O documento discute os direitos sociais adquiridos versus a estabilidade econômica. Aponta que os direitos sociais surgiram do Estado de Bem-Estar Social construído após a 2a Guerra, mas que esse modelo entrou em colapso. Defende que usar a retórica dos direitos adquiridos para falar de condições econômicas é um discurso ideológico. O problema real é como garantir a sustentabilidade econômica e a confiança dos investidores, tornando o país previsível, para que possa cumprir
Direitos adquiridos ou a confiança na estabilidade, Prof. Doutor Rui Teixeira Santos (2012, Lisboa)
1. Direitosadquiridos
ou a confiança na estabilidade?
Rui Teixeira Santos1
Os direitos sociais adquiridos não decorrem do Contrato Social, mas da
República e do Estado Social. Da República enquanto “coisa pública”, da “lei” que
protege os mais fracos. Do Estado Social de Providencia construído na Europa
nas condições muito especiais do pós-guerra e desenhado para substituir as
famílias desarticuladas pelas circunstâncias, empobrecidas e incapazes de
educarem os filhos, de garantir a saúde e mesmo a prestação básica de serviços e
de bens comuns.
Esse Estado Social de Providência faliu quando a Europa enriqueceu e o seu
enterro foi feito com a estagflação dos anos 70.
Mas foi nesse momento que, na Constituição de 1976 e numa versão
apreslalettre, Portugal reconheceuos direitos sociais como direitos
fundamentais.
Hoje pode discutir-se se a internalização do “modelo chinês” na Europa vai
acelerar a suareindustrialização, nomeadamente em Portugal, ouse o aumento da
competitividade se obtémpor via da redução dos preços dos factores, como
defende a Troika, numa visãoholliniana há mais de 10 anos criticada por Porter.
Mas usar a doutrina dos direitos adquiridos e da eminente ruptura do Contrato
Social ou ameaçar com a Revoluçãopara falar das condições económicas é apenas
um discurso ideológicomuito próximo do equivoco marxista.
O problema dos direitos adquiridos e do País não é a Revolução ou a agitação
social que aí vem, mas sim o da continuidade do próprio País com alguma
sustentabilidade económica.
E nesse contexto, a questãoé outra: tem que ver com as expectativas de
estabilidade e de confiança que façam atrair ao país investimento estrangeiro
que não temos e sobretudo, que reintegrem os empreendedores que foram
arrastados pela crise.
O problema é que um Estado que altera as “regras de jogo” aos investidores,
torna-se pouco confiável.
É o maior erro da Europaneste momento:é o de ter deixado de ser previsível
para os investidores. E isso obviamente afastou-os de tal maneira que se acabou
por exigir mais ainda a intervenção publica.
A crise dos mercados financeiros - já lá vão quase cinco anos - ainda não acabou
mas evoluiu para a crise das dividas soberanas. E apesar disso, a Europa
continua a ter as mesmas politicas monetárias, baseadas na regra de Taylor -
usando as metas da inflação como medida para subir e descer as taxas de juro–
que acabaram por nos conduzir a esta situação e que estrangulam ainda mais as
possibilidades de retoma. Continuamos a pôr dinheiro, quando precisávamos de
crescimento...
1Professor de Finanças Públicas na ULHT e Diretor da Escola de Administração de Lisboa
2. Em Portugal, não atingiremos sequer os objetivos acordados com a Troika sem
crescimento.
E para isso, a imprevisibilidade da governança europeia está a fazer o pior, ao
mesmo tempo que o Pacto Orçamental, sem as transferências da Coesão, acentua
a desertificação da periferia e a atratividade do centro.
O Pacto Orçamental estabelece umaregra deinstabilidadesistemática das
politicas económicas e fiscais – para garantir o deficit - o que significaa
introdução de maior complexidade na conjuntura e mais imprevisibilidadenas
expectativas e na confiança.
Se é difícil esperar o regresso de Portugal aos mercados financeiros em 2013,
mesmo com o ajustamento orçamental feito – é muito mais difícil fazer com que
Portugal volte a ser um destino confiável para poupanças ou investimentos
privados, condição fundamental para garantir os tais direitos sociais adquiridos.