O crescimento desenfreado de javalis, além de causar prejuízos para lavouras agrícolas, oferece riscos à atividade pecuária. Compartilho com vocês a matéria "Expansão de javalis eleva risco de raiva", minha reportagem publicada na editoria de Saúde Animal da Revista DBO.
Em um local de crime com óbito muitas perguntas devem ser respondidas. Quem é...
Javalis dbo
1. Saúde Animal
112 DBO abril 2017
Expansão de
javalis eleva risco
de raiva
Pesquisa inédita mostra que os morcegos
hematófagos têm predileção pela espécie exótica
Renato Villela
D
e um lado, morcegos hematófagos. Do ou-
tro, javalis e javaporcos. O que parece o
anúncio de mais um confronto sangrento a
invadir as telas do cinema, é na realidade um embate
bem distante da ficção. O pior é que quem pode sair
perdendo dessa batalha são os animais domésticos.
Levantamento feito por pesquisadores mostrou que
o Desmodus rotundus, morcego hematófago respon-
sável pela transmissão da raiva nos herbívoros, tem
atacado com frequência javalis e javaporcos, fato
até então desconhecido pela pesquisa. O problema é
que a população desses animais está fora de contro-
le, como mostrou DBO em reportagem publicada em
dezembro do ano passado, condição que pode indi-
retamente favorecer o aparecimento de novos surtos
de doença. “Essas espécies tanto podem servir de re-
servatório para o vírus da raiva como para aumentar
a população dos morcegos vampiros, uma vez que
estão se mostrando sua fonte de alimento favorita”,
afirma Mauro Galetti, professor do Instituto de Bio-
ciências da Unesp – Universidade Estadual Paulista,
em Rio Claro, SP.
Como em qualquer outra espécie, a abundância de
alimento para os morcegos hematófagos leva a um au-
mento no número de indivíduos. Quando as popula-
ções se tornam numerosas começam as disputas por
espaço e territórios, o que gera estresse, fator de pre-
disposição para o aparecimento do vírus. Os animais
doentes - que continuam a se alimentar do sangue dos
herbívoros - são expulsos da colônia e, ao tentarem se
alojar junto a outros grupos, acabam por espalhar a
doença. Os pesquisadores não sabem ao certo quantos
dias os morcegos sobrevivem após contraírem a rai-
va. Há relatos da eliminação do vírus por até 202 dias,
sem sinais aparentes da enfermidade. O que se sabe é
que, após um surto de raiva nos herbívoros, a popula-
ção de morcegos diminui bastante. O vírus rábico apa-
rece, dessa forma, como uma “saída” encontrada pela
natureza para controlar a população de Desmodus ro-
tundus. Por esta razão, costuma-se dizer que a raiva é
uma doença cíclica.
Predileção por javalis
O estudo, publicado na revista norte-americana
Frontiers in Ecology and the Environment, é resultado
de um trabalho de monitoramento feito nos últimos 12
anos. Os pesquisadores usaram armadilhas fotográfi-
cas, que são câmeras especiais que gravam à noite em
infravermelho e disparam automaticamente quando o
sensor detecta algum animal. Entre fotos e vídeos, fo-
ram coletados 10.529 registros com diversos exemplos
de morcegos hematófagos predando porcos asselvaja-
dos, bovinos, antas e veados mateiros. No Pantanal,
por exemplo, foram selecionados 158 eventos. O pla-
car aponta ampla maioria para os porcos asselvajados,
com 101 registros, contra 38 para os veados e 19 para
antas. Na Mata Atlântica, onde o monitoramento co-
meçou há quatro anos, a liderança dos porcos asselva-
jados também é garantida, com 35 registros contra 29
e 23 para veados e antas, respectivamente.
Com base nesses números, os pesquisadores cal-
cularam que a probabilidade de encontros entre javalis
e morcegos-vampiros é alta, em torno de 10% para as
noites em que foram feitos os registros. Por que razão
o Desmodus rotundus tem preferido atacar os javalis?
Os pesquisadores acreditam que essa predileção se ex-
plique pelo fato de o javali ser uma espécie exótica e
por isso ainda não ter aprendido a lidar com esse pre-
dador, o que acontece com outros suídeos, com a quei-
xada e o cateto, que são da fauna nativa. “Em todos os
registros, seja em foto ou vídeo, não vimos sequer um
ataque a esses animais”, afirma Galetti. O pesquisa-
dor chama a atenção para o comportamento do veado
campeiro, que mesmo atacado expulsa o agressor com
pulos e coices. “Os animais nativos aprenderam a se
Proliferação de javali e javaporco pode
favorecer avanço do vírus da raiva
MauroGaletti
2. defender do morcego-vampiro, o que parece não ter
acontecido com o javali”.
Risco de raiva
Após descobrirem a relação entre o morcego he-
matófago e o javali, os pesquisadores querem ir além.
Nos próximos meses terá início um grande projeto a
ser desenvolvido na Área de Proteção Ambiental
(APA) de Corumbataí,SP, região onde há mui-
tas cavernas (abrigos naturais para os morce-
gos) e tem sido relatado grande número de
javalis. O primeiro objetivo é medir a den-
sidade das populações, por meio de captu-
ra (morcegos) e imagens (javalis). Posterior-
mente começa a sorologia. “Queremos saber
qual a probabilidade desses animais estarem com
o vírus da raiva”, diz Galetti. A pesquisa terá o su-
porte da CDA – Coordenadoria de Defesa Agrope-
cuária do Estado de São Paulo. “Colocaremos alguns
funcionários da nossa equipe de captura de morcegos
para auxiliar o trabalho dos pesquisadores”, informa
Paulo Fadil, veterinário e gerente do Programa Esta-
dual de Controle da Raiva dos Herbívoros.
Outro apoio necessário virá dos caçadores volun-
tários – produtores ou profissionais da caça – deno-
minados pelo Ibama de “controladores” ou “maneja-
Mauro Galetti,
Unesp, Rio Claro,
SP: espécies
funcionam como
“reservatório”
dos morcegos
dores” de javalis. Por lidarem com animais que estão
sendo atacados pelo Desmodus rotundus, todos se-
rão vacinados contra a raiva. “O javali, como qual-
quer outro mamífero, é susceptível a contrair a doença
se for espoliado por um morcego que esteja doente e,
portanto, eliminando o vírus”, explica Júlio César de
Almeida Rosa, pesquisador responsável pelo labora-
tório de diagnóstico de raiva do Instituto de Pesqui-
sas Veterinárias Desidério Finamor, em Eldorado do
Sul, RS. Na opinião de Rosa, a partir do momento em
que a pesquisa revela a relação entre javalis e morce-
gos-vampiros, a atenção deve ser redobrada por parte
dos controladores. “Uma vez confirmada essas espo-
liações, é interessante como recomendação que essas
pessoas sejam imunizadas contra a doença”.
Importante ressaltar que a raiva é uma doença
extremamente contagiosa, que pode ser transmiti-
da por meio de fluidos de animais doentes. Portanto,
a manipulação de animais suspeitos da doença, que
apresentem sintomatologia nervosa, deve ser extre-
mamente cuidadosa, com o uso de luvas e máscara.
A carne de animais doentes não deve ser consumida
em hipótese alguma. De acordo com o Ministério da
Saúde, a doença é “transmitida por um vírus mortal e
envolve o sistema nervoso central, levando ao óbito
após curta evolução”. n
Saúde Animal
114 DBO abril 2017