                                                                                                                       macroscopicamente. A poesia deve constituir-se no mundo alternativo, este
                                                                                                                       funcionando como mundo não codificado ou convencionado numa visão
                                                                                                                       globalizante, senão como codificação singular do criador e do leitor. Ao
                                                                                                                       serviço da arte, a poesia deve-se construir com certa erudição, ou seja, a
                                                                                                                       partir do que já existe, do que já foi proposto nos matizes artísticos. A poesia
                                                                                                                       deve convidar-nos a mergulhar no escuro, como dizia Gastão Cruz, não para
                                                                                                                       o iluminar, mas para aprender a conhecê-lo, evocando todos os sentidos.
                                                                                                                       Como se pode ver, para mim a linguagem poética é a criação de uma outra
                                                                                                                       realidade, fundada numa realidade, ou seja, a recriação da realidade observá-
                                                                                                                       vel.

                                                                                                                       Zunái: O seu olhar está voltado para as mínimas coisas do quotidiano, que
                                                                                                                       não é retratado de modo ingénuo, fotográfico, mas antes é fragmentado em
                                                                                                                       cenas rápidas, como num videoclipe. Esta reconstrução das imagens pela
                                                                                                                       palavra poética tem uma influência das mídias eletrônicas?

                                                                                                                        Paxe: De certo modo, sim. Persigo, neste exercício, a capacidade de recom-
                                                                                                                        posição e síntese, transformando meu olhar em unidades de análise, uma
                                                                                                                        qualidade que impregna todas as criações resultantes de um processo inte-
                                                                                                                        ractivo entre o homem e os meios electrónicos em que a metamorfose e o
                                                                                                                        virtual se projectam na mente humana como agentes da própria instabilidade
                                                                                                                        e plasticidade, como
                                                                                                       agentes da invenção e da percepção,
  Paxe: A minha careira poética inicia-se com a publicação, no não distante ano de 1999, de            levando a poesia para além dos limi-
  quatro peças poéticas na página cultural do Jornal de Angola, poemas publicados no ano               tes, numa viagem expansiva para o
  seguinte (2000) na revista Dimensão. Nunca participei das actividades da Brigada Jovem de            lugar inabitado, originando imagens
  Literatura (BJL).                                                                                    simultâneas e diversas capazes de
                                                                                                       modificar os sentidos (ordenados)
  Zunái: A Chave no Repouso da Porta, que você publicou em 2003, revela uma linguagem                  num elevado grau de fragmentação.
  densa, concentrada e fortemente imagética. Qual foi a repercussão desse livro nos meios lite-        Estes fragmentos, estes paradoxos,
  rários de seu país?                                                                                  que vez ou outra nomeio, buscam
                                                                                                       anular a linearidade, a luminosidade,
  Paxe: Causou muito estranhamento e é preocupante a reacção de muitos que acusam ainda                o detalhe. Mesmo quando experi-
  muita desinformação em relação à poesia, depois de alguns comentários que fui ouvindo, mes-          mento as vestimentas narrativas,
  mo sabendo que o livro tinha resultado dum concurso, confesso que comecei a acusar uma               sinto que só participo alegremente
  certa insegurança. Aproveito aqui para referir, em forma de agradecimento, o nome de Jomo            de uma festa que legitima os estímu-
  Fortunato que, para além de ser meu amigo, é um dos poucos leitores que confirmou a força            los que nos cercam, nas actualiza-
  que o livro tinha; incluo, também outras personalidades: o já falecido professor doutor Augus-       ções materiais onde é preciso abrir
  to Kambwa, a quem coube a tarefa de apresentar o livro; do júri, os poetas João Maimona,             os olhos e a mente de um modo
  Jorge Macedo, Adriano Botelho de Vasconcelos, Cláudio Daniel, Guido Bilharinho, Gabriel              diferente.
  Magalhães, a professora Carmen Secco, entre outros, que perceberam o sentido, no qual se
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                                                                          Filosofonias
Colunistas                                                                                                         Marcelo Soriano — Brasil
                                                                                                                   m.m.soriano@gmail.com
O passo certo

                          no caminho errado

                            Nelson Lineu - Maputo
                            nelsonlineu@gmail.com



                            O Perguntador
                               e o Primeiro
F
         echado o jor-
         nal, Horácio esperava ansiosamente pelo impacto a quando
         da saída as bancas, sentimento igual a esse teve com a sua
                                                                                    Imagem: " Sunset Shadow", Nomad Thru Life.. No Internet.. http://www.flickr.com/
primeiro texto. Nunca conseguiu convencer os familiares sobre o                                         photos/56684679@N08/5529156581/

nome da sua profissão, dizia ser jornalista. Por estar a fazer constan-
temente perguntas a profissão dele era perguntador, sentenciavam os       Comentário:     A Quarta Pessoa
seus, a língua portuguesa não podia ser tão enganadora.
                                                                          Existe uma 4ª Pessoa do Singular e do Plural, diferente de todas as que
A ansiedade desta vez era diferente, o medo lhe subia os pés, ques-
                                                                          conhecemos. Ao contrário do que pregam os doutos, não é preciso ver para
tionava-se sobre o porquê dos jornalistas terem que pagar com a vida
                                                                          crer, tampouco crer é preciso. Basta fechar os olhos, e viver o próprio
ou com a pobreza, por coisas que não são eles a falar. Era admirador      escuro.
do jornalista Carlos Cardoso, que foi assassinado por não respeitar a
                                                                                       ....................................................................
liberdade de expressão vigente, ilimitando-se. O Horácio e outros, no
                                                                          Mini crônica:   Más Companhias Dão Bons Livros
dia em que se assinala mais um ano da efeméride, aparecem em
debates, prestavam homenagens, mas quase ninguém, desrespeitava           Más companhias dão bons livros. Más companhias são boas, então. Bons
também a liberdade de expressão, por isso a não entrega do premio         livros, nem todos
de jornalismo investigativo com o nome dele num desses anos. No           o são. Mas os bons, ah os bons! Sempre bem acompanhados pelas más
seu terceiro cigarro encontra a resposta da sua espinhosa questão,        companhias.

eram intimidados, porque os outros só falavam por causa das pergun-                    ....................................................................
tas deles. Encontrava sentido do nome que os familiares davam a sua       Poema:    Das Minhas Gavetas
profissão.
                                                                                                                                                   (O Mofo, em 07/07/2009)
O que fazia-lhe estar naquele estado, era a reportagem, da conferên-
cia de imprensa, convocada pelo director duma empresa estatal. De
                                                                            Os fungos escreveram mofo
princípio notou que ele queria ser herói, mas o que contrastava era
                                                                            no papel velho
facto de sê-lo por incompetência. Logo ficou claro, para ele era mais
importante ser primeiro do que herói.
                                                                            Os fungos escrevem
- Temos o primeiro presidente da frente que libertou o país, quem           coisas antigas
deu o primeiro tiro, primeiro presidente da república de Moçambi-
que, o primeiro presidente empresário. Por ser incapaz, formação            Saudade de amor
deficiente, demito-me do meu cargo, por tanto serei o primeiro a
demitir-se nesse país.                                                      Releio e

 Mesmo sabendo que mais tarde alguns reclamariam o seu posto de             fungo
primeiro, ele continuava firme a ambição dele o guiaria, o seu esfor-       ....................................................................
ço ou risco não seria menor que dos outros. Num país em que está
                                                                            - E tenho dito!
tudo bem como testemunha têm-se o informe anual do estadista. As
suas declarações contrariavam o cenário pintado na presidência. Um
som saia do telefone dele, era sinal da bateria estar carregada, para a
                                                                                       Paixões são amores carnívoros.
positividade da sua ansiedade, segundo o seu ponto de vista, com o
jornal nas bancas, de certeza receberia ameaças, intimidações, esse
era o reconhecimento dos jornalistas por essa África.
SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2012                              |   LITERATAS             |   LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ |                         11

                            Um diálogo com os mortos!
                              Matiangola
                                                                              quase que bovinamente, a partir de agora em diante queremos celebrar o
                              n_nhamposse@yahoo.com.br                        nascimento de Cristo e a sua morte, excelentíssimo presidente. Sabe, Mr.
                                                                              Matias, os mortos também rezam e o seu Deus é o covil. Também temos
                            O próprio viver é morrer, porque não temos um
                                                                              direito a Natal. Por outro lado, clarividente e visionário líder, o cemitério
                            dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nis-   anda muito cheio e já há mortos que perderam os seus ente-queridos. Mor-
                            so, um dia a menos nela, Fernando Pessoa          tos que reclamam dos ossos dos seus pares. Nobres saudosos, mais do que
                                                                              nos atulharmos de palavras e barasfutarmos de um lado para o outro, pro-
                                                                              pomos a Matias Company a augusta e vidente missão de passar a cremar
Lá se iam os dias. As trincheiras e os soldados da morte plumavam             os falecidos e evitar conflitos de mortos sem mortos, assim o município
vagens infinitas. O sol humedecia a cada instante. A estrebaria reinava e,    nem precisaria de transferir os cemitérios a cada vez que enchessem dos
para o cúmulo, em pleno cemitério e arredores, os mortos comportavam-         nossos ente-queridos ossos. Ademais, continuamos, cegamente, a ver a
se como autênticos asnos.                                                     discriminação crescer e tomar proporções outras. Sabemos que o homem é
Perante aquela situação, Matiangola, o líder e visionário dos entre a morte   um ser discriminatório de natureza. Sim, excelência, o homem discrimina,
e a vida e detentor de um império que servia aos jazidos, decidiu fazer       a título ilustrativo, quando escolhe amigos, namoradas, esposas, etc. É que
uma reflexão e auscultar os perecidos, lógica e evidentemente no Arena        o acto de escolha de uma amizade é guiado por um conjunto de elementos
Stadium Jazida, palco de eventos e cerimónias dos falecidos.                  discriminatórios, tal como porque este é aquilo e russo uma pinóia. Por
- Meus distintos irmãos, é com muita nobreza e preocupação que a              causa disso, ilustre clarividente, achamos que os gays e as lésbicas, sobre-
Matiangola Company registou com avesso e clarividência como se com-           tudo numa sociedade globalizada como a nossa, onde os mortos têm pala-
portaram durante a semana. E nós, como vossos encarregados de faleci-         vras, também têm direito a serem loboladas, tal como Mr. Matías lobolou a
dos, sentimo-nos na obrigação de perceber a vossa atitude.                    sua Julieta no caixão. Trata-se de uma visão estratégica e do futuro, disse
- Excelentíssimo PCA, distintos choradores da Matiangola Company,             Zeca Sibinde, representante dos perecidos, aos aplausos e gritos efeveres-
ilustres, gostávamos de mostrar aos vivos que a morte transcede a vida e,     centes dos jazidos.
mais do que blasfemar, também se é feliz numa jazida. A vida é como as        Matiangola, perante aquele posicionamento, reagiu e disse: - todos nós
ondas, quanto mais se aproximam da margem, mais reduzem de intensi-           temos direito à vida e vocês merecem, mesmo mortos. É que as pessoas
dade. E quanto mais se distanciam, mais fortes são. Por isso, mais do que     pensam que morrer é estar enterrado, mas a morte transcede ao estado de
nunca, há que mudar de ambientes e horizontes. Lembrem-se, caríssimos         enterrado. Trata-se de um direito consagrado pelos Direitos Humanos.
irmãos, não há cruzes eternas. Por muito tempo, fomos bodes expiatórios       Essa é uma decisão sábia, por isso, bem haja mortos. E para consagrarmos
até de erros e/ou problemas ainda não inventados e, invariavelmente, sen-     a morte, meus nobres jazidos, anuncio que hoje, mais do que nunca, e para
tíamos que para alguma coisa aquilo servia. Servia para a felicidade das      celebrarmos este feito, vou lobolar uma esposa. Isso mesmo. Vou lobolar
pessoas que o faziam. Servia para se sentirem mais poderosas, suposta-        um meu colaborador que faleceu a garganta a chorar por vocês, pelas vos-
mente, mais conhecedoras do mundo em relação a nós. Muitas vezes, dis-        sas almas, um herói nacional. Sempre fui pastor de ondas, do vagueio, da
tintos mortos, vimos e continuamos a ver ovelhas ensanguentadas de            blague, mas na hora de reconhecer aqueles que por nós deram o litro, não
lobos, ou melhor, cordeiros pintados de sangue. Desde sempre, e talvez a      vacilo. A morte é um direito consagrado por lei e não podemos deixar
sociedade tenha culpa nisso, as pessoas sempre procuraram culpados dos        impune a partida da garganta do nosso colaborador. Igualmente, anuncia-
seus insucessos do lado falecidos. Mas hoje, camaradas, queremos reafir-      mos que a partir de hoje a Matiangola Company irá lobolar e sepultar os
mar que o ser e/ou estar em estado de falecido não significa estar, neces-    gays e lésbicas. A bem de todos, bem haja a morte.
sariamente, morto. Vivemos num mundo onde entre os vivos há mais              PS: A Matiangola Company comunica, com profundo pesar e consterna-
mortos do que entre os falecidos. Há mais cemitérios enterrados na terra      ção, o falecimento que ocorrerá do seu PCA. Pelo que está aberto um con-
do que debaixo dela. É que para ser morto não precisa ser falecido. E,        curso público para a vaga de potencial Txingador. Apela-se e encoraja-se!
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                                                    Em Agosto de 2012

                                 Maputo será a capital da Literatura



        Festival Literário de Maputo
                                         Saiba como participar em:

                http://festivalliterariodemaputo.blogspot.com
                     festivalliterario.maputo@gmail.com
SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2012                              |   LITERATAS          |   LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ |                       12


Tributo                                                                                                Brasil e Moçambique



Castro Alves e Rui Nogar
                                            A
Manuel Bandeira                                      os catorze dias do mês    Escritor e político moçambicano, Rui
Fonte: http://www.culturabrasil.org                  de Março, no ano de       Nogar, pseudónimo de Francisco Rui
                                                     1847, nasceu António      Moniz Barreto, nasceu a 2 de feverei-
                                           de Castro Alves, na fazenda
                                                                               ro de 1935, em Lourenço Marques
                                           Cabaceiras, a sete léguas da vila
                                           de Curralinho, hoje cidade de       (atual Maputo), Moçambique.
                                           Castro Alves. Era filho do Dr.      Fez os estudos primários e secundá-
                                           António José Alves e D. Clélia      rios em Lourenço Marques e come-
                                           Brasília da Silva Castro.           çou a trabalhar como empregado
                                           Passou a infância no sertão         comercial e funcionário de agência de
                                           natal, e em 54 iniciou os estu-     publicidade. Para além disso, exerceu
                                           dos na capital baiana. Aos
                                                                               vários cargos como o de deputado da
                                           dezasseis anos foi mandado
                                           para o Recife. Ia completar os      Assembleia Popular, Diretor do
                                           preparatórios para se habilitar à   Museu da Revolução, Diretor Nacio-
                                           matrícula na Academia de            nal da Cultura e Secretário-Geral da
                                           Direito. A liberdade aos 16 anos    Associação dos Escritores Moçambi-
                                           é coisa perigosa. O poeta achou     canos. Desde 1964 era militante da
                                           a cidade insípida. Como ocupa-      Frelimo e foi preso pela PIDE por fazer parte da organização. A obra Silên-
                                           va os seus dias? Disse-o em car-
                                           ta a um amigo da Baía: "Minha       cio Escancarado (1982) resultou de uma recolha de textos escritos no tempo
vida passo-a aqui numa rede olhando o telhado, lendo pouco fumando             em que esteve preso.
muito. O meu ‗cinismo‘ passa a misantropia. Acho-me bastante afectado          Poeta, contista, declamador, Rui Nogar colaborou em publicações de
do peito, tenho sofrido muito. Esta apatia mata-me. De vez em quando           imprensa, como Itinerário, O Brado Africano, A Voz de Moçambique, Cali-
vou à Soledade." Que era a Soledade? Um bairro do Recife, onde o poeta         ban e África. A sua obra está incluída em várias antologias nacionais e
tinha uma namorada. O resultado dessa vadiagem foi a reprovação no exa-        estrangeiras, como Poetas Moçambicanos (1960), Resistência Africana
me de geometria. Mas em 64 consegue o adolescente matricular-se no
                                                                               (1975) e No Ritmo dos Tantãs (1991).
Curso Jurídico.
Se era tido por mau estudante, já começava a ser notado como poeta. Em         Rui Nogar morreu em Lisboa, em 1994. Infopédia.
62 escrevera o poema "A Destruição de Jerusalém", em 63 "Pesadelo",
"Meu Segredo", já inspirado pela actriz Eugénia Câmara, "Cansaço",
"Noite de Amor", "A Canção do Africano" e outros. Tudo isso era, verda-
de seja, poesia muito ruim ainda. O menino atirava alto. "A poesia", dizia,                  XICUEMBO
"é um sacerdócio — seu Deus, o belo — seu tributário, o Poeta." O Poeta
derramando sempre uma lágrima sobre as dores do mundo. "É que", acres-                       Eu bebeu suruma
centava, "para chorar as dores pequenas, Deus criou a afeição, para chorar                   dos teus ólho Ana Maria
a humanidade — a poesia."                                                                    eu bebeu suruma
Mas, no dia 9 de Novembro de 1864, ao toque da meia-noite, na sotéia em                      e ficou mesmo maluco
que morava, o poeta, que sem dúvida se balançava na rede, fumando mui-
to, sentiu doer-lhe o peito, e um pressentimento sinistro passou-lhe na
alma. Pela primeira vez ia beber inspiração nas fontes da grande poesia:                     agora eu quero dormir quer comer
essa a importância do poema "Mocidade e Morte" na obra de Castro                             mas não pode mais dormir
Alves. Uma dor individual, dessas para as quais "Deus criou a afeição",                      não pode mais comer
despertou no poeta os acentos supremos, que ele depois saberá estender às
dores da humanidade, aos sofrimentos dos negros escravos (O Navio                            suruma dos teus olhos Ana Maria
Negreiro), ao martírio de todo um continente (Vozes d'África). Não era                       matou sossego no meu coração
mais o menino que brincava de poesia, era já o poeta-condor, que iniciava
os seus voos nos céus da verdadeira poesia. Naquela mesma noite escreve
                                                                                             oh matou sossego no meu coração
o poema, tema pessoal, logo alargado na antítese mocidade-morte, a moci-
dade borbulhante de génio, sedenta de justiça, de amor e de glória, doloro-                  eu bebeu suruma oh suruma suruma
samente frustrada pela morte sete anos depois.                                               dos teus ólho Ana Maria
 A versão primitiva do Poema foi conservada em autógrafo, documento                          com meu todo vontade
precioso porque revela duas coisas: o poeta não se contentava com a for-                     com meu todo coração
ma em que lhe saíam os versos no primeiro momento da inspiração; na
tarefa de os corrigir e completar procedia com segura intuição e fino gos-
to. Cotejada a primeira versão com a que foi publicada pelo poeta em São                     e agora Ana Maria minhamor
Paulo, por volta de 68-69, verifica-se que todas as emendas foram para                       eu não pode mais viver
melhor. Baste um exemplo: o sexto verso da segunda oitava era na primei-                     eu não pode mais saber
ra versão "Adornada" com os prantos do arrebol, substituído na definitiva
por "Que" banharam de prantos as alvoradas, verso que forma com o ante-                      que meu Ana Maria minhamor
rior um dístico de raro sortilégio verbal.                                                   é mulher de todo gente
                                                                                             é mulher de todo gente
"vem! formosa mulher — camélia pálida,
Que banharam de pranto as alvoradas". (…)                                                    todo gente todo gente

                                                                                             menos meu minhamor.
SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2012                                      |   LITERATAS                |   LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ |                               13


Ensaio                                                                                                           Adelto Gonçalves - Brasil

Lima Barreto e o refúgio dos infelizes
N
          ão se pode dizer que a reedição de Clara dos Anjos, de Lima Barreto (1881-      vam sangue africano ou indígena nas veias.
          1922), que narra as desventuras de uma adolescente pobre e mulata, filha de
          um carteiro, seduzida por um malandro branco, apesar das cautelas familia-                                          III
res, seja uma boa oportunidade para se reavaliar o conceito emitido por antigos críti-
cos segundo o qual este romance que não estaria à altura da melhor produção de seu        Não foi o caso de Afonso Henriques de Lima Barreto, nascido no Rio de Janeiro,
autor. Não está mesmo. Se não constitui um romance de todo falhado, a verdade é           filho do tipógrafo João Henriques e da professora Amália Augusta, ambos mulatos.
que, se comparado com os de Machado de Assis (1839-1908), cujas origens sociais           Seu padrinho era o visconde de Ouro Preto, senador do Império. A mãe, escrava
são idênticas às de Lima Barreto, este livro deixa a desejar em alguns aspectos, inclu-   liberta, morreu precocemente, quando ele tinha seis anos. As marcas desse período
sive, em certa pobreza vocabular, ainda que seja fundamental conhecê-lo para se           da história brasileira, que inclui a abolição da escravatura em 1888, sempre ocupa-
entender a grandeza de toda a obra do autor.                                              ram o centro da obra literária de Lima Barreto, que procurou denunciar o precon-
                                                                                          ceito racial e a difícil inserção de negros e mulatos na sociedade brasileira.
Publicado postumamente em folhetim entre 1923 e 1924 e em livro em 1948, Clara
dos Anjos, provavelmente, ainda passaria várias vezes pela lima horaciana de Lima         Lima Barreto sempre preferiu o subúrbio, o ―refúgio dos infelizes‖, território que
Barreto, não tivesse o autor uma vida tão breve e interrompida aos 41 anos de idade       passara a abrigar ―os que perderam o emprego, as fortunas, os que faliram nos
por um colapso cardíaco depois de impiedosamente minada pelo alcoolismo. Fosse            negócios‖. Mas, ao contrário do pobre que só entraria triunfalmente no romance
como fosse, o certo é que a trajectória de uma mulata jovem moradora nos subúrbios        brasileiro na década de 1930 cheio de solidariedade com o próximo – inspirado
do Rio de Janeiro do começo do século XX foi uma ideia que perseguiu Lima Barreto         pelas ideias socialistas e comunistas –, os pobres de Lima Barreto são ―feios, sujos
desde cedo, exactamente desde 1904, quando começou a tentar colocar em pé o esque-        e malvados‖, para lembrar aqui um filme de Ettore Scola.
leto desse romance. Levou quase vinte anos nessa luta e, quando morreu, ainda estaria
                                                                                          Nada solidário, quem é um pouco mais branco já olha o mais escuro com desdém.
às voltas com o romance.                                                                  A família cujo patriarca – geralmente, funcionário público – ganha um pouco mais
De fato, a obra traz algumas descrições que, mesmo hoje, quando o Rio de Janeiro          já encontra motivos para menosprezar aquela que vive em maiores dificuldades. A
está totalmente desfigurado em relação ao que era há um século, graças às picaretas de    família de Cassi, por exemplo, fazia questão de se mostrar superior às demais no
uma falsa modernidade que não respeita nada e só leva em conta os lucros das cons-        subúrbio porque teria tido um ascendente importante. Isso era comum no Brasil:
trutoras e incorporadoras que seguem sempre montadas à ignorância cavalar dos             não havia família de descendentes de portugueses que, ao enriquecer, não tratasse
governantes, seriam perfeitamente dispensáveis, pois tiram um pouco o ritmo da tra-       de recorrer à arte da heráldica. Mais tarde, quando um dos rebentos ia a Portugal
ma. Uma trama cujo desfecho está anunciado desde as primeiras páginas: a de que a         em busca de terras e brasões, geralmente, descobria que pais, avós ou bisavós nun-
jovem mulata haveria de sucumbir à lábia do malandro carioca suburbano, de nome           ca passaram de aldeões que se haviam atirado ao mar para escapar da pobreza.
Cassi Jones, entregando-se a ele para, logo em seguida, ser rejeitada. E condenada a
                                                                                         Diz Sérgio Buarque de Holanda que Lima Barreto nunca conseguiu reunir forças
criar um filho sem pai.                                                                  para vencer, ―ou sutilezas para esconder, à maneira de Machado, o estigma que o
Já o sedutor Cassi é pintado com tintas pouco carregadas. Contra ele, vê-se apenas que humilhava‖. Pelo contrário. Em seus contos, romances e artigos de jornal ou revis-
é um incorrigível galanteador de donzelas pobres, mas, ao contrário de outras persona- ta, há vários exemplos de críticas ao comportamento larvar de alguns mestiços
gens, não é dado ao vício da bebida. De pele sardenta e cabelos claros, pouco afeito ao diante de brancos.
trabalho, Cassi serviria hoje mais para compor um personagem comum na cena políti-
                                                                                         Diante disso, não foi à toa que Lima Barreto também encontrou obstáculos quando
ca brasileira: o malandrão de poucos estudos que, graças à lábia, sabe como convencer
                                                                                         tentou ascender na república literária, ainda que a casa principal que abrigava a
amigos, conhecidos e até multidões para, assim, galgar espaço na vida sem muito
                                                                                         intelectualidade da época tivesse sido fundada exactamente por Machado de Assis.
esforço. São tipos comuns hoje no sindicalismo e nos partidos políticos.
                                                                                         Intelectual versado em Humanidades, que por pouco não se formara engenheiro – a
                                     II                                                  loucura que acometeria o seu pai o obrigaria a ganhar o sustento para a família –,
                                                                                         Lima Barreto procurou por mais de uma vez alcançar o reconhecimento de seu
Apesar de tudo o que se escreveu aqui, é claro que Clara dos Anjos constitui um texto talento por aquela sociedade ainda escravocrata no pensamento, ao candidatar-se
-chave para se entender a obra do criador de Triste fim de Policarpo Quarema, autor sem êxito a uma vaga na Academia Brasileira de Letras.
de cabeceira e inspirador de outro escritor que procurou retratar a vida dos proletários
e marginais que habitam as periferias das grandes cidades brasileiras, João António Ainda no prefácio de 1956, Sérgio Buarque de Holanda recorda uma observação de
(1937-1996). Além disso, esta nova edição pela Companhia das Letras traz notas Astrojildo Pereira (1890-1965) segundo a qual Lima Barreto pertenceria à categoria
explicativas a cargo de Lilia Moritz Schwarcz e Pedro Galdino, que se tornam funda- dos ―romancistas que mais se confessam‖, isto é, daqueles que menos se escondem
mentais para a compreensão de alguns trechos e para a localização de determinados e menos se dissimulam. É o que se constata também nos registos de seu Diário ínti-
logradouros que no Rio de Janeiro desfigurado de hoje já não existem.                    mo, iniciado em 1900, que reúne impressões sobre a vida urbana do Rio de Janeiro.

Sem contar que os editores tiveram o bom senso de reproduzir a introdução escrita por                                         IV
Lúcia Miguel Pereira (1901-1959), publicada originalmente na edição de Clara dos
                                                                                          Lima Barreto começou sua colaboração mais regular na imprensa em 1905, quando
Anjos de 1948 pela editora Mérito, e o prefácio de Sérgio Buarque de Holanda (1902-
                                                                                          escreveu reportagens publicadas no Correio da Manhã, sobre a demolição do Mor-
1982), que saiu na edição de 1956 preparada pela editora Brasiliense. E ainda enco-
                                                                                          ro do Castelo, no centro do Rio, consideradas um dos marcos inaugurais do jorna-
mendar uma apresentação à crítica literária Beatriz Resende, professora titular da Uni-
                                                                                          lismo literário brasileiro. Dele são ainda os romances Recordações do escrivão
versidade Federal do Rio de Janeiro e especialista na obra de Lima Barreto, que não só
                                                                                          Isaías Caminha e Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá.
elucida muitas passagens do romance e aspectos da escrita do autor como traça um
panorama do que foi a rejeição sofrida pelo romancista/jornalista a uma época em que       O primeiro saiu em folhetim na revista Floreal, em 1907, e em livro em 1909 e o
o Brasil vivia um regime de apartheid disfarçado.                                         segundo seria publicado apenas em 1919. No primeiro romance, o jornal Correio
                                                                                          da Manhã e seu director de redacção são retratados de maneira impiedosa, ao que
Apartheid, aliás, que pôde ser superado por alguns poucos afrodescendentes que não
                                                                                          parece como uma espécie de vingança por seu autor ter sido maltratado. Provavel-
só tiveram engenho para adquirir fortuna e prestígio social como por aqueles que sou-
                                                                                          mente, Lima Barreto teria recebido como pagamento um salário tão miserável que
beram ascender socialmente por meio da aquisição de cultura e conhecimento. Entre
                                                                                          não daria sequer para pagar uma dose diária de parati. Teve, então, seu nome pros-
esses, podemos citar não só Machado de Assis, que procurou seguir caminho inverso
                                                                                          crito na grande imprensa carioca.
de Lima Barreto, saindo do morro do Livramento para viver em bairros de classe
média e abastada, depois de conquistada uma boa posição na burocracia estatal, como O escritor publicou ainda crónicas, contos e peças satíricas em veículos como o
ainda por pelo menos dois presidentes da República, Campos Sales (1841-1913) e      Diabo, Revista da Época, Fon-Fon, Careta, Brás Cubas, O Malho e Correio da
Nilo Peçanha (1867-1924), ambos com visíveis traços fenótipos de descendência afri- Noite. Colaborou também com o ABC, periódico de orientação marxista e revolu-
cana. Todos, obviamente, graças à riqueza familiar e ao prestígio social, tornaram-se
                                                                                    cionária. Em 1911, escreveu e publicou Triste fim de Policarpo Quaresma em
―homens invisíveis‖, para se citar aqui Invisible Man (1952), romance do norte-     folhetim do Jornal do Commercio. Levando-se em conta a precariedade dos jornais
americano Ralph Ellison (1914-1994).                                                e revistas da época, é de imaginar que escrevesse apenas pelo prazer da polémica
                                                                                    ou pelo fascínio da letra impressa. Afinal, se nos dias de hoje a grande imprensa
É de lembrar que, no Brasil, o dinheiro sempre teve o poder de ―embranquecer‖ pes-
                                                                                    costuma não pagar nada aos seus articulistas-colaboradores, só um tolo poderia
soas que, quando bem-postas na vida, sempre tratavam de ―esquecer‖ as origens. Ain-
                                                                                    imaginar que há cem anos teria sido diferente.
da na década de 1980 – não faz tanto tempo assim... –, alguns senadores e deputados
fugiam de qualquer reportagem que pretendesse fazer alguma referência a suas ori- Publicou ainda Numa e ninfa (1915) e Histórias e sonhos (1920). Postumamente
gens raciais. Bem situados no poder, o que menos queriam lembrar era que carrega- saíram Os bruzundangas e as crônicas de Bagatelas e mafuás.
SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2012                            |   LITERATAS     |   LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ |                        14


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 sário de seus 20 anos, institui o GRANDE CONCURSO NACIONAL DE POE-            pode ser entregue directamente no endereço acima.
 SIA E PROSA CIDADE DO RIO DE JANEIRO-2012.                                    PRAZO DE INSCRICAO: De 1 de marco a 20 de Abril de
 PARTICIPANTES: Autores amadores ou profissionais, nacionais e estran-         2012.RESULTADO: Ate 10 de Maio de 2012.
 geiros residentes no pai-s, que escrevam em língua portuguesa.                PREMIACAO: (Independentemente da categoria)
 INSCRIÇÕES: As inscrições são gratuitas e podem ser enviados, em uma
 ou nas duas categorias, o máximo de 6 (seis) trabalhos por autor.
 CATEGORIAS: Poesia (metrificada ou verso livre). Prosa (conto, crónica e      PRIMEIRO LUGAR:
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 SERAO DEVOLVIDOS. OS NAO CLASSIFICADOS SERAO DEVIDA-                          (único ou duplo), em regime de parceria. Os casos omissos serão resolvi-
 MENTE DESTRUIDOS.                                                             dos pela Editora.
 ENDEREÇOS PARA ENVIO DOS TRABALHOS:
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Revista Literatas 22   ano II

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Revista Literatas 22 ano II

  • 1. Calane da Silva homenageado em Maputo, numa cerimónia que servirá para a entrega do “Prémio José Craveirinha – 2011”, em que o escritor é o actual detentor. Director: Nelson Lineu | Editor: Eduardo Quive | Maputo, 16 de Março de 2012 | Ano II | N°21 | E-mail: r.literatas@gmail.com Palavras Escritas em Folhas de Mel “Produzem-se mais livros do que leitores, em proporções abismais” Abreu Paxe em entrevista: Pag. 8 & 9 Poetas por ser na Bienal da Angola
  • 2. SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 2 Editori@l Como é feita esta poesia? T odas as manifestações artísticas têm fóruns próprios onde os seus fazedores, apreciadores se encontram para um dedo de conversa, partilha de sorrisos, revivências de memórias e recordações Por exemplo num festival de jazz, o som do saxofone, da guitarra, do piano construem o oceano que alberga os sonhos dos tímpanos, dos olhos que escutam o erudismo da música que acalenta as ondas. E na literatura? Concretamente numa bienal internacional de poesia, que pela primeira vez um país africano acolhe versus realiza, contrariando a realidade em que só terras portuguesas e brasileiras são protagonistas. Estes tipos de evento de cariz internacional que enaltecem o intercâmbio cultural, a aproximação das esferas intelectuais versus criativas, andam meramte escassos neste Áfrico continente. Dada à falta de vontade política em investir na cultura, mas uma vez vimos aqui a força de uma União dos Escritores, que não se deixa levar pela letargia dos nossos políticos. Rebuscando a memoria das décadas 80 e 90 onde estes encontros eram frequentes aqui em África, Quero crer que com este encontro Angola (que será de 21 de Março a 21 de Abril) dá o primeiro passo para muitas caminha- das rumo a universalização da literatura de expressão portuguesa ou por outra da literatura escrita na língua portuguesa A palavra será o pão de cada dia durante estes dias que a bienal decorrerá no CEFOJOR – Centro de Formação de Jornalistas em Luanda. Esta bienal ao nosso ver (Kuphaluxa) tem um carácter dualista, pois e uma oportunidade impar de aprendizagem, realização de voos que há muito vem sobrevoando nos nossos sonhos, de algum dia ser poeta, escritor. Estar em Luanda numa bienal Internacional de Poesia ao lado de incontestáveis nomes da literatura do mundo lusófono como Corsino Fortes, Manuel Rui, Luís Serguilha, Odete Semedo, Cláudio Daniel amigo virtual de outros carnavais, Lopito Feijóo nosso mestre, amigo, que acreditou no nosso verde potencial ao escalar Maputo para mais um parto a cesariana de um livro. O que é que um colectivo de leitores, agitadores e activistas culturais, pode oferecer há um majestoso público de poetas experimentado de dimensões internacionais e de leitores atentos? -surpresas, Contudo, uma milha é caminhada mediante o primeiro passo e lá estaremos nós a ser representados por Moçambique (pois representantes temos somente três que vão levar a bandeira deste País o Filimone Meigos, Luis Cezerilo e Dinis Muhai). E cá em Maputo na mesma semana concretamente no dia 23,o nosso Madala, Professor, um dos muitos dos poucos que acre- ditam nos nossos devaneios, vai receber o Prémio José Craveirinha, que subiu de valor (USD 25.000) e mudou de cara, se outrora premiava-se as obras onde escritores como Paulina Chiziane, Eduardo White, Aldino Muainga, e outros cuja lista é enorme, do ano passado para o infinito prémio deixa de premiar a obra, passa a ser Prémio Careira. E o nosso Madala Calane é o capitão desta Vi(r)agem. E continuando no percurso poético, desde já aproveitar este momento para vender os bilhetes para esta “viagem expansiva para o lugar inabitado” conduzida por Cláudio Daniel, tendo como bilheteiro o Abreu Paxe sob a alçada da transportadora Zunai. Amosse Mucavele amossinho@hotmail.com
  • 3. SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 3 Destaque Bienal Internacional de Poesia Angola capital da poesia africana E stá na mira da lusofonia a Bienal Interna- Os angolanos, em Redacção cional de Poesia, a acontecer em Luan- peso, marcarão a sua da, capital da Angola. O evento que vai presença através dos decorrer de 21 de Março a 21 de Abril vai juntar poetas dos países escritores Manuel Rui, da CPLP, nomeadamente, Moçambique, Cabo Verde, Guiné- Roderick Nehone, bissau, Timor Leste, Portugal, Brasil e poetas do país anfitrião. João Melo, John Bella, Com este evento, a Angola estará na rota do turismo literário Kudijimbe entre outros durante 30 dias em poetas. que a poesia vai De Portugal participam os alçar veias eruditas escritores Ernesto entre os painelistas Melo e Castro, Fernan- em que se espera do Aguiar, Jorge Melí- autênticas aprendi- cias e Luís Serguilha e zagens. do Brasil, Por outro lado, já Admir Assunção, Gui- Odete Semedo,, Poetisa Guineense navegando pelo do Bilharinho, Micheline lema da própria bie- Verusck, Nina Rizzi e Camila nal, “Palavras Escri- Vardalac. tas em Folhas de Entretanto, Moçambique será Mel”, deve-se espe- representado pelos poetas rar dessa tertúlia a Filimone Meigos, Luís Cezeri- lo, Dinis Muhai, Eduardo Qui- descoberta dos ver- ve e Amosse Mucavel, estes Manuel Rui, escritor angolano dadeiros caminhos da dois últimos, editor e chefe da poesia africana, numa reflexão semiótica entre escribas de tempos indefinidos. De acordo com o programa, painéis de luxo vão mover essa Foto: Expresso das Ilhas locomotiva da poesia. São eles, por exem- Fernado Aguiar, escritor português plo, Conceição redacção da revista Literatas, res- Lima e Jeróni- pectivamente. mo Salvaterra E é mesmo assim. África através da Angola quer gritar a sua voz Manuel de São poética. E o papel não se cala, Tomé e Prínci- porque em si, vivem “Palavras Escritas em Folhas de Mel”. pe, António No entender do Movimento Literá- José Borges, rio Kuphaluxa, a participação jovens que dedicam-se à arte de Corsino Fortes, poeta Cabo-verdiano Luís Costa, escrita e ao activismo literário, Maria Ângela Carrascalão, de Timor Leste, Cor- constitui uma oportunidade para o engrandecimento da jovem litera- sino Fortes, Elísio Filinto, José Luís Tavares, tura moçambicana, principalmen- Vera Duarte de Cabo Verde, Tony Tcheka e te, por se priorizar escritores Cláudio Daniel, poeta brasileiro emergentes. Odete Semedo, de Guiné-Bissau.
  • 4. SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 4 Destaque Notícias Escrita até às veias Eduardo Quive É de facto, o premiado, homem de longa carreira nas artes literárias cujo percur- so é recheado de reconhecimentos, premiações e prestígio. É considerado um dos mais influentes escritores moçambicanos e com conhecimento vivido sobre a sua história. Viveu os tempos da chamada “literatura de Combate”, conviveu com o homem em que se inspira o prémio (José Craveirinha) aliás, no evento, como prova dessa lealdade com o poeta-mor, da propôs ao Movimento Literário Kuphaluxa que recitasse em jogral, o poema “Canção para o meu Povo” dedicado ao José Cravei- rinha. Viveu os tempos do “Charrua” quando os Ungulani Ba Ka Khosa apare- ciam. Agora vive os tempos indecisos da “jovem” literatura moçambicana. É um escritor que não se deixa prender na escrita. Sai dos livros e vai ao leitor. Conta as estórias com as próprias veias. Um erudito, menino suburbano. Na voz de Calane, cospem-se versos que inspiram velhos, jovens e crianças. Um exímio declamador, por isso, embora autor de uma importante obra poética “Dos Meninos da Malanga”, não se afirma poeta. “Eu não sou poeta. Digo poesia. Escrevo alguma poesia, mas poeta não.” Reitera. No entanto, é um autor se impõe no que escreve, seja prosa seja verso, seja o palco seja na rua. Um artista que se rejuvenesce pelo activismo literário. É quanto, um prémio merecido. Um herói que se reconhece enquanto vivo. Dois amigos que premeia-se entre si. José Craveirinha e Calane da Silva. A cerimónia vai decorrer na próxima sexta-feira, dia 23 de Março no Paços do Conselho Municipal da Cidade de Maputo (CMCM), as 18 horas. C alane da Silva, actual detentor do maior prémio literário de Moçambique, “Prémio José Craveirinha” será homenageado Raul Alves Calane da Silva ou simplesmente Calane da Silva, nasceu a 20 de Outubro em Maputo, numa gala que servirá igualmente para entre- de 1945 em Maputo. É docente de Literatura na Universidade Pedagógica (UP), direc- gar o galardão referente a edição 2011, nas mãos do escritor. tor do Centro Cultural Brasil – Moçambique, membro fundador da AMOLP – Asso- Autor duma das mais conhecidas obras moçambicanas ciação Moçambicana de Língua Portuguesa dentre outras instituições ligadas a litera- “Xicandarinha na Lenha do Mundo”, Calane da Silva recebe este tura e língua portuguesa. Jornalista de longo percurso e autêntico precursor das artes prémio que a partir de 2011, passou a aglutinar o nome de Prémio em Moçambique. Carreira. O livro "O A l f a b e t o Trapalhão", da escritora portuguesa Lurdes Breda, com ilustrações da Rute Reimão, é um dos selecionados para estar no Pavilhão de Portugal, na Feira do Livro Infantil de Bolonha, em Itália! A obra editada pela GATAfunho, está inclusa na lista dos cerca de 100 livros que farão parte do evento a decorrer dentro de dias.
  • 5. SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 5 Livros & Leitores «O Teu Rosto Será o Último» Dom Quixote edita em Março sai a 31 de Março «A Zona de Desconforto» C A Zona de Desconforto, do norte-americano Jonathan Frenzen, é hega a 31 de Março às livrarias a obra lançado a 10 de Março pela Dom Quixote, editora que uma semana que venceu o Prémio Leya 2011, O Teu mais tarde (dia 17) faz chegar às nossas livrarias a obra vencedora Rosto Será o Último, de João Ricardo do Prémio Jabuti 2011, Ribamar, de José Castello. Por fim, a 24 de Março Pedro. O livro sairá com a chancela da própria sai O Imperador Das Mentiras, de Steve Sem-Sandberg. Leya. A Zona de Desconforto - Jonathan Fran- Sinopse: «Tudo começa com um homem zen saindo de casa, armado, numa madrugada fria. «A Zona de Desconforto é a memória íntima que Franzen guarda do seu cresci- Mas do que o move só saberemos quase no mento dentro de uma pele hipersensível, fim, por uma carta escrita de outro continente. de ―uma pessoa pequena e fundamental- Ou talvez nem aí. Parece, afinal, mais impor- mente ridícula‖, passando por uma ado- tante a história do doutor Augusto Mendes, o lescência estranhamente feliz, até um médico que o tratou quarenta anos antes, adulto de paixões fortes e inconven- quando lho levaram ao consultório muito fer- ientes. Nas suas próprias palavras, Jona- ido. Ou do seu filho António, que fez duas co- than Franzen era o tipo de rapaz que missões em África e conheceu a madrinha de tinha medo de aranhas, bailes de liceu, guerra numa livraria. Ou mesmo do neto, Duarte, que um dia andou de bici- urinóis, professores de música, bumer- cleta todo nu. Através de episódios aparentemente autónomos – e tendo como angues, de raparigas populares – e dos ponto de partida a Revolução de 1974 –, este romance constrói a história de pais. Não tinha nada contra os miúdos uma família marcada pelos longos anos de ditadura, pela repressão política, totós, a não ser o pânico de que o tomas- sem por um deles, destino que resultaria pela guerra colonial. Duarte, cuja infância se desenrola já sob os auspícios de para ele na imediata morte social.» Abril, cresce envolto nessas memórias alheias que formam uma espécie de Porta Livros trama onde um qualquer segredo se esconde.» Porta Livros Bandido também tem santo Fala! Onde é que você escondeu o dinheiro? Fala, vagabundo, fala‖. Cidinha da Silva* - Brasil E dá-lhe porrada. O rapaz calado. Eu queria interferir, pedir para eles E ra terça-feira e eu ia para mais uma entrevista de emprego. Estava marcada pararem de bater no menino, mas aí pensariam mesmo que eu era namora- às 9, por segurança resolvi sair de casa às 6. Tinha lotação, trem e metrô da dele. pela frente. O relógio tocaria às 5 horas, mas às 4 eu estava desperta. Me banhei. Fiz as orações do dia. Pedi o emprego com fé. Senti aquela brisa quente Paramos num sinal. Tinha um carro da polícia estacionado, vazio. Os atrás da cabeça de quando a resposta de Ogum está a caminho. Resolvi me vestir policiais deviam estar na padaria comendo coxinha. Por via das dúvidas, de branco. Saí. afundaram o rapaz no vão entre os dois bancos. Nossos sequestradores ficaram tensos. Engatilharam as armas. Eu, uma filha de Ogum, entro em Fechei o portão. Caminhei em direção ao ponto de parada da Van. Um sentimento pânico quando vejo arma de fogo e comecei a tremer e a chorar. Um dos de que faltava alguma coisa tomou conta de mim. Abri a bolsa, tudo o que eu pre- caras passou o braço pelas minhas costas, tapou minha boca com uma cisava estava lá: carteiras de trabalho e de identidade, conta de luz paga, cópias mão e com a outra encostou o cano do revólver no meu fígado. Disse que impressas do currículo, endereço dos três lugares onde buscaria emprego naquele se eu não calasse a boca naquele instante, ele apertaria o gatilho, sem dó. dia, sanduíche de pão com goiabada, garrafa de água e um livro para ganhar o Calei. O sinal abriu. O motorista arrancou devagar. tempo no transporte público. Não faltava nada, mas a sensação permanecia. A bri- sa na cabeça voltou e me impeliu de volta para dentro de casa. Fui direto até a Os donos do carro deram mais umas voltas com a gente. O rapaz espan- gaveta da cômoda, peguei um fio de contas. Coloquei no pescoço, ajeitei dentro da cado não dizia palavra. Eu também não. Um dos rapazes que batia pegou blusa. meu pescoço, apertou meus seios com violência, disse ao suposto namora- do que ele veria o que fariam comigo, na frente dele, caso não contasse O retorno à casa me fez perder a condução. Fiquei sozinha no ponto, mas logo, logo, encheria de gente. Veio vindo um rapaz de tênis de cano longo, bermudão, onde estava o dinheiro. O menino nem abria os olhos, tinha apanhado camiseta larga, boné e, lógico, headfone no último volume. Óculos escuros tam- muito, estava quase desacordado. bém. Ele se sentou na murada ao meu lado e tirou um cigarro. Antes de acender, Chamei por Ogum e a massa de calor em movimento atrás da cabeça me parou uma Blazer de vidro fumê na nossa frente, saltaram dois caras e cada um pegou num braço dele. Mandaram ficar calado e o jogaram dentro do carro. levou a colocar a mão no ombro do caladão sentado à frente. Disparei a Alguém gritou lá de dentro: ―Pega a mina dele também, vacilão! Vai deixar aí?‖ A falar, era a chance única de salvar minha vida. Repeti a história da entre- nuvem do desespero turvou meus olhos. Não havia outra mulher por ali. A mina vista para o emprego, puxei minha carteira de trabalho, o sanduíche de do desconhecido era eu. goiabada. Disse que não conhecia o desafeto deles, que simplesmente eu estava no lugar errado, na hora errada. E o outro, louco, noiado, apertando Me empurraram para o banco de trás junto com meu companheiro de espera da meu pescoço com uma mão e esticando a outra para rasgar minha blusa. Van. Eu tentei dizer que era engano. Eu nunca o tinha visto antes, só estava ali Ele arrancou dois botões e enroscou a mão na conta, puxou, cortou o dedo esperando o transporte. Ia fazer entrevista de emprego. Tinha a carta de convoca- no fio de nylon. Arrebentou tudo. As pedras brancas, como pombas, voa- ção na bolsa, podia mostrar... ram pelo carro. Bateram no vidro fumê, no teto da Blazer, caíram no colo do moço da frente. Ele abriu as mãos para as miçangas e sorriu. Mandou O motorista mandou que eu calasse a boca, não estava interessado. Ao meu lado, parar o carro. Desceu, abriu a porta, estendeu a mão para mim e disse: os grandões espancavam o rapaz e gritavam: ―Você vai me dar meu dinheiro, ―Pode ir embora‖. (Extraido do livro, "Oh, margem! Reinventa os vagabundo. Se não der, vai morrer. Tá ligado? rios!" ) Cidinha da Silva é prosadora e gosta muito de poesia. Mineira, de Belo Horizonte, Cidinha começou a publicar literatura em 2006 com Cada tridente em seu lugar(crônicas, 3a edição); a seguir, publicou Você me deixe, viu? Eu vou bater meu tambor! (crônicas, 2008). Em 2009, foi a vez de Os nove pentes d’África (novela, 1a reimpressão), primeira obra juvenil de uma carreira promissora. Em 2010, parti- cipou como co-autora deColonos e quilombolas (fotografia e textos). Em 2011, publicou Kuami (romance infantil / juvenil), além des- te Margem, marca de seu reencontro com a crônica. O mar de Manu é um conto para crianças, publicado também em 2011.
  • 6. SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 6 Cartas Espaço aberto para debate e comentários sobre assun- tos literários. Mande-nos uma carta pelo e-mail: r.literatas@gmail.com FICHA TÉCNICA Propriedade do Movimento Literário Kuphaluxa ― Croniconto A vítima do feitiço Ele foi vítima de feitiço! de cor rubra, tremeluzente, num Dany Wambire Assim estava escrito com tinta danitoavelino@gmail.com papel de formato A4, que mais tarde soube-se ser certi- se empreendia esforço para dão de óbito, esse comprovativo que os incrédulos de desacreditar os curandeiros. morte o exigem para fins diversos. Tratou-se de adaptação da profis- Nessa manhã, antes da secretária Analinda Basto passar são para sobrevivência. Direcção e Redacção a certidão deste morto, esgaravatou tudo que a permitiria Mesmo o próprio doutor Senfim Centro Cultural Brasil - Mocambique apurar as reais e leais causas da morte de Tereso Vai- descria a doença do paciente, ora vém: as receitas, os frascos de fármacos e inúmeras morto, ser objecto da ciência Ocidental. Médico generalista que Av. 25 de Setembro, N°1728, fichas clínicas. Em vão. Tudo vasculhado apenas expli- ele era, efectuara todas as análises possíveis, conforme a C. Postal: 1167, Maputo cava sintomas e sinais de nenhuma doença cientifica- evolução dos sintomas e sinais, mas o resultado das análises eram nenhumas doenças. Admoestado pela secretária Analinda mente conhecida. Feitiço era a causa mais provável: a facilitar a saída do doente a uma consulta de nyanga, o doutor entendia, assim, Analinda Basto. senfim declinou, dizendo que aquilo não existia. Tel: +258 82 27 17 645 / +258 84 07 46 Mas o doutor Arduardo Senfim mandou vir com ela, ― Isso não existe na ciência. 603 dizendo que aquilo era hipocrisia de uma enfermeira ― Mas na ciência de Fim-de-Mundo existe, perseverou Fax: +258 21 02 05 84 atrasada, um atentado à ciência medicinal. Como é que Analinda. E-mail: kuphaluxa@sapo.mz um paciente podia, em plena vitalidade da ciência, mor- ― Não falo dessa ciência, falo da ciência científica. rer à conta de um feitiço, uma coisa mal explicada, e se Não fosse, enfim, a certidão de óbito ser necessitado por um Blogue: literatas.blogs.sapo.mz exímio dirigente político do país e talvez o doutor Arduardo explicada, sem cabimento. Disso, todavia, a Analinda Basto encontrava plena Senfim condescenderia a causa de morte defendida pela se- explicação. Pois ela votara maior parte da sua vida ao cretária. O pedido da certidão de óbito, decerto, era feito por um DIRECTOR GERAL tal de doutor Jesustôvão Edmundo, grande ministro da época. tratamento de moléstias, simples e complexas, vulgares Era necessário aplicar toda perícia científica para apurar a causa Nelson Lineu e invulgares. Até feitiços ela lhes dedicou tempo. Afi- da morte. Mas, mesmo depois de inúmeras necropsias em hos- (nelsonlineu@gmail.com) nal, ela antes de vestir saia, blusa e sapatos brancos já se pitais vários, se conseguiu apurar a causa da morte. Foi então Cel: +258 82 27 61 184 vestira de gite, essas coloridas roupas de nyangas, para que o doutor Arduardo Senfim assinou a certidão já aprontada DIRECTOR COMERCIAL enxotar mais terríveis obras de feitiçaria em molestados. pela secretária Analinda. E antes voltou a escrever por cima da Japone Arijuane Ademais, ela se formara em enfermagem não foi senão causa da morte, carregando com tinta vermelha: ele foi vítima (jarijuane@gmail.com) para convencionar a sua actividade, numa altura em que de feitiço. Cel: +258 82 35 63 201 EDITOR Eduardo Quive (eduardoquive@gmail.com) É, ou não é? Cel: +258 82 27 17 645 Força fere feridas na alma, nauseabundos excrementos na bunda da cidade fede excitante CHEFE DA REDACÇÃO Amosse Mucavele Vagina em líquidos d’agua jejuada (amosse1987@yahoo.com.br) Desafectação vil inspira e respira ar condiciona-se! Cel: +258 82 57 03 750 Conjunturas só para a minoria avermelhada. REPRESENTANTES PROVINCIAIS Dany Wambire—Sofala O vai e vem dos Xapas antes cheios hoje enchidos: carnes vivas de bafo fúnebre há divisão dos per- Lino Sousa Mucuruza—Niassa fumes, corpo sob corpo racismo sem problemas? Leva frasco quando chegar abra o racismo, alias, perfuma-se COLABORADORES FIXOS Culatra opaca a tirar a vida bala Marrabenta na dança da morte Izidine Jaime, Pedro Do Bois (Saranta Cata- TV sapataria vai escovando os mais sujos, vê! É o que não é, pensa pança cheia de fome. rina-Brasil) , Victor Eustáquio (Lisboa — Portugal), Mauro Brito. Amanha nunca será novo dia, COLUNISTA Se continuas o mesmo: seiva da nação! Marcelo Soriano (Brasil) Antes flor que sempre murchou, regada de esperma, poder hipnotiza cifrão: vai indo histérico não gera acções enquadra-se numa das gerações…. FOTOGRAFIA É, ou não é? Arquivo — Kuphaluxa Responde, sempre é! PARCEIROS O que não é, você não vê, é, ou não é? Muda plante tantas mudas, se urinol serve rega… reza dê a dízimos universais, mas nada muda, Centro Cultural Brasil—Mocambique mas, vai! Muda! Talvez assim ninguém e nada muda-te. Portal Cronopios Outro canal vê: ordem e progresso: sexo e violência: excremento tropical e a sua martirizada cultu- www.cronopios.com.br ra? O ministério cuida! Cuida você de ti. Sétima classe. Revista Blecaute Sétima ignorância. Revista Culturas & Afectos Lusofonos culturaseafectoslusofonos.blogspot.com Isca no coração da modernidade: cidade peixe bem no fundo do mar desértico, fedendo em fede- lhos a fidelidade corrupta, aversão digna de indignidades soberanas fezes quantas vezes suportare- mos as politicarias? Fôlego as acácias, folga as carícias a venda na avenida, matem a pobreza com a mesma fome, vem Machimbombo bomba na hora de ponta vermelha de sangue, rostos militares com fome na guerrilha dos transportamentos, pó cores de urnas dejectos falaciosos, já agora mudos sem olfacto, como ser alguém, num país de donos? Japone arijuane jarijuane@gmail.com
  • 7. SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 7 VIAGEM Poesia FILINTO ELÍSIO — Cabo Verde Em torno da odisseia das ilhas, creio levar Neste puro desejo que me transcende, a senha E a palavra-chave de os labirintos serem aqui Simples lugares de passagem, apenas paisagem... O andarilho palmilha as dunas, as areias De intermináveis desertos e todas as ondas Que os oceanos concedem, quando furibundas Ou, mesmo, serenadas e das praias acariciadas... Sem culpa, nem sina – ou de Job puro devedor –, Percorro de lés a lés o mapa que é de ti e do mundo Como quem responde à morte o saldo estival... Como quem salta para a eterna idade da vida Alguém te seguiu? E fica suspenso entre a estrela e sua cadência A riscar, de viajar tão-somente, o céu da noite... Rita Dahl - Finlândia Flores que nunca murcham SONHO DE CONSUMO Alguém te seguiu até casa, ou Cristiane Sobral conseguiste ir em paz? Francisco Júnior - Maputo Por sorte ele não te atingiu Se você me quiser vai ser com o cabelo no cérebro de modo a que os cheirasses? trançado Talvez apenas passes o tempo a imaginar coisas? No jardim da Coop Resposta na ponta da língua As chamadas de telefone que nunca Uma flor sorri todas as Teste de HIV na mão aconteceram, quem sabe também as tivesses manhãs imaginado? Se você me quiser desligue a televisão Quando recebe seu divino alimento, Leia filosofia e decore o Kama-Sutra. Soubeste o que perdeste? Numa quantidade laboratorialmente calculada Muito bem! Quem quer que seja aquele que se segue, mão De um litro e alguns gramas de água potável. quente Se você me quiser esteja em casa ou severa? Alguém que Retorne as ligações e traga flores. caminhasse a teu lado como um cão E lá no Mutarara… Não venha com teorias sobre ereção ou fiel e ladrasse quando centímetros a mais. A Joana desperta ainda na madrugada, Nem sempre vou querer sexo quisesse, de modo a que lhe desses alimento Antes do despontar do sol Nem sempre vou dizer tudo, ou acender ou o afagasses? Perdeste isso? a luz. Para caminhar dementes quilómetros Mantiveste os teus sonhos, ainda assim? Para obter 25 litros de água imprópria para o Posso usar ternos ou aventais. consumo. Qual a diferença? As noites serão sempre intensas à luz de Enquanto vai desabrolhando a flor na Coop velas. Vai murchando a Joana, a Antónia, a Rosa, a Se você realmente me quiser Virgínia, a Cacilda… Ouse digerir a contradição Pondo a prova a teoria de Samora. Ajude-me a ser uma mulher Diante de um homem. GOSTO Quem disse que seria fácil? Margarida Fontes - Cabo Verde _______________________ Gente que gosta de gestos meus Sobral, Cristiane. Não vou mais … olha-os, imperceptíveis. lavar os pratos. Poesia. Dulcina Gosto de gente que ouve pequenos Editora. 2º Edição. 2011. Brasília. sinais Http://cristianesobral.blogspot.com Gente farol dos instantes Twitter: Cristisobral Gente que aprecia o mar, Facebook: Cristiane Sobral … as ruas escuras, … e o silêncio.
  • 8. SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 8 Entrevista por Revista Zunai Viagem expansiva para o lugar inabitado “A poesia angolana contemporânea, penso, está à procura de seu rosto. Precisa de o ajustar, com certeza. Depois da década de setenta, as que se seguiram tornaram-se mais dinâmicas e reagem às transformações socioculturais. Ela constrói-se e vai ajustando-se na investigação antropológica (autóctone) - com sentidos estéticos virados para a inteligência, para a vonta- de e para a razão africana - e na experiência alienígena, propondo-nos formas novas mais adequadas ao conteúdo da nova linguagem poética, no qual a transgressão, eroticidade, a errância, os desafios, a metalinguagem, a desconstrução (Secco) constituem-se em alguns dos seus mais importantes vectores.” Zunái: Você cresceu num país que viveu intensos conflitos nas últimas três décadas, como a luta Luanda. O terceiro, já como adulto que é este ser em que me vou transformando. pela emancipação de Portugal, a guerra civil e os esforços para a reconstrução nacional. Como Como se pode bem compreender, neste período ainda estávamos confinados a zonas onde estes fatos marcaram a sua vida e a sua poesia? produzimos e ganhamos o pouco, embora comungue com o ditado húngaro que diz: "todo o bocado acrescenta, diz o rato e vai fazer xixi no mar"; ou seja, a minha poesia está revestida Paxe: A minha poesia dialoga, como bem indicou, com estes momentos do nosso mais recente de simbologia que permite a compreensão de épocas passadas, alarga a sua voz e espalha-a passado sócio-histórico, embora de forma perversa, na qual privilegio a informação estética. Tra- no culto das cerimônias atuais dirigidas à magia da vida, lugares ainda por conhecer, verda- duz a minha condição de ser, um ser confuso, incompleto sempre pronto a ser forjado, moldado, deiras zonas cinzentas, legitimando cavernas, muitas vezes, não só de difícil acesso na reso- formado e transformado. lução dos nossos conflitos e desafios, assim como de fácil acesso ao fazer-nos recordar os O meu país também ostenta este rosto. Ele cria o primeiro rosto fundado no Movimento dos ciclos de ossos num estranho apodrecer, de que felizmente, já só vão ficando sequelas que Novos Intelectuais de Angola (MNIA) sob a bandeira "Vamos Descobrir Angola", uma frente cul- vamos tentando esquecer. tural que se criou no domínio da literatura e da guerrilha, ligados pelo mesmo denominador, que é o sentimento nacional, para combater o colonialismo, um mal que se implantou entre nós, cuja Zunái: Como foi a sua formação literária? Quais foram os autores que chamaram a sua finalidade era a de destruir o outro despojando-o de todos os seus valores culturais e não só privile- atenção para o fazer poético? Por que você escolheu ser poeta? giando os do sistema colonial. De seguida, cria o segundo rosto no qual o País experimenta à época pós-independência: neste período, abraça a orientação política do comunismo, anulando as preocu- Paxe: Minha formação literária... será que a tenho? É curioso, em Angola, a produção literá- pações coloniais sob a forma superior de organização social que reflectia a nova situação. É neste ria supera em anos-luz o ensino da literatura, ou seja, produzem-se mais livros do que leito- período que a guerra civil ganha força e expressão. Por fim, cria o rosto do multipartidarismo, fun- res, em proporções abismais. O ensino da literatura ainda se constitui na nossa zona do dado num princípio de unidade nacional, período em que cessa a guerra civil, unindo esforços para sahel, ainda é a nzaya almejada. Para o meu caso, mais concretamente, toda a minha forma- a reconstrução nacional, no qual nos submetemos aos novos desafios em busca de um bem-estar ção académica, do básico à licenciatura, realizou-se cá. Felizmente, "nos áureos anos de para todos. 1978/79", o Instituto Nacional do Livro e do Disco (INALD), das várias e riquíssimas colec- Conjugam-se em mim estes três rostos: o primeiro, não tinha eu ainda nascido. O segundo, quando ções que possuía constava a da literatura para crianças. Meu pai, então motorista da Delega- criança e adolescente vivendo o drama da guerra, da fome e da miséria: terríveis anos, até a nível ção Provincial da Educação, sempre que viesse para Luanda tinha o cuidado de comprar de escolarização, razão pela qual a minha família troca o interior (Uíje), minha terra natal, por para nós estes livros. Por isso fomo-nos forjando, embora de forma, arrojada como leitores
  • 9. SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 9 Entrevista por Eduardo Quive uma demarche autodidata, pouco ou nada recebendo da escola oficial. move minha poesia. Perceberam, como dizia E. M. de Melo e Castro, que a poesia está sem- pre no limite das coisas. No limite do que pode ser dito, do que pode ser escrito, do que Posto cá em Luanda, nos finais da década de oitenta, ao ler poetas como Costa Andrade, Antó- pode ser feito, do que pode ser visto e até pensado, sentido e compreendido. Estar no limite, nio Jacinto, Roberto de Almeida, Viriato da Cruz, Agostinho Neto, Jorge Macedo, Manuel ainda dizia, significa muitas vezes, para o [poeta/leitor], estar para lá do que estamos prepa- Rui, Henrique Guerra... fui ganhando o gosto pela poesia e fui compreendendo a nossa condi- rados para aceitar como possível. Postura contrária tiveram os que se constituíram em críti- ção como povo. A essa leitura segue-se a dos poetas que mais se destacaram nas décadas de 70 cos literários, desferindo duros golpes à minha pessoa e aos que têm escrito mais ou menos e 80, nas brigadas e não só. Lia-os todos. Mesmo sem os entender, gostava da forma como na senda do que tenho estado a fazer, mesmo sendo anteriores a mim, chegando a dizer que propunham aquelas peças poéticas que não entendia, mesmo assim gostava de os ler. Foram os o mesmo livro em nada contribuía para a literatura e que vinha destruir os propósitos da casos de João Maimona, Lopito Feijoó, Rui Augusto, Conceição Cristóvão, José Luís Men- poesia, e que tinha uma linguagem muito difícil de entender e que eu não percebia nada do donça, David Mestre, Arlindo Barbeitos e Ruy Duarte de Carvalho... Só começo a ter contato que fazia... Como se a poesia obedecesse a regulamentos, a decretos ou normas pré- com poetas contemporâneos estrangeiros, em meados da década de noventa, através de João estabelecidas. Mas eu percebo a razão de muitos terem reagido assim: em primeiro lugar, é Maimona, que também me põe em contacto com a revista Dimensão (de Guido Bilharinho, do para perpetuar uma perspectiva da uniformidade inquestionável, do discurso dos poetas que Triângulo Mineiro), intelectual brasileiro que prezo muito que me passou a enviar a referida mais se destacam no nosso passado recente, cultivando o culto do facilitarismo com vesti- revista com regularidade até o seu último número. Esta fase foi muito importante para a minha mentas conservadoras; e por outro, é pelo fato de terem dificuldades em se integrarem nos produção poética. É através dessa revista que conheço poetas importantíssimos do panorama novos desafios da poesia, pensando que para isto estariam a anunciar a sua não sobrevivên- da poesia mundial, um conhecimento que se vai alargando cada vez mais. E agora, claro, em cia, o seu desaparecimento, ou a sua morte, acusando, claro, os diversos limites com que um contacto consigo que se constituiu para mim num verdadeiro poço de descober- leitor/poeta se pode confrontar: os sociais, os políticos, os religiosos, os ideológicos, os pre- tas. conceituosos, os psicológicos, os morais, os retóricos, os estéticos, os linguísticos... Dá para Escolhi a condição de ser poeta, por ser, um ser confuso, incompleto, sempre pronto a ser for- perceber como têm sido a repercussão de A Chave no Repousa da Porta nos nossos meios jado, moldado, formado e transformado. Sinto que nesta condição acomodo-me no triângulo literários? ritualístico, no processo de transmigração. Zunái: Ao contrário da dicção mais discursiva, retórica, de conteúdo político directo, que Zunái: Como foi o início de sua carreira poética? Publicou em revistas? Participou da Briga- esteve em evidência nos anos 60 e 70, tua poesia parece mover-se em outro sentido, buscan- da Jovem de Literatura? do uma reinvenção da sintaxe e a força mântrica das palavras. A linguagem poética, a seu ver, é uma leitura crítica da realidade ou a criação de uma outra realidade? Paxe: Penso que a poesia, como ato de criação, para mim não deve de forma objectiva nomear as coisas tal qual como elas acontecem no cosmos, tal como se movem, tal como o cosmos as regula, vistas, à vista desarmada ou macroscopicamente. A poesia deve constituir-se no mundo alternativo, este funcionando como mundo não codificado ou convencionado numa visão globalizante, senão como codificação singular do criador e do leitor. Ao serviço da arte, a poesia deve-se construir com certa erudição, ou seja, a partir do que já existe, do que já foi proposto nos matizes artísticos. A poesia deve convidar-nos a mergulhar no escuro, como dizia Gastão Cruz, não para o iluminar, mas para aprender a conhecê-lo, evocando todos os sentidos. Como se pode ver, para mim a linguagem poética é a criação de uma outra realidade, fundada numa realidade, ou seja, a recriação da realidade observá- vel. Zunái: O seu olhar está voltado para as mínimas coisas do quotidiano, que não é retratado de modo ingénuo, fotográfico, mas antes é fragmentado em cenas rápidas, como num videoclipe. Esta reconstrução das imagens pela palavra poética tem uma influência das mídias eletrônicas? Paxe: De certo modo, sim. Persigo, neste exercício, a capacidade de recom- posição e síntese, transformando meu olhar em unidades de análise, uma qualidade que impregna todas as criações resultantes de um processo inte- ractivo entre o homem e os meios electrónicos em que a metamorfose e o virtual se projectam na mente humana como agentes da própria instabilidade e plasticidade, como agentes da invenção e da percepção, Paxe: A minha careira poética inicia-se com a publicação, no não distante ano de 1999, de levando a poesia para além dos limi- quatro peças poéticas na página cultural do Jornal de Angola, poemas publicados no ano tes, numa viagem expansiva para o seguinte (2000) na revista Dimensão. Nunca participei das actividades da Brigada Jovem de lugar inabitado, originando imagens Literatura (BJL). simultâneas e diversas capazes de modificar os sentidos (ordenados) Zunái: A Chave no Repouso da Porta, que você publicou em 2003, revela uma linguagem num elevado grau de fragmentação. densa, concentrada e fortemente imagética. Qual foi a repercussão desse livro nos meios lite- Estes fragmentos, estes paradoxos, rários de seu país? que vez ou outra nomeio, buscam anular a linearidade, a luminosidade, Paxe: Causou muito estranhamento e é preocupante a reacção de muitos que acusam ainda o detalhe. Mesmo quando experi- muita desinformação em relação à poesia, depois de alguns comentários que fui ouvindo, mes- mento as vestimentas narrativas, mo sabendo que o livro tinha resultado dum concurso, confesso que comecei a acusar uma sinto que só participo alegremente certa insegurança. Aproveito aqui para referir, em forma de agradecimento, o nome de Jomo de uma festa que legitima os estímu- Fortunato que, para além de ser meu amigo, é um dos poucos leitores que confirmou a força los que nos cercam, nas actualiza- que o livro tinha; incluo, também outras personalidades: o já falecido professor doutor Augus- ções materiais onde é preciso abrir to Kambwa, a quem coube a tarefa de apresentar o livro; do júri, os poetas João Maimona, os olhos e a mente de um modo Jorge Macedo, Adriano Botelho de Vasconcelos, Cláudio Daniel, Guido Bilharinho, Gabriel diferente. Magalhães, a professora Carmen Secco, entre outros, que perceberam o sentido, no qual se
  • 10. SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 10 Filosofonias Colunistas Marcelo Soriano — Brasil m.m.soriano@gmail.com O passo certo no caminho errado Nelson Lineu - Maputo nelsonlineu@gmail.com O Perguntador e o Primeiro F echado o jor- nal, Horácio esperava ansiosamente pelo impacto a quando da saída as bancas, sentimento igual a esse teve com a sua Imagem: " Sunset Shadow", Nomad Thru Life.. No Internet.. http://www.flickr.com/ primeiro texto. Nunca conseguiu convencer os familiares sobre o photos/56684679@N08/5529156581/ nome da sua profissão, dizia ser jornalista. Por estar a fazer constan- temente perguntas a profissão dele era perguntador, sentenciavam os Comentário: A Quarta Pessoa seus, a língua portuguesa não podia ser tão enganadora. Existe uma 4ª Pessoa do Singular e do Plural, diferente de todas as que A ansiedade desta vez era diferente, o medo lhe subia os pés, ques- conhecemos. Ao contrário do que pregam os doutos, não é preciso ver para tionava-se sobre o porquê dos jornalistas terem que pagar com a vida crer, tampouco crer é preciso. Basta fechar os olhos, e viver o próprio ou com a pobreza, por coisas que não são eles a falar. Era admirador escuro. do jornalista Carlos Cardoso, que foi assassinado por não respeitar a .................................................................... liberdade de expressão vigente, ilimitando-se. O Horácio e outros, no Mini crônica: Más Companhias Dão Bons Livros dia em que se assinala mais um ano da efeméride, aparecem em debates, prestavam homenagens, mas quase ninguém, desrespeitava Más companhias dão bons livros. Más companhias são boas, então. Bons também a liberdade de expressão, por isso a não entrega do premio livros, nem todos de jornalismo investigativo com o nome dele num desses anos. No o são. Mas os bons, ah os bons! Sempre bem acompanhados pelas más seu terceiro cigarro encontra a resposta da sua espinhosa questão, companhias. eram intimidados, porque os outros só falavam por causa das pergun- .................................................................... tas deles. Encontrava sentido do nome que os familiares davam a sua Poema: Das Minhas Gavetas profissão. (O Mofo, em 07/07/2009) O que fazia-lhe estar naquele estado, era a reportagem, da conferên- cia de imprensa, convocada pelo director duma empresa estatal. De Os fungos escreveram mofo princípio notou que ele queria ser herói, mas o que contrastava era no papel velho facto de sê-lo por incompetência. Logo ficou claro, para ele era mais importante ser primeiro do que herói. Os fungos escrevem - Temos o primeiro presidente da frente que libertou o país, quem coisas antigas deu o primeiro tiro, primeiro presidente da república de Moçambi- que, o primeiro presidente empresário. Por ser incapaz, formação Saudade de amor deficiente, demito-me do meu cargo, por tanto serei o primeiro a demitir-se nesse país. Releio e Mesmo sabendo que mais tarde alguns reclamariam o seu posto de fungo primeiro, ele continuava firme a ambição dele o guiaria, o seu esfor- .................................................................... ço ou risco não seria menor que dos outros. Num país em que está - E tenho dito! tudo bem como testemunha têm-se o informe anual do estadista. As suas declarações contrariavam o cenário pintado na presidência. Um som saia do telefone dele, era sinal da bateria estar carregada, para a Paixões são amores carnívoros. positividade da sua ansiedade, segundo o seu ponto de vista, com o jornal nas bancas, de certeza receberia ameaças, intimidações, esse era o reconhecimento dos jornalistas por essa África.
  • 11. SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 11 Um diálogo com os mortos! Matiangola quase que bovinamente, a partir de agora em diante queremos celebrar o n_nhamposse@yahoo.com.br nascimento de Cristo e a sua morte, excelentíssimo presidente. Sabe, Mr. Matias, os mortos também rezam e o seu Deus é o covil. Também temos O próprio viver é morrer, porque não temos um direito a Natal. Por outro lado, clarividente e visionário líder, o cemitério dia a mais na nossa vida que não tenhamos, nis- anda muito cheio e já há mortos que perderam os seus ente-queridos. Mor- so, um dia a menos nela, Fernando Pessoa tos que reclamam dos ossos dos seus pares. Nobres saudosos, mais do que nos atulharmos de palavras e barasfutarmos de um lado para o outro, pro- pomos a Matias Company a augusta e vidente missão de passar a cremar Lá se iam os dias. As trincheiras e os soldados da morte plumavam os falecidos e evitar conflitos de mortos sem mortos, assim o município vagens infinitas. O sol humedecia a cada instante. A estrebaria reinava e, nem precisaria de transferir os cemitérios a cada vez que enchessem dos para o cúmulo, em pleno cemitério e arredores, os mortos comportavam- nossos ente-queridos ossos. Ademais, continuamos, cegamente, a ver a se como autênticos asnos. discriminação crescer e tomar proporções outras. Sabemos que o homem é Perante aquela situação, Matiangola, o líder e visionário dos entre a morte um ser discriminatório de natureza. Sim, excelência, o homem discrimina, e a vida e detentor de um império que servia aos jazidos, decidiu fazer a título ilustrativo, quando escolhe amigos, namoradas, esposas, etc. É que uma reflexão e auscultar os perecidos, lógica e evidentemente no Arena o acto de escolha de uma amizade é guiado por um conjunto de elementos Stadium Jazida, palco de eventos e cerimónias dos falecidos. discriminatórios, tal como porque este é aquilo e russo uma pinóia. Por - Meus distintos irmãos, é com muita nobreza e preocupação que a causa disso, ilustre clarividente, achamos que os gays e as lésbicas, sobre- Matiangola Company registou com avesso e clarividência como se com- tudo numa sociedade globalizada como a nossa, onde os mortos têm pala- portaram durante a semana. E nós, como vossos encarregados de faleci- vras, também têm direito a serem loboladas, tal como Mr. Matías lobolou a dos, sentimo-nos na obrigação de perceber a vossa atitude. sua Julieta no caixão. Trata-se de uma visão estratégica e do futuro, disse - Excelentíssimo PCA, distintos choradores da Matiangola Company, Zeca Sibinde, representante dos perecidos, aos aplausos e gritos efeveres- ilustres, gostávamos de mostrar aos vivos que a morte transcede a vida e, centes dos jazidos. mais do que blasfemar, também se é feliz numa jazida. A vida é como as Matiangola, perante aquele posicionamento, reagiu e disse: - todos nós ondas, quanto mais se aproximam da margem, mais reduzem de intensi- temos direito à vida e vocês merecem, mesmo mortos. É que as pessoas dade. E quanto mais se distanciam, mais fortes são. Por isso, mais do que pensam que morrer é estar enterrado, mas a morte transcede ao estado de nunca, há que mudar de ambientes e horizontes. Lembrem-se, caríssimos enterrado. Trata-se de um direito consagrado pelos Direitos Humanos. irmãos, não há cruzes eternas. Por muito tempo, fomos bodes expiatórios Essa é uma decisão sábia, por isso, bem haja mortos. E para consagrarmos até de erros e/ou problemas ainda não inventados e, invariavelmente, sen- a morte, meus nobres jazidos, anuncio que hoje, mais do que nunca, e para tíamos que para alguma coisa aquilo servia. Servia para a felicidade das celebrarmos este feito, vou lobolar uma esposa. Isso mesmo. Vou lobolar pessoas que o faziam. Servia para se sentirem mais poderosas, suposta- um meu colaborador que faleceu a garganta a chorar por vocês, pelas vos- mente, mais conhecedoras do mundo em relação a nós. Muitas vezes, dis- sas almas, um herói nacional. Sempre fui pastor de ondas, do vagueio, da tintos mortos, vimos e continuamos a ver ovelhas ensanguentadas de blague, mas na hora de reconhecer aqueles que por nós deram o litro, não lobos, ou melhor, cordeiros pintados de sangue. Desde sempre, e talvez a vacilo. A morte é um direito consagrado por lei e não podemos deixar sociedade tenha culpa nisso, as pessoas sempre procuraram culpados dos impune a partida da garganta do nosso colaborador. Igualmente, anuncia- seus insucessos do lado falecidos. Mas hoje, camaradas, queremos reafir- mos que a partir de hoje a Matiangola Company irá lobolar e sepultar os mar que o ser e/ou estar em estado de falecido não significa estar, neces- gays e lésbicas. A bem de todos, bem haja a morte. sariamente, morto. Vivemos num mundo onde entre os vivos há mais PS: A Matiangola Company comunica, com profundo pesar e consterna- mortos do que entre os falecidos. Há mais cemitérios enterrados na terra ção, o falecimento que ocorrerá do seu PCA. Pelo que está aberto um con- do que debaixo dela. É que para ser morto não precisa ser falecido. E, curso público para a vaga de potencial Txingador. Apela-se e encoraja-se! Publicidade Em Agosto de 2012 Maputo será a capital da Literatura Festival Literário de Maputo Saiba como participar em: http://festivalliterariodemaputo.blogspot.com festivalliterario.maputo@gmail.com
  • 12. SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 12 Tributo Brasil e Moçambique Castro Alves e Rui Nogar A Manuel Bandeira os catorze dias do mês Escritor e político moçambicano, Rui Fonte: http://www.culturabrasil.org de Março, no ano de Nogar, pseudónimo de Francisco Rui 1847, nasceu António Moniz Barreto, nasceu a 2 de feverei- de Castro Alves, na fazenda ro de 1935, em Lourenço Marques Cabaceiras, a sete léguas da vila de Curralinho, hoje cidade de (atual Maputo), Moçambique. Castro Alves. Era filho do Dr. Fez os estudos primários e secundá- António José Alves e D. Clélia rios em Lourenço Marques e come- Brasília da Silva Castro. çou a trabalhar como empregado Passou a infância no sertão comercial e funcionário de agência de natal, e em 54 iniciou os estu- publicidade. Para além disso, exerceu dos na capital baiana. Aos vários cargos como o de deputado da dezasseis anos foi mandado para o Recife. Ia completar os Assembleia Popular, Diretor do preparatórios para se habilitar à Museu da Revolução, Diretor Nacio- matrícula na Academia de nal da Cultura e Secretário-Geral da Direito. A liberdade aos 16 anos Associação dos Escritores Moçambi- é coisa perigosa. O poeta achou canos. Desde 1964 era militante da a cidade insípida. Como ocupa- Frelimo e foi preso pela PIDE por fazer parte da organização. A obra Silên- va os seus dias? Disse-o em car- ta a um amigo da Baía: "Minha cio Escancarado (1982) resultou de uma recolha de textos escritos no tempo vida passo-a aqui numa rede olhando o telhado, lendo pouco fumando em que esteve preso. muito. O meu ‗cinismo‘ passa a misantropia. Acho-me bastante afectado Poeta, contista, declamador, Rui Nogar colaborou em publicações de do peito, tenho sofrido muito. Esta apatia mata-me. De vez em quando imprensa, como Itinerário, O Brado Africano, A Voz de Moçambique, Cali- vou à Soledade." Que era a Soledade? Um bairro do Recife, onde o poeta ban e África. A sua obra está incluída em várias antologias nacionais e tinha uma namorada. O resultado dessa vadiagem foi a reprovação no exa- estrangeiras, como Poetas Moçambicanos (1960), Resistência Africana me de geometria. Mas em 64 consegue o adolescente matricular-se no (1975) e No Ritmo dos Tantãs (1991). Curso Jurídico. Se era tido por mau estudante, já começava a ser notado como poeta. Em Rui Nogar morreu em Lisboa, em 1994. Infopédia. 62 escrevera o poema "A Destruição de Jerusalém", em 63 "Pesadelo", "Meu Segredo", já inspirado pela actriz Eugénia Câmara, "Cansaço", "Noite de Amor", "A Canção do Africano" e outros. Tudo isso era, verda- de seja, poesia muito ruim ainda. O menino atirava alto. "A poesia", dizia, XICUEMBO "é um sacerdócio — seu Deus, o belo — seu tributário, o Poeta." O Poeta derramando sempre uma lágrima sobre as dores do mundo. "É que", acres- Eu bebeu suruma centava, "para chorar as dores pequenas, Deus criou a afeição, para chorar dos teus ólho Ana Maria a humanidade — a poesia." eu bebeu suruma Mas, no dia 9 de Novembro de 1864, ao toque da meia-noite, na sotéia em e ficou mesmo maluco que morava, o poeta, que sem dúvida se balançava na rede, fumando mui- to, sentiu doer-lhe o peito, e um pressentimento sinistro passou-lhe na alma. Pela primeira vez ia beber inspiração nas fontes da grande poesia: agora eu quero dormir quer comer essa a importância do poema "Mocidade e Morte" na obra de Castro mas não pode mais dormir Alves. Uma dor individual, dessas para as quais "Deus criou a afeição", não pode mais comer despertou no poeta os acentos supremos, que ele depois saberá estender às dores da humanidade, aos sofrimentos dos negros escravos (O Navio suruma dos teus olhos Ana Maria Negreiro), ao martírio de todo um continente (Vozes d'África). Não era matou sossego no meu coração mais o menino que brincava de poesia, era já o poeta-condor, que iniciava os seus voos nos céus da verdadeira poesia. Naquela mesma noite escreve oh matou sossego no meu coração o poema, tema pessoal, logo alargado na antítese mocidade-morte, a moci- dade borbulhante de génio, sedenta de justiça, de amor e de glória, doloro- eu bebeu suruma oh suruma suruma samente frustrada pela morte sete anos depois. dos teus ólho Ana Maria A versão primitiva do Poema foi conservada em autógrafo, documento com meu todo vontade precioso porque revela duas coisas: o poeta não se contentava com a for- com meu todo coração ma em que lhe saíam os versos no primeiro momento da inspiração; na tarefa de os corrigir e completar procedia com segura intuição e fino gos- to. Cotejada a primeira versão com a que foi publicada pelo poeta em São e agora Ana Maria minhamor Paulo, por volta de 68-69, verifica-se que todas as emendas foram para eu não pode mais viver melhor. Baste um exemplo: o sexto verso da segunda oitava era na primei- eu não pode mais saber ra versão "Adornada" com os prantos do arrebol, substituído na definitiva por "Que" banharam de prantos as alvoradas, verso que forma com o ante- que meu Ana Maria minhamor rior um dístico de raro sortilégio verbal. é mulher de todo gente é mulher de todo gente "vem! formosa mulher — camélia pálida, Que banharam de pranto as alvoradas". (…) todo gente todo gente menos meu minhamor.
  • 13. SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 13 Ensaio Adelto Gonçalves - Brasil Lima Barreto e o refúgio dos infelizes N ão se pode dizer que a reedição de Clara dos Anjos, de Lima Barreto (1881- vam sangue africano ou indígena nas veias. 1922), que narra as desventuras de uma adolescente pobre e mulata, filha de um carteiro, seduzida por um malandro branco, apesar das cautelas familia- III res, seja uma boa oportunidade para se reavaliar o conceito emitido por antigos críti- cos segundo o qual este romance que não estaria à altura da melhor produção de seu Não foi o caso de Afonso Henriques de Lima Barreto, nascido no Rio de Janeiro, autor. Não está mesmo. Se não constitui um romance de todo falhado, a verdade é filho do tipógrafo João Henriques e da professora Amália Augusta, ambos mulatos. que, se comparado com os de Machado de Assis (1839-1908), cujas origens sociais Seu padrinho era o visconde de Ouro Preto, senador do Império. A mãe, escrava são idênticas às de Lima Barreto, este livro deixa a desejar em alguns aspectos, inclu- liberta, morreu precocemente, quando ele tinha seis anos. As marcas desse período sive, em certa pobreza vocabular, ainda que seja fundamental conhecê-lo para se da história brasileira, que inclui a abolição da escravatura em 1888, sempre ocupa- entender a grandeza de toda a obra do autor. ram o centro da obra literária de Lima Barreto, que procurou denunciar o precon- ceito racial e a difícil inserção de negros e mulatos na sociedade brasileira. Publicado postumamente em folhetim entre 1923 e 1924 e em livro em 1948, Clara dos Anjos, provavelmente, ainda passaria várias vezes pela lima horaciana de Lima Lima Barreto sempre preferiu o subúrbio, o ―refúgio dos infelizes‖, território que Barreto, não tivesse o autor uma vida tão breve e interrompida aos 41 anos de idade passara a abrigar ―os que perderam o emprego, as fortunas, os que faliram nos por um colapso cardíaco depois de impiedosamente minada pelo alcoolismo. Fosse negócios‖. Mas, ao contrário do pobre que só entraria triunfalmente no romance como fosse, o certo é que a trajectória de uma mulata jovem moradora nos subúrbios brasileiro na década de 1930 cheio de solidariedade com o próximo – inspirado do Rio de Janeiro do começo do século XX foi uma ideia que perseguiu Lima Barreto pelas ideias socialistas e comunistas –, os pobres de Lima Barreto são ―feios, sujos desde cedo, exactamente desde 1904, quando começou a tentar colocar em pé o esque- e malvados‖, para lembrar aqui um filme de Ettore Scola. leto desse romance. Levou quase vinte anos nessa luta e, quando morreu, ainda estaria Nada solidário, quem é um pouco mais branco já olha o mais escuro com desdém. às voltas com o romance. A família cujo patriarca – geralmente, funcionário público – ganha um pouco mais De fato, a obra traz algumas descrições que, mesmo hoje, quando o Rio de Janeiro já encontra motivos para menosprezar aquela que vive em maiores dificuldades. A está totalmente desfigurado em relação ao que era há um século, graças às picaretas de família de Cassi, por exemplo, fazia questão de se mostrar superior às demais no uma falsa modernidade que não respeita nada e só leva em conta os lucros das cons- subúrbio porque teria tido um ascendente importante. Isso era comum no Brasil: trutoras e incorporadoras que seguem sempre montadas à ignorância cavalar dos não havia família de descendentes de portugueses que, ao enriquecer, não tratasse governantes, seriam perfeitamente dispensáveis, pois tiram um pouco o ritmo da tra- de recorrer à arte da heráldica. Mais tarde, quando um dos rebentos ia a Portugal ma. Uma trama cujo desfecho está anunciado desde as primeiras páginas: a de que a em busca de terras e brasões, geralmente, descobria que pais, avós ou bisavós nun- jovem mulata haveria de sucumbir à lábia do malandro carioca suburbano, de nome ca passaram de aldeões que se haviam atirado ao mar para escapar da pobreza. Cassi Jones, entregando-se a ele para, logo em seguida, ser rejeitada. E condenada a Diz Sérgio Buarque de Holanda que Lima Barreto nunca conseguiu reunir forças criar um filho sem pai. para vencer, ―ou sutilezas para esconder, à maneira de Machado, o estigma que o Já o sedutor Cassi é pintado com tintas pouco carregadas. Contra ele, vê-se apenas que humilhava‖. Pelo contrário. Em seus contos, romances e artigos de jornal ou revis- é um incorrigível galanteador de donzelas pobres, mas, ao contrário de outras persona- ta, há vários exemplos de críticas ao comportamento larvar de alguns mestiços gens, não é dado ao vício da bebida. De pele sardenta e cabelos claros, pouco afeito ao diante de brancos. trabalho, Cassi serviria hoje mais para compor um personagem comum na cena políti- Diante disso, não foi à toa que Lima Barreto também encontrou obstáculos quando ca brasileira: o malandrão de poucos estudos que, graças à lábia, sabe como convencer tentou ascender na república literária, ainda que a casa principal que abrigava a amigos, conhecidos e até multidões para, assim, galgar espaço na vida sem muito intelectualidade da época tivesse sido fundada exactamente por Machado de Assis. esforço. São tipos comuns hoje no sindicalismo e nos partidos políticos. Intelectual versado em Humanidades, que por pouco não se formara engenheiro – a II loucura que acometeria o seu pai o obrigaria a ganhar o sustento para a família –, Lima Barreto procurou por mais de uma vez alcançar o reconhecimento de seu Apesar de tudo o que se escreveu aqui, é claro que Clara dos Anjos constitui um texto talento por aquela sociedade ainda escravocrata no pensamento, ao candidatar-se -chave para se entender a obra do criador de Triste fim de Policarpo Quarema, autor sem êxito a uma vaga na Academia Brasileira de Letras. de cabeceira e inspirador de outro escritor que procurou retratar a vida dos proletários e marginais que habitam as periferias das grandes cidades brasileiras, João António Ainda no prefácio de 1956, Sérgio Buarque de Holanda recorda uma observação de (1937-1996). Além disso, esta nova edição pela Companhia das Letras traz notas Astrojildo Pereira (1890-1965) segundo a qual Lima Barreto pertenceria à categoria explicativas a cargo de Lilia Moritz Schwarcz e Pedro Galdino, que se tornam funda- dos ―romancistas que mais se confessam‖, isto é, daqueles que menos se escondem mentais para a compreensão de alguns trechos e para a localização de determinados e menos se dissimulam. É o que se constata também nos registos de seu Diário ínti- logradouros que no Rio de Janeiro desfigurado de hoje já não existem. mo, iniciado em 1900, que reúne impressões sobre a vida urbana do Rio de Janeiro. Sem contar que os editores tiveram o bom senso de reproduzir a introdução escrita por IV Lúcia Miguel Pereira (1901-1959), publicada originalmente na edição de Clara dos Lima Barreto começou sua colaboração mais regular na imprensa em 1905, quando Anjos de 1948 pela editora Mérito, e o prefácio de Sérgio Buarque de Holanda (1902- escreveu reportagens publicadas no Correio da Manhã, sobre a demolição do Mor- 1982), que saiu na edição de 1956 preparada pela editora Brasiliense. E ainda enco- ro do Castelo, no centro do Rio, consideradas um dos marcos inaugurais do jorna- mendar uma apresentação à crítica literária Beatriz Resende, professora titular da Uni- lismo literário brasileiro. Dele são ainda os romances Recordações do escrivão versidade Federal do Rio de Janeiro e especialista na obra de Lima Barreto, que não só Isaías Caminha e Vida e morte de M. J. Gonzaga de Sá. elucida muitas passagens do romance e aspectos da escrita do autor como traça um panorama do que foi a rejeição sofrida pelo romancista/jornalista a uma época em que O primeiro saiu em folhetim na revista Floreal, em 1907, e em livro em 1909 e o o Brasil vivia um regime de apartheid disfarçado. segundo seria publicado apenas em 1919. No primeiro romance, o jornal Correio da Manhã e seu director de redacção são retratados de maneira impiedosa, ao que Apartheid, aliás, que pôde ser superado por alguns poucos afrodescendentes que não parece como uma espécie de vingança por seu autor ter sido maltratado. Provavel- só tiveram engenho para adquirir fortuna e prestígio social como por aqueles que sou- mente, Lima Barreto teria recebido como pagamento um salário tão miserável que beram ascender socialmente por meio da aquisição de cultura e conhecimento. Entre não daria sequer para pagar uma dose diária de parati. Teve, então, seu nome pros- esses, podemos citar não só Machado de Assis, que procurou seguir caminho inverso crito na grande imprensa carioca. de Lima Barreto, saindo do morro do Livramento para viver em bairros de classe média e abastada, depois de conquistada uma boa posição na burocracia estatal, como O escritor publicou ainda crónicas, contos e peças satíricas em veículos como o ainda por pelo menos dois presidentes da República, Campos Sales (1841-1913) e Diabo, Revista da Época, Fon-Fon, Careta, Brás Cubas, O Malho e Correio da Nilo Peçanha (1867-1924), ambos com visíveis traços fenótipos de descendência afri- Noite. Colaborou também com o ABC, periódico de orientação marxista e revolu- cana. Todos, obviamente, graças à riqueza familiar e ao prestígio social, tornaram-se cionária. Em 1911, escreveu e publicou Triste fim de Policarpo Quaresma em ―homens invisíveis‖, para se citar aqui Invisible Man (1952), romance do norte- folhetim do Jornal do Commercio. Levando-se em conta a precariedade dos jornais americano Ralph Ellison (1914-1994). e revistas da época, é de imaginar que escrevesse apenas pelo prazer da polémica ou pelo fascínio da letra impressa. Afinal, se nos dias de hoje a grande imprensa É de lembrar que, no Brasil, o dinheiro sempre teve o poder de ―embranquecer‖ pes- costuma não pagar nada aos seus articulistas-colaboradores, só um tolo poderia soas que, quando bem-postas na vida, sempre tratavam de ―esquecer‖ as origens. Ain- imaginar que há cem anos teria sido diferente. da na década de 1980 – não faz tanto tempo assim... –, alguns senadores e deputados fugiam de qualquer reportagem que pretendesse fazer alguma referência a suas ori- Publicou ainda Numa e ninfa (1915) e Histórias e sonhos (1920). Postumamente gens raciais. Bem situados no poder, o que menos queriam lembrar era que carrega- saíram Os bruzundangas e as crônicas de Bagatelas e mafuás.
  • 14. SEXTA-FEIRA, 16 DE MARÇO DE 2012 | LITERATAS | LITERATAS.BLOGS.SAPO.MZ | 14 Concursos GRANDE CONCURSO CIDADE DO RIO DE JANEIRO (O texto vai sem acento gráfico para que possa ser lido em qualquer progra- TORA. Grande Concurso Cidade do Rio de Janeiro Rua Joaquim Silva, 56 ma) A TABA CULTURAL EDITORA, dentro das comemorações de aniver- Gr. 701 Centro CEP: 20241-110 Rio de Janeiro-RJ O envelope também sário de seus 20 anos, institui o GRANDE CONCURSO NACIONAL DE POE- pode ser entregue directamente no endereço acima. SIA E PROSA CIDADE DO RIO DE JANEIRO-2012. PRAZO DE INSCRICAO: De 1 de marco a 20 de Abril de PARTICIPANTES: Autores amadores ou profissionais, nacionais e estran- 2012.RESULTADO: Ate 10 de Maio de 2012. geiros residentes no pai-s, que escrevam em língua portuguesa. PREMIACAO: (Independentemente da categoria) INSCRIÇÕES: As inscrições são gratuitas e podem ser enviados, em uma ou nas duas categorias, o máximo de 6 (seis) trabalhos por autor. CATEGORIAS: Poesia (metrificada ou verso livre). Prosa (conto, crónica e PRIMEIRO LUGAR: prosa poética). a) Publicação gratuita do trabalho em livro. TEMA E APRESENTAÇÃO: O tema é livre. Os trabalhos podem ser b) 20 exemplares da obra com o trabalho publicado. enviados por e-mail ou pelos correios. c) R$ 300,00 em livros, ou serviços da TABA CULTURAL. a) Por e-mail: Os trabalhos (sem limite de paginas, onde deverão constar os SEGUNDO LUGAR: títulos e o pseudónimo do autor) e as informações sobre o autor (endereço a) Publicação gratuita do trabalho em livro. completo, telefone e uma pequena biografia) devem vir, preferencialmente, b) 15 exemplares da obra com o trabalho publicado. no próprio corpo da mensagem, ou num único documento em anexo. Ao che- c) R$ 200,00 em livros, ou serviços da TABA CULTURAL. gar serão separados os trabalhos das informações do autor. TERCEIRO LUGAR: b) Pelos correios: Os trabalhos devem ser digitados, ou dactilografados a) Publicação gratuita do trabalho em livro. somente em um dos lados da folha, sem limite de páginas, onde deverão b) 10 exemplares da obra com o trabalho publicado. constar o ti-tulo do trabalho e o pseudónimo do autor. Duas vias apenas de c) R$ 100,00 em livros, ou serviços da TABA CULTURAL. cada trabalho. Numa folha anexa deve vir o pseudónimo do autor, os títulos dos trabalhos apresentados, endereço completo, telefone, uma pequena bio- grafia e e-mail (se tiver). Cada autor deve fazer uma única inscrição para PRÉMIO DE EDICAO E PARTICIPACAO ESPECIAL: Os autores todos os trabalhos que apresentar. Os TRABALHOS ENVIADOS NAO seleccionados para este prémio conquistam o direito de participar do livro SERAO DEVOLVIDOS. OS NAO CLASSIFICADOS SERAO DEVIDA- (único ou duplo), em regime de parceria. Os casos omissos serão resolvi- MENTE DESTRUIDOS. dos pela Editora. ENDEREÇOS PARA ENVIO DOS TRABALHOS: Pelo e-mail: concurso@tabacultural.com.br Com o assunto: Grande Concur- so Cidade do Rio de Janeiro-2012 Pelos correios: TABA CULTURAL EDI-