Este artigo discute a ideologia e a suposta morte do marxismo. Argumenta-se que Marx tem sido mantido no "velório" pela força da ideologia dominante da classe capitalista, que distorce seu pensamento há mais de 160 anos. A ideologia é um instrumento da classe dominante para garantir a apropriação do excedente e esconder seus interesses particulares. A tese da morte do marxismo faz parte da atual decadência ideológica da burguesia e não reflete a realidade. O pensamento de Marx permanece relevante para entender a
Um ano de posse: Obama frente al desgaste de su gobierno
O problema da ideologia na suposta morter do marxismo
1. ARTIGO
O problema da ideologia
na suposta morte
do marxismo
Maria Teresa Buonomo de Pinho produzir excedente. Esta capacidade, - que constitui o
valor de uso específico da força de trabalho humana -
Nosso objetivo é examinar o problema da ideologia , leva ao desenvolvimento da apropriação/expropriação
na tão falada crise atual do marxismo e na sua divulgada desse produto e, portanto, constitui o fundamento material
morte. A nosso ver, Marx tem sido mantido no velório de todas as formas de sociedade de classes.
à força, pela força dar armas materiais e espirituais da No limiar da história humana, não havia ainda
classe dominante, isto é, pelo poder material da classe se explicitado a categoria produto excedente. Por
dominante e pela força da sua ideologia, que vem conseguinte, não havia ainda classes sociais. Nessa fase, a
distorcendo e ocultando o pensamento de Marx há mais metamorfose da natureza se resumia à tomada de objetos
de 160 anos. Marx, mesmo vivo, tem sido mandado ao naturais enquanto valores de uso. Quando se explicita
crematório. Esperamos seu renascimento das cinzas. historicamente a categoria produto excedente, surgem
as sociedades de classes. Uma tribo é subjugada por
. O problema da ideologia na vida social e na outra. A vencedora toma a vencida como parte das suas
sociedade do capital condições objetivas de produção. Nasce assim a alienação
Para devassar este problema, cabe remontar a e o estranhamento entre o produtor direto e o produto
concepção marxiana de ser social. Este é, antes de tudo, do seu trabalho, mas apenas em estágio embrionário,
ser natural e objetivo, isto é, tem objetos naturais fora porque o produtor direto sendo então considerado uma
de si. É também ser vivo, ou seja, tem potencialidades e parte das condições de produção permanece com acesso
necessidades naturais. Demais, é ser natural humano, isto garantido aos seus meios de subsistência. Então já se
é, trabalha sob forma especificamente humana, atividade explicitam objetividades mistas, pertencentes à natureza
através da qual enforma nos objetos naturais projetos e à sociedade, tais como os animais domésticos. Ao
conscientes. Desta enformação resulta a transformação da mesmo tempo, ao lado dessas objetividades mistas, já se
natureza externa e, por conseguinte, da própria natureza inicia, - através do desenvolvimento da troca mercantil
humana. Natureza esta que é sempre social, isto é, que se -, a explicitação de determinações puramente sociais,
desenvolve através da ação conjugada de seres humanos tais como o valor de troca e o dinheiro, que pressupõem
e que se desenvolve ao nível da consciência. objetividades da natureza transformadas pelo homem,
À medida que o homem trabalha e vê seus produtos, isto é, valores de uso. Assim, podemos afirmar que o
vai se afastando da natureza, porém sem jamais romper devir mercadoria do produto do trabalho representa
com ela. Criam-se novas necessidades e potencialidades maior socialização do homem. Este devir é processo
humanas. À medida que o homem se afasta infinitamente que só se completa no capitalismo que emerge no século
dos seus limites naturais, a vida social vai se explicitando XVIII. Isto significa que o modo de produção capitalista
em termos mundiais, de início, apenas objetivamente constitui um afastamento maior do homem em relação à
(mercado mundial ou regulação inconsciente da produção natureza.
social pelo dinheiro). Coloca-se a possibilidade histórica A partir do aparecimento do produto excedente
da sua explicitação subjetiva, ou seja, da sociedade também surge a vida política e o Estado, força destacada
comunista mundial, quer dizer, da regulação consciente da sociedade e armada através da qual a classe dominante
da produção social de acordo com as necessidades garante a apropriação do excedente. Sociedade de
humanas. classes e vida política são irmãos siameses. Portanto,
O fundamento do recuo humano das barreiras não se pode superar a sociedade de classes através de
naturais reside na capacidade do trabalho humano mudanças meramente políticas, como, por exemplo,
através da democratização do poder político. A cidade e o
1 Professora Assistente do Departamento de Economia da Estado se explicitam, - em direção à sua forma acabada,
UFS. forma própria da sociedade burguesa -, à medida que se
2. Contra a Corrente
desenvolve o vir a ser mercadoria do produto do trabalho e Estado definham. A perspectiva do trabalho de Marx é
e, portanto, a lei do valor. a teoria deste duplo ato revolucionário. Esta perspectiva
A lei do valor, - que regula o intercâmbio de é imortal: existirá enquanto existir o homem.
mercadorias pelo tempo de trabalho socialmente necessário A afirmação de que o marxismo está morto, - e de
nelas contido -, é a lei mais geral de todas no interior do que chegamos ao fim da história no capitalismo -, baseia-
ser social. De início, - quando ainda não se desenvolveu se num desconhecimento brutal da obra de Marx, que, por
o intercâmbio de mercadorias e o homem realiza apenas sua vez, se baseia na ideologia dominante. Cabe explicar
trabalho útil, ou quando apenas de modo marginal a as razões deste desconhecimento e deste domínio.
produção é destinada à troca, tal como na Antigüidade A ideologia é um campo da superestrutura ideal
e na Idade Média -, a lei do valor já atua de modo - uma parcela dos produtos espirituais dos homens que
implícito. Através de várias etapas e processos históricos, se distingue por assumir a função social de instrumento
a humanidade chega ao modo de produção capitalista. de conscientização e de operacionalização dos conflitos
Nesse, que emerge a partir de meados do século XVIII, sociais, cuja base última reside no fundamento material
o valor e o valor excedente, - a categoria mais valia de da sociedade. Tais produtos espirituais podem ser
Marx e suas formas fenomênicas (lucro industrial, ganho falsos ou verdadeiros, revolucionários ou reacionários.
mercantil, renda da terra e juro) -, se explicitam, quer Tais produtos espirituais tornam-se ideologia quando
dizer, superam a sua existência embrionária e tornam-se assumem a função social de instrumento ideal da práxis
reguladores autônomos da produção social e, portanto, a social. Isto significa que o ser humano antecipa na mente
base de todo o sistema que vem se desenvolvendo desde os resultados que imprime, através da sua atividade, na
então. A produção capitalista de mercadorias se torna a realidade humano-social. Toda atividade humana, quando
forma universal e necessária de toda produção de valores não tem um caráter biológico totalmente necessário, são
de uso. O valor de uso é subordinado ao valor de troca. atividades teleológicas, tal como o trabalho. Para que este
Através da categoria trabalho, que torna o ser social se realize e evolua, torna-se necessário o aparecimento e
um ser qualitativamente diverso do ser da natureza, o desenvolvimento ulterior de atividades de caráter extra-
e através das categorias valor e valor excedente, que laborativo. Estas atividades extra-laborativas, tal como
expressam a socialização crescente do ser social e o o próprio trabalho, são precedidas por uma antecipação
desenvolvimento das suas faculdades e necessidades, mental e também por uma decisão subjetiva entre
Marx coloca as bases de uma teoria do desenvolvimento alternativas postas pela realidade objetiva. As posições
do ser humano. A emergência do mercado mundial teleológicas extra-laborativas têm como momento
que resulta desse desenvolvimento ontológico cria a ideal as formas ideológicas da vida social, que visam a
possibilidade da superação da mudez do gênero humano. organização da práxis social global.
A própria existência do mercado mundial já significa que Nas sociedades de classes, a luta de classes é a
o processo de produção e reprodução da vida humana já principal forma de conflito social. Portanto, nestas
se desenvolve ao nível da espécie humana. A existência sociedades, as contradições e conflitos entre classes
do intercâmbio mundial, e do desenvolvimento das forças antagônicas constituem o fundamento das formas
produtivas do trabalho social que o acompanha, coloca ideológicas. Estes conflitos entre grupos são dirimidos
a possibilidade histórica da emergência da sociedade quando um grupo persuade a si e aos outros de que
para além do capital e da política, ou seja, da sociedade representa o interesse universal da sociedade. Isto
comunista, da regulação consciente da produção social significa que o grupo dominante, numa determinada
de acordo com as necessidades autênticas do gênero sociedade, assegura sua dominação na vida material
humano. Cabe ressaltar que o desenvolvimento das forças através da ideologia, mais precisamente, das diferentes
produtivas promovido pelo capital significa tão somente formas de ideologia que empregam na luta de classes,
a criação da possibilidade histórica, e não da necessidade através das quais dissimulam que perseguem apenas seus
histórica, da emancipação humana real. Isto porque não interesses particulares e não os interesses universais da
existe teleologia na história. sociedade.
A emancipação humana deve se processar através A ideologia da classe dominante garante a
de um duplo ato. Primeiro, um ato político através do apropriação/expropriação do produto excedente porque
qual se destrua a sociedade regida pelo capital e seu constitui a ideologia dominante da sociedade determinada
Estado político. Um segundo ato de natureza social, onde da qual nasce, vale dizer, as justificações da exploração
se supere o capital, ou seja, onde se supere a divisão do homem pelo homem, tal como se desenvolvem numa
do trabalho que torna o homem meio de produção da determinada sociedade, são as idéias dominantes nessa
riqueza. Assim pode se abrir o caminho para a verdadeira mesma sociedade, ainda que não constituam idéias
humanização do homem, do gênero e do indivíduo, tanto absolutas, sendo seu domínio apenas relativo. A classe
no que se refere às suas capacidades quanto no que se refere dominante possui não apenas os meios de produção
às suas necessidades. Nesta humanização, classes sociais material, mas também os meios de produção intelectual.
3. Ideologia e morte do marxismo
Portanto, domina a produção de idéias. ao domínio da ideologia da classe dominante sobre a
Os pensamentos reinantes na sociedade, - que ideologia da classe dominada -, desde a época de Marx.
constituem a ideologia da classe dominante -, são cada Esta deformação é o problema vital a ser enfrentado,
vez mais universais, à medida que se desenvolve o ser como veremos a seguir.
social, pois é preciso apresentar o interesse particular da
classe dominante como o interesse da sociedade inteira. 2. A tese da morte do marxismo e a decadência
É bastante nítida a aparência de maior universalidade ideológica da burguesia
da ideologia da burguesia, em comparação com as A tese da morte do marxismo é parte da miséria
ideologias das classes dominantes em modos de produção espiritual contemporânea, que se alastra por todo
anteriores. No escravismo clássico, a ideologia dominante planeta e que constitui a expressão intelectual da miséria
dizia simplesmente que os produtores diretos eram material deste mundo, escondida por detrás da aparência
“instrumentos de produção”, sendo sua subordinação de opulência material em alguns recantos do globo e de
mantida principalmente através da violência extra- certas estatísticas usadas pelos economistas.
econômica. No feudalismo, a classe dominante era a Antes de nos determos nesta miséria material e
aristocracia, e as idéias dominantes eram os conceitos de espiritual contemporânea, cabe fazer jus às realizações
honra, de fidelidade, etc. Em comparação com o mundo econômicas e intelectuais da burguesia, que o domínio
antigo, o domínio através desses conceitos é muito mais desta classe proporcionou durante a sua fase revolucionária,
sutil, já que os servos da gleba se sentiam protegidos isto é, entre o fim do século XVIII e os anos 1840. O
pelas classes dominantes. Na sociedade burguesa, reinam capitalismo e seu mecanismo de mercado, que funciona
os conceitos de liberdade, igualdade, etc. Estes afirmam através da concorrência entre os capitais individuais
que todos os homens são iguais e livres, não havendo que buscam lucros extraordinários, criou mais forças
subordinados e subordinadores, pois não existem mais produtivas do que todas as sociedades passadas. Estas
relações de subordinação direta entre os homens e todos forças são condição incontornável para a instauração do
são concebidos de igual modo perante o mercado mundial comunismo, visto que permitem a libertação do homem
e o Estado. do fardo do trabalho extenuante e a satisfação de um
No pré-capitalismo, a exploração é explícita, quer leque ampliado e crescente de necessidades humanas. A
dizer, baseada em desigualdades explícitas entre as burguesia também desempenhou papel revolucionário
classes sociais. Ademais, é mister ainda lembrar que, no plano científico-filosófico e ideológico, bastando
no pré-capitalismo, as classes dominantes se apropriam citar as realizações da economia clássica, do iluminismo
diretamente do produto excedente em forma de valores e do pensamento hegeliano. Todos estes representantes
de uso. Havia também desigualdade jurídica e política. ideológicos da jovem sociedade burguesa a concebem
No modo de produção especificamente capitalista, a enquanto regida por leis naturais. Até a explicitação da
exploração econômica e a subordinação política não são luta entre capital e trabalho, na década de 1840, esta
explícitas. Isto porque, no que se refere à exploração era uma postura revolucionária, pois representa um
econômica, o produto excedente social assume as avanço histórico em relação às concepções e ideologias
formas fenomênicas de lucro, juro, renda da terra, etc., pré-capitalistas, que são concebidas enquanto anti-
que escondem a sua essência, isto é, a mais valia (valor naturais. Enfim, o liberalismo econômico e político
excedente), e esta, por sua vez, esconde a apropriação do nasce enquanto ideologia revolucionária, a ideologia da
produto excedente pela classe capitalista através da forma classe revolucionária que até então era a burguesia que
salário, que oculta a repartição da jornada de trabalho em arrastava consigo a classe trabalhadora contra a nobreza
trabalho necessário e trabalho excedente. Esta origem do e o clero decadentes. No seu período revolucionário, a
sobre-produto tem, portanto, que ser desvendada pela burguesia identificou tanto os avanços proporcionados
teoria do valor-trabalho. Além disso, a forma livre do pelo capitalismo, quanto algumas de suas limitações.
trabalho assalariado também obscurece seu caráter de Estas realizações se deviam ao fato de que a burguesia
trabalho explorado, pois todos os indivíduos da sociedade tinha até então seus olhos abertos para a luta de classes.
são vistos como iguais possuidores de mercadorias. Com a explicitação da luta entre capital e trabalho,
Vigora também a igualdade política e jurídica entre os nos anos 1840, o reconhecimento científico-filosófico
homens, sua igualdade formal, igualdade perante a lei desta luta transforma-se em ideologia do proletariado,
e o Estado, que esconde a diferença de conteúdo entre que tem o pensamento de Marx como principal
possuidores de força de trabalho e possuidores de meios representante.
de produção. Marx parte da crença hegeliana no aperfeiçoamento
O pensamento de Marx e o marxismo autêntico da política em direção ao Estado racional, que é
constituem a ideologia da classe dominada – a prévia- identificado ao Estado moderno. Esta é a concepção do
ideação da superação da sociedade do capital e da Marx pré-marxiano. Este Marx, conforme ele próprio
política. Esta ideologia vem sendo deformada, - devido relata no Prefácio de 1859, se vê em apuros quando tem
4. Contra a Corrente
que dar opiniões sobre a vida material. Decide então que traz várias vantagens ao capital: o barateamento das
criticar a filosofia hegeliana. Submete esta filosofia a matérias-primas, a super-exploração do trabalho, etc.
uma crítica da natureza ontológica em meados de 1843, Marx trata também do capital monetário e da repartição
- comparando a realidade das contradições sociais reais do valor excedente em diferentes categorias: lucro, juro,
que se desenvolvem na vida material com a teoria de etc.
Hegel que afirma que o Estado moderno pode superar Em vários escritos da maturidade, Marx fala, - após
estas contradições -, e chega à concepção de que o Estado a análise da sociedade civil na sua economia -, da questão
é sempre uma forma da dominação de classes e, por da Revolução Comunista. Esta revolução deve passar
conseguinte, é impotente diante das contradições da vida por um duplo ato. Um primeiro ato político através do
real, por maior que seja a sua boa vontade. Compreende qual o proletariado, conquistando o poder, promova a
também, invertendo a filosofia hegeliana, que a sociedade destruição da sociedade civil e do Estado político. Após
civil é o fundamento do Estado. Decide então procurar este ato, deve se efetivar, necessariamente, um segundo
a anatomia da sociedade através do estudo da economia e prolongado ato através do qual deve ocorrer uma
política. transformação radical da forma de sociabilidade, que
Estes estudos se iniciam em 1844. Marx elabora deve implicar a superação das categorias econômicas da
uma teoria da revolução comunista, que deve implicar sociedade civil e o definhamento do Estado.
a superação das classes sociais e da política. Com as Marx jamais deixou de acentuar o caráter
revoluções de 1848/1849, Marx utiliza sua teoria para revolucionário do capital - no que se refere ao
influir nos acontecimentos históricos, o que mostra a desenvolvimento das forças produtivas. Ao mesmo tempo,
questão da relação entre teoria e prática na sua trajetória. Marx compreendeu toda a degradação humana em todos
A teoria deve servir não apenas para interpretar o mundo, os sentidos, tanto no que se refere às capacidades quanto
mas, sobretudo, para transformá-lo. Todavia, cabe às necessidades satisfeitas pelo homem da sociedade
acentuar que para Marx a elaboração teórica verdadeira burguesa. Demais, ele previu uma tendência do capital
é essencial para uma intervenção na realidade da que se tornou concreta a partir do século XX, qual seja: o
perspectiva do trabalho. É por este motivo que, diante caráter destrutivo do capital e a natureza auto-destrutiva
do fracasso da perspectiva do trabalho naquele momento da humanidade que se rege pelo desenvolvimento do
histórico, ele decide se refugiar no gabinete de estudos, capital e da política.
estudando intensamente economia política nos anos Enquanto o marxismo se desenvolve, a burguesia
1850, procurando a anatomia da sociedade civil em varre para debaixo do tapete o problema da luta de
busca de uma teoria correta da revolução da perspectiva classes. Este desaparece de sua teoria. A ideologia
do trabalho. Nos anos 1850, escreve os rascunhos de O burguesa se torna a partir de então reacionária. Esta
Capital. ideologia reacionária, desde então, afeta não apenas
Na obra O Capital, parte da crítica do mercado os representantes declarados do capital, mas também
enquanto regulador da produção social. Depois introduz pseudo-representantes da classe trabalhadora. Já na
a relação entre capital e trabalho e a determina como uma época de Marx e da I Internacional vigora a tendência da
relação de exploração do homem pelo homem, onde o ideologia da classe dominante a deformar o pensamento
capitalista compra continuamente a mercadoria força de de Marx.
trabalho com uma parte do produto do próprio trabalhador. No período que se estende entre o último terço do
Marx trata então da transformação do processo material de século XIX e a Segunda Guerra Mundial, se acentua
produção num processo de valorização do capital, onde o o caráter parasita da burguesia e a decadência da sua
valor de uso se torna completamente subsumido no valor ideologia. No plano da vida material, o período começa
de troca. Tal subsunção conduz a um desenvolvimento com a Grande Depressão de 1873-1894, que conduziu
acelerado da produtividade do trabalho. Este aumento de o capitalismo a uma Segunda Revolução Industrial e à
produtividade leva à formação e à constante reconstituição ascensão do movimento imperialista, quando as potências
de um exército de desempregados, que mantêm baixo os capitalistas dividiram o mundo em zonas de influência
níveis de salário da classe trabalhadora, de acordo com econômica e política, com o fito de desfrutar da super-
as necessidades do capital. Marx afirma que as crises exploração do trabalho nos países dominados.
econômicas são inerentes ao funcionamento da economia No campo do desenvolvimento da ideologia
capitalista. São crises de superprodução de capital, onde da classe dominante cabe referir o desenvolvimento
a quantidade de valor excedente produzido se torna do caráter reacionário do positivismo nas ciências
insuficiente para valorizar todo capital já acumulado pela humanas. Demais, é ainda mais importante explicitar
sociedade, causando queda da taxa de lucro na crise e uma o aprofundamento da deformação do marxismo na II
tendência secular à queda desta taxa, que é refreada por Internacional. Os ideólogos da II Internacional passaram
várias contra-tendências, tais como a atuação do capital a excluir a concepção marxiana da necessidade de uma
no mercado mundial, além das suas fronteiras nacionais, revolução social para o trânsito do capitalismo para
5. Ideologia e morte do marxismo
o comunismo. Bernstein e outros passaram a acreditar destruir grande parte de forças produtivas e de capital,
nas reformas sociais, no aperfeiçoamento do Estado em para desacelerar o desenvolvimento da lei da tendência
direção à democracia. à queda da taxa de lucro, já que diminui o denominador
Todo esse movimento, - na vida material e no campo desta taxa.
da ideologia -, levou a humanidade a uma primeira guerra Ao lado do Estado bélico, a intervenção do Estado
imperialista mundial, a Primeira Grande Guerra, quando na economia capitalista ao longo do Pós-Guerra assumiu
os trabalhadores das nações hegemônicas se subordinaram a forma do chamado Estado do bem-estar social. Este
à ideologia da perspectiva do capital, lutando entre si, ao Estado do bem-estar social, - que através de leis, direitos,
invés de se aliarem contra a burguesia, tal como era o etc, contribuiu, em parte, para o aumento da satisfação
projeto de Rosa Luxemburgo e seus seguidores autênticos. de necessidades pela classe trabalhadora, além de ter
Rosa enfatizou na sua obra teórica e prática que a social- reduzido a jornada de trabalho, concedido descanso
democracia, defendendo as reformas sociais ao invés remunerado, etc. -, consistiu num grande embuste
da revolução contra o capital, nega a luta de classes e ideológico para a classe trabalhadora. Primeiro, porque
defende a ordem regida pelo capital. Isto significa uma permitiu ao capital desviar a atenção dos trabalhadores
deformação completa do movimento dos trabalhadores, para a questão vital de superação do capital. Segundo,
ou seja, o fato de que grande parte deste movimento se nunca devemos esquecer que este Estado existiu,
encontra subsumido sob a ideologia da burguesia. sobretudo, nas potências imperialistas, na Europa e
Além de Rosa Luxemburgo, Lênin é outro grande nos Estados Unidos, cuja riqueza se baseia na super-
representante do marxismo autêntico e da resistência exploração da força humana que trabalha do Terceiro
contra a deformação do marxismo pela ideologia da Mundo. Os direitos concedidos por este Estado eram não
classe dominante na época em questão. Basta citar sua generalizáveis para o mundo subdesenvolvido, pois o
participação no movimento revolucionário internacional capitalismo se caracteriza pelo desenvolvimento desigual
enquanto líder da Revolução Russa de 1917. A tragédia e combinado das diferentes regiões e países do planeta.
desta Revolução, - ou seja, o fato de que ela não tenha Demais, as regalias obtidas pelas classes trabalhadoras
conduzido o mundo da regência da vida pelo capital dos países imperialistas contribuíram para enfraquecer
para o comunismo -, se deveu, em grande parte, ao fato o movimento internacional do trabalho, visto que os
de não ter sido acompanhada por revoluções nos países trabalhadores dos países privilegiados se viram com
capitalistas adiantados. A tragédia da Revolução Russa vínculos de interesse em relação às suas burguesias e em
também se deveu a elementos ideológicos, isto é, ao contraposição à população super-explorada do Terceiro
advento do stalisnimo. Mundo.
O capitalismo, a partir da época da Segunda Grande Além do embuste ideológico representado pelo
Guerra, “inventou” uma nova maneira de escapar da Estado do bem-estar-social, devemos fazer referência
superprodução de capital – através da economia de a outros desenvolvimentos ideológicos do período em
guerra e da produção destrutiva. A Segunda Guerra (e questão. No campo da ideologia da classe dominante,
não o New Deal) tirou a economia americana da Grande podemos citar o desenvolvimento das concepções
Depressão dos anos 1930 e, na seqüência, esta economia que eliminam de seu quadro categorial a problemática
continuou a “prosperar” através da economia de guerra da exploração, contrapondo o capitalismo enquanto
permanente. “sociedade moderna” baseada em cidadania, etc. às
A sociedade do capital caracteriza-se pela subsunção chamadas sociedades tradicionais. Demais, na ciência
do processo de trabalho no processo de valorização do econômica se difundiu a influência keynesiana e a
capital. Esta subsunção, no início do capitalismo, teve identificação desta ideologia, - que, para nós, consiste
uma função revolucionária: desenvolver aceleradamente numa tentativa desesperada de salvar o capitalismo -, com
as forças produtivas. Porém, a partir de determinado preocupações sociais, pois os economistas keynesianos
momento histórico o capitalismo se torna produtor de se vêem e são vistos como pessoas com preocupações
forças destrutivas. Daí a crescente produção de coisas sociais.
inúteis, o desperdício generalizado e, sobretudo, a O período também foi marcado pela continuidade
produção armamentista e a economia de guerra que vem da deformação do marxismo. Basta citar a ascensão e o
sendo o pólo dinâmico da economia norte-americana fortalecimento do stalinismo através da influência da então
e, portanto, da economia mundial desde a Segunda União Soviética e da III Internacional. A teoria staliniana
Guerra. Os gastos com armamentos e com guerras se ergueu como mecanismo de defesa apologética das
contribuem para aumentar a demanda agregada e manter práticas incorretas então existentes no leste europeu e
o nível de atividade econômica, pois consumo humano em outras regiões. Nestes países, ocorreu superação do
genuíno e destruição desumana de forças produtivas são capitalismo, através da revolução meramente política
equivalentes do ponto de vista perverso da realização que eliminou a propriedade privada dos capitalistas e
do capital. Demais, os gastos bélicos contribuem, ao garantiu emprego aos trabalhadores. Porém, esta mudança
6. Contra a Corrente
político-jurídica não foi seguida por uma revolução social
genuína, imprescindível para a superação da sociedade Trotski: Shakespeare, a tragédia grega
do capital. Esta sociedade continuou a existir nestes e a literatura moderna
países numa nova modalidade não prevista por Marx. As
“Nas tragédias de Shakespeare, que não podiam
sociedades do leste europeu permaneceram regidas pelo
ser concebidas sem a Reforma, as paixões
capital, pois, nelas, o processo de produção continuou humanas individuais, tais como amor, inveja,
dominando o homem e este continuou a satisfazer um sede de vingança, avidez e conflito de
leque restrito de necessidades humanas. Houve superação consciência, expulsam a fatalidade dos antigos e
do capitalismo, sem superação do capital, o que levou a as paixões da Idade Média. A paixão individual,
sua exaustão a partir de determinado período. em um dos dramas de Shakespeare, chega
No que se refere ao capitalismo, a resposta à crise dos a tal ponto de tensão que supera o homem,
anos 1930 (através do Estado bélico) acaba se convertendo ergue-se sobre ele e se converte numa espécie
numa crise mais profunda a partir de meados da década de fatalidade: a inveja de Otelo, a ambição
de 1970. Isto devido ao caráter parasitário inerente ao de Macbeth, a avareza de Shylock, o amor de
Romeu e Julieta, a arrogância de Coriolano, a
funcionamento da economia armamentista. Primeiro,
perplexidade intelectual de Hamlet. A tragédia de
devemos salientar que a produção de armas e a guerra Shakespeare é individualista, e nesse sentido não
são parasitárias da economia não militar. Demais, os tem a significação geral de Édipo Rei, que traduz
gastos em armas estão associados a déficits orçamentários a consciência de todo um povo. Comparado a
astronômicos na economia norte-americana, o que leva a Ésquio, Shakespeare representa enorme
uma hipertrofia do capital especulativo, que é também passo adiante, e não um passo atrás.
parasitário do capital produtivo. A arte de Shakespeare é mais humana.
A ideologia neoliberal, que vem dominando a Não mais aceitaremos, em todo caso, uma
vida nas últimas décadas, tem sido a resposta do capital tragédia na qual Deus ordena e o homem
para aumentar a exploração do trabalho. As concessões obedece. Nem haverá mais quem a escreva.
A sociedade burguesa, ao atomizar as relações
feitas aos trabalhadores durante o Pós-Guerra têm sido
humanas, propusera-se um grande objetivo
retomadas com a finalidade de aumentar a exploração durante seu desenvolvimento: a libertação da
e garantir o parasitismo da indústria bélica e do capital personalidade. Dele nasceram os dramas de
financeiro. Essa retomada tem sido facilitada pela derrota Shakespeare e o Fausto de Goethe. O homem
da perspectiva do trabalho no mundo contemporâneo. O considerava-se o centro do Universo e, por
pseudo-socialismo entra em crise e se esfacela – o capital conseguinte, da arte. Esse tema satisfez durante
aí existente enquanto relação de produção fundamental séculos. Toda a literatura moderna resultou de
começa a buscar suas “liberdades” (mercado e democracia sua exploração. O objetivo inicial – a libertação
burguesa). Proclama-se a morte de Marx. e a qualificação da personalidade – desvaneceu-
A proclamação contemporânea da morte de Marx se, todavia, no domínio de uma nova mitologia
sem alma, quando se revelou a insuficiência
é a manifestação mais esplendente da miséria espiritual
da sociedade existente em face
contemporânea, que se alastra por todo o planeta, desde o de suas insuportáveis contradições”.
homem comum até as mais altas esferas intelectualizadas, (Literatura e revolução,
subordinadas que estão à ideologia da classe dominante. Trotski, p. 121)
Vivemos numa época sem arte, sem filosofia e sem
ciência autêntica. Esta miséria espiritual constitui produto
da miséria material contemporânea. Miséria que não se
resume à degradação atual da vida humana e da natureza.
Mas que engloba toda a chamada opulência material
contemporânea. Se esta opulência se funda na indústria
da guerra e da destruição, por que não podemos chamá-la
de miséria?
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