Apresentamos nesse texto a comunicação estabelecida nos fóruns de discussões em um ambiente virtual de aprendizagem. Tal comunicação determinou as interações e as negociações de significados nas situações de resolução de problemas, promovendo reflexões projetando-as para a futura prática profissional dos estudantes participantes.
Reportamo-nos a Alrø e Skovsmose (2006), por considerarem que a qualidade da comunicação na sala de aula influencia a qualidade da aprendizagem matemática. A importância da comunicação nas aulas de matemática é destacada pois ela se constitui em um processo social em que os participantes (alunos-alunos e alunos-professor) interagem, trocando informações e influenciando-se mutuamente. A comunicação abrange um conjunto de processos interativos desencadeados na sala de aula, na diversidade dos contextos em que ocorrem, das representações e das formas de expressão, possibilitando negociação de significados.
FORMAÇÃO MATEMÁTICA DE PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS NA MODALIDADE A DISTÂNCIA
1. Práticas de ensino na formação inicial do professorado
INFORME DE INVESTIGAÇÃO
FORMAÇÃO MATEMÁTICA DE PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS NA
MODALIDADE A DISTÂNCIA
PASSOS, Cármen Lúcia Brancaglion
carmen@ufscar.br
Universidade Federal de São Carlos
Palavras-chave: Formação inicial de professores dos anos iniciais a distância – ensino de
matemática – narrativa de formação
Introdução
Apresentamos nesse texto a comunicação estabelecida nos fóruns de discussões em um
ambiente virtual de aprendizagem. Tal comunicação determinou as interações e as
negociações de significados nas situações de resolução de problemas, promovendo
reflexões projetando-as para a futura prática profissional dos estudantes participantes.
Reportamo-nos a Alrø e Skovsmose (2006), por considerarem que a qualidade da
comunicação na sala de aula influencia a qualidade da aprendizagem matemática. A
importância da comunicação nas aulas de matemática é destacada pois ela se constitui
em um processo social em que os participantes (alunos-alunos e alunos-professor)
interagem, trocando informações e influenciando-se mutuamente. A comunicação
abrange um conjunto de processos interativos desencadeados na sala de aula, na
diversidade dos contextos em que ocorrem, das representações e das formas de
expressão, possibilitando negociação de significados.
A comunicação aqui apresentada ocorreu em um ambiente on-line por meio de narrativas
escritas. As narrativas produzidas por professores em formação, quando investigam
como um problema pode ser resolvido, podem contribuir para o processo de produção de
conhecimento, ajudam na tomada de consciência de crenças e concepções relativas à
matemática e das marcas que essas crenças podem acarretar para a aprendizagem de
conteúdos matemáticos. Essa tomada de consciência favorece reflexões que poderão
minimizar os desafios próprios do início da prática docente.
Os textos narrativos se constituíram em instrumentos de ensino e de pesquisa: ao
mesmo tempo que eram utilizados como estratégias de ensino e comunicação de ideias
entre os estudantes e entre estudantes e tutor/professor, nos possibilitaram identificar,
compreender e analisar o seu processo de produção de conhecimento.
Nosso objetivo é enfatizar que as narrativas escritas e os diálogos estabelecidos nos
fóruns de discussão do ambiente da educação a distância revelam aprendizagens
vivenciadas e dão indícios de que esse processo formativo foi importante para os
participantes.
2. Formação de professores, narrativas e comunicação
A produção escrita constitui-se em ferramenta valiosa na formação docente e também no
âmbito político – por meio da publicação de textos, relatos e reflexões dos professores
que atuam em sala de aula – têm ganhado novas dimensões com a expansão da
educação a distância. A valorização das narrativas escritas fortaleceu-se na formação
inicial de professores e passou a intensificar o movimento que busca, cada vez mais,
formar docentes reflexivos.
As narrativas expressam experiências, memórias e reflexões vividas e, no caso dos
professores, tornam-se importante instrumento para que estes possam difundir o
conhecimento produzido no cotidiano – que passa a ser valorizado. Destacamos a
importância de o professor em formação refletir sobre a docência, como indicam Gauthier
et al. (1998); sobre o ofício de ser professor; sobre a necessidade de conhecer a si
mesmo. As narrativas das memórias de formação seriam uma forma de o professor
revelar o que pensa sobre seu ofício, principalmente quando em início de carreira; ou em
uma nova fase da carreira, que lhe causa tantos ou mais desafios do que seu início.
A transição de estudante a professor é um período muito difícil e complexo, no qual,
apesar de terem passado muitos anos de suas vidas na escola, eles têm que assumir
outra função, na qual estão incluídas novas responsabilidades. Essa estranheza inicial,
mesmo depois de passar uma grande parte de sua vida na escola, é descrita por
Johnston e Rian (1983, apud GARCIA, 1999, p. 114) “No seu primeiro ano de docência,
os professores são estrangeiros num mundo estranho, um mundo que lhes é
simultaneamente conhecido e desconhecido”.
Por meio de narrativas buscamos promover reflexões a respeito da futura prática
docente, de modo que os dilemas do início de carreira possam ser minimizados. Cunha
(1997, p. 3), ao considerar a narrativa como importante instrumento de formação, enfatiza
que “a narrativa provoca mudanças na forma como as pessoas compreendem a si
próprias e aos outros”.
Na modalidade a distância, a comunicação ocorre assincronamente: os alunos e os
professores não precisam estar no mesmo local ao mesmo tempo. Essa distância é
compensada pelos suportes tecnológicos, que possibilitam produção de narrativas
escritas. Um dos recursos mais utilizados na modalidade a distância são fóruns,
ferramentas de edição de textos web e e-mails.
A análise da potencialidade das narrativas para investigar o conhecimento profissional de
professores exige que olhemos para o todo de uma narrativa. Segundo Cortazzi (1993,
apud Galvão 1998), as histórias de professores possibilitam-nos ouvir suas vozes e
começar a entender a sua cultura a partir do seu ponto de vista.
Para Josso (2004), os contextos em que vivemos as experiências de “ter e fazer” são de
interações, de comunicações e de transações conosco, com os outros, com o ambiente
natural ou com as coisas — portanto, mais localizados; o “pensar sobre” tem caráter mais
geral, pois colocamo-nos diante de outras experiências de nossa vida, estabelecendo
novas relações e novos significados que nos servem de interpretação, como ocorreu com
os participantes deste estudo: eles discutiram e debateram sobre resolução de problemas
e investigações matemáticas para aprender e ensinar matemática. Tiveram que pensar
sobre, posicionar-se a respeito do que pensavam a respeito dessa temática antes de elas
terem sido colocadas a eles.
3. Concordamos com Josso (2004, p. 51) que as vivências provenientes das experiências
trarão “alargamento do campo da consciência, a mudança, a criatividade, a
autonomização, a responsabilização” e estarão presentes nos processos de
aprendizagem, de conhecimento e de formação desses futuros professores.
As situações inesperadas obrigam à reflexão e/ou à ação, que se manifestam como
comentários sobre a importância de determinado aspecto metodológico ou conceitual;
como considerações sobre dificuldades enfrentadas ou sobre mudanças no plano durante
a ação, suas causas e justificativas; ou, ainda, como considerações posteriores à ação
sobre as mudanças que deveriam ter sido implementadas.
Investigações matemáticas e resolução de problemas: comunicação de ideias
Concebemos o ensino de matemática pela resolução de problemas e por investigações
matemáticas como uma alternativa didático-pedagógica de ensino significativo. Trata-se
de ambiente exploratório, de formulação de conjecturas que são testadas e verificadas,
que passam por processos de negociação, comunicação de ideias e de validações, em
que ocorre a construção de conhecimento.
Consideramos possível promover desenvolvimento curricular e formação e
desenvolvimento docente, tendo como cenário práticas didático-pedagógicas de natureza
exploratório-investigativas. Concebemos tarefas exploratório-investigativas como
problemas abertos, que possibilitam aos alunos e aos professores produzir múltiplos
significados, levantar conjecturas ou hipóteses e explorar relações, de acordo com as
possibilidades cognitivas de cada um.
Para os matemáticos profissionais, investigar é descobrir relações entre objetos
matemáticos conhecidos ou desconhecidos, procurando identificar suas respectivas
propriedades (Ponte, Brocardo e Oliveira 2003). Quando trabalhamos em um problema,
nosso objetivo é, naturalmente, resolvê-lo, mas, além disso, podemos fazer outras
descobertas que, em alguns casos, revelam-se tão ou mais importantes que a solução do
problema original. Muitas vezes, mesmo não conseguindo essa solução, o processo é
válido, devido às descobertas imprevistas que proporciona. No curso de Pedagogia a
distância, esse processo é muito mais acentuado, tendo em vista que o estudante se
encontra em lugar e tempo diferente dos demais colegas de turma.
Narrativas produzidas nos fóruns de discussão no ambiente virtual de aprendizagem
A atividade foi desenvolvida com estudantes do curso de Pedagogia a distância. Como
aportes teóricos nos referimos aos estudos que consideram a produção de textos
narrativos como processo de reflexão pedagógica que pode permitir ao futuro professor,
“à medida que conta uma determinada situação, compreender causas e consequências
de atuação, criar novas estratégias num processo de reflexão, investigação e nova
reflexão.” (Galvão 2005, p. 343).
Consideramos os textos narrativos como instrumentos de ensino e de pesquisa, pois
possibilitam identificar, compreender e analisar a forma como se dá o processo de
produção de conhecimento pela investigação/exploração matemática.
O método da narrativa, segundo Cortazzi (1993, apud Galvão 2005, p. 331), é “ideal para
analisar histórias de professores, uma vez que nos oferece um meio de ouvir suas vozes
e começar a entender sua cultura do seu ponto de vista”.
4. A narrativa possibilita a comunicação fundamental no ensino da matemática, em especial
no ambiente virtual de aprendizagem. Assim, ler e escrever sobre matemática e seu
ensino é imprescindível.
Uma crítica aos modelos de Educação a Distância refere-se à falta de interação entre os
participantes. Contudo, há ferramentas que poderão proporcionar discussões, produções
coletivas e interações, possibilitando a comunicação de ideias. As interações e as
orientações metodológicas de um curso e suas disciplinas não dependem do AVA, mas
da organização do curso e das disciplinas.
Na pesquisa a escrita é utilizada para mediar a interação, pois, no ambiente virtual,
possibilita particularidades diferentes das que ocorrem no presencial: a maneira de
ensinar e de aprender oportuniza, em alguns momentos, um aprofundamento maior do
que aquele oferecido pela interação oral; a escrita exige uma reflexão e uma organização
de ideias diferentes de uma situação oral; ela possibilita que todas as produções, as
discussões e as reflexões fiquem registradas no ambiente virtual de aprendizagem (AVA),
o que permite, tanto ao estudante quanto ao professor, rever todo o processo, a qualquer
momento; novas reflexões podem ser feitas – assincronamente.
Não há como negar o desafio imposto pela distância física e pelas interações
assíncronas, que excluem da comunicação elementos como: tonalidade de voz;
expressões faciais; gestos.
A ferramenta fórum de discussão possibilita organizaçao de grupos. Nos grupos, os
participantes estabelecem interações, comunicam-se pela escrita. No entanto, a
comunicação só acontecerá, se os estudantes se disponibilizarem a participar e a discutir
com seus colegas. Em nossa concepção, o fórum de discussão, assim como na
pesquisa, é uma ferramenta que possibilita virtualmente que “um grupo de discussão”
explicite elementos constitutivos da formação de professores:
O grupo de discussão permite a identificação e o levantamento de
opiniões que refletem o grupo em um tempo relativamente curto,
otimizado pela reunião dos participantes e pelo confronto de ideias
que se estabelece, assim como pela concordância em torno de
uma mesma opinião, o que permite conhecer o que o grupo
pensa. O objetivo é coletar, com base no diálogo e no debate com
e entre os participantes, informações acerca de um tema
específico, permitindo que eles apresentem, simultaneamente,
seus conceitos, impressões e concepções. (Gatti e Barreto 2009,
p. 22)
O que caracteriza o grupo de discussão é que as pessoas que o compõem têm uma
experiência em comum. A experiência foi participarem, todos eles, de uma mesma
atividade, carregados com suas vivências no curso. Eles participaram de momentos em
disciplinas que focalizaram esse assunto durante o curso e realizaram estágio da
docência. As postagens no fórum revelam que além das próprias experiências, eles se
reportavam às dos colegas, dando a impressão de que todas elas passaram a ser
vivências coletivas (Weller 2006, apud Gatti e Barreto 2009). O ambiente possibilitou que
os participantes construíssem “o pensamento coletivo”, quando estruturavam o discurso
no grupo. As ideias formuladas refletiam vivências anteriores que representavam uma
visão de mundo desse grupo.
5. Trazemos narrativas produzidas em um fórum de discussão cujo tema é a análise de
problemas resolvidos por estudantes dos anos iniciais. A proposta era que os
participantes identificassem quais as estratégias utilizadas pelos estudantes para
resolverem problemas. Propusemos a análise de duas práticas docentes diferentes: a
situação 1, na qual a professora transforma uma situação da rotina da sala de aula em
uma investigação matemática; e a situação 2, na qual a professora propõe uma situação
problema que não tem resposta.
Durante cinco dias, o fórum de discussão ficou aberto, e 54 postagens foram realizadas
pelo grupo de 11 participantes, duas tutoras virtuais e a professora da turma.
O fórum iniciado pela licencianda Van descreve os procedimentos que observou terem
sido realizados pelos estudantes na situação 1 e, ao término, emite opinião a respeito dos
procedimentos os quais considerou complexos, admitindo que ela mesma teve
dificuldade para compreendê-los:
Bom dia,
Na situação 1:
*primeira dupla - os alunos fizeram o desenho das blusas para visualizar
melhor do que se tratava a conta, somando de 10 em 10 centavos - número
fácil para chegar/descobrir quantas blusas eram necessárias para ganhar R$
1,00, para após isso os alunos multiplicaram o número de blusa que lucrava
R$1,00 (20 blusas) por 13 (reais) a fim de descobrir o número de blusas
necessárias para ganhar R$ 13,00.
*segunda dupla - eles organizaram, transcrevendo no papel, um esquema
com o número de blusas e quanto estas equivaliam em dinheiro, sendo que a
cada 10 blusas aumenta 50 centavos de lucro chegando assim, de maneira
não muito demorada, nos R$ 13,00 (número que já era conhecido através do
enunciado da atividade) e no respectivo número de blusas.
Achei ambos raciocínios complexos, pois em ambos os casos as duplas
buscaram meios de 'encurtar' os caminhos para chegar ao resultado,
buscando números que auxiliassem nas contas - quantas blusas lucram R$
1,00 e quanto 10 blusas lucra em R$. Foram pensamentos tão elaboradas
que demorei para compreender as lógicas utilizadas, principalmente na
primeira dupla.
Van
A estudante Del apresenta suas considerações a respeito das duas situações e começa
um diálogo com Van e demais colegas, comentando o teor da postagem de Van,
explicando-lhe os raciocínios matemáticos utilizados pelos estudantes. Na análise que faz
da primeira situação, ela observa que, no procedimento utilizado por uma das crianças,
há indícios do raciocínio proporcional (regra de três), indicando que sua preocupação foi
em entender o raciocínio matemático utilizado pela criança.
Olá tutoras e colegas,
Em relação à situação 1:
1) No primeiro caso fizeram o desenho das blusas para ficar mais fácil de
visualizar o problema tornando-o tangível;
2) É mais fácil contar de 0,10 em 0,10; ou seja a cada duas blusas tenho
0,10. Com a representação visual de cada 0,10 até chegar em R$ 1,00 viram
6. que havia 20 blusas; utilizaram a multiplicação para descobrir o resto (R$
13,00 x 20 blusas). Utilizaram o conceito de regra de 3: se para R$ 1,00 tenho
20 blusas, para R$ 13,00 tenho 260 blusas.
3) Em relação à segunda forma, achei-a um pouco mais confusa... Iniciaram o
primeiro número com R$ 5,00 ao invés de R$ 0,50;
4) Eles informam que iniciaram com um padrão de 5 blusas (0,25) e
perceberam que iria demorar muito, então mudaram para 10 blusas (0,50). A
cada 0,50 correspondiam 10 blusas e assim foram montando a tabela até
chegar em R$ 13,00. Nesse caso utilizaram a adição.
Del
Nesse mesmo dia, o estudante Dar, que atuava como professor de Matemática iniciou
sua participação no fórum, analisando as situações problemas:
Na situação 1 percebe-se que os alunos utilizaram a associação para resolver
o problema (não dominavam ainda a divisão) a estrutura do pensamento da
primeira dupla foi juntar um par (10 centavos) e juntando 10 pares (20 blusas)
eles obtiveram R$ 1,00 portanto para chegar aos R$ 13,00 multiplicaram 13
por 20 e obtiveram 260. Para o segundo grupo, associaram 5 centavos em
grupos de 10 e obtiveram R$ 0,50, por fim, agrupando de 10 em 10 blusas,
foram acrescentando blusas até os R$ 13,00 e obtiveram 260. Talvez um
pouco mais complicado que a primeira dupla, mas chegaram ao resultado
correto. Dar
Ele complementa sua explicação para a segunda situação, comentando que os alunos
pouco se detêm nos enunciados dos problemas, fazendo quaisquer contas com os
números que aparecem nele:
Um problema clássico sem solução, os alunos, por terem recebido um
problema de matemática, procuraram realizar contas para resolvê-lo. Na
realidade é uma situação natural da escola, os alunos pouco leem os
enunciados, acabam utilizando as informações numéricas encontradas e
aplicam algum algoritmo operatório que julgam mais convenientes (ou que
estão mais acostumados a utilizar). Dar.
A futura professora Hal comenta a postagem anterior de Dar, posicionando-se quanto à
participação dos estudantes nas aulas do ensino fundamental:
Esse segundo problema é mesmo um problema! Como disse Dar, os alunos
estão bitolados em dar respostas aos problemas matemáticos que nem
sequer leem o que lhes é apresentado. Pelos dados fornecidos parece que
não há como resolver, não tem dados suficientes. São números jogados
aleatoriamente.
Hal.
7. Ana comenta com Hal e demais colegas o que para ela é resolver problemas na aula de
matemática:
Oi, Hal, todos,
Acredito que a "vontade" de resolver o problema a qualquer custo vem da
falta de hábito em lidar com as chamadas "situações-problema"; se o aluno
não entendeu qual é o problema, é impossível chegar à conclusão de que não
é possível resolvê-lo.
Outro elemento complicador está relacionado à dificuldade de interpretação
do texto, conforme você destaca.
Ana.
A aluna Fer amplia a discussão, acrescentando outros elementos fundamentais para a
formação matemática dos estudantes dos anos iniciais: a leitura e a escrita, em todas as
áreas do conhecimento:
Olá, Dar. e Hal...
O problema dos alunos talvez nem seja não ler o enunciado, mas de
interpretar e entender o que se pede. O problema da leitura é muito crítico
entre nossos alunos. Sem ela não conseguimos efetuar um problema na
matemática, um texto em português, um mapa em geografia, uma regra de
jogo na educação física... saber ler e compreender o que estamos lendo é
fundamental para uma boa aprendizagem em qualquer disciplina. Por isso
todos os professores de todas as disciplinas devem priorizar o ensino e
práticas de leitura e interpretação com seus alunos. Esse trabalho não é
exclusivo da língua portuguesa. Cada professor deve levar para a sala de
aula textos que possam fazer com que seus alunos apropriem-se da
competência leitura e possa, com isso, ter habilidade de compreender os
enunciados dos problemas e conseguir, por meio dos conhecimentos
matemáticos, resolvê-los com êxito.
Concordam?
Fer
A comunicação de ideias a partir das estratégias observadas e das mensagens postadas
pelos colegas segue como se os futuros professores estivessem em uma sala de aula
presencial, com a diferença das narrativas: são escritas. Kei escreve seu sentimento em
relação às estratégias utilizadas pelos alunos dos anos iniciais:
Olá Del. e todos!
Na primeira situação achei muito interessante como a dupla articulou os
conhecimentos de multiplicação e adição na soma das blusas. Achei
interessante o raciocínio deles de organizarem o número de blusas a cada R$
1,00. Realmente, considerando a idade dos alunos, eles foram inteligentes ao
representar e concluir a resposta pelo número de blusas vezes a quantia em
dinheiro.
Na segunda eu achei um pouco mais complicado, mas muito interessante
também a construção de uma tabela que indicava o número progressivo de
8. blusas e a adição proporcional do valor em dinheiro. Nesta resolução
prevaleceu a soma.
Kei.
A estudante Sil aproveita o comentário de Kei e apresenta sua compreensão das
estratégias utilizadas; comenta a respeito da prática docente da professora, que aproveita
um comentário de um aluno e propõe uma situação problema que envolve toda a turma.
Ressalta, além disso, que as diferentes estratégias de resolução são valorizadas:
Oi,
A primeira equipe desenvolveu um processo de relação entre 0,05 centavos
para 1,00 real e a quantidade de blusas. Usam a adição e multiplicação. A
professora utiliza a resolução de problemas com destreza, pois percebeu no
intervalo e em seguida aplicou com a turma. Eles parecem estar habituados a
trabalhar em equipe e discutir os resultados. É prova de um pensamento
elaborado, porque não chegaram ao resultado diretamente, mas traçaram
relação.
A segunda parece mais ainda elaborado ao analisar o problema, pelo fato de
procurar padrões de repetição, e ao verificar que o cinco era pouco e
poderiam partir para 10. Isto é bem avançado para crianças de 9 anos, não
acham? Como podemos ver a utilização de resolução de problemas se
utilizados regularmente e corretamente ajuda bastante os alunos avançarem
nos desenvolvimento do raciocínio. A soma feita por eles ainda foi de 50 em
50, muito interessante.
Sil
A postagem de Pau é direcionada a cada um dos colegas, o que indica que ele
estabelece um diálogo pessoal com eles. Ao responder a Kei, ele comenta sobre a
complexidade que ela observou nas estratégias dos estudantes. No diálogo estabelecido
com Del, ele expande o comentário a respeito da falta de envolvimento dos estudantes
com a leitura nas aulas de matemática e também se posiciona contra o tipo de problema
apresentado na situação 2.
Kei,
Intuitivamente, ambas duplas utilizaram a multiplicação. Uns com um pouco
mais de complexidade no raciocínio, porém com a mesma finalidade. E,
realmente, foram muito engenhosos. Afinal, no nível de ensino e abstração
que se encontram, utilizaram muito bem o que já sabiam.
Pau
Olá, Del.
Não considero apenas a falta de leitura do problema! A meu ver, problemas
desse naipe (que não levam a lugar algum) não deveriam fazer parte do
raciocínio dos alunos e, muito menos, do repertório de um professor que está
preocupado com o que os alunos precisam aprender. Acho que eles ainda
não têm abstração suficiente para elaborar conclusões e afirmar que não tem
solução o problema proposto.
9. Talvez, com um pouco mais de informação, eles teriam condições de afirmar
que não há solução.
Pau
Ao comentar a postagem de Del, ele procura dar uma explicação para um valor plausível
para representar uma idade de um capitão, reafirmando seu posicionamento quanto ao
tipo de problema. Vemos nisso uma postura didático-pedagógica enfática diante do que
considera inadequado para o desenvolvimento do raciocínio matemático dos alunos. É
interessante que esse tipo de diálogo ocorra, pois possibilita ao futuro professor se
projetar em uma situação possível de acontecer no início da prática docente.
A partir dessa comunicação entre alguns dos participantes da atividade, as postagens
passam a considerar os aspectos pedagógicos das aulas de matemática.
Sil se posiciona a respeito do problema que não tinha dados que permitissem respondê-
lo. Ela amplia as considerações de Pau, indicando que o professor dos anos iniciais, ao
propor problemas como esse, deveria levar os alunos a apresentar respostas que
tivessem significado.
Com os dados claramente fornecidos não se pode afirmar a idade do capitão.
No entanto, pode se dizer que ele é adulto, já que para o exercício da
profissão isso é requisito básico. Se ele é adulto deve ter idade acima de 18
anos, e como a média de vida dos homens gira em torno de 70 anos, então o
capitão deve ter idade entre 18 e 70 anos.
Sil
Observamos, na postagem de Van, como a comunicação de ideias vai ganhando corpo,
dando indícios de aprendizagem da docência durante a formação inicial.
Sil., a sua postagem me remeteu a um detalhe importante quando
trabalhamos matemática via resolução de problemas:
Se considerarmos uma resposta certa sem analisar a sua justificativa, ou
seja, os meios para chegar em tal resultado, podemos dar algo errado como
certo. Por exemplo, a maioria dos alunos considerou que a idade do capitão
fosse 36 e este é um número maior que 18 e menor que 70.
Mas no processo e ensino de matemática via resolução de problemas o
processo calculado ou 'pensado' pelo aluno é mais relevante que o resultado
obtido, pois para que os alunos tivessem 'acertado' o problema tendo como
resultado 36 eles deveriam explicar que 36 está entre 70 e 18, logo é uma
possibilidade de resposta neste contexto e além do conhecimento prévio dos
alunos acerca da maioridade para trabalhar e da idade média
de aposentadoria dos homens.
Van
Nos diálogos observamos que a conversa é informal, com comentários que levam a
reflexões a respeito da intervenção que poderia ter sido feita na aula.
Gatti e Barreto (2009), reportando-se a Weller (2006), explicam que as principais
vantagens obtidas com a comunicação no grupo de discussão é que, na discussão, é
possível corrigir fatos distorcidos, posições radicais ou visões que não refletem a
realidade socialmente compartilhada. As autoras pontuam que “estando entre os
10. membros do próprio grupo, os jovens dificilmente conseguirão manter um diálogo com
base em histórias inventadas” (Gatti e Barreto 2009, p. 22).
Observamos, no diálogo a seguir, a importância de o grupo acompanhar todos os
comentários no fórum de discussão, pois a comunicação de ideias entre os estudantes
remete a outras disciplinas cursadas por eles:
Kei e todos!
A solução apresentada pela primeira dupla em relação ao problema 1 (o das
blusas) mostra que os alunos lançaram mão de somas repetidas, para
estabelecer um padrão mais "fácil" (menos demorado) para aí, sim, lançarem
mão da multiplicação!
A tabela mostra a representação da soma repetida.
A segunda dupla, embora tenha feito um percurso diferente, também
estabeleceu um padrão maior que o apresentado para fazer a multiplicação
(base 10). Ana.
Isso mostra, prezada colega Ana, que o professor deve dar oportunidades a
seus alunos de mostrarem o que sabem, as várias formas de se resolver uma
mesma situação problema, chegando ao mesmo resultado. O uso da
justificativa é um recurso que possibilita ao aluno demonstrar com suas
palavras seu raciocínio, assim, conseguem sistematizar seus conhecimentos
e abrir caminhos para novas descobertas.
Concorda?
Fer
Concordo plenamente, Fer!
Me lembrei de um feedback do prof. Romanatto, em que citava que, segundo
estudos do educador matemático Frank Lester, "as crianças antes de entrar
nas escolas dão respostas razoáveis a situações do dia a dia. No entanto,
quando entram na escola, em muitas oportunidades, dão respostas absurdas
em situações-problema propostas como tarefas".
Então, o segredo parece ser não deixar que percam as noções de que já
dispõem quando entram na escola, aprimorando-as com diferentes
oportunidades de desenvolver conceitos, mas também "atitudes" em relação
ao conhecimento matemático, como "a interpretação do resultado antes de
dar a resposta final".
Ana
Notamos que, na comunicação entre as futuras professoras, há reflexões importantes
para a constituição profissional. Mencionam a importância de a leitura e a escrita serem
trabalhadas nas diversas áreas do conhecimento. Ampliam a reflexão, comentando como
a matemática tem sido abordada nos anos iniciais.
Olá Ana, realmente o problema aqui não é a matemática, mas o português e
a forma como ele é ensinado. Ajudaria, como disse a Fernanda, se todos os
professores e não apenas os de Língua Portuguesa trabalhassem a
compreensão de textos e fosse dada aos alunos a oportunidade para
11. pensarem sobre o que estão lendo, o seu significado, qual a mensagem que
se pretende passar com o texto, quais as variantes possíveis.
No caso da matemática, nos estágio que fiz em Estágio Supervisionado I e II
percebi que as professoras não se sentem confortáveis em abordar essa
disciplina, elas acabam dando respostas aos alunos e não dão oportunidade
deles pensarem sobre os problemas. Acho que pode ser um pouco de
ansiedade do professor de ver o aluno "acertando", não dão tempo para eles
pensarem, e isso, pelo que compreendo, é essencial na matemática, a
reflexão sobre o problema proposto, a partir dela é que o aluno chegará às
hipóteses de solução e só, então, conseguirá fazer a contraprova para
verificar a correção de sua resposta final.
O cenário de compartilhamento de ideias proporcionado na disciplina e evidenciado no
fórum de discussão evidencia que este é um ambiente propício para a aprendizagem da
docência. Isso não é fruto de uma única disciplina ou dessa atividade de atividade.
Durante todo o curso de Pedagogia, os estudantes conviveram com os colegas, os
tutores e os professores, estabelecendo relações de amizade e de confiança, importantes
na formação de professores. A dinâmica de eles estarem predominantemente em um
ambiente virtual de aprendizagem foi quebrada com um encontro presencial, que
proporcionou um momento de importante interação entre estudantes, tutoras e
professora.
Esses aspectos foram evidenciados em narrativa final produzida pelos estudantes. Foi-
lhes solicitado que escrevessem uma narrativa, avaliando o que significou a atividade
sobre a resolução problemas nas aulas de matemática. Como observado por Galvão
(2005), as narrativas das práticas vivenciadas durante a formação inicial de professores
funcionam como elementos catalisadores que induzem à reflexão, projetando-se na
profissão.
Algumas considerações
Podemos dizer que as experiências vividas durante a atividade poderão marcar e
orientar o trabalho dos futuros professores. As dinâmicas de discussão nos fóruns de
discussão possibilitaram a colaboração e o compartilhamento de ideias. Eles trabalharam
juntos para compreender as estratégias utilizadas pelos alunos do ensino fundamental,
se apoiaram e complementaram seus conhecimentos, ao tentar compreender os
raciocínios utilizados pelas crianças, aspectos que vão dando sentido à carreira que
seguirão no magistério.
Observamos, nos fóruns, que a colaboração pode despertar nos futuros
professores o sentimento de que compartilham mesmos problemas, experiências, ideias
que tinham a respeito da matemática. Eles discutiram problemas enfrentados no
cotidiano escolar e arriscaram propor saídas para minimizar os problemas de leitura e
escrita durante a escolarização.
Há muitos aspectos que influenciam e auxiliam na promoção da aprendizagem dos
professores e, para isso, é necessária a articulação de ideias, a negociação de
significados, fundamentais para quando estiverem na prática docente.
A escrita potencializou e deu visibilidade às aprendizagens que estavam sendo
construídas no processo de comunicação, quando os participantes da atividade discutiam
12. estratégias que alunos dos anos iniciais criaram para resolver problemas. Observamos
que aspectos do desenvolvimento profissional foram explicitados, quando os futuros
professores se arriscaram a projetar como poderia ser a prática pedagógica dos
professores para ensinar matemática nos anos iniciais. Destacamos que a produção de
narrativas, além de revelar indícios de desenvolvimento profissional, permitiu reflexões
para além das relacionadas à ação como futuros professores.
Referências bibliográficas
Cunha, M. I. (1997). “Conta-me agora!: as narrativas como alternativas pedagógicas na
pesquisa e no ensino”. Revista da Faculdade de Educação, vol. 23, nº 1-2, jan./dez. São
Paulo: FE/USP.
Galvão, C. (1998). Professor: o início da prática profissional. Tese de Doutorado. Lisboa,
Departamento de Educação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, 716
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