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0
[Ano]
abril
maio
2020
Coordenação
Joaquim Colôa
DES
CONFINAR
1
Joaquim Colôa
DES
CONFINAR
2
Título
DES
CONFINAR
Ideia e Coordenação
Joaquim Colôa
Imagem da capa e contracapa
Olsa
Revisão
Cristina Silveira de Carvalho
Edição
CSC.Reticências
csc.reticencias@gmail.com
ISBN: 978-989-99980-6-3
© 2020, Autores
Distribuição gratuita
Lisboa, abril e maio de 2020
As opiniões e valores expressos nesta publicação são da exclusiva responsabilidade de
cada um dos autores e não vinculam o coordenador da publicação nem a editora.
O coordenador desta publicação e a editora respeitaram a ortografia adotada por cada
um dos autores, bem como formas e tipos de expressão.
Qualquer reprodução total ou parcial dos conteúdos desta publicação deve ser
acompanhada pela sua referenciação conforme normas em vigor, não podendo os seus
conteúdos ser plagiados ou utilizados indevidamente de qualquer outra forma.
3
DES
CONFINAR
4
Autores e página (para aceder clique sobre o nome)
Adelaide Ribeiro 7
Ana Real 9
Ana Rosa Trindade 10
Anabela Mota 11
Andrea Colôa 14
Bibi Couceiro 15
Carline Santos Borges 18
Diogo Henriques 20
Domingos Fernandes 21
Fátima Paulo 23
Inês Marto 26
Ivone Martins de Oliveira 28
João Ascenso 34
Joaquim Colôa 36
Joaquim Moreira 38
Jorge da Cunha 40
José Morais 58
Leonor Simões 64
Margarida Guerra 66
Maria da Graça Franco 70
Maria João Neves Oliveira 72
Maria João Trigueiro 82
Maria José Camacho 84
Mariana Seara 85
Mónica Ramôa 87
Nelson Santos 92
Olsa 96
Pepa Garcia J. 100
Risoleta C. Pinto Pedro 103
Rita Simas Bonança 105
Sonia Lopes Victor 108
Vanda Cotta 120
Cristina Silveira de Carvalho 122
5
ESPAÇO PARA O TEMPO DE UM COMEÇO
Há inevitabilidades que não posso, não quero evitar. Este pensamento feito vontade que foi
crescendo pertence a esse meu espaço vital das tais inevitabilidades. Um pensamento que foi sendo
partilhado cada vez com mais pessoas, até se tornar o escrito que agora partilhamos. Desde já o meu
agradecimento a tod@s @s que, sem fazerem perguntas, acreditaram no que era só um pensamento
dito em pequenas mensagens escritas ou em parcas palavras.
Um pensamento que fui madurando no tempo que o tempo me foi deixando. Tempos bem
contados, há muito tempo o projeto não era bem este. Na minha cabeça nascia mais formal, mas
depois foi crescendo e tomando vida própria… Em verdade no início do pensamento, ainda imberbe
e hesitante, percecionava o medo por sentir o risco de nunca ver olhos para leitura, tão insegura era
a ideia. Quanto às narrativas percecionava-as, então, mais académicas, mais formais, mais daquele
pequeno mundo que é a educação. Aliás, foi assim que primeiro se me impôs, em tempos de
começo, há já alguns anos. A ideia recorrente de um espaço comunicação que me invadia e gritava
querer ser espaços mais além, querer ser tempos de mais gentes.
Muitas vezes me vi derrotado por ler textos e imagens que se me quedavam solitárias na
rotina. O sentimento de quem tem uma dívida para com as pessoas, as narrativas, tantas vezes
expressões que só no meu tempo e no meu espaço tomavam vida. Depois sentia que por outras
inevitabilidades não conseguia que assumissem o poder para se expressar, serem para muitos o
valor da sua dimensão. Uma revolta que me ia definindo por tantas vontades que, em tantos
momentos, senti perdidas.
Inevitavelmente foi esta revolta, esta clara distinção entre espaço e tempo que me
transformou a ideia, essa ideia primeira que se transgrediu neste ato livre. Tempos e espaços feitos
fruto neste tempo e neste espaço. Confinamento. Uma ideia que não sendo início, também pode não
ser ideia final, mas é já e agora conceito, expressão diversa e intencional.
Lembrando Bergson, a ideia primeira tenho-a como o momento privilegiado, mas que por
força das minhas hesitações foi crescendo até que se objetivou em ação livre e se destaca, aqui e
agora, como os frutos maduros. Fruto amadurado que tomei e outr@s comigo também em ato livre e
eu com eles e com elas. Este trabalho é, assim, um conjunto de estórias interpenetradas por um
misto de subjetividades, de individualidades que se foram, por vontades, objetivando, coletivizando.
Foi o tempo com a sua opressão, espaço agressivo, que me libertou e se constituiu o agora.
Conjunto de expressões, com vários tempos e pessoas diversas na forma, na geografia, na ortografia
6
e até na língua. Este é o tempo e o espaço possível do livre jogo da palavra e da imagem. Desde já
celebro, cada tom olhado, cada som escutado, cada (re)viver na descoberta de cada uma das
narrativas. Algumas foram-me confiadas por pessoas que, ainda hoje, não conheço pessoalmente.
Agradeço-lhes, para além das narrativas, o quererem ser comigo este ato livre.
Foi das e nas suas narrativas que se construiu, na descontinuidade, o ato livre da mensagem,
da relação. Nos tempos descontínuos foi criando lastro a subjetivação, para agora ser objetiva no
encontro de improváveis narrativas. A minha estória do inevitável. Assim se confirmou, já não a
primeira ideia, mas o ato menos formal, menos académico, para ser mais livre em diversas
dimensões, nas mais diversas formas de nos expressarmos.
Embora deixando livre o verbo de cada narrativa, pretendi, nos primórdios, laivos de uma
imagem comum que fosse condutora da expressão, como quem informa de um caminho. No entanto,
quando o ato é livre, como aconteceu, a apropriação faz e refaz a expressão. Foi assim que em
alguns momentos o próprio layout integrou a expressão e se tornou, para algumas pessoas, pretexto
do texto e da imagem. Por isso ele aparece descontínuo, desconstruído, reformulado, tantas vezes
apropriado.
Eu deixei que assim acontecesse. Eu gostei que assim acontecesse.
É nesta expressão matizada em tons e sons vários, contrários, complementares que ora
sugerem o afastamento, ora a proximidade, que me ofereço à celebração e ao DESCONFINAR.
É neste contraditório que convido cada uma das pessoas à celebração e também ao
DESCONFINAR. Celebro-vos como celebro cada uma das pessoas que (a)colheu a minha ideia,
porque é por querer de cada uma dessas individualidades que se faz este coletivo.
Agora cada uma das narrativas, a estória, só pode ser outros tempos e outros espaços. A
partir destas palavras cada uma das narrativas só pode ser expressão por força de outras
subjetivações e vontade objetiva de mudança e outra vez celebração de tempos e espaços que ainda
estão por fazer, que ainda estão por dizer.
Bem-hajam
Joaquim Colôa
7
DESABAFOS DE UMA INVESTIGADORA EM EDUCAÇÃO,
EM MODO CONFINADO…
ADELAIDE RIBEIRO
CONTACTO
adelaide.rbr@gmail.com
Escolas vazias, salas arrumadas, bibliotecas sem alma,
espaços sem vida!
Foi nisto que as escolas se transformaram nos últimos
tempos, sem que ninguém imaginasse ou desejasse tal
cenário.
Professores, pais e alunos deram o seu melhor para tentar
dar continuidade à atividade escolar, num tempo recorde
com os recursos de que dispunham. Rapidamente se
percebeu que os problemas que se colocam hoje à escola
estão, sobretudo, fora dela, a montante e a jusante. E, se
dúvidas existissem sobre a importância vital da instituição
escolar na promoção da igualdade (ou no combate às
desigualdades sociais), elas ter-se-ão dissipado, de forma
inequívoca, a partir do momento em que o país (e o mundo em
geral) se viu privado dela, nos moldes em que sempre a
conhecemos. Com as portas encerradas, os alunos ficaram
confinados aos e nos seus mundos, também eles marcados
pela desigualdade económica, cultural, estrutural, os quais a
escola em situação presencial tende a debelar, com maior ou
menor grau de dificuldade, dependendo das variáveis
contextuais das comunidades educativas.
Se a escola, “com gente dentro”, não consegue, por si só,
resolver os problemas da desigualdade, não podemos
esperar que, sem gente dentro, ela resolva esse problema
que, sendo também seu, não é exclusivamente da sua
responsabilidade. É um problema que exige uma
responsabilidade coletiva. A escola e os professores fizeram
8
a sua parte, fizeram mais do que lhes era pedido, por iniciativa própria, com recursos próprios e com
um dispêndio de tempo muito além do seu horário normal de trabalho.
Mas este justo reconhecimento à classe docente não nos pode tolher a capacidade crítica e a
lucidez, a ponto de não reconhecermos as limitações e fragilidades pedagógicas do que se está a fazer
e do que se está a pedir às famílias e aos alunos. Nem as casas das famílias são escolas, nem os pais
são professores (embora alguns o sejam também), nem isto é inovação pedagógica, como já li por aí.
Pelo contrário, este ensino a distância é um recuo às práticas pedagógicas obsoletas do paradigma
fabril. Mas é, apesar de tudo, uma forma de mitigar essa ausência da escola e da relação pedagógica
presencial. E se este modelo expositivo, instrucionista e generalista até pode fazer algum sentido em
algumas disciplinas e nos níveis de ensino mais avançados (3.º CEB e Secundário), nos restantes níveis
de educação e ensino (Pré-escolar, 1.º e 2.º CEB) temos de admitir, com toda a honestidade intelectual
que nos carateriza, as fragilidades pedagógicas do que estamos a conseguir. Não admitir isto seria
ignorar tudo o que as ciências da educação têm produzido e nos têm ensinado nas últimas décadas.
Ainda assim, entre deixar os alunos entregues a si próprios e fazer o que nos é possível nesta fase, a
escolha parece-me óbvia.
Se não desconfinarmos rapidamente, teremos de reinventar a prática pedagógica “síncrona e
assíncrona” (confesso que não simpatizo com estes termos...), mas teremos, sobretudo, de refletir
sobre os conteúdos curriculares. Seria uma boa oportunidade para revermos o que se ensina, o modo
como se ensina, o que interessa que os alunos aprendam e o que importa, de facto, aprender num
contexto de confinamento e fora dele. Este é, talvez, o desafio do momento!
9
ANA REAL
10
PRESA
ANA ROSA TRINDADE
CONTACTO
anarosa.trindade@gmail.com
Presa
Ora vagueando no vazio
Ora ancoradas
Às vozes confundem-se
Na imensidão das gentes
Confinadas.
Presa
Ouço o silêncio
Tormentas da alma
Dor
No íntimo
A luz interior.
Presa
Encaixotada em mim
Viajo em ideias
Libertadoras
Desejos escondidos
Sem fim.
Presa
Envolta, no teu abraço
Inspirador
Quando isto acabar
Ficarei presa na liberdade
É esse o meu lugar.
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O SIGNIFICADO DO SILÊNCIO NO ENSINO À DISTÂNCIA
ANABELA FRANÇA MOTA
CONTACTO
anafranca65@gmail.com
QUE SABES TU DO ECO DO SILÊNCIO?
um só olhar
pode ser uma voz não dita.
para acumular dores
o mais das vezes
bastou um desamor.
sei: a solidão
ecoa de modo muito silencioso.
sei: muita silenciosidade
pode reciprocar
verdadeiros corpos num amor.
um só silêncio
pode ser nossa voz não dita
ainda nunca dita.
para ecoar um silêncio
bastou gritarmo-nos para cá dentro
num gritar aprofundo.
já silenciar um eco
é missão para uma toda vida:
exige repensação da própria existência.
Ondjaki ("Poesia. Há predisajens com o Xão" (O segredo húmido da lesma
& outras descoisas). Editorial Caminho. S. A. Lisboa, março de 2009.)
Escolhi este poema porque o silêncio também é uma forma
de comunicar.
Numa sala, o aluno estando presente, conseguimos ter
informação através da sua postura, comportamento e o seu
silêncio diz-nos sempre algo.
12
Sempre defendi o uso de tecnologias no ensino, como meio complementar e de apoio à aprendizagem.
Na educação especial, tornam-se instrumentos essenciais para alguns alunos com problemas de
comunicação e, por vezes, é o único meio que tem de comunicar com o outro. A escola, consoante as
opções políticas educativas, tem incentivado ou não o uso de tecnologias em meio escolar,
recordamos a época dos “Magalhães” e os quadros interativos na sala de aula.
Posteriormente, passámos por uma fase de esquecimento, ou seja, os equipamentos que se
encontravam nas salas, com o tempo e os avanços tecnológicos, rapidamente ficaram obsoletos; a
internet a cair constantemente porque a rede min-edu não tinha capacidade. “Mudam-se os tempos,
mudam-se as vontades”...
E voltamos novamente, no presente ano letivo 2019/2020, com novas resoluções e implementação de
medidas pró-tecnologia, já com a internet a dar reposta, surgindo a pressão da pandemia e do
confinamento obrigatório.
As escolas fecham, vai-se ao baú e voltamos à Telescola e ao ensino a distância. Ninguém estava
preparado para esta situação.
Mas a escola não se pode resumir a uma máquina tecnológica que passa diplomas, tem de ter um papel
fundamental na formação dos mais jovens e futuros adultos responsáveis e cidadãos intervenientes
num mundo em constante mudança.
O estado de emergência vem regulamentar e limitar o convívio e interação entre as pessoas, impondo
o isolamento e confinamento em casa. Esta situação de afastamento social e ensino a distância não
permite a continuação de aprendizagens, como é o exemplo do desenvolvimento pessoal e social. Há
aprendizagens que não se podem realizar à distância.
O estudo em casa, para os alunos com problemas de aprendizagens que dependem do professor ou
de um adulto ao seu lado para aprender, não terá grande efeito. Esta solução não será certamente a
melhor para os alunos com problemas cognitivos.
As desigualdades entre alunos poderão agravar-se com este tipo de ensino, porque os que já tinham
bons resultados continuam a avançar na matéria e os que não acompanhavam vão ficar ainda mais
para trás nas aprendizagens.
Perante esta situação, a meu ver agravam-se as desigualdades sociais e, no caso de alunos com
dificuldades, acrescentam-se ainda mais.
As tecnologias têm de ser utilizadas, sim, mas de forma coerente, equitativa, respeitando as
necessidades educativas de cada um, estando ao dispor de todos, sem exceção e no sentido de
responder aos desafios de uma sociedade da informação e do conhecimento.
(abril de 2020)
No ensino a distância, o silêncio de um aluno não tem o mesmo significado. O seu silêncio pode não
ser a sua opção, sendo simplesmente devido ao facto de não ter meios tecnológicos para conseguir
responder?!
13
Fotos para ilustrar o texto, dois contextos de aprendizagem na educação especial: a primeira no
desenvolvimento pessoal e social (utilização de transportes públicos na cidade) e a segunda com a
utilização de tecnologias de apoio (para alunos com dificuldades de leitura e escrita com o software
Aventuras).
14
A ARTE NA DOENÇA E DEFICIÊNCIA MENTAL
ANDREA COLÔA
CONTACTO
andreacoloa@gmail.com
A riqueza fornecida pela arte na doença e deficiência mental
abrange várias áreas dentro da psicologia. Ao nível
projetivo/dinâmico e cognitivo evidenciam-se várias
vantagens terapêuticas. A expansão de emoções não
percebidas nem controladas assume uma visibilidade
camuflada, fornecendo uma sensação de alívio e conforto: a
arte não expõe totalmente o indivíduo.
No plano emocional, pode ainda originar um aumento de
autoestima pelo valor, criatividade e redução de ansiedade,
vividos pelo indivíduo como sentimentos que levam a uma
maior pertença dentro da sua comunidade.
Por outro lado, cognitivamente há um desenvolvimento da
representação gráfica, que mexe com a memória, com a
distinção entre o real e o imaginário, mais próxima do
mundo exterior, até num simples pormenor, como a
adequação de cores.
Há na arte uma devolução da pertença em si mesmo e nos
outros da sua comunidade, já que a partir da sua obra ele
consegue comunicar…
15
BIBI COUCEIRO
textos
MARGARIDA GUERRA
ilustrações
LIBERDADE
Nasceu com a Liberdade, aquela Liberdade que não fez
sangue, mas trouxe cravos encarnados.
Quiseram os deuses que nascesse momentos antes do
aniversário em que a célebre Catarina Eufémia foi
sacrificada, com um filho no ventre.
Foi mártir de várias enfermidades na infância, num país
descolonizado.
Sobreviveu e chegou à Metrópole.
Adorava as flores do campo. Temia o velho Vicente e
apanhou uvas na vinha alheia: “Então não foram vocês que
me mandaram?!”
Os foguetes das celebrações festivas lembravam-lhe
tiros. Procurava um corredor, jogando-se para o chão!
Os flashes dos fotógrafos pareciam-lhe as armas que lhe
foram apontadas com apenas três anos de idade, no colo
do Pai. As antiaéreas no alto da Cacula!
O amor pelo outro sempre em primeiro lugar.
Evangelizou, catequizou e fez todos os sacramentos.
Sintra foi a sua terra de eleição.
O ensino primário fê-lo em Negrais. Passou pelo Colégio
Académico de Sintra no preparatório, fez o secundário na
Escola Secundária de Santa Maria, também em Sintra, e
terminou na Universidade Lusíada, em Lisboa, sem
concluir o 5.º ano de economia.
16
Defensora de deveres e de direitos humanos. Fiel aos seus valores e ideais!
Criou sem gerar o seu Amor Maior.
Sempre audaz e cautelosa, retorna às suas origens, para junto do seu Grande Amor. Quiseram os
mesmos deuses que voltasse a nascer, desta vez no mesmo dia do aniversário em que a célebre
Catarina Eufémia foi sacrificada, com um filho no ventre!
Quarenta e quatro anos passaram, quando a sua Liberdade morreu, também com um filho no ventre!
MATERNIDADE
Haviam passado treze anos de muito amor!
O sonho de ser mãe biológica foi perdendo a força e intensidade do propósito daquela jovem Mulher.
Sempre com a ternura e o carinho que o seu coração emanava pelo seu Grande Amor e pelo seu Amor
Maior.
Sem pedir permissão, aquele pequeno ser escolheu aquela Mãe.
Instalou-se, acomodou-se e deu sinais sobre o verdadeiro sentido de Família.
Veio e foi crescendo, aninhando-se silenciosamente no ventre materno.
Escolheu a noite de Natal para se anunciar.
Nove meses passaram. Nasceu e morreu naquela noite de 2015!
Acordou os pais e fez crescer a Esperança que há muito se perdera.
17
Um ano passou e a vontade, por si só, não deixou viver.
Treze semanas naquele janeiro de 2017!
A Luz de junho de 2018 brilhou e exaltou a boa nova para o Universo.
A insensibilidade e desumanização das grandes máquinas de fazer dinheiro efervesciam.
A saúde tornou-se negócio. Desinvestiu-se nos cuidados de Saúde e no Amor ao próximo.
Médicos e Enfermeiros lutavam entre eles porque as organizações o incitavam.
O lucro passou a ser mais importante do que a vida.
A ameaça do vírus da morte surgiu naquela sexta-feira.
Escolheu o som do silêncio e procurou um abrigo. A determinação e a urgência falaram alto.
No regaço da Mãe rogou proteção. O seu grito não foi atendido!
Vencida e derrotada, abraçou o seu aquário, acolheu-o no seu ventre e muito juntos decidiram partir
para aquela nuvem que pairava sobre o Mar.
O Mar que sempre adorou foi empurrado por uma Brisa veloz, para lá do Horizonte da Terra e que só
o Sol conhece!
E foi assim que ambos viajaram naquele domingo, 14 de outubro do ano de 2018.
Mãe e filho indefesos, passaram a morar ali… ali bem em cima…
18
1
Conto real, João e Fabiano são nomes fictícios.
VENDEDOR E CLIENTE EM CENA: PRÁTICAS DO ENSINO
DE MATEMÁTICA1
CARLINE SANTOS BORGES
CONTACTOS
https://www.facebook.com/profadeeducaca
oespecialcarline/
carlineborges@hotmail.com
Professora Substituta do Atendimento
Educacional Especializado
Instituto Federal do Espírito Santo – Campus
Serra
Terça-feira, março de 2020, primeiro horário, aula de
matemática em uma perspectiva de práticas pedagógicas
inclusivas, direcionavam para a sala de aula o professor de
Matemática, João, eu Carline, professora de Educação
Especial e o estudante do Ensino Médio (Ensino
Secundário), Fabiano, jovem, feliz, animado, carismático,
falante, inteligente e que apresenta o transtorno do
espectro autista.
Na sala 702, João explicava como se daria a aula
daquela ensolarada terça-feira. Disse que trabalharia
adição e subtração, a partir de valor monetário. Para tanto,
o professor de matemática e eu utilizávamos, como
recursos didáticos, dinheiro sem valor e narrativas fictícias
de feira livre para encenar a relação de compra e venda.
Fonte: Fotografia do arquivo da autora
João era o vendedor e Fabiano o cliente. No momento
da venda e da compra, João e Fabiano entravam em cena.
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Feira imaginária, diálogos fictícios, dinheiro sem valor e interpretação a todo vapor. O objetivo que
inicialmente era ensinar adição e subtração, a partir de valor monetário, se ampliava para
comunicação, expressão, interpretação, abstração, quadro valor de lugar e contagem de 10 em 10.
Vendia-se celular, roupa, computador, controle remoto, mesa e cadeira (objetos presentes em
sala de aula) e comprava-se, Iphone, camisa nova, porta controle, controle remoto de ar condicionado.
Melhor ainda, aprendia-se para além do planejado e de maneira prazerosa.
Quem disse que aprender Matemática não é animado? Quem disse que não nos divertíamos?
Quem disse que ensinar e aprender Matemática ensina-se e aprende-se apenas Matemática? E a
linguagem oral? E o drama? E a imaginação? E o sermos eternas crianças, em que aprender é brincar?
Temos de nos perguntar se a brincadeira não pode ser incorporada no Ensino Médio e
trabalhada com jovens e adultos. Se pode, por que não é? Por que precisa ser maçante?
Fabiano com esta aula pôde perceber a aplicabilidade da Matemática em sua vida cotidiana! O
professor de Matemática? Ah! Esse ficou feliz com o resultado e com a performance de Fabiano ao
incorporar o ser cliente! E a professora de Educação Especial? Pensou: ‒ sim, é possível fazer
diferente! A inclusão escolar é possível!
Verdadeira sensação de ensinar e aprender com prazer!
Registro aqui a fala de Fabiano no final da aula:
‒ Que aula legal! Gostei muito!
Neste dia foi a primeira vez em que a professora de Educação Especial ouviu essa fala
espontânea do estudante.
Sim, legal! Legal, por que foi lúdica e interdisciplinar, embora a interdisciplinaridade não fosse
o objetivo inicial da aula.
Que o confinamento nos faça refletir sobre as nossas práticas pedagógicas e que possamos
aproveitar ao máximo a ludicidade em nossas aulas! A brincadeira nos tira da monotonia que estamos
vivendo atualmente e não queremos voltar; nos proporciona alegrias; nos possibilita aprender com o
outro e traz sentido à vida!
Que estudar seja prazeroso como brincar. Afinal, somos eternas crianças! Boa saúde para
todos nós e continuemos a nossa luta por uma Educação feliz, com vida e inclusiva!
Em 17 de abril de 2020
20
CONTACTO
diogoalex816@gmail.com
DIOGO HENRIQUES
21
neste ruim baile de máscaras
a música sai de uma varanda e
as vidas continuam por abrir
as açoteias estão suspensas
no respirar arfante do mar e
no vazio agreste das praias
na vida desenhada a pau de giz
dói tudo o que se tem dentro e
as aves voam num céu de sal
santa luzia_22_26_abril_2020
© Nicolau Borges
CONTACTO
dmbfernandes@gmail.com
DOMINGOS FERNANDES
22
23
PHASIANIDAE. A ESTÓRIA
FÁTIMA PAULO
CONTACTO
fatimaprpaulo@gmail.com
Perante o abismo viral lá fora, fez o que sempre fizera nos
momentos decisivos, recolheu ao seu porto seguro
inabalável, ao lar e colo da avó. Unindo passado e futuro,
cuidavam-se com a cumplicidade inexplicável que as
caracterizava, enquanto os pais trabalhavam
interruptamente, tentando trazer alguma ordem ao caos
generalizado que imperava no mundo.
Dedicavam-se ambas, naquela tarde intemporal, a
organizar recordações familiares que sustentavam raiz e
flor, semente e fruto. Qual cubo mágico, puzzle da vida, as
fotografias iam desfilando, entre sorrisos e estórias,
lembranças e memórias que o Sol testemunhava
generoso e com indisfarçável orgulho, materializado no
brilho e calor que irradiava e que fazia esquecer as janelas
que intermedeiam astros e humanos.
‒ Avó, e esta caixa, o que é?
Com irrepreensível curiosidade e impulsividade,
rapidamente desenlaçou a delicada fita púrpura que
carinhosamente abraçava o embrulho, protegendo-o com
elegância e determinação. Afastou o papel pardo
ressequido pelos anos, salpicado por cicatrizes
meticulosamente saradas e, encantada, abriu o baú do
tesouro.
‒ Avó, são lindas, posso experimentar?
24
O entusiasmo seria contagiante, se não tivesse deixado de existir tempo. Ali estavam eles, 33 anos
antes. Seria antes, se Khronos, senhor do tempo sequencial e cronológico, não se tivesse retirado,
dando lugar a Kairos e palco ao indeterminado momento único do reencontro. Aquele instante que
atravessou vidas, desertos e tempestades, culminando em facto e acontecimento, oferenda de Aíôn,
o tempo sagrado eterno.
Recordou todas as indecisões que a levaram a tactear o couro, o algodão, as fitas de cetim, em busca
de um sentido para a vida. O gesso nas pontas, as costuras no fim lembravam a importância das
fundações, da estrutura, dos limites que sempre tentara ultrapassar. A realidade raramente lhe fora
fácil, personalidade forte e feitio irascível, demasiada sensibilidade para tanta autoexigência.
Observadora por natureza, amante de pormenores e detalhes, conhecia de cor as diferentes texturas
dos materiais, explorava as suas funcionalidades e encontrava conforto na familiaridade das
temperaturas. O corpo que se molda à forma, sacrificando-se para atingir a perfeição do movimento.
Nunca percebeu como é que a harmonia final etérea podia provocar tanta dor física e emocional
durante o processo. Ainda assim, qual caixa de pandora, podiam libertar-se todos os fantasmas
durante a dança, que a Esperança sempre arrebataria em apoteose o final, pois só esta sabia que a
separação entre dentro e fora era mera ilusão.
A neta calçou as sapatilhas, começou a rodopiar e o espaço físico dissipou-se. A emoção transformou-
o em lugar, em símbolo, signo e significado. A vertigem transportou-a para o Aleph, o ponto infinito
no qual todos os acontecimentos coexistem. Nunca o testemunhara noutra pessoa, fora sempre
narradora participante daqueles momentos mágicos. Só então percebia que o que ganhara em
experiência se multiplicava na partilha.
‒ Avó, estás a chorar?
As palavras trouxeram-na para o aqui e para o agora. Um agora que sempre confundia com a ágora,
espaço de cidadania da Grécia Antiga, que inevitavelmente resvalava para o ager territorial do Império
Romano. Nunca conseguia separar tempo e espaço, da mesma forma que nunca conseguia divisar
história e geografia, Sol e Lua, sagrado e profano. Pressentia que a unidade incorporava conflito e
oposição e que a plenitude resultava dessa dualidade. Não era um encontro ao centro, era o equilíbrio
da extremidade dos pólos mais convictos e perseverantes, cada qual crente acérrimo da sua verdade
insofismável. A divergência resultava inevitavelmente em lágrimas, lágrimas proporcionais à
consciência sobre causas e efeitos da separação. Só assim a re-união era plena.
Um sorriso sereno, terno e silencioso, de quem já fez as pazes com os paradoxos da vida, acalmou as
preocupações da jovem. Avó e neta partilhavam uma sabedoria ancestral, orgânica e visceral que
dispensava palavras. Tudo entre elas era sentimento e intuição. Mais do que partilhar o mesmo
sangue, eram parte da mesma alma.
Nisto, ouviu-se a chave rodar na fechadura.
25
‒ Adeus, Sr. Francisco, até amanhã. Cumprimentos à sua senhora.
Disparada em direcção à porta, solta-se uma entusiasmada voz jovial:
‒ Avô, avô, não imaginas o que encontrei nesta caixa!
Emocionados, trocaram um olhar cúmplice ‒ never ever tear us apart ‒ e, imortais, mergulharam juntos
no eterno infinito.
Páscoa, 10.04.2020
26
INÊS MARTO
~
CONTACTO
https://inesmarto.com/
Perséfone de tão ambígua eu me confesso, na
transparência das águas onde me refiz matéria.
Reconstruo-me novo nada, se nada fui ou serei.
Gota. Mera. Existência. Onda. Magnética. Astral.
Ínfima na superlativa semente geométrica que se designa
sapiência perpétua.
Feita dos meus próprios falsos passos e fracassos,
entre os dedos junto os cacos com que adorno o mero
corpo, invólucro de perceptivar instantes.
Dou-lhes até de bandeja dourada as farpas com
que me hão-de cobrir a estrada. Eu que não temo o
sangue nem o negro. Eu que abro as próprias feridas com
mãos ambas e as disseco, e lhes deito sal, e lhes cuspo, e
as mordo e saboreio, derradeira desconstrução, ascendo
no rastejar.
É o lodo até à boca que me torna a coroar,
sobrevivente da minha própria existência. Sem fôlego
ainda, grito-o em espasmo de escrita aos sete lírios do
além. E abro as palmas das mãos, no fim do fio da navalha,
como quem, ainda que derrubada, torna instalação e arte
a sua própria batalha.
Forro-lhes a talha dourada, sem subterfúgio ou
lamento, a espada que me hão-de erguer à cabeça,
ciente, cúmulo transparente, terra e semente, disforme,
borboleta divergente, num púlpito de existência.
Afio-lhes com os meus próprios dentes a faca com
que me querem purgar dos defeitos que eles acham que
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são defeitos. Inerte, desfio o rol de fraquezas, mostro a carne até ao avesso das minhas feridas. Até
lhes marco os alvos onde hão-de cravar a superficial ira da pequenez.
Sou-lhes banquete e alimento, de mão beijada, bandeja dada, no altar assumido das fraquezas
com que enlaço a minha coroa de flores e morte. Esperançosa. Aguardo que a covardia do ataque faça
uso do meu mais pútrido e deplorável, já assinalado a giz.
E no final, sou gargalhada. Nem mesmo inerte, nem dissecada, nem mesmo de bandeja dada,
carne aberta à destruição guiada. Nem com convite selado me sabem tirar a estrada.
Caio, objecto, repugnante, inanimada, deixo que se deliciem com a aparente conquista. E
Perséfone confessada, sou curva na estrada, sigo rumo ao horizonte que a pequenez não avista.
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2 Agradeço à professora Anna Maria Lunardi Padilha pela leitura atenta e discussão sobre este texto.
DESCONFINAR? NOTAS PARA UMA REFLEXÃO EM
TEMPOS DE PANDEMIA
IVONE MARTINS DE OLIVEIRA2
CONTACTO
imartinsdeoliveira3@gmail.com
São 6 horas. O despertador toca e José se prepara para
sair. Enquanto isso, acompanha o noticiário pela
televisão, que informa sobre o número de infectados e de
mortes por Covid-19. O confinamento é uma
recomendação mundial e local. Mas, todos os dias, José
precisa se dirigir à empresa onde trabalha. Muitos de seus
colegas estão desenvolvendo suas atividades em casa.
Embora José também pudesse realizar grande parte de
suas tarefas em seu domicílio, deve estar em seu local de
trabalho. Apesar de correr muito mais risco de ser
infectado e adoecer, precisa ir para a empresa, porque ela
“não pode parar”. O mundo “não pode parar”. Ainda que
não faça diferença o fato de José trabalhar em casa ou na
empresa, simbolicamente sua presença nesse espaço
pode indicar que, apesar da pandemia, tudo está mais ou
menos no seu lugar, dentro de certa “normalidade” ‒ a
empresa continua funcionando.
Há muitos Josés – e Marias – espalhados pelo mundo.
Explorados. Subjugados. Expropriados de seu direito
básico, que é a manutenção da vida, em favor de uma
engrenagem produtiva que procura se movimentar a
despeito de qualquer intercorrência e acima de tudo.
A realidade imposta pela pandemia provocada pelo novo
coronavírus tem exigido dos governos uma política sani-
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tária de intenso confinamento social, uma vez que a taxa de letalidade é alta e não há medicamentos
que permitam a cura de todos os doentes e nem uma vacina até o momento. Mas há resistências a
esse confinamento.
A pressão em favor da “normalidade” em um momento de tamanha fragilidade da humanidade pode
ser identificada em diferentes setores da sociedade, especialmente no chamado “setor produtivo”,
que, vendo seus lucros diminuírem, incentivam movimentos em favor da não paralisação do trabalho
e do comércio, a despeito do avanço da propagação do novo coronavírus e de doenças respiratórias.
Economistas reiteradamente destacam que, caso não se volte à normalidade, a economia pode entrar
em colapso.
Nesse contexto, delineia-se uma falsa dicotomia entre “salvar vidas” e “salvar a economia”, como
ressaltam muitos cientistas sociais e econômicos. Uma dicotomia que se mostra falsa diante do
argumento de que, para além das questões éticas, a proteção à saúde pública é necessária para que
os trabalhadores possam voltar a seus postos de trabalho e manter suas atividades dentro dos
padrões estabelecidos; se não houver trabalhadores saudáveis, a produção fatalmente estará
comprometida. Mas talvez esse argumento seja frágil para parte significativa do setor produtivo diante
da perspectiva de um considerável “exército industrial de reserva”, como destaca Hiago Trindade
(2017), com trabalhadores que podem imediatamente ocupar os postos vagos. Assim, trabalhadores
perecem, mas a economia estaria salva – poder-se-ia perguntar: qual economia e para quem? Como
afirma Naomi Klein (2020), “O sistema capitalista sempre esteve disposto a sacrificar a vida em grande
escala em prol do lucro”. Configura-se, então, um dilema que não é puramente econômico, mas
também ético: enquanto seres humanos, vamos considerar aceitável sacrificar vidas para salvar uma
engrenagem que se tem chamado de economia e que não serve de maneira igualitária a toda a
população?
Assim, nesse movimento, cabe perguntar se o confinamento maior não é o de José, que embora saia
de casa todos os dias para trabalhar, está preso a uma engrenagem que serve às pessoas de maneira
desigual e se mantém a partir da automatização também dessas pessoas, de seus movimentos, seus
pensamentos, suas necessidades e seus desejos.
Em frente a muitas pressões pelo desconfinamento, também cabe perguntar: desconfinar de quê e
para quê?
Não há como não reconhecer que o período pós-pandemia será de grandes desafios em termos sociais
e econômicos para muitos países – assim como está sendo o momento atual. Economistas, sociólogos
e cientistas políticos anunciam uma fase de estagnação e queda das taxas de crescimento mundial.
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Porém, as dificuldades serão maiores para países emergentes e, nesses países, para os pobres e para
grupos específicos, como negros, indígenas, uma parcela dos imigrantes e refugiados. Embora o
coronavírus pareça ser “democrático”, atingindo a todos indistintamente, não somente as
possibilidades físicas e sanitárias de tratamento da doença, como a capacidade de lidar com seus
efeitos a médio e longo prazo revelam o abismo que há entre ricos e pobres do mundo no processo de
manutenção de uma vida digna.
Na verdade, a pandemia causada pela Covid-19 traz o agravamento de uma crise que já se delineava
em nível mundial. Muhammad Yunus, economista, vencedor do prêmio Nobel da Paz, aponta a
catástrofe climática, o desemprego e a concentração da riqueza nas mãos de poucos como grandes
problemas a serem enfrentados pelos governos (YUNUS, 2020). Ojilve Ramón Medrano Péres (2020)
chama a atenção para o acelerado crescimento urbano em nível global e as demandas que isso tem
colocado para a manutenção da vida para as quais o caminho trilhado tem sido a maximização da
exploração dos recursos naturais e da produção e estímulo aos bens de consumo, acompanhado de
inconsistentes medidas de descarte do lixo, aspectos incompatíveis com um desenvolvimento
sustentável.
Slavoj Žižek (2020) destaca os perigos de uma economia global que esteja submetida majoritariamente
pelas flutuações do mercado. Nesse contexto, ressaltam-se os recorrentes cortes de gastos e
investimentos em áreas sociais, em diversos países, o que revela sua face mais cruel na precariedade
do atendimento de saúde às pessoas infectadas pelo novo coronavírus, seja pelas limitações no
funcionamento de hospitais públicos ou pela inexistência de um consistente sistema nacional de
saúde pública.
A insustentável condição socioeconômica e sanitária de muitos Josés e Marias, bem como suas
situações indignas de vida e de trabalho são temas de debates, de reivindicações e de lutas de
diferentes associações e organismos em nível local e global. Porém, no jogo de forças que se
estabelece nas relações de produção, a balança tem sido pouco favorável para o grande contingente
de pessoas privadas de bens materiais e simbólicos básicos para sua existência. E é nesse contexto
de pandemia que alguns filósofos, sociólogos, economistas e cientistas políticos, entre outros
profissionais, ensaiam reflexões sobre uma realidade social e econômica que, segundo eles, terá seus
desafios muito mais acentuados quando as maiores ondas de disseminação do novo coronavírus
passarem e a vida social puder atingir certa “normalidade”.
Diante disso, outra forma de pensar o desconfinamento pode ser planeada a partir da contribuição de
estudiosos que se detêm na análise da vida social. A noção de “normalidade” é questionada por Naomi
Klein, que sublinha que essa normalidade era/é uma “imensa crise”, quando se olha para as condições
31
climáticas, para a pobreza e as condições de trabalho das pessoas. Assim, não seria o caso de buscar
a normalidade, mas formas de implementação de uma “economia verdadeiramente regenerativa,
baseada no cuidado e na reparação”. Muhammad Yunus também chama a atenção para mudanças
estruturais na maneira de organização e funcionamento das instituições, pautada por uma
“conscientização social global” em relação à “recuperação das pessoas e do planeta”. Pérez defende
os enfoques transdisciplinares de maneira a se analisarem os desafios do crescimento dos centros
urbanos e propor alternativas de sustentabilidade da vida baseadas em “una nueva forma de vivir
mejor con menos, recuperando la simplicidad inherente a la sostenibilidad” (MEDRANO PÉREZ, 2020,
p. 6). Slavoj Žižek enfoca a solidariedade e a “cooperação global”, indicando a necessidade de se
pensar em novas alternativas em termos globais que permitam um nível mais consistente de controle
e de regulação da economia.
Enfim, alguns estudos e reflexões que abordam os efeitos da pandemia em termos globais mostram a
necessidade de alterações profundas nas relações entre os países e nas políticas sociais e ambientais
de cada país, de maneira a assegurar a manutenção da vida no planeta. De certa forma, também
permitem um aprofundamento da reflexão sobre o desconfinar, termo que poderia ser utilizado como
uma metáfora para designar a pungente necessidade de se discutirem novas formas de pensar os
setores produtivos, as relações sociais e a relação entre o ser humano e as demais formas de vida na
Terra. Como aponta Žižek, nos momentos de crise, como a que se vive com a pandemia, as decisões
de caráter político são essenciais.
Períodos de grandes calamidades sempre demandam reorganizações e transformações na vida social.
Em um momento em que os governos ensaiam projeções e ações para o período pós-pandemia, é
fundamental que a sociedade como um todo possa acompanhar as discussões e participar tanto
quanto possível da definição dos rumos a serem seguidos. Diante da questão acerca da direção a
seguir, nos parece pertinente uma abordagem da utopia. E do próprio desconfinar no contexto de
uma visão utópica da vida social, pública e privada.
Discorrendo sobre aspectos históricos que perpassam a noção de utopia, Marilena Chaui (2008) afirma
que esse termo aponta, via de regra, para a configuração imaginária de uma sociedade perfeita, justa
e feliz. A utopia implica um olhar crítico sobre a sociedade, tal qual ela se configura – concepções,
valores, costumes, formas de organização da vida social e produtiva – e, diante da identificação de um
conjunto de elementos considerados negativos nessa sociedade, a criação imaginária de uma
realidade totalmente nova, em que esses elementos sejam extintos. Na busca de criação de um mundo
novo, em oposição ao existente, o discurso utópico pode remeter a mudanças e/ou eliminação de
componentes considerados injustos ou danosos à vida social e ao planeta como um todo ou
transformações na própria estrutura dessa sociedade. Embora seja uma elaboração imaginária de uma
32
sociedade possível – e não um “plano de ação” – o discurso utópico pode contribuir para a produção
e implementação de projetos de intervenção social comprometidos com o bem comum.
Para Chaui (2008, p. 8), a utopia implica “[...] a visão do presente sob o modo da angústia, da crise, da
injustiça, do mal, da corrupção e da rapina, do pauperismo e da fome, da força dos privilégios e das
carências, ou seja, o presente é percebido como violência”, a ser superada em favor da felicidade de
todos no âmbito público e privado. Nessa perspectiva, valores como liberdade, igualdade,
fraternidade e justiça social necessitam ser reafirmados.
Assim, pensar o desconfinar na direção de uma vida justa e feliz para todos implica considerar uma
luta que se trava ao mesmo tempo individual e coletivamente rumo a transformações sociais e
econômicas profundas nos âmbitos global e local no contexto pós-pandemia. Seguir por essas trilhas
em um momento tão trágico como este que vivemos permite renovar esperanças, vislumbrar
possibilidades, sonhar e orientar o caminho dos esforços rumo a uma sociedade em que milhares de
Josés e Marias possam sair do confinamento maior da desigualdade social, da abominável
desvalorização de suas vidas por parte de alguns setores da sociedade e da progressiva
insustentabilidade da vida no planeta.
Nessa perspectiva, a utopia é movida pela esperança de que transformações sociais profundas são
possíveis e uma situação-limite como a que a humanidade vive nesse momento – marcada não
somente pela pandemia, mas por guerras, desigualdades sociais, pobreza extrema e paulatina
deterioração dos recursos naturais do planeta – pode ser propulsora de parte dessas mudanças: “[...]
não entendo a existência humana e a luta necessária para fazê-la melhor, sem a esperança e sem o
sonho. A esperança é necessidade ontológica [...]”, afirma Freire (1992, p. 5). No entanto, nesse
contexto, utopia e esperança são apenas parte do primeiro passo a ser dado, alerta o autor. A utopia
e a esperança podem transformar-se em desesperança, caso não sejam acompanhadas da prática, da
ação alicerçada em uma análise política e comprometida com a superação da opressão a que é
submetida grande parte da população mundial. Opressão que tem uma de suas faces mais perversas
na atualidade nas filas de milhões de pessoas desempregadas desesperadas nas portas virtuais dos
sites governamentais em busca de minguados benefícios para sua sobrevivência ou nas portas de um
hospital em busca de cura para sua doença.
É nesse contexto que a prática educativa revela seu grande potencial no exercício da utopia. Ainda
que a abordagem de novas formas de relações e de existência no e com o planeta extrapole
sobremaneira o âmbito educacional, é imperativo reconhecer o seu papel na formação das novas
gerações de maneira a se perseguir um projeto utópico de sociedade, pautado pela justiça social e
pela felicidade de todos os seus membros. Na perspectiva em que o abordamos aqui, o
33
desconfinamento também implica conhecimento sobre a realidade e sobre si nesse contexto. Um
conhecimento que inquieta, produz indignação e deslocamentos no que tange ao olhar que oprime,
porque grávido das dores, das alegrias, dos sonhos e das perplexidades diante da retirada dos véus
que impediam uma visão mais ampla da realidade de quem é oprimido. Conhecer também é
desconfinar.
Entretanto, há que ser um conhecimento engendrado em uma prática que conceba a educação para
além das necessidades do mercado, dos interesses dos grandes conglomerados de empresas de
tecnologia da comunicação e da informação em expandir seus negócios oferecendo ensino a distância
para estudantes do nível básico e superior. Há de ser uma educação concebida como um bem público,
concretizada presencialmente, enraizada nos princípios de uma formação humana abrangente, que
permita a todas e todos estudantes a apropriação efetiva dos bens culturais produzidos pela
humanidade. Que seja emancipadora, libertando dos elos da ignorância, do individualismo e da
própria perspectiva do opressor internalizada. Educação que, em grande parte, ainda é utopia.
Esperança. Mas que pode encarnar-se em concretude histórica.
REFERÊNCIAS
CHAUI, Marilena. Notas sobre Utopia. Cienc. Cult., São Paulo, v. 60, n.º spe1, pp. 7-12, julho, 2008.
Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v60nspe1/a0360ns1.pdf. Acesso em: 24 abr. 2020.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1992.
KLEIN, Naomi. “O normal é mortal. A ‘normalidade’ é uma imensa crise”. Instituto Humanitas Unisinos.
Entrevista publicada originalmente por El Salto, 01-04-2020. Trad. Centro de Promoção de Agentes de
Transformação (CEPAT). 02-04-2020. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/597713-o-normal-e-
mortal-a-normalidade-e-uma-imensa-crise-afirma-naomi-klein. Acesso em: 25 abr. 2020
MEDRANO PEREZ, Ojilve Ramón. Ciudades sobrecargadas: la sobreexplotación de recursos como
limitante del desarrollo sustentable. Antipod. Rev. Antropol. Arqueol., Bogotá, n.º 39, p. 3-12, Apr.
2020. Disponível em: http://www.scielo.org.co/pdf/antpo/n39/1900-5407-antpo-39-3.pdf. Acesso em: 2
maio 2020.
TRINDADE, Hiago. Crise do capital, exército industrial de reserva e precariado no Brasil
contemporâneo. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n.º 129, pp. 225-244, maio/ago. 2017. Disponível em:
https://www.scielo.br/pdf/sssoc/n129/0101-6628-sssoc-129-0225.pdf. Acesso em: 29 abr. 2020.
YUNUS, Muhammad. “Não vamos voltar ao mundo que tínhamos antes”. Instituto Humanitas Unisinos.
Entrevista publicada originalmente por La Repubblica, 18-04-2020. Trad. Luisa Rabolini. 20-04-2020.
Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/598194-nao-vamos-voltar-ao-mundo-que-tinhamos-antes-
entrevista-com-muhammad-yunus. Acesso em: 22 abr. 2020.
ŽIŽEK, Slavoj. Pandemia: la covid-19 estremece al mundo. Barcelona: Editorial Anagrama, 2020.
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CONTACTOS
https://joaoascenso.viewbug.com
jpascenso@gmail.com
JOÃO ASCENSO
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JOAQUIM COLÔA
CONTACTOS
https://www.slideshare.net/jcoloa
joaquim.coloa@gmail.com
Cheira-se o medo na morte pronunciada
e os gestos acantonam-se entre paredes
reduzidas a quase nada
paredes e gestos, a solidão.
Os braços pendem num esquecimento de como abraçar
e os lábios escondem as palavras
ninguém ousa falar
e nas mãos domina o medo que se torce
em ciclos de vício
para não arrancarmos a pele
gastamo-nos no gesto
soçobrando o acariciar.
A morte planta nos corpos alma genuína
o fulgor de quem se renova a cada pensamento
e em delicadeza dilacera as entranhas
e rasga a pele em cortes de ave de rapina.
Nus escondemo-nos das gentes escondidas, em quarentena
palavra oferecida
nela esconde-se o pânico tumefacto de perder no corpo
o corpo que nos pariu perdendo-se em dias contínuos de novena.
Agora que nos demos à prisão dos dias
semeia-se o medo
e por incautos nos arredamos dos sentidos
e enredados em teias de proteção nos voluntariamos
para espreitados e guardados sermos perdidos.
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Vigilantes prescindimos de nós
e asfixiados nos damos para ser vigiados
e assim confinados, organizados nos assumimos
ser peças soltas de dominós
no fim talvez nos ofereçam em manada uma escolta
no fim talvez, extraviados, queiramos a revolta.
38
CONTACTO
joakim.moreira@gmail.com
JOAQUIM MOREIRA
39
40
3
Trabalho apresentado na disciplina “Sistema Educativo e Escola Inclusiva: Educação para a Diversidade”, curso de Pós-
Graduação em Educação Especial: Domínio Cognitivo e Motor, Instituto Superior de Educação e Ciências.
4
Conceito proposto e desenvolvido por Colôa (2018, 2019).
DA EXCLUSÃO À INCLUSÃO3
A escola completa4
d o s é c . X X I
JORGE DA CUNHA
CONTACTOS
dislexiaedislexia.blogspot.pt
sibilante.blogs.sapo.pt
jorgedacunha@sapo.com
Pretendemos com este texto debater os conceitos
de inclusão e escola inclusiva no sistema
português de educação, associando-os a dois
outros conceitos: o primeiro (escola atraente), dos
finais dos anos 20 e anos 30 do século passado, de
Irene Lisboa; o outro (escola completa), defendido
desde 2018, por Joaquim Colôa. Pensamos ser
pertinente esta reflexão, 1) tendo em conta que se
fala de inclusão e de escola inclusiva como se
fossem conceitos novos; 2) o uso, de forma muitas
vezes inadequada, tornou estes conceitos vazios
do seu verdadeiro significado.
Palavras-chave: exclusão, integração, inclusão,
escola inclusiva, escola atraente, escola completa.
With this text, we intend to debate the concepts
of inclusion and inclusive school in the Portuguese
education system, associating them with two
other concepts: the first (attractive school), from
the late 1920s and 1930s, by Irene Lisboa; the
other (complete school), defended since 2018, by
Joaquim Colôa. We think this reflection is
pertinent, 1) considering that we talk about
inclusion and inclusive school as if they were new
concepts; 2) the use, in an inadequate way, made
these concepts empty of their true meaning.
Keywords: exclusion, integration, inclusion,
inclusive school, attractive school, complete
school.
INTRODUÇÃO
A inclusão é um princípio, não uma estratégia.
REDEinclusão
Este texto pretende refletir, por um lado, sobre os
conceitos de exclusão e inclusão em educação, através
do pensamento de alguns autores selecionados; por
outro, pensar sobre a utilidade de continuar a insistir
no conceito de “Escola Inclusiva”, uma vez que este
conceito está já há muito impregnado de preconceitos
que em nada facilitam a implementação da
diferenciação, diversidade e equidade que uma escola
para todos impõe. A reflexão sobre este conceito levar-
nos-á a propostas de outros autores, nomeadamente
de Irene Lisboa (1926): “Escola Atraente”, quando
ainda nem sequer se falava de integração, mas já havia
uma aproximação a ideias e práticas inclusivas (ver,
por exemplo, os textos pedagógicos de Irene Lisboa
dos anos 30 e 40 do século XX, não iremos alongar as
considerações sobre esta autora, será matéria para
outra abordagem); e de Joaquim Colôa (2018, 2019):
“Escola Completa”, quando se percebe que o conceito
de “Escola Inclusiva”, e mesmo o de “Inclusão”, parece
não servir as ideias da verdadeira escola para todos,
desenvolvidas por muitos autores ao longo da história
41
da educação, desde os princípios dos anos 90 também do século XX, por já estar imbuído de ideias
pré-concebidas que em nada ajudam a sua apropriada difusão.
Será talvez importante, antes de iniciarmos esta viagem pela história dos conceitos, perceber
as diferenças propostas por vários autores relativamente à integração e inclusão:
Quadro 1 – Adaptado de Sanches & Teodoro (2006), a partir de Ainscow (1995), Meijer (1998), Porter (1997),
Rodrigues (2001), Correia (2001), Armstrong (2001), Warwick (2001), Gardou (2003).
Esta reflexão não se escusará a criticar as opções políticas e administrativas, a legislação e
outros documentos, as posições de um ou outro autor e a prática educativa nas escolas em Portugal
se se proporcionar. No entanto, não será esse o principal objetivo. O nosso foco será o conceito de
Inclusão, principalmente porque nos preocupa que se debata tanto este tema, muito mais com a
entrada em vigor do Decreto-Lei 54/2018, de 06 de julho, fazendo parecer que o tema é inédito e que
a exclusão, presencial ou académica (Rodrigues, 2006), foi erradicada por decreto.
Às vezes, apetece perguntar: Por que caminhos têm andado os legisladores e as equipas que
elaboram os diplomas e estudos do Ministério da Educação? Que, por um lado, não entendem ou não
querem entender, muitas vezes deturpando as suas ideias, os autores portugueses e estrangeiros que
muito têm escrito, debatido e se indignado com as questões ligadas à escola para todos; por outro, a
realidade distópica, sombria e niilista do quotidiano das escolas portuguesas, que em muito devem
esta confusão a esses diplomas e estudos, mas também aos manuais que pretendem ajudar a perceber
aquelas produções, achando que quem as lê recebe e aplica sem reflexão. Nesta matéria estamos com
Niza, quando nos refere:
Como hoje os governos falam de inclusão, a torto e a direito, quando querem reinstalar a caridade
pública, nós temos que queimar esse conceito pois já não nos serve para nada. Já não serve para
aquilo que foi criado. Temos provavelmente de encontrar novos modos de dizer aquilo que parece
não termos sido capazes de dizer a seu tempo nos anos 90. Está tudo comprometido. Quer dizer, mas
está tudo perdido? Não! Colecionamos muitos erros, mas ainda temos muito para aprender, se
42
quisermos analisar todos esses passos mal cumpridos vamos acumular muito conhecimento. E essa
é uma fantástica aventura do conhecimento. Voltar atrás e ver tudo o que fizemos de mal e ver como
evitar repetir exaustivamente, cansativamente, as mesmas coisas, contra parte da nossa
Humanidade. (Santos, Costa & Niza, 2014, p. 260)
DA EXCLUSÃO À INCLUSÃO (BREVE REVISÃO DA LITERATURA)
Foi a partir dos anos 60 do século XX que começaram a surgir novas ideias, conceitos e práticas
educativas (Sanches & Teodoro, 2006) que faziam entender que a mudança era possível no que diz
respeito a uma escola para todos, incluindo aqueles que apresentavam deficiência. O percurso, daí
para a frente, não tem sido fácil, muitas vezes cheio de erros que tendem a repetir-se. No entanto,
comparado com o longo período que ficou para trás, podemos dizer que, apesar dos espinhos,
algumas rosas foram colhidas: “A intervenção com os apelidados de ‘diferentes’ tem-se construído
num verdadeiro laboratório de inovação e de descoberta da aprendizagem humana” (Sanches &
Teodoro, 2006, p. 66), apesar de nos encontrarmos ainda longe de uma situação equilibrada, no que
diz respeito à inclusão de todos os alunos na escola regular com acesso a currículos abertos e a uma
flexibilização curricular efetiva e não apenas num papel muitas vezes mal amanhado e confuso. O que
devíamos, pois, buscar incansavelmente devia ser uma prática generalizada, em que a pedagogia
diferenciada não fosse uma medida, absurdamente assim considerada no 54/2018, mas uma
metodologia que promove, mais do que a inclusão, a equidade.
Pelo menos, com o Decreto-Lei 54/2018, foram conseguidas, aparentemente, três conquistas
desejadas por Ana Maria Bénard da Costa (Santos, Costa & Niza, 2014). Quando lhe perguntaram que
transformações faria nos documentos de política educativa, respondeu com a honestidade intelectual
que lhe é característica e exigida:
Ignoro muitas das medidas atuais e não estou qualificada para responder a esta questão. Mas arrisco
a dizer só 3 medidas:
1. Alterar o DL 3/2008.
2. Acabava com a aplicação da CIF como medida de avaliação dos alunos.
3. Eliminava a classificação de “elegível” ou “não elegível” para poder aceder ao apoio na sua
aprendizagem. (p. 247)
De facto, o 3/2008 foi alterado. Com certeza. A CIF deixou de fazer parte da realidade da
educação. Com certeza. Quanto à classificação de “elegível” ou “não elegível”, temos muitas dúvidas
se a abordagem concretizada em “medidas de suporte e apoio à aprendizagem e inclusão” não o está
a fazer, ainda que de forma dissimulada.
No entanto, não podemos esquecer, e também isso devemos a Bénard da Costa, que o velho
Decreto--Lei 319/91 já se tinha afastado dos critérios médicos, valorizando os pedagógicos: “O
Decreto-lei 319/91, de 23 de agosto, difundiu o conceito Necessidades Educativas Especiais e
43
decretou a substituição dos critérios médicos por critérios pedagógicos para avaliação destes alunos”
(Sanches & Teodoro, 2006, p. 68).
Mas revisitemos, ainda que brevemente, a história da criança e, em particular, das crianças
“diferentes” através da História. Ficaremos, deste modo, com uma ideia mais clara do que era a
exclusão antiga para nos ajudar a perceber o conceito de inclusão hoje e, enfrentemos sem
preconceitos a realidade, o de exclusão dos tempos modernos, nomeadamente na escola, até porque,
isto devia preocupar-nos muito, a exclusão escolar é a primeira etapa da exclusão social (Morgado,
2003, 2019).
Os cuidados especiais que os adultos têm hoje com as crianças, vê-las a partir do seu mundo;
compreendê-las a partir de dentro, tendo em vista o seu bem-estar, são historicamente muito novos e
contrastam com cuidados bem menos tolerantes, abeirando muitas vezes a
precariedade/instabilidade vivida noutras épocas.
Na Grécia Antiga, por exemplo, a criança deficiente era mandada para as montanhas, bem longe
dos olhares alheios; na Roma Antiga, eram atiradas ao rio; na Idade Média, e até ao século XVII, eram
perseguidas, julgadas e executadas por feitiçaria ou por terem pacto com o Diabo. Ariès (1981) diz-
nos que só a partir do século XVII é que se processaram alterações na conceção de infância, que
resultariam em cuidados especiais com as crianças do século XX. Até então, como nos refere Badinter
(1985), a criança tinha pouca importância no seio familiar, oscilando entre o incómodo, a
insignificância e o medo. E qualquer ação contra a criança era tida como moralmente neutra: apesar
de estas ações serem condenadas pela Igreja e pelo Estado. No entanto, as atrocidades eram
cometidas em segredo e as descobertas raramente eram condenadas (Ariès, 1981). É claro que, numa
observação mais cuidadosa pela história da criança, encontramos exceções a este consenso histórico
e isto também não significa que o adulto, nestes séculos recuados, não partilhasse ternura pelas
crianças, já pelas crianças deficientes a situação era diferente. Em muitos locais, o tratamento
medievo dado aos deficientes prolongou-se até ao século XX.
Em História da Vida Privada, Ariès e Duby (1990, v. 2) referem que, no século XV, a introdução
da criança na vida privada familiar acontece de forma simples e grosseira, no entanto parece não se
recusar de todo o afeto. Mas é só mais tarde que se descobre a criança, as suas graças e os seus dons:
A partir dos finais do século XIV aparecem, nos meios abastados das cidades, indícios de uma nova
relação com a criança. São menos as marcas de uma nova afetividade do que a vontade, cada vez
mais afirmada, de preservar a vida da criança. Dois séculos mais tarde, o exemplo de Scevole de
Sainte-Marthe5
é francamente significativo da atitude das novas elites sociais do Renascimento. Esta
vontade de salvar a criança aumenta continuamente no decurso do século XVII, e Madame de Sévigné
testemunha esta recusa do pior quando a sua neta está doente: «Não quero que isto morra!»,
exclama. (Gélis, em Arié & Duby, 1990, v. 3, p. 315)
No século XVIII, a criança com deficiência começa já a ser vista de outra forma. Para isso, muito
contribuiu a filosofia de Rosseau, principalmente a partir da obra Emílio ou da Educação (Correia,
5
Reuniu no poema “Paedotrofia” as investigações que fez para salvar o filho que se encontrava às portas da morte.
44
1997) que partia do pressuposto de que o homem nascia naturalmente bom e que a sociedade é que
o corrompia. A criança é aqui entendida na sua complexidade enquanto criança e deve ser valorizada
através da educação.
Refere Michelle Perrot (Ariè & Duby, 1990, v. 4) que no século XIX “(...) a criança está mais do
que nunca no centro da família” (p. 146). É objeto de um investimento a todos os níveis: afetivo,
certamente, mas também económico, educativo, existencial, tendo em vista o bem comum, é,
portanto, já um “ser social”. Ela é o futuro da família, da nação, da espécie. Também a criança com
deficiência começa a ser pensada de outra forma. Como socializar a diferença? Para isso era
necessário transformar os seus males (Correia, 1997), através de canções expurgatórias, rezas ou
exorcismos, de maneira a que ficassem o mais próximo possível da normalidade ou, pelo menos, que
não incomodassem a normalidade do quotidiano. Mas, neste século, não eram só as práticas populares
e religiosas que tentavam atuar sobre os diferentes, também os médicos e a ciência entraram em cena,
interessando-se pelas deficiências. Lembremo-nos, por exemplo, do famoso caso de Victor, de Itard,
com deficiência mental profunda (Correia, 1995).
É hoje comummente aceite que o advento dos processos de escolarização e da escola se deve,
pelo menos em parte, ao sentimento/sentir da infância, afastando de vez a criança de uma
aprendizagem informal, com os adultos, levando-a a um “lugar próprio” para o ensino: a escola.
Contudo, a escola e a família não eram, ainda, espaços opostos de aprendizagem, mas
complementares, tal como Erasmo (1978) o havia concebido em Civilidade Pueril (deposita toda a
confiança na educação doméstica: é no seio da família e, antes de mais, na imitação dos pais, que a
criança aprenderá costumes e maneiras. No entanto, é na escola que está o futuro da civilidade).
É então no “espaço próprio” para o ensino que a infância passa a ser objeto de atenção e
estudo, e a escola o espaço de saberes específicos. Não passa só a ser vista como agente de
reprodução social, mas também como uma etapa de emancipação dos indivíduos. Os saberes sobre a
infância são o motor da produção dos saberes sobre a escola. Com o século XX, aparecem Freud,
Galton, Binet, Simon e tantos outros que ampliaram os conhecimentos e chegaram à conclusão de que
as crianças diferentes necessitavam de educação, é então que começa a surgir a necessidade da
criação de escolas especiais (Correia, 1997), de as isolar do resto da sociedade e dos seus pares. É,
pois, o surgimento de uma outra forma de segregação/exclusão.
Inevitavelmente, a “escola nova” passa a criticar a “escola velha”, a tradicional; a forma como
esta trata os alunos, as suas práticas pedagógicas, a partir de uma conceção errada da infância: não
aceitando a criança como criança, mas como um depósito onde os adultos colocavam a vida dos
adultos. “A criança, brincando, elabora, remói um pensamento, faz as suas experiências e forma os
seus conceitos. Os seus recursos, para este fim, não são o pensamento puro, a abstração do adulto
(...)” (Lisboa, 1933, p. 5). Os teóricos da “escola nova” viam os princípios da “escola tradicional” como
desadequados às aceleradas mudanças do fim do século XIX e princípios do século XX.
45
Se eu ainda ensinasse, grandes ou pequenos, diria aos grandes que andam para aí com tanta
macaquice pedagógica: para os pequenos, a escola, a educação não é só função de adquirir, é
também ou, em primeira instância, função de revelar, de manifestar... (Lisboa, 1974, p. 195)
Diziam eles que estas mudanças apontavam para o desenvolvimento das capacidades
individuais, em detrimento da homogeneização de comportamentos.
No entanto, nem tudo da “escola tradicional” era rejeitado, pelo menos teoricamente: “(…)
ainda em 1882 o Dicionário de Pedagogia de Ferdinand Buisson, erigido à glória da nova escola,
regista pudicamente que certas regras [de Civilidade de Erasmo] «permanecem populares»” (Revel,
em Ariès & Duby, 1990, v. 3, p. 182).
Ao longo dos tempos, os conceitos evoluíram, as práticas educativas foram mudando ou
adaptando--se, e o olhar sobre as crianças e jovens diferentes também se alterou.
Segundo Jiménez (1997), já no século XIX, havia a preocupação de prestar apoio a pessoas com
deficiência, embora no início este apoio assumisse uma forma assistencial. Apesar destas
preocupações na resposta educativa à criança com deficiência, as práticas integradoras só
começaram a ganhar forma no século XX, com a publicação da Declaração sobre os Direitos da
Criança (ONU, 1959). Com este documento, a educação é declarada como um direito de todas as
crianças. E, anos mais tarde a acompanhar esta evolução, surge a Declaração dos Direitos das
Pessoas Deficientes (ONU, 1975) onde se defende que devemos de “prestar assistência às pessoas
deficientes para que elas possam desenvolver as suas habilidades nos mais variados campos de
atividades e para promover portanto quanto possível, a sua integração na vida normal” (p. 9). (Amaro,
2011, p. 33)
A partir da segunda metade do século XX, os estudos começaram a intensificar-se, as
necessidades também, e percebeu-se que, se calhar, as crianças diferentes deviam ser tratadas de
outra forma. Esta consciencialização trouxe “(...) empenhamento e esperança, espelhada num
renascimento humanista cada vez mais evidente e que atingiu o apogeu nos anos 60” (Correia, 1997,
p. 14). A questão das escolas especiais começou a ser colocada em causa. Eram encaradas como uma
forma de exclusão a todos os níveis.
Começaram, então, a surgir muitos programas com qualidade e muitas movimentações de pais
e associações apoiados pelo conhecimento científico. Ora, estas movimentações fizeram com que
fosse “(...) necessário proceder-se a um conjunto de mudanças, legislativas e educacionais, que
permitissem que esse aluno com NEE pudesse usufruir do mesmo tipo de educação que o seu
companheiro dito “normal”, ou seja, sempre que possível, o aluno com NEE devia ser educado na
classe regular” (Correia, 1997, p. 19). Estávamos, pois, na presença de um conceito novo em
educação: a integração chegava assim à educação, isto é, as crianças deficientes tinham o direito a
frequentar a escola normal, a escola menos restritiva possível, a escola que tivesse em conta o
conhecimento/aprendizagem, mas também a socialização destes alunos, onde tivessem mais
oportunidade de progredir. O termo integração, como nos refere Correia (1997), surge assim do
conceito de “normalização”. Ora, as escolas mais integradoras seriam “(...) as que a [criança] separam
o menos possível do contexto natural de que faz parte integrante” (Correia, 1997, p. 19). Mas a
46
integração previa que o aluno chegasse à escola regular e se adaptasse, tendo um currículo que
muitas vezes era construído apenas para ele. Uma vez que o peso da deficiência se sobrepunha às
capacidades, estar integrado deixou “(...) de ser sinónimo de acompanhar o currículo normal (...)”
(Correia, 1997, p. 27). O contexto natural era assegurado, mas mantinha-se inalterado e, muitas vezes,
o aluno era mesmo retirado do grupo e trabalhado individualmente, quando não era colocado em
turmas especiais. Portanto, apesar de frequentar fisicamente um espaço comum a todos os alunos, na
realidade a discriminação/exclusão mantinha-se e a aprendizagem era feita a partir de critérios que
não permitiam desenvolver as reais capacidades.
Durante esta primeira fase – ou seja nos primeiros anos da década de 70 – a perspetiva era o apoio
centrado no aluno tentando que a escola o aceitasse, mas não implicando mudanças nas atividades
normas da sala de aula nem nos métodos de ensino. Este conceito levava a que se achasse
necessário que as crianças com graves problemas de aprendizagem fossem educadas em escolas
especiais. Nesse sentido, foi dado o apoio à criação de escolas para estes alunos promovidas por
Cooperativas e Associações de Pais. Houve o extraordinário movimento de pais, nomeadamente o
movimento CERCI, que desencadeou um desenvolvimento extremamente rápido de estruturas
educativas para crianças e jovens que não tinham até aí nenhuma estrutura educativa acessível.
(Santos, Costa & Niza, 2014, p. 241)
Apesar do conceito conter “(...) ainda formulações que permitem a exclusão de alguns alunos
do sistema regular de educação” (Freire, 2008, p. 8), a chegada à educação do conceito de integração
constituiu uma viragem enorme na forma de pensar a escola e a aprendizagem, e foi um caminho muito
proveitoso a todos os níveis para chegarmos ao conceito de inclusão, que, como veremos à frente,
também não está isento de críticas. Observámos ainda, a partir do pensamento de vários autores e do
testemunho de quem esteve no terreno muito antes dos anos 80 e 90 do século XX (quando
proliferaram os documentos legais que abordavam a questão, nomeadamente a Lei de Bases e, mais
tarde, as fabulosas experiência inclusivas que iam acontecendo pelo país fora), que o conceito de
integração e a prática inclusiva, para muitos, já encerrava princípios claros de inclusão.
Transcrevemos o testemunho de alguém que começou por ser professora nos anos 60 do século
passado, hoje investigadora e autora, numa época em que se estava a dar os primeiros passos no
sentido de um ensino integrado em Portugal (Santos, Costa & Niza, 2014).
Todo o meu trabalho nasceu, foi nascendo, pela necessidade de dar resposta aos alunos que não
conseguiam ler, que ficariam excluídos se não conseguissem aprender a ler, a chave do acesso a
todos os outros saberes. Sem saber, sem usar a palavra INCLUSÃO, era o que eu fazia... Na altura
não havia professores de apoio, as crianças aprendiam na sala com a sua professora ou
simplesmente não aprendiam... Não sei quando se falou pela primeira vez de INCLUSÃO. Sei que
desde o meu primeiro ano de ensino em 1962 eu praticava a inclusão, esforçava-me, inventava
estratégias, para não deixar nenhuma criança para trás. Não precisei da palavra INCLUSÃO para
incluir todas as crianças que ensinei, nos bairros de barracas onde sempre escolhi ensinar. Não, o
conceito, a prática de estratégias inclusivas não é recente... Sem a palavra, mas com o gosto de
ajudar todas as crianças, a inclusão era praticada por mim e por muitas colegas. E as turmas não
eram pequenas, e muitas não tinha só uma classe! (Paula Teles6
, 2019)
6
Email enviado em 18 de outubro de 2019.
47
São, no entanto, estas práticas, a forte produção científica e a intensa discussão que se gerou
à volta de tudo isto que fez surgir, no início dos anos 90, o diploma que autorizava a grande mudança,
apesar de este diploma (DL 319/91) ter surgido antes da Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994),
talvez tenha sido o primeiro passo para a clarificação do conceito de inclusão em Portugal (embora
falasse de integração, mas o 3/2008 também refere este conceito várias vezes).
Esta perspetiva foi discutida em várias reuniões na DEE e foi enviado a todos os elementos um texto
que se chamava “Novos rumos para a Educação especial”. Aí propunha-se que se iniciasse, em
algumas escolas, uma experiência de integração destes alunos. Organizou-se um encontro alargado
sobre este tema e foi acentuada a noção de que não podíamos dizer que procurávamos integrar as
crianças com deficiência e depois não integrar as que constituíam o maior grupo – as que tinham
graves problemas de aprendizagem. Estes conceitos e as formas de os aplicar foram aprofundados
e foi redigida a proposta de uma nova legislação. A autorização desta proposta veio dois anos depois
e é o DL 319. (Santos, Costa & Niza, 2014, p. 243)
Antes de nos debruçarmos sobre a inclusão, vejamos como Bénard da Costa concebeu a
evolução do ensino desde a segregação à inclusão, ela que vem da integração, passando a defender
entusiasticamente a inclusão7
.
Quadro 2 – Evolução proposta por Ana Maria Bénard da Costa
Ora, com a chegada dos anos 90 do século XX, muitos começaram a perceber que o que tinha
sido feito até aí não chegava, pois a escola ainda continuava a produzir exclusão, ainda que, muitas
vezes, de forma disfarçada.
(...) reforçou-se a tomada de consciência de que o que era preciso era combater as formas de
exclusão. E o que se opõe à exclusão é a inclusão. Portanto começamos a falar já de um conceito
avançado, que ultrapassa estas manipulações, esta engenharia dos grupos, subgrupos, das classes,
dos serviços diversificados. E isso torna a consciência mais nítida de que todos os cidadãos têm o
direito a aprender, numa escola comum, numa escola regular comum. E esse é o grande avanço. E é
um avanço civilizacional, é um avanço cultural e de civilização. (Santos, Costa & Niza, 2014, p. 255)
7
Joaquim Colôa (2019, outubro). Pós-graduação em Necessidades Educativas Especiais. ISEC-Lisboa.
48
Em 2014, passados vinte anos da introdução do conceito de inclusão, Niza mostrava-se
desiludido: “(...) estamos outra vez agarrados a uma grande máquina que nega os direitos que as
crianças com necessidades especiais (...) têm a uma socialização num ambiente ecológico e
equilibrado (...)” (Santos, Costa & Niza, 2014, p. 255). Referia-se, portanto, às consequências que
surgiram a partir do Decreto-Lei 3/2008, das medidas aí defendidas e, de certa forma, do regresso a
uma visão catalogadora da deficiência e das dificuldades de aprendizagem com a exigência da
aplicação da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), bem como a categorização de
“elegível” e “não elegível”.
Estamos à beira, provavelmente, de um novo retrocesso civilizacional. Provavelmente porque se
aperceberam que a barbaridade que cometeram em 2008, com a passagem para a mão dos
professores de um instrumento de classificação nosológico, da medicina, que terem feito isso para
tornar mais barata a educação das crianças com necessidades especiais, vieram a aperceber-se de
que os professores utilizam a seu modo, dentro da cultura escolar, esse instrumento, porque esse
instrumento é da medicina pelo que nunca deveria ter passado para a educação. (Santos, Costa &
Niza, 2014, p. 259)
Passaram-se, pois, mais cinco anos após a desilusão de Niza. Entretanto, mudou alguma coisa?
Sim, mas não o suficiente. A notícia da revogação do Decreto-Lei 3/2008 trouxe alguma esperança, e
veio pôr termo a uma avaliação médica para a definição de medidas educativas. No entanto, o Decreto-
Lei 54/2018 não parece ser consensual, embora se intitule de Educação Inclusiva, com medidas de
apoio à aprendizagem e inclusão, com centros de apoio à aprendizagem e inclusão, dando a ideia de
que o conceito, de tão usado, deixa de ter o efeito que a definição de inclusão encerra desde os
primeiros documentos dos princípios dos anos 90 do século XX, parecendo haver uma espécie de
apropriação quer do poder político quer de técnicos e académicos. Como nos refere Colôa (2015), a
propósito de um outro conceito, “Aos discursos e propostas políticas têm-se juntado, sendo por vezes
preponderantes, as chancelas de alguns técnicos e mesmo académicos no afã de legitimar os
discursos do poder” (p. 13). Sobre esta legitimação do poder, lembramo--nos do texto de Foucault
(1984):
Existe uma cidadania internacional que implica os seus direitos, os seus deveres e que conduz a
insurgir-se contra todos os abusos de poder, seja quem for o seu autor – e quem quer que sejam
as suas vítimas. No fundo, nós somos todos governados e, a esse título, solidários. Na medida em
que pretendem ocupar-se da felicidade das sociedades, os governos se arrogam o direito de
inventariar os ganhos e as perdas, a infelicidade dos homens, que as suas decisões provocam ou
que as suas negligências permitem. Constitui um dever dessa cidadania internacional de sempre
fazer valer aos olhos e ouvidos dos governos as infelicidades dos homens em relação às quais não
é verdade que eles não são responsáveis. A infelicidade dos homens não deve jamais ser um resto
mudo da política. Ela funda um direito absoluto de se insurgir e de interpelar aqueles que detêm o
poder. (p. 22)
Também, logo após a publicação do referido diploma, algumas vozes se fizeram ouvir,
alertando para várias questões frágeis e outras afastadas do conhecimento científico produzido ao
longo do tempo.
49
Este aspeto é marcante no Decreto Lei 54/2018, por exemplo no articulado sobre autodeterminação
ou ainda na ideia subjacente à expressão “a promoção do comportamento pró-social”. Por um lado,
a apologia do direito à diferença e do imperativo de uma escola da e para a diversidade. Por outro
lado, um discurso ancorado em pressupostos de padronização que tende a organizar-se com base
numa perspetiva clínica que mesmo no seu simbólico nos encaminha à normalização. (Colôa, 2019,
p. 5)
Mas Colôa vai mais longe, mostrando aspetos incoerentes que a nova legislação contempla,
como é o caso de alguns conceitos.
A erradicação da expressão do normativo, percecionando-se que mais do que dos valores e práticas
para que algumas vezes remete, fragilizará a alteração significativa de tomadas de decisão
consideradas “menos inclusivas” a diversos níveis. Mecanismo que se perceciona em diversos
discursos já como práxis substantivada. Mais que o próprio legislador estabelece, logo na norma,
algumas ambiguidades quando, como mero exemplo, por um lado omite a expressão “Necessidades
Educativas Especiais” e por outro assume no articulado a expressão “Necessidades de Saúde
Especiais”. (Colôa, 2019, pp. 5-6)
Claro que situações destas, como já havia acontecido anteriormente, talvez de outra forma,
com o 3/2008, por um lado, descredibilizam os conceitos; por outro, criam confusão na aplicação da
lei, não nos esqueçamos de que esta será mediada “(...) diferentemente por diversos atores em
distintos contextos” (Colôa, 2019, p. 4, parafraseando Massouti, 2018), apesar das inúmeras
formações fornecidas pelo Ministério da Educação e Centros de Formação sobre o tema, muitas
administradas por formadores que debitam o que lhes disseram, numa espécie de evangelização8
, às
vezes nem defendida pelos próprios.
Ora, como já demos a entender, os conceitos de inclusão e de escola inclusiva têm sido
abordados e redefinidos por vários autores e organismos ao longo das últimas três décadas. As
primeiras definições mundialmente aceites talvez tenham sido as elaboradas a partir da Declaração
de Salamanca (UNESCO, 1994). Por uma questão de economia de espaço, não as transcreveremos
neste texto, por serem muitas e, principalmente já neste século, por apresentarem pressupostos
indiscutíveis: “Em continuidade, no início deste século, o XXI, as narrativas sobre a Educação Inclusiva
surgem-nos como inquestionáveis” (Colôa, 2018, p. 9). Inquestionáveis, mas não isentas de análise.
Por exemplo, o princípio apresentado a seguir, o mais utilizado por inúmeros autores, presente
na Declaração anteriormente referida, expõe um conjunto de orientações para uma escola inclusiva.
É, no entanto, uma definição ambígua em muitos aspetos, dando azo a interpretações erradas ou
desviadas da ideia original, ou mesmo do que realmente significa inclusão e escolas inclusivas.
O princípio fundamental das escolas inclusivas consiste em que todos os alunos devam aprender
juntos, sempre que possível, independentemente das dificuldades e das diferenças que apresente.
Estas escolas inclusivas devem reconhecer e satisfazer as necessidades diversas dos seus alunos,
adaptando-se aos vários estilos e ritmos de aprendizagem, de modo a garantir um bom nível de
educação para todos, através de currículos adequados, de uma boa organização escolar, de
estratégias pedagógicas, de utilização de recursos e de uma cooperação com as respetivas
8
Joaquim Colôa (2019, outubro). Pós-graduação em Necessidades Educativas Especiais. ISEC-Lisboa.
50
comunidades. É preciso, portanto, um conjunto de apoios e de serviços para satisfazer o conjunto de
necessidades especiais dentro da escola. (UNESCO, 1994, p. 21)
Se nos debruçarmos apenas num aspeto: “(...) através de currículos adequados (...)”,
verificamos que o conceito nos remete para uma escola para todos, em que todos devem aprender em
conjunto, mas não a mesma coisa, pois dá a entender que uns seguem o currículo regular e outros o
currículo que a escola bem entender, muitas vezes reforçado de facilitismos e desadequações, muitas
vezes impedindo o prosseguimento de estudos, muitas vezes com atividades desenvolvidas na escola,
mas fora da sala, promovendo uma outra forma de exclusão.
É que, numa perspetiva de inclusão, a equidade educativa não se atinge desenvolvendo currículos
diferentes para alunos com desvantagens marcadas ou baixando as expectativas relativamente a
estes (Wang, 1995), tal como acontece na integração. Até porque inúmeros estudos referem que, de
uma maneira geral, os objetivos desses caminhos mais ou menos alternativos são menos
desafiadores do que os da escola regular e o currículo mais pobre (Fischer et al., 2002; Wang, 1995).
E é reconhecido, hoje em dia, aos alunos a quem não é permitido desenvolver as competências
essenciais básicas, vão, posteriormente, apresentar dificuldades em participar na sociedade
complexa dos nossos dias e em exercer, de uma forma informada e consciente, o seu direito de
cidadania (Galvão, Reis, Freire & Oliveira, 2006; Rodrigues, 2006). (Freire, 2008, p. 9)
Mas o mais grave é que estas situações alternativas ou próprias aconteciam nas escolas com o
Decreto-lei 319/91, antes da Declaração; depois deste diploma, com o 3/2008 e agora com o 54/2018.
Parece-nos incompreensível que um diploma produzido vinte e cinco anos depois da Declaração
apareça com alguns artigos que promovem a integração e mesmo a exclusão (analise-se, por exemplo,
o que lá se diz sobre a abordagem multinível ou medidas de apoio à aprendizagem e inclusão e
pedagogia diferenciada e perceba-se que esta é uma forma, ainda que por vezes pareça camuflada,
de etiquetar alunos; perceba--se, por exemplo, que um modelo como este, dinâmico, está a ser
percebido e aplicado como se de uma abordagem estática se tratasse; perceba-se, por exemplo, que
os alunos “catalogados” no nível adicional, se não já no seletivo, aí permanecerão eternamente9
;
perceba-se, por exemplo, que se definirmos para determinado aluno a “medida” diferenciação
pedagógica, ficará a pergunta. Então e os outros?
Tudo isto foi criando (vai criando) nas escolas, e as escolas também foram criando alguns
(muitos) refúgios, mas também nas políticas educativas locais e centrais, ideias erradas sobre inclusão
e escolas inclusivas. Ora, uma verdadeira escola inclusiva ou educação inclusiva “(...) não se refere à
forma de educar os alunos deficientes, mas sim às respostas diversificadas que são mobilizadas para
educar todo e qualquer aluno” (Colôa, 2018, p. 11). É, como nos refere o autor no mesmo parágrafo,
parafraseando Kricke e Neubert, “(...) um princípio ético (...)” que deve nortear todas as políticas
educativas e toda a pedagogia e didática das escolas e de outros locais de aprendizagem, seguindo
princípios de diversidade e de equidade. Mas será que isto acontece verdadeiramente nas diversas
comunidades educativas?
9
Joaquim Colôa (2019, outubro). Pós-graduação em Necessidades Educativas Especiais. ISEC-Lisboa.
51
Alguns autores começam a questionar os conceitos de inclusão e de escola inclusiva e até da
honestidade da aplicação e das narrativas.
É neste terreno controverso, desigual e crescentemente complexo que a Inclusão (seja social ou
educativa) procura prevalecer. Neste aspeto, poder-se-ia dizer que quanto mais a exclusão social
efetivamente cresce, mais se fala em Inclusão. O termo Inclusão tem sido tão intensamente usado
que se banalizou de forma que encontramos o seu uso indiscriminado no discurso político nacional
e sectorial, nos programas de lazer, de saúde, de educação etc. Recentemente até́ o sistema bancário
tem vindo a usar o termo: no Brasil uma instituição bancária lançou uma campanha sobre um
“sistema bancário inclusivo” que busca captar contas de clientes iletrados. (Rodrigues 2006, p. 1)
Começamos a perceber (ou já percebemos há muito) que a cultura, as políticas (locais e
centrais) e a prática estão contaminadas de vícios e discursos balofos. Colôa (2018), citando
Armstrong, Armstrong e Spandagou e, mais à frente, Simpson, refere mesmo que...
(...) alguns dos discursos que se vão elaborando, tanto globalmente como localmente, apropriam-se
da expressão Inclusão enquanto expressão retórica e de boa vontade a que ninguém se poderia opor,
mas sem significativa(s) mudança(s) na(s) prática(s) continuando o princípio da normalização a ser
identificado como o modelo mais significativo na definição de filosofias e políticas. (p. 9)
Hoje, nas escolas e nas comunidades, continua a procurar-se um termo politicamente correto
que substitua “deficiente” ou “com necessidades educativas especiais”, não se percebendo que o
indivíduo diferente, deficiente ou não, tem um nome, uma personalidade, uma individualidade e um
percurso a fazer, não necessitando de etiquetas que o levem à exclusão, ou melhor, à exclusão
camuflada de discursos “inclusivos”. “A norma como conjunto de procedimentos que nomeiam a
inclusão, mas por contradição e poder, também ditam a exclusão” (Colôa, 2018, p. 9). E este é o grande
perigo, o tal recuo civilizacional de que Niza (Santos, Costa & Niza, 2014) referia e Colôa (2018) reforça,
dizendo que “Deste modo as narrativas da Escola Inclusiva podem encerrar em si diversas armadilhas
que acentuam os processos de exclusão” (p. 9). Em matéria de norma e normalidade estamos com
Torga (194910
): “A normalidade causou-me sempre um grande pavor, exatamente porque é
destruidora” (p. 128).
À procura de uma nova etiqueta, de que falámos em cima, acresce, muitas vezes, a não
nomeação (Colôa. 2018): não é educação especial, não é necessidades educativas especiais, afinal o
serviço de educação especial continua a existir? como lhe chamamos agora? esse é de universais ou
seletivas? Ora, não se está a conseguir passar que inclusão e escolas inclusivas não é apenas retórica;
que o problema não está em quem tem sido excluído ou catalogado, mas sim nas políticas educativas
e nas escolas que não têm criado as condições, os discursos e os diplomas legislativos necessários e
ajustados a uma escola verdadeiramente para todos, para que a inclusão se sinta com tranquilidade e
não através da prescrição de medidas educativas (Colôa, 2018).
Medidas que, numa lógica compensatória adicionam ou, numa lógica de classificação, classificam e
selecionam. Uma lógica que se substantiva em locais-financiamento especial, locais-escola especial,
10 Embora esta obra esteja referenciada em vários locais e obras como tendo sido publicada em 1948, foi na verdade editada em
1949. Em 1948, Torga não publicou nenhum diário.
52
locais-sala especial, locais níveis especiais. Tudo em nome de uma escolar nomeada como inclusiva.
(Colôa, 2018, p. 10)
Rodrigues (2006), no final de um dos seus artigos, pergunta: se há ideias mal feitas sobre
inclusão, o que serão ideias bem feitas? A resposta não é conclusiva, mas aponta caminhos.
Apesar do tom opinativo e afirmativo deste texto, nós próprios temos muitas dúvidas sobre
se existe um caminho inequivocamente certo. Talvez o mais adequado seja pensarmos que
as ideias bem feitas deverão provir de práticas corajosas, refletidas e apoiadas. Talvez
estas ideias e práticas, por mais bem pensadas e feitas que sejam, não nos conduzam a
uma EI [Educação Inclusiva]. Mas por certo nos vão ajudar a vê-la cada vez mais perto e
desta forma promover a justiça e os direitos para todos os alunos. (p. 16)
A ESCOLA ATRAENTE E A ESCOLA COMPLETA (DISCUSSÃO)
A procura, em educação, de novos termos que substituam outros que se consideram
contaminados por ideias pré-feitas ou que, naquele momento, já não fazem sentido devido à evolução
da ciência e da prática é muito comum. Não tão comum, mas também acontece, é a procura de um
termo que substitua um conceito aceite pela maioria, mas que alguns consideram viciado,
desvirtuando a sua génese.
Foi o que aconteceu durante a Primeira República e o início do Estado Novo, com as ideias da
Escola Nova, principalmente com a inovadora designação de “Escola Atraente” (Escola Ativa), de Irene
Lisboa, em oposição à escola tradicional, verbalista e pobre, talvez a primeira professora, educadora
e pedagoga já com alguns dos princípios daquilo que viria a ser chamado de escola inclusiva em
Portugal, mas certamente a primeira a defender (enquanto pedagoga/cronista e inspetora-
orientadora) e a aplicar em Portugal (como professora) alguns dos princípios da flexibilização
curricular, do currículo aberto, das aprendizagens significativas, da pedagogia diferenciada, do
trabalho colaborativo, etc.
Quando me referir à “Escola Atraente”, sairei dos meus estreitos âmbitos e aludirei aos meus erros,
darei o passo das pequenas conquistas e reconsiderações (...) Eu via gosto nos pequenos aprendizes
e tirava disso estímulo. Multiplicava-me, fazia da minha imaginação o jardim da classe, alegria e
recurso dos apetites dos alunos. (Lisboa, 1926, pp. 405-406)
A escola dita ativa opõe-se à passiva pelos fins especiais que tem em vista. Uma considera a criança
como um vaso recetor, o cérebro a mobilar, - a passiva, - a outra considera-a como um corpo e alma
com molas próprias a acionar, - a ativa (...) Que pretendem finalmente os modernos pedagogos?
Harmonizar, segundo parece, o rendimento da criança com os seus interesses. Àquele antigo
princípio, seco, do rendimento ou aproveitamento escolar, querem juntar o do natural prazer e o da
expansão. Nesta ideia de prazer e de expansão se contêm as satisfações próprias da infância, a que
a escola até aqui não dava grande importância: a curiosidade, o movimento, a pequena invenção e
originalidade, a responsabilidade, etc... Há tanta riqueza a explorar nos novos ideais educativos,
tanto horizonte para uma melhor conceção da escola e da vida, tanto subsídio para a crítica ao velho
ensino – o pobre psitacismo da escola primária, o ridículo e insuficiente academismo liceal, e até o
53
pulverizado ensino superior – que me parece necessário despertar por todos os meios a consciência
geral, chamar a atenção de todos para este assunto de tanto interesse! (Lisboa, 1942, pp. 12-15)
Mas a autora não dispensou criticar alguns aspetos da pedagogia da “escola nova”. Assim
como posteriormente outros autores. A respeito das pedagogias modernas, por exemplo, Arendt
(1972), já nos fins dos anos 50 do século XX, sublinha que as teorias modernas são uma confusão entre
teorias ponderadas e despropositadas que revolucionaram o sistema de ensino. Em relação a isto,
Nóvoa (2009), falando da “educação nova”, mas sobretudo referindo-se à missão da escola de formar
todos os alunos em todas as suas dimensões, diz-nos que
O conceito de educação integral é aquele que melhor simboliza este movimento [Escola Nova] e as
suas desmesuradas ambições. A escola deveria encarregar-se da formação da criança em todas as
dimensões da sua vida. A escola assumiu este programa impossível e acreditou que o podia cumprir.
Ao longo do século XX, foi alargando as suas missões, ficando de tal maneira atravancada que perdeu
a noção das prioridades. (p. 5)
E agora, muitos anos depois, a designação de “Escola Completa”, de Joaquim Colôa (2018), em
confrontação com a “Escola Inclusiva”. Parece-nos que também esta proposta do autor tem por base
a confusão e má utilização em que este último conceito se nos apresenta hoje.
O “fim” a que nos referimos na denominação desta narrativa é o de uma Escola Completa pela
completude da sua diversidade porque também diversa é toda e qualquer complexidade social e
mesmo natural. Na Escola Completa a Inclusão é uma expressão que nos remete para os direitos
humanos. Como defende Paulo (2016), é um direito inalienável de todos os seres humanos que tem
de ser trabalhado, desenvolvido e praticado desde tenra idade. Por isso não há lugar a políticas
“especiais”, “especialmente” dirigidas às pessoas com deficiência. A todos os cidadãos são
assegurados todos os direitos e deveres, indispensáveis ao exercício de uma cidadania plena. Educa-
se para a autodeterminação encorajando-se a capacidade de decidir e de assumir a responsabilidade
pelas consequências dos próprios atos. (pp. 11-12)
Em relação a Irene Lisboa e à sua “Escola Atraente” não nos alongaremos, como já referimos
na introdução deste trabalho. Apenas diremos, de forma muito resumida, que Irene Lisboa defendia
uma escola para todos, com programas/orientações nacionais, mas abertos à inovação, flexibilidade,
equidade e à introdução de assuntos significativos, em que os alunos aprendiam ao seu ritmo,
trazendo também eles conhecimentos que enriqueciam a dinâmica ativa da aula; escolas abertas à
comunidade, salas de aula dinâmicas, em que o aluno procurava o conhecimento e o professor
preparava, orientava e facilitava a aprendizagem e a cooperação, professor esse que devia ser um
observador, investigador, conhecedor dos conteúdos, mas também da psicologia infantil, mas
também da vida dos alunos, mas também dos progressos da ciência educativa. Segundo a autora, na
escola devia ensinar-se menos e aprender-se mais. Esta era a “Escola Atraente” de Irene Lisboa,
também uma escola de afetos e relações, uma escola dinâmica, diversa e completa.
Assim nos parece ser a escola defendida por Colôa (2018, 2019), dinâmica, diversa e completa,
“(...) de forma a (re)equacionar-se enquanto espaço dinâmico onde a diversidade é tida como uma
mais-valia” (Colôa & Santos, 2016, p. 14), mas complementada por todo o conhecimento científico que
54
Irene Lisboa não tinha, nem poderia ter, por pertencer a uma época recuada e, se comparada com a
atual, parca em conhecimento científico sobre educação.
Mas, afinal, que defende Colôa com o conceito de “Escola Completa”? Vejamos a seguinte
síntese:
Quadro 3 – A “Escola Completa” proposta por Joaquim Colôa (adap.)
Ora, à primeira vista a “Escola Completa” de Colôa (2018, 2019) não parece apresentar grandes
diferenças dos princípios da “Escola Inclusiva”, porque a “Escola Completa” é a “Escola Inclusiva”
nua de preconceitos e de discursos vazios sobre inclusão. A “Escola Completa” é a “Escola Inclusiva”
vazia de erros científicos incluídos nos sucessivos diplomas legais e políticas educativas. A “Escola
Completa” é a “Escola Inclusiva” em que a equidade substitui a igualdade. A “Escola Completa” é a
“Escola Inclusiva” com professores verdadeiramente inclusivos. A “Escola Completa” é a “Escola
Inclusiva” sem exclusão.
No “fim” a Escola Completa será sempre o respeito pela pluralidade, um ambiente que acolhe TODAS
AS PESSOAS e que, recusando ser meramente um espaço de encontro, se vivifica numa comunidade
genuína. A Escola Completa será sempre “locais plurais” e gentes diversas que, por isso mesmo, não
elaboram sobre a identidade do OUTRO, mas afirmam a SUA/NOSSA identidade, tanto no plano
individual como coletivo. (Colôa, 2018, p. 13)
Não é, portanto, uma escola pensada para os alunos deficientes ou com dificuldades de
aprendizagem, mas uma escola pensada para todos como um todo sem negar a realidade individual
(Colôa, 2019) ou as fragilidades de cada um (alunos, professores, lideranças...)
(...) por isso reafirmo o imperativo do discurso de uma Escola Completa, em detrimento do discurso
tantas vezes etéreo da Inclusão. O discurso da Inclusão remete ao discurso da exclusão e, portanto,
não podem ser abordados independentemente (Laes, 2017). Nesta relação entre inclusão e exclusão,
um dos elementos mais fragilizadores da Escola Completa é a retórica que muitas vezes se centra
em propostas de médio prazo em detrimento de soluções de longo prazo que se avaliam mais
55
demoradas e quiçá mais complexas (Laes, 2017). (...) este pensar o sistema enquanto um todo e a
longo prazo é a maior e última oportunidade que salientamos nesta narrativa porque sintetiza e
organiza todas as outras antes referidas. (Colôa, 2019, p. 17)
ALGUMAS CONCLUSÕES
Para terminar, gostaríamos de realçar alguns pontos que nos parecem importantes e que
merecem ser mais aprofundados quando se fala de inclusão em toda a sua abrangência. Pontos esses
que, transpostos para a realidade dos tempos modernos, nomeadamente para dentro da escola
portuguesa, constituem verdadeiros e sérios problemas.
1. Reconhecer e assumir os pontos críticos para a mudança (Colôa, 2018). “A crítica, na sua
melhor aceção, não significa juízo definitivo e sancional; criticar é discorrer, é tirar razões a limpo e
concitar opiniões” (Lisboa, 1935, p. 133). Errar, mas por pouco tempo, é talvez o melhor e mais eficaz
processo de aprendizagem. Hoje, todos parecem sabem muito sobre educação, mas afinal, muitas
vezes, não passa de senso-comum, mesmo dentro da classe profissional de educadores e professores.
Não esqueçamos que na atualidade os professores são especializados em Ciências da Educação. Este
ponto leva-nos ao seguinte.
2. A formação inicial, como diz Bénard da Costa, poderia ser a chave (Santos, Costa & Niza,
2014), a médio prazo, da verdadeira “Escola Completa”. No entanto, a formação inicial dos educadores
e professores não prepara para responder à diversidade da escola para todos (Morgado, 2003).
Continua a preparar-se professores para alunos do século passado. Depois, temos a formação
contínua... mais do mesmo e subir na carreira. Se esta questão não for encarada com a devida
seriedade, não conseguiremos erradicar o que concluiremos no ponto seguinte.
3. Os discursos (diríamos, também as práticas e as políticas) sobre inclusão e escola inclusiva
estão gastos (Santos, Costa & Niza, 2014; Colôa, 2018). Os conceitos de inclusão e de escola inclusiva
encapotam práticas de verdadeira exclusão. O diferente não é ainda visto como uma parte da
diversidade. A posição de escola integrativa, subsidiária, remediativa, caritativa ainda não foi
erradicada completamente. Ora, exclusão escolar é a primeira etapa da exclusão social (Morgado,
2003, 2009; Freire, 2008).
4. A noção de escola para todos deve rapidamente afastar-se da posição que defende que a
inclusão está associada a necessidades educativas especiais (Sanches & Teodoro, 2006; Colôa, 2018).
Inclusão é um princípio democrático, diz respeito a todos e a cada um (Colôa, 2018).
5. Os conceitos de aprender a viver juntos e aprender a ser têm de ser mais claros e mais
aprofundados quando se fala de inclusão. Hoje, nas escolas, nas comunidades, nas famílias... vive-se
uma crise de relações humanas, uma verdadeira e insustentável crise de emoções. A escola é um bom
lugar para desconstruir esta cultura da indiferença. Aprende-se mais e melhor quando o saber e o
saber fazer está envolvido de afetividade, que é a base primordial e estrutural da vida e de qualquer
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Des.confinar

  • 3. 2 Título DES CONFINAR Ideia e Coordenação Joaquim Colôa Imagem da capa e contracapa Olsa Revisão Cristina Silveira de Carvalho Edição CSC.Reticências csc.reticencias@gmail.com ISBN: 978-989-99980-6-3 © 2020, Autores Distribuição gratuita Lisboa, abril e maio de 2020 As opiniões e valores expressos nesta publicação são da exclusiva responsabilidade de cada um dos autores e não vinculam o coordenador da publicação nem a editora. O coordenador desta publicação e a editora respeitaram a ortografia adotada por cada um dos autores, bem como formas e tipos de expressão. Qualquer reprodução total ou parcial dos conteúdos desta publicação deve ser acompanhada pela sua referenciação conforme normas em vigor, não podendo os seus conteúdos ser plagiados ou utilizados indevidamente de qualquer outra forma.
  • 5. 4 Autores e página (para aceder clique sobre o nome) Adelaide Ribeiro 7 Ana Real 9 Ana Rosa Trindade 10 Anabela Mota 11 Andrea Colôa 14 Bibi Couceiro 15 Carline Santos Borges 18 Diogo Henriques 20 Domingos Fernandes 21 Fátima Paulo 23 Inês Marto 26 Ivone Martins de Oliveira 28 João Ascenso 34 Joaquim Colôa 36 Joaquim Moreira 38 Jorge da Cunha 40 José Morais 58 Leonor Simões 64 Margarida Guerra 66 Maria da Graça Franco 70 Maria João Neves Oliveira 72 Maria João Trigueiro 82 Maria José Camacho 84 Mariana Seara 85 Mónica Ramôa 87 Nelson Santos 92 Olsa 96 Pepa Garcia J. 100 Risoleta C. Pinto Pedro 103 Rita Simas Bonança 105 Sonia Lopes Victor 108 Vanda Cotta 120 Cristina Silveira de Carvalho 122
  • 6. 5 ESPAÇO PARA O TEMPO DE UM COMEÇO Há inevitabilidades que não posso, não quero evitar. Este pensamento feito vontade que foi crescendo pertence a esse meu espaço vital das tais inevitabilidades. Um pensamento que foi sendo partilhado cada vez com mais pessoas, até se tornar o escrito que agora partilhamos. Desde já o meu agradecimento a tod@s @s que, sem fazerem perguntas, acreditaram no que era só um pensamento dito em pequenas mensagens escritas ou em parcas palavras. Um pensamento que fui madurando no tempo que o tempo me foi deixando. Tempos bem contados, há muito tempo o projeto não era bem este. Na minha cabeça nascia mais formal, mas depois foi crescendo e tomando vida própria… Em verdade no início do pensamento, ainda imberbe e hesitante, percecionava o medo por sentir o risco de nunca ver olhos para leitura, tão insegura era a ideia. Quanto às narrativas percecionava-as, então, mais académicas, mais formais, mais daquele pequeno mundo que é a educação. Aliás, foi assim que primeiro se me impôs, em tempos de começo, há já alguns anos. A ideia recorrente de um espaço comunicação que me invadia e gritava querer ser espaços mais além, querer ser tempos de mais gentes. Muitas vezes me vi derrotado por ler textos e imagens que se me quedavam solitárias na rotina. O sentimento de quem tem uma dívida para com as pessoas, as narrativas, tantas vezes expressões que só no meu tempo e no meu espaço tomavam vida. Depois sentia que por outras inevitabilidades não conseguia que assumissem o poder para se expressar, serem para muitos o valor da sua dimensão. Uma revolta que me ia definindo por tantas vontades que, em tantos momentos, senti perdidas. Inevitavelmente foi esta revolta, esta clara distinção entre espaço e tempo que me transformou a ideia, essa ideia primeira que se transgrediu neste ato livre. Tempos e espaços feitos fruto neste tempo e neste espaço. Confinamento. Uma ideia que não sendo início, também pode não ser ideia final, mas é já e agora conceito, expressão diversa e intencional. Lembrando Bergson, a ideia primeira tenho-a como o momento privilegiado, mas que por força das minhas hesitações foi crescendo até que se objetivou em ação livre e se destaca, aqui e agora, como os frutos maduros. Fruto amadurado que tomei e outr@s comigo também em ato livre e eu com eles e com elas. Este trabalho é, assim, um conjunto de estórias interpenetradas por um misto de subjetividades, de individualidades que se foram, por vontades, objetivando, coletivizando. Foi o tempo com a sua opressão, espaço agressivo, que me libertou e se constituiu o agora. Conjunto de expressões, com vários tempos e pessoas diversas na forma, na geografia, na ortografia
  • 7. 6 e até na língua. Este é o tempo e o espaço possível do livre jogo da palavra e da imagem. Desde já celebro, cada tom olhado, cada som escutado, cada (re)viver na descoberta de cada uma das narrativas. Algumas foram-me confiadas por pessoas que, ainda hoje, não conheço pessoalmente. Agradeço-lhes, para além das narrativas, o quererem ser comigo este ato livre. Foi das e nas suas narrativas que se construiu, na descontinuidade, o ato livre da mensagem, da relação. Nos tempos descontínuos foi criando lastro a subjetivação, para agora ser objetiva no encontro de improváveis narrativas. A minha estória do inevitável. Assim se confirmou, já não a primeira ideia, mas o ato menos formal, menos académico, para ser mais livre em diversas dimensões, nas mais diversas formas de nos expressarmos. Embora deixando livre o verbo de cada narrativa, pretendi, nos primórdios, laivos de uma imagem comum que fosse condutora da expressão, como quem informa de um caminho. No entanto, quando o ato é livre, como aconteceu, a apropriação faz e refaz a expressão. Foi assim que em alguns momentos o próprio layout integrou a expressão e se tornou, para algumas pessoas, pretexto do texto e da imagem. Por isso ele aparece descontínuo, desconstruído, reformulado, tantas vezes apropriado. Eu deixei que assim acontecesse. Eu gostei que assim acontecesse. É nesta expressão matizada em tons e sons vários, contrários, complementares que ora sugerem o afastamento, ora a proximidade, que me ofereço à celebração e ao DESCONFINAR. É neste contraditório que convido cada uma das pessoas à celebração e também ao DESCONFINAR. Celebro-vos como celebro cada uma das pessoas que (a)colheu a minha ideia, porque é por querer de cada uma dessas individualidades que se faz este coletivo. Agora cada uma das narrativas, a estória, só pode ser outros tempos e outros espaços. A partir destas palavras cada uma das narrativas só pode ser expressão por força de outras subjetivações e vontade objetiva de mudança e outra vez celebração de tempos e espaços que ainda estão por fazer, que ainda estão por dizer. Bem-hajam Joaquim Colôa
  • 8. 7 DESABAFOS DE UMA INVESTIGADORA EM EDUCAÇÃO, EM MODO CONFINADO… ADELAIDE RIBEIRO CONTACTO adelaide.rbr@gmail.com Escolas vazias, salas arrumadas, bibliotecas sem alma, espaços sem vida! Foi nisto que as escolas se transformaram nos últimos tempos, sem que ninguém imaginasse ou desejasse tal cenário. Professores, pais e alunos deram o seu melhor para tentar dar continuidade à atividade escolar, num tempo recorde com os recursos de que dispunham. Rapidamente se percebeu que os problemas que se colocam hoje à escola estão, sobretudo, fora dela, a montante e a jusante. E, se dúvidas existissem sobre a importância vital da instituição escolar na promoção da igualdade (ou no combate às desigualdades sociais), elas ter-se-ão dissipado, de forma inequívoca, a partir do momento em que o país (e o mundo em geral) se viu privado dela, nos moldes em que sempre a conhecemos. Com as portas encerradas, os alunos ficaram confinados aos e nos seus mundos, também eles marcados pela desigualdade económica, cultural, estrutural, os quais a escola em situação presencial tende a debelar, com maior ou menor grau de dificuldade, dependendo das variáveis contextuais das comunidades educativas. Se a escola, “com gente dentro”, não consegue, por si só, resolver os problemas da desigualdade, não podemos esperar que, sem gente dentro, ela resolva esse problema que, sendo também seu, não é exclusivamente da sua responsabilidade. É um problema que exige uma responsabilidade coletiva. A escola e os professores fizeram
  • 9. 8 a sua parte, fizeram mais do que lhes era pedido, por iniciativa própria, com recursos próprios e com um dispêndio de tempo muito além do seu horário normal de trabalho. Mas este justo reconhecimento à classe docente não nos pode tolher a capacidade crítica e a lucidez, a ponto de não reconhecermos as limitações e fragilidades pedagógicas do que se está a fazer e do que se está a pedir às famílias e aos alunos. Nem as casas das famílias são escolas, nem os pais são professores (embora alguns o sejam também), nem isto é inovação pedagógica, como já li por aí. Pelo contrário, este ensino a distância é um recuo às práticas pedagógicas obsoletas do paradigma fabril. Mas é, apesar de tudo, uma forma de mitigar essa ausência da escola e da relação pedagógica presencial. E se este modelo expositivo, instrucionista e generalista até pode fazer algum sentido em algumas disciplinas e nos níveis de ensino mais avançados (3.º CEB e Secundário), nos restantes níveis de educação e ensino (Pré-escolar, 1.º e 2.º CEB) temos de admitir, com toda a honestidade intelectual que nos carateriza, as fragilidades pedagógicas do que estamos a conseguir. Não admitir isto seria ignorar tudo o que as ciências da educação têm produzido e nos têm ensinado nas últimas décadas. Ainda assim, entre deixar os alunos entregues a si próprios e fazer o que nos é possível nesta fase, a escolha parece-me óbvia. Se não desconfinarmos rapidamente, teremos de reinventar a prática pedagógica “síncrona e assíncrona” (confesso que não simpatizo com estes termos...), mas teremos, sobretudo, de refletir sobre os conteúdos curriculares. Seria uma boa oportunidade para revermos o que se ensina, o modo como se ensina, o que interessa que os alunos aprendam e o que importa, de facto, aprender num contexto de confinamento e fora dele. Este é, talvez, o desafio do momento!
  • 11. 10 PRESA ANA ROSA TRINDADE CONTACTO anarosa.trindade@gmail.com Presa Ora vagueando no vazio Ora ancoradas Às vozes confundem-se Na imensidão das gentes Confinadas. Presa Ouço o silêncio Tormentas da alma Dor No íntimo A luz interior. Presa Encaixotada em mim Viajo em ideias Libertadoras Desejos escondidos Sem fim. Presa Envolta, no teu abraço Inspirador Quando isto acabar Ficarei presa na liberdade É esse o meu lugar.
  • 12. 11 O SIGNIFICADO DO SILÊNCIO NO ENSINO À DISTÂNCIA ANABELA FRANÇA MOTA CONTACTO anafranca65@gmail.com QUE SABES TU DO ECO DO SILÊNCIO? um só olhar pode ser uma voz não dita. para acumular dores o mais das vezes bastou um desamor. sei: a solidão ecoa de modo muito silencioso. sei: muita silenciosidade pode reciprocar verdadeiros corpos num amor. um só silêncio pode ser nossa voz não dita ainda nunca dita. para ecoar um silêncio bastou gritarmo-nos para cá dentro num gritar aprofundo. já silenciar um eco é missão para uma toda vida: exige repensação da própria existência. Ondjaki ("Poesia. Há predisajens com o Xão" (O segredo húmido da lesma & outras descoisas). Editorial Caminho. S. A. Lisboa, março de 2009.) Escolhi este poema porque o silêncio também é uma forma de comunicar. Numa sala, o aluno estando presente, conseguimos ter informação através da sua postura, comportamento e o seu silêncio diz-nos sempre algo.
  • 13. 12 Sempre defendi o uso de tecnologias no ensino, como meio complementar e de apoio à aprendizagem. Na educação especial, tornam-se instrumentos essenciais para alguns alunos com problemas de comunicação e, por vezes, é o único meio que tem de comunicar com o outro. A escola, consoante as opções políticas educativas, tem incentivado ou não o uso de tecnologias em meio escolar, recordamos a época dos “Magalhães” e os quadros interativos na sala de aula. Posteriormente, passámos por uma fase de esquecimento, ou seja, os equipamentos que se encontravam nas salas, com o tempo e os avanços tecnológicos, rapidamente ficaram obsoletos; a internet a cair constantemente porque a rede min-edu não tinha capacidade. “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades”... E voltamos novamente, no presente ano letivo 2019/2020, com novas resoluções e implementação de medidas pró-tecnologia, já com a internet a dar reposta, surgindo a pressão da pandemia e do confinamento obrigatório. As escolas fecham, vai-se ao baú e voltamos à Telescola e ao ensino a distância. Ninguém estava preparado para esta situação. Mas a escola não se pode resumir a uma máquina tecnológica que passa diplomas, tem de ter um papel fundamental na formação dos mais jovens e futuros adultos responsáveis e cidadãos intervenientes num mundo em constante mudança. O estado de emergência vem regulamentar e limitar o convívio e interação entre as pessoas, impondo o isolamento e confinamento em casa. Esta situação de afastamento social e ensino a distância não permite a continuação de aprendizagens, como é o exemplo do desenvolvimento pessoal e social. Há aprendizagens que não se podem realizar à distância. O estudo em casa, para os alunos com problemas de aprendizagens que dependem do professor ou de um adulto ao seu lado para aprender, não terá grande efeito. Esta solução não será certamente a melhor para os alunos com problemas cognitivos. As desigualdades entre alunos poderão agravar-se com este tipo de ensino, porque os que já tinham bons resultados continuam a avançar na matéria e os que não acompanhavam vão ficar ainda mais para trás nas aprendizagens. Perante esta situação, a meu ver agravam-se as desigualdades sociais e, no caso de alunos com dificuldades, acrescentam-se ainda mais. As tecnologias têm de ser utilizadas, sim, mas de forma coerente, equitativa, respeitando as necessidades educativas de cada um, estando ao dispor de todos, sem exceção e no sentido de responder aos desafios de uma sociedade da informação e do conhecimento. (abril de 2020) No ensino a distância, o silêncio de um aluno não tem o mesmo significado. O seu silêncio pode não ser a sua opção, sendo simplesmente devido ao facto de não ter meios tecnológicos para conseguir responder?!
  • 14. 13 Fotos para ilustrar o texto, dois contextos de aprendizagem na educação especial: a primeira no desenvolvimento pessoal e social (utilização de transportes públicos na cidade) e a segunda com a utilização de tecnologias de apoio (para alunos com dificuldades de leitura e escrita com o software Aventuras).
  • 15. 14 A ARTE NA DOENÇA E DEFICIÊNCIA MENTAL ANDREA COLÔA CONTACTO andreacoloa@gmail.com A riqueza fornecida pela arte na doença e deficiência mental abrange várias áreas dentro da psicologia. Ao nível projetivo/dinâmico e cognitivo evidenciam-se várias vantagens terapêuticas. A expansão de emoções não percebidas nem controladas assume uma visibilidade camuflada, fornecendo uma sensação de alívio e conforto: a arte não expõe totalmente o indivíduo. No plano emocional, pode ainda originar um aumento de autoestima pelo valor, criatividade e redução de ansiedade, vividos pelo indivíduo como sentimentos que levam a uma maior pertença dentro da sua comunidade. Por outro lado, cognitivamente há um desenvolvimento da representação gráfica, que mexe com a memória, com a distinção entre o real e o imaginário, mais próxima do mundo exterior, até num simples pormenor, como a adequação de cores. Há na arte uma devolução da pertença em si mesmo e nos outros da sua comunidade, já que a partir da sua obra ele consegue comunicar…
  • 16. 15 BIBI COUCEIRO textos MARGARIDA GUERRA ilustrações LIBERDADE Nasceu com a Liberdade, aquela Liberdade que não fez sangue, mas trouxe cravos encarnados. Quiseram os deuses que nascesse momentos antes do aniversário em que a célebre Catarina Eufémia foi sacrificada, com um filho no ventre. Foi mártir de várias enfermidades na infância, num país descolonizado. Sobreviveu e chegou à Metrópole. Adorava as flores do campo. Temia o velho Vicente e apanhou uvas na vinha alheia: “Então não foram vocês que me mandaram?!” Os foguetes das celebrações festivas lembravam-lhe tiros. Procurava um corredor, jogando-se para o chão! Os flashes dos fotógrafos pareciam-lhe as armas que lhe foram apontadas com apenas três anos de idade, no colo do Pai. As antiaéreas no alto da Cacula! O amor pelo outro sempre em primeiro lugar. Evangelizou, catequizou e fez todos os sacramentos. Sintra foi a sua terra de eleição. O ensino primário fê-lo em Negrais. Passou pelo Colégio Académico de Sintra no preparatório, fez o secundário na Escola Secundária de Santa Maria, também em Sintra, e terminou na Universidade Lusíada, em Lisboa, sem concluir o 5.º ano de economia.
  • 17. 16 Defensora de deveres e de direitos humanos. Fiel aos seus valores e ideais! Criou sem gerar o seu Amor Maior. Sempre audaz e cautelosa, retorna às suas origens, para junto do seu Grande Amor. Quiseram os mesmos deuses que voltasse a nascer, desta vez no mesmo dia do aniversário em que a célebre Catarina Eufémia foi sacrificada, com um filho no ventre! Quarenta e quatro anos passaram, quando a sua Liberdade morreu, também com um filho no ventre! MATERNIDADE Haviam passado treze anos de muito amor! O sonho de ser mãe biológica foi perdendo a força e intensidade do propósito daquela jovem Mulher. Sempre com a ternura e o carinho que o seu coração emanava pelo seu Grande Amor e pelo seu Amor Maior. Sem pedir permissão, aquele pequeno ser escolheu aquela Mãe. Instalou-se, acomodou-se e deu sinais sobre o verdadeiro sentido de Família. Veio e foi crescendo, aninhando-se silenciosamente no ventre materno. Escolheu a noite de Natal para se anunciar. Nove meses passaram. Nasceu e morreu naquela noite de 2015! Acordou os pais e fez crescer a Esperança que há muito se perdera.
  • 18. 17 Um ano passou e a vontade, por si só, não deixou viver. Treze semanas naquele janeiro de 2017! A Luz de junho de 2018 brilhou e exaltou a boa nova para o Universo. A insensibilidade e desumanização das grandes máquinas de fazer dinheiro efervesciam. A saúde tornou-se negócio. Desinvestiu-se nos cuidados de Saúde e no Amor ao próximo. Médicos e Enfermeiros lutavam entre eles porque as organizações o incitavam. O lucro passou a ser mais importante do que a vida. A ameaça do vírus da morte surgiu naquela sexta-feira. Escolheu o som do silêncio e procurou um abrigo. A determinação e a urgência falaram alto. No regaço da Mãe rogou proteção. O seu grito não foi atendido! Vencida e derrotada, abraçou o seu aquário, acolheu-o no seu ventre e muito juntos decidiram partir para aquela nuvem que pairava sobre o Mar. O Mar que sempre adorou foi empurrado por uma Brisa veloz, para lá do Horizonte da Terra e que só o Sol conhece! E foi assim que ambos viajaram naquele domingo, 14 de outubro do ano de 2018. Mãe e filho indefesos, passaram a morar ali… ali bem em cima…
  • 19. 18 1 Conto real, João e Fabiano são nomes fictícios. VENDEDOR E CLIENTE EM CENA: PRÁTICAS DO ENSINO DE MATEMÁTICA1 CARLINE SANTOS BORGES CONTACTOS https://www.facebook.com/profadeeducaca oespecialcarline/ carlineborges@hotmail.com Professora Substituta do Atendimento Educacional Especializado Instituto Federal do Espírito Santo – Campus Serra Terça-feira, março de 2020, primeiro horário, aula de matemática em uma perspectiva de práticas pedagógicas inclusivas, direcionavam para a sala de aula o professor de Matemática, João, eu Carline, professora de Educação Especial e o estudante do Ensino Médio (Ensino Secundário), Fabiano, jovem, feliz, animado, carismático, falante, inteligente e que apresenta o transtorno do espectro autista. Na sala 702, João explicava como se daria a aula daquela ensolarada terça-feira. Disse que trabalharia adição e subtração, a partir de valor monetário. Para tanto, o professor de matemática e eu utilizávamos, como recursos didáticos, dinheiro sem valor e narrativas fictícias de feira livre para encenar a relação de compra e venda. Fonte: Fotografia do arquivo da autora João era o vendedor e Fabiano o cliente. No momento da venda e da compra, João e Fabiano entravam em cena.
  • 20. 19 Feira imaginária, diálogos fictícios, dinheiro sem valor e interpretação a todo vapor. O objetivo que inicialmente era ensinar adição e subtração, a partir de valor monetário, se ampliava para comunicação, expressão, interpretação, abstração, quadro valor de lugar e contagem de 10 em 10. Vendia-se celular, roupa, computador, controle remoto, mesa e cadeira (objetos presentes em sala de aula) e comprava-se, Iphone, camisa nova, porta controle, controle remoto de ar condicionado. Melhor ainda, aprendia-se para além do planejado e de maneira prazerosa. Quem disse que aprender Matemática não é animado? Quem disse que não nos divertíamos? Quem disse que ensinar e aprender Matemática ensina-se e aprende-se apenas Matemática? E a linguagem oral? E o drama? E a imaginação? E o sermos eternas crianças, em que aprender é brincar? Temos de nos perguntar se a brincadeira não pode ser incorporada no Ensino Médio e trabalhada com jovens e adultos. Se pode, por que não é? Por que precisa ser maçante? Fabiano com esta aula pôde perceber a aplicabilidade da Matemática em sua vida cotidiana! O professor de Matemática? Ah! Esse ficou feliz com o resultado e com a performance de Fabiano ao incorporar o ser cliente! E a professora de Educação Especial? Pensou: ‒ sim, é possível fazer diferente! A inclusão escolar é possível! Verdadeira sensação de ensinar e aprender com prazer! Registro aqui a fala de Fabiano no final da aula: ‒ Que aula legal! Gostei muito! Neste dia foi a primeira vez em que a professora de Educação Especial ouviu essa fala espontânea do estudante. Sim, legal! Legal, por que foi lúdica e interdisciplinar, embora a interdisciplinaridade não fosse o objetivo inicial da aula. Que o confinamento nos faça refletir sobre as nossas práticas pedagógicas e que possamos aproveitar ao máximo a ludicidade em nossas aulas! A brincadeira nos tira da monotonia que estamos vivendo atualmente e não queremos voltar; nos proporciona alegrias; nos possibilita aprender com o outro e traz sentido à vida! Que estudar seja prazeroso como brincar. Afinal, somos eternas crianças! Boa saúde para todos nós e continuemos a nossa luta por uma Educação feliz, com vida e inclusiva! Em 17 de abril de 2020
  • 22. 21 neste ruim baile de máscaras a música sai de uma varanda e as vidas continuam por abrir as açoteias estão suspensas no respirar arfante do mar e no vazio agreste das praias na vida desenhada a pau de giz dói tudo o que se tem dentro e as aves voam num céu de sal santa luzia_22_26_abril_2020 © Nicolau Borges CONTACTO dmbfernandes@gmail.com DOMINGOS FERNANDES
  • 23. 22
  • 24. 23 PHASIANIDAE. A ESTÓRIA FÁTIMA PAULO CONTACTO fatimaprpaulo@gmail.com Perante o abismo viral lá fora, fez o que sempre fizera nos momentos decisivos, recolheu ao seu porto seguro inabalável, ao lar e colo da avó. Unindo passado e futuro, cuidavam-se com a cumplicidade inexplicável que as caracterizava, enquanto os pais trabalhavam interruptamente, tentando trazer alguma ordem ao caos generalizado que imperava no mundo. Dedicavam-se ambas, naquela tarde intemporal, a organizar recordações familiares que sustentavam raiz e flor, semente e fruto. Qual cubo mágico, puzzle da vida, as fotografias iam desfilando, entre sorrisos e estórias, lembranças e memórias que o Sol testemunhava generoso e com indisfarçável orgulho, materializado no brilho e calor que irradiava e que fazia esquecer as janelas que intermedeiam astros e humanos. ‒ Avó, e esta caixa, o que é? Com irrepreensível curiosidade e impulsividade, rapidamente desenlaçou a delicada fita púrpura que carinhosamente abraçava o embrulho, protegendo-o com elegância e determinação. Afastou o papel pardo ressequido pelos anos, salpicado por cicatrizes meticulosamente saradas e, encantada, abriu o baú do tesouro. ‒ Avó, são lindas, posso experimentar?
  • 25. 24 O entusiasmo seria contagiante, se não tivesse deixado de existir tempo. Ali estavam eles, 33 anos antes. Seria antes, se Khronos, senhor do tempo sequencial e cronológico, não se tivesse retirado, dando lugar a Kairos e palco ao indeterminado momento único do reencontro. Aquele instante que atravessou vidas, desertos e tempestades, culminando em facto e acontecimento, oferenda de Aíôn, o tempo sagrado eterno. Recordou todas as indecisões que a levaram a tactear o couro, o algodão, as fitas de cetim, em busca de um sentido para a vida. O gesso nas pontas, as costuras no fim lembravam a importância das fundações, da estrutura, dos limites que sempre tentara ultrapassar. A realidade raramente lhe fora fácil, personalidade forte e feitio irascível, demasiada sensibilidade para tanta autoexigência. Observadora por natureza, amante de pormenores e detalhes, conhecia de cor as diferentes texturas dos materiais, explorava as suas funcionalidades e encontrava conforto na familiaridade das temperaturas. O corpo que se molda à forma, sacrificando-se para atingir a perfeição do movimento. Nunca percebeu como é que a harmonia final etérea podia provocar tanta dor física e emocional durante o processo. Ainda assim, qual caixa de pandora, podiam libertar-se todos os fantasmas durante a dança, que a Esperança sempre arrebataria em apoteose o final, pois só esta sabia que a separação entre dentro e fora era mera ilusão. A neta calçou as sapatilhas, começou a rodopiar e o espaço físico dissipou-se. A emoção transformou- o em lugar, em símbolo, signo e significado. A vertigem transportou-a para o Aleph, o ponto infinito no qual todos os acontecimentos coexistem. Nunca o testemunhara noutra pessoa, fora sempre narradora participante daqueles momentos mágicos. Só então percebia que o que ganhara em experiência se multiplicava na partilha. ‒ Avó, estás a chorar? As palavras trouxeram-na para o aqui e para o agora. Um agora que sempre confundia com a ágora, espaço de cidadania da Grécia Antiga, que inevitavelmente resvalava para o ager territorial do Império Romano. Nunca conseguia separar tempo e espaço, da mesma forma que nunca conseguia divisar história e geografia, Sol e Lua, sagrado e profano. Pressentia que a unidade incorporava conflito e oposição e que a plenitude resultava dessa dualidade. Não era um encontro ao centro, era o equilíbrio da extremidade dos pólos mais convictos e perseverantes, cada qual crente acérrimo da sua verdade insofismável. A divergência resultava inevitavelmente em lágrimas, lágrimas proporcionais à consciência sobre causas e efeitos da separação. Só assim a re-união era plena. Um sorriso sereno, terno e silencioso, de quem já fez as pazes com os paradoxos da vida, acalmou as preocupações da jovem. Avó e neta partilhavam uma sabedoria ancestral, orgânica e visceral que dispensava palavras. Tudo entre elas era sentimento e intuição. Mais do que partilhar o mesmo sangue, eram parte da mesma alma. Nisto, ouviu-se a chave rodar na fechadura.
  • 26. 25 ‒ Adeus, Sr. Francisco, até amanhã. Cumprimentos à sua senhora. Disparada em direcção à porta, solta-se uma entusiasmada voz jovial: ‒ Avô, avô, não imaginas o que encontrei nesta caixa! Emocionados, trocaram um olhar cúmplice ‒ never ever tear us apart ‒ e, imortais, mergulharam juntos no eterno infinito. Páscoa, 10.04.2020
  • 27. 26 INÊS MARTO ~ CONTACTO https://inesmarto.com/ Perséfone de tão ambígua eu me confesso, na transparência das águas onde me refiz matéria. Reconstruo-me novo nada, se nada fui ou serei. Gota. Mera. Existência. Onda. Magnética. Astral. Ínfima na superlativa semente geométrica que se designa sapiência perpétua. Feita dos meus próprios falsos passos e fracassos, entre os dedos junto os cacos com que adorno o mero corpo, invólucro de perceptivar instantes. Dou-lhes até de bandeja dourada as farpas com que me hão-de cobrir a estrada. Eu que não temo o sangue nem o negro. Eu que abro as próprias feridas com mãos ambas e as disseco, e lhes deito sal, e lhes cuspo, e as mordo e saboreio, derradeira desconstrução, ascendo no rastejar. É o lodo até à boca que me torna a coroar, sobrevivente da minha própria existência. Sem fôlego ainda, grito-o em espasmo de escrita aos sete lírios do além. E abro as palmas das mãos, no fim do fio da navalha, como quem, ainda que derrubada, torna instalação e arte a sua própria batalha. Forro-lhes a talha dourada, sem subterfúgio ou lamento, a espada que me hão-de erguer à cabeça, ciente, cúmulo transparente, terra e semente, disforme, borboleta divergente, num púlpito de existência. Afio-lhes com os meus próprios dentes a faca com que me querem purgar dos defeitos que eles acham que
  • 28. 27 são defeitos. Inerte, desfio o rol de fraquezas, mostro a carne até ao avesso das minhas feridas. Até lhes marco os alvos onde hão-de cravar a superficial ira da pequenez. Sou-lhes banquete e alimento, de mão beijada, bandeja dada, no altar assumido das fraquezas com que enlaço a minha coroa de flores e morte. Esperançosa. Aguardo que a covardia do ataque faça uso do meu mais pútrido e deplorável, já assinalado a giz. E no final, sou gargalhada. Nem mesmo inerte, nem dissecada, nem mesmo de bandeja dada, carne aberta à destruição guiada. Nem com convite selado me sabem tirar a estrada. Caio, objecto, repugnante, inanimada, deixo que se deliciem com a aparente conquista. E Perséfone confessada, sou curva na estrada, sigo rumo ao horizonte que a pequenez não avista.
  • 29. 28 2 Agradeço à professora Anna Maria Lunardi Padilha pela leitura atenta e discussão sobre este texto. DESCONFINAR? NOTAS PARA UMA REFLEXÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA IVONE MARTINS DE OLIVEIRA2 CONTACTO imartinsdeoliveira3@gmail.com São 6 horas. O despertador toca e José se prepara para sair. Enquanto isso, acompanha o noticiário pela televisão, que informa sobre o número de infectados e de mortes por Covid-19. O confinamento é uma recomendação mundial e local. Mas, todos os dias, José precisa se dirigir à empresa onde trabalha. Muitos de seus colegas estão desenvolvendo suas atividades em casa. Embora José também pudesse realizar grande parte de suas tarefas em seu domicílio, deve estar em seu local de trabalho. Apesar de correr muito mais risco de ser infectado e adoecer, precisa ir para a empresa, porque ela “não pode parar”. O mundo “não pode parar”. Ainda que não faça diferença o fato de José trabalhar em casa ou na empresa, simbolicamente sua presença nesse espaço pode indicar que, apesar da pandemia, tudo está mais ou menos no seu lugar, dentro de certa “normalidade” ‒ a empresa continua funcionando. Há muitos Josés – e Marias – espalhados pelo mundo. Explorados. Subjugados. Expropriados de seu direito básico, que é a manutenção da vida, em favor de uma engrenagem produtiva que procura se movimentar a despeito de qualquer intercorrência e acima de tudo. A realidade imposta pela pandemia provocada pelo novo coronavírus tem exigido dos governos uma política sani-
  • 30. 29 tária de intenso confinamento social, uma vez que a taxa de letalidade é alta e não há medicamentos que permitam a cura de todos os doentes e nem uma vacina até o momento. Mas há resistências a esse confinamento. A pressão em favor da “normalidade” em um momento de tamanha fragilidade da humanidade pode ser identificada em diferentes setores da sociedade, especialmente no chamado “setor produtivo”, que, vendo seus lucros diminuírem, incentivam movimentos em favor da não paralisação do trabalho e do comércio, a despeito do avanço da propagação do novo coronavírus e de doenças respiratórias. Economistas reiteradamente destacam que, caso não se volte à normalidade, a economia pode entrar em colapso. Nesse contexto, delineia-se uma falsa dicotomia entre “salvar vidas” e “salvar a economia”, como ressaltam muitos cientistas sociais e econômicos. Uma dicotomia que se mostra falsa diante do argumento de que, para além das questões éticas, a proteção à saúde pública é necessária para que os trabalhadores possam voltar a seus postos de trabalho e manter suas atividades dentro dos padrões estabelecidos; se não houver trabalhadores saudáveis, a produção fatalmente estará comprometida. Mas talvez esse argumento seja frágil para parte significativa do setor produtivo diante da perspectiva de um considerável “exército industrial de reserva”, como destaca Hiago Trindade (2017), com trabalhadores que podem imediatamente ocupar os postos vagos. Assim, trabalhadores perecem, mas a economia estaria salva – poder-se-ia perguntar: qual economia e para quem? Como afirma Naomi Klein (2020), “O sistema capitalista sempre esteve disposto a sacrificar a vida em grande escala em prol do lucro”. Configura-se, então, um dilema que não é puramente econômico, mas também ético: enquanto seres humanos, vamos considerar aceitável sacrificar vidas para salvar uma engrenagem que se tem chamado de economia e que não serve de maneira igualitária a toda a população? Assim, nesse movimento, cabe perguntar se o confinamento maior não é o de José, que embora saia de casa todos os dias para trabalhar, está preso a uma engrenagem que serve às pessoas de maneira desigual e se mantém a partir da automatização também dessas pessoas, de seus movimentos, seus pensamentos, suas necessidades e seus desejos. Em frente a muitas pressões pelo desconfinamento, também cabe perguntar: desconfinar de quê e para quê? Não há como não reconhecer que o período pós-pandemia será de grandes desafios em termos sociais e econômicos para muitos países – assim como está sendo o momento atual. Economistas, sociólogos e cientistas políticos anunciam uma fase de estagnação e queda das taxas de crescimento mundial.
  • 31. 30 Porém, as dificuldades serão maiores para países emergentes e, nesses países, para os pobres e para grupos específicos, como negros, indígenas, uma parcela dos imigrantes e refugiados. Embora o coronavírus pareça ser “democrático”, atingindo a todos indistintamente, não somente as possibilidades físicas e sanitárias de tratamento da doença, como a capacidade de lidar com seus efeitos a médio e longo prazo revelam o abismo que há entre ricos e pobres do mundo no processo de manutenção de uma vida digna. Na verdade, a pandemia causada pela Covid-19 traz o agravamento de uma crise que já se delineava em nível mundial. Muhammad Yunus, economista, vencedor do prêmio Nobel da Paz, aponta a catástrofe climática, o desemprego e a concentração da riqueza nas mãos de poucos como grandes problemas a serem enfrentados pelos governos (YUNUS, 2020). Ojilve Ramón Medrano Péres (2020) chama a atenção para o acelerado crescimento urbano em nível global e as demandas que isso tem colocado para a manutenção da vida para as quais o caminho trilhado tem sido a maximização da exploração dos recursos naturais e da produção e estímulo aos bens de consumo, acompanhado de inconsistentes medidas de descarte do lixo, aspectos incompatíveis com um desenvolvimento sustentável. Slavoj Žižek (2020) destaca os perigos de uma economia global que esteja submetida majoritariamente pelas flutuações do mercado. Nesse contexto, ressaltam-se os recorrentes cortes de gastos e investimentos em áreas sociais, em diversos países, o que revela sua face mais cruel na precariedade do atendimento de saúde às pessoas infectadas pelo novo coronavírus, seja pelas limitações no funcionamento de hospitais públicos ou pela inexistência de um consistente sistema nacional de saúde pública. A insustentável condição socioeconômica e sanitária de muitos Josés e Marias, bem como suas situações indignas de vida e de trabalho são temas de debates, de reivindicações e de lutas de diferentes associações e organismos em nível local e global. Porém, no jogo de forças que se estabelece nas relações de produção, a balança tem sido pouco favorável para o grande contingente de pessoas privadas de bens materiais e simbólicos básicos para sua existência. E é nesse contexto de pandemia que alguns filósofos, sociólogos, economistas e cientistas políticos, entre outros profissionais, ensaiam reflexões sobre uma realidade social e econômica que, segundo eles, terá seus desafios muito mais acentuados quando as maiores ondas de disseminação do novo coronavírus passarem e a vida social puder atingir certa “normalidade”. Diante disso, outra forma de pensar o desconfinamento pode ser planeada a partir da contribuição de estudiosos que se detêm na análise da vida social. A noção de “normalidade” é questionada por Naomi Klein, que sublinha que essa normalidade era/é uma “imensa crise”, quando se olha para as condições
  • 32. 31 climáticas, para a pobreza e as condições de trabalho das pessoas. Assim, não seria o caso de buscar a normalidade, mas formas de implementação de uma “economia verdadeiramente regenerativa, baseada no cuidado e na reparação”. Muhammad Yunus também chama a atenção para mudanças estruturais na maneira de organização e funcionamento das instituições, pautada por uma “conscientização social global” em relação à “recuperação das pessoas e do planeta”. Pérez defende os enfoques transdisciplinares de maneira a se analisarem os desafios do crescimento dos centros urbanos e propor alternativas de sustentabilidade da vida baseadas em “una nueva forma de vivir mejor con menos, recuperando la simplicidad inherente a la sostenibilidad” (MEDRANO PÉREZ, 2020, p. 6). Slavoj Žižek enfoca a solidariedade e a “cooperação global”, indicando a necessidade de se pensar em novas alternativas em termos globais que permitam um nível mais consistente de controle e de regulação da economia. Enfim, alguns estudos e reflexões que abordam os efeitos da pandemia em termos globais mostram a necessidade de alterações profundas nas relações entre os países e nas políticas sociais e ambientais de cada país, de maneira a assegurar a manutenção da vida no planeta. De certa forma, também permitem um aprofundamento da reflexão sobre o desconfinar, termo que poderia ser utilizado como uma metáfora para designar a pungente necessidade de se discutirem novas formas de pensar os setores produtivos, as relações sociais e a relação entre o ser humano e as demais formas de vida na Terra. Como aponta Žižek, nos momentos de crise, como a que se vive com a pandemia, as decisões de caráter político são essenciais. Períodos de grandes calamidades sempre demandam reorganizações e transformações na vida social. Em um momento em que os governos ensaiam projeções e ações para o período pós-pandemia, é fundamental que a sociedade como um todo possa acompanhar as discussões e participar tanto quanto possível da definição dos rumos a serem seguidos. Diante da questão acerca da direção a seguir, nos parece pertinente uma abordagem da utopia. E do próprio desconfinar no contexto de uma visão utópica da vida social, pública e privada. Discorrendo sobre aspectos históricos que perpassam a noção de utopia, Marilena Chaui (2008) afirma que esse termo aponta, via de regra, para a configuração imaginária de uma sociedade perfeita, justa e feliz. A utopia implica um olhar crítico sobre a sociedade, tal qual ela se configura – concepções, valores, costumes, formas de organização da vida social e produtiva – e, diante da identificação de um conjunto de elementos considerados negativos nessa sociedade, a criação imaginária de uma realidade totalmente nova, em que esses elementos sejam extintos. Na busca de criação de um mundo novo, em oposição ao existente, o discurso utópico pode remeter a mudanças e/ou eliminação de componentes considerados injustos ou danosos à vida social e ao planeta como um todo ou transformações na própria estrutura dessa sociedade. Embora seja uma elaboração imaginária de uma
  • 33. 32 sociedade possível – e não um “plano de ação” – o discurso utópico pode contribuir para a produção e implementação de projetos de intervenção social comprometidos com o bem comum. Para Chaui (2008, p. 8), a utopia implica “[...] a visão do presente sob o modo da angústia, da crise, da injustiça, do mal, da corrupção e da rapina, do pauperismo e da fome, da força dos privilégios e das carências, ou seja, o presente é percebido como violência”, a ser superada em favor da felicidade de todos no âmbito público e privado. Nessa perspectiva, valores como liberdade, igualdade, fraternidade e justiça social necessitam ser reafirmados. Assim, pensar o desconfinar na direção de uma vida justa e feliz para todos implica considerar uma luta que se trava ao mesmo tempo individual e coletivamente rumo a transformações sociais e econômicas profundas nos âmbitos global e local no contexto pós-pandemia. Seguir por essas trilhas em um momento tão trágico como este que vivemos permite renovar esperanças, vislumbrar possibilidades, sonhar e orientar o caminho dos esforços rumo a uma sociedade em que milhares de Josés e Marias possam sair do confinamento maior da desigualdade social, da abominável desvalorização de suas vidas por parte de alguns setores da sociedade e da progressiva insustentabilidade da vida no planeta. Nessa perspectiva, a utopia é movida pela esperança de que transformações sociais profundas são possíveis e uma situação-limite como a que a humanidade vive nesse momento – marcada não somente pela pandemia, mas por guerras, desigualdades sociais, pobreza extrema e paulatina deterioração dos recursos naturais do planeta – pode ser propulsora de parte dessas mudanças: “[...] não entendo a existência humana e a luta necessária para fazê-la melhor, sem a esperança e sem o sonho. A esperança é necessidade ontológica [...]”, afirma Freire (1992, p. 5). No entanto, nesse contexto, utopia e esperança são apenas parte do primeiro passo a ser dado, alerta o autor. A utopia e a esperança podem transformar-se em desesperança, caso não sejam acompanhadas da prática, da ação alicerçada em uma análise política e comprometida com a superação da opressão a que é submetida grande parte da população mundial. Opressão que tem uma de suas faces mais perversas na atualidade nas filas de milhões de pessoas desempregadas desesperadas nas portas virtuais dos sites governamentais em busca de minguados benefícios para sua sobrevivência ou nas portas de um hospital em busca de cura para sua doença. É nesse contexto que a prática educativa revela seu grande potencial no exercício da utopia. Ainda que a abordagem de novas formas de relações e de existência no e com o planeta extrapole sobremaneira o âmbito educacional, é imperativo reconhecer o seu papel na formação das novas gerações de maneira a se perseguir um projeto utópico de sociedade, pautado pela justiça social e pela felicidade de todos os seus membros. Na perspectiva em que o abordamos aqui, o
  • 34. 33 desconfinamento também implica conhecimento sobre a realidade e sobre si nesse contexto. Um conhecimento que inquieta, produz indignação e deslocamentos no que tange ao olhar que oprime, porque grávido das dores, das alegrias, dos sonhos e das perplexidades diante da retirada dos véus que impediam uma visão mais ampla da realidade de quem é oprimido. Conhecer também é desconfinar. Entretanto, há que ser um conhecimento engendrado em uma prática que conceba a educação para além das necessidades do mercado, dos interesses dos grandes conglomerados de empresas de tecnologia da comunicação e da informação em expandir seus negócios oferecendo ensino a distância para estudantes do nível básico e superior. Há de ser uma educação concebida como um bem público, concretizada presencialmente, enraizada nos princípios de uma formação humana abrangente, que permita a todas e todos estudantes a apropriação efetiva dos bens culturais produzidos pela humanidade. Que seja emancipadora, libertando dos elos da ignorância, do individualismo e da própria perspectiva do opressor internalizada. Educação que, em grande parte, ainda é utopia. Esperança. Mas que pode encarnar-se em concretude histórica. REFERÊNCIAS CHAUI, Marilena. Notas sobre Utopia. Cienc. Cult., São Paulo, v. 60, n.º spe1, pp. 7-12, julho, 2008. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v60nspe1/a0360ns1.pdf. Acesso em: 24 abr. 2020. FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. KLEIN, Naomi. “O normal é mortal. A ‘normalidade’ é uma imensa crise”. Instituto Humanitas Unisinos. Entrevista publicada originalmente por El Salto, 01-04-2020. Trad. Centro de Promoção de Agentes de Transformação (CEPAT). 02-04-2020. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/597713-o-normal-e- mortal-a-normalidade-e-uma-imensa-crise-afirma-naomi-klein. Acesso em: 25 abr. 2020 MEDRANO PEREZ, Ojilve Ramón. Ciudades sobrecargadas: la sobreexplotación de recursos como limitante del desarrollo sustentable. Antipod. Rev. Antropol. Arqueol., Bogotá, n.º 39, p. 3-12, Apr. 2020. Disponível em: http://www.scielo.org.co/pdf/antpo/n39/1900-5407-antpo-39-3.pdf. Acesso em: 2 maio 2020. TRINDADE, Hiago. Crise do capital, exército industrial de reserva e precariado no Brasil contemporâneo. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n.º 129, pp. 225-244, maio/ago. 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/sssoc/n129/0101-6628-sssoc-129-0225.pdf. Acesso em: 29 abr. 2020. YUNUS, Muhammad. “Não vamos voltar ao mundo que tínhamos antes”. Instituto Humanitas Unisinos. Entrevista publicada originalmente por La Repubblica, 18-04-2020. Trad. Luisa Rabolini. 20-04-2020. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/598194-nao-vamos-voltar-ao-mundo-que-tinhamos-antes- entrevista-com-muhammad-yunus. Acesso em: 22 abr. 2020. ŽIŽEK, Slavoj. Pandemia: la covid-19 estremece al mundo. Barcelona: Editorial Anagrama, 2020.
  • 36. 35
  • 37. 36 JOAQUIM COLÔA CONTACTOS https://www.slideshare.net/jcoloa joaquim.coloa@gmail.com Cheira-se o medo na morte pronunciada e os gestos acantonam-se entre paredes reduzidas a quase nada paredes e gestos, a solidão. Os braços pendem num esquecimento de como abraçar e os lábios escondem as palavras ninguém ousa falar e nas mãos domina o medo que se torce em ciclos de vício para não arrancarmos a pele gastamo-nos no gesto soçobrando o acariciar. A morte planta nos corpos alma genuína o fulgor de quem se renova a cada pensamento e em delicadeza dilacera as entranhas e rasga a pele em cortes de ave de rapina. Nus escondemo-nos das gentes escondidas, em quarentena palavra oferecida nela esconde-se o pânico tumefacto de perder no corpo o corpo que nos pariu perdendo-se em dias contínuos de novena. Agora que nos demos à prisão dos dias semeia-se o medo e por incautos nos arredamos dos sentidos e enredados em teias de proteção nos voluntariamos para espreitados e guardados sermos perdidos.
  • 38. 37 Vigilantes prescindimos de nós e asfixiados nos damos para ser vigiados e assim confinados, organizados nos assumimos ser peças soltas de dominós no fim talvez nos ofereçam em manada uma escolta no fim talvez, extraviados, queiramos a revolta.
  • 40. 39
  • 41. 40 3 Trabalho apresentado na disciplina “Sistema Educativo e Escola Inclusiva: Educação para a Diversidade”, curso de Pós- Graduação em Educação Especial: Domínio Cognitivo e Motor, Instituto Superior de Educação e Ciências. 4 Conceito proposto e desenvolvido por Colôa (2018, 2019). DA EXCLUSÃO À INCLUSÃO3 A escola completa4 d o s é c . X X I JORGE DA CUNHA CONTACTOS dislexiaedislexia.blogspot.pt sibilante.blogs.sapo.pt jorgedacunha@sapo.com Pretendemos com este texto debater os conceitos de inclusão e escola inclusiva no sistema português de educação, associando-os a dois outros conceitos: o primeiro (escola atraente), dos finais dos anos 20 e anos 30 do século passado, de Irene Lisboa; o outro (escola completa), defendido desde 2018, por Joaquim Colôa. Pensamos ser pertinente esta reflexão, 1) tendo em conta que se fala de inclusão e de escola inclusiva como se fossem conceitos novos; 2) o uso, de forma muitas vezes inadequada, tornou estes conceitos vazios do seu verdadeiro significado. Palavras-chave: exclusão, integração, inclusão, escola inclusiva, escola atraente, escola completa. With this text, we intend to debate the concepts of inclusion and inclusive school in the Portuguese education system, associating them with two other concepts: the first (attractive school), from the late 1920s and 1930s, by Irene Lisboa; the other (complete school), defended since 2018, by Joaquim Colôa. We think this reflection is pertinent, 1) considering that we talk about inclusion and inclusive school as if they were new concepts; 2) the use, in an inadequate way, made these concepts empty of their true meaning. Keywords: exclusion, integration, inclusion, inclusive school, attractive school, complete school. INTRODUÇÃO A inclusão é um princípio, não uma estratégia. REDEinclusão Este texto pretende refletir, por um lado, sobre os conceitos de exclusão e inclusão em educação, através do pensamento de alguns autores selecionados; por outro, pensar sobre a utilidade de continuar a insistir no conceito de “Escola Inclusiva”, uma vez que este conceito está já há muito impregnado de preconceitos que em nada facilitam a implementação da diferenciação, diversidade e equidade que uma escola para todos impõe. A reflexão sobre este conceito levar- nos-á a propostas de outros autores, nomeadamente de Irene Lisboa (1926): “Escola Atraente”, quando ainda nem sequer se falava de integração, mas já havia uma aproximação a ideias e práticas inclusivas (ver, por exemplo, os textos pedagógicos de Irene Lisboa dos anos 30 e 40 do século XX, não iremos alongar as considerações sobre esta autora, será matéria para outra abordagem); e de Joaquim Colôa (2018, 2019): “Escola Completa”, quando se percebe que o conceito de “Escola Inclusiva”, e mesmo o de “Inclusão”, parece não servir as ideias da verdadeira escola para todos, desenvolvidas por muitos autores ao longo da história
  • 42. 41 da educação, desde os princípios dos anos 90 também do século XX, por já estar imbuído de ideias pré-concebidas que em nada ajudam a sua apropriada difusão. Será talvez importante, antes de iniciarmos esta viagem pela história dos conceitos, perceber as diferenças propostas por vários autores relativamente à integração e inclusão: Quadro 1 – Adaptado de Sanches & Teodoro (2006), a partir de Ainscow (1995), Meijer (1998), Porter (1997), Rodrigues (2001), Correia (2001), Armstrong (2001), Warwick (2001), Gardou (2003). Esta reflexão não se escusará a criticar as opções políticas e administrativas, a legislação e outros documentos, as posições de um ou outro autor e a prática educativa nas escolas em Portugal se se proporcionar. No entanto, não será esse o principal objetivo. O nosso foco será o conceito de Inclusão, principalmente porque nos preocupa que se debata tanto este tema, muito mais com a entrada em vigor do Decreto-Lei 54/2018, de 06 de julho, fazendo parecer que o tema é inédito e que a exclusão, presencial ou académica (Rodrigues, 2006), foi erradicada por decreto. Às vezes, apetece perguntar: Por que caminhos têm andado os legisladores e as equipas que elaboram os diplomas e estudos do Ministério da Educação? Que, por um lado, não entendem ou não querem entender, muitas vezes deturpando as suas ideias, os autores portugueses e estrangeiros que muito têm escrito, debatido e se indignado com as questões ligadas à escola para todos; por outro, a realidade distópica, sombria e niilista do quotidiano das escolas portuguesas, que em muito devem esta confusão a esses diplomas e estudos, mas também aos manuais que pretendem ajudar a perceber aquelas produções, achando que quem as lê recebe e aplica sem reflexão. Nesta matéria estamos com Niza, quando nos refere: Como hoje os governos falam de inclusão, a torto e a direito, quando querem reinstalar a caridade pública, nós temos que queimar esse conceito pois já não nos serve para nada. Já não serve para aquilo que foi criado. Temos provavelmente de encontrar novos modos de dizer aquilo que parece não termos sido capazes de dizer a seu tempo nos anos 90. Está tudo comprometido. Quer dizer, mas está tudo perdido? Não! Colecionamos muitos erros, mas ainda temos muito para aprender, se
  • 43. 42 quisermos analisar todos esses passos mal cumpridos vamos acumular muito conhecimento. E essa é uma fantástica aventura do conhecimento. Voltar atrás e ver tudo o que fizemos de mal e ver como evitar repetir exaustivamente, cansativamente, as mesmas coisas, contra parte da nossa Humanidade. (Santos, Costa & Niza, 2014, p. 260) DA EXCLUSÃO À INCLUSÃO (BREVE REVISÃO DA LITERATURA) Foi a partir dos anos 60 do século XX que começaram a surgir novas ideias, conceitos e práticas educativas (Sanches & Teodoro, 2006) que faziam entender que a mudança era possível no que diz respeito a uma escola para todos, incluindo aqueles que apresentavam deficiência. O percurso, daí para a frente, não tem sido fácil, muitas vezes cheio de erros que tendem a repetir-se. No entanto, comparado com o longo período que ficou para trás, podemos dizer que, apesar dos espinhos, algumas rosas foram colhidas: “A intervenção com os apelidados de ‘diferentes’ tem-se construído num verdadeiro laboratório de inovação e de descoberta da aprendizagem humana” (Sanches & Teodoro, 2006, p. 66), apesar de nos encontrarmos ainda longe de uma situação equilibrada, no que diz respeito à inclusão de todos os alunos na escola regular com acesso a currículos abertos e a uma flexibilização curricular efetiva e não apenas num papel muitas vezes mal amanhado e confuso. O que devíamos, pois, buscar incansavelmente devia ser uma prática generalizada, em que a pedagogia diferenciada não fosse uma medida, absurdamente assim considerada no 54/2018, mas uma metodologia que promove, mais do que a inclusão, a equidade. Pelo menos, com o Decreto-Lei 54/2018, foram conseguidas, aparentemente, três conquistas desejadas por Ana Maria Bénard da Costa (Santos, Costa & Niza, 2014). Quando lhe perguntaram que transformações faria nos documentos de política educativa, respondeu com a honestidade intelectual que lhe é característica e exigida: Ignoro muitas das medidas atuais e não estou qualificada para responder a esta questão. Mas arrisco a dizer só 3 medidas: 1. Alterar o DL 3/2008. 2. Acabava com a aplicação da CIF como medida de avaliação dos alunos. 3. Eliminava a classificação de “elegível” ou “não elegível” para poder aceder ao apoio na sua aprendizagem. (p. 247) De facto, o 3/2008 foi alterado. Com certeza. A CIF deixou de fazer parte da realidade da educação. Com certeza. Quanto à classificação de “elegível” ou “não elegível”, temos muitas dúvidas se a abordagem concretizada em “medidas de suporte e apoio à aprendizagem e inclusão” não o está a fazer, ainda que de forma dissimulada. No entanto, não podemos esquecer, e também isso devemos a Bénard da Costa, que o velho Decreto--Lei 319/91 já se tinha afastado dos critérios médicos, valorizando os pedagógicos: “O Decreto-lei 319/91, de 23 de agosto, difundiu o conceito Necessidades Educativas Especiais e
  • 44. 43 decretou a substituição dos critérios médicos por critérios pedagógicos para avaliação destes alunos” (Sanches & Teodoro, 2006, p. 68). Mas revisitemos, ainda que brevemente, a história da criança e, em particular, das crianças “diferentes” através da História. Ficaremos, deste modo, com uma ideia mais clara do que era a exclusão antiga para nos ajudar a perceber o conceito de inclusão hoje e, enfrentemos sem preconceitos a realidade, o de exclusão dos tempos modernos, nomeadamente na escola, até porque, isto devia preocupar-nos muito, a exclusão escolar é a primeira etapa da exclusão social (Morgado, 2003, 2019). Os cuidados especiais que os adultos têm hoje com as crianças, vê-las a partir do seu mundo; compreendê-las a partir de dentro, tendo em vista o seu bem-estar, são historicamente muito novos e contrastam com cuidados bem menos tolerantes, abeirando muitas vezes a precariedade/instabilidade vivida noutras épocas. Na Grécia Antiga, por exemplo, a criança deficiente era mandada para as montanhas, bem longe dos olhares alheios; na Roma Antiga, eram atiradas ao rio; na Idade Média, e até ao século XVII, eram perseguidas, julgadas e executadas por feitiçaria ou por terem pacto com o Diabo. Ariès (1981) diz- nos que só a partir do século XVII é que se processaram alterações na conceção de infância, que resultariam em cuidados especiais com as crianças do século XX. Até então, como nos refere Badinter (1985), a criança tinha pouca importância no seio familiar, oscilando entre o incómodo, a insignificância e o medo. E qualquer ação contra a criança era tida como moralmente neutra: apesar de estas ações serem condenadas pela Igreja e pelo Estado. No entanto, as atrocidades eram cometidas em segredo e as descobertas raramente eram condenadas (Ariès, 1981). É claro que, numa observação mais cuidadosa pela história da criança, encontramos exceções a este consenso histórico e isto também não significa que o adulto, nestes séculos recuados, não partilhasse ternura pelas crianças, já pelas crianças deficientes a situação era diferente. Em muitos locais, o tratamento medievo dado aos deficientes prolongou-se até ao século XX. Em História da Vida Privada, Ariès e Duby (1990, v. 2) referem que, no século XV, a introdução da criança na vida privada familiar acontece de forma simples e grosseira, no entanto parece não se recusar de todo o afeto. Mas é só mais tarde que se descobre a criança, as suas graças e os seus dons: A partir dos finais do século XIV aparecem, nos meios abastados das cidades, indícios de uma nova relação com a criança. São menos as marcas de uma nova afetividade do que a vontade, cada vez mais afirmada, de preservar a vida da criança. Dois séculos mais tarde, o exemplo de Scevole de Sainte-Marthe5 é francamente significativo da atitude das novas elites sociais do Renascimento. Esta vontade de salvar a criança aumenta continuamente no decurso do século XVII, e Madame de Sévigné testemunha esta recusa do pior quando a sua neta está doente: «Não quero que isto morra!», exclama. (Gélis, em Arié & Duby, 1990, v. 3, p. 315) No século XVIII, a criança com deficiência começa já a ser vista de outra forma. Para isso, muito contribuiu a filosofia de Rosseau, principalmente a partir da obra Emílio ou da Educação (Correia, 5 Reuniu no poema “Paedotrofia” as investigações que fez para salvar o filho que se encontrava às portas da morte.
  • 45. 44 1997) que partia do pressuposto de que o homem nascia naturalmente bom e que a sociedade é que o corrompia. A criança é aqui entendida na sua complexidade enquanto criança e deve ser valorizada através da educação. Refere Michelle Perrot (Ariè & Duby, 1990, v. 4) que no século XIX “(...) a criança está mais do que nunca no centro da família” (p. 146). É objeto de um investimento a todos os níveis: afetivo, certamente, mas também económico, educativo, existencial, tendo em vista o bem comum, é, portanto, já um “ser social”. Ela é o futuro da família, da nação, da espécie. Também a criança com deficiência começa a ser pensada de outra forma. Como socializar a diferença? Para isso era necessário transformar os seus males (Correia, 1997), através de canções expurgatórias, rezas ou exorcismos, de maneira a que ficassem o mais próximo possível da normalidade ou, pelo menos, que não incomodassem a normalidade do quotidiano. Mas, neste século, não eram só as práticas populares e religiosas que tentavam atuar sobre os diferentes, também os médicos e a ciência entraram em cena, interessando-se pelas deficiências. Lembremo-nos, por exemplo, do famoso caso de Victor, de Itard, com deficiência mental profunda (Correia, 1995). É hoje comummente aceite que o advento dos processos de escolarização e da escola se deve, pelo menos em parte, ao sentimento/sentir da infância, afastando de vez a criança de uma aprendizagem informal, com os adultos, levando-a a um “lugar próprio” para o ensino: a escola. Contudo, a escola e a família não eram, ainda, espaços opostos de aprendizagem, mas complementares, tal como Erasmo (1978) o havia concebido em Civilidade Pueril (deposita toda a confiança na educação doméstica: é no seio da família e, antes de mais, na imitação dos pais, que a criança aprenderá costumes e maneiras. No entanto, é na escola que está o futuro da civilidade). É então no “espaço próprio” para o ensino que a infância passa a ser objeto de atenção e estudo, e a escola o espaço de saberes específicos. Não passa só a ser vista como agente de reprodução social, mas também como uma etapa de emancipação dos indivíduos. Os saberes sobre a infância são o motor da produção dos saberes sobre a escola. Com o século XX, aparecem Freud, Galton, Binet, Simon e tantos outros que ampliaram os conhecimentos e chegaram à conclusão de que as crianças diferentes necessitavam de educação, é então que começa a surgir a necessidade da criação de escolas especiais (Correia, 1997), de as isolar do resto da sociedade e dos seus pares. É, pois, o surgimento de uma outra forma de segregação/exclusão. Inevitavelmente, a “escola nova” passa a criticar a “escola velha”, a tradicional; a forma como esta trata os alunos, as suas práticas pedagógicas, a partir de uma conceção errada da infância: não aceitando a criança como criança, mas como um depósito onde os adultos colocavam a vida dos adultos. “A criança, brincando, elabora, remói um pensamento, faz as suas experiências e forma os seus conceitos. Os seus recursos, para este fim, não são o pensamento puro, a abstração do adulto (...)” (Lisboa, 1933, p. 5). Os teóricos da “escola nova” viam os princípios da “escola tradicional” como desadequados às aceleradas mudanças do fim do século XIX e princípios do século XX.
  • 46. 45 Se eu ainda ensinasse, grandes ou pequenos, diria aos grandes que andam para aí com tanta macaquice pedagógica: para os pequenos, a escola, a educação não é só função de adquirir, é também ou, em primeira instância, função de revelar, de manifestar... (Lisboa, 1974, p. 195) Diziam eles que estas mudanças apontavam para o desenvolvimento das capacidades individuais, em detrimento da homogeneização de comportamentos. No entanto, nem tudo da “escola tradicional” era rejeitado, pelo menos teoricamente: “(…) ainda em 1882 o Dicionário de Pedagogia de Ferdinand Buisson, erigido à glória da nova escola, regista pudicamente que certas regras [de Civilidade de Erasmo] «permanecem populares»” (Revel, em Ariès & Duby, 1990, v. 3, p. 182). Ao longo dos tempos, os conceitos evoluíram, as práticas educativas foram mudando ou adaptando--se, e o olhar sobre as crianças e jovens diferentes também se alterou. Segundo Jiménez (1997), já no século XIX, havia a preocupação de prestar apoio a pessoas com deficiência, embora no início este apoio assumisse uma forma assistencial. Apesar destas preocupações na resposta educativa à criança com deficiência, as práticas integradoras só começaram a ganhar forma no século XX, com a publicação da Declaração sobre os Direitos da Criança (ONU, 1959). Com este documento, a educação é declarada como um direito de todas as crianças. E, anos mais tarde a acompanhar esta evolução, surge a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (ONU, 1975) onde se defende que devemos de “prestar assistência às pessoas deficientes para que elas possam desenvolver as suas habilidades nos mais variados campos de atividades e para promover portanto quanto possível, a sua integração na vida normal” (p. 9). (Amaro, 2011, p. 33) A partir da segunda metade do século XX, os estudos começaram a intensificar-se, as necessidades também, e percebeu-se que, se calhar, as crianças diferentes deviam ser tratadas de outra forma. Esta consciencialização trouxe “(...) empenhamento e esperança, espelhada num renascimento humanista cada vez mais evidente e que atingiu o apogeu nos anos 60” (Correia, 1997, p. 14). A questão das escolas especiais começou a ser colocada em causa. Eram encaradas como uma forma de exclusão a todos os níveis. Começaram, então, a surgir muitos programas com qualidade e muitas movimentações de pais e associações apoiados pelo conhecimento científico. Ora, estas movimentações fizeram com que fosse “(...) necessário proceder-se a um conjunto de mudanças, legislativas e educacionais, que permitissem que esse aluno com NEE pudesse usufruir do mesmo tipo de educação que o seu companheiro dito “normal”, ou seja, sempre que possível, o aluno com NEE devia ser educado na classe regular” (Correia, 1997, p. 19). Estávamos, pois, na presença de um conceito novo em educação: a integração chegava assim à educação, isto é, as crianças deficientes tinham o direito a frequentar a escola normal, a escola menos restritiva possível, a escola que tivesse em conta o conhecimento/aprendizagem, mas também a socialização destes alunos, onde tivessem mais oportunidade de progredir. O termo integração, como nos refere Correia (1997), surge assim do conceito de “normalização”. Ora, as escolas mais integradoras seriam “(...) as que a [criança] separam o menos possível do contexto natural de que faz parte integrante” (Correia, 1997, p. 19). Mas a
  • 47. 46 integração previa que o aluno chegasse à escola regular e se adaptasse, tendo um currículo que muitas vezes era construído apenas para ele. Uma vez que o peso da deficiência se sobrepunha às capacidades, estar integrado deixou “(...) de ser sinónimo de acompanhar o currículo normal (...)” (Correia, 1997, p. 27). O contexto natural era assegurado, mas mantinha-se inalterado e, muitas vezes, o aluno era mesmo retirado do grupo e trabalhado individualmente, quando não era colocado em turmas especiais. Portanto, apesar de frequentar fisicamente um espaço comum a todos os alunos, na realidade a discriminação/exclusão mantinha-se e a aprendizagem era feita a partir de critérios que não permitiam desenvolver as reais capacidades. Durante esta primeira fase – ou seja nos primeiros anos da década de 70 – a perspetiva era o apoio centrado no aluno tentando que a escola o aceitasse, mas não implicando mudanças nas atividades normas da sala de aula nem nos métodos de ensino. Este conceito levava a que se achasse necessário que as crianças com graves problemas de aprendizagem fossem educadas em escolas especiais. Nesse sentido, foi dado o apoio à criação de escolas para estes alunos promovidas por Cooperativas e Associações de Pais. Houve o extraordinário movimento de pais, nomeadamente o movimento CERCI, que desencadeou um desenvolvimento extremamente rápido de estruturas educativas para crianças e jovens que não tinham até aí nenhuma estrutura educativa acessível. (Santos, Costa & Niza, 2014, p. 241) Apesar do conceito conter “(...) ainda formulações que permitem a exclusão de alguns alunos do sistema regular de educação” (Freire, 2008, p. 8), a chegada à educação do conceito de integração constituiu uma viragem enorme na forma de pensar a escola e a aprendizagem, e foi um caminho muito proveitoso a todos os níveis para chegarmos ao conceito de inclusão, que, como veremos à frente, também não está isento de críticas. Observámos ainda, a partir do pensamento de vários autores e do testemunho de quem esteve no terreno muito antes dos anos 80 e 90 do século XX (quando proliferaram os documentos legais que abordavam a questão, nomeadamente a Lei de Bases e, mais tarde, as fabulosas experiência inclusivas que iam acontecendo pelo país fora), que o conceito de integração e a prática inclusiva, para muitos, já encerrava princípios claros de inclusão. Transcrevemos o testemunho de alguém que começou por ser professora nos anos 60 do século passado, hoje investigadora e autora, numa época em que se estava a dar os primeiros passos no sentido de um ensino integrado em Portugal (Santos, Costa & Niza, 2014). Todo o meu trabalho nasceu, foi nascendo, pela necessidade de dar resposta aos alunos que não conseguiam ler, que ficariam excluídos se não conseguissem aprender a ler, a chave do acesso a todos os outros saberes. Sem saber, sem usar a palavra INCLUSÃO, era o que eu fazia... Na altura não havia professores de apoio, as crianças aprendiam na sala com a sua professora ou simplesmente não aprendiam... Não sei quando se falou pela primeira vez de INCLUSÃO. Sei que desde o meu primeiro ano de ensino em 1962 eu praticava a inclusão, esforçava-me, inventava estratégias, para não deixar nenhuma criança para trás. Não precisei da palavra INCLUSÃO para incluir todas as crianças que ensinei, nos bairros de barracas onde sempre escolhi ensinar. Não, o conceito, a prática de estratégias inclusivas não é recente... Sem a palavra, mas com o gosto de ajudar todas as crianças, a inclusão era praticada por mim e por muitas colegas. E as turmas não eram pequenas, e muitas não tinha só uma classe! (Paula Teles6 , 2019) 6 Email enviado em 18 de outubro de 2019.
  • 48. 47 São, no entanto, estas práticas, a forte produção científica e a intensa discussão que se gerou à volta de tudo isto que fez surgir, no início dos anos 90, o diploma que autorizava a grande mudança, apesar de este diploma (DL 319/91) ter surgido antes da Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), talvez tenha sido o primeiro passo para a clarificação do conceito de inclusão em Portugal (embora falasse de integração, mas o 3/2008 também refere este conceito várias vezes). Esta perspetiva foi discutida em várias reuniões na DEE e foi enviado a todos os elementos um texto que se chamava “Novos rumos para a Educação especial”. Aí propunha-se que se iniciasse, em algumas escolas, uma experiência de integração destes alunos. Organizou-se um encontro alargado sobre este tema e foi acentuada a noção de que não podíamos dizer que procurávamos integrar as crianças com deficiência e depois não integrar as que constituíam o maior grupo – as que tinham graves problemas de aprendizagem. Estes conceitos e as formas de os aplicar foram aprofundados e foi redigida a proposta de uma nova legislação. A autorização desta proposta veio dois anos depois e é o DL 319. (Santos, Costa & Niza, 2014, p. 243) Antes de nos debruçarmos sobre a inclusão, vejamos como Bénard da Costa concebeu a evolução do ensino desde a segregação à inclusão, ela que vem da integração, passando a defender entusiasticamente a inclusão7 . Quadro 2 – Evolução proposta por Ana Maria Bénard da Costa Ora, com a chegada dos anos 90 do século XX, muitos começaram a perceber que o que tinha sido feito até aí não chegava, pois a escola ainda continuava a produzir exclusão, ainda que, muitas vezes, de forma disfarçada. (...) reforçou-se a tomada de consciência de que o que era preciso era combater as formas de exclusão. E o que se opõe à exclusão é a inclusão. Portanto começamos a falar já de um conceito avançado, que ultrapassa estas manipulações, esta engenharia dos grupos, subgrupos, das classes, dos serviços diversificados. E isso torna a consciência mais nítida de que todos os cidadãos têm o direito a aprender, numa escola comum, numa escola regular comum. E esse é o grande avanço. E é um avanço civilizacional, é um avanço cultural e de civilização. (Santos, Costa & Niza, 2014, p. 255) 7 Joaquim Colôa (2019, outubro). Pós-graduação em Necessidades Educativas Especiais. ISEC-Lisboa.
  • 49. 48 Em 2014, passados vinte anos da introdução do conceito de inclusão, Niza mostrava-se desiludido: “(...) estamos outra vez agarrados a uma grande máquina que nega os direitos que as crianças com necessidades especiais (...) têm a uma socialização num ambiente ecológico e equilibrado (...)” (Santos, Costa & Niza, 2014, p. 255). Referia-se, portanto, às consequências que surgiram a partir do Decreto-Lei 3/2008, das medidas aí defendidas e, de certa forma, do regresso a uma visão catalogadora da deficiência e das dificuldades de aprendizagem com a exigência da aplicação da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), bem como a categorização de “elegível” e “não elegível”. Estamos à beira, provavelmente, de um novo retrocesso civilizacional. Provavelmente porque se aperceberam que a barbaridade que cometeram em 2008, com a passagem para a mão dos professores de um instrumento de classificação nosológico, da medicina, que terem feito isso para tornar mais barata a educação das crianças com necessidades especiais, vieram a aperceber-se de que os professores utilizam a seu modo, dentro da cultura escolar, esse instrumento, porque esse instrumento é da medicina pelo que nunca deveria ter passado para a educação. (Santos, Costa & Niza, 2014, p. 259) Passaram-se, pois, mais cinco anos após a desilusão de Niza. Entretanto, mudou alguma coisa? Sim, mas não o suficiente. A notícia da revogação do Decreto-Lei 3/2008 trouxe alguma esperança, e veio pôr termo a uma avaliação médica para a definição de medidas educativas. No entanto, o Decreto- Lei 54/2018 não parece ser consensual, embora se intitule de Educação Inclusiva, com medidas de apoio à aprendizagem e inclusão, com centros de apoio à aprendizagem e inclusão, dando a ideia de que o conceito, de tão usado, deixa de ter o efeito que a definição de inclusão encerra desde os primeiros documentos dos princípios dos anos 90 do século XX, parecendo haver uma espécie de apropriação quer do poder político quer de técnicos e académicos. Como nos refere Colôa (2015), a propósito de um outro conceito, “Aos discursos e propostas políticas têm-se juntado, sendo por vezes preponderantes, as chancelas de alguns técnicos e mesmo académicos no afã de legitimar os discursos do poder” (p. 13). Sobre esta legitimação do poder, lembramo--nos do texto de Foucault (1984): Existe uma cidadania internacional que implica os seus direitos, os seus deveres e que conduz a insurgir-se contra todos os abusos de poder, seja quem for o seu autor – e quem quer que sejam as suas vítimas. No fundo, nós somos todos governados e, a esse título, solidários. Na medida em que pretendem ocupar-se da felicidade das sociedades, os governos se arrogam o direito de inventariar os ganhos e as perdas, a infelicidade dos homens, que as suas decisões provocam ou que as suas negligências permitem. Constitui um dever dessa cidadania internacional de sempre fazer valer aos olhos e ouvidos dos governos as infelicidades dos homens em relação às quais não é verdade que eles não são responsáveis. A infelicidade dos homens não deve jamais ser um resto mudo da política. Ela funda um direito absoluto de se insurgir e de interpelar aqueles que detêm o poder. (p. 22) Também, logo após a publicação do referido diploma, algumas vozes se fizeram ouvir, alertando para várias questões frágeis e outras afastadas do conhecimento científico produzido ao longo do tempo.
  • 50. 49 Este aspeto é marcante no Decreto Lei 54/2018, por exemplo no articulado sobre autodeterminação ou ainda na ideia subjacente à expressão “a promoção do comportamento pró-social”. Por um lado, a apologia do direito à diferença e do imperativo de uma escola da e para a diversidade. Por outro lado, um discurso ancorado em pressupostos de padronização que tende a organizar-se com base numa perspetiva clínica que mesmo no seu simbólico nos encaminha à normalização. (Colôa, 2019, p. 5) Mas Colôa vai mais longe, mostrando aspetos incoerentes que a nova legislação contempla, como é o caso de alguns conceitos. A erradicação da expressão do normativo, percecionando-se que mais do que dos valores e práticas para que algumas vezes remete, fragilizará a alteração significativa de tomadas de decisão consideradas “menos inclusivas” a diversos níveis. Mecanismo que se perceciona em diversos discursos já como práxis substantivada. Mais que o próprio legislador estabelece, logo na norma, algumas ambiguidades quando, como mero exemplo, por um lado omite a expressão “Necessidades Educativas Especiais” e por outro assume no articulado a expressão “Necessidades de Saúde Especiais”. (Colôa, 2019, pp. 5-6) Claro que situações destas, como já havia acontecido anteriormente, talvez de outra forma, com o 3/2008, por um lado, descredibilizam os conceitos; por outro, criam confusão na aplicação da lei, não nos esqueçamos de que esta será mediada “(...) diferentemente por diversos atores em distintos contextos” (Colôa, 2019, p. 4, parafraseando Massouti, 2018), apesar das inúmeras formações fornecidas pelo Ministério da Educação e Centros de Formação sobre o tema, muitas administradas por formadores que debitam o que lhes disseram, numa espécie de evangelização8 , às vezes nem defendida pelos próprios. Ora, como já demos a entender, os conceitos de inclusão e de escola inclusiva têm sido abordados e redefinidos por vários autores e organismos ao longo das últimas três décadas. As primeiras definições mundialmente aceites talvez tenham sido as elaboradas a partir da Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994). Por uma questão de economia de espaço, não as transcreveremos neste texto, por serem muitas e, principalmente já neste século, por apresentarem pressupostos indiscutíveis: “Em continuidade, no início deste século, o XXI, as narrativas sobre a Educação Inclusiva surgem-nos como inquestionáveis” (Colôa, 2018, p. 9). Inquestionáveis, mas não isentas de análise. Por exemplo, o princípio apresentado a seguir, o mais utilizado por inúmeros autores, presente na Declaração anteriormente referida, expõe um conjunto de orientações para uma escola inclusiva. É, no entanto, uma definição ambígua em muitos aspetos, dando azo a interpretações erradas ou desviadas da ideia original, ou mesmo do que realmente significa inclusão e escolas inclusivas. O princípio fundamental das escolas inclusivas consiste em que todos os alunos devam aprender juntos, sempre que possível, independentemente das dificuldades e das diferenças que apresente. Estas escolas inclusivas devem reconhecer e satisfazer as necessidades diversas dos seus alunos, adaptando-se aos vários estilos e ritmos de aprendizagem, de modo a garantir um bom nível de educação para todos, através de currículos adequados, de uma boa organização escolar, de estratégias pedagógicas, de utilização de recursos e de uma cooperação com as respetivas 8 Joaquim Colôa (2019, outubro). Pós-graduação em Necessidades Educativas Especiais. ISEC-Lisboa.
  • 51. 50 comunidades. É preciso, portanto, um conjunto de apoios e de serviços para satisfazer o conjunto de necessidades especiais dentro da escola. (UNESCO, 1994, p. 21) Se nos debruçarmos apenas num aspeto: “(...) através de currículos adequados (...)”, verificamos que o conceito nos remete para uma escola para todos, em que todos devem aprender em conjunto, mas não a mesma coisa, pois dá a entender que uns seguem o currículo regular e outros o currículo que a escola bem entender, muitas vezes reforçado de facilitismos e desadequações, muitas vezes impedindo o prosseguimento de estudos, muitas vezes com atividades desenvolvidas na escola, mas fora da sala, promovendo uma outra forma de exclusão. É que, numa perspetiva de inclusão, a equidade educativa não se atinge desenvolvendo currículos diferentes para alunos com desvantagens marcadas ou baixando as expectativas relativamente a estes (Wang, 1995), tal como acontece na integração. Até porque inúmeros estudos referem que, de uma maneira geral, os objetivos desses caminhos mais ou menos alternativos são menos desafiadores do que os da escola regular e o currículo mais pobre (Fischer et al., 2002; Wang, 1995). E é reconhecido, hoje em dia, aos alunos a quem não é permitido desenvolver as competências essenciais básicas, vão, posteriormente, apresentar dificuldades em participar na sociedade complexa dos nossos dias e em exercer, de uma forma informada e consciente, o seu direito de cidadania (Galvão, Reis, Freire & Oliveira, 2006; Rodrigues, 2006). (Freire, 2008, p. 9) Mas o mais grave é que estas situações alternativas ou próprias aconteciam nas escolas com o Decreto-lei 319/91, antes da Declaração; depois deste diploma, com o 3/2008 e agora com o 54/2018. Parece-nos incompreensível que um diploma produzido vinte e cinco anos depois da Declaração apareça com alguns artigos que promovem a integração e mesmo a exclusão (analise-se, por exemplo, o que lá se diz sobre a abordagem multinível ou medidas de apoio à aprendizagem e inclusão e pedagogia diferenciada e perceba-se que esta é uma forma, ainda que por vezes pareça camuflada, de etiquetar alunos; perceba--se, por exemplo, que um modelo como este, dinâmico, está a ser percebido e aplicado como se de uma abordagem estática se tratasse; perceba-se, por exemplo, que os alunos “catalogados” no nível adicional, se não já no seletivo, aí permanecerão eternamente9 ; perceba-se, por exemplo, que se definirmos para determinado aluno a “medida” diferenciação pedagógica, ficará a pergunta. Então e os outros? Tudo isto foi criando (vai criando) nas escolas, e as escolas também foram criando alguns (muitos) refúgios, mas também nas políticas educativas locais e centrais, ideias erradas sobre inclusão e escolas inclusivas. Ora, uma verdadeira escola inclusiva ou educação inclusiva “(...) não se refere à forma de educar os alunos deficientes, mas sim às respostas diversificadas que são mobilizadas para educar todo e qualquer aluno” (Colôa, 2018, p. 11). É, como nos refere o autor no mesmo parágrafo, parafraseando Kricke e Neubert, “(...) um princípio ético (...)” que deve nortear todas as políticas educativas e toda a pedagogia e didática das escolas e de outros locais de aprendizagem, seguindo princípios de diversidade e de equidade. Mas será que isto acontece verdadeiramente nas diversas comunidades educativas? 9 Joaquim Colôa (2019, outubro). Pós-graduação em Necessidades Educativas Especiais. ISEC-Lisboa.
  • 52. 51 Alguns autores começam a questionar os conceitos de inclusão e de escola inclusiva e até da honestidade da aplicação e das narrativas. É neste terreno controverso, desigual e crescentemente complexo que a Inclusão (seja social ou educativa) procura prevalecer. Neste aspeto, poder-se-ia dizer que quanto mais a exclusão social efetivamente cresce, mais se fala em Inclusão. O termo Inclusão tem sido tão intensamente usado que se banalizou de forma que encontramos o seu uso indiscriminado no discurso político nacional e sectorial, nos programas de lazer, de saúde, de educação etc. Recentemente até́ o sistema bancário tem vindo a usar o termo: no Brasil uma instituição bancária lançou uma campanha sobre um “sistema bancário inclusivo” que busca captar contas de clientes iletrados. (Rodrigues 2006, p. 1) Começamos a perceber (ou já percebemos há muito) que a cultura, as políticas (locais e centrais) e a prática estão contaminadas de vícios e discursos balofos. Colôa (2018), citando Armstrong, Armstrong e Spandagou e, mais à frente, Simpson, refere mesmo que... (...) alguns dos discursos que se vão elaborando, tanto globalmente como localmente, apropriam-se da expressão Inclusão enquanto expressão retórica e de boa vontade a que ninguém se poderia opor, mas sem significativa(s) mudança(s) na(s) prática(s) continuando o princípio da normalização a ser identificado como o modelo mais significativo na definição de filosofias e políticas. (p. 9) Hoje, nas escolas e nas comunidades, continua a procurar-se um termo politicamente correto que substitua “deficiente” ou “com necessidades educativas especiais”, não se percebendo que o indivíduo diferente, deficiente ou não, tem um nome, uma personalidade, uma individualidade e um percurso a fazer, não necessitando de etiquetas que o levem à exclusão, ou melhor, à exclusão camuflada de discursos “inclusivos”. “A norma como conjunto de procedimentos que nomeiam a inclusão, mas por contradição e poder, também ditam a exclusão” (Colôa, 2018, p. 9). E este é o grande perigo, o tal recuo civilizacional de que Niza (Santos, Costa & Niza, 2014) referia e Colôa (2018) reforça, dizendo que “Deste modo as narrativas da Escola Inclusiva podem encerrar em si diversas armadilhas que acentuam os processos de exclusão” (p. 9). Em matéria de norma e normalidade estamos com Torga (194910 ): “A normalidade causou-me sempre um grande pavor, exatamente porque é destruidora” (p. 128). À procura de uma nova etiqueta, de que falámos em cima, acresce, muitas vezes, a não nomeação (Colôa. 2018): não é educação especial, não é necessidades educativas especiais, afinal o serviço de educação especial continua a existir? como lhe chamamos agora? esse é de universais ou seletivas? Ora, não se está a conseguir passar que inclusão e escolas inclusivas não é apenas retórica; que o problema não está em quem tem sido excluído ou catalogado, mas sim nas políticas educativas e nas escolas que não têm criado as condições, os discursos e os diplomas legislativos necessários e ajustados a uma escola verdadeiramente para todos, para que a inclusão se sinta com tranquilidade e não através da prescrição de medidas educativas (Colôa, 2018). Medidas que, numa lógica compensatória adicionam ou, numa lógica de classificação, classificam e selecionam. Uma lógica que se substantiva em locais-financiamento especial, locais-escola especial, 10 Embora esta obra esteja referenciada em vários locais e obras como tendo sido publicada em 1948, foi na verdade editada em 1949. Em 1948, Torga não publicou nenhum diário.
  • 53. 52 locais-sala especial, locais níveis especiais. Tudo em nome de uma escolar nomeada como inclusiva. (Colôa, 2018, p. 10) Rodrigues (2006), no final de um dos seus artigos, pergunta: se há ideias mal feitas sobre inclusão, o que serão ideias bem feitas? A resposta não é conclusiva, mas aponta caminhos. Apesar do tom opinativo e afirmativo deste texto, nós próprios temos muitas dúvidas sobre se existe um caminho inequivocamente certo. Talvez o mais adequado seja pensarmos que as ideias bem feitas deverão provir de práticas corajosas, refletidas e apoiadas. Talvez estas ideias e práticas, por mais bem pensadas e feitas que sejam, não nos conduzam a uma EI [Educação Inclusiva]. Mas por certo nos vão ajudar a vê-la cada vez mais perto e desta forma promover a justiça e os direitos para todos os alunos. (p. 16) A ESCOLA ATRAENTE E A ESCOLA COMPLETA (DISCUSSÃO) A procura, em educação, de novos termos que substituam outros que se consideram contaminados por ideias pré-feitas ou que, naquele momento, já não fazem sentido devido à evolução da ciência e da prática é muito comum. Não tão comum, mas também acontece, é a procura de um termo que substitua um conceito aceite pela maioria, mas que alguns consideram viciado, desvirtuando a sua génese. Foi o que aconteceu durante a Primeira República e o início do Estado Novo, com as ideias da Escola Nova, principalmente com a inovadora designação de “Escola Atraente” (Escola Ativa), de Irene Lisboa, em oposição à escola tradicional, verbalista e pobre, talvez a primeira professora, educadora e pedagoga já com alguns dos princípios daquilo que viria a ser chamado de escola inclusiva em Portugal, mas certamente a primeira a defender (enquanto pedagoga/cronista e inspetora- orientadora) e a aplicar em Portugal (como professora) alguns dos princípios da flexibilização curricular, do currículo aberto, das aprendizagens significativas, da pedagogia diferenciada, do trabalho colaborativo, etc. Quando me referir à “Escola Atraente”, sairei dos meus estreitos âmbitos e aludirei aos meus erros, darei o passo das pequenas conquistas e reconsiderações (...) Eu via gosto nos pequenos aprendizes e tirava disso estímulo. Multiplicava-me, fazia da minha imaginação o jardim da classe, alegria e recurso dos apetites dos alunos. (Lisboa, 1926, pp. 405-406) A escola dita ativa opõe-se à passiva pelos fins especiais que tem em vista. Uma considera a criança como um vaso recetor, o cérebro a mobilar, - a passiva, - a outra considera-a como um corpo e alma com molas próprias a acionar, - a ativa (...) Que pretendem finalmente os modernos pedagogos? Harmonizar, segundo parece, o rendimento da criança com os seus interesses. Àquele antigo princípio, seco, do rendimento ou aproveitamento escolar, querem juntar o do natural prazer e o da expansão. Nesta ideia de prazer e de expansão se contêm as satisfações próprias da infância, a que a escola até aqui não dava grande importância: a curiosidade, o movimento, a pequena invenção e originalidade, a responsabilidade, etc... Há tanta riqueza a explorar nos novos ideais educativos, tanto horizonte para uma melhor conceção da escola e da vida, tanto subsídio para a crítica ao velho ensino – o pobre psitacismo da escola primária, o ridículo e insuficiente academismo liceal, e até o
  • 54. 53 pulverizado ensino superior – que me parece necessário despertar por todos os meios a consciência geral, chamar a atenção de todos para este assunto de tanto interesse! (Lisboa, 1942, pp. 12-15) Mas a autora não dispensou criticar alguns aspetos da pedagogia da “escola nova”. Assim como posteriormente outros autores. A respeito das pedagogias modernas, por exemplo, Arendt (1972), já nos fins dos anos 50 do século XX, sublinha que as teorias modernas são uma confusão entre teorias ponderadas e despropositadas que revolucionaram o sistema de ensino. Em relação a isto, Nóvoa (2009), falando da “educação nova”, mas sobretudo referindo-se à missão da escola de formar todos os alunos em todas as suas dimensões, diz-nos que O conceito de educação integral é aquele que melhor simboliza este movimento [Escola Nova] e as suas desmesuradas ambições. A escola deveria encarregar-se da formação da criança em todas as dimensões da sua vida. A escola assumiu este programa impossível e acreditou que o podia cumprir. Ao longo do século XX, foi alargando as suas missões, ficando de tal maneira atravancada que perdeu a noção das prioridades. (p. 5) E agora, muitos anos depois, a designação de “Escola Completa”, de Joaquim Colôa (2018), em confrontação com a “Escola Inclusiva”. Parece-nos que também esta proposta do autor tem por base a confusão e má utilização em que este último conceito se nos apresenta hoje. O “fim” a que nos referimos na denominação desta narrativa é o de uma Escola Completa pela completude da sua diversidade porque também diversa é toda e qualquer complexidade social e mesmo natural. Na Escola Completa a Inclusão é uma expressão que nos remete para os direitos humanos. Como defende Paulo (2016), é um direito inalienável de todos os seres humanos que tem de ser trabalhado, desenvolvido e praticado desde tenra idade. Por isso não há lugar a políticas “especiais”, “especialmente” dirigidas às pessoas com deficiência. A todos os cidadãos são assegurados todos os direitos e deveres, indispensáveis ao exercício de uma cidadania plena. Educa- se para a autodeterminação encorajando-se a capacidade de decidir e de assumir a responsabilidade pelas consequências dos próprios atos. (pp. 11-12) Em relação a Irene Lisboa e à sua “Escola Atraente” não nos alongaremos, como já referimos na introdução deste trabalho. Apenas diremos, de forma muito resumida, que Irene Lisboa defendia uma escola para todos, com programas/orientações nacionais, mas abertos à inovação, flexibilidade, equidade e à introdução de assuntos significativos, em que os alunos aprendiam ao seu ritmo, trazendo também eles conhecimentos que enriqueciam a dinâmica ativa da aula; escolas abertas à comunidade, salas de aula dinâmicas, em que o aluno procurava o conhecimento e o professor preparava, orientava e facilitava a aprendizagem e a cooperação, professor esse que devia ser um observador, investigador, conhecedor dos conteúdos, mas também da psicologia infantil, mas também da vida dos alunos, mas também dos progressos da ciência educativa. Segundo a autora, na escola devia ensinar-se menos e aprender-se mais. Esta era a “Escola Atraente” de Irene Lisboa, também uma escola de afetos e relações, uma escola dinâmica, diversa e completa. Assim nos parece ser a escola defendida por Colôa (2018, 2019), dinâmica, diversa e completa, “(...) de forma a (re)equacionar-se enquanto espaço dinâmico onde a diversidade é tida como uma mais-valia” (Colôa & Santos, 2016, p. 14), mas complementada por todo o conhecimento científico que
  • 55. 54 Irene Lisboa não tinha, nem poderia ter, por pertencer a uma época recuada e, se comparada com a atual, parca em conhecimento científico sobre educação. Mas, afinal, que defende Colôa com o conceito de “Escola Completa”? Vejamos a seguinte síntese: Quadro 3 – A “Escola Completa” proposta por Joaquim Colôa (adap.) Ora, à primeira vista a “Escola Completa” de Colôa (2018, 2019) não parece apresentar grandes diferenças dos princípios da “Escola Inclusiva”, porque a “Escola Completa” é a “Escola Inclusiva” nua de preconceitos e de discursos vazios sobre inclusão. A “Escola Completa” é a “Escola Inclusiva” vazia de erros científicos incluídos nos sucessivos diplomas legais e políticas educativas. A “Escola Completa” é a “Escola Inclusiva” em que a equidade substitui a igualdade. A “Escola Completa” é a “Escola Inclusiva” com professores verdadeiramente inclusivos. A “Escola Completa” é a “Escola Inclusiva” sem exclusão. No “fim” a Escola Completa será sempre o respeito pela pluralidade, um ambiente que acolhe TODAS AS PESSOAS e que, recusando ser meramente um espaço de encontro, se vivifica numa comunidade genuína. A Escola Completa será sempre “locais plurais” e gentes diversas que, por isso mesmo, não elaboram sobre a identidade do OUTRO, mas afirmam a SUA/NOSSA identidade, tanto no plano individual como coletivo. (Colôa, 2018, p. 13) Não é, portanto, uma escola pensada para os alunos deficientes ou com dificuldades de aprendizagem, mas uma escola pensada para todos como um todo sem negar a realidade individual (Colôa, 2019) ou as fragilidades de cada um (alunos, professores, lideranças...) (...) por isso reafirmo o imperativo do discurso de uma Escola Completa, em detrimento do discurso tantas vezes etéreo da Inclusão. O discurso da Inclusão remete ao discurso da exclusão e, portanto, não podem ser abordados independentemente (Laes, 2017). Nesta relação entre inclusão e exclusão, um dos elementos mais fragilizadores da Escola Completa é a retórica que muitas vezes se centra em propostas de médio prazo em detrimento de soluções de longo prazo que se avaliam mais
  • 56. 55 demoradas e quiçá mais complexas (Laes, 2017). (...) este pensar o sistema enquanto um todo e a longo prazo é a maior e última oportunidade que salientamos nesta narrativa porque sintetiza e organiza todas as outras antes referidas. (Colôa, 2019, p. 17) ALGUMAS CONCLUSÕES Para terminar, gostaríamos de realçar alguns pontos que nos parecem importantes e que merecem ser mais aprofundados quando se fala de inclusão em toda a sua abrangência. Pontos esses que, transpostos para a realidade dos tempos modernos, nomeadamente para dentro da escola portuguesa, constituem verdadeiros e sérios problemas. 1. Reconhecer e assumir os pontos críticos para a mudança (Colôa, 2018). “A crítica, na sua melhor aceção, não significa juízo definitivo e sancional; criticar é discorrer, é tirar razões a limpo e concitar opiniões” (Lisboa, 1935, p. 133). Errar, mas por pouco tempo, é talvez o melhor e mais eficaz processo de aprendizagem. Hoje, todos parecem sabem muito sobre educação, mas afinal, muitas vezes, não passa de senso-comum, mesmo dentro da classe profissional de educadores e professores. Não esqueçamos que na atualidade os professores são especializados em Ciências da Educação. Este ponto leva-nos ao seguinte. 2. A formação inicial, como diz Bénard da Costa, poderia ser a chave (Santos, Costa & Niza, 2014), a médio prazo, da verdadeira “Escola Completa”. No entanto, a formação inicial dos educadores e professores não prepara para responder à diversidade da escola para todos (Morgado, 2003). Continua a preparar-se professores para alunos do século passado. Depois, temos a formação contínua... mais do mesmo e subir na carreira. Se esta questão não for encarada com a devida seriedade, não conseguiremos erradicar o que concluiremos no ponto seguinte. 3. Os discursos (diríamos, também as práticas e as políticas) sobre inclusão e escola inclusiva estão gastos (Santos, Costa & Niza, 2014; Colôa, 2018). Os conceitos de inclusão e de escola inclusiva encapotam práticas de verdadeira exclusão. O diferente não é ainda visto como uma parte da diversidade. A posição de escola integrativa, subsidiária, remediativa, caritativa ainda não foi erradicada completamente. Ora, exclusão escolar é a primeira etapa da exclusão social (Morgado, 2003, 2009; Freire, 2008). 4. A noção de escola para todos deve rapidamente afastar-se da posição que defende que a inclusão está associada a necessidades educativas especiais (Sanches & Teodoro, 2006; Colôa, 2018). Inclusão é um princípio democrático, diz respeito a todos e a cada um (Colôa, 2018). 5. Os conceitos de aprender a viver juntos e aprender a ser têm de ser mais claros e mais aprofundados quando se fala de inclusão. Hoje, nas escolas, nas comunidades, nas famílias... vive-se uma crise de relações humanas, uma verdadeira e insustentável crise de emoções. A escola é um bom lugar para desconstruir esta cultura da indiferença. Aprende-se mais e melhor quando o saber e o saber fazer está envolvido de afetividade, que é a base primordial e estrutural da vida e de qualquer