4. A cada 15 segundos uma mulher é espancada
no Brasil (Instituto Patrícia Galvão);
10% das brasileiras (área urbana) e
14% (área rural) já foram forçadas a manter
relações sexuais ou a realizar práticas
sexuais degradantes ou humilhantes, por
medo do que o parceiro pudesse cometer
(Organização Mundial da Saúde);
5. De cada 5 mulheres do mundo, uma será
vítima ou sofrerá uma tentativa de estupro
até o fim de sua vida (Anistia Internacional).
A incidência de estupros no Brasil é alta,
chegando a 15 mil registros por ano,
(Delegacias Especializadas no Atendimento à
Mulher, 2005)
Somente em 1990 que o estupro passou a ser
considerado crime hediondo no Brasil.
6. Têm raízes bastante antigas:
Adão e Eva, óleo sobre tela, Lucas Cranach, 1531, Berlim
7. No mito da criação, o homem foi criado por
Deus à sua imagem e semelhança e a
mulher surgiu a partir de uma costela
recurva desse primeiro homem, para lhe ser
auxiliar;
Conforme a Bíblia, a mulher conduziu o
homem ao pecado original, à expulsão do
paraíso e aos sofrimentos eternos;
A mulher é a culpada por comer o fruto
proibido e o oferecer ao homem, que
também o come, infringindo uma ordem
dada por Deus.
8. Segundo Muraro (2000), depois do Gênesis:
“A mulher será definida por sua
sexualidade, e o homem, pelo seu
trabalho.”
A mulher é vista como tentadora ao homem,
aquela que perturba sua relação com a
transcendência e que conflitua as relações
entre os homens.
A mulher é ligada à natureza, à carne, ao
sexo e ao prazer, domínios que tem de ser
rigorosamente normatizados.
9. Na Idade Média esses argumentos foram
usados pelos inquisidores para “satanizar” a
sexualidade e a mulher – ferramenta do
demônio para afastar o homem de Deus;
A Igreja relacionou a transgressão sexual à
transgressão da fé e puniu a mulher por isso;
O Martelo das Feiticeiras (Malleus
Maleficarum), publicado em 1484, frades
alemães Heinrich Kramer e James Sprenger,
era o manual dos inquisidores.
10. As “bruxas” tinham poderes: copulavam com o
demônio, eram culpadas pela infertilidade,
pela impotência masculina, praticavam
abortos e cortavam o pênis dos homens para
criá-los em ninhos, alimentando-os com
alpiste;
A obra é considerada a expressão máxima da
misoginia na cultura ocidental por construir
um discurso em que a mulher é a culpada por
todos os males da humanidade e estaria em
posição inferior ao homem.
11. A Santa Inquisição durou 4 séc. (XIV ao XVIII);
Levou à tortura e à morte milhares de
mulheres por bruxaria.
Dois séculos após o fim da Inquisição: a
mulher ocidental se vê liberta, menos
controle sobre a sexualidade, participação na
esfera pública - oposto à antiga forma de
opressão e de confinamento no lar;
No entanto, nota-se a banalização do corpo
feminino e sua exploração nas mídias, na
publicidade para a venda de produtos e na
pornografia, mercados altamente rentáveis.
12.
13. Seção diária que ocupava a metade da oitava
página do jornal Primeira Hora, dentro da
editoria de Polícia;
Apresentava a fotografia de uma mulher nua
ou seminua sempre associada a uma frase;
Mulheres jovens, atraentes e sensuais;
Exibem o próprio corpo;
Semelhantes às mulheres de revistas
masculinas, como a Playboy;
Vestem lingeries, trajes de banho ou
fantasias eróticas.
14.
15.
16. Circulação: diária, Campo Grande e interior;
Período: 1999 a 2006 (07 anos);
Jornalismo Policial e sensacionalista;
Notícias de acidentes, homicídios, suicídios,
situações bizarras e inusitadas;
As capas destacavam sempre fotografias de
pessoas mortas;
Manchetes com tom jocoso destacando o
motivo ou a forma que ocorreu a morte.
18. Características similares ao Primeira Hora;
Circulação: diária, São Paulo;
Período: 1963 a 2001 (38 anos);
Jornalismo Policial e sensacionalista;
Noticiava situações bizarras, inusitadas,
crimes e mortes violentas;
Conhecido com “espreme que sai sangue”;
Manchetes com tom jocoso e fantasioso.
21. Observação da incidência de textos
jornalísticos sobre violência sexual contra a
mulher na mesma página da Garota da
Hora;
A constatação despertou o interesse em
identificar as possíveis mensagens
transmitidas aos leitores do jornal a partir
dessa relação.
22.
23.
24. Desenvolver uma análise sobre a posição que
a figura feminina ocupa na oitava página do
Primeira Hora a partir da relação entre a
fotografia da Garota da Hora e as notícias
de violência sexual contra a mulher.
25. A relação na composição da página entre:
textos imagéticos (Garota da Hora) e
textos linguísticos (notícias policiais)
denota uma mulher entendida como objeto
sexual e, por isso, geradora de conflitos
sociais, além de ser colocada como culpada
por ter provocado a violência, ao invés da
posição de vítima.
26.
27. Selecionadas13 edições do Primeira Hora
que apresentavam a relação Garota da Hora
e matérias sobre violência sexual contra a
mulher na oitava página:
2005 – doze edições (uma de cada mês)
2006 – uma edição (que evidencia a relação)
28. A página oito das 265 edições de 2005:
100% - Garota da Hora;
64,15% - pelo menos uma matéria sobre
violência contra a mulher;
Dessas, 20% - violência sexual (estupro,
tentativa de estupro, atentado violento ao
pudor e abuso sexual de meninas)
35,85% - homens eram agentes e vítimas de
violência.
37. Base teórica e metodológica: a semiótica
desenvolvida por Charles Sanders Peirce (1839-
1914), matemático, cientista, lógico e filósofo
norte-americano;
A metodologia de análise baseou-se nos três
pontos de vista fundamentais e
complementares propostos por Peirce, que
explicitam o potencial comunicativo do signo:
1) O fundamento do signo – o ponto de vista
qualitativo-icônico; 2) O poder sugestivo,
indicativo e representativo do signo – o ponto
de vista singular-indicativo; e 3) O nível
interpretativo do signo – o ponto de vista
convencional-simbólico.
38. Identificare descrever
os elementos que
compõem cada uma das
mensagens, e sua
natureza sígnica,
destacando a fotografia
e a frase relacionada da
seção Garota da Hora,
bem como as
manchetes das notícias
de violência contra a
mulher;
39. Analisar os prováveis
significados,
conceitos, ideias e
valores transmitidos
aos leitores do jornal
por meio da
associação entre a
seção Garota da Hora
e as manchetes sobre
violência sexual na
composição da
página;
40. Avaliarse a suposta
associação se
justifica no modo
como a fotografia e
os textos
jornalísticos estão
organizados na
página.
41.
42. NOTÍCIAS: narram que as vítimas estavam
sozinhas na rua durante a noite:
(...) o estupro aconteceu por volta
das duas da madrugada, quando
a vítima retornava de uma festa. O
tarado a atacou no caminho e a
estuprou (...) (PH, 29/01/2005)
GAROTA DA HORA: mulher sozinha que deixa
o corpo à mostra e se exibe de forma
sedutora e provocativa;
43. A relação sugere que a mulher facilita para
que o homem cometa a violência sexual;
Remete à expressões da linguagem cotidiana:
“Sozinha a essa hora da noite,
foi ela quem procurou”
“Vestindo-se assim, estava
pedindo para que acontecesse”
44. Indica que a mulher também é a culpada
pelo crime cometido pelo homem, já que o
incitou e favoreceu o estupro;
De vítima, a mulher passa a ser vista como
sedutora e perigosa, levando o homem a
transgredir as leis;
O homem, que antes era visto como agente
de violência, tem essa imagem atenuada e
passa a ser co-responsável de uma situação
em que a mulher o colocou.
45. O homem que comete violência sexual contra
uma mulher, e é descoberto, pode ser
julgado e condenado à prisão;
BÍBLIA: a mulher é um ser falho, secundário,
que seduz o homem pelas vias do sexo e o
induz a cometer o “pecado”, sendo o mesmo
descoberto, julgado e condenado;
MARTELO DAS FEITICEIRAS: recupera esses
valores e agrega a “satanização” do
feminino e a culpa da mulher por diversos
males da humanidade.
46. Obras de cunho histórico e religioso, mas
era a Igreja quem ditava as leis e definia os
princípios éticos e morais;
As ideias disseminadas por essas obras ainda
repercutem na sociedade;
Hoje temos outras esferas de poder que
transmitem valores e conceitos, como os
meios de comunicação de massa, que
influenciam, reforçam preconceitos e
estereótipos, formam pensamentos e
opiniões e julgam a conduta e os costumes
humanos.
47. NOTÍCIAS: nenhuma mulher teve seu nome
ou fotografia revelados, por preservação da
imagem da vítima;
GAROTA DA HORA: aparece com nome e
sobrenome (fictícios) e com a fotografia
ocupando a metade da página;
Fatores complementares podem gerar a
ideia de serem a mesma mulher, como uma
fotografia que ilustra a matéria;
Essa mensagem é transmitida ao leitor de
maneira implícita ou mesmo subliminar, sem
que o mesmo perceba essa influência.
48. NOTÍCIAS: as notícias de violência sexual
aconteceram realmente, pois o Jornalismo
trabalha com fatos reais;
GAROTA DA HORA: é uma mulher real, que
existe ou existiu naquele tempo e espaço em
que foi fotografada.
As duas são reais, com características
semelhantes e complementares;
A mensagem final passa a ser única,
relacionando-as na composição da página.
49. Perpassa as duas seções da página:
NOTÍCIAS: o sexo é associado à violência, ao
crime, a impulsividade e aos instintos;
GAROTA DA HORA: o sexo é relacionado à
sedução, ao prazer, ao erotismo, à fantasia
sexual e à luxúria;
A página carrega em si as ideias e os valores
do prazer sensual, do crime motivado pelos
instintos humanos, da impunidade, da
mulher com função exclusivamente sexual
para proporcionar prazer ao homem.
50. Essa mensagem tende a ser mais claramente
definida na mente do leitor que carrega os
valores culturais do machismo, os quais são
predominantes na sociedade;
O homem não pode resistir a uma mulher
quando ela é atraente e se oferece para ter
com ele momentos de prazer e
sensualidade. Quando se nega, ou não
cumpre essa exigência com virilidade, o
mesmo corre o risco de ser interpretado
como homossexual, tendo sua
masculinidade colocada em dúvida.
51.
52. A sensualidade do corpo da mulher passa a
ser um dos motivos da culpa pela violência
sofrida e a causa de ser representada com a
função primeira de proporcionar prazer ao
homem.
A imagem da mulher é a de um ser
persuasivo, desejado, perigoso, sensual e
provocador, que tem a capacidade de fazer
o homem perder a lucidez e o equilíbrio e
que usa todo o seu poder de sedução para
enfeitiçar os homens, conduzindo-os à
transgressão social;
53. O homem que cai em tentação passa de
algoz à vítima da mulher, já que após
deixar-se seduzir, corre o risco de ser
descoberto, julgado e condenado à prisão
pelo ato facilitado por ela.
Por todos esses fatores, essa mulher “bruxa”
pode ser comercializada, abusada e
explorada, ainda que seja contra a própria
vontade.
54. A “Eva” de Zorra Total na
revista Playboy (janeiro, 2006)
55. BARTHES, R. A câmara clara. Rio de Janeiro:
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Janeiro: Rosa dos Ventos, 1992.
57. MURARO, R. Textos da Fogueira. Brasília:
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_____________. A teoria geral dos signos:
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1995.
Entrevista com Sérgio Cruz, ex-proprietário
do jornal Primeira Hora.