A precariedade no trabalho distingue os mais precários dos menos precários, colocando todos num patamar de insegurança face ao futuro. Os mais jovens, a despeito das suas mais elevadas habilitações procuram novas geografias; e os mais velhos encaram um horizonte carregado onde a hibridação dos seus descontos para a reforma com a volúpia do sistema financeiro, não augura nada de bom.
Sumário
1 - As três esferas do salariado
2 - Assalariados e independentes
2110 - As últimas eleições autárquicas. Detalhe de um campeonato (2)
O salariado na europa (1)
1. grazia.tanta@gmail.com 10/03/2020 1
O salariado na Europa (1)
A precariedade no trabalho distingue os mais precários dos menos
precários, colocando todos num patamar de insegurança face ao
futuro. Os mais jovens, a despeito das suas mais elevadas
habilitações procuram novas geografias; e os mais velhos encaram um
horizonte carregado onde a hibridação dos seus descontos para a
reforma com a volúpia do sistema financeiro, não augura nada de
bom.
Sumário
1 - As três esferas do salariado
2 - Assalariados e independentes
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1 - As três esferas do salariado
Os capitalistas e as suas classes políticas consideram os trabalhadores – activos ou
susceptíveis de estarem activos – como divididos em três grandes grupos; os assalariados,
os independentes e os desempregados – como três bolsas de recurso ao trabalho,
hierarquizadas em função dos interesses gerais do capitalismo;
a. Os assalariados são os subalternos do capital em maior número e eventual organização
sindical, com maior estabilidade nos respetivos postos de trabalho e cuja obediência ou
passividade é essencial para o funcionamento do sistema económico e político – 203.7
M na UE, em 2018, mais 37 M do que em 1995. Constituem um núcleo duro, o que
mantém as atividades económicas munidas de uma base estável para que a estrutura
produtiva funcione sem sobressaltos, num quadro de obediência às leis do Estado, às
ordens dos capitalistas, com uma ordeira participação nas romarias eleitoriais. É um
conjunto essencial para que os níveis globais de consumo se mantenham numa base
estável que permita também a existência e a sobrevivência de muitas empresas de
pequena ou média dimensão - as conhecidas PME. A sua estabilidade é essencial para
a manutenção do sistema económico e político – a economia de mercado e a
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democracia, também de mercado. Essa estabilidade, essa base de rendimentos
regulares é também fulcral para que se garanta, não só o consumo, como também o
endividamento, mormente para posse de habitação.
b. Quanto aos chamados independentes estes eram, no seio da UE, 37.4 M em 1995 e
35.4 M em 2018. Convém recordar todo o cinismo que está contido nessa designação,
uma vez que em muitos casos, essa independência significa irregularidade na prestação
de trabalho, contratos de curta duração ou pagos por cada intervenção, atuando esses
trabalhadores como elementos exteriores à entidade à qual prestam serviços. Em
Portugal são os protagonistas dos conhecidos “recibos verdes” ou de contratos a prazo.
Na realidade os seus desempenhos e funções não se distinguem em nada dos
assalariados com a diferença que a sua continuidade em funções se baliza por um
tempo determinado, na maiora parte das vezes, curto, ao contrário dos assalariados,
cujo contrato, a priori, é por tempo indeterminado. Muitas vezes, os tais independentes
são geridos por empresas de trabalho temporário, cuja existência corresponde a um
verdadeiro parasitismo, no âmbito do qual, o trabalhador é apenas um dependente com
escassos direitos e rendimentos irregulares. A designação de independente é uma
edulcoração, uma máscara para a sua precariedade, quanto a rendimento e na vida.
c. Os desempregados constituem uma terceira bolsa de recursos por parte das estruturas
do capital – empresários e Estado – que se congraçam para manter níveis socialmente
toleráveis de contestação, de revolta, ou ainda, de uma pobreza não ostensiva dos
excluídos, todos, elementos susceptíveis de desagradar aos investidores estrangeiros e
aos turistas. Na Europa comunitária, o desemprego era da ordem dos 16.9 M em 2018,
de 22 M em 1995, com um máximo no período que vamos considerando de 26.2 M em
2013.
d. Sintetizemos a relevância das três bolsas potenciais de trabalho no tempo e em relação
à população total da UE. Em termos globais a estratégia de contenção dos rendimentos
e dos direitos da população trabalhadora visa uma maior acumulação de capital nas
camadas mais elevadas do empresariato e dos gestores, o que constitui a pedra de
toque da lógica neoliberal. Essa atuação obriga a uma política que evite o alastramento
das situações de precariedade e exclusão do chamado “mercado de trabalho”
susceptíveis de afetar a paz social e afastar o investimento estrangeiro e promover a
fuga de capitais.
1995 2007 2018
Milhões % Milhões % Milhões %
Assalariados 166,7 34,5 194,2 38,9 203,7 39,7
Independentes 37,4 7,7 36,9 7,4 35,4 6,9
Desempregados 22,2 4,6 17,0 3,4 16,9 3,3
Outra população 257,0 53,2 250,6 50,3 257,6 50,2
População total 483,3 100 498,7 100 513,6 100
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2 - Assalariados e independentes
Uma avaliação da evolução do volume de assalariados e dos chamados trabalhadores
independentes – designação adocicada para situações de continuada precariedade –
revela, para além dos dramas pessoais, a ausência dos efeitos das chamadas políticas de
convergência no seio da UE ou contidas nos programas dos governos nacionais; políticas
essas que resultam sobretudo na fixação de hierarquias entre os países da União, na
gestão dos fundos comunitários, na fixação doentia no crescimento do PIB, no equilíbrio
orçamental ou na gestão dos refugiados da miséria e das guerras superiormente
determinadas e conduzidas pela suserania dos EUA, com o apoio do pelotão dos
mandarins europeus.
A avaliação do número de assalariados e independentes na UE no periodo 1995/2018 será
aqui realizada considerando dois subperiodos – 1995/2007 e 2007/2018; o primeiro,
termina com o rebentamento da bolha financeira e o segundo, contempla as suas
sequelas, ainda que aplanadas nos últimos anos. O instrumento de medida mais utilizado
será a variação anual média em percentagem; neste contexto, como em outras
abordagens que se seguirão.
Traduzindo por palavras os diversos tipos de evolução entre os dois períodos, contidos no
gráfico seguinte, observa-se:
Uma evolução positiva e crescente entre os dois períodos – Alemanha, Áustria,
Eslováquia, Hungria, Malta, Polónia e Suécia – onde é visível o forte predomínio de
países na orla da Alemanha;
Com evolução positiva mas decrescente entre os dois períodos predominam os países
da Europa ocidental e do norte - Bélgica, Chipre, Dinamarca, Eslovénia, Estónia,
Finlândia, França, Grã-Bretanha, Irlanda, Itália, Luxemburgo e Países Baixos;
A República Checa constitui a única situação de passagem de uma evolução negativa
para outra, mais recente, positiva;
Com índices negativos em ambos os períodos encontram-se a Roménia, que
melhorou em 2007/2018;e a Lituânia que piorou;
Finalmente, passaram de uma evolução positiva para outra, negativa - em 2007/2018
– sobretudo, países da orla mediterrânica ou daqueles onde a intervenção da troika,
formal ou informal, se verificou – Bulgária, Espanha, Grécia, Letónia e Portugal.
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Considerando apenas os assalariados, observa-se atrás que o seu número aumenta de
peso no total da população europeia como comparativamente ao efetivo de independentes.
Para o conjunto da UE, o efetivo de assalariados cresceu, anualmente 1.3% no
período 1995/2007 e 2% em tempos mais recentes, em 2007/2018; e esse registo
mostra-se na maioria dos países;
As excepções partem dos países bem conhecidos pelas suas dificuldades – Grécia,
Letónia, Lituânia e Espanha. No último período, sublinhe-se também a regressão no
elenco de assalariados na Estónia, na Roménia e na Bulgária;
Nos casos de maior crescimento dos efetivos de trabalhadores assalariados
destacam-se países que são parques de facilidades para o capital internacional –
Luxemburgo, Irlanda, Malta e Chipre. Apenas estes países e Espanha aumentam o
seu efetivo de assalariados em mais de 3% por ano, em 2007/2018.
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No caso português, no período 1995/2007 registavam-se onze países com uma taxa
de progressão da mão-de-obra assalariada superior à portuguesa; no período
posterior, apesar de um ligeiro aumento da taxa anual de progressão (de 1.3% para
1.6%) esse número passa para dezassete. Neste último caso, exceptuando a
Dinamarca e a Grécia, todos os países são do Leste europeu e antigos membros do
bloco soviético.
Com evolução positiva mas decrescente, entre os dois períodos, incluem-se alguns
países da Europa do Sul e do Báltico - Espanha, Grécia, Lituânia e Letónia - que
tiveram grandes problemas financeiros e sociais após 2007;
A Eslováquia e a República Checa constituem os únicos casos de passagem de uma
evolução negativa para outra, mais recente, positiva;
Com índices negativos em ambos os períodos encontram-se a Estónia e a Roménia,
tendo esta última apresentado um resultado menos negativo em 2007/2018; e a
Bulgária que passou de um índice ligeiramente positivo para outro, negativo.
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No capítulo dos independentes, estes são um conjunto de trabalhadores tomados como
elementos de “ágil” contratação/dispensa, de acordo com as necessidades conjunturais
das empresas; gente cuja presença se pretende seja tomada como mais precária e de
mais fácil dispensa do que os assalariados. Como elementos de ajustamento de curto ou
médio prazo, na sua maioria, refletem essa natureza, no seio da enorme disparidade de
situações entre os países da UE, conforme se observa no gráfico seguinte.
O maior número de países reduz o recurso a independentes em 2007/2018 de modo
mais vincado do que no período 1995/2007. Nesse grupo, encontram-se dois países
de elevados níveis de riqueza – Dinamarca e Suécia – que reduzem o número de
independentes mas aumentando substancialmente a contratação de assalariados.
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milhares
1995 2007 2018
Assalariados 6238,0 6985.1 7675.9
Independentes 503.0 452.0 383.7
Total 6741.0 7437.1 8059.6
% indep no total 7.5 6.1 4.8
Sublinhe-se que o volume de independentes na população trabalhadora se reduz
gradualmente e de modo bem vincado;
A redução do número de independentes entre os dois períodos verificou-se também
em países do Leste ou da orla sul da Europa, intervencionados pela troika – Chipre,
Grécia, Hungria, Letónia, Lituânia, Polónia, Portugal e Roménia. Para este grupo de
países há uma clara redução de independentes, compensada com acréscimos dos
assalariados mas, produzindo uma situação de estagnação da população
trabalhadora, o que não aconteceu nos dois países escandinavos. Por outro lado, a
parcela de independentes é muito mais elevada do que o observado no ponto anterior.
milhões
1995 2007 2018
Assalariados 28.9 31.6 33.5
Independentes 12.8 9.9 8.1
Total 41.7 41.5 41.6
% indep no total 30.7 23.9 19.5
Note-se que para este conjunto de países a transformação qualitativa não altera o
volume global da população trabalhadora que se mostra estagnado, conduzindo em
paralelo, à estagnação demográfica, a volumosos fluxos de emigração e
envelhecimento da população e onde, para cúmulo, não há vestígios de contestação1
.
1
Sobre as variações demográficas na Europa e na Península Ibérica, respetivamente veja-se:
Em português:
Salário mínimo, instrumento de controlo social
https://grazia-tanta.blogspot.com/2018/11/salario-minimo-instrumento-de-controlo.html
A longa marcha das desigualdades – 1 (O período 1953/77 e o fim do regime fascista em Portugal )
https://grazia-tanta.blogspot.com/2018/07/a-longa-marcha-das-desigualdades-1-o.html
A longa marcha das desigualdades – 2 Da primeira intervenção do FMI ao cavaquismo (1977/95)
https://grazia-tanta.blogspot.com/2018/08/a-longa-marcha-das-desigualdades-2-da.html
A longa marcha das desigualdades – 3
https://grazia-tanta.blogspot.com/2018/09/a-longa-marcha-das-desigualdades-3_6.html
Custos do trabalho na Europa – espelho da exploração e das desigualdades
https://grazia-tanta.blogspot.pt/2017/07/custos-do-trabalho-na-europa-espelho-da.html
Europa, periferias e desastres periféricos
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2017/05/europa-periferias-e-desastres.html
Centro e periferias 1
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2016/04/centro-e-periferias-na-europa-dinamica.html
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Há um conjunto de países – Alemanha, Áustria, Bulgária e Irlanda - que mantêm
ritmos de crescimento do número de independentes em 1995/2007, regredindo no
período seguinte; devendo juntar-se a Itália que apresenta uma variação média nula
no período mais recente.
milhões
1995 2007 2018
Assalariados 57.0 62.4 68.4
Independentes 11.4 13.0 12.1
Total 68.4 75.4 80.5
% indep no total 16.7 17.2 15.0
Como se pode observar, para estes países, no seu conjunto, o volume de
independentes pouco se altera mas, em contrapartida o número de assalariados
aumenta 20% nos 23 anos em análise. Os efeitos recessivos da crise financeira
sobrepondo-se ao desejado crescimento acelerado do PIB terão reduzido o recurso ao
trabalho de independentes; um conjunto que funciona como elemento de ajustamento
da mão-de-obra utilizada;
Deteta-se um grupo de oito países onde o crescimento dos independentes no período
2007/2018 superou o do período anterior. Neste conjunto inscrevem-se: Bélgica,
Eslováquia, Estónia, Grã-Bretanha, Luxemburgo, Malta, Holanda e Rep. Checa. Entre
estes destacam-se os grandes aumentos anuais médios da Eslováquia (8.5% em
2007/2018 contra 7.5% no período anterior, o que torna o país como o campeão do
recurso ao trabalho dos independentes) e ainda de Malta, Estónia e Luxemburgo.
Nota-se, neste caso, que os grandes aumentos verificados se referem a países de
escasso número de habitantes e trabalhadores. Assim, em 2018, o Luxemburgo
albergava 27000 independentes, Malta 28700 e, mesmo a Eslováquia, havia passado
de 177 mil para 322 mil o número de independentes entre 1995 e 2018.
milhões
Centro e periferias na Europa (2) - Portugal, um caso de desastre periférico
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2016/06/centro-e-periferias-na-europa-2.html
Centro e periferias (3) – Portugal, uma periferia ibérica
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2016/06/centro-e-periferias-3-portugal-uma.html
In english:
Center and peripheries in Europe - The dynamics of inequalities since 1990
https://grazia-tanta.blogspot.com/2018/10/center-and-peripheries-in-europe.html
Center and peripheries in Europe (2) - Portugal, a case of peripheral disaster
https://grazia-tanta.blogspot.com/2018/10/center-and-peripheries-in-europe-2.html
Center and peripheries in Europe (3) - Portugal, an Iberian periphery
https://grazia-tanta.blogspot.com/2018/10/centre-and-peripheries-3-portugal.html
Evolution of the world population 1950/2050 - The case of Europe
http://grazia-tanta.blogspot.com/2018/07/evolution-of-world-population-19502050_16.html
9. grazia.tanta@gmail.com 10/03/2020 9
1995 2007 2018
Assalariados 38.8 43.8 47.3
Independentes 6.5 7.2 8.5
Total 45.3 51.0 55.8
% indep no total 14.3 14.1 15.2
Para finalizar, há a registar situações pouco comuns. É o caso da Eslovénia e da
França que, apresentando um pendor decrescente do seu stock de independentes em
1995/2007, passam no período seguinte a apresentar um maior recurso, ainda que,
percentualmente inferior ao verificado para os assalariados.
A Finlândia apresenta uma regressão do número de independentes no primeiro
período considerado, que se torna nulo em 2007/2018; e, com a Espanha, acontece
exatamente o contrário ao referido para a Finlândia. Finalmente, a Croácia apresenta
um débil aumento anual do recrutamento de independentes para o período mais
recente (2007/2018), no qual a quebra anual do elenco daqueles trabalhadores se
reduz, em média, 4% por ano; uma redução que só a Roménia ultrapassa.
( Segunda parte, a publicar: As horas de trabalho)
Este e outros textos em:
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