Um ano de posse: Obama frente al desgaste de su gobierno
Crise financeira ou crise histórica do capitalismo?
1. Artigo
Crise financeira ou crise histórica do
capitalismo?
Gilson Dantas financeira traria o sistema à ordem. Enxugar o excesso
ou a irracionalidade “exuberante” dos mercados seria
Introdução o grande remédio, passando pelo resgate, é claro,
A massa desproporcional de capital financeiro daquelas corporações ou bancos “grandes demais para
especulativo das últimas décadas e todo o foco centrado quebrarem”.
– na mídia e na academia – em torno da economia- A questão, no entanto, examinando-se o sistema
cassino, da agiotagem desenfreada ou da geração maciça de conjunto e historicamente, é mais complicada. Em
de capital fictício e até mesmo a idéia de grande parte da primeiro lugar é essencial entender de onde veio esse
esquerda de “dominância dos mercados financeiros” ou exuberante crescimento da finança e o que ele significa.
mesmo de “novo regime de acumulação financeirizada” A análise que vá além das aparências vai revelar, em
alimentou um tipo de diagnóstico bem particular sobre vez de força do sistema – ou até desvio “irracional”-
a crise atual. fraqueza na capacidade de acumular capital além da sua
Segundo esta ótica, a crise seria fundamentalmente tendência de fundo à estagnação.
financeira ou teria que ser entendida a partir de sua Vejamos alguns pontos.
lógica financeira. Nesta mesma linha de raciocínio, a
desproporcionalidade da esfera especulativo-financeira A crise financeira
é tomada recorrentemente como causa ou, em outro Uma aplicação financeira, como se sabe, só
sentido, como um problema (excesso, desvio) a ser cresce porque promete ganhos. Só que, ao mesmo
corrigido. tempo, e embora os ideólogos da econometria burguesa
Constatou-se: a massa de capital no mercado procurem ignorar este fato, a esfera financeira – seja a
financeiro é astronômica e extrapolou em muitas vezes de pura especulação, portanto fictícia, seja a do capital
a economia real, revelando uma espécie de bolha ou um do banqueiro que empresta ao empresário fabril – não
tumor que para vários comentaristas ou políticos – de gera qualquer ativo que não seja de natureza financeira;
Martin Wolf a Sarkozy - teria crescido sobre um corpo em outras palavras: a esfera financeira não produz livros,
sadio. Esse artigo pretende problematizar essa questão. sapatos, alimentos e, de fato, sobrevive da riqueza –
Ou seja, parte dos que diagnosticam que “o mais-valia – que punciona da esfera chamada produtiva.
problema” da economia mundial é a hipertrofia da Vive da fração de riqueza, de mais-valia, que conseguir
finança (ou o excesso de “capital zumbi” ou fictício), deslocar da esfera produtiva. Ou então da expectativa de
enxergam a economia capitalista com um organismo que riqueza a ser gerada na produção (esta é uma razão pela
ia bem (na era “keynesiano-fordista” de prosperidade do qual as ações que crescem de cotação na Bolsa, dentro
pós-Guerra) até ir sendo parasitado pelo rentista, pelo da expectativa de ganhos futuros).
capital fictício. Nessa perspectiva se alinham autores Não há manobra especulativa que gere riqueza,
cujo pensamento é, de uma forma ou de outra, vinculado valor. Ou, em outras palavras, tomando o argumento de
ao keynesianismo e/ou à escola regulacionista (ou aos Astarita:
chamados desenvolvimentistas tipo M. Conceição Segundo a teoria do valor, este só é gerado através do
Tavares, Beluzzo e outros). A fraqueza desse diagnóstico trabalho humano e a um valor gerado na produção deve
corresponder, na média, um valor equivalente pelo lado
será examinada mais adiante, no entanto um problema
da demanda. O valor não pode ser incrementado através
digamos assim, prático, desse diagnóstico é que supõe de manobras especulativas nem pela compra e venda de
que um expurgo e/ou forte disciplinamento da esfera papéis. Naturalmente a teoria burguesa pretende que o
valor se cria graças às extremas habilidades dos executivos
e financistas; mas o que esta gente faz é apropriar-se de
Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília, escreveu trabalho alheio não pago e passar de mão em mão, mais-
EUA: militarismo e economia da destruição, Achiamé, Rio de
valias (008).
Janeiro, 007 e organizou O capital de Karl Marx: resumo (Engels,
Lenine, Trotski), Ícone, Brasília, 008. Produtiva nos temos de Marx, aplicados ao capitalismo, tem o
Ver, por exemplo, CHESNAIS (997). sentido de esfera geradora de mais-valia.
2. Contra a Corrente
Partindo deste princípio e agora argumentando do populistas (bonapartistas) e aproveitando-se da postura
ponto de vista histórico, vários estudiosos já se ocuparam defensiva, sem independência de classe e/ou frente-
da história do último meio século do capitalismo e, populista das burocracias sindicais e do stalinismo
explicaram a prosperidade e crise do sistema. Explicaram (Partidos Comunistas do mundo inteiro, como no Chile
que, passadas as condições excepcionais de crescimento de 97, Argentina em 97/6, Brasil de 964, França
econômico capitalista do pós-Guerra e como parte da de 968 e assim por diante) no sentido de desviar/conter
dinâmica de movimento do próprio capital, por exemplo, o movimento revolucionário da classe trabalhadora,
com o crescente investimento em capital fixo (progressivo as forças do capital obtiveram sucesso na sua ofensiva
aumento da composição orgânica do capital), o sistema contra o trabalho e afirmaram-se naquelas décadas
finalmente esbarrou em suas contradições agudamente conhecidas como neoliberais. O sistema estabeleceu um
manifestas na eclosão da crise da virada dos 960 para equilíbrio (instável) que, com vais-e-vens, durou até um
os 970. ano atrás.
Seus principais indicadores mostravam um Tomou forma um período que ficou marcado
sistema que tendia à estagnação, em queda brutal das pela franca expansão do capital financeiro e que alguns
taxas de crescimento. O gráfico a seguir, abarcando estudiosos explicam como essencialmente decorrente
todas décadas desde 96 revela essa desaceleração da ação do Estado – sobretudo o Estado rentista norte-
econômica. Veja-se, no mesmo gráfico, a outra curva, americano – no sentido de desmontar as barreiras à
meteoricamente ascendente, desde pouco antes dos circulação do capital, em especial das frações mais
anos 990, do capital especulativo, dos “derivados” financeirizadas do capital.
financeiros: Foi a era dos “mercados financeiros” dos ativos e
produtos financeiros. Portanto, vale reiterar, da expansão
Desaceleração econômica e expansão financeira do capital que nada cria no mundo da riqueza:
O capital que permanece como capital financeiro não extrai
mais-valia. A mais-valia só surge do trabalho voltado à
produção de bens ou prestação de serviços socialmente
necessários. O capital financeiro, que procura obter lucro
sem envolver-se na produção de nada, não aporta coisa
alguma à mais-valia gerada pelo conjunto dos capitais
produtivos, este fundo comum do qual surgem os lucros
de todos os capitalistas. (...) Por outro lado (...) é ‘cada vez
mais difícil converter em capital ampliado novas massas
de trabalho não pago’. A massa de mais-valia extraída
dos operários é cada vez mais irrelevante em relação às
outras forças que entram em ação na produção capitalista
(MERCATANTE, 007).
Aquilo que deve ser bem destacado nesse
processo é que não se tratou de um desenvolvimento
autônomo do capital financeiro e deslocado da realidade,
da produção. Os enormes ganhos financeiros – e a pirâmide
que tais ganhos alimentavam – eram impulsionados por
um determinado aspecto da economia “não-financeira”
que vem a ser justamente a ampla e crescente exploração
do trabalho que o capital foi impondo mundo afora e
Fonte (BEINSTEIN, 009)
especialmente na Ásia (e também em áreas antes vedadas
ao capital e agora sob devastadora restauração capitalista
Do ponto de vista teórico, o que se observa nesse pela ação das burocracias “comunistas”).
processo é que volta a se impor a tendência secular, Aquilo que chamam de neoliberalismo não
imanente ao capitalismo, da queda da taxa média deixou de ser uma tentativa – diante da profunda crise
de lucro. Diante desse problema grave para a classe deflagrada na virada dos anos 970 – de, através da
capitalista, várias contra-tendências foram postas em intervenção estatal, evitar a marcha para uma “saída”
ação, o Estado interveio pesadamente - em meio a um do tipo Grande Depressão ou até refletiu a falta de
processo de tensões inter-estatais e de revoluções sociais condições para o sistema evoluir rumo à “solução”
que se estendeu pelo período de décadas - e agiu com de uma catastrófica III Guerra. A classe dominante
especial força através do recurso do crédito, da demanda desenvolveu uma lenta e terrível ofensiva contra a classe
estatal bélica, dos gastos dissipatórios de todo tipo. trabalhadora, tratando de arrancar o máximo possível -
naquelas condições políticas, de derrotas do proletariado
As décadas neoliberais - de mais-valia. Ao mesmo tempo em que, como será
Atropelando a impotência das direções mais adiante argumentado, a acumulação do capital
3. Crise financeira ou crise histórica do capitalismo?
não se expandiu como poderia: boa parte da mais- do trabalho. A proletarização do camponês asiático
valia rumou – de forma surpreendente para os padrões foi uma contra-tendência de peso neste sentido; o que
orgânicos do capitalismo - para a esfera do crédito, do inclui abertura de áreas ao Leste, de força de trabalho
financiamento de dívidas. barata e educada. A parte mais visível ou exuberante
O crédito tem esse papel elástico de ampliar desse processo que ocorreu em vários países na Ásia
limites, no funcionamento do sistema, que a produção, deu-se na China: milhões de camponeses tornaram-se
por sua rigidez não possui. Na definição de Marx o assalariados, em sua grande maioria com salários abaixo
sistema de crédito é “elástico por sua própria natureza”, e da média internacional. Também fez parte dessa extração
se destaca como a “principal alavanca” de superprodução de riqueza a privatização neoliberal de ativos públicos
e super-especulação no comércio”. nos vários quadrantes do mundo. De toda forma, o
A esse respeito vale lembrar o argumento de elemento central ou “o qualitativo foi o aumento da taxa
Rosa: de exploração dos trabalhadores, expressão da situação
O crédito preenche, na economia capitalista, diversas de retrocesso da classe operária mundial nas ultimas
funções, mas o seu papel mais importante, como se sabe, é décadas” (CHINGO, 009).
aumentar a capacidade de extensão da produção e facilitar
A ofensiva contra os salários leva ao
a troca. Onde quer que a tendência interna da produção
capitalista à expansão ilimitada privada, esbarre nas achatamento da demanda de bens; também decaiu o
dimensões restritas do capital privado, o crédito aparece consumo produtivo dos capitalistas (taxa menor de
como meio de ultrapassar esses limites de maneira reinversões). No entanto, aquela ofensiva anti-salários
capitalista, de fundir num só capital muitos capitais foi parcialmente compensada, no mesmo processo, pelo
privados – sociedades por ações – e de permitir que um crédito e consumo de luxo. Duas tentativas de superar os
capitalista disponha de capitais alheios – crédito industrial.
limites da crise dos anos 970 sem passar pela maciça
Por outro lado, na qualidade de crédito comercial, acelera
a troca de mercadorias e, por conseguinte, o refluxo do
queima de capitais (ambas geradoras de instabilidade).
capital para a produção ou, em outras palavras, todo o ciclo O ataque contra a massa salarial já foi destacado
do processo de produção. É fácil compreender a influência em vários estudos e o economista Michel Husson chama
que essas duas funções principais do crédito exercem na a atenção para esse elemento nos dois gráficos a seguir,
formação das crises (LUXEMBURGO, 975, 4). sendo que no primeiro observa-se que a parte do salário
O crédito teve e tem esse papel no capitalismo. em relação ao PIB, nos Estados Unidos (no longo
Nessas décadas recentes, o peso do crédito na economia período desde 960) apresentou tendência ao declínio,
capitalista assumiu, no entanto, proporção desigual, visivelmente acentuado desde a grande crise da virada
desproporcional, nos marcos da crise global do para os 970:
capitalismo. Um dólar de investimento na produção
começou a estabelecer correspondência com 0, 0, 40 na Gráfico
especulação, por exemplo. Uma verdadeira pirâmide. Parte do salário em relação ao PIB – Estados
A maior parte do capital se encontra investida em operações Unidos (960-005)
que têm pouco a ver com a economia real, operações
cujo valor flutua segundo as vontades de movimentos
especulativos e cujo montante é jogado aos cimos mais
altos através dos efeitos de alavancagem dando lugar a um
endividamento da ordem de 40 dólares por dólar investido.
A importância principal do desenvolvimento do mercado
de crédito fora do sistema bancário regulamentado, como
conseqüência do lugar ocupado crescentemente pelos
fundos especulativos (hedge funds) e pelos fundos de
capitais privados não cotados na bolsa (private equity
funds), contribui amplamente para seu desajuste e para
alimentar as dúvidas mais sérias em relação de sua nova
configuração (GILL, 008).
O trabalho
Décadas dessa pirâmide fictícia tiveram vários Fonte: (HUSSON, 008)
efeitos, sendo um deles o de ir postergando a crise
deflacionária tipo Grande Depressão ou mesmo um No gráfico superior constam os salários nos
crack sistêmico. Estados Unidos como parte do PIB. No gráfico logo
Ao mesmo tempo, na base, em setores abaixo, os salários nos Estados Unidos como parte do
determinados da produção se desenvolviam surtos de PIB, mas agora sem se levar em conta os % de altos
crescimento. A recuperação da taxa de lucro deu-se salários; no terceiro gráfico de cima para baixo, os
em todas as esferas e áreas da produção mundial onde salários na União Européia em relação ao PIB; o último
o capital conseguiu impor altas taxas de exploração gráfico, inferior, toma os salários nos Estados Unidos
4. Contra a Corrente 4
como parte do PIB, mas excluindo o grupo dos 5% de de empresas (a destruição massiva de forças produtivas)
altos salários. que permitisse recuperar a rentabilidade para o capital
Observe-se que a queda salarial neste último – em alta composição orgânica – na produção.
caso, quando se abstrai os altíssimos salários, é O caminho de fuga para adiante se deu pela
impressionante. ofensiva sobre o capital variável (salário) e com o
O mesmo processo se desenvolveu nas metrópoles sistema agravando contradições, dentre elas o crescente
imperialistas como se vê a seguir, pela seqüência de endividamento para gerar demanda pública (setor
dados comparativos entre economias como a França, bélico) e privada (crédito ao consumo) em plena era do
o G7 (grupo dos sete países mais ricos) e a Europa; achatamento salarial. Isso não pode ser qualificado como
no gráfico superior, aparece a evolução do salário em crescimento orgânico. Que organicidade pode haver
relação ao PIB no G7; no gráfico de triângulos pretos, quando o país imperialista efetivamente hegemônico (e
a mesma coisa agora referente à União Européia e, por militarmente incontrastável) mergulha em um processo
fim, o gráfico de maior queda salarial recente, tomando de desindustrialização?
a França como exemplo. Em todos os casos, a queda da Observe-se no gráfico a seguir, os claros sintomas
massa salarial nas décadas recentes é flagrante. de declínio: as taxas de investimento (de formação de
capital fixo) dos Estados Unidos que já vinham sendo
Gráfico mais baixas que as da China, já estão entre as mais baixas
Parte do salário em relação ao PIB – França, dos Estados Unidos desde a II Guerra e ainda acontecem
Europa, G7 em meio à ruptura de um equilíbrio no qual se apoiava a
hegemonia norte-americana:
Taxa de formação de capital fixo desde o pós-
Guerra nos Estados Unidos
Fonte: (HUSSON, 008)
O que se pode observar, portanto, é que a Fonte (ROSS, 009)
hipertrofia da finança também contou com a rentabilidade
que o capital foi encontrando em nichos produtivos – a Aqui se apresenta mais um sinal de que não se
China é o exemplo mais forte – a partir do processo trata de corpo jovem ou sadio: o capital extrai mais-valia
de achatamento salarial e precarização/terceirização – investe com rentabilidade – no entanto não reinveste
do trabalho, o que incluiu os países imperialistas. A na mesma proporção; Husson chama a atenção para
já mencionada privatização de patrimônio público esse dado de que os lucros astronômicos em nichos
também foi parte desse processo que conduziu, no final, produtivos4, não se traduziram em investimentos à altura
a mais exploração do trabalho, demissões em massa, ou em taxas igualmente crescentes em capital fixo.
desconstrução do chamado Estado de bem-estar. Aqui reside um problema do ponto de vista global:
Este processo – que aqui sempre está sendo a acumulação do capital (na produção, portanto) não
tomado globalmente, na perspectiva do conjunto acompanhou aquela ofensiva “bem sucedida” do capital.
dos capitais, no entanto está longe de ter assumido as Ou seja, não apenas deu-se um processo de economia
características de um corpo sadio sobre o qual incidia uma francamente movida a endividamento em proporções
“excessiva” (ou parasitária) punção financeira. Tudo ao que não possuem qualquer precedente histórico em
contrário. Não há saúde no sistema quando o capital tem tempos de “paz”, como a taxa de acumulação do capital
oportunidade de investir e não investe. Quando reina a foi se lentificando, as oportunidades de investimentos
mais ampla sobreacumulação de capitais. E quando o produtivos não apareciam no mesmo ritmo.
sistema não conta com expansão da massa salarial para Qual o destino daquela massa crescente de mais-
poder realizar as mercadorias que são fabricadas.
4 Como parte de novo equilíbrio global instável onde a China
Sabe-se que aquela grave crise econômica dos
produz e os Estados Unidos compram e que há um ano vem se
70 foi empurrada para adiante sem a quebra significativa decompondo.
5. Crise financeira ou crise histórica do capitalismo?
valia não acumulada? (ponto.com, imóveis), mesmo quando força e consegue
Foi principalmente distribuída sob a forma de uma maior rentabilidade na produção por conta da mais
rendas financeiras, tornando-se fonte do processo de profunda exploração do trabalho, de todas as formas,
financeirização. Daí que a diferença entre a taxa de lucro
aquela dificuldade histórica termina aflorando.
e a taxa de investimento seja, por si mesma, um bom
indicador do grau de financeirização. Pode-se também Uma vez que o capital, em última instância,
verificar que a subida do desemprego e de precariedade acumula-se somando as horas de trabalho não-pago que
trabalhista cresce junto com a hipertrofia da esfera arranca da classe trabalhadora, o que aqui parece ficar
financira. Inclusive, neste caso, a razão é simples: o sistema evidente é aquilo que Marx argumenta nos Grundisse
financeiro conseguiu captar a maior parte dos aumentos (Elementos fundamentais para a crítica da economia
da produtividade à custa dos assalariados, reduzindo os
política): as bases estreitas – cada vez mais estreitas ou
salários, mas sem reduzir de forma suficiente, inclusive
aumentando, a duração da jornada de trabalho (HUSSON,
miseráveis – para o roubo de tempo de trabalho alheio.
O crescimento acelerado do capital financeiro em busca
009).
de valorização, mesmo que exista a ilusão de que possa
Nas palavras de Husson, deu-se um processo funcionar como fonte de enriquecimento autônomo, não
onde faz mais do que gerar lucro através de punção operada
a participação dos salários diminuiu e a dos lucros sobre a mais-valia. Ou seja, o montante acrescentado
aumentou. Mas as empresas, nem por isso, passaram de capital financeiro não consegue desembaraçar-se dos
a investir. Comparando o período 000-006 às duas estreitos limites da exploração do trabalho. O crescimento
décadas precedentes, um relatório da ONU mostra que das cotizações, o investimento através da alavancagem
num grande número de países, incluída a França, a taxa (tomando empréstimos), o endividamento das empresas,
de investimento caiu, a despeito do aumento dos lucros no deve encontrar uma correlação na possibilidade de gerar
valor acrescentado (008b). mais-valia. A massa crescente de ativos financeiros
O gráfico abaixo é esclarecedor a esse respeito. incrementa a pressão sobre o capital produtivo, para
arrancar fatias crescentes da mais-valia gerada. Inclusive
Gráfico através do crédito ao consumo (intimamente ligado à
Crescimento, acumulação e lucro na Tríade5 queda nos níveis salariais): o capital financeiro punciona
cada vez mais sobre as remunerações dos trabalhadores
(96-006)
(MERCATANTE, 008).
Por isso em toda essa era da financeirização
(ou da chamada “acumulação financeirizada”) o que se
constatou foram bases débeis da acumulação do capital
na produção. E sua contrapartida: sobreacumulação
de capitais de capacidades produtivas cada vez mais
redundantes em relação ao crescimento avassalador da
finança, do direito de propriedade sobre a riqueza (“efeito
riqueza”). O fluxo de endividamento sem precedentes
funcionou como contra-tendência, como vazão para
contradições não-resolvidas do sistema. O enfoque do
parasitismo entre capitais não dá conta de explicar o
processo.
A influência das finanças não deve ser entendida como
uma forma de parasitismo que impediria o capitalismo
de funcionar corretamente. Trata-se, ao contrário, de um
dispositivo que permite o estabelecimento tendencial
Fonte: (HUSSON, 008)
de um mercado mundial, no qual os salários são postos
em competição direta e submetidos às exigências de
Observe-se o gráfico superior, de crescimento da rentabilidade que se opõem à satisfação das necessidades
taxa de lucro que se “descola” das curvas declinantes de sociais não-rentáveis. Graças às finanças, o capitalismo
crescimento e de acumulação do capital, especialmente contemporâneo aproxima-se de um funcionamento “puro”
desde os anos 980. no sentido de que se desembaraça progressivamente
de tudo o que poderia enquadrá-lo ou regulá-lo. Este
Esta lentificação na acumulação do capital em
movimento não tem como auto-reformar-se e implica
relação à rentabilidade alcançada é um dado histórico em distribuição regressiva da riqueza. É por isso que as
que deve ser enfatizado, dentre outras razões porque se construções que propõem separar o joio do trigo – por
trata de um aparente paradoxo refletindo um processo exemplo, o “bom” capitalismo produtivo do “mau”
que exterioriza limites profundos, históricos, para a capitalismo financeiro – ou imaginar um capitalismo
valorização do capital. Mesmo quando o sistema se vale ao mesmo tempo hiper-competitivo e mais igualitário,
relevam um utopia reformista que não corresponde ao seu
dos ganhos financeiros, das bolhas baseadas no crédito
curso atual (HUSSON, 005).
É o que alguns chamam de “economia do
5 A Tríade inclui Europa, Japão e Estados Unidos. endividamento” ou “economia do cartão de crédito”.
6. Contra a Corrente
Uma colossal massa de empréstimos tornou-se “a nas mercadorias de informática; ou em outro momento,
força condutora subjacente ao aumento do consumo na casas, mas é importante sempre levar em conta que
economia dos Estados Unidos, uma vez que os salários isso se deu em um mesmo processo onde, por exemplo,
reais estiveram em declínio durante mais de três décadas. aparecia como mais lucrativo financiar a compra do
O crédito tornou-se o novo conserto para o problema computador pessoal ou de hipotecas de casas. Sem esse
clássico – se as pessoas não podem permitir-se comprar financiamento os norte-americanos não consumiriam o
toda a tralha que produzem, então se pode emprestar o que consomem. Mas como se vê não se trata de consumo
dinheiro para que o façam” (GLAZEBROOK, 009). por aumento da massa salarial.
O outro aspecto dessa forma de crescimento
O gráfico a seguir, quase que resume esse baseado no achatamento salarial numa ponta, mas no
argumento através daquela linha ascendente. crédito e no crescimento do consumo pelos altos salários
Endividamento dos Estados Unidos (em bilhões e ganhos da esfera financeira na outra, é a concentração
de U$) de renda. A “era da financeirização” mostrou-se como a
“era da crescente desigualdade social”, dos super-ricos.
Veja-se a tabela a seguir:
Tabela
Rendimento médio dos 0,0 % do topo da
pirâmide de renda (como múltiplo do rendimento médio dos
90% da base)
(Fonte: GEAB, 009c)
Por tudo isso, não se trata de uma crise financeira
que tenha impactado sobre a produção ou sobre o mercado.
Há crise de insolvência, de capitais sobreacumulados, de
fracas taxas de acumulação em relação à taxa de lucro.
Não é, portanto, falta de liquidez (que se “resolveria”
com a massa de liquidez injetada na economia através
dos bilhões do Estado ou de novos bilhões) mas uma
crise de conjunto do capital.
Cuja base veio sendo o adiamento da destruição
profunda de capitais, de forças produtivas. E, nesse
sentido, não há recurso público por maciço que seja
– que por outro lado agrava o endividamento do Estado
e as contradições do sistema, inclusive na pressão sobre
o dólar – que possa funcionar como contra-tendência
de efeito duradouro. Existe, como se pôde constatar
nesses meses recentes da crise, o efeito imediato e, em
determinado sentido, a contenção da quebra de grandes Fonte: (WHITNEY, 009)
companhias, sobretudo financeiras. E, em alguma
medida, as “atuais políticas de estabilização estão A disparidade entre o americano médio e o
permitindo ao sistema evitar uma crise como aquela dos super-rico atingiu o maior recorde de todos os tempos.
anos 90, mas não envolvem medidas capazes de evitar O seleto clube dos 0,0%, no topo dos mais ricos, detém
uma depressão semelhante àquela que o Japão atravessou rendimentos de pelo menos ,5 milhões por ano, em
nos anos 990” (HUSSON, 009c). 007. Não há precedentes em termos de concentração de
O problema continua de pé: grande parte da renda. Pura expressão de que maior punção salarial – ou
mais-valia não é reinvestida na produção. Mesmo que maior extração de mais-valia – não se traduziu em mais
se tenha em conta que em certo momento deu-se o boom investimentos e sim em rendas financeiras em economia
7. Crise financeira ou crise histórica do capitalismo?
financeira alavancada. tentando descarregar o custo da sua sobrevivência mais
uma vez sobre a classe que vive do trabalho; são dois
Considerações finais momentos: primeiro a hipetrofiada esfera dos ganhos
Tem importância, portanto, como parte de uma financeiros irreais desfechou – como se procurou mostrar
análise estratégica, que se leve em conta os seguintes neste texto – brutal ataque a todas as conquistas da
aspectos na crise financeira atual. classe trabalhadora e desenvolveu achatamento salarial
Primeiro, que não se trata de crise financeira de longo prazo. Contou com essa vantagem econômica
strictu sensu. O processo de crise nasceu de dificuldades a seu favor nos chamados anos neoliberais centralmente
históricas de valorização do capital na produção. apoiado nas derrotas das lutas dos trabalhadores.
Dificuldades que foram empurradas para adiante – com E segundo, quando eclode a atual crise histórica
o recurso do crédito maciço, por exemplo e contando a partir das bolhas financeiras, o governo socorre aos
com condições políticas favoráveis – mas que, longe oligopólios e grandes grupos financeiros com os trilhões
de se atenuarem, só se ampliaram, com todas suas de dólares que “não existiam” para saúde e educação
contradições, sendo uma delas um crescimento sem públicas e muito menos salários e se atira sobre os
bases reais e que agora ameaça ruir. trabalhadores exigindo que apertem os cintos. Neste
A hipertrofia financeira gerada durante estas décadas está segundo movimento, vem exigir que aceitem o conto
se decompondo a ritmos cada dia mais acelerados. Por de que o problema era um bando de maus capitalistas,
isso, o problema não é de fácil solução. Acontece que o
agiotas e “aventureiros de mercado”, e que é preciso
estoque acumulado da dívida norte-americana cresceu
de 6 % do PNB em 980 a 46 % em 007. Dois confiar – pasmem todos! - que a cúpula que ganhou
setores da economia foram os principais responsáveis rios de dinheiro por décadas com a finança (aliás, aqui
por esta escalada: os lares, cuja dívida saltou de 50 % em tanto faz ser são financeiras ou montadoras) e agora vem
980 a 7 % no anos de 000, pulando para 00 % em exigir “austeridade” dos trabalhadores possa dar alguma
007 e o setor financeiro, cujo endividamento colossal saída, ou conduzir as massas em outra direção que não a
foi se convertendo mais e mais no combustível ou na
devastação social e ambiental.
força motriz do crescimento. Isto não significa que a
financeirização tenha sido um fator autônomo e sim que
Os super-ricos, o grande capital pode dar alguma
foi a contra-partida do aumento da taxa de exploração e da resposta que não seja a de procurar salvar a própria
falta de oportunidades de investimentos suficientemente pele e o sistema? Na verdade, a única resposta virá se e
rentáveis. Neste contexto, de carência de oportunidades de quando a classe que cria a riqueza passar, ela mesma, a
investimentos rentáveis para o capitalismo, a pressão das ser, coletivamente, gestora e planificadora dos meios de
finanças se exerceu brutalmente levando o crescimento produção tornados, finalmente, propriedade pública.
a níveis para além do que seria sustentável. Por isso
o choque com a realidade é tão duro e ameaça ruir o
hipertrofiado sistema financeiro gerado em todos esses
anos (CHINGO, 008). Bibliografia
Portanto, detrás das bolhas financeiras, aparece a ASTARITA, Rolando, 008. Crítica de la tesis de la
financiarización. Disponível em: www.rolandoastarita.com/
nu a face estagnacionista e destrutiva do capitalismo.
dt-crítica. Acessado em: 0/09/009.
Um sistema que, mesmo quando reencontra a BEINSTEIN, Jorge, 009. A crise na era senil do
rentabilidade – nos nichos asiáticos, por exemplo, mas capitalismo, fevereiro 009. Disponível em: http://resistir.info
esbarra nos limites da elevação da composição orgânica Acessado: 8/04/009. Original se encontra-se em: El viejo
do capital, da sobreacumulação de capitais que acorrem topo, Barcelona, n. 5, fevereiro 009.
à esfera do financiamento ao comércio, ao “sistema de CHESNAIS, François, 997. Mundialização do
crédito” que tem a elasticidade para forçar os limites que capital, regime de acumulação predominantemente financeira
o sistema encontrou na produção. Mas não para superá- e programa de ruptura com o neoliberalismo. In Revista
los. da Sociedade Brasileira de Economia Política, n., Rio de
Ampla deflação (ou seu contrário, intensa Janeiro.
CHINGO, Juan, 009. El capitalismo mundial en
inflação), profunda depressão ou, mais diretamente,
una crisis histórica. In Revista Estratégia Internacional n.5,
intensa destruição de forças produtivas, através de deciembre 008/ enero 009, Buenos Aires.
guerras, quebras de grandes corporações e mais violentos CHINGO, Juan, 008. Escandaloso rescate del sistema
ataques à classe trabalhadora: eis alguns mecanismos que financeiro norte-americano. Suplementos EconoCrítica n. 6,
o sistema, em sua senilidade, necessita para se contrapor à 8/09/008, Buenos Aires.
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