1) A situação econômica e social de Portugal já era difícil antes do euro, com altas taxas de inflação e intervenções do FMI.
2) A adoção do euro trouxe algumas vantagens inicialmente, como taxas de juro mais baixas, mas também escondeu desvantagens.
3) Atualmente, centrar os problemas apenas na moeda é um fetichismo, já que as raízes estão na desigualdade estrutural e na dominação do capital financeiro.
1. A NÃO SOLUÇÃO COM UM NOVO ESCUDO 1
A situação miserável da esmagadora maioria dos
portugueses coexiste com um bloqueio político
interno e no enquadramento geopolítico. Esse
bloqueio, em paralelo com uma anemia da
movimentação social, dá aso à elevação de um
fetiche como solução.
Sumário
1 – A vida em Portugal antes do euro já não era fácil
2 – A caminhada até ao euro
3 - Centrar na moeda a causa das desgraças é um fetichismo
3.1 – A trama do capital financeiro
3.2 – A dívida pública e o euro
3.3 – O deficit externo e o euro
3.4 - Subfacturação e sobrefaturação
3.5 – A relação trabalho/capital e o euro
3.6 – O processo de transição para uma moeda nacional
3.7 - Os impactos sobre a dívida e o acesso ao crédito
1 As duas primeiras partes deste texto encontram-se em:
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/07/portugal-deve-sair-do-euro-sim-ou-nao-1.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/08/portugal-deve-sair-do-euro-sim-ou-nao-2.html
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2. 1 – A vida em Portugal antes do euro já não era fácil
A realidade é muito esquecida por quem não estuda e se refugia na ideologia, em
posições políticas alicerçadas numa fé clubística ou na vacuidade televisiva. Uma
sucinta recordação de tempos históricos recentes revela aspetos demolidores para
certos meios políticos populistas.
Portugal teve duas intervenções do FMI, uma em 1977 e outra em 1983/85 por
problemas resultantes dos desequilíbrios nas contas externos que, por sua vez se
relacionavam com a debilidade da economia portuguesa, então ainda antes da
desindustrialização.
Essas crises foram acompanhadas de desvalorizações da moeda e de enormes taxas de
inflação que, como se pode observar (graf. 1), são as maiores dos últimos 40 anos. Da
inflação resultaram grandes quebras nos rendimentos do trabalho – de 67 para 57.8%
do PIB entre 1976 e 1978 e de 55.4 para 45.6% entre 1982 e 1986, tendo ainda, neste
último período, acontecido uma outra calamidade, a do início do predomínio de
Cavaco na política portuguesa. A situação melhorou com as ajudas de pré-adesão à UE
e ajudou a ultrapassar a recessão de 1983/85, tão grave que exigiu um governo de
unidade no seio do partido-estado, PS/PSD.
graf. 1
A introdução da UEM – União Económica e Monetária, a partir de 1990, com a
liberalização dos movimentos de capitais e, mais tarde com a aproximação de taxas de
juro e controlo da inflação, conduziu a custos do crédito muito mais baixos do que os
observados até meados da década de oitenta. Hoje, dificilmente haverá na Europa
taxas de inflação elevadas porque o seu controlo a baixos níveis é o grande objetivo do
BCE que, tem a tarefa facilitada pela anemia que vem caraterizando a economia na UE.
Em resumo, taxas de juro baixas e inflação reduzida constituem elementos que não
prejudicam a vida dos povos; no entanto, como se pode observar, não são causa
suficiente de bem-estar social.
A cobertura das importações pelas exportações tem-se mantido relativamente estável,
em torno dos 70% desde os anos noventa, mostrando-se pouco sensível às variações
conjunturais, à introdução do euro e menos ainda ao labor propagandístico do Pires
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3. das cervejas, do pomposo responsável da área económica do governo ou do estimável
Chancerelle de Machete. E, por seu turno, a taxa de penetração das importações
(variação das importações de bens e serviços em comparação ao crescimento da
procura total) tem vindo lentamente a crescer situando-se próxima dos 20% nos
últimos anos. Essa evolução prende-se com a maior segmentação da produção que
conduz a um alongamento da cadeia de intervenientes na produção de qualquer bem
e, por consequência, ao crescente entrosamento das economias.
A fragilidade da economia portuguesa, já antes da integração na UE e posteriormente
da adopção do euro, pode observar-se pela evolução das cotações das principais
moedas usadas nas transações internacionais portuguesas, medidas em escudos, para
o período que antecedeu a caminhada para o euro.
Em 1989 o Relatório Delors previa a criação da UEM em três fases que contemplariam
grande articulação dos bancos centrais, o encaminhamento da decisão no âmbito da
política monetária para o que viria a ser o BCE e ainda a aproximação das paridades
entre as moedas nacionais que conduziriam à instituição de uma moeda única.
Sabia-se que esse calendário seria estruturante nas relações entre os países da UE que,
fruto das desigualdades já então patentes, teriam impactos diferentes consoante os
graus de desenvolvimento, das capacidades do tecido económico e de adaptação a
uma nova situação de ausência de fronteiras físicas e monetárias. Sabe-se pela História
que as comunidades mais desenvolvidas atraem as menos evoluídas para a sua órbita e
que as pessoas e os capitais das áreas periféricas tendem a dirigir-se para as áreas
centrais, onde as possibilidades de trabalho e as condições de vida são melhores e
onde os capitais encontram melhores condições de rendabilidade a longo prazo.
A instituição de uma moeda única para um território que abarca áreas mais e menos
desenvolvidas, nada tem de novo. Quase todos os países apresentam desigualdades
entre partes distintas do território e ninguém vai apontar para a moeda comum como
causadora dessas discrepâncias na criação de riqueza e do rendimento das populações.
O que parece estranho na questão do euro é que há uma unificação política e
económica de nações ditas soberanas que, com uma moeda única remetem para uma
instituição global, as funções que antes pertenciam aos bancos centrais nacionais,
tornados agora antenas locais de um BCE. É estranho, de facto, para quem raciocine
num contexto já não existente, de pré-globalização, em que se pretendia a glorificação
do estado-nação como entidade soberana, embora na realidade, há muitas décadas, o
capital financeiro e as multinacionais, interferiram e condicionem o exercício dessa
soberania.
O projeto euro, embora dirigido pelo capital apresentava, lateralmente, do seu ponto
de vista, várias vantagens para as pessoas em geral. É evidente que uma moeda
comum conduz à abolição dos custos inerentes a trocas de moedas de países da UE
adoptantes do euro e atingiria o negócio sobre câmbios. Por outro lado, sendo
previsivelmente, o euro uma moeda de reserva internacional, qualquer pessoa
portadora de euros transportaria consigo uma moeda aceite em toda a parte.
A ausência de uma matriz de taxas de conversão entre várias moedas (de países da UE)
evita a consideração das cotações e a sua volatilidade em função dos desequilíbrios
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4. das contas externas facilmente explorados pelos “mercados”. Também a fixação de
preços numa moeda comum facilita as comparações dos preços, tornadas assim
imediatas, sem necessidade de cálculos e consideração das flutuações das cotações.
Registavam-se também vários argumentos de resultados duvidosos para a multidão e
outros que, de facto, não se vieram a mostrar efetivos. Para as empresas, uma moeda
única traz também algumas vantagens, sobretudo para as que têm densas relações
com o exterior mas, que são muito menores para o caso de empresas com vendas de
âmbito local ou mesmo apenas nacional. A ausência de barreiras monetárias favorece
pois, empresas maiores, mais capacitadas ou experientes que assim, poderão entrar
mais facilmente em territórios até então com uma barreira monetária. É um factor que
ajuda à concentração de capitais em empresas de grande dimensão, em detrimento de
pequenas empresas.
Não parece ter sido muito considerada a importância da moeda única para o capital
financeiro, para a especulação que, nesse contexto, deveria ter visto a sua atividade
limitada, tendo em conta os impactos cuja nocividade hoje, todos veem.
Outro aspeto teoricamente apontado como positivo veio a demonstrar-se como uma
fábula. Referimo-nos ao controlo do deficit que deveria corresponder a uma menor
pressão da punção fiscal e dotar a população de mais rendimento, propulsor de mais
consumo, dentro da insana fé no crescimento infinito. Como sabemos, os deficits são
comuns, elevados e prolongados no tempo sem que se observem reduções na carga
fiscal; no entanto, servem para justificar cortes, reduções de gastos sociais,
privatizações e outras perdas para trabalhadores e para a população em geral.
A centralização no BCE da decisão na área monetária, correspondente à unificação
política, ao retirar os instrumentos de política monetária aos estados nacionais não
criou alternativas que possam obviar aos desequilíbrios a nível nacional que
inevitavelmente atingirão, de modo amplificado, as periferias. Estas últimas, certamente
contentes com a fobia do BCE em controlar a inflação, são compelidas a sujeitarem-se
às limitações de financiamento dos deficits públicos e ao aumento das taxas de juro
nos “mercados”, mesmo que o BCE seja magnânimo e compre dívida em mercado
secundário, sem tocar na rendabilidade do capital especulativo.
Mais, os povos das periferias (e não só) devem avaliar com júbilo as intervenções dos
Estados nacionais e do BCE com nacionalizações2 e injeções de capital para salvar
bancos da falência, como se algum deles ao falir levasse consigo algo de insubstituível.
Os casos em Portugal, do BPN3, para evitar o “risco sistémico” e mais recentemente do
BES4, a joia da coroa do capitalismo nativo, revelam que uma das principais utilidades
da população é pagar as vigarices dos banqueiros. Como é sabido, no empréstimo da
troika foram incluídos € 12000 M expressamente consignados à recapitalização dos
bancos, tendo vários recorrido a esse financiamento (BCP, BPI, Banif e CGD). Não deixa
de ser curioso ver a forma suspeitosa como o capital global olha para os bancos
portugueses; o seu refinanciamento não é direto, pois as respetivas valias não são
2 http://www.scribd.com/doc/14290349/Nacionalizacao-da-banca-piada-ou-mistificacao
3 http://www.scribd.com/doc/11134622/BPN-Exemplo-Pratico-Do-Que-e-o-Capitalismo
4 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/08/o-bes-bom-o-bes-mau-e-ma-gestao-dos.html
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5. grandes num país em atrofia mas, mediado pelo Estado que assume o reembolso e o
pagamento dos juros, acarretando com os riscos e carreando os custos para a
população. A única verdadeira “empresa” capitalista de capital nacional é o Estado que
obriga 10 M de pessoas a comprarem os seus “serviços”
Ficando excluída a política monetária de uma utilização nacional (regional no contexto
comunitário) e impedidas fórmulas de solidariedade global de apoio ao estado-membro
em dificuldades mantém-se portanto, segmentada a UE, dependentes essas
frações das apreciações do mercado e dos níveis dos desequilíbrios estruturais. Na
arquitetura actual, há uma união política que não assume coletivamente dificuldades
face ao exterior, circunscritas geograficamente. Trata-se de um ente não definido; não
é uma federação pois não tem um governo federal nem é um estado unitário pois os
vários países mantêm a grande parte da sua autonomia face ao exterior, como se de
estados independentes se tratassem.
Procurou-se, acima de tudo cimentar uma estrutura hierárquica que dotasse uns países
de maior poder efetivo que outros, em função das influências em Bruxelas, do apoio
que têm do capital financeiro e da força dos capitalistas autóctones; e como hierarquia,
baseia-se em desigualdades, na sua gestão, na drenagem de rendimentos das
periferias para o Centro, com o endividamento daquelas enquanto coutadas do Centro,
que joga na primeira divisão do capital global.
Há uma preocupação particular com um eventual deficit público, com a neutralidade
financeira das contas públicas que, se possível, devem gerar um excedente. Subjaz daí
uma ideia de equiparação da gestão pública com a de uma empresa privada, embora
não se entenda como é possível gerir com lógica empresarial serviços socialmente de
baixa, nula ou negativa rendabilidade. E isso associado a receitas obtidas de modo
compulsivo, mesmo que seja crescente o volume cobrado com taxas associadas à
prestação desses serviços.
Essa obsessão com o equilíbrio orçamental corresponde à negação da opção
keynesiana dos orçamentos contracíclicos mas, em contrapartida, vai-se admitindo
como necessários enormes diferenças salariais – no espaço comunitário e no seio de
cada país - dos custos do trabalho, da dimensão e qualidade dos direitos sociais, na
fiscalidade. Portanto, toda a atuação admissível é superficial, ineficaz em termos
orçamentais e tendente a alargar os desequilíbrios entre as várias regiões da UE (ou da
zona euro). O aumento dos desequilíbrios observa-se também com o empobrecimento
de diversos e numerosos segmentos sociais dentro de cada país, como os jovens,
saltando entre a precariedade e o desemprego; os idosos, empurrados para uma morte
desejavelmente a antecipar; da população ativa em geral submetida a maiores jornadas
de trabalho, uma fiscalidade que tende para a extorsão e a redução dos direitos sociais
na saúde ou na educação, onde a lógica de mercado gradualmente se estabelece,
viabilizada com o apoio de fundos públicos no contexto de nunca acabadas “reformas
do Estado”.
Para se obviar a esses desequilíbrios somente se admite um Fundo de Coesão para
suprir problemas de desemprego, no âmbito de uma convenção extraída do missal
neoliberal de que esses problemas são conjunturais, meras discrepâncias entre a oferta
e a procura num tal “mercado de trabalho”. Pagam-se umas obras públicas, contratam-
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6. se uns quantos trabalhadores e espera-se que a economia do país responda ao
estímulo…
2 – A caminhada até ao euro
Os estados podem tolerar bandeiras e hinos, governos e parlamentos nacionais e
regionais, línguas distintas mas, em regra, não aceitam várias moedas de curso
corrente.
Em dadas circunstâncias porém, podem circular moedas estrangeiras por conveniente
escolha dos povos, quando é evidente a falta de confiança na moeda oficial e apesar
do desagrado do poder estatal; noutras circunstâncias, a presença habitual de moeda
não nacional verifica-se em meios ligados a um muito difundido contrabando. Em
alguns países de capitalismo de estado pode constituir uma forma de segmentar a
população, num contexto de controlo apertado de divisas favorecendo a utilização de
moeda estrangeira em casos específicos (turismo) ou em lojas com artigos importados
de luxo, para benefício dos seus mandarins, sem que o povo lhes tenha acesso. Há
ainda situações de renúncia a uma moeda nacional como escolha deliberada, como no
caso do Equador, onde a moeda corrente é o dólar americano e para além dos países
da zona euro, como está bem de ver.
Se nos recordamos, o abandono do escudo e a adopção do euro foi um processo que,
para além da confusão na equiparação dos preços nas duas moedas em pessoas
menos escolarizadas e alguns aproveitamentos de “arredondamento”, teve uma
aceitação generalizada e o escudo saiu rapidamente de circulação. Os impactos nas
taxas de inflação são absolutamente despiciendos – 2.86% e 2.88%, em média anual,
respetivamente para 1997/2001 e 2002/2006 – para os períodos imediatamente antes e
depois do euro entrar em cena.
É certo que todo o “projeto europeu” foi aceite de modo acrítico, interpretado por
capitalistas e mandarins como forma de acesso a fundos comunitários, enriquecedor
de empresários e políticos corruptos com ação nacional, regional ou local. E, sem
dúvida, a propaganda também contribuiu para que uma transição rápida e pacífica
para o euro acontecesse e os escudos não entregues em troca por euros ficassem
apenas como recordação nas gavetas particulares ou nos escaparates dos numismatas.
A adesão à UE e posteriormente o euro, como seu prolongamento lógico, foram
aceites porque os portugueses conheciam as condições de vida nos países da Europa
Ocidental que haviam acolhido mais de um milhão de emigrantes nas décadas de
60/70, fugidas da miséria e da guerra colonial que caraterizavam Portugal. A ideia que
tinham da Europa não chocava com a propaganda política que anunciava de modo
simplista um futuro de felicidade a uma população ingénua e mal informada.
A abolição das fronteiras, a livre circulação de pessoas e bens, são desejadas por todos
os povos, em contraste com a lógica nacionalista de encerramento de toda uma
população, constituída em coutada privada de capitalistas nacionais. Estava na
memória de todos a passagem da fronteira “a salto”, os elevados pagamentos a
intermediários para a colocação de pessoas nas franças, o risco de intercepção pela
Guardia Civil, o contrabando, a humilhante abertura do porta-bagagens para os
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7. guardas verificarem, nas compras feitas em Espanha, o número de chouriços ou de
embalagens de detergente. Esse mundo queria-se para trás e a integração na UE seria
um acesso garantido a uma realidade mais cosmopolita e vistas menos centradas no
campanário da igreja local. Aliás o parlapatão Mário Soares já em 1976 anunciava a
chegada a padrões de vida europeus para … 1980, mesmo sem adesão à UE.
A percepção de rendimentos em escudos dificultava as viagens e as compras no
exterior e tinha custos de conversão, para além da tendência para a desvalorização do
escudo face às principais moedas de referência. Depois da queda do fascismo, o
escudo desvalorizou em 1977 (15%), 1978 (6.1% e por indicação do FMI), mas foi
valorizado em 1980 (6%, pois o governo Sá Carneiro “privilegiou mais o objectivo anti-inflacionista,
em detrimento da preocupação, anteriormente predominante, de reforçar
a competitividade externa da economia portuguesa”5. Em 1982, de novo uma
desvalorização (9.4%), em 1983 outras duas (2% em março e 12% em junho) até que
em 1985, nasceu o mercado de câmbios interbancário à vista, não havendo lugar à
intervenção oficial do Banco de Portugal. Num espaço de seis anos (1977/83) o escudo
desvalorizou em um terço do seu valor em 1977, numa intenção de embaratecer os
produtos exportados e encarecer os bens importados, numa procura ilusória de um
equilíbrio externo. Como Portugal tem uma diversificada necessidade de importar –
equipamentos, energia, veículos, etc - ficava garantida a repercussão nos preços em
escudos, das inevitáveis compras no exterior.
Após um acordo de 1980 iniciavam-se as ajudas de pré-adesão à UE, no valor de 125 M
ecus não reembolsáveis e 150 M ecus por empréstimo, substituídas a partir do ano
seguinte pelos fundos estruturais. O seu impacto é evidente, medido pelas
transferências unilaterais públicas (crédito/entradas), em milhões de contos.
Crédito % Crédito da Bal.
Trans. Correntes
1984 5430 0.4
1985 21817 1.2
1986 81029 3.8
1987 108646 4.1
Banco de Portugal – Séries Longas para a Economia Portuguesa
O processo de convergência no seio da CEE produziu o SME – Sistema Monetário
Europeu em 1979 que se veio a materializar num MTC – Mecanismo de Taxas de
Câmbio que fixou em +2.25%/-2.25% a taxa de variação entre as várias moedas dos
países da UE, então com nove membros. Como nem sempre era possível assegurar
aquele objetivo, em 1986 decidiu-se manter a regra mas, compensando as potenciais
diferenças com a manipulação das taxas de juro nos países envolvidos.
Portugal, mesmo depois da integração na então CEE, em 1986, não entrou no SME,
preferindo manter-se um sistema de desvalorização deslizante do escudo (chamado
crawling peg), com impactos na inflação - que volta a crescer até 1990 - mas, que
permite taxas de juro menos elevadas (16 a 18% em finais de 1988, contra 20 a até
mais de 30% em 1982/85). Em 1990, em preparação para a integração do escudo no
5 http://www.bportugal.pt/EstatisticasWEB/MetadataItens/Metadata_Ramo_HistoricoEscudo.htm
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8. MTC, Portugal coloca a moeda com uma cotação alicerçada num cabaz das moedas
dos países comunitários com mais relações com o país (Alemanha, Espanha, França,
Grã-Bretanha e Itália) pretendendo-se assim tentar segurar as contas externas sem o
recurso à crónica desvalorização; e de facto, no período que se seguiu, assistiu-se a
uma forte queda na taxa de inflação e das taxas de juro ( cerca de 19% no fim de 1992,
de 15% em 1994, de 8.5% no final de 1997 para empréstimos a empresas por 91/180
dias). Em 1992 (abril), Portugal adere ao MTC sendo fixada uma equivalência ao ECU
(moeda virtual à qual todas as outras se referiam) de 178,735 escudos.
Como imagem dos impactos da desvalorização do escudo, no período 1980/92
observe-se a evolução da cotação em escudos, para algumas das principais moedas.
Equivalente em escudos de uma unidade (final do periodo)
dólar libra franco fr marco peseta
1980 53,0 126,5 11,6 27,1 0,671
1981 65,2 124,5 11,4 29,0 0,676
1982 89,1 143,6 13,2 37,5 0,713
1983 131,5 190,5 15,8 48,2 0,838
1984 169,3 196,0 17,6 53,7 0,977
1985 157,5 227,3 20,9 64,3 1,030
1986 146,1 215,5 22,7 75,4 1,110
1987 129,9 243,2 24,3 82,2 1,200
1988 146,4 265,1 24,2 82,6 1,290
1989 149,8 240,6 25,9 88,5 1,370
1990 133,6 258,1 26,2 89,5 1,400
1991 134,2 250,9 25,9 88,3 1,390
1992 146,8 222,7 26,7 90,9 1,280
2001 172,4 285,7 30,7 102,0 1,21
Fontes: Banco de Portugal
http://www.oanda.com/lang/pt/currency/historical-rates/
A conjuntura mostra-se complexa nos anos 90, devido à recessão inglesa que acaba
por afastar a Grã-Bretanha do MTC (juntamente com a Itália) e do processo conducente
ao euro, ao enorme desemprego espanhol que provoca sucessivas desvalorizações da
peseta, à inflação e às altas taxas de juro alemães que valorizam o marco; todos, são
alguns dos factores que conduzem uma instabilidade monetária pouco desejada.
A integração do escudo no MTC e até 1998 - quando em maio, são fixadas
definitivamente as cotações das moedas contidas no MTC – não evita novas alterações
nas paridades do escudo, sobretudo, para acompanhamento total ou parcial das
desvalorizações espanholas, susceptíveis de afetar a economia portuguesa. Os ditos
“mercados” não separavam escudo da peseta embora Portugal considerasse mais
interessante acompanhar o marco por razões de luta anti-inflacionista. Portugal
desvaloriza o escudo em novembro de 1992 (6%), em maio de 1993 (6.5%) e em 1995
(3.5%).
A tão desejada liberdade de circulação dos capitais, na realidade, favorecia os
especuladores que podiam escolher o país/moeda onde apontar as suas baterias, jogar
com as suas disparidades, com as diferenças nas situações conjunturais ou nas reservas
cambiais e até elementos estranhos à Europa, como a crise mexicana de pagamentos
em 1995, que promoveu uma grande procura (e valorização) do marco por parte de
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 3/9/2014 Página 8
9. especuladores que se queriam desfazer de dólares. Nesse contexto, não havia
condições para garantir uma convergência entre as moedas com base nas reservas dos
vários bancos centrais e daí que em agosto de 1993 a banda de flutuação das moedas
integradas no MTC passasse para -15%/+15%; o que de facto, ao reduzir as veleidades
especulativas dos “mercados”, anulava também os objetivos de estabilidade entre as
paridades das moedas e a convergência no sentido da criação de uma moeda única.
A fixação definitiva das taxas de câmbio na última fase da criação da moeda única
ainda em modo escritural (1999) colocava várias condições aos países aderentes – os
critérios de convergência que já abordamos no primeiro capítulo deste trabalho6.
Em suma, ao observar-se toda esta caminhada que desembocou no euro conclui-se,
para Portugal:
• uma redução substancial da crónica inflação que se registou até ao início da
década de 90 e já vinda dos tempos do fascismo:
• uma baixa significativa das taxas de juro que se situavam entre 4.66% e 6.66%
em 2013 e que permitiu a obtenção de crédito, malbaratado pela supremacia
do capital financeiro sobre a classe política e os capitalistas comuns, oleada
pela já endémica corrupção;
• o desaparecimento da variável cambial – protagonizada por várias
desvalorizações do escudo entre 1977 e 1995 - nas relações entre Portugal e a
maioria dos seus principais parceiros comerciais;
• a desvalorização da produção nacional, medida em relação às principais divisas
é marcante quando se compara as cotações de 2001 (nas vésperas da adopção
do euro) e de 1980. Em 2001, o dólar valia mais 3.3 vezes do que em 1980, a
libra 2.3, o franco francês 2.6, o marco 3.8 e a peseta 1.8 vezes.
Tudo isto se verifica num contexto de desigualdade e subalternidade que são históricas
e da integração entre as economias ibéricas e europeias, conduzidas pelo capital
sediado no Centro da UE, enquanto caso particular da globalização. Essa desigualdade,
no plano geopolítico tem, naturalmente, um impacto dramático em Portugal, na
repartição do rendimento, agudizado nos últimos anos na sequência das dificuldades
da banca, transferidas para o Estado que, por sua vez, as endossou para a população, o
que é bem visível no gráfico seguinte (graf. 2).
6 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/07/portugal-deve-sair-do-euro-sim-ou-nao-1.html
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10. (graf. 2)
3 - Centrar na moeda a causa das desgraças é um fetichismo
Quando se considera a moeda como a causa das desgraças nacionais é patente nisso a
criação de um fetiche; o que configura um projeto reacionário.
3.1 – A trama do capital financeiro
Conforme se tem referido em textos anteriores7, a trama montada pelo capital
financeiro e aplicada, nomeadamente pelo partido-estado (PSD/PS), baseou-se no
recurso massivo ao crédito externo, depois de absorvida a poupança interna e, a partir
de meados da década de 90:
• esse crédito dirigiu-se particularmente para os sectores do
imobiliário/construção/obra pública, com o final envolvimento das famílias
nesse endividamento, com a aplicação descuidada de fundos comunitários, com
a sua transformação em parcerias público-privadas. Nesse percurso, ficaram
prejudicados, a melhoria do aparelho produtivo e o relevo deste para a redução
do deficit externo;
• outra parte desse crédito acabou por ser reexportado para o exterior, para
usufruto de benefícios fiscais e para o exercício de atividades criminosas; uma
vez mais envolvendo a banca e as empresas de regime, na sua maioria
presentes no PSI-20.
Tem havido uma campanha mediática no sentido da focagem da responsabilidade
próxima da crise no endividamento público e numa acusação capciosa da população
7 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/07/portugal-deve-sair-do-euro-sim-ou-nao-1.html
http://www.slideshare.net/durgarrai/a-dvida-dvida-de-pessoas-e-empresasa-dvida-de-pessoas-e-empresas-a-dependncia-eterna-a-dependncia-eternaa-
de-pessoas-e-empresas-a-dependncia-eterna
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 3/9/2014 Página 10
11. por “ter vivido acima das suas responsabilidades”. E para que isso se apresente como
adequado à dita tradição católica dos portugueses, estes terão de penar pelas suas
culpas e sem outra saída que não o “aguentam, aguentam” saído da cloaca de um
banqueiro. A essa campanha junta-se o silenciamento junto da multidão, do
desmascaramento dos principais responsáveis:
• o sistema financeiro - esse sim que viveu muito acima das suas possibilidades
como se vê pela sua precária situação;
• e a classe política, imputando uns, ao Estado os custos da sobrevivência dos
bancos e outros, entretendo a multidão com fait-divers parlamentares.
Pode dizer-se que se trata de uma crise do capitalismo o que, com toda a facilidade se
usa como bordão para não objetivizar as responsabilidades em cada momento. E isso é
mesmo uma banalidade, uma vez que o capitalismo vive da crise e em crise desde que
se tornou sistema político e económico dominante. E há mesmo candidatos a videntes
que extraem dos clássicos da economia política e dos seus falsificadores,
sistematicamente, a crise final do capitalismo.
Tem havido uma recusa objetiva das responsabilidades desta trama no brutal
endividamento público e privado, com a imputação dos custos do seu financiamento
para a população, mormente para segmentos específicos como funcionários públicos,
reformados e desempregados.
3.2 – A dívida pública e o euro
Sendo a dívida pública reconhecidamente impagável8 não se entende como uma saída
do euro promove uma resolução do problema. Por outro lado, na esquerda
institucional, tem vigorado como dogma que a dívida é toda para pagar clamando-se
apenas por uma renegociação de prazos e taxas de juro que, a ser aceite pelos
credores, em caso algum comportaria um alívio sensível do peso do serviço de dívida.
Essa aceitação exigiria uma nova política comunitária, muito para além da estreiteza
dos instrumentos monetários usados pelo BCE - taxas de juro baixas numa baldada
esperança que isso promova um surto de investimento e, compra de dívida no
mercado secundário. As esperanças numa mutualização de parte da divida (acima dos
60% do PIB) morreram com a reeleição de Merkel; a sua aceitação exigiria dirigentes
comunitários não comprometidos com a trajetória dos últimos anos, uma saída de
cena da própria Merkel e ainda, que assumissem ter sido toda a política conducente ao
endividamento dos estados, devida ao refinanciamento dos bancos falidos e à defesa
do euro. Por outro lado, nunca se viu da parte dos países endividados qualquer
amostra de estratégia comum face às estruturas comunitárias e ao FMI; assistiu-se, na
essência, a uma obediência canina dos governos nacionais face à ortodoxia neoliberal
emanada das altas instâncias, por conveniência do capital financeiro, em estancar
localmente a propagação dos tóxicos com o concomitante aumento das dívidas
nacionais transmitidas para a população, de modo fortemente assimétrico, sádico.
8 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/03/porque-nao-e-pagavel-divida-publica.html
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 3/9/2014 Página 11
12. Na realidade, qualquer saída que favoreça a multidão só poderá surgir na sequência de
alterações na estrutura económica, no enquadramento europeu, comunitário ou não e
do ordenamento político interno.
Se se aponta para uma renegociação da dívida – tomando toda por legítima - como
instrumento de saída do torniquete em nome do qual se colocou todo um povo em
quarentena, então que sentido faz clamar pela saída do euro (e até da UE)?
Se nem sequer é colocada a questão da recusa de dívida ilegítima – por exemplo, os
compromissos públicos com a recapitalização dos bancos (€ 12000 M), a gerada em
torno do caso BPN, a denúncia dos contratos inerentes às parcerias público-privadas –
porque se avança para uma saída do euro? Sai-se do euro mas cumpre-se
escrupulosamente o serviço de dívida? Sai-se do euro sem, previamente, aventar a
suspensão do pagamento da dívida por motivos de força maior?
Se se aceita que essa guerra pode ser ganha com o recurso a um morteiro porque
razão se defende o uso da bomba atómica?
Quando se recusa a existência de uma dívida ilegítima – caso da chamada esquerda
parlamentar defensora do abandono do euro (PC) ou não (BE) – isso significa
legitimação da dívida contraída para pagar os desmandos do sistema financeiro e dos
seus mainatos com funções políticas. A aceitação da legitimidade de toda a dívida, a
afirmação de que toda a dívida deve ser honrada e paga… apenas com prestações mais
suaves, revela a aceitação do predomínio do sistema financeiro e do missal neoliberal
que o sustenta; significa uma aceitação implícita da justeza da austeridade como
saneadora dos balanços da banca.
É vasta a literatura jurídica e económica que aborda situações de ilegitimidade no
pagamento de dívidas soberanas. Por exemplo, o jurista alemão que em meados do
século XIX muito influenciou o ordenamento jurídico francês – Karl E. Zachariae –
reconhecia não se poder faltar ao compromisso do pagamento da dívida mas que os
governos têm um dever de ordem superior ao de pagar aos seus credores: o de manter
vivos os seus cidadãos. E que não existe outra alternativa que não ignorar os as queixas
dos seus credores.
Não existindo qualquer estudo de avaliação concreta das consequências da saída do
euro, só o populismo pode justificar essa posição. Tendo pouca visibilidade a
expressão política da defesa da saída do euro por parte da direita cabe a uma certa
“esquerda” a procura do apoio de franjas eleitorais pouco esclarecidas mas,
radicalizadas pela austeridade e pelo desemprego, sensíveis ao sonho isolacionista ou
nacionalista que, em outras latitudes seriam atraídas pela extrema-direita. Em Portugal
não há uma pública e organizada xenofobia, como em França, Itália ou Grécia dada a
pequena notoriedade dos emigrantes, favorecida pela sua concentração geográfica; no
entanto, está longe de ser raro encontrar um substrato racista em conversas comuns.
Daí que seja possível a uma certa “esquerda” apresentar-se nacionalista e garantir um
eleitorado com posições formalmente progressistas, sem o recurso à cartada xenófoba.
3.3 – O deficit externo e o euro
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 3/9/2014 Página 12
13. A existência de uma moeda nacional, de uma fronteira monetária, terá algum sentido
com uma economia geradora de superavits externos e um desenvolvido mercado
interno, alicerçados numa densa matriz de relações inter-sectoriais, susceptível de
gerar uma baixa inflação e estabilidade cambial (Suíça, Suécia, Japão). Numa economia
com deficits externos estruturais9 e uma enorme e condicionadora dívida pública ou
privada, com uma estrutura produtiva como caótico local de encontro de redes
multinacionais, com escassa coerência interna no espaço nacional, é natural a
existência de uma moeda própria frágil e submetida a pressões diversas no sentido da
desvalorização, como nos anos 70/80, em Portugal. Sabe-se que as desvalorizações da
moeda são potencialmente facilitadoras de exportações e desincentivadoras de
importações, sendo ambas, em conjunto inflacionistas, quer por pressão dos
trabalhadores para a reposição do poder de compra, repercutidos nos preços pelos
capitalistas, quer pelo impacto dos mais elevados preços de bens importados
expressos na moeda nacional. Sabe-se também que essas ondas de choque da
desvalorização traduzidas em inflação têm um impacto temporário, voltando-se à
situação inicial, passados poucos anos, com um nível mais elevado nos preços internos.
Parte significativa da exportação portuguesa tem origem em empresas de capital
estrangeiro que se mantêm em Portugal, dadas as condições de trabalho, salariais e de
enquadramento jurídico e ainda dada a conflitualidade. Altos níveis de inflação,
instabilidade cambial e conflitualidade social com lutas de trabalhadores pela
reposição de poder de compra não atraem investidores e a concorrência na oferta de
trabalho barato e dócil é muito vasta. No capítulo das empresas estrangeiras instaladas
em Portugal e viradas para a satisfação do consumo interno a atualização dos preços
dos componentes importados é imediata à desvalorização a não ser que o Estado
autóctone avance com fórmulas de fixação administrativa de preços de bens essenciais
ou outras, sobre os preços, que pretendam atenuar a inflação.
Os importadores em geral, com toda a naturalidade, atualizam os preços como
consequência da maior expressão em moeda nacional dos bens importados e
procurarão que os consumidores nacionais consigam manter o seu poder de compra
para evitar uma erosão nas vendas. Se o consumo baixar demasiado, fecham as portas.
3.4 - Subfacturação e sobrefaturação
Os corruptos e os empresários em geral - e os dos países de menor gabarito, em
particular - desenvolvem a meritória atividade de colocação de pecúlios em registos
off-shore, com a interessada colaboração do sistema financeiro. A fuga fiscal é uma
regra a que o grosso da população não tem acesso, escrutinada que é a sua vida pelos
funcionários do Fisco, através de extensas aplicações informáticas e em cruzamentos
cada vez mais detalhados e invasivos. Essa prática insere-se numa vasta panóplia de
procedimentos que enformam a chamada economia paralela ou subterrânea e que em
Portugal corresponde a um quarto do PIB; e permite também, sob diversos ângulos, a
9 Os esporádicos recentes superavits mensais na balança de transações correntes, têm resultado de
factores pontuais (vendas da Galp), de reduções no consumo resultantes da austeridade, do desemprego e
da emigração e da estagnação das importações de equipamentos, inerentes à estagnação do
investimento.
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 3/9/2014 Página 13
14. sobrevivência de trabalhadores independentes, de negócios de biscate e de pequenas
empresas que seriam inviáveis se cumprissem rigorosamente os ditames agilizadores
da punção fiscal exercida pelo Estado cleptocrático.
Um exemplo típico da fuga fiscal institucional prende-se com a Swatch, conhecida
marca de relógios suíços, vendidos na Europa com faturas emitidas na Zona Franca da
Madeira; essa faturação valia € 597 M em 200910 e escusado será dizer que os relógios
não foram produzidos na Madeira, nem sequer passaram ao largo da região. A questão
é que a faturação registada na Zona Franca tem uma carga fiscal diminuta que, na
Suíça seria impossível.
Abordaremos aqui apenas os aspetos da subfacturação e da sobrefaturação,
relacionados com questões cambiais e monetárias. As diferenças cambiais entre
moedas fortes e fracas são também um bom argumento para a utilização de off-shores
por parte de valorosos e patrióticos empresários.
Suponhamos que um daqueles empresários que figuram nas fábulas do
empreendorismo exporta €100000 de mercadoria e esse dinheiro entra direitinho nos
registos da balança comercial portuguesa. Essa figura será a de um candidato à
canonização.
Entremos na realidade e vejamos como as coisas podem acontecer com um empresário
típico. Ele “vende” a mesma mercadoria para um seu off-shore por € 80000 e, por sua
vez essa empresa fantasma fatura ao cliente os efetivos €100000, gerando-se assim, no
final um depósito de € 20000 no referido registo off-shore em nome do intrépido
criador de riqueza e emprego e de sua digníssima família, limpos de impostos.
Naturalmente, isso vai acontecendo, hoje, por razões fiscais e, numa hipótese de
moeda própria, sem aceitação no exterior e objeto de sucessivas desvalorizações
“competitivas”, abre-se um novo motivo de incentivo à fraude. O valoroso empresário
irá transferir apenas os €80000 para Portugal, a converter parcialmente em moeda
nacional para pagar salários e despesas locais de fabrico e ainda poderá pedir ao
governo incentivos à exportação, bonificações fiscais, etc para se manter competitivo…
Um importador, colega do anterior esforçado exportador, procede de modo idêntico.
Transfere os € 100000 para pagamento de uma fatura emitida por um off-shore que
controla, tendo este, por sua vez comprado algures a mercadoria por € 80000. Neste
caso, não é um quantitativo de dinheiro que não entra pela fronteira como no caso
off-shore
anterior mas, um valor que sai direto para o bolso do importador algures num , por conta de uma mercadoria que custou 80% do volume de divisas registado
na balança comercial; é a sobrefaturação.
3.5 – A relação trabalho/capital e o euro
Os defensores da saída do euro, nada acrescentam no capítulo da relação
trabalho/capital, perpetuando essa relação favorável aos capitalistas; como
nacionalistas ou keynesianos, as questões sociais são subalternizados no contexto dos
seus economicismos ou preconceitos patrióticos. O modelo de moeda própria
10 Conferir detalhes em Suite 605 de João Pedro Martins
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 3/9/2014 Página 14
15. associado a desvalorizações “competitivas” e a subsequente inflação tende a acentuar a
pressão sobre os trabalhadores, para serem mais competitivos, mais produtivos, para
trabalharem mais e serem parcos de rendimentos para vencerem a concorrência
externa. Esta só pode ser vencida se a produção nacional for mais barata nos mercados
externos; e daí a pressão para a perda nos salários reais associada a uma pesada carga
fiscal pois as empresas têm de a ter aligeirada, competindo ao Estado – neoliberal ou
keynesiano - apoiar as empresas nesse patriótico desígnio exportador. Tudo isso já
acontece hoje e a desvalorização da moeda constituiria mais um incentivo a essa deriva
repressiva. É fácil de entender que os defensores da saída do euro secundarizam a
importância dos desequilíbrios na relação trabalho/capital, como se viu acima a
propósito dos efeitos da inflação antes da adopção do euro e que penalizam os
trabalhadores.
A desvalorização da moeda, sobretudo se frequente, é um instrumento que favorece os
sectores exportadores e, dificultando as importações pode constituir um inventivo na
sua substituição por produção interna embora esta, em muitos casos tendo forte
componente importada (energia, matérias primas, equipamento) lhe possa retirar esse
benefício. Dado o potencial de conflitualidade acarretado pela inflação associado à
pressão patronal para a baixa dos salários reais, quem poderia beneficiar com a
situação seriam os sindicalistas amarelos, sempre mais atentos aos interesses
“nacionais” em sede de concertação social do que aos interesses dos trabalhadores.
Uma política de desvalorização “competitiva” de uma moeda é acomodatícia; isto é, os
exportadores habituam-se a esse incentivo, pouco exigente em termos das alterações
na composição orgânica de capital, na qualidade de gestão e, por consequência, não
se materializam em apelos à criatividade e ao investimento, perpetuando as
desigualdades regionais, neste caso no seio da UE.
Tendo em conta a regular perda de valor da moeda nacional, face às moedas de
referência, é natural que muitos empresários se foquem em atividades focadas no
mercado interno, sobretudo as que não são objeto de grande concorrência vinda do
exterior, ou mesmo não susceptíveis de transações envolvendo transporte, como por
exemplo, o imobiliário. Voltaríamos a uma orgia imobiliária desta vez já não financiada
junto da banca internacional ou pelos fundos comunitários mas, alicerçada na emissão
monetária do BdP? Com uma nova configuração, voltaríamos à política do betão e da
betoneira a seguir à que recentemente conhecemos e cujos nefastos efeitos estão
patentes? Iríamos construir mais habitações para uma população precária e sem
rendimentos razoáveis ou estáveis ou, segundo a deriva alucinada da direita, ir-se-ia
promover a vinda de reformados endinheirados do norte da Europa para alimentar
esse novo surto imobiliário?
Por outro lado, a aceitação passiva da competitividade é princípio imanente nos
debates, para a condução das economias e configuração da vida social; é um princípio
de atávico conservadorismo. Será a competitividade, complementada pelo
consumismo e pelo crescimento infinito, um valor a preservar? Será que se pode
coadunar a aceitação da competitividade com uma postura anti-capitalista? É uma
contradição que não vive na “esquerda” do sistema político, porque capitalista.
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 3/9/2014 Página 15
16. 3.6 – O processo de transição para uma moeda nacional
Um aspeto interessante (entre muitos outros) sobre o qual os arautos da saída do euro
não apresentam soluções refere-se à troca de moeda corrente, com a substituição do
euro por moeda nacional, suponhamos, de novo, o escudo. O processo não seria,
naturalmente, tão isento de sobressaltos como em 2002, quando os portugueses
entregaram os escudos em troca de euros. Uma coisa é entregar uma moeda fraca, de
curso circunscrito por troca com outra – o euro - reconhecida como forte, com procura
generalizada e com escassas necessidades de ser trocada por outra divisa e outra é
entregar euros e receber em troca uma moeda de curso limitado e condenada à
desvalorização. O entesouramento de euros seria extensivo, adequado às
disponibilidades de cada um e, de facto, vigorariam em Portugal duas moedas uma
forte e outra fraca.
Tendo em conta a situação financeira portuguesa de deficit externo crónico acrescido
de uma enorme dívida externa, pública e privada, muito provavelmente não seria
utilizada a mesma paridade usada em 2002, quando da adopção do euro - € 1 =
200,482 escudos. Mesmo que a saída do euro fosse objeto de uma negociação
benevolente por parte do BCE, da Comissão Europeia e do Conselho e não resultado
de uma mais que provável crispação, cremos que a paridade seria mais desvantajosa
do que a definida em 2002.
Para além da questão da paridade inicial, quem ficará feliz por entregar euros em troca
de uma moeda que não terá circulação do outro lado do Caia e que se vai desvalorizar
a curto prazo? As pessoas têm bastante racionalidade na abordagem das suas
conveniências e tratarão de guardar o máximo de euros para adquirirem bens no
exterior ou no âmbito de um contrabando que, certamente se tornará numa vultuosa
atividade económica nacional.
Como muita gente verá os seus rendimentos regulares – salários e pensões – serem
pagos em escudos, muitos procurarão encontrar euros, dólares… para comprar bens de
contrabando ou, na falta deles entregarão escudos com um câmbio desfavorável face
ao oficial. Dada a dimensão da atividade turística, os seus trabalhadores terão acesso
facilitado a divisas, como é comum em países menos desenvolvidos e que depois
municiarão as suas famílias e amigos para a obtenção de bens no exterior ou nos
meios do contrabando. Gerar-se-ia aí mais um factor de desigualdade em Portugal.
O anúncio do regresso ao escudo tenderá a promover uma corrida ao levantamento de
depósitos em euros, como são hoje. Têm os bancos reservas monetárias para satisfazer
essa procura? Claro que não têm e esse movimento massivo de levantamento de
depósitos teria de ser reprimido pelo Estado que, uma vez mais estaria do lado dos
bancos, contra a população. Fechariam as agências bancárias e deixariam “secas” as
caixas MB para evitar a bancarrota dos bancos? E deixariam como possível a
transferência para contas no exterior, em euros? Utilizariam magotes de polícias para
conter a multidão roubada e enfurecida, como na Argentina?
Dito de outro modo, grande parte das poupanças das pessoas seria expropriada, de
facto, pelo binómio bancos/Estado, apenas lhes sendo permitido levantar os seus
haveres quando os bancos estivessem municiados de escudos; isto é, quando as
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 3/9/2014 Página 16
17. pessoas se desinteressassem de levantar os seus depósitos já reconvertidos em moeda
nacional. Se o Estado português de hoje já tem escassa credibilidade após décadas de
enfeudamento ao sistema financeiro e devido aos últimos anos de empobrecimento,
que legitimidade lhe sobraria depois desse “golpe do baú”? E o sistema político
resistiria ao afundamento dessa ilegitimidade agravada?
Não é concebível que toda a preparação do regresso ao escudo possa ser feita em
perfeito sigilo até que num certo dia (uma segunda-feira) as pessoas acordariam com
os noticiários a informarem tamanha alteração nas suas vidas e com as caixas MB
recheadas de escudos. A logística e a duração da sua montagem não poderiam passar
desapercebidas, por muitas cautelas que o BdP e o governo tivessem. Os funcionários
envolvidos na operação, as empresas de segurança que municiam agências bancárias e
caixas MB manteriam o sigilo junto das suas famílias? E ficariam mudos e quedos a
assistir ao golpe de mão sobre as suas próprias poupanças? Como se viu no caso
recente do BES, a notificação do Carlos Costa num domingo à noite, não evitou que
houvesse prévias fugas de informação que beneficiaram uns quantos; ora uma
operação de mudança de moeda forte para outra fraca é algo de uma complexidade e
de uma relevância coletiva muito maior e a mais pequena fuga de informação não
deixaria de se ver amplificada, destruindo todas as precauções governamentais.
Mais, essa operação teria de passar certamente por contactos, negociações, acertos
com o BCE e as instituições de Bruxelas durante algum tempo. Nada passaria para a
imprensa? Duvidamos que a burla sobre 10 milhões de pessoas se concretizasse no seu
total desconhecimento. E se isso acontecesse e a multidão acordasse nessa segunda-feira
negra na situação de enganada e espoliada?
Uma passagem do euro para o escudo pouparia as poupanças dos criminosos que
colocam o seu pecúlio em off-shores. Até os favoreceria. Primeiro, porque não são
abrangidos pela troca de moeda, continuando incólumes os seus depósitos em euros
ou dólares, ao contrário do que acontece com a esmagadora maioria dos portugueses;
e mais, ficando de fora, beneficiarão da política de desvalorização da moeda
subsequente à re-introdução do escudo. Em síntese, os empresários de médio ou alto
gabarito, os gestores de topo e os mandarins verão valorizada parte substancial das
suas poupanças, de origem criminosa.
3.7 - Os impactos sobre a dívida e o acesso ao crédito
Todos sabemos que o BCE tem fornecido uma almofada para que o Estado português
consiga crédito; e a sua titularidade em euros constitui uma garantia face a uma
desvalorização cambial, junto dos credores. De modo idêntico, o BCE constitui a fonte
de abastecimento para os bancos portugueses, em dificuldades com a colocação de
créditos em empresas sustentáveis - que não abundam numa economia em recessão -
e em se aliviarem do malparado.
Numa concretização de saída do euro (se não a partir do seu mero anúncio), o BCE
deixa de existir face a Portugal e exige o reembolso dos financiamentos de curto prazo
aos bancos como se observou recentemente no caso BES. Que alternativa? Aumentos
de capital dos mesmos ou financiamento do BdP como regulador integral,
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18. eventualmente através de emissão monetária? Quanto aos apoios do BCE e dos fundos
europeus11 no âmbito da intervenção da troika, as coisas poderiam ser mais delicadas
pois saindo Portugal da zona euro, aqueles canais e veículos ficariam indisponíveis ou,
numa hipótese de maior benevolência, seria dado um prazo para a amortização
daqueles créditos, em euros, naturalmente.
Tomando o caso da dívida pública, é evidente que continuaria a ser exigida em euros o
pagamento de capital e juros por parte dos credores estrangeiros, podendo ter menor
sorte os titulares nacionais de certificados de aforro, por exemplo.
A dívida pública, excluídos os certificados de aforro, é da ordem dos € 200000 M e a
sua conversão em escudos, com a paridade de € 1 = 200,482 escudos, utilizada em
2002, corresponderia, sensivelmente a 40 biliões de escudos. Logo numa primeira
desvalorização, supondo de 5% e sem alteração no volume em euros, aquela dívida
passaria para 42 biliões de escudos, com o pagamento do serviço de dívida a pesar
sobre salários e outros rendimentos; essa desvalorização só seria indiferente nos casos
em que aqueles rendimentos aumentassem, em moeda nacional, na mesma proporção
o que no caso de salários ou pensões não aconteceria, com grande probabilidade.
Qualquer crédito obtido no exterior, por hipótese, em euros e pagável em euros terá
um acréscimo em moeda nacional proporcional à sua desvalorização, com
concomitante reflexo nas taxas de juro internas praticadas pelos bancos que
contemplarão, não somente o impacto do maior risco considerado pelos prestamistas
externos como ainda a cobertura da inflação. A subida e a incerteza das taxas de juro
induzida da inflação e do risco seriam certamente penalizadores, promovendo
também, de per si, inflação.
Este e outros textos em:
http://grazia-tanta.blogspot.com/
http://pt.scribd.com/profiles/documents/index/2821310
http://www.slideshare.net/durgarrai/documents
11 http://grazia-tanta.blogspot.pt/2014/03/porque-nao-e-pagavel-divida-publica.html
GRAZIA.TANTA@GMAIL.COM 3/9/2014 Página 18