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José D’Assunção Barros
O campo da história: especialidades e abordagens
6ª Ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2004
Recortes - Por Jorge C. Freitas
Julho de 2012
História - historiografia
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
O campo da história
Especialidades e abordagens
José D’Assunção Barros
Resumo
Neste livro o autor analisa os vários campos da História, e faz importantes críticas à
prática da História em migalhas e a hiperespecialização do historiador.
Chama atenção também, para os cuidados a serem tomados no uso dos conceitos.
Aborda a questão da temporalidade e a não isenção no ato da produção
historiográfica.
Cita importantes bibliografias para o estudo e a escrita da História.
SUMÁRIO
O Campo da História 4
1. Clio Despedaçada 4
2. Os lotes da História 5
(Compartimentos, Dimensões, abordagens e domínios)
3. Demografia, Cultura Material e Geo-História 6
(História Demográfica, História da Cultura Material, Geo-História
4. Mentalidades 6
(História das Mentalidades, Psico-História)
5. História Cultural e História Antropológica 12
(História Cultural, História Antropológica e Etno-História)
6. História do Imaginário 23
7. História Política e História Social 26
Jorge C. Freitas - fichamento 2
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
(História Política, História Social)
8. História Econômica 29
9. Abordagens 30
(História Oral, História do Discurso, História Imediata, História Serial e
História Quantitativa, História Regional, Micro-História)
10. Uma profusão de Domínios 38
(A diversidade de domínios históricos, A Biografia, Mutações, Conclusão)
Jorge C. Freitas - fichamento 3
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
O Campo da História
1. Clio Despedaçada
“Uma característica crescente da historiografia moderna é que ela tem passado a ver
a si mesma - de maneira cada vez mais explícita e autorreferenciada – como um campo
fragmentado, compartimentado, partilhado em uma grande gama de sub-especialidades e
atravessado por muitas e muitas tendências. [...] O historiador de hoje é um historiador de
cultura, um historiador econômico, um historiador das mentalidades, um especialista em
História da Mulher, um medievalista libérico ou um especialista nos estudos da
Antiguidade Clássica, ou quem sabe ainda um doutor em História do Brasil Colonial mais
particularmente especializado nos processos de visitação da Inquisição do Santo Ofício...
De igual maneira, existem os historiadores marxistas, ou mais especificamente os
historiadores marxistas da linha gramsciana, thompsoniana ou qualquer outra, os
historiadores weberianos, os micro-historiadores da linha italiana, ou sabe-se lá quantas
outras orientações.” (p. 9)
“[...] A partir daí podemos começar a perceber que a fragmentação do saber, na
verdade, é um fenômeno que se acentua no século XX através de dois caminhos distintos e
independentes, embora no fim das contas ambos acabem contribuindo para este mesmo fim
que é a cisão da História ou de qualquer outro campo do saber no seu caleidoscópio
interno.
[...]
“Além da fragmentação de especialidades, sobressai de outro lado a célebre crise
dos paradigmas: já não existem nos meios acadêmicos muitos estudiosos que acreditem na
existência definitiva de ‘uma única maneira de ver as coisas’. [...]” (p. 11)
“Os problemas pertinentes à fragmentação do saber afetam também, de maneira
intermitente, a prática historiográfica de nossos dias (o diagnóstico econômico pode não
dar conta de um problema das mentalidades, e o sangramento social que produz uma
revolução política pode ter como causa mater uma questão religiosa). Isolado no seu
pequeno mundo, o hi8storiador deve enfrentar os riscos de sua hiperespecialização ao
mesmo tempo em que recebe estímulos sociais e institucionais para aprofundá-los cada vez
mais.” (p. 13)
Jorge C. Freitas - fichamento 4
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
"Sem contar com o já tão discutido agravante de que – com a propalada crise dos
grandes modelos de ‘história total’ – a História já tão fragmentada em ‘dimensões’
(econômica, política, social) partiu-se com o apoio da mídia e das demandas editoriais em
inumeráveis ‘migalhas’ relacionadas aos novos ‘domínios históricos’ (história da
religiosidade, da feitiçaria, da vida privada). O historiador das últimas décadas do século
XX viu-se assim autorizado, tanto pela tendência à hiperespecialização do homem
moderno como pelas novas modas historiográficas, a cuidar zelosamente do seu pequeno
canteiro, como se nada mais importasse além de uma rosa rara.” (p. 14)
“(...) o historiador que se hiperespecializa em determinada dimensão historiográfica
e em determinado objeto deve se pôr em guarda contra a possibilidade de se transformar
em uma gigantesca orelha que se prende a um caule. [...]
Abandonando por ora o mundo enigmático das metáforas, diremos que a
hiperespecialização em História Econômica (ou qualquer outro campo) pode conduzir ao
esquecimento de que o mundo humano não pode ser decalcado no social, do político, do
mental, ou de que a especialização exclusiva em métodos de História Serial pode impedir
que se resolva um problema histórico naquele ponto onde se requer precisamente uma boa
história qualitativa, uma recolha de depoimentos através da História Oral, e assim por
diante.” (p. 14)
“[...] Não importa a que enfoque o historiador se dedique ou esteja mais habituado,
dificilmente ele poderá alcançar um sucesso pleno no seu ofício se não conhecer todos os
outros enfoques possíveis – talvez para conectá-lo em determinadas oportunidades, talvez
para compor com alguns deles o seu próprio campo complexo de sub-especialidades, ou
talvez simplesmente para perceber que a história é sempre múltipla, mesmo que haja a
possibilidade de examiná-la de perspectivas específica.” (p. 15)
2. Os lotes da História
“(...) uma abordagem ou uma prática historiográfica não pode ser rigorosamente
enquadrada dentro de um único campo.
Apesar de falarmos frequentemente em uma ‘História Econômica’, em uma
‘História Política’, em uma ‘História Cultural’, e assim por diante, a verdade é que não
existem fatos que sejam exclusivamente econômicos, políticos ou culturais. Todas as
Jorge C. Freitas - fichamento 5
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
dimensões da realidade cultural interagem, ou rigorosamente sequer existem como
dimensões separadas. [...]” (p. 15)
“[...] Definir o ambiente intradisciplinar em que florescerá a pesquisa ou no qual se
consolidará uma atuação historiográfica deve ser encarado como um esforço de
autoconhecimento, de definir os pontos de partida mais significativos – e não como uma
profissão de fé no isolamento intradisciplinar.” (p. 17)
3. Demografia, Cultura Material e Geo-História.
Com relação ao emprego de números em produção de documentos históricos, o
autor chama atenção para o fato de que “(...) o número tomado isoladamente não deve ter
grande importância para o historiador, a não ser quando ele pode contextualizá-lo, produzir
a partir dele inferências socioculturais, conectá-lo a outras informações e estabelecer
hipóteses para a compreensão de uma sociedade.i
” (p. 26)
4. Mentalidades
“Bastante polêmica desde os seus primórdios, a História das Mentalidades enfoca a
dimensão da sociedade relacionada ao mundo mental e aos modos de sentir, ficando sob a
rubrica de uma designação que tem dado margem a grandes debates que não poderão ser
todos pormenorizados aqui1
” (p. 37)ii
“De certo modo, os historiadores nas mentalidades constituíram uma vanguarda da
tendência da Nova História em se tornar uma espécie de ‘história em migalhas’, (...)
marcariam – através de uma miríade de novas especialidades relativas aos ‘domínios’
históricos – a tendência à fragmentação das antigas ambições braudelianas de realizar uma
‘história total’” (p. 38)iii
“[...] Não são portanto os domínios privilegiados pelos historiadores das
mentalidades que definem o tipo de história que fazem, mas sim a dimensão da vida social
1
Alguns artigos panorâmicos podem ser esclarecedores a respeito deste campo histórico: (!) Jacques
LE GOFF, “As mentalidades: uma história ambígua” In Jacques LE GOFF e Pierre NORA (orgs.).
História: Novos Objetos, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988, p. 68-83; (2) Philippe ARIÈS, “A História
das Mentalidades” . In Jacques LE GOFF (org.). A História Nova, São Paulo: Martins Fontes, 1990, p.
154-176; (3) Robert DARTON, “A História das Mentalidades - o caso do olho errante”. In O Beijo de
Lamourette, São Paulo: Companhia das letras, 1990, p. 225-255.
Jorge C. Freitas - fichamento 6
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
para qual os seus olhares se dirigem: o universo mental, os modos de sentir, o âmbito mais
espontâneo das representações coletivas e, para alguns, o inconsciente coletivo.”iv
(P. 39)
“Abraçado a perspectiva teórica de que existem de fato mentalidades coletivas, o
historiador deve ampliar a sua concepção documental. Conforme assinala Francois Furet
(1982), se o historiador das mentalidades pretende alcançar níveis médios de
compartimento, não pode se satisfazer com a literatura tradicional do testemunho histórico,
que é inevitavelmente subjetiva, não representativa, ambígua. [...]
Para resumir três ordens de tratamentos metodológicos que os historiadores das
mentalidades têm empregado na sua ânsia de captar os modos coletivos de pensar e de
sentir, poderemos registrar precisamente (1) a abordagem serial, (2) a eleição de um
recorte privilegiado que funcione como lugar de projeção das atitudes coletivas (uma
aldeia, uma prática cultural, uma vida), ou finalmente (3) uma abordagem extensiva de
fontes de naturezas diversas. Neste último caso enquadra-se a obra O Homem diante da
Morte, de Philippe Ariès. Nesta ambiciosa obra, lança-se mão dos mais diversos tipos de
fontes - desde os escritos de todos os tipos (obras literárias, textos hagiográficos, poemas,
canções, crônicas oficiais, testemunhos anônimos) até as fontes iconográficas e os objetos
da cultura material. Michel Vovelle denomina a esta utilização de um universo de fontes
tão heterogêneo, percorrido mais ou menos livremente, de técnica “impressionista”2
." (p
40-41)
“[...] Pode ser um microcosmos localizado ou uma vida, desde que o autor os
considere significativos para a percepção de uma mentalidade coletiva mais ampla.” (p. 41)
"(...) preocupação em identificar os vários registros dialógicos presentes em uma
mesma fonte - preocupação que, conforme veremos oportunamente, coaduna-se muito
intimamente com um dos setores da chamada História Cultural. [...]" (p.42)
"Antes de passar a falar na História Cultural - este outro campo histórico que nos
últimos anos tem se fortalecido cada vez mais na historiografia ocidental - é preciso
discutir ainda um campo ou subespecialidade da História que por vezes se toma muito
próximo da História das Mentalidades: a Psico-Históricò. [...]
2
Michel VOVELLE, “Pertinência e ambiguidades do testemunho literário”. In Ideologias e mentalidades,
São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 51 [original: 1980],
Jorge C. Freitas - fichamento 7
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
Reich e Fromm desenvolveram noções que ainda poderão ser utilizadas
futuramente pelos historiadores. O primeiro envidou esforços no sentido de estabelecer a
conceituação de um “caráter social”, que se constituiria a partir de uma interação entre a
ideologia e o inconsciente, aqui representado por certos padrões e alternativas de
comportamento que seriam interiorizadas pelos indivíduos que vivem em sociedade3
. [...]"
(p.44)v
“[...] O ‘filtro social’ seria constituído por uma série de elementos, como a
linguagem, a lógica e os tabus sociais, mas também por toda uma série de hábitos
enraizados, de atitudes automatizadas e de impulsos que dão origem a práticas culturais
diversas. [...] Para Erich Fromm, o caráter social corresponderia a ‘um núcleo da estrutura
do caráter que é inerente à maioria dos membros da mesma cultura, diferentemente do
caráter individual que varia entre as pessoas da mesma cultura’. Ou seja, existiria em
qualquer sociedade uma estrutura única de caráter que seria específica dela e comum à
maioria dos grupos e classes que fizessem parte desta sociedade.” (p. 45)
“Wilhelm Reich e Erich Fromm, para não falar em Freud, são apenas dois dos
muitos autores que têm exercido alguma influência nos historiadores, ainda poucos, os
quais têm buscado constituir um campo novo a partir de interconexão entre História e
Psicologia. Seria esta exploração mais sistemática de diversificadas noções e conceitos
desenvolvidos no âmbito da Psicanálise o que poderia distinguir mais propriamente a
Psico-História (ou a psicologia histórica) da História das Mentalidades, já que o terreno em
que ambas se movimentam seria a princípio o mesmo.
Vale lembrar, para citar um exemplo que tem influenciado mais incisivamente os
historiadores da atualidade, que o sociólogo- historiador (e médico) Norbert Ehas também
percorreu caminhos similares ao examinar a interiorização de certos modos de agir e de
sentir que passam a condicionar os indivíduos em sociedade. Embora sem indicar Freud
como interlocutor, o sociólogo alemão vale-se por diversas vezes de noções oriundas do
campo da Psicanálise - como as das “pulsões” - para embasar seu mais célebre trabalho: O
Processo Civilizador (1939)42. Trata-se de uma cuidadosa análise social que objetiva
mostrar como a interiorização de certos hábitos é o contraponto psicossocial de um
Processo Civilizador que foi se produzindo desde o período medieval, e que se instala
3
A ideia de que a ideologia toma-se psicologicamente internalizada ou fixada na estrutura de caráter
do indivíduo aparece em Psicologia de Massas do Fascismo f 1933], São Paulo: Martins Fontes, 1990.
Jorge C. Freitas - fichamento 8
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
gradualmente no Ocidente a partir de poderes centralizados em tomo dos modernos estados
nacionais." (p. 46-47)vi
"[...] Dito de outro modo, o que Elias está estudando neste livro é a formação de um
psiquismo específico no homem Ocidental, que está precisamente ligado a motivações
sócio-históricas.
Na verdade, o enquadramento de O Processo Civilizador em um campo que poderia
ser definido como uma Psico-História é autorizado pelo próprio Norbert Elias, já que no
segundo volume desta obra ele reclama precisamente a constituição de uma ciência
humana que ainda não existia, e que poderia ser chamada de “psicologia histórica”, vindo
esta a ocupar o vazio produzido pelo abismo que separa uma História não-psicologizada de
uma Psicologia que recusa a si mesma pensar historicamente seus objetos4
:
“Exatamente porque o psicólogo pensa não-histo- ricamente,
porque aborda as estruturas psicológicas dos homens de nossos dias
como se fossem algo sem evolução ou mudança, os resultados de
suas investigações de pouco servem ao historiador. E porque,
preocupado com o que chama de fatos, evita problemas
psicológicos, o historiador pouco tem a dizer ao psicólogo”," (p.49)
"Norbert Elias foi na verdade um crítico contumaz da Psicanálise enquanto campo
de saber até então redutor e tendente à não-historicização. Criticou-lhe - além da a-
historicidade - a utilização dos conceitos de Ego, Id e Superego para identificar
compartimentos separados da mente humana, propondo, ao contrário, uma atenção especial
às relações entre estes três conjuntos de funções psicológicas5
. Seu objetivo era investigar
as relações entre os sentimentos controlados pelos indivíduos humanos e aquelas agências
controladoras da psique, mas chamando atenção para o fato de que a estrutura média ou
4
Norbert ELIAS, O Processo Civilizador, vol. 2, p. 234.
5
O “id” constitui na teoria psicanalítica aquela parte da psique de onde partem as pulsões em sua
busca de atingir a realidade da satisfação. Consoante Freud, as pulsões são impulsos inerentes à vida
orgânica, e abrangeriam tanto as pulsões de vida (eros) como a pulsão de morte (tanatos). Esta última,
inicialmente voltada para dentro do próprio sujeito no sentido de destruir o estado de tensionamento
que é a própria vida, estaria apta a se dirigir parcialmente para o exterior em forma de agressividade. A
agressividade seria, portanto, inerente ao homem, e isto explica em parte a sua própria expressão
social. Por outro lado, em seu confronto com o mundo externo, a psique produz uma zona destinada a
regular o indivíduo de modo a não deixá-lo à deriva em seu universo pulsional, o que na verdade
impediria a sua própria sobrevivência em uma civilização formada por outros indivíduos dotados das
mesmas pulsões internas. O superego é, desta forma, o lugar da lei, da lógica, da moral, e assume uma
função normatizadora. Entre o id e o superego, o ego corresponderia ao lugar da transação, com o
papel de conciliar os impulsos do id e a nor- matividade do superego.
Jorge C. Freitas - fichamento 9
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
habitual destas agências controladoras (ego, superego) vai se transformando no decurso de
um processo civilizador como aquele que foi sendo produzido socialmente no Ocidente à
medida que se sofisticava e se transmudava a rede de interdependências humanas.
Introduzir simultaneamente uma abordagem social e uma profunda consciência histórica
no âmbito da Psicologia foi a sua pedra de toque.
Da mesma forma, Norbert Elias foi um crítico arguto da historiografia alemã de sua
época, seja a associada àquele tipo de História das Ideias que almejava investigar o
pensamento humano desencarnado de sua sociedade, seja a historiografia que, a título de
examinar a sociedade nas suas relações concretas, acabava por abstrair esta sociedade de
um universo mental que constitui parte fundamental de sua própria vida. Romper o
isolamento injustificável entre estes dois tipos de História, e reinstaurar o diálogo de uma
História simultaneamente mental e concreta com a disciplina da Psicologia - este foi um
dos seus projetos mais pessoais, vindo a constituir-se em uma contribuição decisiva para
este campo que rigorosamente nem começou ainda a se formar, mas que desde já
poderemos chamar de Psico- História.vii
Os maiores riscos que rondam a Psico-História envolvem de um modo ou de outro
os chamados ‘perigos do Anacronismo’. O que é Anacronismo? Em primeiro lugar, é
preciso considerar que o historiador, ao examinar uma determinada sociedade localizada
no passado, está sempre operando com categorias de seu próprio tempo (mesmo que ele
não queria). Daí aquela célebre frase de Benedietto Croce, que dizia que ‘toda história é
contemporânea’. Isto quer dizer que mesmo a História Antiga e a História Medieval são
histórias contemporâneas, porque feitas pelos historiadores de nosso tempo (e voltada para
leitores de nosso tempo). [...] por um lado o historiador deve conservar a consciência de
que trabalhará com as categorias de seu tempo (as únicas que lhe serão possíveis), mas por
outro lado deverá evitar que estas categorias deturpem as suas possibilidades de
compreender os homens do passado, que tinham as suas próprias categorias de pensamento
e de sensibilidade. Por exemplo, os métodos que um historiador emprega serão sempre
métodos seus, desenvolvidos na sua própria época: ele poderá empregar os recursos da
análise semiótica, só desenvolvidos recentemente, para examinar fontes da história antiga
ou medieval; e poderá elaborar novos conceitos, somente tornados possíveis no seu tempo,
para iluminar uma época anterior à sua." (p. 50-52)viii
Jorge C. Freitas - fichamento 10
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
“O que não posso é dizer que um determinado grupo de mulheres destas épocas,
dadas as suas atitudes de resistência ao controle masculino em um tempo em que estas
resistências não eram esperadas eram ‘feministas’. O erro, neste caso, está em que estou
lhes atribuindo uma categoria de pensamento que só surgiu nas mulheres do século XX – à
luz de uma equivalente conquista de direitos políticos e de obtenção de espaço social e
profissional – e transferindo isto para uma época em que o discurso feminista
simplesmente não existia. O discurso feminista é datado, e na verdade inseparável das
condições de seu surgimento e perpetuação. Se quero tentar compreender as mulheres da
Antiguidade e da Idade Média que resistiram à sociedade misógina de suas épocas, devo
tentar perceber como elas viam o mundo, através de que categorias de pensamentos, a
partir de que práticas e representações. Devo examinar, além disto, a excep- cionalidade ou
não do comportamento deste ou daquele grupo, que sentido os componentes deste grupo
atribuíam aos seus próprios discursos. Devo refletir longamente sobre as suas palavras (que
certamente não incluirão a expressão “porco chauvinista”). Metaforicamente falando,
deverei sintonizar neste caso esta singular estação que r a mulher antiga ou a mulher
medieval, sempre com a consciência ie que deverei apreender um idioma estrangeiro,
diferente do meu.” (p. 52-53)ix
“O que o historiador não deve fazer, com vistas a evitar os riscos do anacronismo, é
inadvertidamente projetar categorias de pensamento que são só suas e dos homens de sua
época nas mentes das pessoas de uma determinada sociedade ou de um determinado
período. Para compreender os pensamentos de um chinês da época dos mandarins, terei de
me avizinhar dos códigos que (tanto quanto me for possível perceber) regeriam o univarso
mental dos chineses. Este exercício de compreender o ‘outro chinês’ é que tem que ser
feito. Mas não é a análise que tem de ser chinesa.” (p. 53)
“A Psico-História, enfim, mostra-se um campo promissor, que requer naturalmente
os seus cuidados. Uma última tentação a evitar nos trabalhos que poderiam ser
enquadrados pela Psico-História é a de pretender psicanalisar os homens do passado, como
se estes pudessem ‘deitar-se no divã de um hipotético historiador psicanalista’.
Naturalmente, sabe-se que o processo psicanalítico, pelo menos no sentido freudiano,
necessita ser constituído a partir de um discurso interativo com o ‘outro’ – que seria
impossível no caso dos atores sociais do passado que nos chegam através das fontes.” (p.
54)
Jorge C. Freitas - fichamento 11
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
Jorge C. Freitas - fichamento 12
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
5. Historia Cultural e História Antropológica
“A História Cultural, campo historiográfico que se torna mais preciso e evidente a
partir das últimas décadas do século XX, mas que tem claros antecedentes desde o início
do século, é particularmente rica no sentido de abrigar no seu seio diferentes possibilidades
de tratamento, por vezes antagônicas. [...] ela abres-se a estudos os mais variados, como a
‘cultura popular’, a ‘cultura letrada’, as ‘representações’, as práticas discursivas partilhadas
por diversos grupos sociais, os sistemas educativos, a mediação cultural através de
intelectuais, ou a quaisquer outros campos temáticos atravessados pela polissêmica noção
de ‘cultura’.” (p. 55)x
“É a História Cultural – aqui entendida no sentido de uma História da cultura que
não se limita a analisar apenas a produção cultural literária e artística oficialmente
reconhecida – que tem atraído o interesse de historiadores dos mais diversos matizes
teóricos desde o último século, inclusive no seio da historiografia marxista. Nesse sentido,
não estaremos utilizando a expressão ‘História Cultural’ para nos referirmos a esta ou
àquela corrente historiográfica mais recente (a ‘Nova História Cultural’ francesa, por
exemplo), mas sim a toda historiografia que se tem voltado para o estudo da dimensão
cultural de uma determinada sociedade historicamente localizada. O que se faz
habitualmente é uma distinção entre uma História Social da Cultura (ou uma História
Cultural propriamente dita) e uma História da cultura que se limita a examinar
estilisticamente certos objetos culturais – geralmente pertencentes à ‘grande’ Arte ou à
‘grande’ Literatura como se estes objetos pudessem ser abordados de maneira autônoma,
mais ou menos desvinculados da sociedade que os produziu. O campo deste tipo de
História da Cultura que pretende se voltar exclusivamente para as manifestações textuais
que se sintonizam com os domínios da História da Literatura e da História da Filosofia é
muito frequentemente chamado de “HistórL Intelectual”6
.
Na verdade, a História Intelectual é apenas uma pequeníssima parte da História
Cultural tomada em seu sentido mari amplo, embora fosse quase que exclusivamente para
ela (e também para uma História da Arte tomada no seu sentido mais restrito) que os
historiadores da Cultura se voltavam no século XIX. [...]" (p.56)
6
Ver nota n° 119.
Jorge C. Freitas - fichamento 13
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
“[...] Ao existir, qualquer indivíduo já está automaticamente produzindo cultura,
sem que para isto seja preciso ser um artista, um intelectual, ou um artesão. A própria
linguagem, e as práticas discursivas que constituem a substância da vida social, embasam
esta noção mais ampla de Cultura. ‘Comunicar’ é produzir Cultura, e de saída isto já
implica na duplicidade reconhecida entre Cultura Oral e Cultura Escrita (sem falar que o
ser humano também se comunica através dos gestos, do corpo, e da sua maneira de estar no
mundo social, isto é, do seu ‘modo de vida’).
[...] ao ler este livro, um leitor comum também está produzindo cultura. A leitura,
enfim, é prática criadora – tão importante quanto o gesto da escritura do livro. Pode-se
dizer, ainda, que cada leitor recria o texto original de uma nova maneira – isto de acordo
com os seus âmbitos de ‘competência textual’ e com as suas especificidades (inclusive a
sua capacidade de comparar o texto com outros que leu, e que podem não ter sido previstos
ou sequer conhecidos pelo autor do texto original que está se prestando à leitura). Desta
forma, uma prática cultural não é constituída apenas no momento da produção de um texto
ou de qualquer outro objeto cultural, ela também se constitui no momento da recepção.
[...]” (p. 57)
“Desde já, para aproveitar o exemplo acima discutido, poderemos evocar a
delimitação de História Cultural elaborada por Georges Duby. Para o historiador francês,
este campo historiográfico estudaria dentro de um contexto social os ‘mecanismos de
produção dos objetos culturais’ (aqui entendidos como quaisquer objetos culturais, e não
apenas as obras-primas oficialmente reconhecidas). [...] A História cultural enfoca não
apenas os mecanismos de produção dos objetos culturais, como também os seus
mecanismos de recepção (e já vimos que, de um modo ou de outro, a recepção é também
uma forma de produção). [...]” (p.58)
“As noções que se acoplam mais habitualmente à de “cultura” para constituir um
universo de abrangência da História Cultural são as de “linguagem” (ou comunicação),
“representações”, e de “práticas” (práticas culturais, realizadas por seres humanos em
relação uns com os outros e na sua relação com o mundo, o que em última instância inclui
tanto as ‘práticas discursivas’ como as ‘práticas não-discursivas’). Para além disto, a
tendência nas ciências humanas de hoje é muito mais a de falar em uma ‘pluralidade de
culturas’ do que em uma única Cultura tomada de forma generalizada. [...]” (p. 59)
Jorge C. Freitas - fichamento 14
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
"Os objetos da História Cultural, face à noção complexa de cultura que hoje
predomina nos meios da historiografia profissional, são números (ver Quadro 2). A
começar pelos objetos que já faziam parte áos antigos estudos historiográficos da Cultura,
continuaremos mencionando o âmbito das Artes, da Literatura e da Ciência - campo já de
si multidiversificado, no qual podem ser observados desde as imagens que o homem
produz de si mesmo, da sociedade em que vive e do mundo que o cerca, até as condições
sociais de produção e circulação ios objetos de arte e literatura. Fora estes objetos culturais
já de há muito reconhecidos, e que de resto sintonizam com a “cultura letrada”,
incluiremos todos os objetos da ‘cultura material’ e os materiais (concretos ou não)
oriundos da “cultura popular” produzida ao nível da ida cotidiana através de atores de
diferentes especificidades sociais." (p.59)
“De igual maneira, uma nova História Cultural interessar-se-á pelos sujeitos
produtores e receptores de cultura - o que abarca tanto a função social dos ‘intelectuais’ de
todos os tipos (no sentido amplo, conforme veremos adiante), até o público receptor, o
leitor comum, ou as massas capturadas modernamente pela chamada ‘indústria cultural’
(esta que, aliás, também pode ser relacionada como uma agência produtora e difusora de
cultura). Agências de produção e difusão cultural também se encontram no âmbito
institucional: os Sistemas Educativos, a Imprensa, os meios de comunicação, as
organizações socioculturais e religiosas.
Para além dos sujeitos e agências que produzem a cultura, estuda-se os meios
através dos quais esta se produz e se transmite: as práticas e os processos. Por fim, a
‘matéria-prima’ cultural propriamente dita (os padrões que estão por trás dos objetos
culturais produzidos): as “visões de mundo”, os sistemas de valores, os sistemas
normativos que constrangem os indivíduos, os ‘modos de vida’ relacionados aos vários
grupos sociais, as concepções relativas a estes vários grupos sociais, as ideias disseminadas
através de correntes e movimentos de diversos tipos. Com um investimento mais próximo
à História das Mentalidades, podem ser estudados ainda os modos de pensar e de sentir
tomados coletivamente.
Estes inúmeros objetos da História Cultural - distribuídos ou partilhados entre os
cinco eixos fundamentais acima citados (objetos culturais, sujeitos, práticas, processos e
padrões) - têm constituído um foco especial de interesses da parte de vários historiadores
do século XX. [...]” (p. 61)
Jorge C. Freitas - fichamento 15
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
“[...] A Escola Inglesa do Marxismo - com autores como Thompson, Eric
Hobsbawm e Christopher Hill - especializou-se por exemplo em uma tríplice articulação
entre a História Cultural, a História Social e a História Política. [...] A renovação dos
estudos culturais trazida pela Escola Inglesa tem sido fundamental para repensar o
Materialismo Histórico - particularmente para flexibilizar o já desgastado esquema de uma
sociedade que seria vista a partir de uma cisão entre infra-estrutura e superestrutura. Com
os marxistas da Escola Inglesa, o mundo da Cultura passa a ser examinado como parte
integrante do “modo de produção”, e não como um mero reflexo da infra-estrutura
econômica de uma sociedade. Existiria, de acordo com esta perspectiva, uma interação e
uma retro-alimentação contínua entre a Cultura e as estruturas econômico-sociais de uma
Sociedade. Desaparecem aqueles esquemas simplificados que preconizavam um
determinismo linear e que haviam sido defendidos pela historiografia stalinista, e que,
rigorosamente, também já haviam sido criticados por Antonio Gramsci, outro historiador
marxista especialmente preocupado com o campo cultural. [...]” (p. 62)xi
"Ao refletir sobre os usos do conceito de “classe social”, de saída o historiador
inglês coloca-se à distância dos pensadores marxistas que viam a classe social como uma
“estrutura” ou como uma “categoria” abstrata. Guarda a mesma distância dos que viam a
classe como uma “coisa”7
. Classe social, para Thompson, é algo que ocorre efetivamente, e
cuja ocorrência pode ser demonstrada empiricamente pela análise histórica, mas como uma
“relação”. Não adianta simplesmente parar a História com a esperança de flagrar a classe
social como se esta fosse um corpo inerte estendido em uma mesa de operações (para
utilizar uma imagem do próprio Thompson). A classe social tem de ser percebida como
“relação” e “processo”, em meio ao devir histórico, e preferencialmente em pontos
privilegiados do desenvolvimento de uma “consciência de classe”. Assim, o historiador
que examinar determinados grupos de homens em um período adequado de mudanças
sociais será capaz de observar precisamente certos padrões em suas relações, suas ideias e
7
“Existe atualmente uma tentação generalizada em se supor que classe é uma coisa. Não era esse o
significado em Marx, em seus escritos históricos, mas o erro deturpa muitos textos ‘marxistas’
contemporâneos. ‘Ela’, a classe operária, é tomada como tendo uma existência real, capaz de ser
definida quase matematicamente - uma quantidade de homens que se encontra numa certa proporção
com os meios de produção. [...] Mas um erro semelhante é cometido diariamente do outro lado da linha
divisória ideológica. Sob certa forma, é uma negação pura e simples” (A Formação da Classe Operária
Inglesa, vol. I, p. 10).
Jorge C. Freitas - fichamento 16
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
instituições8
. A classe, além de seu componente econômico, deve então ser vista como uma
formação social e cultural." (p.63-64)
"[...] Neste sentido, estudou - sem usar este termo - o imaginário sobrenatural e
apocalíptico das seitas radicais9
, as ideias que circulavam nas pequenas rodas intelectuais,
as práticas culturais das camadas populares para encaminhar sua resistência aos poderes
instituídos. Examinou sonhos extraídos de diários, as canções, os jornais populares, os
panfletos, os tratados, os sermões de pregadores radicais, as petições de trabalhadores, os
aforismas de William Blake, o código popular não escrito em contraste com o código
legal... nada do que era cultural lhe foi estranho.
A leitura dos três volumes de Formação da Classe Operária Inglesa oferece uma
verdadeira aula de História Cultural trabalhada na conexão com uma História Política de
novo tipo. Mas o texto angular, que sintetiza as ideias fundamentais de Thompson a
respeito da Cultura ao mesmo tempo em que mostra um lastro de diversificadas pesquisas
de História Cultural realizadas pelo historiador britânico entre 1960 e 1977, aparece sob o
título de “Foiclore, Antropologia e História Social”10
. Para além de advogar a necessidade
de um diálogo com a antropologia, Thompson já revela agora uma consciência muito clara
de sua posição dentro de uma História da Cultura. Ao velho dito de que “sem produção não
há história”, acrescenta que “sem cultura não há produção”11
" (p.64-65)
“Os donos do poder representam seu teatro de majestade,
superstição, poder, riqueza e justiça sublime. Os pobres encenam
seu contrateatro, ocupando o cenário das ruas dos mercados e
empregando o simbolismo do protesto e do ridículo”12
" (p.65)xii
"Aspectos relacionados à violência simbólica - seja a violência simbólica do Estado
ou a violência simbólica do protesto popular - são articulados à noção utilizada por
Thompson de "teatro do controle”. Em relação ao primeiro aspecto, o do “teatro de
8
“A consciência de classe é a forma como essas experiências são tratadas em termos culturais:
encarnadas em tradições, sistemas de valores, ideias e formas institucionais” (op. cit., p. 10).
9
Thompson prefere falar em uma ‘‘imagística milenarista” (op. cit., vol. I, p. 49).
10
Edward P. THOMPSON, “Folklore, anthropology and social history”. The Indian Historical Review, n°
2, 1977.
11
“Folclore, Antropologia e História Social”. In Ai peculiaridades dos ingleses e outros artigos, p. 258-
259.
12
Id. ibid., p. 239-240.
Jorge C. Freitas - fichamento 17
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
controle” exercido através das execuções públicas na Inglaterra do século XVIII, (...)"
(p.65)xiii
"[...] Adicionalmente às contribuições sintetizadas neste artigo, torna-se
extremamente relevante a preocupação de Thompson em examinar a Cultura e a Sociedade
não do ponto de vista do poder instituído, das instituições oficiais ou da literatura
reconhecida, mas sim da perspectiva popular, marginal, incomum, não-oficial, das classes
oprimidas - o que também o coloca como um dos pioneiros da chamada História Vista de
Baixo13
. É esta nova perspectiva que culmina com Senhores e Caçadores (1975), obra que
é o ponto de partida para resgatar a vida dos camponeses da Inglaterra, suas lutas pelos
direitos de utilizarem as florestas para a caça, seus modos de resistência ao poder
constituído14
." (p.66)
"Poucos autores como Edward Thompson influenciaram tanto ã historiografia
cultural no Brasil. [...] Em outras obras, João José Reis, conjuntamente com Kátia Mattoso,
já havia sido um dos primeiros a chamar atenção para o fato de que os escravos brasileiros
não eram apenas vítimas, mas utilizavam-se da escravidão para negociar e da sua
inteligência para elaborar estratagemas e ardis que podem ser encarados como formas de
resistência contra o poder que os submetia." (p.67)
“[...] Antes que a historiografia marxista se abrisse à explosão dos novos objetos
explorados pela Escola Inglesa - que assume um conceito amplo de Cultura ao abarcar a
cultura popular e também a cultura em seu sentido mais antropológico - foram estes
autores que abriram caminhos para uma História Cultural alicerçada nos fundamentos do
Materialismo Histórico.” (p. 69)
“Com Gramsci teremos novos elementos de interesse para uma História Cultural.
Em primeiro lugar, o filósofo italiano afirma que todos os homens, sem exceção, são
intelectuais - mesmo que não desempenhem na sociedade a função estrita de intelectuais15
13
O rótulo “História Vista de Baixo” aparece pela primeira vez em um artigo de Edward Thompson
(“History from Below”, The Times Literary Supplement, 7 de abril de 1966, p. 278-280). Posteriormente,
foi publicado um livro intitulado History from Below que consagrou o termo (History from Below: Studies
in Popular Protest and Popular Ideology. Oxford: ed. Frederick Krantz, 1988). No Brasil, o artigo de
Thompson sobre “A História vista de Baixo” foi incluído na coletânea de artigos As peculiaridades dos
ingleses, op. cit., p. 185-201. Deve-se notar ainda que “História Vista de Baixo” não é bem uma
especialidade da História, senão uma atitude de examinar a História.
14
Edward P. THOMPSON, Senhores e Caçadores: a origem da lei negra, Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1987.
15
Antonio GRAMSCI, Os Intelectuais e a Formação da Cultura, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1982 [original póstumo: 1949].
Jorge C. Freitas - fichamento 18
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
Isto abriria, no futuro, a possibilidade de estudos sobre a multi-diversificação de sujeitos
produtores de cultura. [...]” (p. 70)
“Outra torrente de renovações que incide decisivamente sobre as perspectivas de
uma nova História Cultural advém da chamada Escola de Frankfurt - tendência do
Materialismo Histórico que propõe uma radical renovação do marxismo e que incorpora
um atento diálogo com a Psicanálise e com as teorias da Comunicação, enveredando a
partir daí por estudos que privilegiam diversificados aspectos culturais da vida social. [...]"
(p.71)
"Além de suas renovadoras críticas à racionalidade moderna, ao autoritarismo e ao
totalitarismo político (inclusive à vertente stalinista da época) os temas privilegiados pela
Escola de Frankfurt e que interessam mais propriamente a uma História Cultural voltam-se
para a cultura de massas, para o papel da ciência e da tecnologia na sociedade moderna,
para a família, para a sexualidade. Aparece ainda um especial interesse pelos problemas
relacionados à alienação, à perda de autonomia do sujeito na sociedade industrializada.
Para compreenderem todos estes objetos a partir de uma perspectiva aberta, os
frankfurtianos expandem audaciosamente os limites do Materialismo Histórico: fiéis aos
textos primordiais de Marx - notadamente àqueles que abordam a alienação, a ideologia, o
fetichismo da mercadoria e a dimensão cultural e filosófica tocada pelos Manuscritos de
1844 - eles também se tomam leitores atentos de Nietzsche, de Hei- degger, de Freud. [...]”
(p. 71-72)
“As contribuições de Habermas para uma teoria social da Cultura têm a sua pedra
angular na percepção do fato fundamental de que a sociedade e a cultura são estruturadas
em torno ou através de ‘símbolos’ - símbolos que exigem, naturalmente, interpretação.
(...)” (p. 72)
“A atenção às relações entre Cultura e Linguagem está na base de uma série de
outros desenvolvimentos importantes para uma teorização da Cultura. Como a linguagem é
essencialmente dialógica (envolve necessariamente um confronto plural de vozes
diferenciadas) os diálogos entre a Sociologia da Cultura e a linguística acabaram abrindo
espaço para uma concepção mais plural e dialógica da própria Cultura. Nesta esteira, é
ainda dentro do Materialismo Histórico que encontraremos a inspiração para uma História
Cultural que tomaremos a liberdade de adjetivar como “polifônica”. Pensar a Cultura em
termos de polifonia é buscar as suas múltiplas vozes, seja para identificar a interação e o
Jorge C. Freitas - fichamento 19
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
contraste entre extratos culturais diversificados no interior de uma mesma sociedade, seja
para examinar o diálogo ou o “choque cultural” entre duas culturas ou civilizações
distintas.” (p. 73)
“Ainda fora da historiografia marxista ou de inspiração marxista, outro campo
destacado nos estudos de história cultural coube a um grnpo de historiadores franceses que
tem dois de seus principais representantes em Roger Chartier e em Michel de Certeau.
Ambos atuam em consonância com o sociólogo Pierre Bourdieu, que é um autor de grande
importância para a conexão entre História Cultural e História Política. [...]xiv
Mas a contribuição decisiva de Roger Chartier para a História Cultural está na
elaboração das noções complementares de “práticas” e “representações”. De acordo com
este horizonte teórico, a Cultura (ou as diversas formações culturais) poderia ser
examinada no âmbito produzido pela relação interativa entre estes dois polos. Tanto os
objetos culturais seriam produzidos “entre práticas e representações”, como os sujeitos
produtores e receptores de cultura circulariam entre estes dois polos, que de certo modo
corresponderiam respectivamente aos ‘modos de fazer’ e aos ‘modos de ver’. Será
imprescindível clarificar, neste passo, estas duas noções que hoje são de importância
primordial para o historiador da Cultura.” (p. 75-76)xv
“’O que são as “práticas culturais’? [...]São práticas culturais não apenas a feitura
de um livro, uma técnica artística ou uma modalidade de ensino, mas também os modos
como, em urna dada sociedade, os homens falam e se calam, comem e bebem, sentam-se e
andam, conversam ou discutem, solidarizam-se ou hostilizam-se, morrem ou adoecem,
tratam seus loucos ou recebem os estrangeiros.xvi
[...]
Entre o fim do século XI e o início do século XIII, o pobre, e entre os vários tipos
de pobres o mendigo, desempenhava um papel vital e orgânico nas sociedades cristãs do
Ocidente Europeu. A sua existência social era justificada como sendo primordial para a
“salvação do rico”. Consequentemente, o mendigo - pelo menos o mendigo conhecido - era
bem acolhido na sociedade medieval. Toda comunidade, cidade ou mosteiro queria ter os
seus mendigos, pois eles eram vistos como laços entre o céu e a terra - instrumentos
através dos quais os ricos poderiam exercer a caridade para expiar os seus pecados. Esta
visão do pobre como ‘instrumento de salvação para o rico’, antecipemos desde já, é uma
‘representação cultural’.” (p. 77)xvii
Jorge C. Freitas - fichamento 20
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
“Estas ‘representações’ medievais do pobre, com seus sutis deslocamentos, são
complementares a inúmeras ‘práticas’. Desenvolvem-se as instituições hospitalares, os
projetos de educação para os pobres, as caridades paroquiais, as esmolarias de príncipes.
[...]” (p. 78)
“No século XVI, o mendigo forasteiro será recebido com extrema desconfiança. Ele
passa a ser visto de maneira cada vez mais excludente. Suas ‘representações’, em geral,
tendem a estar inseridas no âmbito da marginalidade. Pergunta-se que doenças estará
prestes a transmitir, se não será um bandido, porque razões não permaneceu no seu lugar
de origem, por que não tem uma ocupação qualquer. Assim mesmo, quando um mendigo
forasteiro aparecia em uma cidade, no século XVI ele ainda era tratado e alimentado antes
de ser expulso. Já no século XVII, ele teria a sua cabeça raspada (um sinal representativo
de exclusão), algumas décadas depois ele passaria a ser açoitado, e já no fim deste século a
mendicidade implicaria na condenação”16
.
O mendigo, que na Idade Média beneficiara-se de uma representação que o
redefinia “instrumento necessário para a salvação do rico”, era agora penalizado por se
mostrar aos po deres dominantes como uma ameaça contra o sistema de trabalho
assalariado do Capitalismo, que não podia desprezar braços humanos de custo barato para
pôr em movimento suas máquinas e teares, e nem permitir que se difundissem exemplos e
modelos inspiradores de vadiagem. O mendigo passava a ser representado então como um
desocupado, um estorvo que ameaçava a sociedade (e não mais como um ser merecedor de
caridade). Ele passa a ser então assimilado aos marginais, aos criminosos – sua
representação mais comum é a do vagabundo. [...]” (p. 79-80)
“[...] Um sistema educativo inscreve-se em uma prática cultural, e ao mesmo tempo
inculca naqueles que a ele se submetem determinadas representações destinadas a moldar
certos padrões de caráter e a viabilizar um determinado repertório linguístico e
comunicativo que será vital para a vida social, pelo menos tal como a concebem os poderes
dominantes. Em todos estes casos, como também no exemplo do mendigo desenvolvido
16
Estas mudanças de práticas foram examinadas por Michel Foucault em obras como O nascimento
da Clínica e Vigiar e Punir, e Fernando Braudel as sintetiza em um passo de Civilização Material,
Economia e Capitalismo. Em O Capital, Marx também examina as rigorosas leis contra a pobreza ‘não
inserida’ no novo sistema de trabalho assalariado produzido pelo Capitalismo.
Jorge C. Freitas - fichamento 21
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
mais acima, as práticas e representações são sempre resultado de determinadas motivações
e necessidades sociais." (p.81)
"As noções complementares de “praticas e representações” são bastante úteis,
porque através delas podemos examinar tanto os objetos culturais produzidos, os sujeitos
produtores e receptores de cultura, os processos que envolvem a produção e difusão
cultural, os sistemas que dão suporte a estes processos e sujeitos, e por fim as normas a que
se conformam as sociedades quando produzem cultura, inclusive através da consolidação
de seus costumes.” (p. 81-82)
“Com o tempo uma “noção” pode ir se transformando em “conceito”, à medida em
que adquire uma maior delimitação e em que uma comunidade científica desenvolve uma
consciência maior dos seus limites, da extensão de objetos à qual se aplica. Os “conceitos”,
pode-se dizer, são instrumentos de conhecimento mais elaborados, longamente
amadurecidos, o que não impede que existam conceitos com grande margem de
polissemismo (como o conceito de “ideologia” ou, tal como já dissemos, como o próprio
conceito de ‘cultura’).
‘Práticas’ e ‘representações’ são ainda noções que estão sendo elaboradas no campo
da História Cultural. Mas, tal como já ressaltamos, elas têm possibilitado novas
perspectivas para o estudo historiográfico da Cultura, porque juntas permitem abarcar um
conjunto maior de fenômenos culturais, além de chamarem atenção para o dinamismo
destes fenômenos. [...]” (p. 83)
“’Símbolo’ é uma categoria teórica já há muito tempo amadurecida no seio das
ciências humanas - seja na História, na Antropologia, na Sociologia ou na Psicologia. Não
é mais uma 'noção’, mas sim um ‘conceito’ que pode ser empregado ‘quando o objeto
considerado é remetido para um sistema de valores subjacente, histórico ou ideal’. [...]"
(p.84)
"As representações podem ainda ser apropriadas ou imprimidas de uma direção
socialmente motivada, situação que remete a outro conceito fundamental para a História
Cultural, que é o de “ideologia”. A Ideologia, de fato, é produzida a partir da interação de
subconjuntos coerentes de representações e de comportamentos que passam a reger as
atitudes e as tomadas de posição dos homens nos seus inter-relacionamentos sociais e
políticos. [...]” (p. 84)
Jorge C. Freitas - fichamento 22
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
“[...] A difusão de uma franca hostilidade com relação ao mendigo do período
moderno e a impregnação de novas tecnologias de exclusão nos discursos que o tomam
como objeto (a sua classificação como vagabundo, a raspagem da cabeça) acabam fazendo
com que sem querer a maioria das pessoas da sociedade industrial comecem a pressionar
todos os seus membros a encontrarem uma ocupação no sistema capitalista de trabalho.
Isto é um processo ideológico.
Por vezes, a ideologia aparece como um projeto de agir sobre determinado circuito
de representações no intuito de produzir determinados resultados sociais. [...]” (p. 85)
“A ideologia, poderíamos dizer, corresponde a urna determinada forma de construir
representações ou de organizar representações já existentes para atingir determinados
objetivos ou reforçar determinados interesses. [...] Também se discute se ideologia é uma
dimensão que se refere à totalidade social (uma instância ideológica) ou se existem
ideologias associadas a determinados grupos ou classes sociais (ideologia burguesa,
ideologia proletária). Na verdade, ideologia é um conceito que tem sido empregado por
autores distintos com inúmeros sentidos no campo das ciências humanas, e por isto um
historiador que pretenda utilizar este conceito deve se apressar a definir com bastante
clareza o sentido com o qual o está utilizando. [...]” (p. 86)
“Esclarecidos os conceitos fundamentais que acabam permeando qualquer reflexão
encaminhada pela História Cultural - ideologia, símbolo, representação, prática -
poderemos voltar ao horizonte teórico inaugurado por Chartier (1980) dentro do enfoque
histórico-cultural - e que tem na noção de “representação” um dos seus alicerces
fundamentais. De fato, a história cultural, tal como a entende o historiador francês, ‘tem
por principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma
determinada realidade cultural é construída, pensada, dada a ler17
’”. (p. 87)
“Para além das variedades de História Cultural, a História Antropológica também
enfoca a 'Cultura’, mas mais particularmente nos seus sentidos antropológicos. Privilegia
problemas relativos à ‘alteridade’, e interessa-se especialmente pelos povos ágrafos. pelas
minorias, pelos modos de comportamento não- convencionais, pela organização familiar,
pelas estruturas de parentesco. Em alguns de seus interesses, irmana-se com a Etno-
História, por vezes assimilando esta última categoria histórica aos seus quadros.
17
Roger CHARTIER, “Por uma sociologia histórica das práticas culturais”. In A História Cultural - entre
práticas e representações, Lisboa: DIFEL, 1990.
Jorge C. Freitas - fichamento 23
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
De certo modo, o que funda a História Antropológica como um campo novo, mais
específico que a História Cultural, é a utilização da antropologia como modelo, mais do
que os objetos antropológicos propriamente ditos. [...]” (p. 90)
6. História do Imaginário
“[...] A História do Imaginário estuda essencialmente as imagens produzidas por
uma sociedade, mas não apenas as imagens visuais, como também as imagens verbais e,
em última instância, as imagens mentais. O Imaginário será aqui visto como uma realidade
tão presente quanto aquilo que poderíamos chamar de “vida concreta”. Esta perspectiva
sustenta-se na ideia de que o imaginário é também reestruturante em relação à sociedade
que o produz. [...]” (p. 91)xviii
“A noção de Imaginário é polêmica. Já vimos que ela conserva interfaces com a
noção de ‘representação’, e que em algumas situações os dois campos se invadem
reciprocamente. Jacques Le Goff destacava que ‘o imaginário pertence ao campo da
representação, mas ocupa nele a parte da tradução não reprodutora, não simplesmente
transposta em imagem do espírito mas criadora, poética no sentido etimológico da
palavra”18
. Para o historiador francês, como aliás para Castoriadis em sua obra pioneira
sobre A Invenção Imaginária da Sociedade, o Imaginário não pode ser examinado como
algo estático. [...]” (p. 92)
“[...] Todavia, embora existam alguns objetos em comum, a História do Imaginário
guarda alguma distância em relação à História das Mentalidades.
Esta última está muito associada à ideia de que existe em qualquer sociedade algo
como uma “mentalidade coletiva”, que para alguns seria uma espécie de estrutura mental
que só se transforma muito lentamente, às vezes dando origem a permanências que se
incorporam aos hábitos mentais de todos os que participam da formação social (apesar de
transformações que podem estar se operando rapidamente nos planos econômico e
político).
A História do Imaginário não se ocupa propriamente destas longas durações nos
modos de pensar e de sentir, mas sim da articulação das imagens visuais, verbais e mentais
com a própria vida que flui em uma determinada sociedade. [...]" (p.94)
18 Jacques LE GOFF, O Imaginário Medieval, p. 12.
Jorge C. Freitas - fichamento 24
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
"[...] A História das Mentalidades busca captar modos coletivos de sentir (a história
de um sentimento como o “medo”), padrões de comportamento e atitudes recorrentes (os
complexos mentais e emocionais que estão por trás das crenças e práticas da feitiçaria, as
atitudes do homem diante da morte). Já a História do Imaginário volta-se para objetos mais
definidos: um determinado padrão de representações, um repertório de símbolos e imagens
com a sua correspondente interação na vida social e política, o papel político ou social de
certas cerimônias ou rituais, a recorrência de determinadas temáticas na literatura, a
incorporação de hierarquias e interditos sociais nos modos de vestir, a teatralização do
poder.” (p. 94-95)
“Um historiador do Imaginário estaria menos interessado nestes modos coletivos de
sentir do que nas imagens socialmente produzidas, mesmo que em alguns casos estas
imagens sejam produzidas por padrões coletivos de sentimento e de sensibilidade.” (p. 96)
“[...] Durante o período Nazista na Alemanha do século XX, por exemplo, um
riquíssimo Imaginário foi construído em umas poucas décadas em tomo da suástica, da
imagem do super-homem de raça pura, da simbologia do Reich e do papel do Fiihrer no
centro ou no topo deste imaginário político. Um Imaginário que aflora repentinamente,
mesmo que recolhendo materiais seculares como as ideias pan-germanistas e as
hostilizações antissemitas.” (p. 97)
“O historiador do Imaginário começa a fazer uma história problematizada quando
relaciona as imagens, os símbolos, os mitos, as visões de mundo a questões sociais e
políticas de maior interesse — quando trabalha os elementos do Imaginário não como um
fim em si mesmos, mas como elementos para a compreensão da vida social, econômica,
política, cultural e religiosa. [...]” (p.98-99)
“Este contraste entre a busca de modos de sentir mais abstratos (medo, pavor da
morte, afetos) e a intenção de decifrar a profusão de imagens visuais, verbais e mentais
pode esclarecer algumas das fronteiras e pontos de contato entre a História das
Mentalidades e a História do Imaginário. [...]” (p.99)
“De um modo geral, a diferença entre a História das Mentalidades e a História do
Imaginário acaba por produzir uma tendência a abordagens distintas. Não raro, chega-se às
Mentalidades de maneira indireta, frequentemente através de indícios, de detalhes que são
reveladores de atitudes coletivas e de modos de sentir comuns a toda uma sociedade. Já o
Imaginário pode ser muitas vezes apreendido por uma análise mais direta do discurso, seja
Jorge C. Freitas - fichamento 25
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
este um discurso verbal ou visual, empregando para tal desde análises topológicas até
recursos semióticos (e também métodos iconográficos e iconológicos para o caso das
imagens visuais).” (p.100)
“Em muitos casos, um circuito de elementos do Imaginário Social pode ser
produzido ou apropriado por circunstâncias políticas ou, tal como já mencionamos, mesmo
por uma arquitetura do poder. Também não são raros os casos em que o Imaginário
encontra um leito em determinadas condições sociais, ou que se adapte a certas motivações
políticas. [...]” (p.104)
“Cada sociedade, ou cada sistema político, pode produzir um imaginário do
governante que lhe seja mais apropriado. A estruturação do poder absolutista francês no
século XVII, por exemplo, adaptou-se com muita eficácia a imagem do Rei-Sol difundida
por Luís XIV. Outrossim, a história nos oferece inúmeros imaginários régios; o rei
taumaturgo, o rei-sábio, o rei santo, apenas para citar alguns.
[...]
Mas a História do Imaginário também pode seguir por outros caminhos. Existe o
estudo mais direto das imagens visuais, perceptíveis por exemplo nas iconografias, ou das
imagens verbais empregadas na literatura - não propriamente para percebei um fundo
mental que as sustenta, como no caso dos já menciona dos exemplos de Michel Vovelle,
mas para estudar estas imagens visuais e literárias em si mesmas. Neste ponto, a História
do Imaginário partilha seus objetos com uma “história das imagens” propriamente dita, ou
com uma “história das representações”, que são na verdade ‘domínios da história’ (ou seja,
campos temáticos à disposição do historiador). São domínios que, naturalmente, também
podem ser partilhados por uma História Cultural. [...]” (p.105)
“O importante no estudo de imagens como fontes históricas é buscar metodologias
próprias com a atenção de que existe uma diferença clara entre o discurso visual e o
discurso escrito. Deve-se evitar, naturalmente, aquela tentação ou até mesmo inocência de
se utilizar a fonte iconográfica como mera ilustração que confirma o que o historiador já
percebeu através do discurso escrito de outra fonte que está sendo trabalhada
paralelamente. A imagem visual, é o que queremos ressaltar, tem ela mesmo algo a ser
Jorge C. Freitas - fichamento 26
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
dito. É preciso fazê-la falar com as perguntas certas, ou, para utilizar uma metáfora de
Vovelle, arrancar da imagem certas ‘confissões involuntárias.19
’” (p.106)
7. História Política e História Social
“[...] O que autoriza classificar um trabalho historiográfico dentro da História
Política é naturalmente o enfoque no “Poder”. Mas que tipo de poder? Pode-se privilegiar
desde o estudo do poder estatal até o estudo dos micropoderes que aparecem na vida
cotidiana.” (p.106-107)xix
“Objetos da História Política são todos aqueles que são atravessados pela noção de
‘poder’ (quadro 3) [...] A Guerra, a Diplomacia, as Instituições, ou até mesmo a trajetória
política dos indivíduos que ocuparam lugares privilegiados na organização do poder - tudo
isto começa a retornar a partir do final do século com um novo interesse.” (p.108-109)
“De outro lado, além destes objetos que se referem às relações entre as grandes
unidades políticas e aos modos de organização destas grandes unidades políticas que são os
Estados e as Instituições, ganham especial destaque as relações políticas entre grupos
sociais de diversos tipos. A rigor, as 'ideologias' e os movimentos sociais e políticos (por
exemplo as Revoluções) sempre constituíram pontos de especial interesse por parte da
nova historiografia que se inicia com o século XX. [...]
A dimensão historiográfica mais sujeita a oscilações de significado é precisamente
a da História Social, categoria que por ocasião do surgimento dos Annales foi construída -
ao lado da História Econômica - por oposição à História Política tradicional. Nesta esteira,
houve quem direcionasse a expressão “História Social” para uma história das grandes
massas ou para uma história dos grupos sociais de várias espécies (em contraste com a
biografia dos grandes homens e com a História das Instituições).” (p.109)xx
“Mas, por fim, indicamos ainda uma categoria que é obviamente uma das mais
importantes: a dos ‘processos’ (industrialização, modernização, colonização, ou quaisquer
outros, inclusive as revoluções, que aparecem incluídas na rubrica ‘movimentos sociais’).
É importante indicar que a História Social também estuda estes ‘processos’, e não apenas
modos de organização ou estruturas, pois caso contrário a História Social poderia ser vista
como uma História estática, e não dinâmica." (p.112)
19
Michel VOVELLE, “Iconografia e História das Imagens”. In Ideologias e Mentalidades, p. 70 [original: 1978].
Jorge C. Freitas - fichamento 27
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
"[...] As repercussões sociais dos fatos políticos e econômicos, seja nos grupos
específicos ou em um conjunto mais amplo, devem ser também objetos privilegiados para
os historiadores sociais. [...] Não é o tipo de fato - político, econômico, social ou cultural
por definição - o que define uma subespecialidade da História, mas sim o enfoque que o
historiador dá a cada um destes tipos de fatos. [...]” (p.112-113)
“Se a História Social foi se constituindo desde o princípio como uma
subespecialidade da História, direcionada para objetos bem específicos e que se
distinguiam dos objetos das outras histórias, por outro lado a noção de “História Social”
também foi vinculada por alguns pensadores e historiadores a uma “história total”,
encarregada de realizar uma grande síntese da diversidade de dimensões e enfoques
pertinentes ao estudo de uma determinada comunidade ou formação social. Portanto,
estaria a cargo da História Social criar as devidas conexões entre os campos político,
econômico, mental e outros - o que implica que nesta acepção a História Social deixa de
ser uma modalidade mais específica, como qualquer outra, para se tomar o campo histórico
mais abrangente que se abriria à possibilidade da mediação ou da síntese ... História Social
como História da Sociedade...” (p. 113-114)
“Qualquer informação historicizada pode ser tratada socialmente, é correto dizer.
Mas é também verdade que nem toda História é necessariamente social. Se é possível
elaborar uma História Social das Ideias ou uma História Social da Arte, é possível
também elaborar uma História das Ideias ou uma História da Arte que se restrinjam a
discutir obras do pensamento ou da criação artística sem reestruturá-las dentro do seu
ambiente social mais amplo. [...]” (p.116)
“Com relação aos já mencionados objetos da História Social (seja enquanto
especialidade particular, seja no sentido totalizador), convém lembrar que se apresenta uma
tendência cada vez maior para o exame da sociedade em toda a sua complexidade,
superando o manejo de categorias sociais estereotipadas e de dicotomias generalizadoras.
[...]” (p.117)
“Posso trabalhar um grupo racial segregado em uma dada realidade urbana do
ponto de vista de uma História Social ou do ponto de vista de uma Etno-História. Ou posso
trabalhá-lo do ponto de vista de uma interconexão de História Social e Etno- História. Os
movimentos sociais, por exemplo, dificilmente podem ser trabalhados fora de uma
conexão entre o Social e o Político (e que, possivelmente, incluirá ainda o Econômico). Já
Jorge C. Freitas - fichamento 28
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
um processo como o da ‘industrialização’ pode receber um enfoque social, ou um enfoque
mais propriamente econômico (ou o duplo enfoque, que é sempre uma boa alternativa). De
igual maneira, a célula familiar pode ser examinada por um viés social ou por um viés de
antropologia histórica. O Cotidiano de uma determinada comunidade ou grupo social pode
ser avaliado do ponto de vista de uma História da Cultura Material, pronta a recuperar os
seus bens materiais e os seus usos (sociais), ou pode ser avaliado mais propriamente de
uma perspectiva da História Social, conforme veremos em alguns exemplos posteriores,
manifestando-se a preocupação em recuperar as formas de sociabilidade, os conflitos entre
os indivíduos pertencentes aos vários grupos sociais, os entrechoques ideológicos, e toda
uma rede de aspectos que constitui inegavelmente um território mais definido da
subespecialidade História Social.” (p.119)
“Com relação às conexões da História Social com as ‘abordagens’, elas podem se
estabelecer tanto no nível dos tratamentos qualitativos, como no nível dos tratamentos
quantitativos. Da mesma forma, a História Social pode ser elaborada tanto do ponto de
vista de uma Macro-História, que examina de um lugar mais distanciado aspectos como os
movimentos sociais ou como a estratificação social de uma determinada realidade humana,
como pode ser elaborada do ponto de vista de uma Micro-História, que se aproxima para
enxergar de perto o cotidiano, as trajetórias individuais, as práticas que só são percebidas
quando é examinado um determinado tipo de documentação em detalhe (por exemplo os
inquéritos policiais, os documentos da Inquisição, mas também determinadas produções
culturais do âmbito popular onde transpareçam elementos da vida cotidiana, das relações
familiares, e assim por diante). As diferenças entre Macro-História e Micro-História
ficarão mais claras no item relativo a este último tipo de abordagem.” (p.120)
“É mais raro que a História Social vá encontrar fontes relativas aos grupos menos
favorecidos na documentação privada (diários, livros de memória, relatos de viagem,
correspondência) porque estes tipos de textos nem sempre são conservados depois que os
seus autores desaparecem. Mas, na medida em que avança para classes mais favorecidas, o
historiador já começa a dispor deste tipo de documentação.
As fontes da História Social, enfim, são de inúmeras modalidades. Sua escolha,
naturalmente, será orientada pelo problema histórico a ser definido e investigado pelo
historiador.” (p.124)xxi
Jorge C. Freitas - fichamento 29
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8. História Econômica
“Uma última divisão historiográfica relacionada ao tipo de enfoque ou dimensão
que canaliza as atenções do historiador é a da História Econômica (quadro 5). [...]” (p.125)
“Por outro lado, o enfoque do historiador econômico também pode se dirigir para a
esfera da Circulação (ou da distribuição). Serão estudados aqui os ciclos econômicos, os
preços, as trocas, o sistema financeiro. [...]" (p.127)
"Fechando o circuito de interesses da História Econômica aparece a esfera do
Consumo, com objetos que podem ir desde os aspectos relativos aos salários (poder de
compra) até os hábitos de consumo dos vários grupos sociais. Estudar o consumo é estudar
os modos como a riqueza é apropriada pelos vários grupos e forças sociais que se
encontram em interação no interior de uma determinada sociedade. As tensões sociais,
enfim, também se expressam nas relações de consumo, nas ostentações, nas carências, nos
contrastes que dão a revelar a riqueza apropriada e que a colocam em contraposição à
riqueza produzida. Esta ponta do triângulo econômico, portanto, estabelece uma interface
com a História Social.” (p.127)xxii
“[...] Há pares conceituais inevitáveis, como a “conjuntura” e a “estrutura”. Se o
objeto estiver orientado para uma história dos preços, do consumo, da moeda, ou da
produção na sua especificidade, será necessário dialogar com as diversas teorias dos ‘ciclos
econômicos’.
Por outro lado, é também da História Econômica estudar os modos ou estruturas de
produção nas suas linhas gerais, no âmbito de temporalidades diversificadas como a
Economia Antiga, a Economia Medieval ou a Economia Capitalista. Neste campo, o
interesse do historiador desloca-se das especificidades quantitativas para os aspectos
relacionados à interação entre Economia e Sociedade, surgindo aqui as célebres e
polêmicas questões concernentes ao tipo de interação que nesta interface se produz
(determinação linear e direta, determinação em última instância, reciprocidade, relativa
autonomia?).
Os problemas de ordem mais geral que devem prevenir e orientar uma investigação
ou uma reflexão no âmbito da História Econômica podem ser alinhados com uma questão
que é nossa velha conhecida: a do ‘anacronismo’. Este problema aparece mormente
quando o historiador toma a si a tarefa de levantar e analisar economicamente os fatos
Jorge C. Freitas - fichamento 30
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
relativos a uma sociedade cujos próprios critérios para constituição de uma massa de dados
estão presos a uma especificidade temporal - em uma palavra, quando ele impõe a si a
tarefa de fazer uma análise econômica retrospectiva.” (p.128)
9. As abordagens
“[...] Existem subdivisões possíveis da História que se referem ao ‘campo de
observação’ com que os historiadores trabalham. E existem outras subdivisões que se
referem ao tipo de fontes ou ao ‘modo de tratamento das fontes’ empregado pelo
historiador. Em cada um destes casos, estas divisões da História referem-se mais aos
‘modos de fazer’ a pesquisa do que às dimensões sociais que são enfocadas pelo
historiador (‘modos de ver’). Os critérios envolvidos por estas subdivisões são portanto
divisões que estão mais relacionadas com Metodologia do que com Teoria.
É o caso, por exemplo, da História Oral. Esta subdivisão historiográfica refere-se a
um tipo de fontes com o qual o historiador trabalha, a saber, os testemunhos orais. [...] Um
historiador pode estabelecer como enfoque a História Política ou a História Cultural, e
selecionar como abordagem a História Oral. Isto significa que ele irá produzir o essencial
dos seus materiais de investigação e reflexão a partir da coleta de depoimentos, que depois
deverá analisar com os métodos adequados. Suas preocupações neste âmbito estarão
relacionadas ao tipo de entrevista que será utilizado na coleta de depoimentos, aos
cuidados na decodificação e análise destes depoimentos, ao uso ou não de questionários
pré-direcionados, e assim por diante. Todos estes aspectos mais se referem a ‘métodos e
técnicas’ do que a ‘aspectos teóricos’. A História Oral, enfim, remete a um dos caminhos
metodológicos oferecidos pela História, e não a um enfoque, a um caminho teórico ou a
um caminho temático.” (p.132-133)xxiii
“A fonte histórica é aquilo que coloca o historiador diretamente em contato com o
seu problema. Ela é precisamente o material através do qual o historiador examina ou
analisa uma sociedade humana no tempo. Uma fonte pode preencher uma das duas funções
acima explicitadas: ou ela é o meio de acesso àqueles fatos históricos que o historiador
deverá reconstruir e interpretar (fonte histórica = fonte de informações sobre o passado), ou
ela mesma... é o próprio fato histórico. Vale dizer, nesta último caso considera-se que o
texto que se está tomando naquele momento como fonte é já aquilo que deve ser analisado,
enquanto discurso de época a ser decifrado, a ser compreendido, a ser questionado. É neste
Jorge C. Freitas - fichamento 31
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
sentido que diremos que a fonte pode ser vista como ‘testemunho’ de uma época e como
‘discurso’ produzido em uma época.” (p.134-135)xxiv
“[...] As abordagens semióticas, por exemplo, hoje utilizadas por vários
historiadores, enriqueceram muito as possibilidades de fazer um texto falar sobre coisas
que o próprio autor do texto não pretendia dizer. Quando alguém utiliza determinadas
expressões e palavras, já está dizendo algo ao bom analista de textos, independente dos
sentidos que ele pretende atribuir às palavras. A presença de certas imagens em um
discurso, a recorrência de determinadas palavras, a maneira de organizar uma narrativa, as
referências intertextuais (a outros textos) – sejam estas voluntárias, explícitas, implícitas ou
involuntárias – tudo isto fala por si mesmo independente do ser falante que pronuncia o
discurso.” (p.135)xxv
“De acordo com a visão complexa e multidimensional do texto que se mostra a
mais adequada para o historiador, podemos dizer que a análise de um discurso deve
contemplar simultaneamente três dimensões fundamentais: o intratexto, o intertexto e o
contexto. O ‘intratexto corresponde aos aspectos internos do texto e implica
exclusivamente na avaliação do texto como objeto de significação; o ‘intertexto’ refere-se
ao relacionamento de um texto com outros textos; e o contexto corresponde à relação do
texto com a realidade que o produziu e que o envolve. São precisamente estas duas últimas
dimensões que exigem que o texto, além de ser tratado como um objeto de significação em
si mesmo, seja considerado também como objeto de comunicação.” (p.136-137)
“Em que pesem as contribuições que o historiador possa extrair deste tipo de
semiótica estruturalista que procura examinar o texto exclusivamente em si mesmo,
desprezando as referências externas, a verdade é que sempre será muito importante para
um historiador ‘contextualizar’ o texto com o qual está trabalhando. Todo texto é
produzido em um lugar que é definido não apenas por um autor, pelo seu estilo e pela
história de vida deste autor, mas principalmente por uma sociedade que o envolve, pelas
dimensões desta sociedade que penetram no autor, e através dele no texto, sem que disto
ele se aperceba. Uma época, uma sociedade, um ambiente social (rural, urbano), uma
Instituição, uma rede de outros textos às quais o autor deverá se conformar, as regras de
uma determinada prática discursiva ou literária, as características do gênero literário em
que se inscreve o texto - tudo isto constrange o autor que escreve o texto, deixando nele
Jorge C. Freitas - fichamento 32
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
suas marcas a princípio indeléveis, mas que devem ser pacientemente decifradas pelos
historiadores e outros analistas de textos.” (p.137)
“Além de um lugar de produção, todo texto tem também um destino. Pode ser, por
exemplo, um determinado receptor ou grupo de receptores (os leitores de um jornal ou de
uma obra literária, a população que é comunicada acerca das decisões régias através de um
edito). O receptor, mesmo que o autor ou produtor do texto não esteja plenamente
consciente disto, ajuda também a escrever o texto. Quem escreve um texto acaba sem
querer antecipando certas expectativas de quem irá recebê-lo, seja para contemplá-las ou
para afrontá-las. Qualquer texto visa um receptor (ou um ‘lugar de recepção’), porque ele
tem uma ‘intenção’ (uma mensagem que quer ser transmitida ou uma informação a ser
registrada)”. (p.138)
“[...] Qualquer texto insere-se em uma rede de semiose, em uma rede de textos da
qual ele extrai um pouco do seu sentido. (...) o próprio ‘gênero’ no qual se enquadra um
texto (edito, crônica, poesia, norma jurídica) já estabelece automaticamente um primeiro
nível de intertextualidade (o texto irá dialogar, quer queira o autor ou não, com as normas
literárias e com o repertório de possibilidades que regem aquele gênero, mesmo que em
alguns casos o autor pretenda afrontá-los). Depois aparecem as demais intertextualidades:
o autor irá se referir explícita ou implicitamente a outros textos, e existirão os também os
textos que, mesmo sem o conhecimento do autor, estarão inscritos no seu discurso.”
(p.139)
“(...) não existe certamente uma técnica única que possa ser aplicada à análise de
texto para todos os casos. O primeiro contato do historiador com a sua fonte textual
consiste, de qualquer modo, em fazer-lhe algumas perguntas fundamentais (já se disse que
o documento só fala quando o historiador faz as perguntas certas). (...) a boa análise deve
abranger simultaneamente o contexto, o intertexto, e o intratexto, o historiador pode
começar por identificar a procedência da fonte, a sua inserção em uma sociedade mais
ampla, as condições de sua produção (aspectos que, se tivéssemos de resumi-los em uma
indagação primária, parecem perguntar o texto: ‘de onde vens?’). Somente em seguida
virão as perguntas que começam a perscrutar os caminhos internos do texto, ou a abrir as
portas secretas de sua decifração. ‘Com quem falas’, ‘Do que falas?”, mas também ‘Sobre
o que silencias?’
Jorge C. Freitas - fichamento 33
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
O conteúdo de um texto, cedo aprende o historiador, não pode se resumir à
superfície de sua mensagem. Há os entreditos, os interditos, os não-ditos, o vocabulário
revelador. Se texto é falso, ou se ele mente, tanto melhor, pois o historiador poderá
perguntar: ‘por que mentes?’[...]” (p.140)
“[...] Michel Foucault. Este filósofo que se fez historiador foi talvez o primeiro a
chamar atenção de maneira mais enfática e claramente enunciada para o fato de que não é a
própria sociedade que constitui a realidade a ser estudada, mas sim os discursos que ela
produz, ou então as suas práticas." (p.141)
"[...] Discurso será visto ainda como ‘a ordenação dos objetos [...] e não apenas
como grupo de signos, mas como relações de poder.’” (p.141-142)
“É interessante notar que esta análise política do discurso tal como é proposta por
Foucault sugere que o historiador deva buscar a percepção das relações de poder nos
lugares menos previsíveis, menos formalizados, menos anunciados. Este método
genealógico, que busca o poder em todos os pontos da sociedade e não mais nos lugares
congelados pelo aparato estatal, vai ao encontro, também, das abordagens que exigirão do
historiador que este desenvolva uma meticulosidade, que passe a cultivar os detalhes, o
acidental, aquilo que aparentemente é insignificante, mas que pode, precisamente, compor
com outros elementos a chave para a compreensão das relações sociais examinadas. [...]”
(p.142)
“[...] Foucault chama atenção para o fato de que o próprio discurso pode ser
também aquilo por que se luta. Daí as suas preocupações em examinar os mecanismos de
interdição que se afirmam nas práticas discursivas de uma sociedade – seja através dos
objetos permitidos e proibidos (não se tem o direito de dizer tudo), dos rituais de
circunstância (não se pode falar de tudo em qualquer circunstância), ou dos direitos
diferenciados atribuídos aos sujeitos que falam (quem pode dizer o quê, sem sofrer a
reprovação social ou até uma punição).” (p.144)
“Finalmente, esta identificação entre ator social e historiador situa a História
Imediata em um terreno delicado, a ser trabalhado com bastante cuidado, onde o próprio
historiador é também produtor de um discurso a compor o universo de fontes. Há sempre o
risco de que, em alguns casos, a História Imediata acabe se confundindo com o gênero
literário das Memórias. Em todo o caso, eis aí um campo que pode ser definido de acordo
com o critério ‘abordagem’, já que se refere a um ‘modo de produzir a história’. De certa
Jorge C. Freitas - fichamento 34
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maneira, o historiador da História Imediata é o único que produz história nos dois sentidos,
enquanto material e enquanto campo de conhecimento.” (p.147)
“De fato, o campo da História Social refere-se a um tipo de fontes e a um ‘modo de
tratamento’ das fontes. Trata-se neste caso de abordar fontes com algum nível de
homogeneidade, e que se abram para a possibilidade de quantificar ou de serializar as
informações ali perceptíveis no intuito de identificar com a serialização de eventos ou
dados (e não apenas com a serialização de fontes) propondo-se a avaliar eventos históricos
de um certo tipo em séries ou unidades repetitivas por determinados períodos de tempo.
Enquadram-se neste conjunto de possibilidades os estudos dos ciclos econômicos, a partir
por exemplo da análise das curvas de preços, e também as análises das curvas
demográficas.” (p.147-148)
“No que se refere ao tipo de fontes que podem ser serializadas, deve-se notar desde
já que uma grande variedade de fontes pode se prestar aos usos seriais, em que pese a
primazia que desempenham as fontes escritas na História Serial dos primeiros tempos –
notadamente fontes cartoriais, administrativas, comerciais, paroquiais, testamentárias e
outras que tão bem se prestam à História Quantitativa. [...]
A diferença entre História Serial e História Quantitativa deve ficar claríí embora
sejam comuns os já citados casos em que as duas abordagens se superpõem para formar
uma História Serial Quantitativa. ^Ainda que ambas as especialidades possam ser definidas
como ‘abordagens’, existem diferenças a serem notadas.
A História Serial refere-se a ao uso de um determinado tipo de fontes (homogêneas,
do mesmo tipo, referentes a um período coerente com o problema a ser examinado, e que
permitam uma determinada forma de tratamento (a serialização de dados, a identificação
de elementos ou ocorrências comuns que permitam a identificação de um padrão e, na
contrapartida, uma atenção às diferenças, às vezes graduais, para se medir variações). Já a
História Quantitativa deve ser definida através de um outro critério: o seu campo de
observação. O que a História Quantitativa pretende observar da realidade está atravessado
pela noção do ‘número’, da ‘quantidade’, de valores a serem medidos. As técnicas a serem
utilizadas pela abordagem quantitativa serão estatísticas, ou baseadas na síntese de dados
através de gráficos diversos e de curvas de variação a serem observadas de acordo com
eixos de abcissas e coordenadas. Algumas análises quantitativas mais sofisticadas poderão
utilizar logaritmos, recursos matemáticos mais avançados como integrais e derivadas. O
Jorge C. Freitas - fichamento 35
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
computador será neste caso de uma ajuda imprescindível. Com relação ao tipo de fontes,
serão fatalmente “fontes seriais”. Aqui está o nó do esclarecimento.” (p.149-150)
“[...] A chave para definir uma prática como História Social é portanto a busca de
padrões recorrentes e variações ao longo de uma série de fontes ou materiais homogêneos.
Mas não necessariamente a quantidade, ou pelo menos isto não é o principal. Assim, para
dar um último exemplo, posso serializar notícias de jornais durante um período mais ou
menos longo para verificar a repetição de determinado tipo de anúncios, ou a sua gradual
variação ao longo do templo, ou mesmo as variações bruscas que serão indicativas de
algum acontecimento que produziu a transformação. A ‘série’ é o que canaliza a atenção
do historiador na modalidade da História Serial; o ‘número’ ou a medida é o que canaliza a
atenção do historiador no caso da História Quantitativa.” (p.150)
“Dentre as subdivisões pertinentes ao critério ‘campo de observação’, outra
confusão sem nenhum sentido que algumas vezes os iniciantes fazem está entre a História
Regional e a Micro-História, apesar de serem campos radicalmente distintos. Valem aqui
alguns esclarecimentos.
Quando um historiador se propõe a trabalhar dentro do âmbito da História
Regional, ele mostra-se interessado em estudar diretamente uma região específica. O
espaço regional, é importante destacar, não estará necessariamente associado a um recorte
administrativo ou geográfico, podendo se referir a um recorte antropológico, a um recorte
cultural ou a qualquer outro recorte proposto pelo historiador de acordo com o problema
histórico que irá examinar. Mas, de qualquer modo, o interesse central do historiador
regional é estudar especificamente este espaço, ou as relações sociais que se estabelecem
dentro deste espaço, mesmo que eventualmente pretenda compará-lo com outros espaços
similares ou examinar em algum momento de sua pesquisa a inserção do espaço regional
em um universo maior (o espaço nacional, uma rede comercial)"
A Micro-História não se relaciona necessariamente ao estudo de um espaço físico
reduzido, embora isto possa até ocorrer. O que a Micro-História pretende é uma redução na
escala de observação do historiador com o intuito de se perceber aspectos que de outro
modo passariam desapercebidos. Quando um microhistoriador estuda uma pequena
comunidade, ele não estuda propriamente a pequena comunidade, mas estuda através da
pequena comunidade (não é por exemplo a perspectiva da História Local. A comunidade
examinada pela Micro-História pode aparecer, por exemplo, como um meio para atingir a
Jorge C. Freitas - fichamento 36
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
compreensão de aspectos específicos relativos a uma sociedade mais ampla. [...]" (p.152-
153)
"O objeto do estudo do mircro-historiador não precisa ser desta forma o espaço
microrrecortado. Pode ser uma prática social específica, a trajetória de determinados atores
sociais, um núcleo de representações, uma ocorrência (por exemplo um crime) ou qualquer
outro aspecto que o historiador considere revelador em relação aos problemas sociais ou
culturais que se dispôs a examinar. [...]” (p.153)
“Desta forma, assim como a Micro-História não deve ser confundida com a
História Regional ao examinar eventualmente um espaço microrrecortado, também não
deve3 ser confundida com a Biografia Histórica ao examinar uma ‘vida ou uma trajetória
individual. (...) A prática micro-historiográfica não deve ser definida propriamente pelo
que se vê, mas pelo modo como se vê." (p.154)
"[...] De igual maneira, a Micro-História procura enxergar aquilo que escapa à
Macro-História tradicional, empreendendo para tal uma ‘redução da escala de observação’
que não poupa os detalhes e o exame intensivo de uma documentação. [...]” (p.154)
“A escolha micro-historiográfica também pode incidir sobre determinada
comunidade microlocalizada, mas, tal como já dissemos, nunca o verdadeiro objeto de que
se ocupa o historiador será a comunidade em si mesma (como seria o caso da História
Local), e sim determinado aspecto que incide transversalmente sobre esta comunidade.
[...]” (p.160)
“Um outro aspecto a ser tratado quando falamos em Micro-História refere-se à
maneira de construir o texto final que será oferecido ao leitor. A preocupação dos micro-
historiadores em evitar generalizações simplificadoras os leva habitualmente a novos
modos de estruturação do texto, que nem sempre coincidem com os que têm sido
empregados pela historiografia tradicional.” (p.161)
"Por desconfiarem destes contextos mais ou menos universais que aparecem na
perspectiva macro-historiográfica (este olhar que parte de uma visão panorâmica e que só
depois vai se afunilando) os micro-historiadores têm experimentado outras formas de
construir o texto. [...] (p.162)
“[...] Rigorosamente, Micro-História ou História das Mentalidades não devem ser
vistas como modelos teóricos, como ocorre por exemplo com o Materialismo Histórico ou
Jorge C. Freitas - fichamento 37
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
com o Positivismo. Em um caso (a Micro-História) trata-se de uma abordagem, que
qualquer historiador pode utilizar, e em outro caso(a História das Mentalidades) trata-se de
uma dimensão e ou enfoque do qual o historiador aproxima-se ao realizar a sua análise
histórica. [...]” (p.168)
10. Uma profusão de domínios
“Com relação aos domínios da História [...] eles são de número indefinido, uma vez
que se referem aos ‘agentes históricos que eventualmente são examinados (a mulher, o
marginal, o jovem, o trabalhador, as massas anônimas), aos ‘ambientes sociais’ (rural,
urbano, vida privada), aos ‘âmbitos de estudos’ (arte, direito, religiosidade, sexualidade), e
a outras tantas possibilidades. Os exemplos sugeridos são apenas indicativos de uma
quantidade de campo que não teria fim, e qualquer um poderá começar a pensar por conta
própria as inúmeras possibilidades. (p.180)
“[...] Em suma, com a História da Igreja poderemos ter a história de uma
instituição, com a História da Religião ou das crenças religiosas poderemos ter a história
de uma representação, com a História das práticas religiosas (ou da religiosidade stricto
sensu) poderemos ter a história de uma prática... mas a História Religiosa definida ou a
História Cultural não existe nos atuais parâmetros disciplinares da historiografia.” (p.184)
“Vale lembrar também que existem os domínios que são aparentemente subcampos
de um domínio maior. A História das Doenças poderia ser inscrita em uma História do
Corpo. A História da Prostituição poderia ser inserida na História dos Excluídos (embora
em alguns aspectos também possa ser incluída na História da Sexualidade). A História da
Criança, da maneira como têm funcionado até hoje as nossas instituições familiares, poderá
ser inscrita sem maiores dificuldades em uma História da Família. Tudo isso, por outro
lado, ficará bem se englobado por uma História da Vida Privada.” (p.185)
“[...] Generalizar para a Micro-História não é ‘equalizar, ou reduzir a
complexidade. Para o micro-historiador, generaliza-se nas perguntas, mas não nas
respostas20
. [...]” (p.190)
20
“Al estudiar un pequeno país, un pequeno mercado, donde las relaciones sociales crearon características
especificas, a mí no me importa que un investigador de Costa Rica diga que este país es diferente, como resultado.
A mí lo que me interesa es que mi pregunta fue útil para entender el mercado de la tierra en Costa Rica. Esta es la
realidad. En este sentido, mi trabajo no es historia local italiana, es un caso que puede interesar a un japonês, un
Jorge C. Freitas - fichamento 38
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
“[...] O ‘indivíduo qualquer’ é um ‘qualquer’ cuidadosamente escolhido (estamos
muito longe da prática da amostragem). Escolhemo-lo porque ele nos dá acessos aos
problemas que nos interessam, ou porque as fontes em torno deste indivíduo concentram-
se de determinada maneira. Podemos estudá-lo por ele ser ‘demasiado comum’ ou por ele
ser estranhamente incomum, não importa. As perguntas que faremos a esta ou àquela vida
é que nos dirão se a escolha é menos ou mais adequada.” (p.191)
“[...] A configuração social não é feita de coisas ou aspectos imobilizados, mas sim
de relações que envolvem todos os seus protagonistas. Quando modificamos algum de seus
elementos, modificamos a totalidade das relações.” (p.192)
“Será oportuno encerrar esta seção e este ensaio chamando atenção, mais uma vez,
para o fato de que – como qualquer campo de saber – a História está fadada a permanentes
transformações no interior do seu espaço disciplinar. Os rearranjos internos serão sempre
possíveis. [...]” (p.206)
“[...] Apenas para mencionar uma última vez o problema das ‘dimensões’ da
realidade social, existem pelo menos três delas que são extremamente complexas e de certo
modo deixam suas marcas em todas as outras: a Política, a Cultural e a Social. De alguma
maneira, tudo nas relações humanas é perpassado pelo ‘poder’ nas suas múltiplas formas
(macropoderes e micropoderes), tudo o que é humano é parte da ‘cultura’ no seu sentido
mais amplo, e o ‘social’ pode estar identificado com a própria sociedade. De qualquer
modo, a historiografia será sempre um campo complexo, que resiste às subdivisões, o que
não impede que elas sejam pensadas como parâmetros mais gerais de orientação.” (p.212)
filandes, o a los americanos. (;,Pero qué les puede interesar de mi libro a ellos? Creo que a ellos les interesa que
mis preguntas tienen la capacidad, espero, de ser instrumentos que permiten hacer preguntas e investigación
analítica para cual-quiera”.
Jorge C. Freitas - fichamento 39
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
Jorge C. Freitas - fichamento 40
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
Jorge C. Freitas - fichamento 41
José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens
Notas de fim
i
Ao apontar números, o historiador deve problematizá-los, a fim de tornar clara a sua interpretação.
ii
Definição de história das mentalidades e bibliografia sobre o tema.
iii
Comentário do livro do Dose
iv
O que determina o estilo.
v
Definição de psico-história.
vi
Diferença entre psico-história e história das mentalidades.
vii
Crítica à historiografia alemã.
viii
Os riscos da história – o anacronismo.
ix
O uso de conceitos
x
Definição de história cultural.
xi
História inglesa do marxismo.
xii
Comentários sobre protesto.
xiii
Finge que me engana, que eu finjo que acredito.
xiv
História cultural, fora do marxismo e sobre história oral.
xv
Comentário sobre a definição de cultura.
xvi
Práticas culturais.
xvii
A representação cultural do mendigo.
xviii
História do imaginário.
xix
Comentários de história política.
xx
História social.
xxi
Fontes para história social.
xxii
O estudo do consumo aponta as características de uma sociedade, bem como a sua composição de classes
sociais e transformações vividas e dimensionadas através do consumo. Estuda a conjuntura e estrutura e os
vários ciclos econômicos.
xxiii
A abordagem através da história oral.
xxiv
Sobre as fontes históricas.
xxv
A abordagem semiótica.
Jorge C. Freitas - fichamento 42

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  • 1. José D’Assunção Barros O campo da história: especialidades e abordagens 6ª Ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2004 Recortes - Por Jorge C. Freitas Julho de 2012 História - historiografia
  • 2. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens O campo da história Especialidades e abordagens José D’Assunção Barros Resumo Neste livro o autor analisa os vários campos da História, e faz importantes críticas à prática da História em migalhas e a hiperespecialização do historiador. Chama atenção também, para os cuidados a serem tomados no uso dos conceitos. Aborda a questão da temporalidade e a não isenção no ato da produção historiográfica. Cita importantes bibliografias para o estudo e a escrita da História. SUMÁRIO O Campo da História 4 1. Clio Despedaçada 4 2. Os lotes da História 5 (Compartimentos, Dimensões, abordagens e domínios) 3. Demografia, Cultura Material e Geo-História 6 (História Demográfica, História da Cultura Material, Geo-História 4. Mentalidades 6 (História das Mentalidades, Psico-História) 5. História Cultural e História Antropológica 12 (História Cultural, História Antropológica e Etno-História) 6. História do Imaginário 23 7. História Política e História Social 26 Jorge C. Freitas - fichamento 2
  • 3. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens (História Política, História Social) 8. História Econômica 29 9. Abordagens 30 (História Oral, História do Discurso, História Imediata, História Serial e História Quantitativa, História Regional, Micro-História) 10. Uma profusão de Domínios 38 (A diversidade de domínios históricos, A Biografia, Mutações, Conclusão) Jorge C. Freitas - fichamento 3
  • 4. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens O Campo da História 1. Clio Despedaçada “Uma característica crescente da historiografia moderna é que ela tem passado a ver a si mesma - de maneira cada vez mais explícita e autorreferenciada – como um campo fragmentado, compartimentado, partilhado em uma grande gama de sub-especialidades e atravessado por muitas e muitas tendências. [...] O historiador de hoje é um historiador de cultura, um historiador econômico, um historiador das mentalidades, um especialista em História da Mulher, um medievalista libérico ou um especialista nos estudos da Antiguidade Clássica, ou quem sabe ainda um doutor em História do Brasil Colonial mais particularmente especializado nos processos de visitação da Inquisição do Santo Ofício... De igual maneira, existem os historiadores marxistas, ou mais especificamente os historiadores marxistas da linha gramsciana, thompsoniana ou qualquer outra, os historiadores weberianos, os micro-historiadores da linha italiana, ou sabe-se lá quantas outras orientações.” (p. 9) “[...] A partir daí podemos começar a perceber que a fragmentação do saber, na verdade, é um fenômeno que se acentua no século XX através de dois caminhos distintos e independentes, embora no fim das contas ambos acabem contribuindo para este mesmo fim que é a cisão da História ou de qualquer outro campo do saber no seu caleidoscópio interno. [...] “Além da fragmentação de especialidades, sobressai de outro lado a célebre crise dos paradigmas: já não existem nos meios acadêmicos muitos estudiosos que acreditem na existência definitiva de ‘uma única maneira de ver as coisas’. [...]” (p. 11) “Os problemas pertinentes à fragmentação do saber afetam também, de maneira intermitente, a prática historiográfica de nossos dias (o diagnóstico econômico pode não dar conta de um problema das mentalidades, e o sangramento social que produz uma revolução política pode ter como causa mater uma questão religiosa). Isolado no seu pequeno mundo, o hi8storiador deve enfrentar os riscos de sua hiperespecialização ao mesmo tempo em que recebe estímulos sociais e institucionais para aprofundá-los cada vez mais.” (p. 13) Jorge C. Freitas - fichamento 4
  • 5. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens "Sem contar com o já tão discutido agravante de que – com a propalada crise dos grandes modelos de ‘história total’ – a História já tão fragmentada em ‘dimensões’ (econômica, política, social) partiu-se com o apoio da mídia e das demandas editoriais em inumeráveis ‘migalhas’ relacionadas aos novos ‘domínios históricos’ (história da religiosidade, da feitiçaria, da vida privada). O historiador das últimas décadas do século XX viu-se assim autorizado, tanto pela tendência à hiperespecialização do homem moderno como pelas novas modas historiográficas, a cuidar zelosamente do seu pequeno canteiro, como se nada mais importasse além de uma rosa rara.” (p. 14) “(...) o historiador que se hiperespecializa em determinada dimensão historiográfica e em determinado objeto deve se pôr em guarda contra a possibilidade de se transformar em uma gigantesca orelha que se prende a um caule. [...] Abandonando por ora o mundo enigmático das metáforas, diremos que a hiperespecialização em História Econômica (ou qualquer outro campo) pode conduzir ao esquecimento de que o mundo humano não pode ser decalcado no social, do político, do mental, ou de que a especialização exclusiva em métodos de História Serial pode impedir que se resolva um problema histórico naquele ponto onde se requer precisamente uma boa história qualitativa, uma recolha de depoimentos através da História Oral, e assim por diante.” (p. 14) “[...] Não importa a que enfoque o historiador se dedique ou esteja mais habituado, dificilmente ele poderá alcançar um sucesso pleno no seu ofício se não conhecer todos os outros enfoques possíveis – talvez para conectá-lo em determinadas oportunidades, talvez para compor com alguns deles o seu próprio campo complexo de sub-especialidades, ou talvez simplesmente para perceber que a história é sempre múltipla, mesmo que haja a possibilidade de examiná-la de perspectivas específica.” (p. 15) 2. Os lotes da História “(...) uma abordagem ou uma prática historiográfica não pode ser rigorosamente enquadrada dentro de um único campo. Apesar de falarmos frequentemente em uma ‘História Econômica’, em uma ‘História Política’, em uma ‘História Cultural’, e assim por diante, a verdade é que não existem fatos que sejam exclusivamente econômicos, políticos ou culturais. Todas as Jorge C. Freitas - fichamento 5
  • 6. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens dimensões da realidade cultural interagem, ou rigorosamente sequer existem como dimensões separadas. [...]” (p. 15) “[...] Definir o ambiente intradisciplinar em que florescerá a pesquisa ou no qual se consolidará uma atuação historiográfica deve ser encarado como um esforço de autoconhecimento, de definir os pontos de partida mais significativos – e não como uma profissão de fé no isolamento intradisciplinar.” (p. 17) 3. Demografia, Cultura Material e Geo-História. Com relação ao emprego de números em produção de documentos históricos, o autor chama atenção para o fato de que “(...) o número tomado isoladamente não deve ter grande importância para o historiador, a não ser quando ele pode contextualizá-lo, produzir a partir dele inferências socioculturais, conectá-lo a outras informações e estabelecer hipóteses para a compreensão de uma sociedade.i ” (p. 26) 4. Mentalidades “Bastante polêmica desde os seus primórdios, a História das Mentalidades enfoca a dimensão da sociedade relacionada ao mundo mental e aos modos de sentir, ficando sob a rubrica de uma designação que tem dado margem a grandes debates que não poderão ser todos pormenorizados aqui1 ” (p. 37)ii “De certo modo, os historiadores nas mentalidades constituíram uma vanguarda da tendência da Nova História em se tornar uma espécie de ‘história em migalhas’, (...) marcariam – através de uma miríade de novas especialidades relativas aos ‘domínios’ históricos – a tendência à fragmentação das antigas ambições braudelianas de realizar uma ‘história total’” (p. 38)iii “[...] Não são portanto os domínios privilegiados pelos historiadores das mentalidades que definem o tipo de história que fazem, mas sim a dimensão da vida social 1 Alguns artigos panorâmicos podem ser esclarecedores a respeito deste campo histórico: (!) Jacques LE GOFF, “As mentalidades: uma história ambígua” In Jacques LE GOFF e Pierre NORA (orgs.). História: Novos Objetos, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988, p. 68-83; (2) Philippe ARIÈS, “A História das Mentalidades” . In Jacques LE GOFF (org.). A História Nova, São Paulo: Martins Fontes, 1990, p. 154-176; (3) Robert DARTON, “A História das Mentalidades - o caso do olho errante”. In O Beijo de Lamourette, São Paulo: Companhia das letras, 1990, p. 225-255. Jorge C. Freitas - fichamento 6
  • 7. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens para qual os seus olhares se dirigem: o universo mental, os modos de sentir, o âmbito mais espontâneo das representações coletivas e, para alguns, o inconsciente coletivo.”iv (P. 39) “Abraçado a perspectiva teórica de que existem de fato mentalidades coletivas, o historiador deve ampliar a sua concepção documental. Conforme assinala Francois Furet (1982), se o historiador das mentalidades pretende alcançar níveis médios de compartimento, não pode se satisfazer com a literatura tradicional do testemunho histórico, que é inevitavelmente subjetiva, não representativa, ambígua. [...] Para resumir três ordens de tratamentos metodológicos que os historiadores das mentalidades têm empregado na sua ânsia de captar os modos coletivos de pensar e de sentir, poderemos registrar precisamente (1) a abordagem serial, (2) a eleição de um recorte privilegiado que funcione como lugar de projeção das atitudes coletivas (uma aldeia, uma prática cultural, uma vida), ou finalmente (3) uma abordagem extensiva de fontes de naturezas diversas. Neste último caso enquadra-se a obra O Homem diante da Morte, de Philippe Ariès. Nesta ambiciosa obra, lança-se mão dos mais diversos tipos de fontes - desde os escritos de todos os tipos (obras literárias, textos hagiográficos, poemas, canções, crônicas oficiais, testemunhos anônimos) até as fontes iconográficas e os objetos da cultura material. Michel Vovelle denomina a esta utilização de um universo de fontes tão heterogêneo, percorrido mais ou menos livremente, de técnica “impressionista”2 ." (p 40-41) “[...] Pode ser um microcosmos localizado ou uma vida, desde que o autor os considere significativos para a percepção de uma mentalidade coletiva mais ampla.” (p. 41) "(...) preocupação em identificar os vários registros dialógicos presentes em uma mesma fonte - preocupação que, conforme veremos oportunamente, coaduna-se muito intimamente com um dos setores da chamada História Cultural. [...]" (p.42) "Antes de passar a falar na História Cultural - este outro campo histórico que nos últimos anos tem se fortalecido cada vez mais na historiografia ocidental - é preciso discutir ainda um campo ou subespecialidade da História que por vezes se toma muito próximo da História das Mentalidades: a Psico-Históricò. [...] 2 Michel VOVELLE, “Pertinência e ambiguidades do testemunho literário”. In Ideologias e mentalidades, São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 51 [original: 1980], Jorge C. Freitas - fichamento 7
  • 8. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens Reich e Fromm desenvolveram noções que ainda poderão ser utilizadas futuramente pelos historiadores. O primeiro envidou esforços no sentido de estabelecer a conceituação de um “caráter social”, que se constituiria a partir de uma interação entre a ideologia e o inconsciente, aqui representado por certos padrões e alternativas de comportamento que seriam interiorizadas pelos indivíduos que vivem em sociedade3 . [...]" (p.44)v “[...] O ‘filtro social’ seria constituído por uma série de elementos, como a linguagem, a lógica e os tabus sociais, mas também por toda uma série de hábitos enraizados, de atitudes automatizadas e de impulsos que dão origem a práticas culturais diversas. [...] Para Erich Fromm, o caráter social corresponderia a ‘um núcleo da estrutura do caráter que é inerente à maioria dos membros da mesma cultura, diferentemente do caráter individual que varia entre as pessoas da mesma cultura’. Ou seja, existiria em qualquer sociedade uma estrutura única de caráter que seria específica dela e comum à maioria dos grupos e classes que fizessem parte desta sociedade.” (p. 45) “Wilhelm Reich e Erich Fromm, para não falar em Freud, são apenas dois dos muitos autores que têm exercido alguma influência nos historiadores, ainda poucos, os quais têm buscado constituir um campo novo a partir de interconexão entre História e Psicologia. Seria esta exploração mais sistemática de diversificadas noções e conceitos desenvolvidos no âmbito da Psicanálise o que poderia distinguir mais propriamente a Psico-História (ou a psicologia histórica) da História das Mentalidades, já que o terreno em que ambas se movimentam seria a princípio o mesmo. Vale lembrar, para citar um exemplo que tem influenciado mais incisivamente os historiadores da atualidade, que o sociólogo- historiador (e médico) Norbert Ehas também percorreu caminhos similares ao examinar a interiorização de certos modos de agir e de sentir que passam a condicionar os indivíduos em sociedade. Embora sem indicar Freud como interlocutor, o sociólogo alemão vale-se por diversas vezes de noções oriundas do campo da Psicanálise - como as das “pulsões” - para embasar seu mais célebre trabalho: O Processo Civilizador (1939)42. Trata-se de uma cuidadosa análise social que objetiva mostrar como a interiorização de certos hábitos é o contraponto psicossocial de um Processo Civilizador que foi se produzindo desde o período medieval, e que se instala 3 A ideia de que a ideologia toma-se psicologicamente internalizada ou fixada na estrutura de caráter do indivíduo aparece em Psicologia de Massas do Fascismo f 1933], São Paulo: Martins Fontes, 1990. Jorge C. Freitas - fichamento 8
  • 9. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens gradualmente no Ocidente a partir de poderes centralizados em tomo dos modernos estados nacionais." (p. 46-47)vi "[...] Dito de outro modo, o que Elias está estudando neste livro é a formação de um psiquismo específico no homem Ocidental, que está precisamente ligado a motivações sócio-históricas. Na verdade, o enquadramento de O Processo Civilizador em um campo que poderia ser definido como uma Psico-História é autorizado pelo próprio Norbert Elias, já que no segundo volume desta obra ele reclama precisamente a constituição de uma ciência humana que ainda não existia, e que poderia ser chamada de “psicologia histórica”, vindo esta a ocupar o vazio produzido pelo abismo que separa uma História não-psicologizada de uma Psicologia que recusa a si mesma pensar historicamente seus objetos4 : “Exatamente porque o psicólogo pensa não-histo- ricamente, porque aborda as estruturas psicológicas dos homens de nossos dias como se fossem algo sem evolução ou mudança, os resultados de suas investigações de pouco servem ao historiador. E porque, preocupado com o que chama de fatos, evita problemas psicológicos, o historiador pouco tem a dizer ao psicólogo”," (p.49) "Norbert Elias foi na verdade um crítico contumaz da Psicanálise enquanto campo de saber até então redutor e tendente à não-historicização. Criticou-lhe - além da a- historicidade - a utilização dos conceitos de Ego, Id e Superego para identificar compartimentos separados da mente humana, propondo, ao contrário, uma atenção especial às relações entre estes três conjuntos de funções psicológicas5 . Seu objetivo era investigar as relações entre os sentimentos controlados pelos indivíduos humanos e aquelas agências controladoras da psique, mas chamando atenção para o fato de que a estrutura média ou 4 Norbert ELIAS, O Processo Civilizador, vol. 2, p. 234. 5 O “id” constitui na teoria psicanalítica aquela parte da psique de onde partem as pulsões em sua busca de atingir a realidade da satisfação. Consoante Freud, as pulsões são impulsos inerentes à vida orgânica, e abrangeriam tanto as pulsões de vida (eros) como a pulsão de morte (tanatos). Esta última, inicialmente voltada para dentro do próprio sujeito no sentido de destruir o estado de tensionamento que é a própria vida, estaria apta a se dirigir parcialmente para o exterior em forma de agressividade. A agressividade seria, portanto, inerente ao homem, e isto explica em parte a sua própria expressão social. Por outro lado, em seu confronto com o mundo externo, a psique produz uma zona destinada a regular o indivíduo de modo a não deixá-lo à deriva em seu universo pulsional, o que na verdade impediria a sua própria sobrevivência em uma civilização formada por outros indivíduos dotados das mesmas pulsões internas. O superego é, desta forma, o lugar da lei, da lógica, da moral, e assume uma função normatizadora. Entre o id e o superego, o ego corresponderia ao lugar da transação, com o papel de conciliar os impulsos do id e a nor- matividade do superego. Jorge C. Freitas - fichamento 9
  • 10. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens habitual destas agências controladoras (ego, superego) vai se transformando no decurso de um processo civilizador como aquele que foi sendo produzido socialmente no Ocidente à medida que se sofisticava e se transmudava a rede de interdependências humanas. Introduzir simultaneamente uma abordagem social e uma profunda consciência histórica no âmbito da Psicologia foi a sua pedra de toque. Da mesma forma, Norbert Elias foi um crítico arguto da historiografia alemã de sua época, seja a associada àquele tipo de História das Ideias que almejava investigar o pensamento humano desencarnado de sua sociedade, seja a historiografia que, a título de examinar a sociedade nas suas relações concretas, acabava por abstrair esta sociedade de um universo mental que constitui parte fundamental de sua própria vida. Romper o isolamento injustificável entre estes dois tipos de História, e reinstaurar o diálogo de uma História simultaneamente mental e concreta com a disciplina da Psicologia - este foi um dos seus projetos mais pessoais, vindo a constituir-se em uma contribuição decisiva para este campo que rigorosamente nem começou ainda a se formar, mas que desde já poderemos chamar de Psico- História.vii Os maiores riscos que rondam a Psico-História envolvem de um modo ou de outro os chamados ‘perigos do Anacronismo’. O que é Anacronismo? Em primeiro lugar, é preciso considerar que o historiador, ao examinar uma determinada sociedade localizada no passado, está sempre operando com categorias de seu próprio tempo (mesmo que ele não queria). Daí aquela célebre frase de Benedietto Croce, que dizia que ‘toda história é contemporânea’. Isto quer dizer que mesmo a História Antiga e a História Medieval são histórias contemporâneas, porque feitas pelos historiadores de nosso tempo (e voltada para leitores de nosso tempo). [...] por um lado o historiador deve conservar a consciência de que trabalhará com as categorias de seu tempo (as únicas que lhe serão possíveis), mas por outro lado deverá evitar que estas categorias deturpem as suas possibilidades de compreender os homens do passado, que tinham as suas próprias categorias de pensamento e de sensibilidade. Por exemplo, os métodos que um historiador emprega serão sempre métodos seus, desenvolvidos na sua própria época: ele poderá empregar os recursos da análise semiótica, só desenvolvidos recentemente, para examinar fontes da história antiga ou medieval; e poderá elaborar novos conceitos, somente tornados possíveis no seu tempo, para iluminar uma época anterior à sua." (p. 50-52)viii Jorge C. Freitas - fichamento 10
  • 11. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens “O que não posso é dizer que um determinado grupo de mulheres destas épocas, dadas as suas atitudes de resistência ao controle masculino em um tempo em que estas resistências não eram esperadas eram ‘feministas’. O erro, neste caso, está em que estou lhes atribuindo uma categoria de pensamento que só surgiu nas mulheres do século XX – à luz de uma equivalente conquista de direitos políticos e de obtenção de espaço social e profissional – e transferindo isto para uma época em que o discurso feminista simplesmente não existia. O discurso feminista é datado, e na verdade inseparável das condições de seu surgimento e perpetuação. Se quero tentar compreender as mulheres da Antiguidade e da Idade Média que resistiram à sociedade misógina de suas épocas, devo tentar perceber como elas viam o mundo, através de que categorias de pensamentos, a partir de que práticas e representações. Devo examinar, além disto, a excep- cionalidade ou não do comportamento deste ou daquele grupo, que sentido os componentes deste grupo atribuíam aos seus próprios discursos. Devo refletir longamente sobre as suas palavras (que certamente não incluirão a expressão “porco chauvinista”). Metaforicamente falando, deverei sintonizar neste caso esta singular estação que r a mulher antiga ou a mulher medieval, sempre com a consciência ie que deverei apreender um idioma estrangeiro, diferente do meu.” (p. 52-53)ix “O que o historiador não deve fazer, com vistas a evitar os riscos do anacronismo, é inadvertidamente projetar categorias de pensamento que são só suas e dos homens de sua época nas mentes das pessoas de uma determinada sociedade ou de um determinado período. Para compreender os pensamentos de um chinês da época dos mandarins, terei de me avizinhar dos códigos que (tanto quanto me for possível perceber) regeriam o univarso mental dos chineses. Este exercício de compreender o ‘outro chinês’ é que tem que ser feito. Mas não é a análise que tem de ser chinesa.” (p. 53) “A Psico-História, enfim, mostra-se um campo promissor, que requer naturalmente os seus cuidados. Uma última tentação a evitar nos trabalhos que poderiam ser enquadrados pela Psico-História é a de pretender psicanalisar os homens do passado, como se estes pudessem ‘deitar-se no divã de um hipotético historiador psicanalista’. Naturalmente, sabe-se que o processo psicanalítico, pelo menos no sentido freudiano, necessita ser constituído a partir de um discurso interativo com o ‘outro’ – que seria impossível no caso dos atores sociais do passado que nos chegam através das fontes.” (p. 54) Jorge C. Freitas - fichamento 11
  • 12. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens Jorge C. Freitas - fichamento 12
  • 13. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens 5. Historia Cultural e História Antropológica “A História Cultural, campo historiográfico que se torna mais preciso e evidente a partir das últimas décadas do século XX, mas que tem claros antecedentes desde o início do século, é particularmente rica no sentido de abrigar no seu seio diferentes possibilidades de tratamento, por vezes antagônicas. [...] ela abres-se a estudos os mais variados, como a ‘cultura popular’, a ‘cultura letrada’, as ‘representações’, as práticas discursivas partilhadas por diversos grupos sociais, os sistemas educativos, a mediação cultural através de intelectuais, ou a quaisquer outros campos temáticos atravessados pela polissêmica noção de ‘cultura’.” (p. 55)x “É a História Cultural – aqui entendida no sentido de uma História da cultura que não se limita a analisar apenas a produção cultural literária e artística oficialmente reconhecida – que tem atraído o interesse de historiadores dos mais diversos matizes teóricos desde o último século, inclusive no seio da historiografia marxista. Nesse sentido, não estaremos utilizando a expressão ‘História Cultural’ para nos referirmos a esta ou àquela corrente historiográfica mais recente (a ‘Nova História Cultural’ francesa, por exemplo), mas sim a toda historiografia que se tem voltado para o estudo da dimensão cultural de uma determinada sociedade historicamente localizada. O que se faz habitualmente é uma distinção entre uma História Social da Cultura (ou uma História Cultural propriamente dita) e uma História da cultura que se limita a examinar estilisticamente certos objetos culturais – geralmente pertencentes à ‘grande’ Arte ou à ‘grande’ Literatura como se estes objetos pudessem ser abordados de maneira autônoma, mais ou menos desvinculados da sociedade que os produziu. O campo deste tipo de História da Cultura que pretende se voltar exclusivamente para as manifestações textuais que se sintonizam com os domínios da História da Literatura e da História da Filosofia é muito frequentemente chamado de “HistórL Intelectual”6 . Na verdade, a História Intelectual é apenas uma pequeníssima parte da História Cultural tomada em seu sentido mari amplo, embora fosse quase que exclusivamente para ela (e também para uma História da Arte tomada no seu sentido mais restrito) que os historiadores da Cultura se voltavam no século XIX. [...]" (p.56) 6 Ver nota n° 119. Jorge C. Freitas - fichamento 13
  • 14. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens “[...] Ao existir, qualquer indivíduo já está automaticamente produzindo cultura, sem que para isto seja preciso ser um artista, um intelectual, ou um artesão. A própria linguagem, e as práticas discursivas que constituem a substância da vida social, embasam esta noção mais ampla de Cultura. ‘Comunicar’ é produzir Cultura, e de saída isto já implica na duplicidade reconhecida entre Cultura Oral e Cultura Escrita (sem falar que o ser humano também se comunica através dos gestos, do corpo, e da sua maneira de estar no mundo social, isto é, do seu ‘modo de vida’). [...] ao ler este livro, um leitor comum também está produzindo cultura. A leitura, enfim, é prática criadora – tão importante quanto o gesto da escritura do livro. Pode-se dizer, ainda, que cada leitor recria o texto original de uma nova maneira – isto de acordo com os seus âmbitos de ‘competência textual’ e com as suas especificidades (inclusive a sua capacidade de comparar o texto com outros que leu, e que podem não ter sido previstos ou sequer conhecidos pelo autor do texto original que está se prestando à leitura). Desta forma, uma prática cultural não é constituída apenas no momento da produção de um texto ou de qualquer outro objeto cultural, ela também se constitui no momento da recepção. [...]” (p. 57) “Desde já, para aproveitar o exemplo acima discutido, poderemos evocar a delimitação de História Cultural elaborada por Georges Duby. Para o historiador francês, este campo historiográfico estudaria dentro de um contexto social os ‘mecanismos de produção dos objetos culturais’ (aqui entendidos como quaisquer objetos culturais, e não apenas as obras-primas oficialmente reconhecidas). [...] A História cultural enfoca não apenas os mecanismos de produção dos objetos culturais, como também os seus mecanismos de recepção (e já vimos que, de um modo ou de outro, a recepção é também uma forma de produção). [...]” (p.58) “As noções que se acoplam mais habitualmente à de “cultura” para constituir um universo de abrangência da História Cultural são as de “linguagem” (ou comunicação), “representações”, e de “práticas” (práticas culturais, realizadas por seres humanos em relação uns com os outros e na sua relação com o mundo, o que em última instância inclui tanto as ‘práticas discursivas’ como as ‘práticas não-discursivas’). Para além disto, a tendência nas ciências humanas de hoje é muito mais a de falar em uma ‘pluralidade de culturas’ do que em uma única Cultura tomada de forma generalizada. [...]” (p. 59) Jorge C. Freitas - fichamento 14
  • 15. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens "Os objetos da História Cultural, face à noção complexa de cultura que hoje predomina nos meios da historiografia profissional, são números (ver Quadro 2). A começar pelos objetos que já faziam parte áos antigos estudos historiográficos da Cultura, continuaremos mencionando o âmbito das Artes, da Literatura e da Ciência - campo já de si multidiversificado, no qual podem ser observados desde as imagens que o homem produz de si mesmo, da sociedade em que vive e do mundo que o cerca, até as condições sociais de produção e circulação ios objetos de arte e literatura. Fora estes objetos culturais já de há muito reconhecidos, e que de resto sintonizam com a “cultura letrada”, incluiremos todos os objetos da ‘cultura material’ e os materiais (concretos ou não) oriundos da “cultura popular” produzida ao nível da ida cotidiana através de atores de diferentes especificidades sociais." (p.59) “De igual maneira, uma nova História Cultural interessar-se-á pelos sujeitos produtores e receptores de cultura - o que abarca tanto a função social dos ‘intelectuais’ de todos os tipos (no sentido amplo, conforme veremos adiante), até o público receptor, o leitor comum, ou as massas capturadas modernamente pela chamada ‘indústria cultural’ (esta que, aliás, também pode ser relacionada como uma agência produtora e difusora de cultura). Agências de produção e difusão cultural também se encontram no âmbito institucional: os Sistemas Educativos, a Imprensa, os meios de comunicação, as organizações socioculturais e religiosas. Para além dos sujeitos e agências que produzem a cultura, estuda-se os meios através dos quais esta se produz e se transmite: as práticas e os processos. Por fim, a ‘matéria-prima’ cultural propriamente dita (os padrões que estão por trás dos objetos culturais produzidos): as “visões de mundo”, os sistemas de valores, os sistemas normativos que constrangem os indivíduos, os ‘modos de vida’ relacionados aos vários grupos sociais, as concepções relativas a estes vários grupos sociais, as ideias disseminadas através de correntes e movimentos de diversos tipos. Com um investimento mais próximo à História das Mentalidades, podem ser estudados ainda os modos de pensar e de sentir tomados coletivamente. Estes inúmeros objetos da História Cultural - distribuídos ou partilhados entre os cinco eixos fundamentais acima citados (objetos culturais, sujeitos, práticas, processos e padrões) - têm constituído um foco especial de interesses da parte de vários historiadores do século XX. [...]” (p. 61) Jorge C. Freitas - fichamento 15
  • 16. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens “[...] A Escola Inglesa do Marxismo - com autores como Thompson, Eric Hobsbawm e Christopher Hill - especializou-se por exemplo em uma tríplice articulação entre a História Cultural, a História Social e a História Política. [...] A renovação dos estudos culturais trazida pela Escola Inglesa tem sido fundamental para repensar o Materialismo Histórico - particularmente para flexibilizar o já desgastado esquema de uma sociedade que seria vista a partir de uma cisão entre infra-estrutura e superestrutura. Com os marxistas da Escola Inglesa, o mundo da Cultura passa a ser examinado como parte integrante do “modo de produção”, e não como um mero reflexo da infra-estrutura econômica de uma sociedade. Existiria, de acordo com esta perspectiva, uma interação e uma retro-alimentação contínua entre a Cultura e as estruturas econômico-sociais de uma Sociedade. Desaparecem aqueles esquemas simplificados que preconizavam um determinismo linear e que haviam sido defendidos pela historiografia stalinista, e que, rigorosamente, também já haviam sido criticados por Antonio Gramsci, outro historiador marxista especialmente preocupado com o campo cultural. [...]” (p. 62)xi "Ao refletir sobre os usos do conceito de “classe social”, de saída o historiador inglês coloca-se à distância dos pensadores marxistas que viam a classe social como uma “estrutura” ou como uma “categoria” abstrata. Guarda a mesma distância dos que viam a classe como uma “coisa”7 . Classe social, para Thompson, é algo que ocorre efetivamente, e cuja ocorrência pode ser demonstrada empiricamente pela análise histórica, mas como uma “relação”. Não adianta simplesmente parar a História com a esperança de flagrar a classe social como se esta fosse um corpo inerte estendido em uma mesa de operações (para utilizar uma imagem do próprio Thompson). A classe social tem de ser percebida como “relação” e “processo”, em meio ao devir histórico, e preferencialmente em pontos privilegiados do desenvolvimento de uma “consciência de classe”. Assim, o historiador que examinar determinados grupos de homens em um período adequado de mudanças sociais será capaz de observar precisamente certos padrões em suas relações, suas ideias e 7 “Existe atualmente uma tentação generalizada em se supor que classe é uma coisa. Não era esse o significado em Marx, em seus escritos históricos, mas o erro deturpa muitos textos ‘marxistas’ contemporâneos. ‘Ela’, a classe operária, é tomada como tendo uma existência real, capaz de ser definida quase matematicamente - uma quantidade de homens que se encontra numa certa proporção com os meios de produção. [...] Mas um erro semelhante é cometido diariamente do outro lado da linha divisória ideológica. Sob certa forma, é uma negação pura e simples” (A Formação da Classe Operária Inglesa, vol. I, p. 10). Jorge C. Freitas - fichamento 16
  • 17. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens instituições8 . A classe, além de seu componente econômico, deve então ser vista como uma formação social e cultural." (p.63-64) "[...] Neste sentido, estudou - sem usar este termo - o imaginário sobrenatural e apocalíptico das seitas radicais9 , as ideias que circulavam nas pequenas rodas intelectuais, as práticas culturais das camadas populares para encaminhar sua resistência aos poderes instituídos. Examinou sonhos extraídos de diários, as canções, os jornais populares, os panfletos, os tratados, os sermões de pregadores radicais, as petições de trabalhadores, os aforismas de William Blake, o código popular não escrito em contraste com o código legal... nada do que era cultural lhe foi estranho. A leitura dos três volumes de Formação da Classe Operária Inglesa oferece uma verdadeira aula de História Cultural trabalhada na conexão com uma História Política de novo tipo. Mas o texto angular, que sintetiza as ideias fundamentais de Thompson a respeito da Cultura ao mesmo tempo em que mostra um lastro de diversificadas pesquisas de História Cultural realizadas pelo historiador britânico entre 1960 e 1977, aparece sob o título de “Foiclore, Antropologia e História Social”10 . Para além de advogar a necessidade de um diálogo com a antropologia, Thompson já revela agora uma consciência muito clara de sua posição dentro de uma História da Cultura. Ao velho dito de que “sem produção não há história”, acrescenta que “sem cultura não há produção”11 " (p.64-65) “Os donos do poder representam seu teatro de majestade, superstição, poder, riqueza e justiça sublime. Os pobres encenam seu contrateatro, ocupando o cenário das ruas dos mercados e empregando o simbolismo do protesto e do ridículo”12 " (p.65)xii "Aspectos relacionados à violência simbólica - seja a violência simbólica do Estado ou a violência simbólica do protesto popular - são articulados à noção utilizada por Thompson de "teatro do controle”. Em relação ao primeiro aspecto, o do “teatro de 8 “A consciência de classe é a forma como essas experiências são tratadas em termos culturais: encarnadas em tradições, sistemas de valores, ideias e formas institucionais” (op. cit., p. 10). 9 Thompson prefere falar em uma ‘‘imagística milenarista” (op. cit., vol. I, p. 49). 10 Edward P. THOMPSON, “Folklore, anthropology and social history”. The Indian Historical Review, n° 2, 1977. 11 “Folclore, Antropologia e História Social”. In Ai peculiaridades dos ingleses e outros artigos, p. 258- 259. 12 Id. ibid., p. 239-240. Jorge C. Freitas - fichamento 17
  • 18. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens controle” exercido através das execuções públicas na Inglaterra do século XVIII, (...)" (p.65)xiii "[...] Adicionalmente às contribuições sintetizadas neste artigo, torna-se extremamente relevante a preocupação de Thompson em examinar a Cultura e a Sociedade não do ponto de vista do poder instituído, das instituições oficiais ou da literatura reconhecida, mas sim da perspectiva popular, marginal, incomum, não-oficial, das classes oprimidas - o que também o coloca como um dos pioneiros da chamada História Vista de Baixo13 . É esta nova perspectiva que culmina com Senhores e Caçadores (1975), obra que é o ponto de partida para resgatar a vida dos camponeses da Inglaterra, suas lutas pelos direitos de utilizarem as florestas para a caça, seus modos de resistência ao poder constituído14 ." (p.66) "Poucos autores como Edward Thompson influenciaram tanto ã historiografia cultural no Brasil. [...] Em outras obras, João José Reis, conjuntamente com Kátia Mattoso, já havia sido um dos primeiros a chamar atenção para o fato de que os escravos brasileiros não eram apenas vítimas, mas utilizavam-se da escravidão para negociar e da sua inteligência para elaborar estratagemas e ardis que podem ser encarados como formas de resistência contra o poder que os submetia." (p.67) “[...] Antes que a historiografia marxista se abrisse à explosão dos novos objetos explorados pela Escola Inglesa - que assume um conceito amplo de Cultura ao abarcar a cultura popular e também a cultura em seu sentido mais antropológico - foram estes autores que abriram caminhos para uma História Cultural alicerçada nos fundamentos do Materialismo Histórico.” (p. 69) “Com Gramsci teremos novos elementos de interesse para uma História Cultural. Em primeiro lugar, o filósofo italiano afirma que todos os homens, sem exceção, são intelectuais - mesmo que não desempenhem na sociedade a função estrita de intelectuais15 13 O rótulo “História Vista de Baixo” aparece pela primeira vez em um artigo de Edward Thompson (“History from Below”, The Times Literary Supplement, 7 de abril de 1966, p. 278-280). Posteriormente, foi publicado um livro intitulado History from Below que consagrou o termo (History from Below: Studies in Popular Protest and Popular Ideology. Oxford: ed. Frederick Krantz, 1988). No Brasil, o artigo de Thompson sobre “A História vista de Baixo” foi incluído na coletânea de artigos As peculiaridades dos ingleses, op. cit., p. 185-201. Deve-se notar ainda que “História Vista de Baixo” não é bem uma especialidade da História, senão uma atitude de examinar a História. 14 Edward P. THOMPSON, Senhores e Caçadores: a origem da lei negra, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 15 Antonio GRAMSCI, Os Intelectuais e a Formação da Cultura, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982 [original póstumo: 1949]. Jorge C. Freitas - fichamento 18
  • 19. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens Isto abriria, no futuro, a possibilidade de estudos sobre a multi-diversificação de sujeitos produtores de cultura. [...]” (p. 70) “Outra torrente de renovações que incide decisivamente sobre as perspectivas de uma nova História Cultural advém da chamada Escola de Frankfurt - tendência do Materialismo Histórico que propõe uma radical renovação do marxismo e que incorpora um atento diálogo com a Psicanálise e com as teorias da Comunicação, enveredando a partir daí por estudos que privilegiam diversificados aspectos culturais da vida social. [...]" (p.71) "Além de suas renovadoras críticas à racionalidade moderna, ao autoritarismo e ao totalitarismo político (inclusive à vertente stalinista da época) os temas privilegiados pela Escola de Frankfurt e que interessam mais propriamente a uma História Cultural voltam-se para a cultura de massas, para o papel da ciência e da tecnologia na sociedade moderna, para a família, para a sexualidade. Aparece ainda um especial interesse pelos problemas relacionados à alienação, à perda de autonomia do sujeito na sociedade industrializada. Para compreenderem todos estes objetos a partir de uma perspectiva aberta, os frankfurtianos expandem audaciosamente os limites do Materialismo Histórico: fiéis aos textos primordiais de Marx - notadamente àqueles que abordam a alienação, a ideologia, o fetichismo da mercadoria e a dimensão cultural e filosófica tocada pelos Manuscritos de 1844 - eles também se tomam leitores atentos de Nietzsche, de Hei- degger, de Freud. [...]” (p. 71-72) “As contribuições de Habermas para uma teoria social da Cultura têm a sua pedra angular na percepção do fato fundamental de que a sociedade e a cultura são estruturadas em torno ou através de ‘símbolos’ - símbolos que exigem, naturalmente, interpretação. (...)” (p. 72) “A atenção às relações entre Cultura e Linguagem está na base de uma série de outros desenvolvimentos importantes para uma teorização da Cultura. Como a linguagem é essencialmente dialógica (envolve necessariamente um confronto plural de vozes diferenciadas) os diálogos entre a Sociologia da Cultura e a linguística acabaram abrindo espaço para uma concepção mais plural e dialógica da própria Cultura. Nesta esteira, é ainda dentro do Materialismo Histórico que encontraremos a inspiração para uma História Cultural que tomaremos a liberdade de adjetivar como “polifônica”. Pensar a Cultura em termos de polifonia é buscar as suas múltiplas vozes, seja para identificar a interação e o Jorge C. Freitas - fichamento 19
  • 20. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens contraste entre extratos culturais diversificados no interior de uma mesma sociedade, seja para examinar o diálogo ou o “choque cultural” entre duas culturas ou civilizações distintas.” (p. 73) “Ainda fora da historiografia marxista ou de inspiração marxista, outro campo destacado nos estudos de história cultural coube a um grnpo de historiadores franceses que tem dois de seus principais representantes em Roger Chartier e em Michel de Certeau. Ambos atuam em consonância com o sociólogo Pierre Bourdieu, que é um autor de grande importância para a conexão entre História Cultural e História Política. [...]xiv Mas a contribuição decisiva de Roger Chartier para a História Cultural está na elaboração das noções complementares de “práticas” e “representações”. De acordo com este horizonte teórico, a Cultura (ou as diversas formações culturais) poderia ser examinada no âmbito produzido pela relação interativa entre estes dois polos. Tanto os objetos culturais seriam produzidos “entre práticas e representações”, como os sujeitos produtores e receptores de cultura circulariam entre estes dois polos, que de certo modo corresponderiam respectivamente aos ‘modos de fazer’ e aos ‘modos de ver’. Será imprescindível clarificar, neste passo, estas duas noções que hoje são de importância primordial para o historiador da Cultura.” (p. 75-76)xv “’O que são as “práticas culturais’? [...]São práticas culturais não apenas a feitura de um livro, uma técnica artística ou uma modalidade de ensino, mas também os modos como, em urna dada sociedade, os homens falam e se calam, comem e bebem, sentam-se e andam, conversam ou discutem, solidarizam-se ou hostilizam-se, morrem ou adoecem, tratam seus loucos ou recebem os estrangeiros.xvi [...] Entre o fim do século XI e o início do século XIII, o pobre, e entre os vários tipos de pobres o mendigo, desempenhava um papel vital e orgânico nas sociedades cristãs do Ocidente Europeu. A sua existência social era justificada como sendo primordial para a “salvação do rico”. Consequentemente, o mendigo - pelo menos o mendigo conhecido - era bem acolhido na sociedade medieval. Toda comunidade, cidade ou mosteiro queria ter os seus mendigos, pois eles eram vistos como laços entre o céu e a terra - instrumentos através dos quais os ricos poderiam exercer a caridade para expiar os seus pecados. Esta visão do pobre como ‘instrumento de salvação para o rico’, antecipemos desde já, é uma ‘representação cultural’.” (p. 77)xvii Jorge C. Freitas - fichamento 20
  • 21. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens “Estas ‘representações’ medievais do pobre, com seus sutis deslocamentos, são complementares a inúmeras ‘práticas’. Desenvolvem-se as instituições hospitalares, os projetos de educação para os pobres, as caridades paroquiais, as esmolarias de príncipes. [...]” (p. 78) “No século XVI, o mendigo forasteiro será recebido com extrema desconfiança. Ele passa a ser visto de maneira cada vez mais excludente. Suas ‘representações’, em geral, tendem a estar inseridas no âmbito da marginalidade. Pergunta-se que doenças estará prestes a transmitir, se não será um bandido, porque razões não permaneceu no seu lugar de origem, por que não tem uma ocupação qualquer. Assim mesmo, quando um mendigo forasteiro aparecia em uma cidade, no século XVI ele ainda era tratado e alimentado antes de ser expulso. Já no século XVII, ele teria a sua cabeça raspada (um sinal representativo de exclusão), algumas décadas depois ele passaria a ser açoitado, e já no fim deste século a mendicidade implicaria na condenação”16 . O mendigo, que na Idade Média beneficiara-se de uma representação que o redefinia “instrumento necessário para a salvação do rico”, era agora penalizado por se mostrar aos po deres dominantes como uma ameaça contra o sistema de trabalho assalariado do Capitalismo, que não podia desprezar braços humanos de custo barato para pôr em movimento suas máquinas e teares, e nem permitir que se difundissem exemplos e modelos inspiradores de vadiagem. O mendigo passava a ser representado então como um desocupado, um estorvo que ameaçava a sociedade (e não mais como um ser merecedor de caridade). Ele passa a ser então assimilado aos marginais, aos criminosos – sua representação mais comum é a do vagabundo. [...]” (p. 79-80) “[...] Um sistema educativo inscreve-se em uma prática cultural, e ao mesmo tempo inculca naqueles que a ele se submetem determinadas representações destinadas a moldar certos padrões de caráter e a viabilizar um determinado repertório linguístico e comunicativo que será vital para a vida social, pelo menos tal como a concebem os poderes dominantes. Em todos estes casos, como também no exemplo do mendigo desenvolvido 16 Estas mudanças de práticas foram examinadas por Michel Foucault em obras como O nascimento da Clínica e Vigiar e Punir, e Fernando Braudel as sintetiza em um passo de Civilização Material, Economia e Capitalismo. Em O Capital, Marx também examina as rigorosas leis contra a pobreza ‘não inserida’ no novo sistema de trabalho assalariado produzido pelo Capitalismo. Jorge C. Freitas - fichamento 21
  • 22. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens mais acima, as práticas e representações são sempre resultado de determinadas motivações e necessidades sociais." (p.81) "As noções complementares de “praticas e representações” são bastante úteis, porque através delas podemos examinar tanto os objetos culturais produzidos, os sujeitos produtores e receptores de cultura, os processos que envolvem a produção e difusão cultural, os sistemas que dão suporte a estes processos e sujeitos, e por fim as normas a que se conformam as sociedades quando produzem cultura, inclusive através da consolidação de seus costumes.” (p. 81-82) “Com o tempo uma “noção” pode ir se transformando em “conceito”, à medida em que adquire uma maior delimitação e em que uma comunidade científica desenvolve uma consciência maior dos seus limites, da extensão de objetos à qual se aplica. Os “conceitos”, pode-se dizer, são instrumentos de conhecimento mais elaborados, longamente amadurecidos, o que não impede que existam conceitos com grande margem de polissemismo (como o conceito de “ideologia” ou, tal como já dissemos, como o próprio conceito de ‘cultura’). ‘Práticas’ e ‘representações’ são ainda noções que estão sendo elaboradas no campo da História Cultural. Mas, tal como já ressaltamos, elas têm possibilitado novas perspectivas para o estudo historiográfico da Cultura, porque juntas permitem abarcar um conjunto maior de fenômenos culturais, além de chamarem atenção para o dinamismo destes fenômenos. [...]” (p. 83) “’Símbolo’ é uma categoria teórica já há muito tempo amadurecida no seio das ciências humanas - seja na História, na Antropologia, na Sociologia ou na Psicologia. Não é mais uma 'noção’, mas sim um ‘conceito’ que pode ser empregado ‘quando o objeto considerado é remetido para um sistema de valores subjacente, histórico ou ideal’. [...]" (p.84) "As representações podem ainda ser apropriadas ou imprimidas de uma direção socialmente motivada, situação que remete a outro conceito fundamental para a História Cultural, que é o de “ideologia”. A Ideologia, de fato, é produzida a partir da interação de subconjuntos coerentes de representações e de comportamentos que passam a reger as atitudes e as tomadas de posição dos homens nos seus inter-relacionamentos sociais e políticos. [...]” (p. 84) Jorge C. Freitas - fichamento 22
  • 23. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens “[...] A difusão de uma franca hostilidade com relação ao mendigo do período moderno e a impregnação de novas tecnologias de exclusão nos discursos que o tomam como objeto (a sua classificação como vagabundo, a raspagem da cabeça) acabam fazendo com que sem querer a maioria das pessoas da sociedade industrial comecem a pressionar todos os seus membros a encontrarem uma ocupação no sistema capitalista de trabalho. Isto é um processo ideológico. Por vezes, a ideologia aparece como um projeto de agir sobre determinado circuito de representações no intuito de produzir determinados resultados sociais. [...]” (p. 85) “A ideologia, poderíamos dizer, corresponde a urna determinada forma de construir representações ou de organizar representações já existentes para atingir determinados objetivos ou reforçar determinados interesses. [...] Também se discute se ideologia é uma dimensão que se refere à totalidade social (uma instância ideológica) ou se existem ideologias associadas a determinados grupos ou classes sociais (ideologia burguesa, ideologia proletária). Na verdade, ideologia é um conceito que tem sido empregado por autores distintos com inúmeros sentidos no campo das ciências humanas, e por isto um historiador que pretenda utilizar este conceito deve se apressar a definir com bastante clareza o sentido com o qual o está utilizando. [...]” (p. 86) “Esclarecidos os conceitos fundamentais que acabam permeando qualquer reflexão encaminhada pela História Cultural - ideologia, símbolo, representação, prática - poderemos voltar ao horizonte teórico inaugurado por Chartier (1980) dentro do enfoque histórico-cultural - e que tem na noção de “representação” um dos seus alicerces fundamentais. De fato, a história cultural, tal como a entende o historiador francês, ‘tem por principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade cultural é construída, pensada, dada a ler17 ’”. (p. 87) “Para além das variedades de História Cultural, a História Antropológica também enfoca a 'Cultura’, mas mais particularmente nos seus sentidos antropológicos. Privilegia problemas relativos à ‘alteridade’, e interessa-se especialmente pelos povos ágrafos. pelas minorias, pelos modos de comportamento não- convencionais, pela organização familiar, pelas estruturas de parentesco. Em alguns de seus interesses, irmana-se com a Etno- História, por vezes assimilando esta última categoria histórica aos seus quadros. 17 Roger CHARTIER, “Por uma sociologia histórica das práticas culturais”. In A História Cultural - entre práticas e representações, Lisboa: DIFEL, 1990. Jorge C. Freitas - fichamento 23
  • 24. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens De certo modo, o que funda a História Antropológica como um campo novo, mais específico que a História Cultural, é a utilização da antropologia como modelo, mais do que os objetos antropológicos propriamente ditos. [...]” (p. 90) 6. História do Imaginário “[...] A História do Imaginário estuda essencialmente as imagens produzidas por uma sociedade, mas não apenas as imagens visuais, como também as imagens verbais e, em última instância, as imagens mentais. O Imaginário será aqui visto como uma realidade tão presente quanto aquilo que poderíamos chamar de “vida concreta”. Esta perspectiva sustenta-se na ideia de que o imaginário é também reestruturante em relação à sociedade que o produz. [...]” (p. 91)xviii “A noção de Imaginário é polêmica. Já vimos que ela conserva interfaces com a noção de ‘representação’, e que em algumas situações os dois campos se invadem reciprocamente. Jacques Le Goff destacava que ‘o imaginário pertence ao campo da representação, mas ocupa nele a parte da tradução não reprodutora, não simplesmente transposta em imagem do espírito mas criadora, poética no sentido etimológico da palavra”18 . Para o historiador francês, como aliás para Castoriadis em sua obra pioneira sobre A Invenção Imaginária da Sociedade, o Imaginário não pode ser examinado como algo estático. [...]” (p. 92) “[...] Todavia, embora existam alguns objetos em comum, a História do Imaginário guarda alguma distância em relação à História das Mentalidades. Esta última está muito associada à ideia de que existe em qualquer sociedade algo como uma “mentalidade coletiva”, que para alguns seria uma espécie de estrutura mental que só se transforma muito lentamente, às vezes dando origem a permanências que se incorporam aos hábitos mentais de todos os que participam da formação social (apesar de transformações que podem estar se operando rapidamente nos planos econômico e político). A História do Imaginário não se ocupa propriamente destas longas durações nos modos de pensar e de sentir, mas sim da articulação das imagens visuais, verbais e mentais com a própria vida que flui em uma determinada sociedade. [...]" (p.94) 18 Jacques LE GOFF, O Imaginário Medieval, p. 12. Jorge C. Freitas - fichamento 24
  • 25. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens "[...] A História das Mentalidades busca captar modos coletivos de sentir (a história de um sentimento como o “medo”), padrões de comportamento e atitudes recorrentes (os complexos mentais e emocionais que estão por trás das crenças e práticas da feitiçaria, as atitudes do homem diante da morte). Já a História do Imaginário volta-se para objetos mais definidos: um determinado padrão de representações, um repertório de símbolos e imagens com a sua correspondente interação na vida social e política, o papel político ou social de certas cerimônias ou rituais, a recorrência de determinadas temáticas na literatura, a incorporação de hierarquias e interditos sociais nos modos de vestir, a teatralização do poder.” (p. 94-95) “Um historiador do Imaginário estaria menos interessado nestes modos coletivos de sentir do que nas imagens socialmente produzidas, mesmo que em alguns casos estas imagens sejam produzidas por padrões coletivos de sentimento e de sensibilidade.” (p. 96) “[...] Durante o período Nazista na Alemanha do século XX, por exemplo, um riquíssimo Imaginário foi construído em umas poucas décadas em tomo da suástica, da imagem do super-homem de raça pura, da simbologia do Reich e do papel do Fiihrer no centro ou no topo deste imaginário político. Um Imaginário que aflora repentinamente, mesmo que recolhendo materiais seculares como as ideias pan-germanistas e as hostilizações antissemitas.” (p. 97) “O historiador do Imaginário começa a fazer uma história problematizada quando relaciona as imagens, os símbolos, os mitos, as visões de mundo a questões sociais e políticas de maior interesse — quando trabalha os elementos do Imaginário não como um fim em si mesmos, mas como elementos para a compreensão da vida social, econômica, política, cultural e religiosa. [...]” (p.98-99) “Este contraste entre a busca de modos de sentir mais abstratos (medo, pavor da morte, afetos) e a intenção de decifrar a profusão de imagens visuais, verbais e mentais pode esclarecer algumas das fronteiras e pontos de contato entre a História das Mentalidades e a História do Imaginário. [...]” (p.99) “De um modo geral, a diferença entre a História das Mentalidades e a História do Imaginário acaba por produzir uma tendência a abordagens distintas. Não raro, chega-se às Mentalidades de maneira indireta, frequentemente através de indícios, de detalhes que são reveladores de atitudes coletivas e de modos de sentir comuns a toda uma sociedade. Já o Imaginário pode ser muitas vezes apreendido por uma análise mais direta do discurso, seja Jorge C. Freitas - fichamento 25
  • 26. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens este um discurso verbal ou visual, empregando para tal desde análises topológicas até recursos semióticos (e também métodos iconográficos e iconológicos para o caso das imagens visuais).” (p.100) “Em muitos casos, um circuito de elementos do Imaginário Social pode ser produzido ou apropriado por circunstâncias políticas ou, tal como já mencionamos, mesmo por uma arquitetura do poder. Também não são raros os casos em que o Imaginário encontra um leito em determinadas condições sociais, ou que se adapte a certas motivações políticas. [...]” (p.104) “Cada sociedade, ou cada sistema político, pode produzir um imaginário do governante que lhe seja mais apropriado. A estruturação do poder absolutista francês no século XVII, por exemplo, adaptou-se com muita eficácia a imagem do Rei-Sol difundida por Luís XIV. Outrossim, a história nos oferece inúmeros imaginários régios; o rei taumaturgo, o rei-sábio, o rei santo, apenas para citar alguns. [...] Mas a História do Imaginário também pode seguir por outros caminhos. Existe o estudo mais direto das imagens visuais, perceptíveis por exemplo nas iconografias, ou das imagens verbais empregadas na literatura - não propriamente para percebei um fundo mental que as sustenta, como no caso dos já menciona dos exemplos de Michel Vovelle, mas para estudar estas imagens visuais e literárias em si mesmas. Neste ponto, a História do Imaginário partilha seus objetos com uma “história das imagens” propriamente dita, ou com uma “história das representações”, que são na verdade ‘domínios da história’ (ou seja, campos temáticos à disposição do historiador). São domínios que, naturalmente, também podem ser partilhados por uma História Cultural. [...]” (p.105) “O importante no estudo de imagens como fontes históricas é buscar metodologias próprias com a atenção de que existe uma diferença clara entre o discurso visual e o discurso escrito. Deve-se evitar, naturalmente, aquela tentação ou até mesmo inocência de se utilizar a fonte iconográfica como mera ilustração que confirma o que o historiador já percebeu através do discurso escrito de outra fonte que está sendo trabalhada paralelamente. A imagem visual, é o que queremos ressaltar, tem ela mesmo algo a ser Jorge C. Freitas - fichamento 26
  • 27. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens dito. É preciso fazê-la falar com as perguntas certas, ou, para utilizar uma metáfora de Vovelle, arrancar da imagem certas ‘confissões involuntárias.19 ’” (p.106) 7. História Política e História Social “[...] O que autoriza classificar um trabalho historiográfico dentro da História Política é naturalmente o enfoque no “Poder”. Mas que tipo de poder? Pode-se privilegiar desde o estudo do poder estatal até o estudo dos micropoderes que aparecem na vida cotidiana.” (p.106-107)xix “Objetos da História Política são todos aqueles que são atravessados pela noção de ‘poder’ (quadro 3) [...] A Guerra, a Diplomacia, as Instituições, ou até mesmo a trajetória política dos indivíduos que ocuparam lugares privilegiados na organização do poder - tudo isto começa a retornar a partir do final do século com um novo interesse.” (p.108-109) “De outro lado, além destes objetos que se referem às relações entre as grandes unidades políticas e aos modos de organização destas grandes unidades políticas que são os Estados e as Instituições, ganham especial destaque as relações políticas entre grupos sociais de diversos tipos. A rigor, as 'ideologias' e os movimentos sociais e políticos (por exemplo as Revoluções) sempre constituíram pontos de especial interesse por parte da nova historiografia que se inicia com o século XX. [...] A dimensão historiográfica mais sujeita a oscilações de significado é precisamente a da História Social, categoria que por ocasião do surgimento dos Annales foi construída - ao lado da História Econômica - por oposição à História Política tradicional. Nesta esteira, houve quem direcionasse a expressão “História Social” para uma história das grandes massas ou para uma história dos grupos sociais de várias espécies (em contraste com a biografia dos grandes homens e com a História das Instituições).” (p.109)xx “Mas, por fim, indicamos ainda uma categoria que é obviamente uma das mais importantes: a dos ‘processos’ (industrialização, modernização, colonização, ou quaisquer outros, inclusive as revoluções, que aparecem incluídas na rubrica ‘movimentos sociais’). É importante indicar que a História Social também estuda estes ‘processos’, e não apenas modos de organização ou estruturas, pois caso contrário a História Social poderia ser vista como uma História estática, e não dinâmica." (p.112) 19 Michel VOVELLE, “Iconografia e História das Imagens”. In Ideologias e Mentalidades, p. 70 [original: 1978]. Jorge C. Freitas - fichamento 27
  • 28. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens "[...] As repercussões sociais dos fatos políticos e econômicos, seja nos grupos específicos ou em um conjunto mais amplo, devem ser também objetos privilegiados para os historiadores sociais. [...] Não é o tipo de fato - político, econômico, social ou cultural por definição - o que define uma subespecialidade da História, mas sim o enfoque que o historiador dá a cada um destes tipos de fatos. [...]” (p.112-113) “Se a História Social foi se constituindo desde o princípio como uma subespecialidade da História, direcionada para objetos bem específicos e que se distinguiam dos objetos das outras histórias, por outro lado a noção de “História Social” também foi vinculada por alguns pensadores e historiadores a uma “história total”, encarregada de realizar uma grande síntese da diversidade de dimensões e enfoques pertinentes ao estudo de uma determinada comunidade ou formação social. Portanto, estaria a cargo da História Social criar as devidas conexões entre os campos político, econômico, mental e outros - o que implica que nesta acepção a História Social deixa de ser uma modalidade mais específica, como qualquer outra, para se tomar o campo histórico mais abrangente que se abriria à possibilidade da mediação ou da síntese ... História Social como História da Sociedade...” (p. 113-114) “Qualquer informação historicizada pode ser tratada socialmente, é correto dizer. Mas é também verdade que nem toda História é necessariamente social. Se é possível elaborar uma História Social das Ideias ou uma História Social da Arte, é possível também elaborar uma História das Ideias ou uma História da Arte que se restrinjam a discutir obras do pensamento ou da criação artística sem reestruturá-las dentro do seu ambiente social mais amplo. [...]” (p.116) “Com relação aos já mencionados objetos da História Social (seja enquanto especialidade particular, seja no sentido totalizador), convém lembrar que se apresenta uma tendência cada vez maior para o exame da sociedade em toda a sua complexidade, superando o manejo de categorias sociais estereotipadas e de dicotomias generalizadoras. [...]” (p.117) “Posso trabalhar um grupo racial segregado em uma dada realidade urbana do ponto de vista de uma História Social ou do ponto de vista de uma Etno-História. Ou posso trabalhá-lo do ponto de vista de uma interconexão de História Social e Etno- História. Os movimentos sociais, por exemplo, dificilmente podem ser trabalhados fora de uma conexão entre o Social e o Político (e que, possivelmente, incluirá ainda o Econômico). Já Jorge C. Freitas - fichamento 28
  • 29. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens um processo como o da ‘industrialização’ pode receber um enfoque social, ou um enfoque mais propriamente econômico (ou o duplo enfoque, que é sempre uma boa alternativa). De igual maneira, a célula familiar pode ser examinada por um viés social ou por um viés de antropologia histórica. O Cotidiano de uma determinada comunidade ou grupo social pode ser avaliado do ponto de vista de uma História da Cultura Material, pronta a recuperar os seus bens materiais e os seus usos (sociais), ou pode ser avaliado mais propriamente de uma perspectiva da História Social, conforme veremos em alguns exemplos posteriores, manifestando-se a preocupação em recuperar as formas de sociabilidade, os conflitos entre os indivíduos pertencentes aos vários grupos sociais, os entrechoques ideológicos, e toda uma rede de aspectos que constitui inegavelmente um território mais definido da subespecialidade História Social.” (p.119) “Com relação às conexões da História Social com as ‘abordagens’, elas podem se estabelecer tanto no nível dos tratamentos qualitativos, como no nível dos tratamentos quantitativos. Da mesma forma, a História Social pode ser elaborada tanto do ponto de vista de uma Macro-História, que examina de um lugar mais distanciado aspectos como os movimentos sociais ou como a estratificação social de uma determinada realidade humana, como pode ser elaborada do ponto de vista de uma Micro-História, que se aproxima para enxergar de perto o cotidiano, as trajetórias individuais, as práticas que só são percebidas quando é examinado um determinado tipo de documentação em detalhe (por exemplo os inquéritos policiais, os documentos da Inquisição, mas também determinadas produções culturais do âmbito popular onde transpareçam elementos da vida cotidiana, das relações familiares, e assim por diante). As diferenças entre Macro-História e Micro-História ficarão mais claras no item relativo a este último tipo de abordagem.” (p.120) “É mais raro que a História Social vá encontrar fontes relativas aos grupos menos favorecidos na documentação privada (diários, livros de memória, relatos de viagem, correspondência) porque estes tipos de textos nem sempre são conservados depois que os seus autores desaparecem. Mas, na medida em que avança para classes mais favorecidas, o historiador já começa a dispor deste tipo de documentação. As fontes da História Social, enfim, são de inúmeras modalidades. Sua escolha, naturalmente, será orientada pelo problema histórico a ser definido e investigado pelo historiador.” (p.124)xxi Jorge C. Freitas - fichamento 29
  • 30. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens 8. História Econômica “Uma última divisão historiográfica relacionada ao tipo de enfoque ou dimensão que canaliza as atenções do historiador é a da História Econômica (quadro 5). [...]” (p.125) “Por outro lado, o enfoque do historiador econômico também pode se dirigir para a esfera da Circulação (ou da distribuição). Serão estudados aqui os ciclos econômicos, os preços, as trocas, o sistema financeiro. [...]" (p.127) "Fechando o circuito de interesses da História Econômica aparece a esfera do Consumo, com objetos que podem ir desde os aspectos relativos aos salários (poder de compra) até os hábitos de consumo dos vários grupos sociais. Estudar o consumo é estudar os modos como a riqueza é apropriada pelos vários grupos e forças sociais que se encontram em interação no interior de uma determinada sociedade. As tensões sociais, enfim, também se expressam nas relações de consumo, nas ostentações, nas carências, nos contrastes que dão a revelar a riqueza apropriada e que a colocam em contraposição à riqueza produzida. Esta ponta do triângulo econômico, portanto, estabelece uma interface com a História Social.” (p.127)xxii “[...] Há pares conceituais inevitáveis, como a “conjuntura” e a “estrutura”. Se o objeto estiver orientado para uma história dos preços, do consumo, da moeda, ou da produção na sua especificidade, será necessário dialogar com as diversas teorias dos ‘ciclos econômicos’. Por outro lado, é também da História Econômica estudar os modos ou estruturas de produção nas suas linhas gerais, no âmbito de temporalidades diversificadas como a Economia Antiga, a Economia Medieval ou a Economia Capitalista. Neste campo, o interesse do historiador desloca-se das especificidades quantitativas para os aspectos relacionados à interação entre Economia e Sociedade, surgindo aqui as célebres e polêmicas questões concernentes ao tipo de interação que nesta interface se produz (determinação linear e direta, determinação em última instância, reciprocidade, relativa autonomia?). Os problemas de ordem mais geral que devem prevenir e orientar uma investigação ou uma reflexão no âmbito da História Econômica podem ser alinhados com uma questão que é nossa velha conhecida: a do ‘anacronismo’. Este problema aparece mormente quando o historiador toma a si a tarefa de levantar e analisar economicamente os fatos Jorge C. Freitas - fichamento 30
  • 31. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens relativos a uma sociedade cujos próprios critérios para constituição de uma massa de dados estão presos a uma especificidade temporal - em uma palavra, quando ele impõe a si a tarefa de fazer uma análise econômica retrospectiva.” (p.128) 9. As abordagens “[...] Existem subdivisões possíveis da História que se referem ao ‘campo de observação’ com que os historiadores trabalham. E existem outras subdivisões que se referem ao tipo de fontes ou ao ‘modo de tratamento das fontes’ empregado pelo historiador. Em cada um destes casos, estas divisões da História referem-se mais aos ‘modos de fazer’ a pesquisa do que às dimensões sociais que são enfocadas pelo historiador (‘modos de ver’). Os critérios envolvidos por estas subdivisões são portanto divisões que estão mais relacionadas com Metodologia do que com Teoria. É o caso, por exemplo, da História Oral. Esta subdivisão historiográfica refere-se a um tipo de fontes com o qual o historiador trabalha, a saber, os testemunhos orais. [...] Um historiador pode estabelecer como enfoque a História Política ou a História Cultural, e selecionar como abordagem a História Oral. Isto significa que ele irá produzir o essencial dos seus materiais de investigação e reflexão a partir da coleta de depoimentos, que depois deverá analisar com os métodos adequados. Suas preocupações neste âmbito estarão relacionadas ao tipo de entrevista que será utilizado na coleta de depoimentos, aos cuidados na decodificação e análise destes depoimentos, ao uso ou não de questionários pré-direcionados, e assim por diante. Todos estes aspectos mais se referem a ‘métodos e técnicas’ do que a ‘aspectos teóricos’. A História Oral, enfim, remete a um dos caminhos metodológicos oferecidos pela História, e não a um enfoque, a um caminho teórico ou a um caminho temático.” (p.132-133)xxiii “A fonte histórica é aquilo que coloca o historiador diretamente em contato com o seu problema. Ela é precisamente o material através do qual o historiador examina ou analisa uma sociedade humana no tempo. Uma fonte pode preencher uma das duas funções acima explicitadas: ou ela é o meio de acesso àqueles fatos históricos que o historiador deverá reconstruir e interpretar (fonte histórica = fonte de informações sobre o passado), ou ela mesma... é o próprio fato histórico. Vale dizer, nesta último caso considera-se que o texto que se está tomando naquele momento como fonte é já aquilo que deve ser analisado, enquanto discurso de época a ser decifrado, a ser compreendido, a ser questionado. É neste Jorge C. Freitas - fichamento 31
  • 32. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens sentido que diremos que a fonte pode ser vista como ‘testemunho’ de uma época e como ‘discurso’ produzido em uma época.” (p.134-135)xxiv “[...] As abordagens semióticas, por exemplo, hoje utilizadas por vários historiadores, enriqueceram muito as possibilidades de fazer um texto falar sobre coisas que o próprio autor do texto não pretendia dizer. Quando alguém utiliza determinadas expressões e palavras, já está dizendo algo ao bom analista de textos, independente dos sentidos que ele pretende atribuir às palavras. A presença de certas imagens em um discurso, a recorrência de determinadas palavras, a maneira de organizar uma narrativa, as referências intertextuais (a outros textos) – sejam estas voluntárias, explícitas, implícitas ou involuntárias – tudo isto fala por si mesmo independente do ser falante que pronuncia o discurso.” (p.135)xxv “De acordo com a visão complexa e multidimensional do texto que se mostra a mais adequada para o historiador, podemos dizer que a análise de um discurso deve contemplar simultaneamente três dimensões fundamentais: o intratexto, o intertexto e o contexto. O ‘intratexto corresponde aos aspectos internos do texto e implica exclusivamente na avaliação do texto como objeto de significação; o ‘intertexto’ refere-se ao relacionamento de um texto com outros textos; e o contexto corresponde à relação do texto com a realidade que o produziu e que o envolve. São precisamente estas duas últimas dimensões que exigem que o texto, além de ser tratado como um objeto de significação em si mesmo, seja considerado também como objeto de comunicação.” (p.136-137) “Em que pesem as contribuições que o historiador possa extrair deste tipo de semiótica estruturalista que procura examinar o texto exclusivamente em si mesmo, desprezando as referências externas, a verdade é que sempre será muito importante para um historiador ‘contextualizar’ o texto com o qual está trabalhando. Todo texto é produzido em um lugar que é definido não apenas por um autor, pelo seu estilo e pela história de vida deste autor, mas principalmente por uma sociedade que o envolve, pelas dimensões desta sociedade que penetram no autor, e através dele no texto, sem que disto ele se aperceba. Uma época, uma sociedade, um ambiente social (rural, urbano), uma Instituição, uma rede de outros textos às quais o autor deverá se conformar, as regras de uma determinada prática discursiva ou literária, as características do gênero literário em que se inscreve o texto - tudo isto constrange o autor que escreve o texto, deixando nele Jorge C. Freitas - fichamento 32
  • 33. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens suas marcas a princípio indeléveis, mas que devem ser pacientemente decifradas pelos historiadores e outros analistas de textos.” (p.137) “Além de um lugar de produção, todo texto tem também um destino. Pode ser, por exemplo, um determinado receptor ou grupo de receptores (os leitores de um jornal ou de uma obra literária, a população que é comunicada acerca das decisões régias através de um edito). O receptor, mesmo que o autor ou produtor do texto não esteja plenamente consciente disto, ajuda também a escrever o texto. Quem escreve um texto acaba sem querer antecipando certas expectativas de quem irá recebê-lo, seja para contemplá-las ou para afrontá-las. Qualquer texto visa um receptor (ou um ‘lugar de recepção’), porque ele tem uma ‘intenção’ (uma mensagem que quer ser transmitida ou uma informação a ser registrada)”. (p.138) “[...] Qualquer texto insere-se em uma rede de semiose, em uma rede de textos da qual ele extrai um pouco do seu sentido. (...) o próprio ‘gênero’ no qual se enquadra um texto (edito, crônica, poesia, norma jurídica) já estabelece automaticamente um primeiro nível de intertextualidade (o texto irá dialogar, quer queira o autor ou não, com as normas literárias e com o repertório de possibilidades que regem aquele gênero, mesmo que em alguns casos o autor pretenda afrontá-los). Depois aparecem as demais intertextualidades: o autor irá se referir explícita ou implicitamente a outros textos, e existirão os também os textos que, mesmo sem o conhecimento do autor, estarão inscritos no seu discurso.” (p.139) “(...) não existe certamente uma técnica única que possa ser aplicada à análise de texto para todos os casos. O primeiro contato do historiador com a sua fonte textual consiste, de qualquer modo, em fazer-lhe algumas perguntas fundamentais (já se disse que o documento só fala quando o historiador faz as perguntas certas). (...) a boa análise deve abranger simultaneamente o contexto, o intertexto, e o intratexto, o historiador pode começar por identificar a procedência da fonte, a sua inserção em uma sociedade mais ampla, as condições de sua produção (aspectos que, se tivéssemos de resumi-los em uma indagação primária, parecem perguntar o texto: ‘de onde vens?’). Somente em seguida virão as perguntas que começam a perscrutar os caminhos internos do texto, ou a abrir as portas secretas de sua decifração. ‘Com quem falas’, ‘Do que falas?”, mas também ‘Sobre o que silencias?’ Jorge C. Freitas - fichamento 33
  • 34. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens O conteúdo de um texto, cedo aprende o historiador, não pode se resumir à superfície de sua mensagem. Há os entreditos, os interditos, os não-ditos, o vocabulário revelador. Se texto é falso, ou se ele mente, tanto melhor, pois o historiador poderá perguntar: ‘por que mentes?’[...]” (p.140) “[...] Michel Foucault. Este filósofo que se fez historiador foi talvez o primeiro a chamar atenção de maneira mais enfática e claramente enunciada para o fato de que não é a própria sociedade que constitui a realidade a ser estudada, mas sim os discursos que ela produz, ou então as suas práticas." (p.141) "[...] Discurso será visto ainda como ‘a ordenação dos objetos [...] e não apenas como grupo de signos, mas como relações de poder.’” (p.141-142) “É interessante notar que esta análise política do discurso tal como é proposta por Foucault sugere que o historiador deva buscar a percepção das relações de poder nos lugares menos previsíveis, menos formalizados, menos anunciados. Este método genealógico, que busca o poder em todos os pontos da sociedade e não mais nos lugares congelados pelo aparato estatal, vai ao encontro, também, das abordagens que exigirão do historiador que este desenvolva uma meticulosidade, que passe a cultivar os detalhes, o acidental, aquilo que aparentemente é insignificante, mas que pode, precisamente, compor com outros elementos a chave para a compreensão das relações sociais examinadas. [...]” (p.142) “[...] Foucault chama atenção para o fato de que o próprio discurso pode ser também aquilo por que se luta. Daí as suas preocupações em examinar os mecanismos de interdição que se afirmam nas práticas discursivas de uma sociedade – seja através dos objetos permitidos e proibidos (não se tem o direito de dizer tudo), dos rituais de circunstância (não se pode falar de tudo em qualquer circunstância), ou dos direitos diferenciados atribuídos aos sujeitos que falam (quem pode dizer o quê, sem sofrer a reprovação social ou até uma punição).” (p.144) “Finalmente, esta identificação entre ator social e historiador situa a História Imediata em um terreno delicado, a ser trabalhado com bastante cuidado, onde o próprio historiador é também produtor de um discurso a compor o universo de fontes. Há sempre o risco de que, em alguns casos, a História Imediata acabe se confundindo com o gênero literário das Memórias. Em todo o caso, eis aí um campo que pode ser definido de acordo com o critério ‘abordagem’, já que se refere a um ‘modo de produzir a história’. De certa Jorge C. Freitas - fichamento 34
  • 35. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens maneira, o historiador da História Imediata é o único que produz história nos dois sentidos, enquanto material e enquanto campo de conhecimento.” (p.147) “De fato, o campo da História Social refere-se a um tipo de fontes e a um ‘modo de tratamento’ das fontes. Trata-se neste caso de abordar fontes com algum nível de homogeneidade, e que se abram para a possibilidade de quantificar ou de serializar as informações ali perceptíveis no intuito de identificar com a serialização de eventos ou dados (e não apenas com a serialização de fontes) propondo-se a avaliar eventos históricos de um certo tipo em séries ou unidades repetitivas por determinados períodos de tempo. Enquadram-se neste conjunto de possibilidades os estudos dos ciclos econômicos, a partir por exemplo da análise das curvas de preços, e também as análises das curvas demográficas.” (p.147-148) “No que se refere ao tipo de fontes que podem ser serializadas, deve-se notar desde já que uma grande variedade de fontes pode se prestar aos usos seriais, em que pese a primazia que desempenham as fontes escritas na História Serial dos primeiros tempos – notadamente fontes cartoriais, administrativas, comerciais, paroquiais, testamentárias e outras que tão bem se prestam à História Quantitativa. [...] A diferença entre História Serial e História Quantitativa deve ficar claríí embora sejam comuns os já citados casos em que as duas abordagens se superpõem para formar uma História Serial Quantitativa. ^Ainda que ambas as especialidades possam ser definidas como ‘abordagens’, existem diferenças a serem notadas. A História Serial refere-se a ao uso de um determinado tipo de fontes (homogêneas, do mesmo tipo, referentes a um período coerente com o problema a ser examinado, e que permitam uma determinada forma de tratamento (a serialização de dados, a identificação de elementos ou ocorrências comuns que permitam a identificação de um padrão e, na contrapartida, uma atenção às diferenças, às vezes graduais, para se medir variações). Já a História Quantitativa deve ser definida através de um outro critério: o seu campo de observação. O que a História Quantitativa pretende observar da realidade está atravessado pela noção do ‘número’, da ‘quantidade’, de valores a serem medidos. As técnicas a serem utilizadas pela abordagem quantitativa serão estatísticas, ou baseadas na síntese de dados através de gráficos diversos e de curvas de variação a serem observadas de acordo com eixos de abcissas e coordenadas. Algumas análises quantitativas mais sofisticadas poderão utilizar logaritmos, recursos matemáticos mais avançados como integrais e derivadas. O Jorge C. Freitas - fichamento 35
  • 36. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens computador será neste caso de uma ajuda imprescindível. Com relação ao tipo de fontes, serão fatalmente “fontes seriais”. Aqui está o nó do esclarecimento.” (p.149-150) “[...] A chave para definir uma prática como História Social é portanto a busca de padrões recorrentes e variações ao longo de uma série de fontes ou materiais homogêneos. Mas não necessariamente a quantidade, ou pelo menos isto não é o principal. Assim, para dar um último exemplo, posso serializar notícias de jornais durante um período mais ou menos longo para verificar a repetição de determinado tipo de anúncios, ou a sua gradual variação ao longo do templo, ou mesmo as variações bruscas que serão indicativas de algum acontecimento que produziu a transformação. A ‘série’ é o que canaliza a atenção do historiador na modalidade da História Serial; o ‘número’ ou a medida é o que canaliza a atenção do historiador no caso da História Quantitativa.” (p.150) “Dentre as subdivisões pertinentes ao critério ‘campo de observação’, outra confusão sem nenhum sentido que algumas vezes os iniciantes fazem está entre a História Regional e a Micro-História, apesar de serem campos radicalmente distintos. Valem aqui alguns esclarecimentos. Quando um historiador se propõe a trabalhar dentro do âmbito da História Regional, ele mostra-se interessado em estudar diretamente uma região específica. O espaço regional, é importante destacar, não estará necessariamente associado a um recorte administrativo ou geográfico, podendo se referir a um recorte antropológico, a um recorte cultural ou a qualquer outro recorte proposto pelo historiador de acordo com o problema histórico que irá examinar. Mas, de qualquer modo, o interesse central do historiador regional é estudar especificamente este espaço, ou as relações sociais que se estabelecem dentro deste espaço, mesmo que eventualmente pretenda compará-lo com outros espaços similares ou examinar em algum momento de sua pesquisa a inserção do espaço regional em um universo maior (o espaço nacional, uma rede comercial)" A Micro-História não se relaciona necessariamente ao estudo de um espaço físico reduzido, embora isto possa até ocorrer. O que a Micro-História pretende é uma redução na escala de observação do historiador com o intuito de se perceber aspectos que de outro modo passariam desapercebidos. Quando um microhistoriador estuda uma pequena comunidade, ele não estuda propriamente a pequena comunidade, mas estuda através da pequena comunidade (não é por exemplo a perspectiva da História Local. A comunidade examinada pela Micro-História pode aparecer, por exemplo, como um meio para atingir a Jorge C. Freitas - fichamento 36
  • 37. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens compreensão de aspectos específicos relativos a uma sociedade mais ampla. [...]" (p.152- 153) "O objeto do estudo do mircro-historiador não precisa ser desta forma o espaço microrrecortado. Pode ser uma prática social específica, a trajetória de determinados atores sociais, um núcleo de representações, uma ocorrência (por exemplo um crime) ou qualquer outro aspecto que o historiador considere revelador em relação aos problemas sociais ou culturais que se dispôs a examinar. [...]” (p.153) “Desta forma, assim como a Micro-História não deve ser confundida com a História Regional ao examinar eventualmente um espaço microrrecortado, também não deve3 ser confundida com a Biografia Histórica ao examinar uma ‘vida ou uma trajetória individual. (...) A prática micro-historiográfica não deve ser definida propriamente pelo que se vê, mas pelo modo como se vê." (p.154) "[...] De igual maneira, a Micro-História procura enxergar aquilo que escapa à Macro-História tradicional, empreendendo para tal uma ‘redução da escala de observação’ que não poupa os detalhes e o exame intensivo de uma documentação. [...]” (p.154) “A escolha micro-historiográfica também pode incidir sobre determinada comunidade microlocalizada, mas, tal como já dissemos, nunca o verdadeiro objeto de que se ocupa o historiador será a comunidade em si mesma (como seria o caso da História Local), e sim determinado aspecto que incide transversalmente sobre esta comunidade. [...]” (p.160) “Um outro aspecto a ser tratado quando falamos em Micro-História refere-se à maneira de construir o texto final que será oferecido ao leitor. A preocupação dos micro- historiadores em evitar generalizações simplificadoras os leva habitualmente a novos modos de estruturação do texto, que nem sempre coincidem com os que têm sido empregados pela historiografia tradicional.” (p.161) "Por desconfiarem destes contextos mais ou menos universais que aparecem na perspectiva macro-historiográfica (este olhar que parte de uma visão panorâmica e que só depois vai se afunilando) os micro-historiadores têm experimentado outras formas de construir o texto. [...] (p.162) “[...] Rigorosamente, Micro-História ou História das Mentalidades não devem ser vistas como modelos teóricos, como ocorre por exemplo com o Materialismo Histórico ou Jorge C. Freitas - fichamento 37
  • 38. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens com o Positivismo. Em um caso (a Micro-História) trata-se de uma abordagem, que qualquer historiador pode utilizar, e em outro caso(a História das Mentalidades) trata-se de uma dimensão e ou enfoque do qual o historiador aproxima-se ao realizar a sua análise histórica. [...]” (p.168) 10. Uma profusão de domínios “Com relação aos domínios da História [...] eles são de número indefinido, uma vez que se referem aos ‘agentes históricos que eventualmente são examinados (a mulher, o marginal, o jovem, o trabalhador, as massas anônimas), aos ‘ambientes sociais’ (rural, urbano, vida privada), aos ‘âmbitos de estudos’ (arte, direito, religiosidade, sexualidade), e a outras tantas possibilidades. Os exemplos sugeridos são apenas indicativos de uma quantidade de campo que não teria fim, e qualquer um poderá começar a pensar por conta própria as inúmeras possibilidades. (p.180) “[...] Em suma, com a História da Igreja poderemos ter a história de uma instituição, com a História da Religião ou das crenças religiosas poderemos ter a história de uma representação, com a História das práticas religiosas (ou da religiosidade stricto sensu) poderemos ter a história de uma prática... mas a História Religiosa definida ou a História Cultural não existe nos atuais parâmetros disciplinares da historiografia.” (p.184) “Vale lembrar também que existem os domínios que são aparentemente subcampos de um domínio maior. A História das Doenças poderia ser inscrita em uma História do Corpo. A História da Prostituição poderia ser inserida na História dos Excluídos (embora em alguns aspectos também possa ser incluída na História da Sexualidade). A História da Criança, da maneira como têm funcionado até hoje as nossas instituições familiares, poderá ser inscrita sem maiores dificuldades em uma História da Família. Tudo isso, por outro lado, ficará bem se englobado por uma História da Vida Privada.” (p.185) “[...] Generalizar para a Micro-História não é ‘equalizar, ou reduzir a complexidade. Para o micro-historiador, generaliza-se nas perguntas, mas não nas respostas20 . [...]” (p.190) 20 “Al estudiar un pequeno país, un pequeno mercado, donde las relaciones sociales crearon características especificas, a mí no me importa que un investigador de Costa Rica diga que este país es diferente, como resultado. A mí lo que me interesa es que mi pregunta fue útil para entender el mercado de la tierra en Costa Rica. Esta es la realidad. En este sentido, mi trabajo no es historia local italiana, es un caso que puede interesar a un japonês, un Jorge C. Freitas - fichamento 38
  • 39. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens “[...] O ‘indivíduo qualquer’ é um ‘qualquer’ cuidadosamente escolhido (estamos muito longe da prática da amostragem). Escolhemo-lo porque ele nos dá acessos aos problemas que nos interessam, ou porque as fontes em torno deste indivíduo concentram- se de determinada maneira. Podemos estudá-lo por ele ser ‘demasiado comum’ ou por ele ser estranhamente incomum, não importa. As perguntas que faremos a esta ou àquela vida é que nos dirão se a escolha é menos ou mais adequada.” (p.191) “[...] A configuração social não é feita de coisas ou aspectos imobilizados, mas sim de relações que envolvem todos os seus protagonistas. Quando modificamos algum de seus elementos, modificamos a totalidade das relações.” (p.192) “Será oportuno encerrar esta seção e este ensaio chamando atenção, mais uma vez, para o fato de que – como qualquer campo de saber – a História está fadada a permanentes transformações no interior do seu espaço disciplinar. Os rearranjos internos serão sempre possíveis. [...]” (p.206) “[...] Apenas para mencionar uma última vez o problema das ‘dimensões’ da realidade social, existem pelo menos três delas que são extremamente complexas e de certo modo deixam suas marcas em todas as outras: a Política, a Cultural e a Social. De alguma maneira, tudo nas relações humanas é perpassado pelo ‘poder’ nas suas múltiplas formas (macropoderes e micropoderes), tudo o que é humano é parte da ‘cultura’ no seu sentido mais amplo, e o ‘social’ pode estar identificado com a própria sociedade. De qualquer modo, a historiografia será sempre um campo complexo, que resiste às subdivisões, o que não impede que elas sejam pensadas como parâmetros mais gerais de orientação.” (p.212) filandes, o a los americanos. (;,Pero qué les puede interesar de mi libro a ellos? Creo que a ellos les interesa que mis preguntas tienen la capacidad, espero, de ser instrumentos que permiten hacer preguntas e investigación analítica para cual-quiera”. Jorge C. Freitas - fichamento 39
  • 40. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens Jorge C. Freitas - fichamento 40
  • 41. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens Jorge C. Freitas - fichamento 41
  • 42. José D’Assunção Barros - O campo da história: especialidades e abordagens Notas de fim i Ao apontar números, o historiador deve problematizá-los, a fim de tornar clara a sua interpretação. ii Definição de história das mentalidades e bibliografia sobre o tema. iii Comentário do livro do Dose iv O que determina o estilo. v Definição de psico-história. vi Diferença entre psico-história e história das mentalidades. vii Crítica à historiografia alemã. viii Os riscos da história – o anacronismo. ix O uso de conceitos x Definição de história cultural. xi História inglesa do marxismo. xii Comentários sobre protesto. xiii Finge que me engana, que eu finjo que acredito. xiv História cultural, fora do marxismo e sobre história oral. xv Comentário sobre a definição de cultura. xvi Práticas culturais. xvii A representação cultural do mendigo. xviii História do imaginário. xix Comentários de história política. xx História social. xxi Fontes para história social. xxii O estudo do consumo aponta as características de uma sociedade, bem como a sua composição de classes sociais e transformações vividas e dimensionadas através do consumo. Estuda a conjuntura e estrutura e os vários ciclos econômicos. xxiii A abordagem através da história oral. xxiv Sobre as fontes históricas. xxv A abordagem semiótica. Jorge C. Freitas - fichamento 42