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Dado Matarazzo
(Devison Amorim do Nascimento)
A Velha Esperança
Ensaios de um Jovem Contista
Apresentação
Israel Gutemberg
Revisão
Débora David Neves
Capa/Ilustrações
Dayanne Eguchi de Oliveira
A Velha Esperança: Ensaios de um Jovem Contista de
Dado Matarazzo (Devison Amorim do Nascimento).
está licenciado com uma Licença Creative Commons -
Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0
Internacional.
Baseado no trabalho disponível em
http://saberesdivinos.blogspot.com.br/.
Governo Federal
Universidade Federal do Pará
Gabinete da Reitoria
Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento
Pró-Reitoria de Gestão de Pessoal
Escola de Aplicação da UFPA
Reitor
Carlos Edilson de Almeida Maneschy
Vice-Reitor
Horácio Schneider
Chefe de Gabinete do Reitor
Maria Lúcia Lamgbeck Ohana
Pró-Reitor de Administração
Edson Ortiz de Matos
Pró-Reitora de Ensino de Graduação
Maria Lúcia Harada
Pró-Reitor de Extensão
Fernando Arthur de Freitas Neves
Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
Emannuel Zagury Tourinho
Pró-Reitora de Gestão de Pessoal
Edilziete Eduardo Pinheiro de Aragão
Pró-Reitora de Planejamento e Desenvolvimento
Raquel Trindade Borges
Pró-Reitor de Relações Internacionais
Flávio Augusto Sidrim Nassar
Diretor da Escola de Aplicação
Walter Silva Júnior
Diretor Adjunto da Escola de Aplicação
Mário Benjamin Dias
Para Adriana da Silva Soares, Ana Ionara Carvalho e Cliciane Gomes Gaia;
grandes amigas do Ensino Médio.
“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto
desencontro pela vida.”
Vinícius de Moraes.
Agradecimentos
Agradeço a Deus, por todas as bênçãos sobre minha vida! Aos anjos,
arcanjos e todas as forças divinas do Universo.
Aos meus pais, irmãos e sobrinhas. Minha base de sustentação em
todas as horas difíceis.
Ao Magnífico Reitor da UFPA, Prof. Dr. Carlos Edilson de Almeida
Maneschy, por todo apoio concedido a este e aos outros projetos que venho
desenvolvendo ao longo desses anos.
Ao Vice-Reitor da UFPA, Prof. Dr. Horácio Schneider.
À Chefe de gabinete do Reitor da UFPA, Profª Maria Lúcia Lamgbeck
Ohana. Sem sombra de dúvidas; um anjo enviado por Deus para iluminar meus
caminhos! Mais uma vez, meu muito obrigado! Meu ANJO!
À Pró-Reitora de Planejamento e Desenvolvimento, Raquel Trindade
Borges, pelo fundamental apoio a este e outros projetos.
À Cleide Raiol Nascimento, tia Cleide! Coordenadora de Gestão de
Pessoal da PROGEP/UFPA; pelos muitos auxílios e orientações que têm me
dado ao longo desses anos.
Claro, ao Israel Gutemberg. O primeiro a me fazer visualizar o meu
potencial!
À professora Débora Davi Neves, que muito tem me ajudado na revisão
das últimas publicações.
À Dayanne Eguchi de Oliveira e Nalva Sabá; que tem se revelado
grandes colegas e amantes das letras e das artes.
E... à todos que contribuíram, direta ou indiretamente para a publicação
desses Ensaios.
Obrigado!!!
Prefácio do Autor
Remexendo em materiais antigos: livros, apostilas, transparências para
retroprojetor, cadernos; desde a época de meus estudos secundários até a pós-
graduação, encontrei coisas interessantes que não imaginava ainda ter (de
algumas nem lembrava). Um desses achados foi um pequeno livro de contos que
me arrisquei a escrever durante meus estudos no Ensino Médio.
Contava naquela época 17 ou 18 anos e minha maturidade intelectual,
certamente, era bem menor do que nos dias de hoje. Lembro que desde cedo
sempre fui muito autocrítico sobre as linhas que rascunhava, na tentativa de
desenvolver a habilidade (e o dom) da escrita. Mas, mesmo assim, sempre
arriscava, submetendo minhas anotações aos meus professores, para
orientações.
Foi assim que entreguei ao professor de filosofia, Israel Gutemberg,
grande amigo e escritor, cinco contos, para sua avaliação, críticas e contribuições;
sem pretensão alguma de publicá-los.
Vieram as críticas e as contribuições, e veio muito mais. Um presente!
Professor Israel Gutemberg organizou meus contos em uma pequena coletânea,
com capa, prefácio e tudo o mais; entregando-me o livro pronto para editoração e
me estimulando a publicá-lo tão logo fosse possível. Belo presente, enviado por
Deus, por meio de Gutemberg, a quem sou grato até hoje; ainda que tenhamos
perdido totalmente o contato após eu ter concluído o Ensino Médio.
Não tendo com publicá-lo naquela época o guardei entre minhas pape-
ladas e, com o passar do tempo, em meio aos estudos superiores e ao trabalho, o
esqueci.
Tendo encontrado o livro agora, fiquei em dúvida em publicá-lo já que se
trata de uma produção de muito tempo e que julgo “frágil” ante os artigos
científicos e os livros que publiquei durante e pós Universidade.
Refleti e decidi publicar o livro como forma de resgatar um pouco de mim
mesmo e no intuito de estimular jovens escritores, que como eu (aos 17 ou 18
anos) sonham em publicar seus contos, romances, artigos...
Assim, mantive o livro quase como o encontrei, acrescentando apenas
um subtítulo ao título “A velha Esperança”, sugerido pelo professor Israel
Gutemberg, entre os títulos dos cinco contos que compõe a coletânea. Além de
acrescentar os agradecimentos àqueles que agora me ajudam a fazer essa
publicação e alguns pré-textuais. Houve algumas mudanças, mas na essência, os
contos permanecem como foram escritos anos atrás, tendo um desses contos
sido subtraído para dar espaço a um conto selecionado para compor a Antologia
do 1º Prêmio de Literatura da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal
do Pará (PROEX / UFPA) em 2010; pois sinto a necessidade de colocá-lo em uma
publicação exclusiva de minha autoria, advinda da preocupação de não deixar
meus textos “espalhados”.
“A Velha Esperança: Ensaios de um Jovem Contista” é, então, um
livro que tem como objetivos: proporcionar a mim mesmo o reencontro do escritor
de hoje com o jovem escritor de ontem; e de servir como estímulo ao “despertar”
de outros escritores. Afinal, como bem disse Monteiro Lobato “um país se faz com
homens e livros”.
Totalmente sem fins lucrativos, e, publicado com apoio do Gabinete da
Reitoria e da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoal da Universidade Federal do Pará,
o livro será distribuído aos alunos da Escola de Aplicação da UFPA e de outras
escolas públicas em que atuo como professor de Ensino Religioso.
Espero que, de alguma forma, sua leitura seja válida para eles. Espero
muito mais: que o livro cumpra seu objetivo de estimular novos leitores e escri-
tores; fazendo-os refletir sobre cada tema abordado nos contos aqui escritos.
Belém, 07 de fevereiro de 2016.
Devison Amorim do Nascimento.
Professor de Ensino Religioso.
Apresentação
Circunstanciado pela realidade, tão avessa aos nossos planos,
suprema e árida. Eis que temos algo além do superficial a nos envolver –
sonhos, quimeras, utopias, fantasias – e tudo o que diz respeito ao imaginário,
ao plano das ideias. Ao abstrato mundo do que somos: criaturas simbólicas em
letras, palavras, músicas, cores, vocábulos, poesias, perfumes, sentimentos,
ilustrações, mitos, pontos, muitos pontos, formando uma retícula luminosa,
envolvendo a vida em todos os seus entre pontos, interpondo-nos à concretude
indestrutível da beleza humana. Mas, o que seria a beleza humana? Percepção
ou a imagem latente que nos impõe a natureza das coisas? Seria nada mais
nada menos que a combinação entre o óbvio e o indecifrável, o elo entre a
sutileza sólida e a liquida, medo e desejo, esconderijo pronto a se revelar. Seria
algo mais que o certo e o duvidoso. Exatamente, apenas o belo, sentimento
abstrato que nos garante a condição espiritual-humana, um foco de fuga da
impureza de todas as falcatruas da existência comum cotidiana. Compreen-
dendo o sentido do insensato processo das guerras, nas ruas, nos campos, nos
rios, nos mares, nos continentes, contingentes sempre políticos, prontos a nos
esconder as paisagens, os ideais, as infâncias, a sensibilidade. Se formos fortes
o suficiente para não nos deixar corromper pelo inevitável, por tudo o que não
depende de nós, da soberania dos reis. Então poderemos ser sinceros com nós
mesmos. Éticos. Conscientes.
Nesse caso, a leitura dos textos de Amorim revela tal preocupação em
expor os fatos do cotidiano, sem cair na banalidade, no risível. Revelam a sim-
plicidade da beleza humana, da ética, da espiritualidade contida na esperança
de uma juventude consciente, capaz de compreender as ideologias que mani-
pulam os sonhos, as quimeras novelísticas. Se o conhecimento liberta, a arte
literária nos proporciona coragem para expressar o significado da vida. Sobre
esse aspecto Amorim parece-me estar num caminho bom de seguir em que é
possível inclusive ver além do circunstancial.
Belém, 2004.
Israel Gutemberg
Professor de Filosofia.
Sumário
O Filhos dos Espanhóis / Racismo existe ....................................
19
O Resultado / As Aparências Enganam? ..................................... 25
O Menino de Traços Indígenas / Aborto? ..................................... 31
A Velha Esperança / Um anjo? ...................................................... 37
Araguaia / Continuar? .................................................................... 43
O Filho dos Espanhóis/
Racismo existe?
Soneto de Fidelidade
De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento...
– Priscila já são quase 13:00 horas, esqueceu que hoje é o primeiro dia de
aula?
– Que bom que veio me lembrar mamãe, realmente esqueci.
– Arrume-se rápido meu bem, às 13:45 já deve estar no colégio.
A mãe de Priscila retirou-se do quarto. A jovem fechou o grosso volume de
poemas, sem esquecer-se de marcar a página que lia, e guardou-o cuidadosamente.
Era uma árdua leitora, preferia os poemas e naquele momento se debruçava sobre
as belas palavras de Vinícius de Moraes, grande poeta e compositor brasileiro.
A jovem era negra. Filha de um empresário bem sucedido, estava sendo
muito bem criada, não somente pela condição financeira dos pais; mas, sobretudo,
pelo exemplo de honestidade, cordialidade e outras qualidades que os mesmos
representavam para ela. Estudava numa rede particular de ensino, um renomado
colégio da Região Metropolitana de Belém. Priscila era uma jovem de beleza
arrebatadora: seu corpo levaria qualquer pessoa à suposição de que era modelo, os
olhos castanhos escuros, cabelos crespos ondulados e esvoaçantes. Sua beleza
natural realçava mais sob os recursos de maquiagem que utilizava. Muitos amigos,
carinhosamente, a chamavam de deusa negra; tão grande era sua beleza. Priscila
não gostava muito do apelido, mas aceitou a assim ser chamada pelos mais íntimos.
Arrumou-se para ir à escola, organizou com cuidado seu material escolar –
não posso me esquecer de nada, pensou. Em seguida, foi até a sala.
– Estou pronta mamãe.
– Jairo já tirou carro – disse a mãe de Priscila – está esperando. Boa aula,
meu bem. Jairo era o motorista da família.
– A jovem beijou o rosto da mãe afetuosamente e seguiu em direção ao
carro. Como de costume, com uma simpatia que irradiava, cumprimentou Jairo.
Conversaram um pouco. Depois, ainda no trajeto de carro para a escola, pôs-se a
pensar como seria seu primeiro dia de aula naquele ano. Pensou nos antigos amigos
e nos novos amigos de escola que conheceria. Haveria novos professores?
Ao chegar à escola e adentrar em sala de aula observou que lá estavam
presentes várias amigas, dos anos anteriores de estudo. Entre elas, viu Mônica,
querida amiga, a quem considerava sua melhor amiga. Cumprimentaram-se com
entusiasmo.
– Ainda bem que ficamos na mesma sala! – Disse Mônica.
Abraçaram-se fortemente e logo já estavam a conversar sobre várias
coisas, enquanto o professor ou professora não havia chegado. Falaram das férias
de fim de ano, das viagens, das leituras que tinham feito e, claro, de rapazes. Em
meio à conversação, estavam atentas a cada estudante que chegava, alguns
conhecidos e outros não.
Juntaram-se a outras amigas, por algum tempo, para contar as novidades.
Depois voltaram a conversar somente as duas.
21
Notaram um grupo de três rapazes que chegaram. Dois veteranos e um
novato. Ao olhar para o jovem novato, murmuraram quase que ao mesmo tempo:
– Nossa que deus grego!
Priscila foi quem mais se impressionou.
O rapaz era branco, de porte atlético, loiro, olhos azuis que lembravam
duas ametistas.
Mônica, que conhecia muito bem sua amiga comentou:
– Nossa, amiga, seus olhos estão brilhando como nunca os vi brilharem ao
ver um rapaz.
Priscila sorriu, sem jeito.
– Ele é lindo, parece um príncipe.
– Eita! Será que se trata de um amor à primeira vista? – Perguntou Mônica.
Priscila confidenciou:
Ele realmente me chamou muita atenção, mexeu comigo. Como será seu
nome?
Em poucos minutos elas descobriram o nome e um pouco mais sobre o
belo rapaz. Era filho de imigrantes espanhóis. Seu nome era Juan.
Ao descobrirem o nome, Mônica, sempre brincalhona, comentou:
– Só espero que não seja um Dom Juan!
As amigas riram.
O sinal tocou, o professor de língua portuguesa entrou. Era um conhecido
professor, que trabalhava na escola há anos. Durante toda a aula Priscila não
desviou seu olhar de Juan. O rapaz que mal tinha prestado atenção em Priscila,
apesar de toda sua beleza não notou os olhares da moça.
– Ei Priscila, preste atenção na aula – Advertiu Mônica, com seriedade.
Priscila ouviu a amiga, mas mal conseguiu se concentrar no assunto em
explicação. Pensava que aquele rapaz era o mais lindo que já tinha visto até o
momento. Será que tinha namorada, ficante ou algum tipo de comprometimento
afetivo? Sim! Priscila havia sido arrebatada por uma paixão à primeira vista, coisa
que jamais pensou que ia acontecer a ela. Estava encantada, mas nada comentou
com Mônica sobre sua atração súbita por Juan.
A aula acabou. Priscila voltou para sua casa, no trajeto escola-residência
seu pensamento não desviava do rapaz. Desejou ardentemente que aquele dia
passasse com brevidade para, no dia seguinte, voltar a ver seu Juan. Já em casa, ao
cair da tarde, sob a beleza do pôr do sol, que observou com grande atenção da
sacada de seu quarto, abriu novamente o livro de Vinícius de Moraes e terminou a
leitura do poema interrompido em outrora:
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
22
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Que belo poema – pensou – nada mais perfeito para expressar o que sinto
nesse momento, como gostaria de declama-lo para Juan. O que será que ele está
fazendo agora? – perguntou-se. Fechou os olhos e pensou no rapaz e desejou
ardentemente beijar seus lábios. O mais doce dos beijos! Aquele que havia guardado
para alguém especial. Seria Juan esse alguém? Certamente que sim!
Um mês se passou e Priscila pouco teve contato com Juan, com quem
trocava meras palavras de cordialidade: boa tarde, com licença, até a próxima aula.
Juan era um rapaz dinâmico em fazer amizades, logo fez vários colegas de turma;
embora tivesse mais afinidade com dois outros rapazes que eram veteranos na
escola, amigos de sua família. Embora tratasse Priscila com educação, parecia que
tinha certas reservas em relação à moça. Será? – pensou Priscila e uma profunda
angústia tomou seu coração.
Dois meses. E a reserva de Juan em relação a Priscila era a mesma, o que
não acontecia com os demais colegas de sala de aula.
Cansada de tentar entender sozinha o que estava acontecendo, se abriu
com Mônica. Falou de sua paixão por Juan, do desejo de namorá-lo e de suas
impressões quanto às reservas do rapaz em relação a ela.
– Reservas em relação a você, por quê? Nunca percebi. Fique tranquila –
acrescentou vou ajudá-la a conquistá-lo.
Durante alguns dias Mônica pensou em como ajudar a amiga querida.
Chegou a uma conclusão. A “ponte” seria Bruno, amigo de Juan. Seria bem direta e
comentaria com o rapaz o interesse de Priscila por Juan. Talvez Bruno pudesse
ajudá-las.
Fez o que planejou e Bruno, cheio de boas intenções, prometeu interceder
por Priscila, a quem admirava muito pela inteligência e pela beleza. Além de muito
bonita, Priscila sempre se destacava nas questões referentes aos estudos.
Bruno fez o prometido e falou com Juan sobre Priscila.
– Você só pode estar louco! Eu namorar uma negra! Está fora de cogitação.
– Cara, preconceito! Não conhecia esse teu lado racista! – Exclamou Bruno,
com indignação.
– Não se trata de preconceito, apenas tenho minhas convicções. Só namoro
garotas brancas. Acho a Priscila muito inteligente, bonita; mas me envolvo somente
com mulheres brancas. Você é testemunha que sempre a cumprimento e nunca faltei
com a cordialidade para com ela.
– Isso é preconceituoso sim. Talvez você não tenha se dado conta disso. Já
ouviu falar em racismo velado? Disfarçado, aquele racismo que está impregnado na
gente, sem que se perceba.
– Já disse, não sou racista, apenas tenho minhas convicções; que não
pretendo mudar.
Diante daquelas palavras Bruno ficou sem ter mais o que falar e surpreso
com a atitude de Juan. Nunca tinha percebido seu racismo velado. Chegou a pensar
em cortar a amizade com ele, em consideração a Priscila. Mas não fez isso. Era
melhor manter a amizade e, aos poucos, fazer o amigo refletir sobre o assunto.
23
Mas e agora, como falar aquilo à Mônica e a Priscila? Meu Deus –
pensou – como o Brasil ainda é preconceituoso em relação aos negros, embora tente
negar a verdade. Não tinha jeito, era melhor contar a verdade, para que Priscila não
continuasse a alimentar ilusões. Mas primeiro falaria particularmente com Mônica;
ela, como amiga íntima, encontraria um jeitinho de contar a verdade à Priscila.
– É quase que inacreditável – disse Mônica – ao ouvir o relato de Bruno.
Moleque insensível, preconceituoso, crápula – acrescentou, com expressão de raiva
em seu rosto.
– Pois é – disse Bruno – estou envergonhado por ele. Por favor, tenha
cuidado ao falar com Priscila, recomendou, embora soubesse que tal recomendação
não fosse necessária.
Demorou dias para que Mônica tivesse coragem de contar a Priscila a
reação de Juan em relação a ela. Pensou muito em como fazer e que palavras usar.
Seria melhor inventar uma desculpa qualquer? Ou não, deveria dizer a verdade?
Decidiu, contaria a verdade, embora tomasse cuidado com as palavras.
– Nunca imaginei que ainda existisse racismo em nosso país. Criada em
uma redoma, protegida por meus pais, e aqui nessa escola de grande porte, minha
ideia era de que isso estava superado.
Priscila chorou. E foi amparada pela amiga.
Contaria aquilo aos pais? Não! Já era uma moça, quase na fase adulta e
precisava aprender a encarar a vida sozinha. Afinal, seus pais não estariam
eternamente junto a ela para protegê-la. Precisava ser forte. Certamente ainda
presenciaria muitos casos de racismo com ela mesma e com outros negros. E, diante
disso não se faria de vítima; mas combateria, com pulso firme, tal desumanidade.
Ficou mal durante dias. Meses. Mas superou aquilo. Superou até mesmo o
ódio que brotou em seu coração por Juan. E passou a ter pena dele, era um idiota!
Ainda precisaria, tal como ela, aprender muito sobre a vida e a vida mesmo se
encarregaria de fazê-lo aprender a respeitar o outro, independentemente de sua
origem étnica e de outras particularidades, naturais entre os seres humanos. A vida
mesmo ensina, pois assim Deus determinou – pensou Priscila.
Priscila continuava a admirar a presença física de Juan – “muy belo” por
fora, mas oco por dentro. Jamais seria um bom namorado e muito menos marido –
comentou com Mônica.
Aos poucos Priscila foi se esquecendo daquela paixão súbita, embora
continuasse sempre admirando a beleza do rapaz e até o desculpou pelo racismo.
Era melhor assim, mágoas envenenam a alma. Com o tempo voltaram a se
cumprimentar cordialmente, nada mais do que isso. E no outro ano Juan se transferiu
de escola. Nunca mais se viram ou ouviram falar um do outro.
24
O Resultado/
As Aparências Enganam?
Havia três anos que Morgana não visitava sua amiga Dóris. A carreira de
modelo escasseava seu tempo de maneira implacável, a ponto de obriga-la a ver seus
próprios familiares somente em datas festivas, geralmente, nas festas de fim de ano.
Tinha chegado em Belém naquele dia e dali a outros dois dias voltaria para
o exterior, com a finalidade de honrar compromissos. Estava exausta, mas precisava
ver a amiga com urgência! Não mediu esforços, descansou algumas horas no hotel
em que se hospedou com sua equipe de trabalho e depois tomou um táxi rumo à
casa de Dóris.
– Por favor, me deixe na Avenida Assis de Vasconcelos, em frente à Praça
da República – Disse ao motorista.
Ao descer do táxi, em frente ao casarão antigo que Dóris residia, num lapso
de alguns minutos, teve doces lembranças de acontecimentos que viveu em
companhia da amiga; dentro e fora daquele casarão. As brincadeiras da infância, as
aborrencencias da adolescência, as primeiras paqueras, os primeiros namorados, os
almoços em companhia da família de Dóris e as visitações às feiras dominicais na
Praça da República. Eram amigas de infância, melhores amigas.
A vida de adultas as separou, Morgana na sua carreira de modelo
internacional e Dóris como dona de uma famosa livraria belenense; cada uma seguiu
o caminho que escolheu e que o destino lhe reservou. Mas ainda assim, nunca
perderam o contato. Afinal, os tempos modernos ofereciam várias maneiras de
comunicação a distância.
Para Morgana era um prazer visitar a amiga querida, o desprazer estava no
assunto que tinham para conversar.
Dóris ficou surpresa e feliz ao rever Morgana. Quase não acreditava que a
modelo estava ali. A primeira reação foi um carinhoso abraço. Entraram e se puse-
ram a conversar sobre assuntos diversos. Era uma tarde de domingo e essa tarde
jamais seria suficiente para colocar todos os assuntos em dia. Morgana falou de seu
sucesso no exterior e Dóris sobre o crescimento e o reconhecimento de sua livraria.
Relembraram coisas passadas, embriagadas pelas lembranças de uma verdadeira
amizade.
Voltaram a falar sobre o presente. Em meio à conversação Morgana tinha
esquecido o motivo que a levara ali; mas ao relembrar seu rosto se desfigurou de
angústia.
Dóris conhecia Morgana e sabia quando ela estava aflita.
– O que houve amiga? De repente você ficou com expressão estranha.
– Dóris eu preciso te falar uma coisa muito séria.
– O que foi, você está com algum problema?
Morgana Hesitou em falar, mas era preciso.
– Não Dóris, o problema pode estar com você. E é coisa de saúde.
– Como assim, estou ótima.
Nova hesitação de Morgana. Pensou um pouco antes de falar novamente.
– Dóris você lembra-se do Marcos?
– Marcos...
Dóris fez esforço para lembrar-se.
Ah, sim! Aquele gato que você me apresentou no carnaval de três anos
atrás, quando você estava iniciando sua carreira?
– Ele mesmo.
27
– Quase que não lembro, só o vi naquela vez. Ele também estava come-
çando como modelo não é? E aí, deu certo pra ele?
– No começo sim. Mas agora...
– O que houve com ele? Você o viu?
– Não, mas tive notícias. Me diz uma coisa, Dóris, naquela noite vocês tran-
saram?
Dóris estranhou a pergunta. Mas respondeu, pois estavam acostumadas a
conversar sobre tudo.
– Sim.
– E vocês usaram camisinha?
De repente Dóris caiu em si, logo entendeu o que Morgana queria lhe dizer.
Dóris baixou a cabeça, colocou as mãos no rosto e respondeu.
– Não.
Já tinha ideia do que ia ouvir, mas mesmo assim Dóris perguntou.
– O que aconteceu com ele?
– Soube por um conhecido – disse Morgana – que a pouco tempo Marcos
descobriu que está com Aids.
Ainda de cabeça baixa e mãos no rosto, Dóris lagrimou. Mas conteve o
choro e o desespero que ameaçavam tomar conta dela. Sim, tinha possibilidades de
estar infectada, uma vez que o vírus da doença fica encubado durante anos antes de
começar a apresentar os sinais e os sintomas. Burra! Julgava-se uma idiota! Pois
vivia num tempo em que os esclarecimentos sobre a doença eram intensos e mesmo
assim, empolgada em uma noite de festa e pelo corpo de um belo homem, se
arriscou a fazer sexo sem camisinha. Mas aquele rapaz tão bonito, de aparência tão
saudável certamente não tinha doença alguma pensou ela naquela ocasião, três
anos atrás.
Chorou baixinho nos ombros de Morgana e murmurava:
– E se eu tiver contraído o vírus, minha vida está acabada, acabaram-se
meus sonhos! Minha livraria, que construí com tanto esforço e carinho.
Morgana sabia que conviver com aquela doença seria uma situação terrível,
caso Dóris fosse soro positivo. Muita gente sabe disso! Mas, graças a Deus, a
medicina tinha evoluído e, com tratamento adequado, muitos portadores do HIV
sobrevivem anos e levam uma vida “normal”. Morgana falou tudo isso a Dóris para
consolá-la, mas a amiga continuava dessesperada, embora tivesse inteligência
emocional colossal para resistir à vontade de berrar, gritar e dar golpes nas paredes.
– O que você precisa agora Dóris é fazer o teste o mais rápido possível para
saber se contraiu ou não o vírus – disse Morgana – vamos pedir a Deus que dê ne-
gativo, mas se o resultado for positivo você precisa iniciar o tratamento imediatamente.
Morgana desejou ficar em Belém para dar amparo a Dóris. Mas não tinha
jeito precisava honrar seus compromissos de trabalho. Despediu-se da amiga,
levando o pesar de ter deixado tão triste notícia e tão tristes possibilidades no interior
daquele casarão e no coração de Dóris.
Dóris ficou em estado depressivo durante dias. Pensamentos horríveis
invadiram sua cabeça. Como seria dali pra frente, se o resultado fosse positivo?
Conseguiria conviver com a aquela doença, à base dos inúmeros medicamentos que
teria que tomar todos os dias? Teria coragem e condições psicológicas de continuar
cuidando de sua livraria? Faria aquele teste ou seria melhor conviver com a dúvida
28
até que algum sinal ou sintoma se manifestasse em seu corpo? Dúvidas, dúvidas e
mais dúvidas!
Por fim teve coragem. Iria fazer o teste sim! E, se infectada, iria lutar contra
a doença sim! Até o seu último suspiro! E iria continuar cuidando da sua livraria até
que suas forças suportassem!
Como gostaria que Morgana estivesse naquele hospital junto a ela no dia
do teste. Mas era impossível, entendia a amiga. E encontrou apoio junto à sua irmã
para enfrentar aquele momento difícil.
Colheu o material e foi instruída a esperar o resultado ali mesmo. O
resultado saía rápido. Esperou, agarrada no braço da irmã, cerca de trinta minutos;
que lhe pareceram horas. Mas agora não lhe prevaleciam maus pensamentos, pois
procurou se cercar de todos os bons sentimentos que pôde; como uma pessoa ligada
ao esoterismo, que procura elevar sua aura espiritual por meio de bons pensamentos
e sentimentos.
Quando a enfermeira lhe entregou o envelope que continha o resultado.
Olhou fixamente nos olhos da sua irmã, anunciando que iria ler o resultado.
Abriu o envelope, leu o resultado, olhou para a irmã e suspirou aliviada.
– Graças a Deus, não sou portadora do vírus HIV.
As irmãs se abraçaram e saíram do hospital, irradiadas por grande alívio e
felicidade.
Morgana soube do resultado por telefone, e as amigas vibraram juntas.
Aquela turbulência foi um grande aprendizado para Dóris, que continuava
solteira: sexo sem camisinha, nunca mais. Dois meses depois Dóris passou a
organizar, uma vez por mês, palestras sobre orientação sexual para a juventude em
sua livraria.
29
O Menino de Traços
Indígenas/Aborto?
A minha imaturidade foi o primeiro motivo que fez da minha gravidez algo
indesejado, tinha somente 15 anos. O segundo, e o mais crucial dele, o sumiço do
meu namorado. Ele era mais velho que eu, tinha 30 anos e usou de minha inocência,
se é que eu era tão inocente naquela época, para me iludir com promessas de
casamento, filhos e uma vida próspera e feliz; bem longe das dificuldades financeiras
que minha mãe e eu enfrentávamos no cotidiano. Namoramos exatamente um ano,
até ele se tornar efetivamente o primeiro homem da minha vida.
Depois de algumas relações íntimas entre nós, comecei a sentir certas
sensações estranhas. No começo pensei se tratar de um problema corriqueiro
qualquer, mas logo os as náuseas e vômitos que anunciavam minha gravidez se
intensificaram. Minha mãe sabia do namoro e até apoiava, Mauro soube exatamente
com conquistá-la usando de seu charme e desenvoltura com as palavras para
persuadi-la a autorizar nosso namoro de porta. Minha mãe foi tão iludida quanto eu.
Experiente, foi ela quem percebeu que concebia uma criança em meu
ventre. O que atestamos num teste de farmácia. Fiquei alegre com a notícia, via na
minha gravidez a solução para adiantar o noivado e o casamento que Mauro sempre
adiava, com várias desculpas. Minha mãe é que ficou preocupada, pois eu era muito
nova e ainda estudava no Ensino Médio. Ela tinha sonhos para mim, que ia muito
além de um casamento com um homem de boa situação financeira. Queria que eu
fizesse um curso superior, de preferência de enfermagem, achava o trabalho de
cuidar das pessoas necessitadas um dos mais belos e gratificantes que existem. Não
queria me ver atrás de um caixa de supermercado, trabalhando exaustivamente
durante horas, em troca de uma baixíssima remuneração. Eu concordava com ela,
queria ser enfermeira e exercer a profissão com toda dedicação e carinho possível.
Nem mamãe, nem eu íamos imaginar o que Mauro faria.
O golpe foi duro e implacável! Logo que soube de minha gravidez ele sumiu,
sem deixar rastros. Procuramos por ele desesperadas por dois meses, sem sucesso.
Parecia que Mauro tinha evaporado, se mudado para outro planeta ou qualquer coisa
do tipo!
Como íamos criar uma criança sem o apoio do pai, o que mamãe ganhava
mal dava para pagar o aluguel, as contas de energia e água e nos alimentarmos? E
eu ainda era estudante, inexperiente; teria que parar de estudar e deixar de lado
todos os meus sonhos.
É claro que estava atormentada com tal situação, mas a ideia de ser mãe já
estava me irradiando de felicidades, apesar de todas as preocupações. Depois de
nos convencermos que não iriamos mais encontrar Mauro, aos dois meses e meio de
gravidez, mamãe e eu tivemos uma séria conversa. Eu teria que adiar o sonho de ser
enfermeira por um tempo e iriamos criar sozinhas meu filho. Minha mãe era uma
pessoa muito boa de coração e uma mulher guerreira “vamos dar um jeito, dizia ela”.
Mas a vida nos deu mais um golpe. Mamãe foi despedida e nosso
desespero, que já estava se atenuando, voltou de maneira pior. Minha mãe tinha
direito a um seguro desemprego, mas e depois? Se ela não conseguisse se
empregar logo? Corríamos sérios riscos de passar necessidades, junto a uma crian-
ça inocente.
Não sei a quem o desespero atormentava mais, se à mamãe ou a mim
mesma. Várias vezes a surpreendi chorando baixinho, escondida de mim, no intuito
de me proteger e não me preocupar ainda mais.
33
Deus do céu como fiquei desestruturada, passei noites e noites em claro
pensando em como solucionar aquela situação. Eu tinha que resolver, já que eu criei
o problema. Mais algumas vezes procurei por Mauro, todas em vão. Foi então que
me veio à cabeça a ideia de fazer um aborto. Claro que não era o que eu queria, o
que mais queria era criar meu filho, enchê-lo de mimos, ver seus primeiros passos,
sua adolescência, sua juventude, sua formatura. Mas a situação financeira me
obrigava a fazer aquilo. Pensei nessa ideia durante vários dias, já cheia de culpa. Às
noites sonhava com meu filho, era um rapazinho de cinco anos, moreninho, de traços
indígenas semelhantes aos meus; estávamos num jardim e ele corria em direção a
mim de braços abertos. Eu o abraçava e o beijava afetuosamente, estávamos felizes.
Era incrível! O sonho se repetia todas as noites! O mesmo sonho, sem tirar, nem pôr.
Quem sabe um sinal de Deus para que eu não fizesse nenhum aborto, que na hora
certa ele me estenderia a mão e tudo daria certo.
Mas a realidade da pobreza e do desemprego foram mais fortes que os
repetidos sonhos. Decidi fazer o aborto. Não disse nada a mamãe, ela jamais
aprovaria aquilo. Mas em minha cabeça de garota de 15 anos aquela era a melhor
coisa a se fazer para o meu bem e o de mamãe. Aquele aborto nos livraria da
preocupação de deixar uma criança passar necessidades. Se a fome viesse a bater
em nossa porta, seria mais fácil enfrentá-la somente nós duas.
Em meio aos meus tormentos da decisão do aborto, mamãe saia todo dia à
procura de emprego e quando voltava com a expressão triste em seu olhar, não
precisava dizer com palavras que não tinha conseguido. Isso me estimulava mais a
abortar a criança.
Mamãe tinha saído em busca de emprego mais uma vez quando saí de
casa atrás de uma senhora que mexia com ervas e costumava oferecer, a baixo
custo, “garrafadas” de ervas que produziam o aborto. Soube dessa senhora por meio
de uma colega de escola que fez o mesmo que eu. Naquele dia, de posse de um
pedaço de papel no qual estava anotado o endereço da “erveira”, percorri as ruas do
telegrafo até a casa da mulher com lágrimas escorrendo sobre o meu rosto; sabia
que estava prestes a cometer a pior coisa da minha vida, uma brutalidade, um
assassinato! Sim, eu ia cometer o assassinato do meu próprio filho.
Cheguei à casa da mulher, comprei a “garrafada” e recebi as instruções de
como usá-la, para que pudesse surtir o efeito. Deveria tomar aquela mistura de ervas
durante três dias, sempre no mesmo horário. O fiz escondido de mamãe, quando ela
saía em busca de emprego. Toda vez que bebia aquela mistura, sentia vontade de
morrer; porém não tinha mais o que fazer.
Até o terceiro dia em que usei a beberagem nada senti. Parecia que não iria
fazer efeito. Graças a Deus, pensei, seria mais um sinal de Deus para não realizar o
aborto? Era noite quando mamãe chegou em casa, com expressão de extrema
alegria. Anunciou que tinha conseguido um emprego em outra loja e começaria dali a
duas semanas. Nos abraçamos e choramos de alegria, nossos problemas começa-
vam a diminuir. Assim eu pensei, quando de súbito senti uma forte dor em meu
ventre. Comecei a gemer, as dores aumentavam cada vez mais e meus gemidos se
converteram em gritos. Mamãe ficou desesperada ao ver minhas roupas de baixo
manchadas de sangue e me perguntava “Helena, Helena, o que você fez?” Não
conseguia e nem queria dizer. Gritava e gritava até desfalecer.
34
Quando acordei estava num leito de hospital, minha mãe me olhava
horrorizada, parecia que não era eu, Helena, que estava ali; mas alguma coisa
desumana. Mamãe estava magoada, decepcionada, com profundo rancor de mim;
mas ainda assim não me abandonou no hospital. Um dia depois, quando estava um
pouco mais recuperada, tentei explicar minhas razões para ela e ela se limitou a me
fazer somente uma pergunta “como você teve coragem de fazer isso Helena, eu não
lhe disse que íamos dar um jeito?”. Desde aí não me disse mais nada.
Voltamos para casa em dois dias e nosso convívio ficou difícil durante
meses. Pouco nos falávamos, somente o necessário. Aos poucos as coisas foram se
ajeitando, mamãe começou no novo emprego, voltei a estudar e depois voltamos a
ter a mesma relação saudável de mãe e filha. Nunca mais falamos sobre Mauro e
sobre o aborto, mamãe queria esquecer aquele assunto e eu também.
Com muita luta o tempo nos ajudou a mudar nossa situação. Mamãe foi
promovida a gerente da loja, na qual trabalha há anos e eu hoje sou enfermeira,
cuido das pessoas e gosto do que faço; casei-me, mas não posso mais ter filhos o
que eu tomo como um castigo de Deus, pois tantas vezes ele me alertou para não
cometer o aborto. Esse castigo dói, mas o que mais dói é saber que matei meu filho,
o lindo menino de traços indígenas com o qual eu sonhei tantas e tantas vezes.
35
A Velha Esperança/
Um anjo?
Eram cerca de 16:00 horas. Naquele dia a tarde apresentava diferente
beleza. O iniciar do pôr do sol irradiou o céu com uma penumbra azulada, com leves
reflexos de cor prata. Borboletas coloridas recém-saídas de suas crisálidas voavam
alegremente pelo jardim, pousando sobre as magnólias, rosas e lírios que o
compunham. Brisas mansas semeavam os aromas das flores por todo o lugar. A
atmosfera leve do jardim não demonstrava que o mesmo fazia parte de uma casa de
repouso para idosos, lembrava muito mais o jardim de uma grande mansão na qual
deveria residir uma importante, grandiosa e feliz família; fortemente unida pelo
sentimento mais sublime que as sensações humanas podem experienciar, o amor.
E como de costume dois idosos repousavam e contemplavam aquela tarde
singular.
– Sim a tarde está especialmente linda, diferente. – Disse dona Maria
Isabel, concordando com a observação feita pelo senhor Antonildo - A beleza dessa
tarde me fez lembrar o dia do nascimento dos meus filhos. Claro que a tarde não
estava assim como hoje. Hoje, por algum motivo a tarde parece especial. Mas foi
uma das tardes mais bonitas para mim, porque estava trazendo à luz meus filhos; tão
ansiosamente esperados.
– Sim, você já comentou que seus filhos são gêmeos. Um casal?
– Sim. Dei a eles o nome de Maria Eduarda e Carlos Eduardo, me inspirei
nos protagonistas do livro de Eça de Queiroz, Os Maias, que estava lendo na época
de minha gravidez. Nossa, meus filhinhos eram tão lindos! Já desde crianças,
pareciam dois anjinhos – Disse com orgulho.
– Oh sim, e até combinou – Disse seu Antonildo, com um sorriso terno no
rosto – Geralmente os pais de filhos gêmeos gostam de fazer combinações de
nomes.
– Verdade. Também levei isso em consideração ao escolher os nomes. Foi
um dos dias mais felizes da minha vida, me tornava mãe e a sensação de ser mãe é
única.
– Sim, o maior sonho de muitas mulheres, a maioria delas, é o de ser mãe.
Agora é que as coisas parecem estar mudando, com essas loucuras dos tempos
modernos. Hoje em dia as pessoas pensam muito diferente e parece que perderam
certos valores. Antigamente, os mais velhos eram respeitados; por sua vivência, por
sua experiência de vida. Agora, tudo está invertido – Disse seu Antonildo, com
indignação e em tom severo.
– Ah, isso é verdade.
– Veja só os que filhos fazem com os pais. Ao invés vez de cuidar deles até
o final da vida com se fazia antigamente, preferem de colocá-los em casa de
repouso.
– Concordo em parte. É claro que qualquer pai ou mãe deseja permanecer
com os filhos até o fim de suas vidas. Mas nem sempre é possível. Veja o meu caso.
Maria Eduarda é Juíza, vive imersa em processos e processos, às vezes não tem
39
tempo nem para dar atenção ao marido e aos filhos. Já Carlos Eduardo é Diplomata,
vive em outro país. Esse mundo de hoje é corriqueiro e quando os filhos não tem
tempo para cuidar, a melhor solução é uma casa de repouso. Aqui somos muito bem
tratados, temos atendimento médico completo, alimentação saudável nos horários
certos e tudo mais o que precisamos. Quando meus filhos conversaram comigo
sobre a vinda para a casa de repouso no começo fui contra, mas depois de refletir
muito me convenci que era a coisa mais certa a se fazer.
– Mas o seu caso é bem diferente do meu – os olhos de seu Antonildo
encheram-se de lágrimas e ele baixou a cabeça para disfarçar - sua filha vem visitá-
la todo domingo e ainda traz os netos para alegrar. E o seu filho aparece pelo menos
uma vez ao ano. Pensa que ainda não prestei atenção?
Dona Maria Isabel apiedou-se de seu Antonildo. Já havia observado que
desde a chegada do ancião à casa de repouso, há cerca de dois anos, não havia
recebido uma visita se quer do filho ou de outra pessoa da família.
– Oh, meu querido – disse ternamente – você não acha que já está hora de
desabafar sobre o que aconteceu entre você e seu filho? Certa vez você mencionou
que é pai de filho único e que não se dava bem com ele.
– Me desculpe – disse com serenidade – mas prefiro não falar sobre esse
assunto.
– Tudo bem, mas, se quiser conversar estou aqui para ouvi-lo – às vezes é
bom colocarmos pra fora sentimentos que nos sufocam.
Seu Antonildo esboçou um leve sorriso, como se fosse um gesto de
agradecimento à amiga. Mudaram de assunto. Falaram de literatura, pinturas e
música. Seu Antonildo, se empolgou ao falar sobre as composições de Gonzaguinha
e até se arriscou a cantar uma estrofe de “O lindo lago do amor”.
Conversaram muito e quando se deram conta já eram quase 17:30.
Costumavam se recolher do jardim a esse horário. Dona Marisa Isabel con-vidou seu
Antonildo para entrarem.
– Prefiro ficar mais um pouco, daqui a uns quinze minutos entro. Por favor,
avise as enfermeiras que não precisam vir me buscar. Consigo movimentar a cadeira
de rodas sem problemas.
Dona Maria Isabel percebeu uma tristeza no rosto de seu amigo. Mas
preferiu não comentar. Imaginou que talvez tivesse a ver com a ausência de sua
família.
– Tudo bem, lhe vejo depois então.
Dona Maria Isabel se levantou da cadeira que ocupava e se encaminhou
para a entrada da casa. Mas, de súbito, sentiu vontade de voltar. Voltou e beijou
afetuosamente o rosto de seu Antonildo, sem dizer sequer uma palavra. De vez em
quando ela fazia isso. Mas naquela tarde, foi um beijo diferente, com mais
fraternidade que antes. Ambos sentiram isso, mas não disseram nada.
Em seguida, dona Maria Isabel se encaminhou para a casa. Mas antes de
entrar, virou-se mais uma vez para observar seu Antonildo, sem saber por que
lágrimas desceram dos seus olhos. Talvez um pressentimento!
Deveria ela voltar para ficar mais um pouco com o amigo? Não – pensou –
ele quer ficar sozinho, preciso respeitar sua vontade.
40
Dona Maria Isabel entrou. Seu Antonildo ficou a pensar em sua família, sua
esposa já falecida. Seu filho, que o abandonara naquela casa de repouso sem se-
quer fazer uma visita. Sim, como militar seu Antonildo sabia que foi um pai austero!
Talvez até demais, a ponto de bater no filho pelas menores coisas. Naquela época
não tinha consciência disso, mas agora tinha a mais plena consciência de seus erros.
Agora já conseguia enxergar que em muitas ocasiões o diálogo teria maior
efeito disciplinar. Como queria voltar ao passado para corrigir seus erros!
Seu Antonildo sabia porque seu filho tinha lhe virado as costas. O
abandono era fruto das mágoas. Meu Deus – pensou – como eu desejo que meu
filho venha até aqui; preciso de uma oportunidade de lhe pedir perdão. Talvez isso
seja impossível, mas sempre terei esperança. A minha velha esperança.
Em meio as suas reflexões adormeceu sentado em sua cadeira de rodas.
Acordou suavemente. Observou uma borboleta pousada em suas mãos e contemplou
seu voo no horizonte. Deu-se conta que tinha dormido, mas quanto tempo?
Olhou ao redor do jardim, já estava anoitecendo. Precisava entrar antes que
as enfermeiras viessem chamá-lo atenção. Movimentou os braços, com a intenção
de leva-los até as rodas de sua cadeira. Quando o leve escurecer do início de noite
começou a clarear. O que era aquilo? A luz ficou cada vez mais intensa, até seu
Antonildo não conseguir enxergar mais nada. Levou as mãos ao rosto e fechou os
olhos. Quando os abriu pôde ver a figura de um jovem à sua frente. Meu filho –
pensou.
Mas ao olhar atentamente percebeu que não era.
O jovem era belo, vestia roupas brancas, feitas com tecido leve e
esvoaçante. Em seu rosto podia se contemplar muita ternura, muito amor. E sua
presença transmitia uma sensação de muita paz.
Quem é você?
Um amigo – disse o jovem, sua voz era doce e terna – vim buscá-lo para
descansar.
– Meu filho que lhe mandou aqui?
– Não, mas trago boa notícia. Vim buscá-lo, afim de que você, futuramente,
possa voltar a conviver com seu filho e tentar resgatar os erros do passado. Meu
irmão, Deus ouviu suas preces. E agora é chegada a hora de você ter uma nova
oportunidade.
– Como isso é possível?
– Nem tudo eu posso lhe responder agora. Levante-se e venha comigo, na
hora certa você terá todas as respostas pelas quais anseia.
– Levantar? Mas não posso, estou paraplégico há muitos anos.
– Agora você pode, levante-se e venha comigo.
O jovem estendeu a mão para seu Antonildo. O senhor olhou com ar de
descrédito para o jovem.
– Tente.
Seu Antonildo estava confuso. Mas resolveu tentar se levantar. Devagar
apoiou as mãos nos braços de sua cadeira de rodas e se levantou.
– Um milagre!
Seu Antonildo ia virar para trás a fim de olhar para a cadeira de rodas.
– Não olhe para trás – disse o jovem – é melhor que não veja seu antigo
corpo inerte.
41
Seu Antonildo ficou em estado de choque. Entendeu o que havia aconte-
cido.
– Estou morto!
– Não, meu irmão, você está vivo. É hora de recomeçar. Preparar-se para
uma nova jornada na terra. Temos que ir embora.
Depois você voltará para se reencontrar com seu filho; mas de outra forma.
Assim vocês terão a oportunidade de resgatar os erros desta vida.
– Que forma?
– Como lhe disse, todas as respostas virão no tempo certo. Agora você
precisa me acompanhar. Continue acreditando nas providências divinas, como fez
nos últimos anos. Foi sua fé em Deus que lhe proporcionou uma nova oportunidade
de resgatar seus erros não somente com seu filho, mas com todas as demais
pessoas que magoou.
Era confuso. Reencarnação? Seu Antonildo já tinha lido alguma coisa sobre
o espiritismo, mas nunca acreditou. Enfim, resolveu ouvir o jovem. Fez somente mais
uma pergunta.
– Para onde vamos?
– Para uma colônia espiritual chamada Nosso Lar.
Seguiram pelo jardim até desaparecerem lentamente.
42
Araguaia / Continuar?
O que estou para contar é uma história (ou será estória?) que envolve
realidade e ficção. A Guerrilha do Araguaia foi uma das revoluções armadas que
ocorreu no Brasil contra a Ditadura Militar. Teve como cenário a região amazônica
brasileira, mais especificamente a região do Araguaia, que se localiza entre o sul do
estado do Pará, norte do antigo estado de Goiás (agora Tocantins) e a oeste do
estado de Tocantins.
Inspirada na Revolução Cubana e na Guerra do Vietnã ao que tudo indica
começou a ser organizada em fins dos anos de 1960, mas foi descoberta e
combatida pelo Governo Militar em 1972; tendo sido extinta oficialmente em 1975
com a morte ou detenção da maioria dos guerrilheiros.
Das três personagens que compõe este conto, apenas Osvaldão – Osvaldo
Orlando da Costa – realmente existiu. Engenheiro, militante dos ideais comunistas foi
um dos líderes da Guerrilha do Araguaia. Um dos últimos a desaparecer no
Araguaia, em 1974. Todavia, como na maioria das vezes a história apresenta duas
ou mais versões para um mesmo acontecimento, há teorias que afirmam que
Osvaldão foi morto em 4 de fevereiro de 1974, segundo algumas fontes, enquanto
abria uma trilha na mata, segundo outras, enquanto descansava no acampamento, e
seu corpo exibido como troféu diante dos moradores da região.
Paco e Laura são personagens fictícios inspirados no perfil de alguns dos
guerrilheiros do Araguaia: médicos, advogados, professores oriundos de outras
regiões do Brasil, que contavam com auxílio de guerrilheiros da própria região.
O mais importante é saber que o conteúdo abaixo narrado não se trata de
uma passagem real da vida de Osvaldão, mas uma narrativa fictícia dentro de um
contexto histórico verídico.
***
– !Ahhhhhhhhhhh! – o grito de Paco ecoou pela floresta – !te juro que no sé
dónde están!
O soldado repetiu o gesto anterior; com as duas mãos em forma de concha
aplicou um tapa aos dois ouvidos de Paco. Outro grito desesperado de Paco
preencheu a mata. E dessa vez um líquido escorreu de uma de suas orelhas.
Havia rompido o tímpano do guerrilheiro.
– Agora fala cubano de merda! Onde estão àqueles seus amigos
subversivos?
– !Te juro que no sé! – tentou gritar, mas sua voz estava fraca – ellos
habían dejado el campamento minutos antes que vosotros chegaseis...
– Fala seu filho da puta! – O soldado mostrou a mão configurada em
concha ao preso.
– Habían ido a buscar agua antes de sus llegada. Debe haber visto
vosostros y fugieron. - A voz de Paco era cada vez mais inaudível.
***
Osvaldão e Laura estavam correndo mata adentro, procuravam pistas da
base militar onde Paco estava preso quando ouviram os gritos do amigo guerrilheiro.
Ao ouvir aquele grito Laura parou imediatamente.
– Não, não, eu não quero ir – Disse Laura ofegante, em consequência da
trajetória que estava fazendo cerca de duas horas em busca da base.
45
– Mas não podemos desistir agora – retrucou Osvaldão – ouve! – era o grito
de Paco – ele está sendo torturado, se não dermos um jeito de tirá-lo de lá vão matá-
lo.
– Mas eles são muitos, estão armados e somos apenas dois. E o que temos
de armas? Veja, você com essa faca e eu com esse pedaço de foice. Não temos
chance. È melhor desistir.
– Não podemos desistir, se fizermos isso mais uma vida será brutalmente
tirada. É nosso amigo, várias vezes nos salvou das mãos dos militares, é nosso
dever ajudá-lo.
Laura olhou para seus pés descalços – meus pés estão feridos, sangrando
muito, não tenho mais forças para continuar.
– Por coisas muito piores já passamos Laura, lembra do conflito em
Xambioá? Apesar de ter sido difícil estamos vivos... e vamos continuar vivos, vamos
resgatar Paco e formar um novo grupo de guerrilheiros, um grupo de homens e
mulheres capazes de se unir pela liberdade e pelos direitos do povo. Vamos ganhar
essa luta e fazer do Brasil um país livre da Ditadura Militar!
– Não! – Laura falou em tom mais alto – está tudo perdido. Nós somos
praticamente os últimos, muitos dos guerrilheiros já foram mortos ou presos. Não
temos mais como vencer essa luta. Lembra do que ele, o Paco, nos disse? Há
comentários de que desde a 2ª Guerra Mundial esta é a maior operação das Forças
Armadas brasileira.
– Não estou te reconhecendo Laura, onde está aquela mulher forte e
determinada que conheci e por quem me apaixonei?
Osvaldão aproximou seus lábios dos de Laura. Ela virou o rosto.
– Talvez tenha morrido diante do confronto com a realidade. Não insista,
não temos mais chance.
Osvaldão olhou para cima. No céu havia uma lua cheia. Lembrou da
primeira noite que seu corpo entrou em contato com o de Laura.
Naquela noite a mesma lua cheia irradiava o céu, Osvaldão havia
descoberto um amor. Um amor súbito, explosivo e cheio de desejos carnais e
desejos pertencentes ao seu ser mais subjetivo; o desejo utópico de viver numa
nação livre da repressão e dos preconceitos contra os filhos que teria com Laura,
contra seus amigos e contra todos os cidadãos negros. Laura era a mulher com que
realmente sonhava, pois compartilhava com ele os mesmos ideais.
– Escute, quem sabe não seja melhor nos entregar. Por mais que nos
prendam, poderemos rever nossas famílias. E o mais importante: ficaremos vivos,
pois aqui, debilitados como estamos, vamos morrer.
– Está louca - indagou Osvaldão – acha que simplesmente vão nos jogar
numa cela? Não! Eles vão nos torturar e nos matar! Você mesmo disse que seu
marido foi torturado e morto, pela simples suspeita de envolvimento com nossa
causa. E ele nem sequer realmente estava envolvido, era inocente e morreu! Como
acredita que serão piedosos conosco?
Laura baixou a cabeça e começou a chorar, pois sabia que Osvaldão tinha
razão.
– Eu só queria ter a chance de rever meus dois filhos mais uma vez, desde
que fugi da Maranhão para não ser presa não tive mais sequer uma notícia. Ficaram
46
com meus pais, mas a essa altura nem sei se estão vivos por que os militares
perseguem também as famílias dos foragidos políticos.
***
Um balde de água foi jogado no rosto de Paco. Logo em seguida outro
balde cheio foi posto a sua frente. Paco estava de joelhos, com os braços e pernas
amarrados para trás. O soldado segurava seus cabelos, forçando-o a olhar para o
balde.
– Fala subversivo, esta é sua última chance! Pra onde eles foram?
–No sé.
Imediatamente à resposta, o soldado mergulhou a cabeça de Paco no
balde com água por alguns minutos, depois trouxe à tona.
– Parece que o cubano não vai falar mesmo, o que fazemos? – O soldado
perguntou para o seu superior que acompanhava tudo.
– Se não quer falar, então vamos dar cabo logo. Pau de Arara e
espancamento sem piedade até o infeliz passar dessa para uma melhor.
***
– Eu quero que você entenda Laura que o melhor que fazemos é lutar até o
fim. Temos que continuar acreditando nos nossos sonhos. Se nos entregarmos,
estaremos traindo a confiança de todos aqueles que acreditaram em nossa guerrilha
e deram suas vidas por ela.
Osvaldão e Laura estavam sentados. Ela balançou a cabeça em gesto
afirmativo. Olhou para o braço esquerdo de Osvaldão, ele tinha se cortado na fuga
dos militares naquela tarde. Laura se levantou e começou a procurar algo no mato.
– O que está procurando? Não se afaste daqui, estamos próximos dos
militares. Não podem ouvir nenhum barulho que nos delate.
Ela não disse nada e continuo procurando. Alguns passos adiante parou,
pois havia encontrado a erva que procurava. Colheu algumas folhas.
– É andiroba, serve pra ajudar a curar nossos ferimentos. Tem água na
bilha?
Osvaldão deu a bilha para Laura. Ela jogou um pouco de água nas folhas e
as amassou nas mãos. Lavou o ferimento do braço de Osvaldão, colocou as folhas e
com um pedaço de pano arrancado de sua própria blusa enfaixou o local.
– Engraçado – Disse Osvaldão.
–O quê?
– Vocês médicos, geralmente não costumam acreditar em remédios
alternativos e, no entanto...
– Nem todos pensam assim. Eu realmente sempre confiei mais nos
remédios produzidos pela ciência, mas nunca descartei a sabedoria do senso
comum. Afinal, antes da ciência os homens já sabiam tratar de alguns dos seus
males.
– Não é a primeira vez que nos tratamos com as ervas que os moradores
da região lhe ensinaram.
– Verdade.
Laura colocou a planta nos seus pés também e sentou-se ao lado de
Osvaldão.
– Decidiu alguma coisa? Perguntou ele.
47
– Ahhhhhhhhh – Era o grito de Paco.
– Laura se levantou imediatamente, tomou um gole da pouca água que
havia sobrado na bilha. Ofereceu o último gole a Osvaldão, ele bebeu.
– Estamos próximos, não podemos mais esperar. Vamos!
Ele se levantou e os dois seguiram mata adentro.
Quando se aproximaram da base militar já estava amanhecendo, a lua
cheia começava a dar lugar ao vermelho radiante do sol. Escondidos no mato viram
uma coisa horrenda. Atravessado entre os punhos e os joelhos em uma barra de
madeira presa nas árvores, Paco estava pendurado, nu, sofrendo pancadas e
queimaduras com cigarro.
– Meu Deus – pensou Laura – até onde vai a crueldade humana?!
Olhando para aquilo experimentou uma sensação esquisita. Uma mistura
de emoções: piedade de seu amigo, nojo e ódio daqueles militares, indignação com
desrespeito à vida humana; não vira de perto nenhum de seus amigos guerrilheiros e
nem seu marido sendo torturado, mas agora, na expressão e nos gritos de dor de
Paco, parecia que estava vendo todos. Vidas e mais vidas tiradas de maneira
covarde. Não precisava pensar mais nada e nem dizer mais nada, pois já sabia o que
tinha que fazer.
Todavia, não sabia o que iria acontecer dali a alguns segundos, mas tinha
certeza que deveria ir em frente e lutar para que aquilo que estava acontecendo com
Paco não acontecesse com mais ninguém. Tinha que lutar para que aquelas pessoas
desumanas fossem punidas pelo que estavam fazendo, os militares tinham que sair
do poder. Lutar pelo direito à vida e à dignidade dos brasileiros! Era o que continuaria
fazendo até o final de sua vida!
Osvaldão olhou para Laura e compreendeu no seu olhar o que ela estava
pensando. Essa era a verdadeira Laura. Ele a beijou nos lábios. Olharam-se afetuo-
samente e então, sob o nascer do sol, correram em direção à base militar.
48
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  • 1.
  • 2.
  • 3. Dado Matarazzo (Devison Amorim do Nascimento) A Velha Esperança Ensaios de um Jovem Contista Apresentação Israel Gutemberg Revisão Débora David Neves Capa/Ilustrações Dayanne Eguchi de Oliveira
  • 4. A Velha Esperança: Ensaios de um Jovem Contista de Dado Matarazzo (Devison Amorim do Nascimento). está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. Baseado no trabalho disponível em http://saberesdivinos.blogspot.com.br/.
  • 5. Governo Federal Universidade Federal do Pará Gabinete da Reitoria Pró-Reitoria de Planejamento e Desenvolvimento Pró-Reitoria de Gestão de Pessoal Escola de Aplicação da UFPA Reitor Carlos Edilson de Almeida Maneschy Vice-Reitor Horácio Schneider Chefe de Gabinete do Reitor Maria Lúcia Lamgbeck Ohana Pró-Reitor de Administração Edson Ortiz de Matos Pró-Reitora de Ensino de Graduação Maria Lúcia Harada Pró-Reitor de Extensão Fernando Arthur de Freitas Neves Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Emannuel Zagury Tourinho Pró-Reitora de Gestão de Pessoal Edilziete Eduardo Pinheiro de Aragão Pró-Reitora de Planejamento e Desenvolvimento Raquel Trindade Borges Pró-Reitor de Relações Internacionais Flávio Augusto Sidrim Nassar Diretor da Escola de Aplicação Walter Silva Júnior Diretor Adjunto da Escola de Aplicação Mário Benjamin Dias
  • 6. Para Adriana da Silva Soares, Ana Ionara Carvalho e Cliciane Gomes Gaia; grandes amigas do Ensino Médio.
  • 7. “A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.” Vinícius de Moraes.
  • 8. Agradecimentos Agradeço a Deus, por todas as bênçãos sobre minha vida! Aos anjos, arcanjos e todas as forças divinas do Universo. Aos meus pais, irmãos e sobrinhas. Minha base de sustentação em todas as horas difíceis. Ao Magnífico Reitor da UFPA, Prof. Dr. Carlos Edilson de Almeida Maneschy, por todo apoio concedido a este e aos outros projetos que venho desenvolvendo ao longo desses anos. Ao Vice-Reitor da UFPA, Prof. Dr. Horácio Schneider. À Chefe de gabinete do Reitor da UFPA, Profª Maria Lúcia Lamgbeck Ohana. Sem sombra de dúvidas; um anjo enviado por Deus para iluminar meus caminhos! Mais uma vez, meu muito obrigado! Meu ANJO! À Pró-Reitora de Planejamento e Desenvolvimento, Raquel Trindade Borges, pelo fundamental apoio a este e outros projetos. À Cleide Raiol Nascimento, tia Cleide! Coordenadora de Gestão de Pessoal da PROGEP/UFPA; pelos muitos auxílios e orientações que têm me dado ao longo desses anos. Claro, ao Israel Gutemberg. O primeiro a me fazer visualizar o meu potencial! À professora Débora Davi Neves, que muito tem me ajudado na revisão das últimas publicações. À Dayanne Eguchi de Oliveira e Nalva Sabá; que tem se revelado grandes colegas e amantes das letras e das artes. E... à todos que contribuíram, direta ou indiretamente para a publicação desses Ensaios. Obrigado!!!
  • 9. Prefácio do Autor Remexendo em materiais antigos: livros, apostilas, transparências para retroprojetor, cadernos; desde a época de meus estudos secundários até a pós- graduação, encontrei coisas interessantes que não imaginava ainda ter (de algumas nem lembrava). Um desses achados foi um pequeno livro de contos que me arrisquei a escrever durante meus estudos no Ensino Médio. Contava naquela época 17 ou 18 anos e minha maturidade intelectual, certamente, era bem menor do que nos dias de hoje. Lembro que desde cedo sempre fui muito autocrítico sobre as linhas que rascunhava, na tentativa de desenvolver a habilidade (e o dom) da escrita. Mas, mesmo assim, sempre arriscava, submetendo minhas anotações aos meus professores, para orientações. Foi assim que entreguei ao professor de filosofia, Israel Gutemberg, grande amigo e escritor, cinco contos, para sua avaliação, críticas e contribuições; sem pretensão alguma de publicá-los. Vieram as críticas e as contribuições, e veio muito mais. Um presente! Professor Israel Gutemberg organizou meus contos em uma pequena coletânea, com capa, prefácio e tudo o mais; entregando-me o livro pronto para editoração e me estimulando a publicá-lo tão logo fosse possível. Belo presente, enviado por Deus, por meio de Gutemberg, a quem sou grato até hoje; ainda que tenhamos perdido totalmente o contato após eu ter concluído o Ensino Médio. Não tendo com publicá-lo naquela época o guardei entre minhas pape- ladas e, com o passar do tempo, em meio aos estudos superiores e ao trabalho, o esqueci. Tendo encontrado o livro agora, fiquei em dúvida em publicá-lo já que se trata de uma produção de muito tempo e que julgo “frágil” ante os artigos científicos e os livros que publiquei durante e pós Universidade. Refleti e decidi publicar o livro como forma de resgatar um pouco de mim mesmo e no intuito de estimular jovens escritores, que como eu (aos 17 ou 18 anos) sonham em publicar seus contos, romances, artigos... Assim, mantive o livro quase como o encontrei, acrescentando apenas um subtítulo ao título “A velha Esperança”, sugerido pelo professor Israel Gutemberg, entre os títulos dos cinco contos que compõe a coletânea. Além de acrescentar os agradecimentos àqueles que agora me ajudam a fazer essa publicação e alguns pré-textuais. Houve algumas mudanças, mas na essência, os contos permanecem como foram escritos anos atrás, tendo um desses contos sido subtraído para dar espaço a um conto selecionado para compor a Antologia do 1º Prêmio de Literatura da Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Pará (PROEX / UFPA) em 2010; pois sinto a necessidade de colocá-lo em uma publicação exclusiva de minha autoria, advinda da preocupação de não deixar meus textos “espalhados”.
  • 10. “A Velha Esperança: Ensaios de um Jovem Contista” é, então, um livro que tem como objetivos: proporcionar a mim mesmo o reencontro do escritor de hoje com o jovem escritor de ontem; e de servir como estímulo ao “despertar” de outros escritores. Afinal, como bem disse Monteiro Lobato “um país se faz com homens e livros”. Totalmente sem fins lucrativos, e, publicado com apoio do Gabinete da Reitoria e da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoal da Universidade Federal do Pará, o livro será distribuído aos alunos da Escola de Aplicação da UFPA e de outras escolas públicas em que atuo como professor de Ensino Religioso. Espero que, de alguma forma, sua leitura seja válida para eles. Espero muito mais: que o livro cumpra seu objetivo de estimular novos leitores e escri- tores; fazendo-os refletir sobre cada tema abordado nos contos aqui escritos. Belém, 07 de fevereiro de 2016. Devison Amorim do Nascimento. Professor de Ensino Religioso.
  • 11. Apresentação Circunstanciado pela realidade, tão avessa aos nossos planos, suprema e árida. Eis que temos algo além do superficial a nos envolver – sonhos, quimeras, utopias, fantasias – e tudo o que diz respeito ao imaginário, ao plano das ideias. Ao abstrato mundo do que somos: criaturas simbólicas em letras, palavras, músicas, cores, vocábulos, poesias, perfumes, sentimentos, ilustrações, mitos, pontos, muitos pontos, formando uma retícula luminosa, envolvendo a vida em todos os seus entre pontos, interpondo-nos à concretude indestrutível da beleza humana. Mas, o que seria a beleza humana? Percepção ou a imagem latente que nos impõe a natureza das coisas? Seria nada mais nada menos que a combinação entre o óbvio e o indecifrável, o elo entre a sutileza sólida e a liquida, medo e desejo, esconderijo pronto a se revelar. Seria algo mais que o certo e o duvidoso. Exatamente, apenas o belo, sentimento abstrato que nos garante a condição espiritual-humana, um foco de fuga da impureza de todas as falcatruas da existência comum cotidiana. Compreen- dendo o sentido do insensato processo das guerras, nas ruas, nos campos, nos rios, nos mares, nos continentes, contingentes sempre políticos, prontos a nos esconder as paisagens, os ideais, as infâncias, a sensibilidade. Se formos fortes o suficiente para não nos deixar corromper pelo inevitável, por tudo o que não depende de nós, da soberania dos reis. Então poderemos ser sinceros com nós mesmos. Éticos. Conscientes. Nesse caso, a leitura dos textos de Amorim revela tal preocupação em expor os fatos do cotidiano, sem cair na banalidade, no risível. Revelam a sim- plicidade da beleza humana, da ética, da espiritualidade contida na esperança de uma juventude consciente, capaz de compreender as ideologias que mani- pulam os sonhos, as quimeras novelísticas. Se o conhecimento liberta, a arte literária nos proporciona coragem para expressar o significado da vida. Sobre esse aspecto Amorim parece-me estar num caminho bom de seguir em que é possível inclusive ver além do circunstancial. Belém, 2004. Israel Gutemberg Professor de Filosofia.
  • 12. Sumário O Filhos dos Espanhóis / Racismo existe .................................... 19 O Resultado / As Aparências Enganam? ..................................... 25 O Menino de Traços Indígenas / Aborto? ..................................... 31 A Velha Esperança / Um anjo? ...................................................... 37 Araguaia / Continuar? .................................................................... 43
  • 13. O Filho dos Espanhóis/ Racismo existe?
  • 14. Soneto de Fidelidade De tudo ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento... – Priscila já são quase 13:00 horas, esqueceu que hoje é o primeiro dia de aula? – Que bom que veio me lembrar mamãe, realmente esqueci. – Arrume-se rápido meu bem, às 13:45 já deve estar no colégio. A mãe de Priscila retirou-se do quarto. A jovem fechou o grosso volume de poemas, sem esquecer-se de marcar a página que lia, e guardou-o cuidadosamente. Era uma árdua leitora, preferia os poemas e naquele momento se debruçava sobre as belas palavras de Vinícius de Moraes, grande poeta e compositor brasileiro. A jovem era negra. Filha de um empresário bem sucedido, estava sendo muito bem criada, não somente pela condição financeira dos pais; mas, sobretudo, pelo exemplo de honestidade, cordialidade e outras qualidades que os mesmos representavam para ela. Estudava numa rede particular de ensino, um renomado colégio da Região Metropolitana de Belém. Priscila era uma jovem de beleza arrebatadora: seu corpo levaria qualquer pessoa à suposição de que era modelo, os olhos castanhos escuros, cabelos crespos ondulados e esvoaçantes. Sua beleza natural realçava mais sob os recursos de maquiagem que utilizava. Muitos amigos, carinhosamente, a chamavam de deusa negra; tão grande era sua beleza. Priscila não gostava muito do apelido, mas aceitou a assim ser chamada pelos mais íntimos. Arrumou-se para ir à escola, organizou com cuidado seu material escolar – não posso me esquecer de nada, pensou. Em seguida, foi até a sala. – Estou pronta mamãe. – Jairo já tirou carro – disse a mãe de Priscila – está esperando. Boa aula, meu bem. Jairo era o motorista da família. – A jovem beijou o rosto da mãe afetuosamente e seguiu em direção ao carro. Como de costume, com uma simpatia que irradiava, cumprimentou Jairo. Conversaram um pouco. Depois, ainda no trajeto de carro para a escola, pôs-se a pensar como seria seu primeiro dia de aula naquele ano. Pensou nos antigos amigos e nos novos amigos de escola que conheceria. Haveria novos professores? Ao chegar à escola e adentrar em sala de aula observou que lá estavam presentes várias amigas, dos anos anteriores de estudo. Entre elas, viu Mônica, querida amiga, a quem considerava sua melhor amiga. Cumprimentaram-se com entusiasmo. – Ainda bem que ficamos na mesma sala! – Disse Mônica. Abraçaram-se fortemente e logo já estavam a conversar sobre várias coisas, enquanto o professor ou professora não havia chegado. Falaram das férias de fim de ano, das viagens, das leituras que tinham feito e, claro, de rapazes. Em meio à conversação, estavam atentas a cada estudante que chegava, alguns conhecidos e outros não. Juntaram-se a outras amigas, por algum tempo, para contar as novidades. Depois voltaram a conversar somente as duas. 21
  • 15. Notaram um grupo de três rapazes que chegaram. Dois veteranos e um novato. Ao olhar para o jovem novato, murmuraram quase que ao mesmo tempo: – Nossa que deus grego! Priscila foi quem mais se impressionou. O rapaz era branco, de porte atlético, loiro, olhos azuis que lembravam duas ametistas. Mônica, que conhecia muito bem sua amiga comentou: – Nossa, amiga, seus olhos estão brilhando como nunca os vi brilharem ao ver um rapaz. Priscila sorriu, sem jeito. – Ele é lindo, parece um príncipe. – Eita! Será que se trata de um amor à primeira vista? – Perguntou Mônica. Priscila confidenciou: Ele realmente me chamou muita atenção, mexeu comigo. Como será seu nome? Em poucos minutos elas descobriram o nome e um pouco mais sobre o belo rapaz. Era filho de imigrantes espanhóis. Seu nome era Juan. Ao descobrirem o nome, Mônica, sempre brincalhona, comentou: – Só espero que não seja um Dom Juan! As amigas riram. O sinal tocou, o professor de língua portuguesa entrou. Era um conhecido professor, que trabalhava na escola há anos. Durante toda a aula Priscila não desviou seu olhar de Juan. O rapaz que mal tinha prestado atenção em Priscila, apesar de toda sua beleza não notou os olhares da moça. – Ei Priscila, preste atenção na aula – Advertiu Mônica, com seriedade. Priscila ouviu a amiga, mas mal conseguiu se concentrar no assunto em explicação. Pensava que aquele rapaz era o mais lindo que já tinha visto até o momento. Será que tinha namorada, ficante ou algum tipo de comprometimento afetivo? Sim! Priscila havia sido arrebatada por uma paixão à primeira vista, coisa que jamais pensou que ia acontecer a ela. Estava encantada, mas nada comentou com Mônica sobre sua atração súbita por Juan. A aula acabou. Priscila voltou para sua casa, no trajeto escola-residência seu pensamento não desviava do rapaz. Desejou ardentemente que aquele dia passasse com brevidade para, no dia seguinte, voltar a ver seu Juan. Já em casa, ao cair da tarde, sob a beleza do pôr do sol, que observou com grande atenção da sacada de seu quarto, abriu novamente o livro de Vinícius de Moraes e terminou a leitura do poema interrompido em outrora: Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento E assim quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama 22
  • 16. Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure. Que belo poema – pensou – nada mais perfeito para expressar o que sinto nesse momento, como gostaria de declama-lo para Juan. O que será que ele está fazendo agora? – perguntou-se. Fechou os olhos e pensou no rapaz e desejou ardentemente beijar seus lábios. O mais doce dos beijos! Aquele que havia guardado para alguém especial. Seria Juan esse alguém? Certamente que sim! Um mês se passou e Priscila pouco teve contato com Juan, com quem trocava meras palavras de cordialidade: boa tarde, com licença, até a próxima aula. Juan era um rapaz dinâmico em fazer amizades, logo fez vários colegas de turma; embora tivesse mais afinidade com dois outros rapazes que eram veteranos na escola, amigos de sua família. Embora tratasse Priscila com educação, parecia que tinha certas reservas em relação à moça. Será? – pensou Priscila e uma profunda angústia tomou seu coração. Dois meses. E a reserva de Juan em relação a Priscila era a mesma, o que não acontecia com os demais colegas de sala de aula. Cansada de tentar entender sozinha o que estava acontecendo, se abriu com Mônica. Falou de sua paixão por Juan, do desejo de namorá-lo e de suas impressões quanto às reservas do rapaz em relação a ela. – Reservas em relação a você, por quê? Nunca percebi. Fique tranquila – acrescentou vou ajudá-la a conquistá-lo. Durante alguns dias Mônica pensou em como ajudar a amiga querida. Chegou a uma conclusão. A “ponte” seria Bruno, amigo de Juan. Seria bem direta e comentaria com o rapaz o interesse de Priscila por Juan. Talvez Bruno pudesse ajudá-las. Fez o que planejou e Bruno, cheio de boas intenções, prometeu interceder por Priscila, a quem admirava muito pela inteligência e pela beleza. Além de muito bonita, Priscila sempre se destacava nas questões referentes aos estudos. Bruno fez o prometido e falou com Juan sobre Priscila. – Você só pode estar louco! Eu namorar uma negra! Está fora de cogitação. – Cara, preconceito! Não conhecia esse teu lado racista! – Exclamou Bruno, com indignação. – Não se trata de preconceito, apenas tenho minhas convicções. Só namoro garotas brancas. Acho a Priscila muito inteligente, bonita; mas me envolvo somente com mulheres brancas. Você é testemunha que sempre a cumprimento e nunca faltei com a cordialidade para com ela. – Isso é preconceituoso sim. Talvez você não tenha se dado conta disso. Já ouviu falar em racismo velado? Disfarçado, aquele racismo que está impregnado na gente, sem que se perceba. – Já disse, não sou racista, apenas tenho minhas convicções; que não pretendo mudar. Diante daquelas palavras Bruno ficou sem ter mais o que falar e surpreso com a atitude de Juan. Nunca tinha percebido seu racismo velado. Chegou a pensar em cortar a amizade com ele, em consideração a Priscila. Mas não fez isso. Era melhor manter a amizade e, aos poucos, fazer o amigo refletir sobre o assunto. 23
  • 17. Mas e agora, como falar aquilo à Mônica e a Priscila? Meu Deus – pensou – como o Brasil ainda é preconceituoso em relação aos negros, embora tente negar a verdade. Não tinha jeito, era melhor contar a verdade, para que Priscila não continuasse a alimentar ilusões. Mas primeiro falaria particularmente com Mônica; ela, como amiga íntima, encontraria um jeitinho de contar a verdade à Priscila. – É quase que inacreditável – disse Mônica – ao ouvir o relato de Bruno. Moleque insensível, preconceituoso, crápula – acrescentou, com expressão de raiva em seu rosto. – Pois é – disse Bruno – estou envergonhado por ele. Por favor, tenha cuidado ao falar com Priscila, recomendou, embora soubesse que tal recomendação não fosse necessária. Demorou dias para que Mônica tivesse coragem de contar a Priscila a reação de Juan em relação a ela. Pensou muito em como fazer e que palavras usar. Seria melhor inventar uma desculpa qualquer? Ou não, deveria dizer a verdade? Decidiu, contaria a verdade, embora tomasse cuidado com as palavras. – Nunca imaginei que ainda existisse racismo em nosso país. Criada em uma redoma, protegida por meus pais, e aqui nessa escola de grande porte, minha ideia era de que isso estava superado. Priscila chorou. E foi amparada pela amiga. Contaria aquilo aos pais? Não! Já era uma moça, quase na fase adulta e precisava aprender a encarar a vida sozinha. Afinal, seus pais não estariam eternamente junto a ela para protegê-la. Precisava ser forte. Certamente ainda presenciaria muitos casos de racismo com ela mesma e com outros negros. E, diante disso não se faria de vítima; mas combateria, com pulso firme, tal desumanidade. Ficou mal durante dias. Meses. Mas superou aquilo. Superou até mesmo o ódio que brotou em seu coração por Juan. E passou a ter pena dele, era um idiota! Ainda precisaria, tal como ela, aprender muito sobre a vida e a vida mesmo se encarregaria de fazê-lo aprender a respeitar o outro, independentemente de sua origem étnica e de outras particularidades, naturais entre os seres humanos. A vida mesmo ensina, pois assim Deus determinou – pensou Priscila. Priscila continuava a admirar a presença física de Juan – “muy belo” por fora, mas oco por dentro. Jamais seria um bom namorado e muito menos marido – comentou com Mônica. Aos poucos Priscila foi se esquecendo daquela paixão súbita, embora continuasse sempre admirando a beleza do rapaz e até o desculpou pelo racismo. Era melhor assim, mágoas envenenam a alma. Com o tempo voltaram a se cumprimentar cordialmente, nada mais do que isso. E no outro ano Juan se transferiu de escola. Nunca mais se viram ou ouviram falar um do outro. 24
  • 19. Havia três anos que Morgana não visitava sua amiga Dóris. A carreira de modelo escasseava seu tempo de maneira implacável, a ponto de obriga-la a ver seus próprios familiares somente em datas festivas, geralmente, nas festas de fim de ano. Tinha chegado em Belém naquele dia e dali a outros dois dias voltaria para o exterior, com a finalidade de honrar compromissos. Estava exausta, mas precisava ver a amiga com urgência! Não mediu esforços, descansou algumas horas no hotel em que se hospedou com sua equipe de trabalho e depois tomou um táxi rumo à casa de Dóris. – Por favor, me deixe na Avenida Assis de Vasconcelos, em frente à Praça da República – Disse ao motorista. Ao descer do táxi, em frente ao casarão antigo que Dóris residia, num lapso de alguns minutos, teve doces lembranças de acontecimentos que viveu em companhia da amiga; dentro e fora daquele casarão. As brincadeiras da infância, as aborrencencias da adolescência, as primeiras paqueras, os primeiros namorados, os almoços em companhia da família de Dóris e as visitações às feiras dominicais na Praça da República. Eram amigas de infância, melhores amigas. A vida de adultas as separou, Morgana na sua carreira de modelo internacional e Dóris como dona de uma famosa livraria belenense; cada uma seguiu o caminho que escolheu e que o destino lhe reservou. Mas ainda assim, nunca perderam o contato. Afinal, os tempos modernos ofereciam várias maneiras de comunicação a distância. Para Morgana era um prazer visitar a amiga querida, o desprazer estava no assunto que tinham para conversar. Dóris ficou surpresa e feliz ao rever Morgana. Quase não acreditava que a modelo estava ali. A primeira reação foi um carinhoso abraço. Entraram e se puse- ram a conversar sobre assuntos diversos. Era uma tarde de domingo e essa tarde jamais seria suficiente para colocar todos os assuntos em dia. Morgana falou de seu sucesso no exterior e Dóris sobre o crescimento e o reconhecimento de sua livraria. Relembraram coisas passadas, embriagadas pelas lembranças de uma verdadeira amizade. Voltaram a falar sobre o presente. Em meio à conversação Morgana tinha esquecido o motivo que a levara ali; mas ao relembrar seu rosto se desfigurou de angústia. Dóris conhecia Morgana e sabia quando ela estava aflita. – O que houve amiga? De repente você ficou com expressão estranha. – Dóris eu preciso te falar uma coisa muito séria. – O que foi, você está com algum problema? Morgana Hesitou em falar, mas era preciso. – Não Dóris, o problema pode estar com você. E é coisa de saúde. – Como assim, estou ótima. Nova hesitação de Morgana. Pensou um pouco antes de falar novamente. – Dóris você lembra-se do Marcos? – Marcos... Dóris fez esforço para lembrar-se. Ah, sim! Aquele gato que você me apresentou no carnaval de três anos atrás, quando você estava iniciando sua carreira? – Ele mesmo. 27
  • 20. – Quase que não lembro, só o vi naquela vez. Ele também estava come- çando como modelo não é? E aí, deu certo pra ele? – No começo sim. Mas agora... – O que houve com ele? Você o viu? – Não, mas tive notícias. Me diz uma coisa, Dóris, naquela noite vocês tran- saram? Dóris estranhou a pergunta. Mas respondeu, pois estavam acostumadas a conversar sobre tudo. – Sim. – E vocês usaram camisinha? De repente Dóris caiu em si, logo entendeu o que Morgana queria lhe dizer. Dóris baixou a cabeça, colocou as mãos no rosto e respondeu. – Não. Já tinha ideia do que ia ouvir, mas mesmo assim Dóris perguntou. – O que aconteceu com ele? – Soube por um conhecido – disse Morgana – que a pouco tempo Marcos descobriu que está com Aids. Ainda de cabeça baixa e mãos no rosto, Dóris lagrimou. Mas conteve o choro e o desespero que ameaçavam tomar conta dela. Sim, tinha possibilidades de estar infectada, uma vez que o vírus da doença fica encubado durante anos antes de começar a apresentar os sinais e os sintomas. Burra! Julgava-se uma idiota! Pois vivia num tempo em que os esclarecimentos sobre a doença eram intensos e mesmo assim, empolgada em uma noite de festa e pelo corpo de um belo homem, se arriscou a fazer sexo sem camisinha. Mas aquele rapaz tão bonito, de aparência tão saudável certamente não tinha doença alguma pensou ela naquela ocasião, três anos atrás. Chorou baixinho nos ombros de Morgana e murmurava: – E se eu tiver contraído o vírus, minha vida está acabada, acabaram-se meus sonhos! Minha livraria, que construí com tanto esforço e carinho. Morgana sabia que conviver com aquela doença seria uma situação terrível, caso Dóris fosse soro positivo. Muita gente sabe disso! Mas, graças a Deus, a medicina tinha evoluído e, com tratamento adequado, muitos portadores do HIV sobrevivem anos e levam uma vida “normal”. Morgana falou tudo isso a Dóris para consolá-la, mas a amiga continuava dessesperada, embora tivesse inteligência emocional colossal para resistir à vontade de berrar, gritar e dar golpes nas paredes. – O que você precisa agora Dóris é fazer o teste o mais rápido possível para saber se contraiu ou não o vírus – disse Morgana – vamos pedir a Deus que dê ne- gativo, mas se o resultado for positivo você precisa iniciar o tratamento imediatamente. Morgana desejou ficar em Belém para dar amparo a Dóris. Mas não tinha jeito precisava honrar seus compromissos de trabalho. Despediu-se da amiga, levando o pesar de ter deixado tão triste notícia e tão tristes possibilidades no interior daquele casarão e no coração de Dóris. Dóris ficou em estado depressivo durante dias. Pensamentos horríveis invadiram sua cabeça. Como seria dali pra frente, se o resultado fosse positivo? Conseguiria conviver com a aquela doença, à base dos inúmeros medicamentos que teria que tomar todos os dias? Teria coragem e condições psicológicas de continuar cuidando de sua livraria? Faria aquele teste ou seria melhor conviver com a dúvida 28
  • 21. até que algum sinal ou sintoma se manifestasse em seu corpo? Dúvidas, dúvidas e mais dúvidas! Por fim teve coragem. Iria fazer o teste sim! E, se infectada, iria lutar contra a doença sim! Até o seu último suspiro! E iria continuar cuidando da sua livraria até que suas forças suportassem! Como gostaria que Morgana estivesse naquele hospital junto a ela no dia do teste. Mas era impossível, entendia a amiga. E encontrou apoio junto à sua irmã para enfrentar aquele momento difícil. Colheu o material e foi instruída a esperar o resultado ali mesmo. O resultado saía rápido. Esperou, agarrada no braço da irmã, cerca de trinta minutos; que lhe pareceram horas. Mas agora não lhe prevaleciam maus pensamentos, pois procurou se cercar de todos os bons sentimentos que pôde; como uma pessoa ligada ao esoterismo, que procura elevar sua aura espiritual por meio de bons pensamentos e sentimentos. Quando a enfermeira lhe entregou o envelope que continha o resultado. Olhou fixamente nos olhos da sua irmã, anunciando que iria ler o resultado. Abriu o envelope, leu o resultado, olhou para a irmã e suspirou aliviada. – Graças a Deus, não sou portadora do vírus HIV. As irmãs se abraçaram e saíram do hospital, irradiadas por grande alívio e felicidade. Morgana soube do resultado por telefone, e as amigas vibraram juntas. Aquela turbulência foi um grande aprendizado para Dóris, que continuava solteira: sexo sem camisinha, nunca mais. Dois meses depois Dóris passou a organizar, uma vez por mês, palestras sobre orientação sexual para a juventude em sua livraria. 29
  • 22. O Menino de Traços Indígenas/Aborto?
  • 23. A minha imaturidade foi o primeiro motivo que fez da minha gravidez algo indesejado, tinha somente 15 anos. O segundo, e o mais crucial dele, o sumiço do meu namorado. Ele era mais velho que eu, tinha 30 anos e usou de minha inocência, se é que eu era tão inocente naquela época, para me iludir com promessas de casamento, filhos e uma vida próspera e feliz; bem longe das dificuldades financeiras que minha mãe e eu enfrentávamos no cotidiano. Namoramos exatamente um ano, até ele se tornar efetivamente o primeiro homem da minha vida. Depois de algumas relações íntimas entre nós, comecei a sentir certas sensações estranhas. No começo pensei se tratar de um problema corriqueiro qualquer, mas logo os as náuseas e vômitos que anunciavam minha gravidez se intensificaram. Minha mãe sabia do namoro e até apoiava, Mauro soube exatamente com conquistá-la usando de seu charme e desenvoltura com as palavras para persuadi-la a autorizar nosso namoro de porta. Minha mãe foi tão iludida quanto eu. Experiente, foi ela quem percebeu que concebia uma criança em meu ventre. O que atestamos num teste de farmácia. Fiquei alegre com a notícia, via na minha gravidez a solução para adiantar o noivado e o casamento que Mauro sempre adiava, com várias desculpas. Minha mãe é que ficou preocupada, pois eu era muito nova e ainda estudava no Ensino Médio. Ela tinha sonhos para mim, que ia muito além de um casamento com um homem de boa situação financeira. Queria que eu fizesse um curso superior, de preferência de enfermagem, achava o trabalho de cuidar das pessoas necessitadas um dos mais belos e gratificantes que existem. Não queria me ver atrás de um caixa de supermercado, trabalhando exaustivamente durante horas, em troca de uma baixíssima remuneração. Eu concordava com ela, queria ser enfermeira e exercer a profissão com toda dedicação e carinho possível. Nem mamãe, nem eu íamos imaginar o que Mauro faria. O golpe foi duro e implacável! Logo que soube de minha gravidez ele sumiu, sem deixar rastros. Procuramos por ele desesperadas por dois meses, sem sucesso. Parecia que Mauro tinha evaporado, se mudado para outro planeta ou qualquer coisa do tipo! Como íamos criar uma criança sem o apoio do pai, o que mamãe ganhava mal dava para pagar o aluguel, as contas de energia e água e nos alimentarmos? E eu ainda era estudante, inexperiente; teria que parar de estudar e deixar de lado todos os meus sonhos. É claro que estava atormentada com tal situação, mas a ideia de ser mãe já estava me irradiando de felicidades, apesar de todas as preocupações. Depois de nos convencermos que não iriamos mais encontrar Mauro, aos dois meses e meio de gravidez, mamãe e eu tivemos uma séria conversa. Eu teria que adiar o sonho de ser enfermeira por um tempo e iriamos criar sozinhas meu filho. Minha mãe era uma pessoa muito boa de coração e uma mulher guerreira “vamos dar um jeito, dizia ela”. Mas a vida nos deu mais um golpe. Mamãe foi despedida e nosso desespero, que já estava se atenuando, voltou de maneira pior. Minha mãe tinha direito a um seguro desemprego, mas e depois? Se ela não conseguisse se empregar logo? Corríamos sérios riscos de passar necessidades, junto a uma crian- ça inocente. Não sei a quem o desespero atormentava mais, se à mamãe ou a mim mesma. Várias vezes a surpreendi chorando baixinho, escondida de mim, no intuito de me proteger e não me preocupar ainda mais. 33
  • 24. Deus do céu como fiquei desestruturada, passei noites e noites em claro pensando em como solucionar aquela situação. Eu tinha que resolver, já que eu criei o problema. Mais algumas vezes procurei por Mauro, todas em vão. Foi então que me veio à cabeça a ideia de fazer um aborto. Claro que não era o que eu queria, o que mais queria era criar meu filho, enchê-lo de mimos, ver seus primeiros passos, sua adolescência, sua juventude, sua formatura. Mas a situação financeira me obrigava a fazer aquilo. Pensei nessa ideia durante vários dias, já cheia de culpa. Às noites sonhava com meu filho, era um rapazinho de cinco anos, moreninho, de traços indígenas semelhantes aos meus; estávamos num jardim e ele corria em direção a mim de braços abertos. Eu o abraçava e o beijava afetuosamente, estávamos felizes. Era incrível! O sonho se repetia todas as noites! O mesmo sonho, sem tirar, nem pôr. Quem sabe um sinal de Deus para que eu não fizesse nenhum aborto, que na hora certa ele me estenderia a mão e tudo daria certo. Mas a realidade da pobreza e do desemprego foram mais fortes que os repetidos sonhos. Decidi fazer o aborto. Não disse nada a mamãe, ela jamais aprovaria aquilo. Mas em minha cabeça de garota de 15 anos aquela era a melhor coisa a se fazer para o meu bem e o de mamãe. Aquele aborto nos livraria da preocupação de deixar uma criança passar necessidades. Se a fome viesse a bater em nossa porta, seria mais fácil enfrentá-la somente nós duas. Em meio aos meus tormentos da decisão do aborto, mamãe saia todo dia à procura de emprego e quando voltava com a expressão triste em seu olhar, não precisava dizer com palavras que não tinha conseguido. Isso me estimulava mais a abortar a criança. Mamãe tinha saído em busca de emprego mais uma vez quando saí de casa atrás de uma senhora que mexia com ervas e costumava oferecer, a baixo custo, “garrafadas” de ervas que produziam o aborto. Soube dessa senhora por meio de uma colega de escola que fez o mesmo que eu. Naquele dia, de posse de um pedaço de papel no qual estava anotado o endereço da “erveira”, percorri as ruas do telegrafo até a casa da mulher com lágrimas escorrendo sobre o meu rosto; sabia que estava prestes a cometer a pior coisa da minha vida, uma brutalidade, um assassinato! Sim, eu ia cometer o assassinato do meu próprio filho. Cheguei à casa da mulher, comprei a “garrafada” e recebi as instruções de como usá-la, para que pudesse surtir o efeito. Deveria tomar aquela mistura de ervas durante três dias, sempre no mesmo horário. O fiz escondido de mamãe, quando ela saía em busca de emprego. Toda vez que bebia aquela mistura, sentia vontade de morrer; porém não tinha mais o que fazer. Até o terceiro dia em que usei a beberagem nada senti. Parecia que não iria fazer efeito. Graças a Deus, pensei, seria mais um sinal de Deus para não realizar o aborto? Era noite quando mamãe chegou em casa, com expressão de extrema alegria. Anunciou que tinha conseguido um emprego em outra loja e começaria dali a duas semanas. Nos abraçamos e choramos de alegria, nossos problemas começa- vam a diminuir. Assim eu pensei, quando de súbito senti uma forte dor em meu ventre. Comecei a gemer, as dores aumentavam cada vez mais e meus gemidos se converteram em gritos. Mamãe ficou desesperada ao ver minhas roupas de baixo manchadas de sangue e me perguntava “Helena, Helena, o que você fez?” Não conseguia e nem queria dizer. Gritava e gritava até desfalecer. 34
  • 25. Quando acordei estava num leito de hospital, minha mãe me olhava horrorizada, parecia que não era eu, Helena, que estava ali; mas alguma coisa desumana. Mamãe estava magoada, decepcionada, com profundo rancor de mim; mas ainda assim não me abandonou no hospital. Um dia depois, quando estava um pouco mais recuperada, tentei explicar minhas razões para ela e ela se limitou a me fazer somente uma pergunta “como você teve coragem de fazer isso Helena, eu não lhe disse que íamos dar um jeito?”. Desde aí não me disse mais nada. Voltamos para casa em dois dias e nosso convívio ficou difícil durante meses. Pouco nos falávamos, somente o necessário. Aos poucos as coisas foram se ajeitando, mamãe começou no novo emprego, voltei a estudar e depois voltamos a ter a mesma relação saudável de mãe e filha. Nunca mais falamos sobre Mauro e sobre o aborto, mamãe queria esquecer aquele assunto e eu também. Com muita luta o tempo nos ajudou a mudar nossa situação. Mamãe foi promovida a gerente da loja, na qual trabalha há anos e eu hoje sou enfermeira, cuido das pessoas e gosto do que faço; casei-me, mas não posso mais ter filhos o que eu tomo como um castigo de Deus, pois tantas vezes ele me alertou para não cometer o aborto. Esse castigo dói, mas o que mais dói é saber que matei meu filho, o lindo menino de traços indígenas com o qual eu sonhei tantas e tantas vezes. 35
  • 27. Eram cerca de 16:00 horas. Naquele dia a tarde apresentava diferente beleza. O iniciar do pôr do sol irradiou o céu com uma penumbra azulada, com leves reflexos de cor prata. Borboletas coloridas recém-saídas de suas crisálidas voavam alegremente pelo jardim, pousando sobre as magnólias, rosas e lírios que o compunham. Brisas mansas semeavam os aromas das flores por todo o lugar. A atmosfera leve do jardim não demonstrava que o mesmo fazia parte de uma casa de repouso para idosos, lembrava muito mais o jardim de uma grande mansão na qual deveria residir uma importante, grandiosa e feliz família; fortemente unida pelo sentimento mais sublime que as sensações humanas podem experienciar, o amor. E como de costume dois idosos repousavam e contemplavam aquela tarde singular. – Sim a tarde está especialmente linda, diferente. – Disse dona Maria Isabel, concordando com a observação feita pelo senhor Antonildo - A beleza dessa tarde me fez lembrar o dia do nascimento dos meus filhos. Claro que a tarde não estava assim como hoje. Hoje, por algum motivo a tarde parece especial. Mas foi uma das tardes mais bonitas para mim, porque estava trazendo à luz meus filhos; tão ansiosamente esperados. – Sim, você já comentou que seus filhos são gêmeos. Um casal? – Sim. Dei a eles o nome de Maria Eduarda e Carlos Eduardo, me inspirei nos protagonistas do livro de Eça de Queiroz, Os Maias, que estava lendo na época de minha gravidez. Nossa, meus filhinhos eram tão lindos! Já desde crianças, pareciam dois anjinhos – Disse com orgulho. – Oh sim, e até combinou – Disse seu Antonildo, com um sorriso terno no rosto – Geralmente os pais de filhos gêmeos gostam de fazer combinações de nomes. – Verdade. Também levei isso em consideração ao escolher os nomes. Foi um dos dias mais felizes da minha vida, me tornava mãe e a sensação de ser mãe é única. – Sim, o maior sonho de muitas mulheres, a maioria delas, é o de ser mãe. Agora é que as coisas parecem estar mudando, com essas loucuras dos tempos modernos. Hoje em dia as pessoas pensam muito diferente e parece que perderam certos valores. Antigamente, os mais velhos eram respeitados; por sua vivência, por sua experiência de vida. Agora, tudo está invertido – Disse seu Antonildo, com indignação e em tom severo. – Ah, isso é verdade. – Veja só os que filhos fazem com os pais. Ao invés vez de cuidar deles até o final da vida com se fazia antigamente, preferem de colocá-los em casa de repouso. – Concordo em parte. É claro que qualquer pai ou mãe deseja permanecer com os filhos até o fim de suas vidas. Mas nem sempre é possível. Veja o meu caso. Maria Eduarda é Juíza, vive imersa em processos e processos, às vezes não tem 39
  • 28. tempo nem para dar atenção ao marido e aos filhos. Já Carlos Eduardo é Diplomata, vive em outro país. Esse mundo de hoje é corriqueiro e quando os filhos não tem tempo para cuidar, a melhor solução é uma casa de repouso. Aqui somos muito bem tratados, temos atendimento médico completo, alimentação saudável nos horários certos e tudo mais o que precisamos. Quando meus filhos conversaram comigo sobre a vinda para a casa de repouso no começo fui contra, mas depois de refletir muito me convenci que era a coisa mais certa a se fazer. – Mas o seu caso é bem diferente do meu – os olhos de seu Antonildo encheram-se de lágrimas e ele baixou a cabeça para disfarçar - sua filha vem visitá- la todo domingo e ainda traz os netos para alegrar. E o seu filho aparece pelo menos uma vez ao ano. Pensa que ainda não prestei atenção? Dona Maria Isabel apiedou-se de seu Antonildo. Já havia observado que desde a chegada do ancião à casa de repouso, há cerca de dois anos, não havia recebido uma visita se quer do filho ou de outra pessoa da família. – Oh, meu querido – disse ternamente – você não acha que já está hora de desabafar sobre o que aconteceu entre você e seu filho? Certa vez você mencionou que é pai de filho único e que não se dava bem com ele. – Me desculpe – disse com serenidade – mas prefiro não falar sobre esse assunto. – Tudo bem, mas, se quiser conversar estou aqui para ouvi-lo – às vezes é bom colocarmos pra fora sentimentos que nos sufocam. Seu Antonildo esboçou um leve sorriso, como se fosse um gesto de agradecimento à amiga. Mudaram de assunto. Falaram de literatura, pinturas e música. Seu Antonildo, se empolgou ao falar sobre as composições de Gonzaguinha e até se arriscou a cantar uma estrofe de “O lindo lago do amor”. Conversaram muito e quando se deram conta já eram quase 17:30. Costumavam se recolher do jardim a esse horário. Dona Marisa Isabel con-vidou seu Antonildo para entrarem. – Prefiro ficar mais um pouco, daqui a uns quinze minutos entro. Por favor, avise as enfermeiras que não precisam vir me buscar. Consigo movimentar a cadeira de rodas sem problemas. Dona Maria Isabel percebeu uma tristeza no rosto de seu amigo. Mas preferiu não comentar. Imaginou que talvez tivesse a ver com a ausência de sua família. – Tudo bem, lhe vejo depois então. Dona Maria Isabel se levantou da cadeira que ocupava e se encaminhou para a entrada da casa. Mas, de súbito, sentiu vontade de voltar. Voltou e beijou afetuosamente o rosto de seu Antonildo, sem dizer sequer uma palavra. De vez em quando ela fazia isso. Mas naquela tarde, foi um beijo diferente, com mais fraternidade que antes. Ambos sentiram isso, mas não disseram nada. Em seguida, dona Maria Isabel se encaminhou para a casa. Mas antes de entrar, virou-se mais uma vez para observar seu Antonildo, sem saber por que lágrimas desceram dos seus olhos. Talvez um pressentimento! Deveria ela voltar para ficar mais um pouco com o amigo? Não – pensou – ele quer ficar sozinho, preciso respeitar sua vontade. 40
  • 29. Dona Maria Isabel entrou. Seu Antonildo ficou a pensar em sua família, sua esposa já falecida. Seu filho, que o abandonara naquela casa de repouso sem se- quer fazer uma visita. Sim, como militar seu Antonildo sabia que foi um pai austero! Talvez até demais, a ponto de bater no filho pelas menores coisas. Naquela época não tinha consciência disso, mas agora tinha a mais plena consciência de seus erros. Agora já conseguia enxergar que em muitas ocasiões o diálogo teria maior efeito disciplinar. Como queria voltar ao passado para corrigir seus erros! Seu Antonildo sabia porque seu filho tinha lhe virado as costas. O abandono era fruto das mágoas. Meu Deus – pensou – como eu desejo que meu filho venha até aqui; preciso de uma oportunidade de lhe pedir perdão. Talvez isso seja impossível, mas sempre terei esperança. A minha velha esperança. Em meio as suas reflexões adormeceu sentado em sua cadeira de rodas. Acordou suavemente. Observou uma borboleta pousada em suas mãos e contemplou seu voo no horizonte. Deu-se conta que tinha dormido, mas quanto tempo? Olhou ao redor do jardim, já estava anoitecendo. Precisava entrar antes que as enfermeiras viessem chamá-lo atenção. Movimentou os braços, com a intenção de leva-los até as rodas de sua cadeira. Quando o leve escurecer do início de noite começou a clarear. O que era aquilo? A luz ficou cada vez mais intensa, até seu Antonildo não conseguir enxergar mais nada. Levou as mãos ao rosto e fechou os olhos. Quando os abriu pôde ver a figura de um jovem à sua frente. Meu filho – pensou. Mas ao olhar atentamente percebeu que não era. O jovem era belo, vestia roupas brancas, feitas com tecido leve e esvoaçante. Em seu rosto podia se contemplar muita ternura, muito amor. E sua presença transmitia uma sensação de muita paz. Quem é você? Um amigo – disse o jovem, sua voz era doce e terna – vim buscá-lo para descansar. – Meu filho que lhe mandou aqui? – Não, mas trago boa notícia. Vim buscá-lo, afim de que você, futuramente, possa voltar a conviver com seu filho e tentar resgatar os erros do passado. Meu irmão, Deus ouviu suas preces. E agora é chegada a hora de você ter uma nova oportunidade. – Como isso é possível? – Nem tudo eu posso lhe responder agora. Levante-se e venha comigo, na hora certa você terá todas as respostas pelas quais anseia. – Levantar? Mas não posso, estou paraplégico há muitos anos. – Agora você pode, levante-se e venha comigo. O jovem estendeu a mão para seu Antonildo. O senhor olhou com ar de descrédito para o jovem. – Tente. Seu Antonildo estava confuso. Mas resolveu tentar se levantar. Devagar apoiou as mãos nos braços de sua cadeira de rodas e se levantou. – Um milagre! Seu Antonildo ia virar para trás a fim de olhar para a cadeira de rodas. – Não olhe para trás – disse o jovem – é melhor que não veja seu antigo corpo inerte. 41
  • 30. Seu Antonildo ficou em estado de choque. Entendeu o que havia aconte- cido. – Estou morto! – Não, meu irmão, você está vivo. É hora de recomeçar. Preparar-se para uma nova jornada na terra. Temos que ir embora. Depois você voltará para se reencontrar com seu filho; mas de outra forma. Assim vocês terão a oportunidade de resgatar os erros desta vida. – Que forma? – Como lhe disse, todas as respostas virão no tempo certo. Agora você precisa me acompanhar. Continue acreditando nas providências divinas, como fez nos últimos anos. Foi sua fé em Deus que lhe proporcionou uma nova oportunidade de resgatar seus erros não somente com seu filho, mas com todas as demais pessoas que magoou. Era confuso. Reencarnação? Seu Antonildo já tinha lido alguma coisa sobre o espiritismo, mas nunca acreditou. Enfim, resolveu ouvir o jovem. Fez somente mais uma pergunta. – Para onde vamos? – Para uma colônia espiritual chamada Nosso Lar. Seguiram pelo jardim até desaparecerem lentamente. 42
  • 32. O que estou para contar é uma história (ou será estória?) que envolve realidade e ficção. A Guerrilha do Araguaia foi uma das revoluções armadas que ocorreu no Brasil contra a Ditadura Militar. Teve como cenário a região amazônica brasileira, mais especificamente a região do Araguaia, que se localiza entre o sul do estado do Pará, norte do antigo estado de Goiás (agora Tocantins) e a oeste do estado de Tocantins. Inspirada na Revolução Cubana e na Guerra do Vietnã ao que tudo indica começou a ser organizada em fins dos anos de 1960, mas foi descoberta e combatida pelo Governo Militar em 1972; tendo sido extinta oficialmente em 1975 com a morte ou detenção da maioria dos guerrilheiros. Das três personagens que compõe este conto, apenas Osvaldão – Osvaldo Orlando da Costa – realmente existiu. Engenheiro, militante dos ideais comunistas foi um dos líderes da Guerrilha do Araguaia. Um dos últimos a desaparecer no Araguaia, em 1974. Todavia, como na maioria das vezes a história apresenta duas ou mais versões para um mesmo acontecimento, há teorias que afirmam que Osvaldão foi morto em 4 de fevereiro de 1974, segundo algumas fontes, enquanto abria uma trilha na mata, segundo outras, enquanto descansava no acampamento, e seu corpo exibido como troféu diante dos moradores da região. Paco e Laura são personagens fictícios inspirados no perfil de alguns dos guerrilheiros do Araguaia: médicos, advogados, professores oriundos de outras regiões do Brasil, que contavam com auxílio de guerrilheiros da própria região. O mais importante é saber que o conteúdo abaixo narrado não se trata de uma passagem real da vida de Osvaldão, mas uma narrativa fictícia dentro de um contexto histórico verídico. *** – !Ahhhhhhhhhhh! – o grito de Paco ecoou pela floresta – !te juro que no sé dónde están! O soldado repetiu o gesto anterior; com as duas mãos em forma de concha aplicou um tapa aos dois ouvidos de Paco. Outro grito desesperado de Paco preencheu a mata. E dessa vez um líquido escorreu de uma de suas orelhas. Havia rompido o tímpano do guerrilheiro. – Agora fala cubano de merda! Onde estão àqueles seus amigos subversivos? – !Te juro que no sé! – tentou gritar, mas sua voz estava fraca – ellos habían dejado el campamento minutos antes que vosotros chegaseis... – Fala seu filho da puta! – O soldado mostrou a mão configurada em concha ao preso. – Habían ido a buscar agua antes de sus llegada. Debe haber visto vosostros y fugieron. - A voz de Paco era cada vez mais inaudível. *** Osvaldão e Laura estavam correndo mata adentro, procuravam pistas da base militar onde Paco estava preso quando ouviram os gritos do amigo guerrilheiro. Ao ouvir aquele grito Laura parou imediatamente. – Não, não, eu não quero ir – Disse Laura ofegante, em consequência da trajetória que estava fazendo cerca de duas horas em busca da base. 45
  • 33. – Mas não podemos desistir agora – retrucou Osvaldão – ouve! – era o grito de Paco – ele está sendo torturado, se não dermos um jeito de tirá-lo de lá vão matá- lo. – Mas eles são muitos, estão armados e somos apenas dois. E o que temos de armas? Veja, você com essa faca e eu com esse pedaço de foice. Não temos chance. È melhor desistir. – Não podemos desistir, se fizermos isso mais uma vida será brutalmente tirada. É nosso amigo, várias vezes nos salvou das mãos dos militares, é nosso dever ajudá-lo. Laura olhou para seus pés descalços – meus pés estão feridos, sangrando muito, não tenho mais forças para continuar. – Por coisas muito piores já passamos Laura, lembra do conflito em Xambioá? Apesar de ter sido difícil estamos vivos... e vamos continuar vivos, vamos resgatar Paco e formar um novo grupo de guerrilheiros, um grupo de homens e mulheres capazes de se unir pela liberdade e pelos direitos do povo. Vamos ganhar essa luta e fazer do Brasil um país livre da Ditadura Militar! – Não! – Laura falou em tom mais alto – está tudo perdido. Nós somos praticamente os últimos, muitos dos guerrilheiros já foram mortos ou presos. Não temos mais como vencer essa luta. Lembra do que ele, o Paco, nos disse? Há comentários de que desde a 2ª Guerra Mundial esta é a maior operação das Forças Armadas brasileira. – Não estou te reconhecendo Laura, onde está aquela mulher forte e determinada que conheci e por quem me apaixonei? Osvaldão aproximou seus lábios dos de Laura. Ela virou o rosto. – Talvez tenha morrido diante do confronto com a realidade. Não insista, não temos mais chance. Osvaldão olhou para cima. No céu havia uma lua cheia. Lembrou da primeira noite que seu corpo entrou em contato com o de Laura. Naquela noite a mesma lua cheia irradiava o céu, Osvaldão havia descoberto um amor. Um amor súbito, explosivo e cheio de desejos carnais e desejos pertencentes ao seu ser mais subjetivo; o desejo utópico de viver numa nação livre da repressão e dos preconceitos contra os filhos que teria com Laura, contra seus amigos e contra todos os cidadãos negros. Laura era a mulher com que realmente sonhava, pois compartilhava com ele os mesmos ideais. – Escute, quem sabe não seja melhor nos entregar. Por mais que nos prendam, poderemos rever nossas famílias. E o mais importante: ficaremos vivos, pois aqui, debilitados como estamos, vamos morrer. – Está louca - indagou Osvaldão – acha que simplesmente vão nos jogar numa cela? Não! Eles vão nos torturar e nos matar! Você mesmo disse que seu marido foi torturado e morto, pela simples suspeita de envolvimento com nossa causa. E ele nem sequer realmente estava envolvido, era inocente e morreu! Como acredita que serão piedosos conosco? Laura baixou a cabeça e começou a chorar, pois sabia que Osvaldão tinha razão. – Eu só queria ter a chance de rever meus dois filhos mais uma vez, desde que fugi da Maranhão para não ser presa não tive mais sequer uma notícia. Ficaram 46
  • 34. com meus pais, mas a essa altura nem sei se estão vivos por que os militares perseguem também as famílias dos foragidos políticos. *** Um balde de água foi jogado no rosto de Paco. Logo em seguida outro balde cheio foi posto a sua frente. Paco estava de joelhos, com os braços e pernas amarrados para trás. O soldado segurava seus cabelos, forçando-o a olhar para o balde. – Fala subversivo, esta é sua última chance! Pra onde eles foram? –No sé. Imediatamente à resposta, o soldado mergulhou a cabeça de Paco no balde com água por alguns minutos, depois trouxe à tona. – Parece que o cubano não vai falar mesmo, o que fazemos? – O soldado perguntou para o seu superior que acompanhava tudo. – Se não quer falar, então vamos dar cabo logo. Pau de Arara e espancamento sem piedade até o infeliz passar dessa para uma melhor. *** – Eu quero que você entenda Laura que o melhor que fazemos é lutar até o fim. Temos que continuar acreditando nos nossos sonhos. Se nos entregarmos, estaremos traindo a confiança de todos aqueles que acreditaram em nossa guerrilha e deram suas vidas por ela. Osvaldão e Laura estavam sentados. Ela balançou a cabeça em gesto afirmativo. Olhou para o braço esquerdo de Osvaldão, ele tinha se cortado na fuga dos militares naquela tarde. Laura se levantou e começou a procurar algo no mato. – O que está procurando? Não se afaste daqui, estamos próximos dos militares. Não podem ouvir nenhum barulho que nos delate. Ela não disse nada e continuo procurando. Alguns passos adiante parou, pois havia encontrado a erva que procurava. Colheu algumas folhas. – É andiroba, serve pra ajudar a curar nossos ferimentos. Tem água na bilha? Osvaldão deu a bilha para Laura. Ela jogou um pouco de água nas folhas e as amassou nas mãos. Lavou o ferimento do braço de Osvaldão, colocou as folhas e com um pedaço de pano arrancado de sua própria blusa enfaixou o local. – Engraçado – Disse Osvaldão. –O quê? – Vocês médicos, geralmente não costumam acreditar em remédios alternativos e, no entanto... – Nem todos pensam assim. Eu realmente sempre confiei mais nos remédios produzidos pela ciência, mas nunca descartei a sabedoria do senso comum. Afinal, antes da ciência os homens já sabiam tratar de alguns dos seus males. – Não é a primeira vez que nos tratamos com as ervas que os moradores da região lhe ensinaram. – Verdade. Laura colocou a planta nos seus pés também e sentou-se ao lado de Osvaldão. – Decidiu alguma coisa? Perguntou ele. 47
  • 35. – Ahhhhhhhhh – Era o grito de Paco. – Laura se levantou imediatamente, tomou um gole da pouca água que havia sobrado na bilha. Ofereceu o último gole a Osvaldão, ele bebeu. – Estamos próximos, não podemos mais esperar. Vamos! Ele se levantou e os dois seguiram mata adentro. Quando se aproximaram da base militar já estava amanhecendo, a lua cheia começava a dar lugar ao vermelho radiante do sol. Escondidos no mato viram uma coisa horrenda. Atravessado entre os punhos e os joelhos em uma barra de madeira presa nas árvores, Paco estava pendurado, nu, sofrendo pancadas e queimaduras com cigarro. – Meu Deus – pensou Laura – até onde vai a crueldade humana?! Olhando para aquilo experimentou uma sensação esquisita. Uma mistura de emoções: piedade de seu amigo, nojo e ódio daqueles militares, indignação com desrespeito à vida humana; não vira de perto nenhum de seus amigos guerrilheiros e nem seu marido sendo torturado, mas agora, na expressão e nos gritos de dor de Paco, parecia que estava vendo todos. Vidas e mais vidas tiradas de maneira covarde. Não precisava pensar mais nada e nem dizer mais nada, pois já sabia o que tinha que fazer. Todavia, não sabia o que iria acontecer dali a alguns segundos, mas tinha certeza que deveria ir em frente e lutar para que aquilo que estava acontecendo com Paco não acontecesse com mais ninguém. Tinha que lutar para que aquelas pessoas desumanas fossem punidas pelo que estavam fazendo, os militares tinham que sair do poder. Lutar pelo direito à vida e à dignidade dos brasileiros! Era o que continuaria fazendo até o final de sua vida! Osvaldão olhou para Laura e compreendeu no seu olhar o que ela estava pensando. Essa era a verdadeira Laura. Ele a beijou nos lábios. Olharam-se afetuo- samente e então, sob o nascer do sol, correram em direção à base militar. 48