O objetivo deste trabalho é descrever e analisar narrativamente uma experiência
formativa que vem sendo desenvolvida em uma disciplina denominada Práticas
Pedagógicas em Matemática, do curso de Licenciatura em Matemática, da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) e que tem como proposta didático-pedagógica
promover estudos e análises de diferentes práticas de ensinaraprender matemática na
escola básica.
Descreve o conceito de função, objetos, imagens, domínio e contradomínio.
ANÁLISE DE PRÁTICAS DE ENSINARAPRENDER NA FORMAÇÃO INICIAL
1. Práticas de ensino na formação inicial do professorado
INFORME DE EXPERIÊNCIA
ANÁLISE DE PRÁTICAS DE ENSINARAPRENDER NA FORMAÇÃO INICIAL
FIORENTINI, Dario
dariof@unicamp.br
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
CRECCI, Vanessa Moreira
vancrecci@gmail.com
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Palavras-chave: formação inicial de professores - comunidade de aprendizagem -
aprendizagem profissional - análise da prática docente - ensinaraprender matemática.
Introdução
O objetivo deste trabalho é descrever e analisar narrativamente uma experiência
formativa que vem sendo desenvolvida em uma disciplina denominada Práticas
Pedagógicas em Matemática, do curso de Licenciatura em Matemática, da Universidade
Estadual de Campinas (Unicamp) e que tem como proposta didático-pedagógica
promover estudos e análises de diferentes práticas de ensinaraprender matemática na
escola básica.
Utilizamos a palavra composta ensinaraprender, pois, conforme Carvalho e
Fiorentini (2013, p.11), “ela expressa a complexidade e a dialética de como percebemos
a relação entre o ensino e a aprendizagem”. Ou seja, “o ensino só tem sentido, se
promover aprendizagens”. Além disso, “embora o professor, ao ensinar, tenha como meta
determinada aprendizagem, (...) as aprendizagens podem ser múltiplas e nem sempre
alinhadas às expectativas que o professor estabelece para o aluno”. Essa concepção
exige do professor uma atitude analítica e interpretativa sobre o que o aluno aprende, isto
é, não avaliar apenas se o estudante atingiu ou não a aprendizagem esperada, mas
também o que ele realmente aprende quando ensinamos.
Desenvolver essa capacidade analítica, interpretativa e problematizadora da
prática de ensinaraprender é um dos objetivos dessa disciplina, na formação inicial dos
futuros professores. Cabe destacar que essa disciplina, em edições anteriores,
privilegiava uma prática pedagógica na qual os estudantes problematizavam, discutiam e
analisavam, a partir da literatura profissional1
e na acadêmica2
disponível, o processo de
1
Compreendemos por literatura profissional estudos constituídos a partir da prática escolar, como
narrativas reflexivas de professores, ou produções voltadas diretamente para o uso na escola, como os
Parâmetros Curriculares Nacionais, Paradidáticos e Didáticos.
2. ensinaraprender matemática nas escolas mediante a realização de seminários de estudo
sobre diferentes cenários de aprendizagem que vão desde as práticas típicas do
paradigma do exercício até as práticas exploratórias e/ou investigativas relativas a
situações-problema e/ou projetos.
Embora essa forma de desenvolver a disciplina tenha sido considerada positiva
pelos estudantes, estes questionavam o distanciamento físico das práticas escolares.
Diziam que as práticas escolares, além de diversas eram muito complexas, não sendo
suficiente estudá-las a partir de textos ou vídeos. Sentiam necessidade de maior contato
com a prática escolar ou de trazer a própria prática de ensinaraprender para aqueles que
já haviam iniciado a docência. Diante disso, optamos por desenvolver um curso cujo
principal objetivo é a problematização e análise de práticas sociais de ensinaraprender
matemática em diferentes contextos da prática escolar. Dessa maneira, assumimos o
desafio de sair de uma certa zona de conforto em que tínhamos algum controle sobre as
problematizações, tendo em vista que a literatura era escolhida de forma prévia, e
passamos a convidar os estudantes a visitarem diferentes tipos de escola, com o intuito
de documentarem práticas e experiências de ensinaraprender tradicionais ou inovadoras
e, depois, analisá-las e problematizá-las, tendo como aportes a literatura profissional e
acadêmica disponível.
Para orientar teórico-metodologicamente essa experiência, buscamos apoio nos
estudos de Cochran-Smith e Lytle (1999 e 2002), Wenger (2001), Lave e Wenger (1991;
2002). No presente informe, inicialmente, tecemos uma discussão teórica sobre
perspectivas de aprendizagem que fomentam nossa concepção de formação inicial de
professores. Em seguida, relatamos a proposta metodológica do curso e, por fim,
tecemos algumas considerações sobre nossas perspectivas quanto a essa proposta de
curso, que encontra-se em desenvolvimento.
Perspectivas Teóricas Balizadoras da Experiência
Em abordagens tradicionalmente escolares e acadêmicas de aprendizagem,
“sujeito e mundo são compreendidos como entidades claramente distintas” (Lave e
Packer, 2011, p. 12). Em outras palavras, os conteúdos escolares ou acadêmicos são
organizados de forma que não ocorra necessariamente a relação dos estudantes com os
objetos que devem aprender, uma vez que “ainda persiste a concepção de que academia
é o lugar de produção de conhecimentos e a escola é um lugar de reprodução ou
aplicação de conhecimentos” (Fiorentini, Castro; 2003, p. 122). Dessa maneira,
estudantes parecem ser compreendidos como sujeitos desprovidos de história ou de
vivências sociais e culturais.
No caso dos cursos voltados à formação inicial de professores, torna-se ainda
mais intrigante a ausência de problematização do que foi ou é vivido de modo histórico,
cultural e social pelos estudantes, tendo em vista que esses já passaram, no ensino
fundamental e médio, ou passam, enquanto professores auxiliares ou estagiários, tempo
2
Por literatura acadêmica compreendemos os estudos que possuem definição do objeto de estudo,
descrição metodológica, referencial teórico e que podem ou não serem diretamente vinculados as questões
da escolar.
3. considerável em seu espaço de atuação profissional3
. Apesar dessa condição dada, o
que temos visto é o quão pouco são considerados e problematizados os significados e os
sentidos atribuídos pelos estudantes ao seu campo de atuação e a cultura profissional e
cientifica que trazem consigo e que vão se constituindo ao longo da vida escolar,
acadêmica e profissional. Assim, as marcas de suas experiências e vivências encontram
poucas ressonâncias nos cursos de formação inicial de professores.
Segundo Cochran-Smith e Lytle (1999), podemos identificar em proposições
voltadas à aprendizagem docente duas perspectivas divergentes. Voltando seus estudos
para a formação inicial, podemos considerar que, de um lado, prega-se que os futuros
professores devem ter acesso a conhecimentos PARA a prática, formalizados por
especialistas, para que sua futura atuação seja iluminada pelas teorias enquanto que, de
outro lado, propõe-se uma perspectiva tácita de aprendizagem NA prática, como se
apenas o contato com a prática pelos futuros professores fosse suficiente à sua formação
e socialização profissional.
Rompendo com as perspectivas extremadas destacadas acima, a concepção de
aprendizagem DA prática, pressupõe que o conhecimento que os professores (ou futuros
professores) devem ter para promover um ensino qualificado emana da investigação
sistemática sobre o ensino (Cochran-Smith e Lytle, 1999). Segundo Cochran-Smith e
Lytle (2002), os professores (ou futuros professores) aprendem quando geram
conhecimento local ao problematizarem a prática, trabalhando dentro do contexto de
comunidades investigativas, teorizando e construindo seu trabalho de forma a conectá-lo
às questões sociais, culturais e políticas mais gerais. Nessa perspectiva, o conhecimento
DA prática é gerado pela transformação da sala de aula e das escolas em locais
privilegiados de pesquisa, através do trabalho colaborativo em comunidades
investigativas, para desenvolver e compreender a co-construção do currículo, a produção
do conhecimento local, e a constituição de uma perspectiva crítica em relação a teorias e
pesquisas de outros profissionais.
Com a intenção de constituirmos uma comunidade de aprendizagem profissional
DA prática docente, no interior da disciplina Práticas Pedagógicas em Matemática, temos
instigado os estudantes de licenciatura em matemática – alguns deles já professores - a
olharem para o ensinaraprender matemática mediante a realização de um trabalho de
campo que consiste em registrar ou documentar episódios de aulas de matemática, que
estão sendo objeto de problematização e análise, tendo em vista o desenvolvimento de
investigações sistemáticas sobre as práticas de ensinaraprender. Temos assim
considerado que a “prática profissional é também uma instância rica de formação e de
produção de conhecimentos, sobretudo se mediada pela reflexão sistemática ou pela
investigação” (Fiorentini, Castro; 2003, p. 122- 123).
Entretanto, cabe destacar que ter como objeto de estudo a prática profissional
pode ser condição necessária, mas não suficiente. Por vezes, poderia até ser mais
3
Sobre esse aspecto cabe destacar que na rede estadual paulista, sobretudo nas áreas das ciências exatas,
atualmente, em muitas diretorias de ensino, não há necessidade do título de graduação para assumir aulas.
Assim, muitos estudantes em processo de formação inicial ingressam como professores contratados em
caráter temporário.
4. conveniente impormos a investigação de alguns determinados modos de ensinaraprender
matemática, sobretudo, modos que consideramos mais formativos e
democráticos/inclusivos, como as atividades exploratórias e investigativas. Entretanto,
observamos que constituir cursos que simulam ou ressaltam apenas práticas inovadoras,
não conseguem problematizar e desnaturalizar as crenças e a cultura profissional que os
futuros professores trazem provenientes de anos de escolarização em paradigmas
tradicionais de ensino, como o paradigma do exercício (Skovsmose, 2000). Assim, é
preciso dar oportunidade para que tragam suas próprias considerações sobre o campo
profissional para serem problematizadas e analisadas, e que a partir delas teçam
considerações sobre um ensinaraprender com princípios mais democráticos e inclusivos.
Dessa maneira, orientam essa experiência uma abordagem de aprendizagem
docente que visa captar, problematizar e analisar os sentidos e os significados explícitos
e subjacentes às práticas de ensinaraprender matemática, uma vez que, assim como
Charlot (2013, p.159), acreditamos que: “só aprende quem tem uma atividade intelectual,
mas, para ter uma atividade intelectual, o aprendiz tem de encontrar sentido para isso.
Um sentido relacionado com o aprendizado, pois, se esse sentido for completamente
alheio ao fato de aprender, nada acontecerá”.
Dessa maneira, delineamos um curso com ênfase na mobilização e
problematização dos sentidos e significados subjacentes às práticas de ensinaraprender
matemática na escola básica, tendo como principais protagonistas, desse processo de
problematização e análise, os próprios estudantes do curso. Esse é o principal objetivo
da disciplina. Essa opção assenta-se no pressuposto de que aprendemos, conforme
Wenger (2001), quando nos engajamos na participação em comunidades de prática que
compartilham empreendimentos comuns. No espaço que vamos chamar de comunidade
de aprendizagem profissional DA prática docente, podemos inferir sobre o que nos une
enquanto sujeitos que participam dessa disciplina, isto é, a participação em práticas
sociais de problematização e investigação do ensinaraprender matemática.
Cabe, ainda, destacar que, para Lave e Wenger (1991), a aprendizagem é um
aspecto integral e inseparável da participação em práticas sociais, nesse sentido, “a
participação se baseia sempre em negociações e renegociações de significados situados
no mundo. Isso implica que o entendimento e a experiência estão em constante interação
– de fato, são mutuamente constitutivos” (Lave e Wenger, 2002, pp.168 – 169). Com
essa noção de participação em comunidades de prática, à medida que instigamos os
estudantes a mobilizarem sentidos e significados ao ensinaraprender matemática, temos
tentado dissolver “dicotomias entre atividade cerebral e corporal, entre contemplação e
envolvimento, entre abstração e experiência” (Lave e Wenger, ibidem), uma vez que
“pessoas, ações e o mundo estão implicados em todo pensar, falar, conhecer e aprender”
(Lave e Wenger, ibidem). Desse modo, tentamos compreender o futuro professor em sua
integridade social, cultural e histórica e como sujeito ativo na comunidade de
aprendizagem DA prática docente, que temos tentado constituir.
Desenvolvimento do Curso
O curso está sendo desenvolvido basicamente em cinco diferentes momentos.
Inicialmente, realizamos considerações e estudos sobre o ensinaraprender matemática
enquanto prática social, tomando por base estudos que se fundamentam na perspectiva
5. de aprendizagem de Lave e Wenger (Almeida; 2012; Almeida e Fiorentini; 2010), bem
como interpretamos pesquisas com base na concepção de aprendizagem situada. Nesse
período, também contamos com a colaboração da Professora Adriana Correia Almeida
Batista, doutoranda, que realiza uma pesquisa com comunidades de prática e
aprendizagem situada em aulas de matemática. E orientamos os estudantes para a
realização do trabalho de campo com base em Fiorentini (2010). Cabe destacar que, em
uma das aulas desse período do curso, os estudantes também foram instigados a
escreverem e a problematizarem episódios de aulas de matemática que vivenciaram na
escola básica.
Em seguida a essa primeira fase da disciplina, duplas ou trios de estudantes
visitaram escolas para registrar episódios de diferentes momentos do ensinaraprender
matemática, através de gravação em áudio ou vídeo e transcrição de diálogos de alunos
e professores sobre momentos de ensino/aprendizagem de matemática. Caso a escola
não permitisse gravações, o relato de momentos da prática de ensinaraprender
matemática poderiam ser registrados e documentados em um diário de aulas,
complementando com as produções escritas dos alunos.
No terceiro momento do curso, os estudantes apresentaram e problematizaram,
junto a todos os participantes da disciplina, os dados obtidos no campo. Assim, podemos
coletivamente levantar questionamentos, negociar um foco de estudo e indicar
referenciais bibliográficos para que, em um quarto momento, os estudantes sistematizem
as análises dos dados obtidos no campo e realizem uma segunda apresentação, a partir
de um texto/artigo escrito por eles.
Cabe destacar que, a princípio, nossa intenção era que os estudantes fossem a
campo orientados pela seguinte questão norteadora: quais são as aprendizagens
produzidas nas diferentes práticas cotidianas de ensinaraprender matemática nas
escolas? À medida que identificamos, de um lado, variados significados e sentidos que
os estudantes atribuíam a essas práticas profissionais e, de outro, o encantamento de
duplas ou trios com certas temáticas e práticas educativas, abrimos para a possibilidade
de problematizarem e desnaturalizarem essas práticas, ultrapassando, assim, o propósito
inicial da disciplina. Com essa perspectiva mais do que motivar os alunos a participarem
da disciplina, temos a intenção de mobilizá-los em direção aos sentidos e significados
das práticas educativas nas quais participam, pois, como aponta Charlot (2013), quanto
mais significado tiver, mais os estudantes se colocarão em movimento para estabelecer
relação entre o que se aprende e suas práticas cotidianas. Além disso, "o significado não
existe dentro de nós nem no mundo exterior, mas na relação dinâmica da vivência no
mundo" (WENGER, 1998, p. 54).
Ao assumir essa perspectiva, temos observado que algumas duplas e trios têm
focado em questões de natureza mais didático-pedagógica, como afetividade em aulas
de matemática e relação aluno-professor, enquanto que outras têm focado na semântica
e na sintaxe de conteúdos matemáticos. Até o momento, tivemos problematizações sobre
os seguintes assuntos, referentes a diferentes momentos do ensinaraprender
matemática: equações; matrizes; afetividade; resolução de paradoxos; comunicação em
aulas de matemática; afetividade em aulas de matemática; memorização ou
aprendizagem significativa, práticas inclusivas de alunos com necessidades especiais
(paralisia cerebral).
6. No momento em que escrevemos esse artigo, após a problematização junto ao
coletivo de estudantes e de formadores, as duplas e trios iniciaram o processo de
elaboração de um artigo que deve conter um foco definido de estudo e análise, a
metodologia desenvolvida para registro dos episódios analisados, referências
bibligráficas, análise com base na literatura dos episódios e encaminhamentos para o
ensinaraprender matemática.
Após as duplas ou trios concluírem a primeira versão do artigo, temos lido esses
trabalhos, tecendo observações e orientações com o intuito de incrementar as análises e
problematizações. Os estudantes têm realizado adequações e disponibilizado uma
segunda versão do artigo para o coletivo de alunos e formadores. Para que, então, em
um quinto momento do curso apresentem o texto escrito. Nessa fase do curso,
integrantes de uma outra dupla ou trio, serão leitores privilegiados no momento da
apresentação do artigo. Como de costume, todos os participantes da disciplina poderão
ter voz, entretanto os leitores privilegiados poderão arguir com maior cuidado e
profundidade sobre o artigo produzido, até então, pelo trio ou dupla. Ao final do curso,
deverão enviar uma terceira versão do artigo, contemplando as discussões realizadas.
Acerca das Diferentes Aprendizagens
Essa experiência atualmente pulsa no interior da disciplina de Práticas
Pedagógicas em Matemática. Como destacamos, são diversas as temáticas analisadas
por cada grupo e, dada a complexidade dessas práticas, temos identificado
aprendizagens diversas. A seguir, comentaremos alguns indícios de aprendizagens da
prática profissional e da profissão docente.
Como destacamos, anteriormente, muitos estudantes do curso de Matemática já
havia, antes de concluírem a licenciatura, assumido a docência na escola. Este é o caso
de Alex, professor da rede estadual de educação, tendo formado dupla com Lucas. Após
terem compartilhado e analisado com a turma da disciplina alguma situações de ensino
proporcionadas por Lucas, escreveram, na primeira versão do artigo, a seguinte reflexão:
Em alguns casos o professor pode cometer um equívoco e induzir os alunos ao erro,
como o realizado pelo professor Alex, que tentando explicar aos alunos qual seria a
maneira correta de trabalhar a equação S = s0 + vt (onde S é a distância final percorrida,
sendo “s0” a distância já percorrida, e “vt” a distância adicional percorrida sob uma
velocidade constante “v” e num determinado tempo “t”) cometeu um erro conceitual que
somente conseguiu observar com a ajuda dos colegas da disciplina. Alex inicialmente
tentou induzir os alunos a observarem os dois números como sendo expressões de
natureza algébrica diferente, tendo utilizado o exemplo da soma das frutas (isto é, em 2a +
3b, não se pode somar abacaxis com bananas). Por exemplo, sendo s0 = 80m e v =
50m/s e “t” tempo em segundos, ambos os termos 80 e 50t representam distância em
“metros. (Lucas e Alex, em elaboração).
A medida que a dupla percebe, mediante problematização junto aos participantes
disciplina, o erro conceitual realizado por Alex, que tentou ilustrar o ensino da equação
citada, evidencia uma aprendizagem conceitual que leva a uma ressignificação sobre o
modo de ensinar este conteúdo.
7. Já o trio Luma, Mariana e Marta revisitaram a prática de três professores
diferentes, em três diferentes escolas, sendo duas particulares e uma pública. Apesar de
aparentemente os professores serem tradicionais e parecidos, notaram que apenas um
deles conseguia fazer com que os alunos se engajassem na realização das atividades.
Assim, foram discutidas, junto ao coletivo da disciplina, quais seriam essas diferenças.
Esse trio conclui que a diferença não estava apenas na relação com o objeto de ensino
ou do modo como os professores exerciam a docência, mas também na relação
professor-aluno-conhecimento. Desse modo, realizaram estudos que as levaram a
ultrapassar o senso comum sobre afetividade e compreenderam que se trata das
relações subjetivas entre professor, aluno e conteúdo, não sendo “meras demonstrações
de carinho, manifestações de amor ou excessiva sensibilização na relação professor –
aluno, quando, de fato, abrange um significado muito maior” (Luma, Mariana e Marta, em
elaboração).
As estudantes Yuri e Diana também optaram pela temática da afetividade após a
realização e problematização do trabalho de campo e notamos indícios de aprendizagens
didático-pedagógicas constituídas mediante a observação e a problematização de aulas
de um professor de matemática da rede municipal de Campinas. De fato, perceberam
que “o trabalho realizado possibilitou observar de que forma as relações afetivas entre
professor e aluno podem influenciar positivamente o processo de aprendizagem da
matemática”. E, sobre os dados coletados, apontaram que “as observações, entrevistas e
demais registros mostram que a postura assumida pelo docente em sala de aula, bem
como as decisões tomadas durante o processo ensino-aprendizagem, proporcionam um
ambiente favorável para os alunos se aproximarem do objeto de conhecimento de modo
tranquilo e agradável” (Yuri e Diana, em elaboração). Por fim, sintetizaram que “conhecer
esta escola municipal, o docente e os alunos trouxe contribuições que poderão nortear
nossas práticas pedagógicas futuramente. O professor, ao conduzir o processo ensino-
aprendizagem demonstrando amor e dedicação ao ensino e vontade de construir uma
escola justa e igualitária que proporciona a apropriação do conhecimento pelos alunos e
consequentemente a inclusão social, torna-se um exemplo para aqueles que almejam ser
agentes de transformação no ambiente escolar” (Yuri e Diana, em elaboração).
Outros indícios de aprendizagem didático-pedagógica podemos encontrar nas
considerações de Cristiane, Ricardo e Lucas. O trio analisou e problematizou a prática
docente de Lucas que adotou uma atitude mais exploratória em relação à resolução de
um exercício de vestibular. Segundo o trio Lucas “rompeu com a prática tradicional de
propor um exercício, ao conceder um tempo para os estudantes resolverem e
compartilharem suas respostas na lousa”. Tendo, assim compreendido que uma
aprendizagem foi o “o ensino exploratório ministrado pelo professor, em como ele deixou
os alunos descobrirem o que precisava ser feito, aumentando assim a capacidade crítica
de cada aluno, que ficou muito evidente ao explorar as diferentes respostas (certas e
erradas) dos alunos, de modo que eles próprios pudessem peceber seus erros”
(Cristiane, Ricardo e Lucas, em elaboração).
Por fim, cabe destacar o trabalho de campo de César, Flávia e Raquel que, em
um primeiro momento, nos colocaram em dúvida sobre os caminhos que escolhemos
trilhar nessa disciplina. O trio nos trouxe uma realidade muito adversa da rede pública
estadual paulista de educação, em que notamos a evidente falta de engajamento de
alunos e de professores:
8. a partir da análise dos dados, observamos evidentes dificuldades do professor em
se comunicar com os alunos e explicar o conteúdo que se propunha ensinar. Os
alunos, por sua vez, demonstraram pouco engajamento pela a aprendizagem dos
conteúdos propostos. Professor e alunos pareciam estarem em ’lugares‘
diferentes” (César, Flávia e Raquel, em elaboração).
Com isso, a princípio receamos que as situações trazidas poderiam levar a um clima de
desmobilização para a carreira docente dos estudantes da disciplina. Entretanto, à
medida que realizamos a problematização junto ao coletivo da disciplina e que reificaram
suas ideias na primeira versão do artigo, os estudantes teceram considerações mais
gerais sobre o ensinaraprender matemática que consideramos fundamentais de serem
analisadas na formação inicial, como as condições de atuação dos docentes e as
contradições do ensino médio brasileiro:
Segundo documentos oficiais, o objetivo do ensino médio é a autonomia do estudante
frente às determinações do mercado de trabalho (BRASIL, 2008. apud LOPES, 2011).
Entretanto, o ensino médio “teve como referência mais importante os requerimentos do
exame de ingresso à educação superior, o que levou a um sistema educacional em que
poucos conseguiam vencer a barreira da escola obrigatória.” (LOPES, 2011). (César,
Flávia e Raquel, em elaboração).
Algumas Considerações finais
O propósito formativo dessa disciplina era proporcionar, aos estudantes da
licenciatura uma aprendizagem profissional situada nas práticas de ensinaraprender,
Pensamos que isso poderia ser feito a partir do registro e documentação de práticas de
sala de aula nas escolas, em seus diferentes contextos e abordagens. Uma primeira
constatação é que não basta trazer e analisar bons modelos de prática de ensino. É
preciso também analisar as práticas tradicionais, realizadas em sua maioria sob o
paradigma do exercício, de modo que estas sejam problematizadas, desnaturalizadas e
desconstruídas pelos próprios licenciandos. Daí a necessidade de promover pequenas
investigações sobre as práticas vigentes ou inovadoras, nas quai os licenciandos possam
contrastar os conhecimentos encontrados ou produzidos NA prática com os
conhecimentos PARA a prática adquiridos na licenciatura. É nesse processo que os
professores em formação desenvolvem uma postura investigativa a qual caracteriza-se
por assumir uma atitude de não aceitar como normal a situação atual do ensino e de
questionar o que acontece nas aulas e tentar mudar o que for possível. Os licenciandos,
através da análise e investigação dessas práticas, desenvolvem um conhecimento DA
prática, no sentido atribuído por Cochran-Smith & Lytle (1999).
Enfim, aprendemos nesta disciplina que a ruptura com uma prática de
ensinar não se dá pela sobreposição de algo novo sem relacionar ou contrastar
com a cultura vigente de sala de aula. A ruptura de uma prática se dá,
principalmente, pelo esgarçamento de sua continuidade, isto é, por um processo
de problematização e desnaturalização das práticas que ainda continuam
hegemônicas em nossas escolas.
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