O documento discute o direito ao esquecimento e a remoção de conteúdos ilícitos da internet em três frases. Apresenta duas acepções do direito ao esquecimento e discute os modelos de reserva de jurisdição e autorregulação para a remoção de conteúdos como discursos de ódio e fake news.
Direito ao esquecimento e remoção de conteúdos na internet
1. Direito ao esquecimento e
a remoção de conteúdos ilícitos da internet
MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
BRASÍLIA - DF, 6 DE JUNHO DE 2018.
2. Roteiro
Duas acepções do direito ao esquecimento
Direito ao apagamento de dados pessoais
Direito a não veiculação na mídia de informação ofensiva
Direito ao esquecimento na esfera civil
Remoção de conteúdos ilícitos da internet
Discursos de ódio e fake news
Dois modelos normativos
◦ A reserva de jurisdição
◦ A autorregulação
Considerações finais
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3. Duas acepções do direito ao esquecimento
O direito ao esquecimento, ou o direito a ser esquecido, é um desdobramento do direito à
privacidade e tem sido entendido em duas acepções:
a) como direito ao apagamento de dados pessoais no contexto da internet e
b) como direito à não veiculação, pela mídia, de informação desprovida de atualidade e
relevância para o público, mas ofensiva ao interessado.
Denominação usada nos idiomas inglês e alemão: right to be forgotten e Recht auf
Vergessenwerden, respectivamente, ou, ainda, o nome empregado no art. 17 do novo
regulamento geral de proteção dados da União Europeia –Regulamento EU 2016/679 (direito ao
apagamento dos dados, ou direito a ser esquecido).
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4. Direito ao apagamento de dados pessoais
Caso Google Spain SL, Google inc. v Agencia Española de Protección de Datos, Mario Costeja
González – Tribunal de Justiça da União Europeia, julgado em maio de 2014.
◦ Com fundamento na Diretiva 95/46/CE, os provedores de busca são responsáveis pela supressão de
links que remetam ao interessado, ainda que a informação seja em si lícita.
◦ O direito ao apagamento da informação deve prevalecer em face de interesses econômicos do
provedor e do interesse do público em ter acesso à informação, salvo em situações especiais, como
quando se trate de pessoa pública e o interesse preponderante do público seja o acesso a tal
informação.
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5. Direito ao apagamento de dados pessoais
Na União Europeia, o Regulamento EU 2016/679 revogou a Diretiva 95/46/CE, que disciplina especificamente o
direito ao apagamento de dados em seu art. 17.
As hipóteses de remoção de dados pessoais da internet passam a ser fundamentalmente as seguintes:
a) cessação da finalidade que motivou a coleta ou o tratamento dos dados;
b) retirada do consentimento, se não houver outro fundamento para o tratamento dos dados pessoais;
c) oposição ao tratamento de dados, ressalvada a existência de interesses legítimos prevalecentes; e
d) que os dados sejam tratados ilicitamente.
Tais hipóteses não são aplicadas se o tratamento dos dados for necessário:
i) ao exercício da liberdade de expressão e informação;
ii) ao cumprimento de obrigação legal;
iii) por motivos de interesse público na área da saúde pública;
iv) a arquivo de interesse público, a investigação científica ou histórica ou para fins estatísticos e
v) para efeitos de declaração, exercício ou defesa num processo judicial.
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6. Direito a não veiculação na mídia de informação ofensiva
Brasil: Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014):
Provedor de conexão à internet não pode ser civilmente responsabilizado por conteúdo gerado
por terceiros (art. 18).
Provedor de aplicações na internet só pode ser responsabilizado civilmente por danos
decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, em descumprimento a ordem judicial
específica, deixe de tornar indisponível o conteúdo apontado como ofensivo (art. 19).
Em se tratando de cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado, o provedor pode ser
responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade se deixar de atender a
notificação que contenha indicação precisa do conteúdo a ser removido (art. 21).
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7. Direito a não veiculação na mídia de informação ofensiva
Precedente do Superior Tribunal de Justiça
REsp nº 1.342.640/SP, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 7/2/2017. Teses
assentadas:
1. não respondem objetivamente pela inserção no site, por terceiros, de informações
ilegais;
2. não podem ser obrigados a exercer um controle prévio do conteúdo das informações
postadas no site por seus usuários;
3. devem, assim que tiverem conhecimento inequívoco da existência de dados ilegais no
site, removê-los imediatamente, sob pena de responderem pelos danos respectivos;
4. devem manter um sistema minimamente eficaz de identificação de seus usuários, cuja
efetividade será avaliada caso a caso.
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8. Direito a não veiculação na mídia de informação ofensiva
Precedente do Superior Tribunal de Justiça
REsp nº 1.660.168/RJ, Terceira Turma, Rel. p/ acórdão Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado, por
maioria, em 08/05/2018.
Prevalência da tese: possibilidade de se impor a provedores de aplicações de pesquisa na
internet o ônus de instalar filtros ou criar mecanismos que se revelem capazes de suprimir dos
resultados exibidos em pesquisas feitas por seus usuários, realizadas a partir da utilização de
um parâmetro específico, links que, de um modo geral, fizessem referência a tema tido pelo
eventual requerente da medida como ofensivo a seu direito de ser esquecido.
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9. Direito ao esquecimento na esfera civil
Direito comparado:
François Ost (jurista belga): o direito ao esquecimento é uma das formas de proteção da vida
privada, ao desligar o passado e permitir que em certas circunstâncias o perdão se sobreponha
ao dever de memória.
Precedentes:
Caso Irniger (Suíça): Em 1982, a pedido do filho do famoso criminoso suíço Paul Irniger,
penúltimo homem a ser executado por guilhotina naquele país na década 1930, foi proibida a
divulgação do documentário envolvendo a sua vida de crimes.
Caso Lebach (Alemanha): Latrocínio de quatro soldados alemães que guardavam arsenal na
cidadezinha homônima, em 1969. Dois dos participantes foram apenados com prisão perpétua,
enquanto o terceiro, às vésperas de sua soltura, soube que uma emissora de televisão, ZDF,
transmitiria documentário sobre o crime, e propôs ação inibitória, ao argumento de que o
programa violaria direitos de personalidade e dificultaria sua ressocialização. Foi proibida a
transmissão se o interessado fosse identificado.
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10. Direito ao esquecimento na esfera civil
Enunciado nº 531 da VI Jornada de Direito Civil (2013) do Conselho da Justiça Federal:
“A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao
esquecimento”.
A justificativa do enunciado ressalta que o direito ao esquecimento “não atribui a ninguém o
direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de
discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com
que são lembrados”.
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11. Direito ao esquecimento na esfera civil
Precedente do Superior Tribunal de Justiça
REsp nº 1.334.097/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/5/2013.
Cuidou-se da sequência de homicídios ocorridos no Rio de Janeiro, em 1993, conhecidos com
Chacina da Candelária, bem como do direito de um dos acusados de ter sua privacidade
respeitada. O acusado, apesar de absolvido, foi apontado, muitos anos depois, como um dos
envolvidos na chacina em programa de televisão que expôs sua imagem e seu nome.
Demanda julgada procedente para condenar a emissora de televisão ao pagamento de R$ 50 mil
a título de indenização por danos morais.
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12. Direito ao esquecimento na esfera civil
Precedente do Superior Tribunal de Justiça
REsp nº 1.335.153/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 28/5/2013.
Célebre caso Aída Curi, vítima de homicídio em 1958, em que os irmãos sentiram-se ofendidos
por programa televisivo veiculado muitos anos depois do crime, que teria feito reviverem a dor
do passado.
Pedido indenizatório rechaçado, pois não houve abalo moral apto a gerar responsabilidade civil,
tendo em vista que, em juízo de ponderação, “o acolhimento do direito ao esquecimento, no
caso, com a consequente indenização, consubstancia desproporcional corte à liberdade de
imprensa, se comparado ao desconforto gerado pela lembrança”.
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13. Direito ao esquecimento na esfera civil
O direito ao esquecimento não pode ser entendido como um direito absoluto.
Algumas das limitações à sua aplicação são:
1) o interesse público,
2) o direito e a liberdade de informação,
3) o direito à memória, e
4) a vedação da censura.
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14. Discursos de ódio e fake news
Segundo a Comissão Europeia, a propagação viral de discursos de ódio, de conteúdo racista e
xenófobo, atinge não apenas os grupos ou indivíduos diretamente atacados, mas todos aqueles
que nas sociedades abertas defendem a liberdade, a tolerância e não-discriminação, pois acaba
por inibir o discurso democrático nas plataformas eletrônicas.
As notícias falsas (fake news) têm o potencial de criar uma crise nos sistemas eleitorais, ao
estimular grande volatilidade dos eleitorados, que se deixam guiar mais por emoções que pela
racionalidade, a qual, como se sabe, é o pressuposto da democracia. Efeito: vertigem política.
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15. Modelos para a remoção de conteúdos ilícitos da internet
1. Reserva de jurisdição: somente o Poder Judiciário pode determinar a remoção do
conteúdo infringente. O controle da ilicitude do conteúdo, bem como a ordem para seu
bloqueio ou remoção, ocorrem no âmbito do processo, por provocação do interessado, e
a posteriori.
◦ Parâmetros previstos no Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014).
◦ Vantagens: amplo contraditório, ênfase na certeza e ponderação dos direitos envolvidos.
◦ Desvantagens: custo e demora.
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16. Modelos para a remoção de conteúdos ilícitos da internet
2. Autorregulação: impõe diretamente aos provedores de internet o dever de remover o
conteúdo ilícito, após reclamação do ofendido, que deve identificar o conteúdo específico.
◦ Em maio de 2016, a Comissão Europeia, em conjunto com as empresas Facebook, Twitter,
YouTube e Microsoft divulgaram código de conduta, que inclui, entre outros, compromissos
para:
a) adoção de procedimentos claros eficazes para examinar as notificações relativas aos
conteúdos ilícitos;
b) o emprego de equipes especializadas para a análise dos pedidos;
c) o exame da maior parte das notificações em menos de 24 horas;
d) apresentação pelas empresas de relatórios aos Estados-membros e
e) análise dos avisos e da sinalização de conteúdos ilícitos por peritos em parceria com
organizações da sociedade civil.
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17. Modelos para a remoção de conteúdos ilícitos da internet
2. Autorregulação
Lei Alemã para aperfeiçoar o direito nas redes sociais (Netzdurchsetzungsgesetz ou
NetzDG) – com eficácia a partir do início de 2018.
- Aplicável às redes sociais com mais de 2 milhões de usuários (exceto: plataformas
jornalísticas e profissionais e comunicações individuais, como o Whatsapp e
Telegram)
- Conteúdo ilícito definido no Código Penal
- Centro de reclamações para processamento dos casos difíceis
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18. Modelos para a remoção de conteúdos ilícitos da internet
Críticas à NetzDG
- Inconstitucionalidade formal – matéria de competência dos Länder.
- Inconstitucionalidade material – Restrição às liberdades de expressão e imprensa (censura
prévia)
- Terceirização ou delegação inconstitucional de atividade típica do Estado
- Multas excessivamente altas poderia estimular a remoção indiscriminada de conteúdos
pelas redes sociais
- Resolve apenas o sintoma, não a causa (persecução do autor do conteúdo ilícito)
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19. Considerações finais
Reserva jurisdicional x Autorregulação
◦ Não são excludentes
◦ A persecução penal pode prosseguir independente do resultado da autorregulação
◦ Expectativa de criação de modelos híbridos
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